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ore Pie Crandods Woman is the nigger of the world | John Lennon } ; s mulheres sempre foram uma constante na litera tura, principalmente como personagens. Sirvam de j exemplo Anna Karenina, Madame Bovary, Eugenie Grandet e o criaturas imortais no imagin‘rio. Porém, duran- i te muito tempo, o territério das letras foi dominado pelo homem. { AA falta de alfabetizagao feminina, talvez tenha sido um dos fatores que retardaram a entrada da mulher no campo da criagao liters ria. A medida que ela foi se afirmando no processo da escrita, foi usando esse mesmo meio para reivindicar seus dircitos. Expresso c la, em 1837, ao socialista e fildsofo fran- ' i és, Charles Fourier, a palavra feminismo apareceu pela primeira i vez na Franga ¢ consecutivamente nos Paises Baixos por volta de 1872, no Reino Unido na década de 1890 ¢ nos Estados em 1910. Podemos considerar como marco inicial do femi i © movimento que teve origem no ano de 1848, na convengao dos direitos da mulher em Nova Torque, Este movimento adquiriu cunho reivindicatdrio por forga das grandes revolusées. As con quistas da Revolugio Francesa, que tinha como lema Igualdade, Liberdade e Fraternidade, sio reivindicadas pelas mulheres, porque acreditavam que os direitos sociais e politicos adquiridos a partir das revolugdes deveriam se estender a elas enquanto cidadis, Teve grande repercussio a época a Declarasao dos Direites das Mulberes ¢ das Cidadas (1791), de Olympe de Gourges (1748-1793). Algu- ‘mas outras conquistas podem ser registradas como consequéncia da participagao revolucionéria da mulher, por exemplo, o divétcio. Possivelmente, a mais famosa escritora feminista desses tempos Fn Shaye Guage C» heréicos foi Mary Wollstonecraft (1759-1797), frequentemente ptimeira prefeita no Brasil, Maria do Céu Fernandes, citada como precursora. deputada estadual; Lucy Garcia Maia, primeira aviadora do Nor- deste; Ademilde Fonseca, primeira intérprete de letras de cho- rinho, no Brasil; Maria Gomes de Oliveira, primeira reitora de tuniversidade pablica do Brasil; Myriam Coeli, primeira jornalista diplomada. Mas, essa peculiaridade, nfo se refletiu desde logo nas artes, mais precisamente, na poesia. A histéria intelectual da mulher potiguar nio muito dife- Mas, que vem a ser, precisamente, feminismo? Segundo a Enciclopédia Veja Larousse, feminismo é: 1) “movimento que mi- lita pela melhoria e extensio do papel ¢ dos direitos da mulher nna sociedade. 2) Atitude de alguém que visa ampliar tal papel ¢ direitos das mulheres.” mulheres potiguares, assim como a mai ladas, presas de antigos precon- ceitos ¢ imersas numa rigida indigéncia cultural. Diante desta si- ‘uagio seria necessirio levantar a primeira bandeira, que nfo podia ser outra senio 0 direito bisico de aprender a ler e a escrever (entio reservado a0 sexo masculino). A primeira legislago autorizando a abertura de escolas pliblicas femininas no Brasil data de 1827; até entio as opgées eram uns poucos conventos, que guardavam as ‘meninas para 0 casamento, raras escolas particulares nas casas das professoras, ou 0 ensino individualizado, todos se ocupando apenas com as prendas domésticas. E foram aquelas primeiras mulheres que tiveram uma educagio diferenciada, que tomaram para sia ta- tefa de estender as benesses do conhecimento as companheiras, ¢ abriram escolas, publicaram livros, enfrentaram a opinifo corrente que dizia que mulher no necessitava saber ler nem escrever rente das de outras regides. No Rio Grande do Norte o movimen- to feminista comeca pioneiramente com Nisia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), pseudénimo de Dionisia Goncalves Pinto, nascida em Papari (hoje Nisia Floresta). Bla foi certamente uma iras mulheres, no Brasil, a publicar textos em jornais; boragées desde 1831, em “O Espetho das jornal dedicado as senhoras pernambuca~ nas, Nisia colaborou com artigos que tratavam da condigio da mulher em diversas culturas. E por volta de 1850 publicou contos, poesia, novelas e ensaios em jornais como “O Dirio do Rio de Ja~ neiro”, “O Liberal”, ¢ 0 “Brasil Iuminado” do Rio de Janeiro. Nisia Floresta lancou em 1832 seu primeiro livro Direito das Mulheres e | Injustias dos Homens (publicado quando ela tinha apenas 22 anos. ‘A obra trazia estampada em sua capa, a informagao de que se tra~ ‘ tava de uma traducdo livre de Vindications of the Rights of Woman, Em Natal, © processo civilizatério despontava com a pri- da escritora inglesa Mary Wollstonecraft) e, em 1849, Légrimas meica aula feminina, no bairro da Cidade Alta, com a professora Bia Ceara nad peer ‘Ghitih flo Cusioeo soli Josefa Francisca Soares da Camara, em 1829, informa Camara escritora é que seria a primeira norte-rio-grandense a publicar um Cascudo (1980). romance, Dedicagdo de uma ansiga (Paris, 1850). Segundo Diva Cunha e Constancia Duarte (2001, p37) ‘a obra de Nisia evidencia o propésito consciente da autora em A literatura feminina no Rio Grande do Norte Rio Grande do Norte sempre teve, em passagens signi- formar e modificar consciéncias ¢ de alterar 0 quadro ideolégico ficativas da sua histéria, mulheres no vigente no que dizia respeito a0 comportamento das mulheres, € exemplo, Clara Camario, mulher do Indio Poti, primeira a pe~ naturalmente, o dos homens, seus contemporineos. Sua pocsia é gar em armas para defender sua terra da invaséo holandesa; Nisia ccaracteristicamente romantica, com elogios"I natureza ¢ exaltagao Floresta, primeira feminista; Celina Guimaries Viana, primeira de valores indigenas, no dizer das referidas pesquisadoras. mulher eleitora do Brasil ¢ da América Latina; Alzira Soriano, ; i ——— C7 16 GGro0 “Tarcisio Gurgel (2001, pag.15) relata:‘Ninguém mais euro- para o estudioso, isso néo diminui o valor da intelectual papariense, apenas prefere estudi-la noutra perspectiva. Henrique Castriciano (1874-1957) foi o responsavel pela ia Floresta. O intelectual realizou durantes nos imy torno da escritora ¢ incentivou ei ese 9 ete Tecate at dela no Brasil e no exterior, chegou inclusive a conhecer a filha dela, Livia Augusta, que residia na Franca. ALAGRIMA DE UM CAETE Vagarosa a estender por sobre a terra; Pelas margens do fresco Beberibe, Em seus mais melancolicos lugares, Azados para a dor de quem se apraz Sobre a dor meditar que a patria enlutal Vagava solitirio um vulto de homem, ido ao céu levando os olhos, iste os volvendo... (..) pagina 18 Nao chores, 6 Caeté, 0 amigo teu Que caiu, nto morreu, porque o bravo Constante defensor da patria aca a patria nto morte. (..) pégina 21 O bravo selvagem at6nito ficou.. ~ Quem és; Ihe pergunta, infernal deidade? ~ Uma tal visio de inferno nao sou: Sou e4 deste mundo, a realidade. Luis da Ciara Cascudo, (1999, p.393) no livto Historia da Gi- dade do Natal, no capitulo “Musa, canta os poeta, escritores..” rlata que a primeira manifestagdo artistica feminina em solo potiguar foi em “O Reereio’, em 1861, com Isabel Gondim (1838-1933). Segundo Cascudo, Gondim trabalhava sempre isolada, sisuda, sem repercussio, escrevendo até momrer, “coisa do nome,e da fungao intelectual exercida’, Gondim, enraizadamente potiguar, vivenciando ¢ amando sua terra de nasct ira mulher a publicar livro no Ex anhamento em Natal pelas rico e Geogritico do RN, que até entio nfo admitia mulheres em seu quadro. Se- gundo Camara Cascudo (1999, p.396) ela foi a tinica mulher do Estado em seu tempo, que teve coragem de concorrer na produgio intelectual ao lado dos homens. Em 1874 ela publicou Reffexies ds Minhas Alunas, depois O Brasil, pequeno poema (1903) e Sedigao de 1817 na Gapita fo Rio Grande do Norte,importan- te contribuigdo 4 historiografia potiguar (1908). Na introducao de Reflexdes as mais antiga escritora’ fala das suas trabalhos como os do Padre Roquette e do Visconde d’Almeida (Garrett, “grandes vultos da literatura modema’- conclui a professo- ra Isabel Gondim. Com bastante propriedade, nas a ilustrar 0 e9 i porém, de no ler obras “consideradas perni moral seja preterida pelas insinu: pouco decorosas”. Eis um exemplo da poesia de Isabel Géndim: if Tae Grgye oo OMEU RETRATO Em 1875 estreia em solo potiguar “O Iris”, periédico bimen- sal, dedicado ao sexo feminino, e que tinha por divisa a seguinte Los vinte ¢ quatro anos de idade) rs frase de Madame de Stael ; “© génio nao tem sexo’. Impresso ‘Morena. Rosea tex macia e fina; na Tipografia Conservadora, era redigido por Joaquim Fagundes, sara mf bust dele que ai deixou tragos luminosos em defesa da mulher. O corrido cabelo acast De 1894 a 1904 circulou em Natal a revista “Oasis”, do gré- a sobran olhos combina. Com a sobrancelha ¢ olhos cos mio literério Le Monde Marche. Desse periodo temos noticia No diigerwic pelea prodoosinal da efetiva participagao feminina em érgios de imprensa locais. O talhe esbelto, o porte concentrado; Nomes como os de Anna Lima, Ursula Garcia, Auta de Souza ¢ Pescoro alto; nara, rosto tirado ‘Adelle de Oliveira, tornaram-se frequentes na revista, com seus i Na terna vor frescura cristalina. | versos. Devemos destacar Auta de Souza (1876-1901), “a cotovia | mistica das rimas", no dizer de Francisco Palma. Para Olavo Bilac, LAbio rosado, a cor viva e segura, que prefaciou o tinico livro de Auta-Horto — sua poesia é “ingé- A fronte larga © alta, a boca estreita \ nua, comovida e meiga”. Cunha e Duarte (2001) ressaltam em ‘Ag macs... assim; sada a dentadura seus versos 0 misticismo e a religiosidade. i Porém a literatura feminina, e participativa, no Estado, itos do temy 1co afeita: l, © participativa, Ei cocalabiitclatn igen 86 dard um salto realmente expressivo com Palmyra Wanderley [Nao sei se verdadeira ou contrafeita (1894-1978). Nos anos 20, Palmyra comesa a escrever crdnicas no jornal A Republica, divulgando ideias feministas. Além de ser Vale ressaltar a afirmativa de Zahidé Muzart (1996), segundo incentivadora dessas }, orientava ¢ aconselhava suas leitoras 1 qual, no século XIX as mulheres que escreveram, que desejaram sobre a importincia de ler bons livros, indispensives & formasdo tet a profssio de escritoras, eram feminists, pois 360 desejo de sair intelectual e moral da mulher. Questoes essas que estavam em da reclusio doméstica ja indicava uma cabeca pensante ¢ um desejo proceso de formacao na provincia, prifcipalmente apés a vinda de subversao. E cram ligadas a literatura. Entio, na origem, a lite- de Bertha Lutz a Natal. O primeiro livro de Palmyra - Exmeral- das (1918)-obteve sucesso de piiblico ¢ de colaborou com a “Cigarra” (1928-1929), que documentou uma das fases mais movimentadas da vida intelectual da cidade Palmyra publicou em diversos jornais de varios estados, além de pronunciar conferéncias sobre Auta de Souza ¢ sobre a condiga0, feminina, juntamente com sua prima Carolina Wanderley. Foi uma das mulheres a aderirem 20 movimento feminista nos anos 20. Em 1929, ao publicar Reseira Brava, consagrou-se como uma fica. Ela também ratura feminina no Brasil estava ligada a um femninismo incipiente. Para Constincia Lima Duarte (2003), feminismo pode ser compreendido em um sentido amplo, como todo gesto ou ago aque resulte em protesto contra a opressio e a discriminagao da mulher, ou que exija a ampliago de seus direitos civis ¢ politi- cos, seja por iniciativa individual, seja de grupo. Somente entio ser4 possivel verificar os momentos iniciais desta luta ~ contra os it fs igados ~ ¢ considerar aquelas 9 5 : gFOU-se COT ee re Bem On cent ae das principais poetisas do pais. Porém essa militincia no se re- oe . fletiu em seus poemas, pois estes, na grande maioria, trataram de primeiras ¢ legitimas feministas. 20 OGries Rayo Gages ef , retratar a cidade, as praias,os bairros,o rio, os mosros, 05 costumes eas cantigas. Segundo Tarcisio Gurgel (2001) varios fatores contributram para osuoesso de Palmyra: “o sobrenome famoso em todo o Esta- eve a beleza fisica que causava admiracao por onde passava,além, claro, do grande talento”. ‘As décadas de 1910 e 1920 assinalam o surgimento da se gunda onda feminista que, tendo como cerne 0 estabelecimento Te igualdade de direitos entre homens mulheres, trazia questocs como o acesso feminino 2 instrugio, a critica a0 casamento CO” quanto instituicto opressora da mulher, a ampliags0 das possibi- ides femininas no mercado de trabalho, e dava maior énfase & reivindicagdo do sufrégio feminino. Por volta de 1914-15 foi publicada em Natal uma revista pioneira, “Via Lécrea”, de teor feminino, idealizada, organizada ¢ Hlnigida por Palmyra ¢ Carolina Wanderley. 1914 também risa 4 Rindasio da Escola Doméstica de Natal idealizada por Het” striciano, estabelecimento modelar, baseado nos moldes . por onde ele proprio tinha visjado. Em 1922, publicou-se a primeira antologia poética do Rio Grande do Norte, organizada por Ezequiel Wanderley, dela cons- tando 108 escritores. Desse total, apenas 12 mulheres, dentre estas, Nisa Floresta, Auta de Souza, Palmyra Wanderley, Anna Lima e ‘Adelle de Oliveira Palmyra Wanderley, estrela de primeira grandeza 2 époct embora no tenha ineorporado 0 discurso feminista & poesia, fez om que seus versos também pudessem ser estudados fob 4 pers- pectiva de genero, dada a forma como se imp0s na sociedade ma- chista e conservadora em que vivia. Do livro Reseira Brava, etas“Trovas”repassadas de wm liris mo singelo ¢ descomprometido. ‘As frutas que recebi De tuas méos milagrosas © amor mudou, por milagre ‘Num ramalhete de rosas. ‘Um passarinho no lago Prendi com satisfario Qualquer dia estou ptendendo Teu amor na minha mio. Outro dia, meu amigo, ‘Um rico mimo te dei ego agora que me voltes O beijo que te mandei. Embora a década de vinte tenha sido de efervescéncia fe- minista, a militancia nfo se fazia sentir na poesia local. Como excesio 3 regra, na revista “Cigarra'( revista de grande repercus: sao no Estado) de dezembro de 1928, Z. Ballos, pseudnimo de Virgilio Trindade, poeta e escritor, depois membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, publicou uns versos de sua autoria intitulados “Desafi de dois cantadores, Manuel de Riba e Juca da Baixa. iscorrendo sobre 0 voto feminino na voz DESAFIO Manoel Hai uma nova no mundo, CCumpade, eu vou lhe conti As leis agora premitte Que as muiéres vao vos, E eu inté vou pra cidade Para a minha se alistré ) ip Gop CO ‘Gampateoc ido Isso € besteira do cio, ‘Apois nunca ninguém viu ‘Muié ir pras inleiso, Isso inté ti desconforme Com as obra da creagio. Manoel ‘Cumpade, do tempo antigo Vocé nao nega qui é Pois se pode sé dotora Telegraphista, chofé, ‘A terra nao se escangaia Pru que se alistra a muié. Juca ‘Quando Deus fez este mundo és tudo no seu logs Home pra ganhé a vida, “Muie pros fio cri, Serei as soupa usada Varré casa ¢ cozinha Manoel Cumpade,Ié esté nas lezes Da nossa Constituigao ‘Qui nega voto a muié E mesmo qui negé pio, Apois ambos os dois sexo Nao hai diferensa. aa thc Manoel ‘Uma moga qui chegou Em Natal num aviao. Ti pregando esse derci E é peitada a animacao; De tanto alistré nao drome ‘Nem Juiz nem escrivio. Juca ‘Cumpade, voc! ganhou Diga A moga do aviéo Qui w viradinho da sv; ‘Toda a minha “obrigasio”. Ambos Entonce alerta muiéres Desta terra potiguds Viva quem soube a vitora Sem sobrosso conquisté, ‘Nosso amado Presidente Sinho Douté Juvena ‘A “moga do avido” deve ser Bertha Lutz, pioneira do mo- vimento feminista, que visitou Natal, em 1928, tendo proferido conferéncia sobre a questio feminina, com grande éxito. Bertha Lutz ( 1894-1976), tornara-se um dos nomes de maior expressio, na defesa dos direitos da mulher: direito ao voto, ingresso & uni- versidade e a0 mercado de trabalho. Doutd Juvend é Juvenal Lamartine, entio Presidente (Go- vernador) do Estado.(Cigarra ~ Ano I - Numero 2 ~ Natal, de- zembro de 1928). 3 No final dos anos 20,0 escritor e politico Antonio José de ‘Melo ¢ Souza, que se firmaria, com 0 pseudénimo Polycarpo Fei- Tage Gonage a tosa, como tim dos mais importantes ficcionistas do Rio Grande do Norte, publica o romance Gizinda(1930), uma narrativa que ‘tem como foco o drama existencial da personagem que dé titulo obra, seu noivo, Julinho Silveira. Em boa parte, a ago romanesca transcorre em Natal na época das melindrosas. O critico literirio Joio Ribeiro, na edigio do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, datada de 10 de setembro de 1930,satida o livro com entusiasmo, afirmando ser “uma histria de amor nas longinquas terras do Rio Grande do Norte, onde floresce o feminismo e aonde aportam os avides que chegam do velho mundo”, Depois da efervescéncia feminista dos anos 20, poucos foram 0s registros da atuagio feminina em nossa literatura. Embora al- guns nomes surgissem, ndo tinham caracteristicas de engajamento. Quando foi fandada, em 1936, a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, acolheu como membros efetivos, as poetisas Palmyra ¢ Carolina Wanderley; ¢ escolleu outras mulheres para serem patro- nas: Nisia Floresta, Isabel Gondim e Auta de Souza. Assim proce- dendo, a nossa Academia antecipou-se 4 Academia Brasileira, A poesia feminina potiguar seguiu com nomes como: Maria Sylvia, Clarice Palma, Etelvina Dulce e Zila Mamede. Em 1952, um grupo de mulheres se reuniu na capital para fundar a Aca- demia Feminina de Letras “Bertha Guilherme”, homenageando uma antiga professora do Atheneu que foi a primeira mulher a ensinar filosofia no Estado. Zila Mamede (1929-1985)resgata em versos antol6gicos 0 seu passado de menina sertaneja, ¢ constréi aquele 4 siderado 0 seu melhor livro, O Arado. (1959). Em outros trabalhos, como Resa de Pedra (1953) e Salinas (1958), torna-se evidente o seu fascinio pelo mar. Nao ha registros de engajamento fe sua obra, no entanto, impondo-se como poeta de prim tal como Palmyra, contribuiu para romper certos tabus machistas. mesmo podemos dizer de outra grande poeta contemporinea, ‘Myriam Coeli, que também se destacou pelo pioneirismo de algu- ‘mas de suas iniciativas no exercicio do magistério e do jornalismo. Ay ; BGs Sto exemplos, estes que se enquadram na definica: por Lticia Helena Vie edn A gual, slates toda discursividade produzida pelo sujeito feminino que, assumi- damente ou nio, contribua para o desenvolvimento e 2 rmanifes- ‘asdo da consciéncia feminista, consciéncia esta que é sem dtvida compromisso estabelecido com a afirmativo do género feminino em piblico” (Vianna, 2003). De Zila Mamede, 0 seguinte fragmento, deveras represen tativo de sua poesia tekirica. a ee ARADO Arado cultivadeira , morde chiio Ai uns olhos afiados rasgando meu coracio. Arado dentes enxadas Jayancando capoeiras Mil prometimentos, Arado ara picoteira sega relha amanhamento, me desata desse amor ternura torturamento, (0 Arado, 1959) ____ Figs Gosggn 27 De Myriam Coeli ‘Al, FLORES DE MEU VERDE PRADO. Ai, flores de meu verde prado, Fazei acordo comigo. ‘Que das manhas do amor sentido Vistes vés 0 desalmado. Ai, flores, procural o amado, ‘Ao rowxinol perguntai Bem asinha logo aprazai ‘Tempo de estar ao meu lado. Ai, lores de meu verde prado, ‘Canto da amante ¢ do amado. ‘Desse amor que descaminha Por quem s6 vivendo ama, Ai, lores de verde rama, ‘Triste sina estar sozinha. (Cantigas de Amigo, 1980) Simultaneamente & produgio literdria das mulheres poti- ‘guares, no resto do mundo fazia-se eco uma escritura e um tra- alho engajado com a causa feminina, da qual Betty Friedan (1921-2006) estava a frente nos Estados Unidos. Fundadora do Movimento Feminista Americano, ap6s 0 sucesso do langamento da Mulher Mistificada (1963), obra que interroga ¢ reavalia 0 papel das mulheres na sociedade americana, Vale mencionar, ainda, neste esboso histérico a fundagio em 1999 da Academia Feminina de Letras ¢ a criagao do Memo- rial da Mulher, pela eseritora Zelma Furtado, em Natal. Atransigio A onda feminista na poesia potiguar, avoluma-se no ini- cio dos anos 80, aflorando uma geragio influenciada principal- mente pela obra “O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir ¢ 0 “Women’s Lib” (também conhecido como Movimento de liber- tagio das mulheres, Movimento de mulheres, ou Feminismo). As escritoras, Socorro Trindad, Diva Cunha e Marize Castro, ao em sua produgio poética um grito de liberdade dentro das propostas do movimento feminista, a0 qual logo aderiram, em vista da injusta situagio da mulher na sociedade, Tendo sua “li- berdade” tolhida por anos de predominio machista e siléncio, clas conseguiram finalmente espago para falar de seus corpos, de seus desejos, de seus direitos, da forma que achavam mais, conveniente. Além de quebrarem um paradigma, a nivel local, expressaram rompimento com a tradigZo poética provinciana, numa perspectiva de emancipagio literétia da mulher. E, abor- dando a temitica feminista com rara expressividade, alargaram as fronteiras da militancia feminina em solo potiguar. O eu litico utilizou intensas sugestdes verbais, e revelou anseios ¢ desejos, numa notéria evolueao poético-feminina, Socorro ‘Trindad, que coincidentemente nasceu na mesma cidade onde nasceu Nisia Floresta, foi pioneira no Estado, a que- deixando de lado, tematicas sentimen- tais - 0 amor, 0 sertio, a solidao, a familia - para tratar em seus. versos, da emancipaao da mulher. A escritora publicou, em1982, o livro “Uma Arma Para Maria’, espécie de prosa poética em que € perceptivel a mudanca na linguagem, que pbe em sua escrita um cariter nitidamente feminista. Uma arma em defesa da mulher, a comegar pela propria introducio do livro, dedicado a todas as mulheres, com sua mensagem existencialista ¢ socialista em prol da igualdade entre os sexos. A obra de Socorro Trindad traz efe~ tivamente uma linguagem nova no trato de temas, até entdo nao encontrados em versos femininos locais. Vejamos um exemplo ‘num dos seus poemas: Shige Gospage 29 , “No Nordeste, dez mulheres, representantes das variadas classes sociais, encabecaram uma concentragio, para discutir e ela~ borar uma lista de pedidos ao Presidente da Reptiblica do Brasil, solicitando o que mais thes satisfaz, de acordo com a necessidade pessoal de cada uma delas.A lista foi feita e encaminhada ao chefe da Nac, Nao se sabe se ele as atendeu. Além das dez cabegas do movimento, mais de cinco mil mulheres aderiram a ideia e assina- ram a lista, indicando suas respectivas reivindicagoes. Eis os nomes e os pedidos das dez primeiras, ou seja, das autoras da manifestagio: ~ Carolina: fantasia para o préximo carnaval; ~ Marta: comida para os filhos, que esto passando fome; ~ Luiza: roupas e bugigangas, = Conceicdo: melhores condigibes de vida para a mulher nordestina; ~ Denise: calcinhas de lycra; = Marize: livros e discos; “Joana : homens, nfo machées, pois o que mais se tem no Nor- deste, é machio, e deles ja estamos farts; “Tereza : oficializagio do aborto; ~ Fitima: e do homossexualismo ; ~ Maria : uma arma.” Outro poemaz QUAL E ATUA, MARIA ANA? Até quando, Maria continuards em cima do muro, assistindo a tudo ‘como mera expectadora? i‘ ee Nos pocmas transcritos a seguir, detectamos mais uma vez inovagdo ¢ ousadia na linguagem: PRA VOCE, COM AMOR. ‘Duas coisas tocam minha carne de mulher: 0 vestido e vocé. AMANTE Gosto de ser a outra mas com outros. FEMININO A boceta também é uma flor A poesia de Socorro Trindad, vai revelar, através de palavras sugestivas, provocantes, ao mesmo tempo, erotizadas, um lirismo bem feminino, uma libertagZo, um brado e 0 anseio de ser ela mes- ma, dona do seu corpo e dos seus desejos. Socorro Trindad da inicio a esse proceso de transigao, na poesia potiguar, o qual vai se concretizar com Marize Castro, na época com apenas 21 anos de idade, em seu livro de estreia Mar- rons Crepons Marfins (1984)e Diva Cunha com Canto de Pagina (1986). Salientemos que Diva, embora s6 tenha estreado em li- vyro no referido ano, ha muito tempo ja vinha publicando poemas em jornais ¢ periédicos, como, por exemplo, um poema na cole~ tinea “Grande Ponto”, do Laboratério de Criatividade da UFRN (1981). Tivemos oportunidade de estudar a poesia de Diva Cunha sob o prisma do erotismo, no livro “Presenga do Negro na Litera- tura Potiguar & Outros Ensaios” (Gonzaga, 2014). Poema de Diva Cunha da obra Canto de Pagina (1986). minha mae diz aque eu sou da pa virada ada vida torta M Slee Gage aA i (8 modelos dela so outros: santa terezinha do menino Jesus santa rita de céssia santas fora as santas domésticas que foram sacrificadas no diaa dia ninguém viv sangradas como galinhas maceradas em vinha d’alhos postas a dormir no sereno para secar odores enfurnadas como bananas verdes csfiegadas nos ladrilhos claros dos banheiros costuradas em botoes de quatro furos exbofeteadas e sacudidas como colchdes ¢ almofadas para desprender o pé das horas secaram todas nos linhos brancos dos lengéis bordados 420 morrer, nfo morreram entregaram a alma a deus, que provavelmente nao as perdoou pelo gasto inatil que fizeram dos seus talentos. Nas primeiras paginas de Marrons, Crepons Marfins de Ma- ize fica evidente a marca de um trabalho sob nova perspectiva poética, onde a mulher nao vai mais usar seus versos como se fos sem um caderno pessoal, mas, como um grito de liberdade. ~ BG VINHO Seo queres seco para mothar a garganta eu 0 quero suave para reinventar ssa chama_ se o queres branco. para velar a virgem uo quero | vermelho do porto | part aportar a paixdes que me dividem Para Gurgel (2003), Matize Castro trouxe uma produgio Uirica invulgar, contendo questées como cidadania, eroticidade, ousadia de dizer 0 que bem entendesse, com autonomia niio ape. nas estética, A poeta rompe os padrées locais, especialmente, no modo como vé 0 uso erético do corpo ferinino. Sem submissio, sem rentincias de sua identidade, 0 eu lirico consciente de seus dese. Jose senhor de si mesmo Observamos que, no seu referido livro, Iansou mio da combinasio de elementos trivialmente utilizados elas suas antecessoras, e de maneira eficaz, remete o leitor 2 novas significasdes, 2o mesmo tempo em que cria uma poesia que apon- ta para uma linguagem mais feminina e erotizada. Outro exemplo € o poema a seguir: PREDESTINADA Nua, as trés da madrugada, ainda escavo minas instaladas em minha alma, Nesses versos, a0 utilizar como titulo a palavra “Predesti- nada’, parece-me que o eu-lirico é um ser limitado ao destino as mulheres, que é servir a0 homem e seus desejos sexuais. Fla & predestinada a escraviddo sexual, infelicidade de nio ser dona do seu compo, as 3 da madrugada, ela ainda esti nua, sem vontade de se entregas, cavando buracos em sua alma, até ficar totalmente ca, sem personalidade, sem vida. A autora joga com palavras, no intuito de demarcar a presenga feminina, difecionada ao ansein de se entregar e de nio reprimir seus desejos. Marize Castro descreve circunstincias virias em versos que mostram partes do corpo feminino supostamente postas em contro intenso,e assim denota quanto o erotismo feminino evoluiu e desta, course na poesia norte-rio-grandense. A nova geragio de escritoras, a que Marize pertence, seri de extrema importincia na construcao do novo discurso literirio femninino e potiguar, trazendo, sob outro ‘specto,além da feminilidade, o erotismo como libertaci0. NECTAR A verdade aproxima-se. olha-me com 0s olhos abismados da beleza. Nio soua mulher que corta os pulsos e se joga da janela nem aquela que abre o gis nem mesmo a loba que entra no rio ‘com os bolsos cheios de pedra Sou todas elas, Escrever me fez suportar todo incéndio ~toda quimera, Marize Castro vai ultrapassar as barreiras da provincia e Wansformar-se numa intérprete que representa a mulher loca, dentro do universal com seu'valorexistencial,na revalorizagto tor 34 G Grins talizante do segundo sexo, Este é sem duvida um dos elementos motivadores de sua poesia. A historia da literatura feminista, entendida esta como uma Postura politico~ filosofica, em solo potiguas, comesa explicita- mente, portanto, nos anos 80. Na obra das poetas em referéncia, pereebemos mulheres que deixam de escrever como se estivessem, fazendo anotasdes num difcio intimo; mulheres que deixam de falar apenas do seu contexto doméstico, de sua vidinha prosaica, ‘Quando elas filam do mundo externo se impdem, donas da pr6~ ria voz. Isto, na perspectiva histérica, faz toda uma diferenga Referéncias: BEAUVOIR, Simone de.O segundo sexo. Fatos ¢ mitos. Rio de Janei- ro: Nova Frontei, v1, 2002. (Primeira parte, capitulos I, Ile I) DUARTE, Constincia Lima - MACEDO, Diva Cunha Pereira de. ite- tatura do Rio Grande do Norte. Natal: Governo do Estado do RN, 2001. DUARTE, C. L. Literatura feminina e critica literéria, Travessia. Flo- rian dpolis: 1990, Informagao da Literatura Potiguar. Natal, Editora LOBO, Liza A literatura de autora feminina na Amética Latina. Amigo 1 line disponivel em htsp://members.tripad.cont/~Iflipe/LLobo.btml MUZART, ZahidéLupinacci. Mulheres de faca na bota: escritoras ¢ Politica no século XIX. In: FLORES, Hilda Agnes Hiibne: 1 Claudia de Lima Costa ian6polis: Editora Mulheres, 2004. do Rio Grande do Norte, Recife: igdo (fac-similar): Natal: Sebo Verme- ivros, 193, WANDERLEY, Ezeq Imprensa Industrial, 1922; tho/Editora Clima/Sebo Cata Fhage Gerige Cs

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