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LEXICO MUSICAL EXPLICATIVO OS INSTRUMENTOS, A ORQUESTRA, AS VOZES Os INSTRUMENTOS DE SOPRO Neste tipo de instrumento, o som resulta da vibragéo da coluna de ar contida em um tubo, Trés fatores intervém: 0 comprimento do tubo, a forma interior (ou “furo”) do tubo e a produgao do som. COMPRIMENTO DO TUBO A vibragao do ar contido em toda a extensao do tubo produz um som denomina- do “fundamental”. Quando se modifica 0 comprimento do tubo, sdo obtidos sons de alturas diferentes, 0 que se faz com recurso a diversos procedimentos: + Justaposicao de tubos de diferentes comprimentos (flauta de Pa, 6rgao). + Abertura de orificios ao longo do tubo: quando todos os orificios estéo tapados, 0 tubo produz o som “fundamental”; cada orificio aberto ao longo do tubo, de alto a baixo, equivale a um encurtamento deste. + Vara (trombone): quando puxada, o tubo é alongado; quando recolhida, reduz- se o tamanho deste. + Pistdes: sistema complexo de derivagées que permite a passagem do ar por redes de circuitos de maior ou menor comprimento (trompete, trompa). “FURO” * Cénico (oboé). + Cilindrico (flauta). O comportamento da coluna de ar contida no tubo varia de acordo com a for- ma interior do mesmo. O enrolamento do tubo sobre si mesmo nao tem qualquer influéncia sobre 0 efeito vibratério. 4 Léxico musical explicativo PRODUCAO DO SOM Talvez seja o mais importante dos trés fatores; é 0 que determina o ,‘timbre” do instrumento. A vibracao do ar no tubo é produzida quando o ar que o instrumen- tista expira entra em choque contra um obstaculo. Desde as origens dos instrumen- tos de sopro, este fendmeno sempre foi produzido de trés manéiras, com variantes: 1.0 bisel: 0 jato de ar expirado bate contra uma fenda talhada em bisel, ai se rompe € separa-se em dois. (Nao é 0 bisel que vibra, mas apenas o ar que contra ele se choca.) Ha duas variantes, que determinam dois tipos de flautas: * a ponta (flauta vertical ou flauta doce, charamela, diversos tipos de tubo de érgao); + a embocadura (flauta transversal ou transversa: neste instrumento, os labios do executante dirigem 0 jato de ar sobre a borda do orificio feito no tubo). 2. A palheta: é constituida por uma lamina feita da madeira de cana, que se poe a vibrar sob o efeito do ar expirado. A palheta pode ser: + simples, fixada a uma ponta (clarineta); + dupla, feita de duas laminas, fixadas contiguamente e que vibram uma contra a outra (oboé). 3. A embocadura: € um pequeno bocal, geralmente metilico, sobre o qual se apli- cam os labios do instrumentista (trompa, trompete). Neste caso, sio os préprios labios que fazem o papel de uma palheta dupla. FURO ‘TUBO PRODUCAO DO SOM | PALHETA cilindrico ‘embocadural conico pistoes simples dupla bisel Flauta Oboé __! Corne inglés x x x Fagote 7 Clarineta x = | Saxofone ‘Trompete ‘Trompa ‘Trombone Tuba Cornet ‘Trompa de caga_ Trompete natural * * * | * w]e | fo) xl la |x ]o lx |o le ' Otrompete,a trompa e o trombone tém, em quase toda a extensdo de seu comprimento, a forma de um cilindro, que se abre progressivamente até o “pavilhio Os instrumentos, a orquestra, as vozes 5 Familia das flautas a Per xo Fist Flauta. Em francés, fliite; em italiano flauto; em inglés, flute; em alemao Fléte. Ins- trumento de tubo cilindrico, perfurado por varios orificios, em que a vibragao do som é obtida por um “bisel”. Hd duas familias, conforme seja 0 tipo do bisel. Flauta doce. Flauta inglesa, flauta vertical; em francés, fliite a bec; em inglés, recor- der, em alemao, Blockfléte. O som € produzido por uma ponta provida de um diminuto orificio que dirige o fio de ar para o bisel, como num apito. As mais antigas flautas desse tipo remontam ao Magdaleniano (10000 a.C.). Da Idade Mé- dia até o comeco do século XVIII, as flautas doces, sempre de madeira, gozaram de grande popularidade. A literatura para a flauta doce é muito rica até 0 inicio do século XVIII, época em que o instrumento comega a ofuscar-se diante da flauta transversa. A familia das flautas doces inclui flautas baixo, tenor, alto, soprano e sopranino, todas com oito orificios. Flauta transversa ou transversal. Flauta alema; em francés, fliite traversiére; em alemao, Querfléte. O som é produzido pelos labios do flautista, que dirigem o jato de ar na direcao de um orificio feito lateralmente no tubo, que serve de emboca- dura; o instrumento deve ser colocado transversalmente a boca do instrumentista e mantido em posi¢ao horizontal, e disso lhe vem 0 nome. Flautas deste tipo po- dem ser vistas em alguns baixos-relevos indianos que datam aproximadamente do século II a.C. Menos utilizada que a flauta doce durante a Idade Média e o Renas- cimento, a flauta transversa ou transversal desenvolveu-se sobretudo a partir do século XVII, e no século XVIII praticamente eliminou sua rival. Os primeiros aper- feigoamentos da flauta transversa devem-se a familia Hotteterre (ca. 1700). Aos poucos, foi-Ihe sendo acrescentada uma série de chaves. Do inicio do século XIX em diante, as flautas transversas passaram a ser feitas de metal (mas continuaram fazendo parte da familia das “madeiras”!) e foram munidas de chaves e anéis que facilitam o dedilhado. Theobald Béhm foi, por volta de 1830, 0 grande artesao responsdvel pela metamorfose deste instrumento, que é, entre todos os outros, a um s6 tempo o mais antigo e o que mais transformagoes sofreu em sua estrutura. (Veremos adiante que, ao contrario da flauta, 0 violino, por exemplo, é um instru- mento que ha séculos se mantém imutdvel.) O sistema de Béhm foi, mais tarde, adaptado a outros instrumentos, particularmente ao oboé. A flauta possui uma sonoridade doce e redonda, ampla no registro grave, pura no médio, luminosa no agudo. E 0 mais agil dos instrumentos de sopro. Flautim ou piccolo. Tem a metade do tamanho da flauta de concerto e toca uma oitava acima desta, com sonoridade radiosa e penetrante. E 0 mais agudo dos ins- trumentos de sopro e, ao tocar fortissimo, pode dominar toda a orquestra. Seu nome completo em italiano é flauto piccolo (pequena flauta), sendo designado, nessa lingua, apenas como piccolo ou como ottavino. 6 Léxico musical explicativo Siringe ou Flauta de Pa. Em francés, syrinx. E a flauta de Pa da Grécia antiga, cons- tituida em geral por nove tubos, desiguais em comprimento, unidos uns dos ou- tros e justapostos horizontalmente em ordem decrescente por tamanho. £ tam- bém chamada de flauta mistica ou flauta pastoril. Flajolé. Em francés, flageolet. Pequena flauta doce, com quatro orificios na parte da frente e dois na de trds, para os polegares. Familia dos oboés Oboé. Em francés, hautbois; em italiano, oboe; em inglés, oboe; em alemao, Hoboe. Instrumento de palheta dupla, com tubo cénico provido de orificios. E muito antigo, conhecido em todo 0 Oriente, na Africa e na Antigitidade grega. Na Idade Média, o oboé recebeu na Franca os nomes de chalumeau (charumela), chalemie, doucaine (dulcina) e bombarde (bombarda). A bombarda breta (bombarde bre- tonne) é, pode-se dizer, prima do oboé. Foi na Franca que este instrumento se desenvolveu e aperfeicoou-se: por isso, tomou na Europa o nome francés de haut- bois (“madeira alta’, literalmente), por oposi¢ao a grosbois, instrumento grave da mesma familia e ancestral do fagote. Como sucedeu coma flauta, foi um membro da familia Hotteterre que, por volta de 1700, aperfeicoou 0 oboé e Ihe deu suas caracteristicas modernas; contudo, em meados do século XIX, esse instrumento recebeu, adaptados, certos elementos do mecanismo que Bohm concebera paraa flauta. O oboé é um instrumento essencialmente melédico: menos gil que a flauta, tem um cardter pastoril, por vezes melancélico, mas sabe ser também agreste e jovial. O timbre do oboé impoe-se a qualquer massa sonora de que ele faga parte. Corne inglés. Em inglés, English horn; em alemao Englisches Horn e, as vezes, Alto- boe; em italiano, corno inglese. A antiga designacao francesa deste instrumento, hautbois de chasse (ou oboe da caccia em italiano, que daria em portugués “oboé de caga”), era mais exata. O nome atual, traduzido do francés cor anglais (literalmente trompa inglesa), ilude: o instrumento nada tem a ver com a trompa. O corne inglés €um oboé grave, por sinal absolutamente semelhante em aspecto ao oboé comum. E mais longo (um metro em vez de sessenta centimetros) e termina com uma campana ou pavilhdo em forma de bulbo. A sonoridade do corne inglés é doce, nostalgica, um tanto velada e muito expressiva. Com palheta dupla e registro uma quinta abaixo do oboé, um parente do corne inglés é o oboé tenor (em francés, taille), muito usado em misica militar no passado. Esse tipo de oboé grave foi fabricado na Inglaterra até o século XVIII com 0 nome de Vaux humane (do latim vox humana). Oboé de amor ou oboe d'amore. Em francés, hautbois d’amour; em alemao, Liebes- oboe; em italiano e inglés, oboe @amore. Instrumento intermediario entre 0 oboé Os instrumentos, a orquestra, as vozes 7 eo corne inglés, utilizado no século XVIII. Com relagao a origem de seu nome, cf. mais adiante viola d’amore. » Fagote. Em alemao, Fagott; em italiano, fagotto; em francés antigo, fagot, atualmen- te em francés basson; em inglés, bassoon. Instrumento de palheta dupla, com tubo cénico, que é 0 baixo da familia dos oboés e, de modo geral, do conjunto das madeiras. O fagote deve seu nome ao comprimento de seu tubo (mais de dois metros). O tamanho levou os fabricantes a dobré-lo, o que fez com que ele tomas- sea forma de duas toras de madeira abragadas formando um fagot, que em francés significa feixe de lenha. Anteriormente, o fagote chamou-se, em francés, grosbois (“madeira grave”) por oposi¢ao a hautbois (“madeira alta”). O fagote desenvolveu- se durante o século XVII, quando se tornou, juntamente com 0 oboé, parte inte- grante da orquestra. A sonoridade do fagote é poderosa, cheia, sobretudo no grave, bem timbrada, mais velada nos registros médio e agudo. E um admirdvel baixo para o ensemble da familia das madeiras, mas pode também mostrar-se encanta- doramente melancélico em solos. Contrafagote. Em francés, contrebasson; em italiano, contra fagotto; em inglés, dou- ble bassoon; em alemao, Kontra fagott. Instrumento de palheta dupla ¢ furo cénico. Soa na oitava grave do fagote e faz, com relagao a este, o papel que tem o contra- baixo em relacdo ao violoncelo. Cromorno. 1. Em francés, cromorne; em alemao Krumhorn, em italiano, sforta. Ins- trumento de palheta dupla, parente do oboé, bastante utilizado até 0 século XVII. A palheta vinha encerrada numa caixa em que o executante soprava. O nome cro- morno prende-se ao fato do tubo deste instrumento ter sua parte inferior recurva (em inglés antigo, crump-horn, ou seja, trompa retorcida, literalmente). Os cro- mornos, de timbre suave e anasalado, formavam uma familia que ia do soprano ao baixo. 2. Registro de orgdo, cujo nome deriva do instrumento acima e que foi utilizado do século XVI ao século XVII. Clarineta ou clarinete Instrumento de palheta simples e furo cilindrico, cuja origem pode ser atestada desde 2000 anos a.C. no Egito, nas Indias, em todo o mundo drabe e na Grécia, onde era conhecido por aulos. Na Idade Média, denominado charamela ou pelo nome francés chalumeau, tinha a palheta encerrada numa caixa onde o executante soprava (cf, cromorno). Contrariamente a flauta e ao oboé, a clarineta s6 comegou a desenvolver-se a partir da metade do século XVIII e foi pouco usada até essa data.! Por volta de 1700, um alemao de Nuremberg, de nome Johan Christoph ' Parecida com a clarineta, a salmoa foi um instrumento mais usado que ela antes que Derner a aperfeicoasse. 8 Léxico musical explicativo Derner, ao por a palheta diretamente em contato com a ponta, suprimindo g caixa que a encerrava, criou de fato o instrumento. Vivaldi e Rameau figuram como inovadores, pois foram os primeiros a utilizar a clarineta em sua nova forma. No final do século XVIII, ja aperfeigoada, a clarineta ganhou de Mozart seus foros de nobreza e, no século XIX, 0 mecanismo concebido por Bohm para a flauta foi a ela adaptado. A clarineta é 0 instrumento que possui maior extensado entre as “madeiras”. As particularidades de sua concep¢ao fazem com que tenha uma série de registros especiais e que sua sonoridade altere-se sensivelmente com a altura do som (tessi- tura): charamela (grave), sonoro e caloroso; médio, menos doce, mais desagrada- vel; clarino, luminoso; agudo, brilhante; superagudo, incisivo. O nome clarineta resulta da sonoridade de seu terceiro registro, que fazia lem- brar a de um pequeno trompete, o clarino, instrumento de nome italiano usado no século XVIII, no tempo em que a clarineta estava sendo inventada. A familia das clarinetas compreende, além da clarincta comum: no registro agudo, a pequena clarineta ou requinta, e no registro grave, a clarineta alto, a clari- neta baixo ou clarone, e a clarineta contrabaixo, todas essas trés com forma seme- Ihante a de um saxofone. Ha ainda o cor de basset (em francés), corno di basseto (em italiano) ou Bassethorn (em alemao), surgido na Baviera em torno de 1770; este ultimo, pouco empregado hoje em dia, foi usado com freqiiéncia por Mozart, que demonstrou especial predilecao por ele, principalmente em suas obras ma¢é- nicas, e dele se valeu até em seu Requiem. A clarineta é um instrumento transpositor. Chamam-se assim os instrumentos que, por motivos histéricos, fazem soar suas notas diferentemente das que estao escritas na partitura, ou seja, a nota natural e geradora do instrumento soa como 0 dé notado, que valera como uma referéncia para todas as demais. Desde Schén- berg, Prokofiev e outros, a tendéncia que prevalece atualmente é a de, cada vez mais, escrever os sons tais como sao percebidos pelo ouvido. Saxofone Instrumento de palheta simples, furo cénico e construcao metalica, o saxofone foi criado pelo belga Adolphe Sax em torno de 1840. Por sua palheta simples, ele se assemelha a clarineta, e pelo furo cénico, ao oboé, mas o resultado sonoro nada tem a ver com o de qualquer desses dois. Utilizado por Rossini e Berlioz desde sua criagao, somente na Franga o saxofone ganhou lugar nas orquestras, pelo menos até o inicio do século XX. Mais tarde, a partir de 1920, tornou-se um dos principais instrumentos solistas da musica de jazz. A sonoridade do saxofone é clara e cheia, e sua agilidade pode mostrar-se extraordinaria. : Ha uma familia completa de saxofones: sopranino, soprano, alto, tenor, barito- no e baixo. E um instrumento transpositor. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 9 Saxhorne. Instrumento dotado de pistoes inventado por Adolphe Sax em 1843; também ele constitui uma familia e deve sua popularidade principalmeate as ban- das de musica (orquestras de metais e percussdes que tocam ao ar livre) militares e municipais. Em portugués é também chamado de fliscorne. FAMILIA DOS SOPROS AGUDO flautim | soprano | __ saxofone MEDIO flauta oboé clarineta saxofone alto MEDIO GRAVE oboé d'amore | Bassethorn saxofone tenor corne inglés | __ow cor de basset BAIXO fagote clarineta baixo. saxofone baixo Trompa Em francés, cor; em italiano, corno; em inglés, horn; em alemao, Horn. Instrumento metalico de furo cilindro-cénico, provido de embocadura e pistdes. Como indica 0 nome que se da em portugués a versdo primitiva desse instrumento, bem como sua designagao em francés e em italiano, a trompa tem sua origem em chifres (cornos) e nas presas de elefante (0 poema medieval francés La Chanson de Rolland mencio- na 0 olifante, trombeta de marfim que os cavaleiros, de modo geral, levavam con- sigo) e nas grandes conchas de que era feita; esses materiais sao utilizados ainda hoje, sobretudo no Oriente. Se a flauta sempre foi pastoril ou magica, a trompa era essencidlmente guerreira e aristocratica (e ainda o é na Asia). Seja ela de madeira, terracota ou metal, é encontrada em todas as civilizag6es (0 cornu romano), sempre com a mesma forma cénica que traz desde a origem. Para que tivesse um som mais profundo, o tubo sofreu diversos alongamentos. Se a trompa de caga (cor de chasse) fosse desenrolada teria 4,50m de comprimento; com seu tubo tantas e tantas vezes recurvado, ela apareceu por volta de 1600 na Franga. Na trompa natural, quando se modifica a pressao dos labios sobre a emboca- dura, obtém-se a série dos harménicos naturais, vale dizer, uma escala sonora mui- to imperfeita e muito incompleta. Mas foi desta maneira que a trompa existiu até o século XIX. E foi s6 em 1760 que um trompista inaugurou a técnica dos “sons fechados”, que permitia produzir uma parte dos semitons intermediarigs. Para que se pudesse tocar em diferentes tonalidades,.passou-se, a partir de 1770, a empregar roscas que alongavam (ou encurtavam) o tubo de acordo com a necessidade. Em 1813, o alemao Stdlzel teve a idéia de fixar no instrumento pistdes que fe- cham ou abrem circuitos de diferentes comprimentos, dotando a trompa de roscas permanentes que Ihe permitem abordar todas as notas. Dai o nome da trompa moderna: “trompa cromatica de pistdes”. 10 Léxico musical explicativo ‘Além de todas as facetas ligadas a suas antigas fungdes (evocagoes de caga, de guerra, da floresta e da vida ao ar livre), a trompa tem um vasto campovexpressivo — nobre, poético e mesmo sonhador — bem como um papel preciso na orques- tra, onde reforga o registro médio. £ um instrumento transpositor. Trompete Em inglés trumpet; em francés trompette; em italiano, tromba; em alemao, Trompe- te. Instrumento metilico, com furo cilindro-cénico, munido de embocadura e pis- toes. Tanto a origem do trompete, como sua estrutura e os problemas que trouxe aos fabricantes sao parecidos com os da trompa. Existe desde os mais remotos tempos da Antigiiidade, na Asia, no Egito, na Grécia e em Roma. Como a trompa, esta ligado a guerra, mas tinha uso mais cerimonial do que esta. No entanto, parece ter sofrido uma eclipse ndo experimentada pela trompa; s6 vamos reencontra-lo no Ocidente no século XIII, com 0 nome de “trompete sarraceno’, que faz supor tratar-se de um caso de importacao. Reto no inicio, tornou-se recurvo no sécu- lo XVI e, até o século XVIII, participou mais do que a trompa da vida musical, ligado a todas as expressdes de gloria ou manifestagdes do poder. Assim como a trompa, por volta de 1770 o trompete recebeu roscas e, aproximadamente em 1815, ganhou seus pistdes, tio caracteristicos dele que, em portugués, também & conhecido como pistio, sobretudo na musica popular. O trompete nao tem a sonoridade da trompa, mas o brilho é uma propriedade sua. Ele é dgil e pode, melhor do que a trompa, executar toda uma sorte de trina- dos, arpejos e cadéncias ornamentais. No entanto, é capaz de mostrar grande do- gura quando é tocado piano. Também é um instrumento transpositor. Clarino. Pequeno trompete de nome italiano bastante usado no século XVII, com sonoridade mais aguda, porém mais doce que a do trompete. Foi provavelmente para este instrumento que Bach escreveu 0 Concerto de Brandenburgo n° 2. Corneto 1. Em italiano cornetto; em francés, cornet; em inglés, cornett; em alemao Cornett ou Zink. Instrumento de sopro que esteve em uso até 0 século XVII. Como 0 oboé, tinha furo cénico, tubo com orificios e era de madeira, mas estava provido de uma embocadura, como um trompete. Com sonoridade doce e clara, foi o instrumento favorito dos italianos no século XVI e no inicio do século XVII, até o desenvolvi- mento do violino, que o suplantou em seus empregos. Os cornetos estavam agru- pados em familia, e os mais longos e graves, por lembrarem a forma da serpente, fizeram com que este nome fosse dado ao baixo do corneto. A serpente— também chamada serpentao — era usada nas igrejas para dobrar a voz dos baixos e, até o século XIX, continuou sendo usada nos meios rurais. Os instrumentos, a orquestra, as vozes u 2. Registro de drgao: jogo de mutacdes compostas que comporta cinco tubas por nota ¢ imita a sonoridade do instrumento acima. O registro, destinado a tocar partes de solo, é um dos mais belos do érgio classico. Corneta de pistes. Instrumento provido de embocadura, furq cénico e pistdes, que lembra bastante o trompete, mas distingue-se deste por fer 0 furo mais grosso, 0 tubo mais curto e o pavilhao maior. A sonoridade, um pouco vulgar, esta de acordo com as propor¢ées, mas o instrumento é agil, de facil emissao, o que expli- ca sua popularidade em todos os orfedes (corais populares mantidos pelas muni- cipalidades ou empresas privadas) no século XIX. De certa forma, caiu em desuso. Trombone Em inglés e italiano, Trompone; em alemao Posaune. Instrumento com embocadu- ra, furo cilindro-cénico e vara, cuja origem é semelhante a da trompa e a do trom- pete. A “pré-historia” deste instrumento pouco difere da do trompete, e 0 proprio nome atesta que tém a mesma filiagao (tromba, em italiano). Por sinal, o nome alemao do trombone, Posaune, é também uma deformacao de buccina, nome la- tino do trompete. Quanto ao seu antigo nome francés, sacqueboute (em portugués “sacabuxa”), surgiu de sua semelhanga com uma arma de assalto que assim era chamada. Na origem, o trombone nao passava de uma variante grave do trompete. Mas, enquanto este tiltimo se conservava imutavel, o trombone, com a invengao da vara no século XV, recebeu um tipo de aperfeigoamento que o pés na dianteira. Dai sua importancia em toda a miisica polifénica que se fez do século XV ao século XVII. Johann Sebastian Bach ainda o utilizava para dobrar vozes em seus corais, mas, a0 que tudo indica, tratava-se j4 de um arcaismo. O trombone viria a teaparecer com Mozart, Beethoven, Schubert e os romanticos. A vara, formada por duas partes que se encaixam, é um recurso que, permitin- do facilmente o alongamento ou o encolhimento do tubo, dé ao instrumento uma escala cromitica, que se interrompe, porém, no meio do seu registro, pela falta-de algumas notas. Mas 0 manejo da vara é mais dificil que 0 dos pistées que foram acrescentados a trompa e ao trompete no século XIX. O trombone é 0 instrumento grave dos metais. Sua sonoridade tem um pode- rio e uma majestade que dominam toda a orquestra. Tuba Tem o mesmo nome em alemio, inglés, italiano e francés. De furo cénico, com embocadura e pistées, este instrumento grave, cujo nome vem do latim tuba (trompete), apareceu no século XIX. Aperfeigoado por Sax, o inventor do’ saxofo- ne, ele se parece com a trompa, mas 0 furo é cénico em toda a extensao do tubo. A execucao da tuba é relativamente simples, e seu emprego mais habitual é limi- 12 Léxico musical explicativo tado quase s6 ao papel de baixo da familia dos metais, se bem que suas pogsibili- dades sejam mais variadas. » Bugle, Em alemao, Fliigelhorn; em inglés, flugel horn; em francés, bugle; em ita- liano, fli corno. Instrumento da familia da tuba, que atua no registro médio. Cornamusa ou gaita de foles Em francés, cornemuse; em inglés, bagpipe; em alemao Sackpfeife; em italiano, cor- namusa, piva ou zampogna. Instrumento de foles, que se destina a ser tocado ao ar livre. £ constituido por varios tubos com palhetas fixados em um saco, em geral feito de pele de carneiro, que armazena 0 ar. Um dos tubos destina-se ao sopro do executante, os outros (prima e borddes) servem para produzir os sons diversifica- dos pelo escapamento do ar. Museta, Em francés, musette. Instrumento de foles, de origem francesa, pouco di- ferente da cornamusa; 0 tubo da folaria, com embocadura, foi nele substituido por um fole que 0 tocador aciona com a mo direita. Muito em voga nos séculos XVII e XVII, foi depois suplantado pelo acordedo. Deu 0 nome a musette, danga fran- cesa que freqiientemente acompanhava, de caréter pastoril, ritmo varidvel, sempre em trés partes. Regal Em francés, régale. Instrumento de foles e teclado, espécie de 6rgao portatil, com palhetas metilicas e batentes, e de sonoridade rouca, que caiu em desuso no inicio do sécylo XVIIL. Emprestou seu nome a um registro de érgio. Algumas invengées do inicio do século XIX Acordedo. Em alemao, Akkordeon ou Ziehharmonika; em francés, accordéon; em inglés, accordion; em italiano, fisarmonica. Instrumento portatil dotado de fole e palhetas livres metélicas, cuja ventilagao, proporcionada pelo fole controlado ma- nualmente, produz sons que sao selecionados pelo acionamento de um teclado. Posteriormente, o acordeao passou a ter dois teclados, o do acompanhamento e 0 do solo. Foi inventado por um austrfaco de nome Demian, que o patenteou em 1829, depois de muitas pesquisas, realizadas em diferentes paises, entre as quais as do alemao Friedrich L. Buschmann. Teve uso mais generalizado na musica popular, mas muitos compositores eru- ditos, entre os quais Jean Wiener, que escreveu um Concerto para acordeto, nao desdenharam compor para esse instrumento. Harménica ou gaita de boca. Em francés, alemao ¢ inglés, harmonica. Pequeno instrumento de sopro, provido de palhetas livres metdlicas, que se toca com a boca. Foi inventado por Friedrich L. Buschmann em 1828, um ano antes do acordeao. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 13 Harménio ou 6rgao de sala. Em francés, inglés e alemao, harmonium. Orgao de palhetas livres, com um ou dois teclados e pequeno numero de registros, cuja folaria (se nao for elétrico) é acionada através de pedais. O harménio foi inventa- do por Alexandre Debain em 1842. Na falta do drgao, € um instrumento comum nas igrejas, e pode também ser visto em algumas residéncias, mas distingue-se fundamentalmente do 6rgao pela auséncia de tubos. O ORGAO Diz-se que 0 6rgao € 0 rei dos instrumentos. Decerto € 0 mais polivalente: 6a soma de tudo 0 que se pode fazer com os instrumentos de sopro. Por outro lado, o 6rgaio €0 resultado mais refinado da combinagao da ciéncia empirica com a engenhosi- dade artesanal. Fica-se perplexo quando se constata que, no fim da Idade Média — numa época em que a “mecanica” nao existia, em que a ciéncia actistica estava por nascer, em que 0 arado ainda era uma ferramenta primitiva, em que nem o papel nem a imprensa sequer tinham sido imaginados, e em que todos os outros instru- mentos de musica estavam em sua infancia —, 0 6rgao ja possuia todas as carac- teristicas que tem hoje, com toda sua complexidade! DESCRIGAO Os prin: ais elementos do érgao 1. A folaria: os pulmoes. 2. Os tubos. Nao devemos fiar-nos naquilo que vemos: um grande érgio possui, por tras de sua fachada (a mostra) milhares de tubos que medem desde 10,40 me- tros de altura (32 pés) até um centimetro (3/8 de uma polegada). Os tubos acham- se agrupados por familias, chamadas “registros” ou “jogos”, que produzem a exten- sao de uma escala cromatica completa. 3. Os someiros. Sao um tipo de caixa que fica entre a folaria e os tubos. Os someiros recebem 0 “vento” (0 ar) e o distribuem por canais alongados, ditos gravuras, onde existem furos destinados a receber, em cada um, o pé de um tubo. Estes furos, se a tecla nao for tocada, ficam fechados por valvulas (sopapos). 4. A consola, ou console. E a peca que suporta os teclados ou manuais (éstes em nu- mero de um a cinco, ou, mais habitualmente, dois ou trés) e a pedaleira. 5. A transmissao: complexo dispositivo mecanico que sai da consola e pée para funcionar trés séries de mecanismos: (a) comandos de registros: ao puxat um “re- gistro” (ou seja, acionar determinado puxador, no console) o organista faz passar o “vento” pela gravura que corresponde a todos os tubos de uma mesma familia; 4 Léxico musical explicativo (b) comandos que ligam a tecla a abertura dos sopapos: quando um “regigtro” € puxado e o ar chega a gravura correspondente a uma familia de tubos,a tecla que for abaixada fard “soar” o tubo que corresponde a nota escolhida, enquanto os outros tubos permanecem silenciosos; (c) as cépulas dos manuais uns com os ou- tros. A transmissao, feita até o século XX por um prodigioso conjunto de pequenas varetas de madeira leve e fios de metal, é das partes mais complexas desta fabrica de sons que é 0 érgao. Hoje, é feita por transmissao elétrica, 0 que permite ao organista manter-se a certa distancia dos tubos. Mas a transmissdo elétrica, no dizer de alguns, nao conserva todas as qualidades da transmissao mecanica. Os diferentes jogos No que diz respeito 4 produgao de sons, vamos reencontrar no érgao as principais caracteristicas dos instrumentos de sopro. Os registros ou jogos distinguem-se de acordo com: (a) o modo como sao produzidos os sons: tubo de palheta (cf. clari- nete) e tubos flautados ou tubos de boca (cf. flauta doce); (b) a forma dos tubos: cilindricos (largos ou estreitos) e cénicos. Os tubos sdo geralmente de metal (es- tanho e chumbo), as vezes de madeira. Por pertencer 0 orgao a esferas extremamente conservadoras, continua-se ain- da hoje a medir os tubos em pés e polegadas e a denominar um jogo segundo o comprimento de seu tubo mais alto. Por exemplo: um jogo de 32 pés (10,40m), um jogo de 16 pés, um jogo de 8 pés, um jogo de 4 pés. Um jogo de 8” soa de acordo com a nota escrita; um de 4’ soa na oitava acima; um de 16’ na oitava abaixo. Assim, se forem puxados os registros de 16’ + 8’ + 4 serao ouvidas trés oitavas tocadas simultaneamente por uma mesma tecla. . Os jogos se dividem em trés grandes classes, de caracteristicas bem definidas: 1. Jogos de fundo ou fundos do érgio. Tubos de boca de diferentes séries de tama- nho, cujos timbres sao diferenciados pela maior ou menor largura do tubo, pelo tamanho da abertura de sua extremidade e por diversos artificios, como pavi- lhoes, “chaminés” etc. Os principais jogos de fundo sao: (a) montra (grandes tu- bos da fachada), (b) flautas (tubos largos, som doce e arredondado), (c) gambas (tubos estreitos, som mais incisivo) e (d) bordées (tubos fechados, som doce e velado). 2. Jogos de mistura. Muitos tubos esto associados a uma mesma nota, que, quando tocada, se faz acompanhar por seus harménicos, de modo a produzir uma sono- ridade mais rica: (a) “cheio” do érgao ou rgao pleno: trés a cinco fileiras de tubos para cada nota, acrescidas aos fundos do érgio, é usado para obter-se uma sono- ridade rica, poderosa, brilhante; (b) cémbala: tutti menor que 0 anterior; (c) corne- ta: registro solista que tem de cinco a dez fileiras de tubos para cada nota e possui uma doce e variada gama sonora. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 15 3. Jogos de palheta. Sao aqueles em que uma lingiieta de metal vibra contra uma ponta ou bico no interior do pé do tubo. Possuem sonoridade vigorosa, de timbre alto, e podem ser empregados em solos ou como base para um grande tutti: (a) trompete; (b) cromorno; (c) museta. A arte do organista consiste, antes de tudo, em es dosar, na registracao (es- colha dos registros), a alianga ou oposi¢ao dos jogos em fungao da obra que in- terpreta. ETAPAS DA HISTORIA DO ORGAO A flauta de Pa, a siringe dos gregos e da América do Sul, sugere que, desde os mais remotos tempos, ja se pensava em um alinhamento dos tubos, que permitisse uma emissao sucessiva de diferentes sons. No entanto, 0 orgao de boca, tipico das mon- tanhas do Camboja e do Laos, é uma cabaca munida de varios tubos que soam simultaneamente. Seria esta a origem do érgao ocidental, que nos teria chegado através da China? O instrumento mais antigo mencionado na Biblia é 0 drgao, e © primeiro de que ha noticia vem do Egito, data do século Ill a.C. e tinha folaria hidraulica. Em Bizancio e na parte oriental do Mediterraneo, desde longa data se tocava Orgao, enquanto o Ocidente ainda o desconhecia. No século VIII, o impe- rador Constantino V ofereceu a Pepino, o Breve, um instrumento que talvez fosse um 6rgio; posteriormente, Carlos Magno mandou construir um instrumento pa- recido, que teria sido 0 primeiro érgao ocidental. Durante a Idade Média, foram usados pequenos érgiios positivos ou portateis. A evolugao se fez no sentido do enriquecimento da sonoridade, quando, para cada nota, comesou-se a por varias fileiras de tubos para cantar simultaneamente: é 0 aparecimento do tutti. Com a amplidao das catedrais, 0 6rgao avantajou-se, che- gando a ter 32 pés ja no século XIV. No Renascimento, a evolugao foi inversa: buscaram-se jogos que fossem capazes de expressar o detalhe: veio a invencao dos someiros de registros, que permitem isolar um ou outro jogo, foram criados os jogos flautados e aprimoradas as palhetas. O século XVII € 0 primeiro grande século do érgao, que alcanga entao o seu equilibrio. Os tutti sio aperfeigoados e os jogos de mistura solistas tornam-se mais puros. Diversas tendéncias surgem. Na Franca, 0 drgao é rico de timbres, opondo aos elaborados jogos solistas 0 brilho dos “cheios”; seu apogeu se da por volta de 1670-1700. Na Alemanha, prevalece um instrumento nao tao timbrado, porém mais homogéneo e adequado a polifonia, j4 com uma pedaleira mais desenvolvida. A Itdlia se mostra mais timida, com seu érgao ripieno, de um ou dois teclados e sem pedaleira independente. Jé a Espanha gosta das palhetas brilhantes, ea Ingla- terra segue a Franga. No século XVIII aperfeigoou-se 0 drgao classico, sem inovagées. No século XIX, o advento do romantismo trouxe profunda transformag¢ao. Aos registros claros e 16 Léxico musical explicativo bem timbrados prefere-se uma concep¢ao “orquestral’, mais fundida, e, em gertos casos, 0 “colossal”. £ a época do grande fabricante Cavaillé-Coll (Notre-Dame de Paris, Saint-Sulpice, Sheffield, Amsterda), mas — fato nao tao auspicioso — € também a época em que “voltam 4 moda” os érgaos classicos, muitas vezes des- figurados. : Com o século XX, vieram numerosos aperfeigoamentos técnicos (a transmis- so eletropneumatica, por exemplo). Por outro lado, observa-se uma tendéncia “neoclassica” bem nitida, restabelecidos os 6rgaos antigos no estado primitivo, sem transformagées. Para concluir, € preciso ter sempre em mente que cada érgio resulta de uma concepgao particular e artesanal, e que nado ha dois instrumentos exataimente iguais, ainda que tenham sido obra de um mesmo fabricante: os Orgaos dependem do tamanho do lugar em que estao, de certas técnicas particulares, do ntimero de Jogos e do equilibrio destes. Por isso, um organista deve sempre adaptar-se ao ins- trumento que vai tocar, mesmo se for executar as mesmas pecas. OS INSTRUMENTOS DE CORDAS TANGIDAS O ancestral comum dos instrumentos de cordas tangidas parece ser o arco musi- cal. No entanto, é na Africa que se pode seguir com mais clareza 0 caminho que leva do arco musical 4 harpa, por um lado, e a guitarra, por outro. O arco musical é encontrado na Africa negra: a boca do mtisico ou uma cabaca serve como ressonador. Varios arcos fixados numa mesma cabaca poderiam ser vistos como o embriao da harpa, bem como uma cabaga com uma corda distendida sobre ela poderia ser algo equivalente a uma guitarra elementar (monocérdia). Harpa Em alemao, Harfe; em francés, harpe; em inglés, harp; em italiano, arpa. Desdé 0 terceiro milénio a.C. pode a harpa ser atestada em todo 0 antigo Oriente, bem como no Egito e na Suméria, ainda na forma de um arco musical de trés a sete cordas. Era o instrumento das mulheres e dos cegos no Egito, onde, no Novo Império, ja se viam harpas com quatro cordas e medindo dois metros de altura. Aharpa do rei hebreu Davi deriva, sem duivida, da harpa egipcia. Nao muito mais tarde, a forma em arco foi substituida pela forma triangular (Fenicia), que subsis- tiria. Mas o mundo islamico haveria de abandona-la. O Extremo Oriente a igno- rou. E 0 Ocidente antigo preferiu a lira. A partir da alta Idade Média, a har- pa reapareceu no mundo escandinavo, céltico e germanico. Entre os celtas (os primitivos habitantes da Irlanda e do Pais de Gales), a harpa jamais chegou a cair em desuso. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 7 A harpa permaneceu até o século XVIII como um instrumento secundirio, limitado ao diatonismo, apesar de alguns esforgos no sentido de aperfeicod- -la. A harpa cromatica de pedal, que permite executar sustenidos ¢ beméis, apareceu no fim do século XVII, mas seu uso s6 se difundiu na metade do século XVIII. Foi na Franca que tocar harpa se tornou moda (era o instrumehto de Maria An- tonieta e de Madame de Genlis, uma virtuose da época). Foi também na Franca que Sébastien Erard, por volta de 1800, fez o aperfeigoamento definitivo do ins- trumento. Teoricamente falando, o sistema da harpa é simples: ha sete pedais que permi- tem elevar ou abaixar em um semitom cada uma das sete notas da escala, de uma s6 vez, em todas as oitavas (em todos os dés, todos os rés, etc.). Com suas 46 cor- das, a harpa tem extensao de seis oitavas e meia (quase tanto quanto o piano). A sonoridade da harpa é quente, aveludada, luminosa; os arpejos, que lhe de- vem 0 nome, assentam-lhe particularmente bem, tanto quanto todas as formas de glissando, 0 que contribui para seu maior encanto e docura. £, ao que se diz, um instrumento feminino... embora “o Harpista” seja um célebre personagem do Wilhelm Meister, de Goethe. Lira Em italiano lira; em inglés e francés, lyre. Instrumento de cordas tangidas ou de- dilhadas, conhecido em toda a alta Antigiiidade, na Mesopotamia, no Egito, na Palestina e sobretudo na Grécia, onde adquiriu seu nome. A lira era formada por uma carapaga de tartaruga que funcionava como caixa de ressonancia, de onde partiam dois chifres de cabra unidos por uma travessa. Foi feita primeiramente com sete e, mais tarde, com doze cordas. A mitologia atribui a invencao da lira a Apolo (como acontece com a flauta, cuja origem é atribuida ao satiro Marsias), que a teria transmitido a Orfeu, o qual, por sua vez, teria ensinado os homens a toca-la. Alaude Em inglés, lute; em francés, luth; em italiano, liuto; em espanhol, laud; em alemao, Laute. O alatide e a guitarra estao unidos por uma origem comum, por sinal obs- cura. Instrumentos arcaicos do género do alatide e da guitarra foram encontrados em todos os continentes, mas € provavel que fossem mais cultivados na Asia (Chi- na e India). No Egito, estao representados. nos baixos-relevos do Médio Império. O alatide (de fundo abaulado) e a guitarra (de fundo plano) apareceram na Idade Média mais ou menos na mesma ocasiao, mas sé 0 alatide deixa clara sua origem mourisca (al’ud). Contudo, o desenvolvimento da guitarra na Espanha e séu nome medieval (guitarra moresca) parecem indicar a mesma filiacdo, apesar de observar- se certa conexao com a palavra grega cithare (citara). 18 Léxico musical explicativo O alatide, cuja caixa tem a forma de uma péra cortada ao meio, é dotado de pares de cordas, que podem ser em numero de cinco, seis, dez e até quatorze. Foi um dos favoritos entre os instrumentos do Renascimento e do século XVII. Sua influéncia sobre o desenvolvimento da mtsica mostrou-se consideravel (tomada de consciéncia da harmonia, desenvolvimento do canto solista atompanhado, nas- cimento da suite instrumental). A escrita para o alatide fazia-se em um tipo espe- cial de notagdo denominado tablatura. No final do século XVII, 0 alatide pouco a pouco entrou em declinio, até que foi suplantado pelo cravo no inicio do século XVUL. A sonoridade do alatide é doce, cheia, sonhadora. E, por exceléncia, o instru- mento da misica intimista. Tiorba ou arquialaude E um alatide de dimensdes um pouco maiores, em cujo longo brago se assenta uma dupla série de cordas: as do alatide e outra série de cordas mais compridas, que permitem a emissdo de notas graves. Tais mudangas fizeram-se necessdrias por causa do desenvolvimento do baixo continuo no século XVII. Guitarrone Nome italiano de uma grande tiorba, de brago descomunal (dois metros); é uma espécie de alatide baixo que permitia acompanhamentos tao densos como os do cravo (século XVII). Mandofa ou alaudina Em francés, mandore; em italiano, mandola ou pandurina. Pequeno alatide. Bandolim Em francés, mandoline; em inglés, mandolin; em italiano, mandolino. Instrumento descendente do alatide, do qual conservou a forma e as cordas dispostas aos pares, que, no bandolim, sao metélicas e tangidas com um plectro. Também chamado mandolim ou mandolina, é 0 Unico instrumento da familia do alatide que sobre- viveu, especialmente na Italia, onde € bastante popular desde o século XVIII. Exis- tem varios tipos, com pequenas diferengas: bandolim napolitano, es por- tugués, bandolim americano, etc. Guitarra ou violao Em espanhol, guitarra; em francés, guitare; em inglés, guitar, em italiano, chitarra; em alemio, Gitarre. Mais conhecido como violao em Portugal e no Brasil, é talvez principal instrumento da musica popular brasileira. A origem da guitarra é pa- Os instrumentos, a orquestra, as vozes 19 recida com a do alatide. Mas enquanto este se desenvolveu, principalmente nos séculos XVI e XVI, quando recebeu varias melhorias, a guitarra conseryou-se sem- pre mais simples. Nao deixou, porém, de ser tocada por grandes musicos dessa época e foi muito popular em todas as classes sociais (“sitost levé ma guitare je touche’, dizia Ronsard).' a Diferencia-se a guitarra do alatide pelo fundo plano, a largura da caixa e suas seis cordas simples. Possui sonoridade mais brilhante, é dotada de grande diversi- dade de timbres e expresses, além de facultar maior velocidade as execugdes. E instrumento muito popular na Espanha, de onde saiu, durante o Renascimento, para difundir-se pela Franga e depois pela Europa. Mas seu repertério é essencial- mente espanhol. Paganini tocava guitarra com a mesma mestria que demonstrava ao violino. Vihuela Instrumento intermediério entre o alatide e a guitarra, com seis fileiras de cordas duplas. Durante o século XVI, antes de ceder lugar a guitarra, foi o mais popular dos instrumentos na Espanha. OS INSTRUMENTOS DE CORDAS FRICCIONADAS O principio da corda friccionada é conhecido ha muito tempo em toda a Asia e no mundo arabe (rebab). Quanto a sua aparigaéo no Ocidente, é dificil saber-se ao certo: Sup6e-se que nao tenha sido posto em pratica na Antigtiidade greco-roma- na, no Egito ou no antigo Oriente Préximo. Na lenda, a invengo do arco é atribu- ida a Ravana, rei de Lanka e um dos herdis do Ramayana, a célebre e lendaria epopéia indiana: é, em todo caso, provavel que as cordas friccionadas tenham ori- gem asidtica. Viela e rabeca E com estes dois nomes que os instrumentos de arco aparecem nas iluminuras e esculturas da Idade Média e, as vezes, também com os nomes de rota (do latim rota) ou giga (do francés gigue). A viela— em francés, viéle ou vielle; em latim medieval vécla; em inglés, tiddle — tem o corpo plano, com 0 braco feito de uma pega presa a este corpo. £ preciso * “Logo que me levanto, toco minha guitarra’, Poeta renascentista francés do século XVI, Pierre de Rosisard (1524- 1585) integrava 0 grupo dos poétes de La Pléiade, com Joachim Du Bellay ¢ cinco outros. Dito “o principe dos poetas’, Ronsard influenciou significativamente os rumos da miisica na Franca em meados do século XVI (CE. adiante, neste livro, Parte II, “A musica no século XVI: Europa do Norte, Franca, Itélia e Espanha”). (N.T.) 20 Léxico musical explicativo nao a confundir com a viela de roda, na qual o arco é substituido por,uma roda acionada por uma manivela: este, um instrumento bem mais primitivo, é0 que é tocado pelo Leiermann — o tocador de viela de roda —, do ciclo de Lieder intitulado Winterreise [Viagem de inverno], de Schubert. A viela era o instrumen- to usado por pessoas de certa educagéo musical, pertencentes sociedade letrada medieval: abades, cavaleiros, trovadores, etc. Ja a rabeca (rebab, em arabe) — em francés rebec, em espanhol, rubebe; em italiano ribecche; em alemao, kleine Geigen — € um instrumento sem brago, constituido por uma pega inteirica em forma de péra, com trés ou quatro cordas. De carater popular, sobreviveu por muito tempo nos meios interioranos. Em portugués, o nome rebeca, ou rabeca, designa genericamente os ancestrais me- dievais do violino, mas também o instrumento do género do violino, mas de timbre mais grave, ainda em uso na musica popular de diversos paises, inclusive o Brasil (congadas, reisados, etc.), aproximando-se, neste sentido também, do inglés fiddec, A familia das violas Em inglés, viol; em alemao Gamba; em francés, viole. A viola é um instrumento muito mais evoluido do que os dois tiltimos e s6 apareceu no século XV. Trata-se, na verdade, de uma familia completa: Viola de brago (viola da braccio) + Descante de viola: espécie de viola sopranino, tem praticamente a mesma tessitu- ra do violino (em francés, pardessus de viole) + Viola soprano: uma quarta mais baixo que o violino (em francés, dessus de viole) + Viola alto: tem a mesma tessitura que a viola de orquestra atual (em francés, alto de viole) Viola da gamba (viole de gambe) + Viola tenor: tessitura a meio-caminho entre a viola atual e o violoncelo (em fran- és, taille de viole) + Viola baixo: tem a mesma tessitura do violoncelo (em francés, basse de viole) Viola contrabaixo ou contrabaixo de viola (violone) As trés primeiras violas sao tocadas com o instrumento mantido sobre os joe- Ihos do miusico. As trés outras ficam entre as pernas, sem encostar no chao, me- nos 0 violone, que se apéia no chao. As violas tém seis cordas (na Franga, algu- mas vezes mais); 0 brago esta dividido em trastes, como o da guitarra; 0 arco é empunhado com a mio pelo lado de fora dele e voltada para baixo. Este instru- mento, sobretudo a viola baixo, tem uma sonoridade doce, delicada e extrema- mente sutil. Contou com fervorosos adeptos nos séculos XVII e XVII; por longo Os instrumentos, a orquestra, as vozes 2 tempo, essas violas foram preferidas ao violino. A familia das violas freqiiente- . ey mente era usada em consort (conjunto instrumental), um pouco comg um'‘quar- teto de cordas. Viola d’amore. Nome italiano de uma viola tenor dotada de seis cordas principais, tocadas com arco, e de outras cordas simpaticas que vibram por ressonancia; disto resulta uma sonoridade suave e um tanto misteriosa. O nome lhe vem de sua ori- gem mourisca: deformacao de viola da more (“de mouros’, em italiano). Por ana- logia, o oboe d’amore, que tem, como a viola d’amore, 0 registro mediano e uma sonoridade velada, tomou este nome. A fami do violino Em inglés, violin; em francés, violon; em italiano, violino, em alemao, Violine ou Geige. O violino apareceu por volta de 1520, mas os mais antigos instrumentos que chegaram até nés datam do fim do século XVI. A ciéncia empirica dos artesdos de antigamente é motivo de admiragao quando se pensa que, apés séculos de pesqui- sa e trabalho que separam o violino assinado por Linardo em 1581 e os de hoje, nada se encontrou que valesse a pena mudar no instrumento: acrescenta-se ou corta-se um centimetro no comprimento, um ou dois milimetros na espessura, melhora-se o verniz ¢ pronto. Qualquer tentativa de inovacao mostrou-se intitil: a forma, as dimensées, 0 peso, a estrutura, a montagem (hé, no violino, 71 pecas coladas) foram fixadas milimetricamente, em seus minimos detalhes, ha quatro séculos. Os grandes luthiers que asseguraram a predominancia do violino foram os ar- tesdos italianos que viveram no século XVII na cidade de Cremona, onde trabalha- ram Andrea Amati e seus filhos, e depois Stradivari (1644-1737) e os sucessores destes tiltimos. ELEMENTOS DO VIOLINO * O tampo harménico, construido com madeira de pinho, tem trés milimetros-de espessura, um contorno cortado com goiva e dois furos em forma de f, que sao os ouvidos. * O fundo é construido em madeira de bordo. + As costilhas sao os lados. + A alma é um pequeno cilindro de seis milimetros de diametro, nao colado, que une a parte interna do tampo ao fundo, e cuja localizagao tem grande importan- cia para a sonoridade. * O braco, feito de madeira de bordo, é cortado numa pega tinica em cuja extremi- dade ha um acabamento em forma de voluta, heranca do gosto barroco. + O ponto, em madeira de ébano, esta colado na parte de cima do brago. + As cravelhas, em ébano, sao as pecas onde as cordas se enrolam e sao afinadas. 2 Léxico musical explicativo + O cavalete, de madeira de bordo, é a peca onde as cordas se apdiam no centro do tampo: tem dois milimetros de espessura na aresta superior e é talhado a perfei- ¢40; sua espessura e dimensées, calculadas milimetricamente, influem de maneira consideravel na sonoridade: é 0 cavalete que comunica as vibragdes ao tampo.! + As cordas sio em numero de quatro, das quais uma ou dua’ feitas de tripa de carneiro ou fio metdlico; as cordas suportam uma tensao de trinta quilos e a pressao sobre o cavalete é de doze quilos. + Os filetes decorativos contornam todo o tampo e sao formados por 24 pecas coladas. * O arco, que ha séculos mede exatamente 75 centimetros, tem uma espessura de seis milimetros no talao e 5,3 milimetros na ponta, feito em madeira de Pernam- buco. E provido de crina de cavalo (0 nailon revelou-se um fiasco...) e pesa 65 gramas. As crinas sao recobertas de colofénio, uma resina obtida a partir da es- séncia de terebintina, o que lhes permite aderir as cordas e fazé-las vibrar.” A sonoridade do violino — mais rica e mais brilhante do que a das violas em voga no século XVII — foi nao sé a causa de seu sucesso (na Italia), como também da desconfianga que, por muito tempo, despertou nos miusicos (“Nous appelons violes celles desquelles les Gentil-hommes, Marchantz et autres gens de Vertuz passent leur temps... et le violon... pour conduire quelques noces ou mémeries”, Philibert Jam- be de Fer, 1556).° Foi na qualidade de instrumento para dangas que o violino ingressou na corte, através de “Les 24 Violons du Roi”.* Depois disso, gracas a Lully, 0 violino se impés a orquestra por volta de 1660. Foram os italianos que lhe deram foros de nobreza, fazendo dele o instrumento de predilegao do concerto. Sua supremacia afirmou-se desde entao, mantendo-se jé ha trés séculos, sem dar qualquer mostra de enfraquecimento. O violino se tocava antigamente de maneira bastante livre. A posicao do instru- mento sob 0 queixo s6 se estabeleceu aos poucos. £ uma posi¢ao racional, mas quantas dificuldades, sobretudo para a mao esquerda! A mao direita esta imobili- zada pelo manejo do arco, e 0 pulso da esquerda s6 serve como suporte; restam quatro dedos, que devem trabalhar numa posi¢ao recurvada, antinatural, virados ao contrario, e tem de fazer tudo: “calibrar” a nota, dar-lhe os sons brilhantes dos vibratos, etc. No violino ¢ nos instrumentos da mesma familia, emproga-se a surdina, pequeno dispositivo de chifre ou metal que se coloca sobre o cavalete para atenuar as vibragdes. Por analogia, este nome € também dado ao pedal esquerdo do piano. pizzicato € 0 procedimento que consiste em pingar @ corda com os dedos sem o recurso do arco, “Chamamos violas aquelas de que se servem os gentis-homens, mercadores, e toda gente de bem, pata passar seu tempo... € 0 violino... para acompanhar casamentos ou folias” (Philibert Perna de Ferro, 1556). (N. T.) Conjunto de 24 instrumentos da familia do violino que existia na corte de Luis XIV, por ocasiao da chegada da Opera a Franga, (N.T) Os instrumentos, a orquestra, as vozes 2B Viola. Em inglés, viola; em italiano, viola; em francés, alto; em alemao, Bratsche, de viola da braccio. A viola é um violino mais avantajado e soa uma quinta abaixo do violino. Longe de ser um parente pobre, a viola tem individualidade, com seu tim- bre caloroso, algo velado, mais terno e mais Predisposto a a melancolia do que o do violino. Violoncelo. Em italiano e inglés, violoncello, ou o diminutivo “cello”; em francés, violoncelle, em alemao, Violoncell. O violoncelo soa na oitava grave da viola, mas nao reproduz em sua forma exatamente as propor¢6es do violino; é seguro verti- calmente e apia-se no chao pelo espigao. Tem menos agilidade que 0 violino, mas uma grande extensio, e seu som é aveludado, bem timbrado. Apesar destas quali- dades, 0 violoncelo teve dificuldade de destronar a viola baixo: em 1750, ainda nao havia sido bem aceito na Franga. Foi Boccherini (cerca de 1765) que fez do violon- celo um instrumento apreciado e o impés para sempre. Contrabaixo. Em italiano, contrabasso, em francés, contrebasse, em inglés, double- bass, em alemao Kontrabass. Soa na oitava grave do violoncelo e serve, na orques- tra, para reforcar a sonoridade de base. O instrumentista toca de pé, e a extensio consideravel dos intervalos que sua mao esquerda tem de abranger ao longo do brago do instrumento nao permite grande velocidade. A forga e a robustez da so- noridade lhe dao peso e valor. Alguns instrumentos mais raros Arpeggione. Nome italiano do instrumento de seis cordas e arco, inventado em 1823 pelo luthier vienense J.G. Staufer, que Ihe deu o nome de guitare d’amour. Schubert escreveu para piano e arpeggione a Sonata D 821, que hoje faz parte do repert6rio dos violoncelistas, j4 que 0 arpeggione nao se conseguiu impor. £ tam- bém chamado de guitarra-violoncelo. Viola bastarda ou viola-lira. Instrumento antigo de cordas, parecido com a viola baixo, que possuia de seis a sete cordas de tripa e de nove a 27 de metal, estas ultimas ditas “cordas simpéticas”. Entre 1766 e 1775, Joseph Haydn escreveu 175 obras para este instrumento, pelo qual se tomara de amores o principe Esterhazy, seu patrao. E 0 barftono da familia das violas da gamba, intermedidrio entre a viola tenor e a viola baixo. Tromba marina. Nome italiano de um instrumento de uma s6 corda,.com apro- ximadamente dois metros de altura, tocado com arco, que produz somente os sons harménicos, com timbre brilhante e metalico. Por causa de seu grande tamanho, foi objeto da cobiga do “Bourgeois Gentilhomme’, protagonista da comédie-ballet homénima de Moliére. 4 Léxico musical explicativo OS INSTRUMENTOS DE TECLADO : “ £ comum, hoje em dia, falar-se do cravo como se ele fosse um “antecessor” do piano. Nada mais falso: sao duas filiagdes distintas em tudo. O préprio principio do instrumento é inteiramente diferente nos dois casos, como sé pode perceber de imediato pelo quadro da pagina 25. O piano suplantou o cravo porque correspon- dia melhor a certo tipo de sensibilidade propria ao final do século XVIII. Na verda- de, os dois coexistiram por algum tempo, mas isto nao significa que o piano tenha nascido a partir do cravo. Sao apenas primos e tém um ancestral comum: um ins- trumento utilizado até hoje no Oriente e na Grécia, derivado da harpa e formado por uma base de madeira sobre a qual se acham distendidas algumas cordas. Estas podem ser arranhadas com a unha ou com um plectro, que pode ter formas dife- rentes e ser feito de materiais também diferentes. Trata-se do saltério (psalterion) dos gregos (o nome grego deriva do préprio ato de arranhar). Com este formato e tocado deste modo, passou o saltério ao Ocidente medieval. Entretanto, suas cor- das, ao invés de arranhadas, podem ser percutidas com dois pequenos malhos ou magos, produzindo um som mais doce e revelando possibilidades totalmente dife- rentes. Ha referéncias a este segundo instrumento na Idade Média, tanto com a designacao de saltério (fonte de confusdes!), como com os nomes de dulcimer (nome inglés, do latim dulce melos), manicérdio (manicordion), timpanao (tym- panon) e até mesmo com o de zimbalao ou cimbalom (cymbalum), um instrumen- to medieval que chegou a idade moderna e é tocado particularmente na Hungria; suas cordas sao percutidas por duas baquetas manejadas pelo instrumentista. O cravo deriva do instrumento de cordas arranhadas (impropriamente ditas “pingadas”) a que foram adaptados um mecanismo e um teclado. O piano deriva do instrumento de cordas percutidas, tendo 0 dulcimer como seu antepassado. Por motivos cronoldgicos, convém comegar pelo cravo. Cravo e espineta Por volta do século XV, 0 cravo aparece sob uma forma mais reduzida, chamada espineta, cujo primeiro exemplar conhecido data de 1493. Por que este nome? Foi tirado do espinho que arranhava a corda... Em teoria, 0 principio é simples, mas a execugiio é muito delicada. As cordas, como no saltério, estao esticadas horizontalmente. Cada tecla levanta uma pe- quena pega de madeira disposta na vertical, denominada saltarelo ou lamela, & qual esta fixada uma ponta (0 espinho), feita do fragmento de uma pena de corvo, que belisca a corda ao passar por ela. Toda a astticia esta no engenhoso mecanis- mo que permite a ponta retornar a posi¢ao, sem que, na sua descida, volte a be- liscar a corda... Tao delicada quanto este mecanismo é a escolha do lugar exato onde a corda deve ser beliscada ou, “pingada’, para melhor soar. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 25 As cordas sao arranhadas com SALTERIO (Biblia, Oriente, Grécia, Espanha, Idade Média) Cordas distendidas sobre uma caixa de ressonancia de madeira a unha ou com um plectro Os instrumentos de teclado As cordas sao percutidas com pequenos martelos DULCIMER (Timpanao, Cimbalom) Idade Média Introdugao do teclado ¢ do mecanismo que arranha as cordas Introdugio do teclado € transmissao direta da tecla ao martelo ESPINETA século XV CLAVICORDIO século XV Introdugao de um segundo teclado: possibilidade de registro Invengao do escape CRAVO séculos XVI-XVHI PIANOFORTE, meados do século XVIII Invengao do duplo escape, introdugao de pedais, etc. PIANO Inicio do século XIX 26 Léxico musical explicativo A espineta de pequenas dimensoes é retangular e colocada sobre uma mesa. Se for de tamanho maior, ela tem forma trapezdide e é provida de pés. Este ins- trumento teve uma modesta carreira até 0 século XVIII, paralelamente ao cravo, assim como 0 piano de armério ou vertical acompanhou a do grande piano de concerto. . O cravo surgiu no século XVI, com dimensoes maiores ¢ que as da espineta: ja tinha a forma, embora nao téo pesada, do nosso piano de cauda. Porém, diferen- temente da espineta, o cravo tem um segundo jogo de cordas, que toca em oitava; por analogia com o 6rgao, este jogo de cordas denomina-se “quatro pés” para dis- tinguir-se do outro jogo, que é chamado de “oito pés”. Os fabricantes Riickers, de Antuérpia, estao na origem deste aperfeigoamento que, como o 6rgio, iria permi- tir ao cravo “registrar”. Muito rapidamente, sempre como no 6rgao, um segundo teclado veio sobre- por-se ao primeiro, ficando entéo completo o instrumento, no que diz respeito as suas principais possibilidades expressivas. Uma série de sutilezas de fabricacao (ti- pos de material, modo do ataque a corda e certas delicadezas de feitura) fizeram com que, durante 0 século XVII, 0 cravo viesse a alcangar sua perfeicao. A familia Riickers destaca-se entre os fabricantes de cravos, tanto pelos instrumentos dota- dos de admiravel amplitude sonora, como pelo esplendor da fabricagao e da parte decorativa, confiada a grandes artistas da época. O século XVIII trouxe poucas melhorias: 0 som do cravo tornou-se mais lim- pido e mais fraco. Em todo 0 caso, este era o gosto da época. Como aconteceu com © érgao, tudo j4 estava pronto no cravo por volta de 1700. Nao € verdade que o cravo tenha uma sonoridade afetada e seca. Ele possui belos baixos profundos e uma admiravel riqueza, ou plenitude, de sons... A falha do cravo (que é também a do 6rgao) esta em que nao é possivel agir diretamente sobre a corda para fazer um crescendo ou um decrescendo. Mas a possibilidade de “registrar”, ou seja, de fazer oposicdes ¢ contrastes de timbres, est mais de acordo com a estética da época que promoveu sua criacao. A mudanga desta estética e deste gosto, e o desejo de um fraseado provido de nuangas, deslocaram as preferéncias, cada vez mais, para uma outra familia: a das. cordas percutidas. Dai a pesquisa que acabou por conduzir ao “pianoforte” (0 pr6- prio nome jé indica a que ideal 0 novo instrumento vinha responder) e, em conse- qiiéncia, ao abandono do cravo. Apés um século e meio de esquecimento, faz-se, em nossos dias, Justiga ao cravo e aos numerosos fabricantes que — depois de haverem construido, no inicio do século, o primeiro cravo moderno — vém trabalhando para tornar novamente © cravo um instrumento vivo. Gracas as numerosas obras que lhe tém sido consa- gradas por muitos musicos contemporaneos, 0 cravo passa hoje por um renasci- mento inesperado, tendo-se elaborado um estilo original de tocd-lo, que nao deixa entrever qualquer sombra de arcaismo. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 7 Virginal. Pequena espineta usada na Inglaterra, principalmente por mogas; dai 0 seu nome. Mas a palavra quase sempre designa, naquele pais, qualquer jnstrumen- to de teclado e cordas pingadas ou beliscadas. Do clavicérdio ao piano Do dulcimer de cordas percutidas deriva a familia de instrumentos cujo ultimo rebento € 0 piano. O primeiro membro dessa familia foi o clavicérdio, que parece ter surgido no século XV (decididamente, de extraordindria riqueza em matéria de constru¢ao de instrumentos). Entretanto, 0 mais antigo clavic6rdio que se conhece data de 1543. Sobre uma caixa de madeira sao fixadas as cordas, paralelamente ao teclado. Na extremidade de cada tecla, uma pequena pega metalica vai percutir a corda. A sonoridade do clavicérdio ¢ fraca, mas doce e delicada, além de permitir, até certo ponto, nuangas no “ataque” as cordas. Bach, segundo consta, amava este ins- trumento e possufa varios deles. Pesquisas feitas simultaneamente na Alemanha, na Inglaterra e na Franga, no comeco do século XVIII, conduziram, pouco depois de 1710, a criacao do piano- forte (inicialmente denominado forte-piano). Tais pesquisas foram desenvolvidas na Alemanha por Andreas Silbermann, apesar das reticéncias por parte dos musi- cos, entre os quais Johann Sebastian Bach. O instrumento nao conseguiu impor- se antes de 1770. Foi preciso esperar pelo francés Erard, no comeco do século XIX, para que o pianoforte, progressivamente, se tornasse o piano. O principio é 0 do “escape” — e, mais tarde, do “duplo escape” — que, de um lado, permite ao martelo ser soliddrio com a tecla no momento do ataque a corda (portanto, também soliddrio com o dedo, que toca “forte” ou “piano”) e tornar, logo em seguida, a cair, de maneira a deixar a corda vibrar livremente; de outro lado, permite desprender um abafador de feltro que faz cessar a vibracao no ins- tante em que o dedo solta a nota. Pode-se dizer que com esta invengao — e por conseguinte, com Erard — nasceu o piano, a despeito de aperfeigoamentos intro- duzidos posteriormente (chdssis de ferro, cordas cruzadas, martelos revestidos de feltro, maior extensdo do teclado, pedais, etc.). ELEMENTOS DO PIANO + Teclado: 7 oitavas e 1/4; teclas brancas para a escala diaténica (em marfim) e teclas pretas para os semitons (em ébano). . + Mecdnica: martelo revestido de feltro, mecanica delicada do “duplo escape’, aba- fador de feltro. * Cordas: trés cordas para cada nota, salvo nos graves; cordas de ago revestidas de fio de cobre nos graves. * Caixa harménica: caixa que, por sua propria ressonancia, aumenta a sonoridade. 28 Léxico musical explicativo + Chassis: feito de madeira nos pianos antigos, cedeu lugar ao chassis de ferro, ou de liga metélica, constituido por uma pega tinica (a tensao das cordas exerce sobre 0 chéssis uma tragao da ordem de vinte toneladas!). + Pedais. impropriamente chamados “doce” e “forte”. O primeiro, o pedal da sur- dina (esquerdo) desloca a mecAnica para direita, de niodo que'os martelos facam percutir apenas duas cordas, ao invés de trés; 0 segundo (da direita) levanta os abafadores para que as cordas continuem a vibrar depois de a mao ter soltado 0 teclado. TIPOS DE PIANO. + Piano de cauda. O grande piano de concerto chega a ter 2,60m de comprimento: suas dimensoes permitem maior ressonancia da caixa harmdnica e das cordas mais longas. E a disposicao mais racional e que melhores resultados da. * Meia-cauda, quarto-de-cauda, crapaud sao designacées dadas ao piano de cauda que foi reduzido em seu tamanho por motivo de economia e espago. + Piano vertical ou piano de armério: as cordas estao dispostas obliquamente no sentido vertical; os martelos também estao em posicgao vertical e recuam sob a acao de uma mola. + Piano de pedaleira: piano equipado com pedaleira, criado para exercitar os or- ganistas. Schumann e outros compositores escreveram musica para esse ins- trumento. EM TORNO DO PIANO Pianola ou piano mecénico. Instrumento inventado em 1900 pelo norte-america- no Votey. Através de uma folaria, acionada por pedais, passa um rolo de miisica, perfurado, que recobre uma barra com um niimero de furos igual.ao das notas; a coincidéncia dos furos da barra com os do rolo produz o som. A pianola pode também ser utilizada como instrumento de teclado normal, munido de registros ¢ pedais. Os seus fabricantes, a firma Aolian, vendiam aos usuarios sinfonias, ar- ranjos de éperas, etc., na forma de rolos perfurados. A aparigao do disco fez com que este instrumento entrasse em declinio. Luteal. E um acessério do piano de cauda, ao qual acrescenta possibilidades de jogos (“harpa’, “cravo”) e timbres, sem impedir a execugao normal do instrumen- to. Inventado em torno de 1920, foi utilizado praticamente s6 por Ravel para evo- car 0 zimbalao htingaro em Tzigane e 0 cravo em L’Enfant et les sortiléges [O me- nino e os sortilégios]. . Piano preparado. Os compositores norte-americanos Henry Cowell e Charles Ives, ja no inicio do século, exploraram os recursos do “piano preparado”, que modifica a vibragao das cordas pela introducao, entre elas, de uma variedade de miateriais (borracha, madeira, metal, etc.). Alguns decénios mais tarde, John Cage deu um impulso decisivo as técnicas do piano preparado, através de obras como as Sonatas Os instrumentos, a orquestra, as vozes 29 and interludes (Sonatas e interlidios, 1945-1948]. Em 1949, por essa iniciativa, Cage recebeu 0 prémio da National Academy of Arts and Letters “por ter ala¥gado as fronteiras da arte musical”. AS PERCUSSOES Depois dos instrumentos soprados, friccionados, arranhados e pingados (ou belis- cados), chegamos aos que sao percutidos. Nunca esquecer que 0 piano é um des- ses, se bem que a seu modo... Desde a Idade Média, passando pelo Renascimento e até 0 século XVII, as per- cussdes eram numerosas e variadas nos conjuntos instrumentais destinados a musica de danga. Seria um erro esquecer isso e pensar que o emprego macico de percuss6es seja uma inovacao recente. Elas praticamente desapareceram das or- questras barroca e “classica’, afastadas pela busca cada vez mais intensa do prima- do da melodia. Excetuando-se algumas pesquisas relacionadas com o exotismo —a mtsica “turca” da 6pera de Mozart Die Entfiihrung aus dem Serail [O rapto de serralho], por exemplo —, somente os timpanos conservaram 0 direito de ser lembrados na orquestra nobre, onde seu papel permaneceu secundario, salvo em algumas excegGes, como a Sinfonia n° 103, chamada Drum roll [Rufo dos timpa- nos], que Haydn compés em Londres. O estatuto das percuss6es comegou a mudar com Beethoven, que, segundo bem disse Bucurechliev, teve a maior importancia como promotor do timbre en- quanto valor musical essencial: ao uso mais percussivo que fez Beethoven do piano (o papel capital do trinado como timbre, por exemplo), corresponde o papel fun- damental dos timpanos na orquestra beethoveniana: nesse sentido, a Quarta, a Sétima e a Nona Sinfonias sao caracteristicas. Em sua Nona Sinfonia, Beethoven confere foros de nobreza a musica “turca” mencionada acima (cimbalos, triangulo, bombo) sem que houvesse qualquer necessidade de exotismo. O papel de Berlioz, seja como teérico, seja como compositor, foi ainda mais importante. Berlioz foi até chamado de “artilheiro’, pela abundancia das percus- ses que se ouvem em algumas de suas obras. (Chama-se, atualmente, de bateria 0 conjunto de percuss6es utilizadas nas formagées de jazz, mas o termo nada tem aver com canhoes.)! A licdo de Berlioz acabou por vencer as delicadas repugnan- cias do “bom gosto” neoclassico, e, depois disso, desde que Schénberg instaurou sua “melodia de timbres” (Klangfarbenmelodie), de Stravinski e Bartok’a Varese — este iltimo, o terceiro nome capital desta histéria, depois de Beethoven e de 1 Mais préximo da miisica militar (ou mesmo do som de uma artilharia), 0 “ritmo de bateria” é um ritmo persis- tente, dado quase sempre pelo baixo, cuja pulsacdo regular pode tornar-se bastante expressiva e, por vezes, inquietante. 30 Léxico musical explicativo Berlioz —, as percussGes passam definitivamente a marcar sua presenga na musi- ca. Sua presenga esta cada vez mais forte nas composigdes contemporaneas e jus- tifica a existéncia de formacées exclusivamente consagradas a elas, como é 0 caso do conjunto francés intitulado Percussions, de Estrasburgo. Os instrumentos de percusséo — nao temos inténgao.de fornecer aqui uma lista exaustiva deles — podem ser clasificados de diversas maneiras. Berlioz os dividia em instrumentos que produzem um som definido (portanto, mais susce- tiveis de produzirem efeitos melédicos) e instrumentos que produzem um som indeterminado. Na pratica atual, prefere-se distinguir trés categorias: os que pos- suem teclado, aqueles em que a superficie sobre a qual se faz a percussio é de pele e os que chamariamos de “acessérios”. OS INSTRUMENTOS DE PERCUSSAO COM TECLADO Glockenspiel Nome alemao do instrumento formado por um conjunto de laminas de ago de dimensées varidveis, movido por intermédio de um teclado; chama-se também “jogo de timbres” (traducao literal do alemao) ou “carrilhao de tecdlado” Em italia- no, campanelli ou campanette; em francés, carrillon. Em Die Zauberfléte [A flauta magica] de Mozart, era o instrumento inseparavel da personagem Papageno. Atualmente, existem diferentes tipos de Glockenspiel, tocados com martelo. Celesta Em inglés, dulvitone. A feicao definitiva adquirida por este instrumento nao é an- terior a 1886. E uma espécie de piano em que as cordas estdo substituidas por laminas metdlicas com ressonadores de madeira. A celesta tem pouca ressonancia, mas 0 som é particularmente cristalino e delicado, como facilmente se pode per- ceber na pega de Bartok intitulada Musica para cordas, percussao e celesta. Xilofone Em francés e inglés, xylophone; em alemao, Xylophon ou Strofiedel; em italiano, silofono. Origindrio provavelmente de Java, seu uso na Europa desde o século XVI pode ser atestado por uma gravura de Holbein (1525). Tem o teclado de laminas de madeira que sao tocadas com baquetas de ebonita e comporta quase sempre duas (as vezes, quatro) fileiras de laminas. Foi utilizado na orquestra de musica erudita pela primeira vez na Danse macabre [Danca macabra] de Saint-Saéns. Marimba E de origem africana, da mesma familia do xilofone. Seu som é mais grave, e as baquetas percutem de modo mais suave; sob as laminas de madeira, sao colocados diversos tipos de ressonadores. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 31 Vibrafone Em inglés, vibes, por abreviatura; em francés, vibraphone. S6 apareceu por volta de 1930. Tem teclado metdlico e é tocado com baquetas. Possui um motor elétrico que imprime rotagao as aselhas dentro dos tubos ressonadores, produzindo um som continuo, com particular efeito de vibrato. A tessitura é de trés oitavas, as vezes de quatro. OS INSTRUMENTOS DE PELE Timpanos ou timbales Em francés, timbales; em inglés, timpani ou kettle drums; em italiano, timpani; em alemao, Pauken. Grandes ressonadores de cobre, de forma parabdlica quase he- misférica (dai seu apelido, em francés, de bassine a confitures ou seja, “tacho de fazer doce”), cobertos por uma pele ou membrana esticada cuja tensao se pode alterar, afinando assim o instrumento. Os timpanos sao tocados com diversos ti- pos de baquetas ou grandes macos, que variam de acordo com 0 som desejado, mais duro ou mais suave. Em geral, os timpanos estao agrupados dois a dois, na orquestra, afinados na ténica e na dominante. Pode haver, na orquestra, quatro ou até mais: para a execucao do “Tuba mirum” do Requiem de Berlioz sao necessdrios dez musicos tocando dezesseis desses instrumentos. Tambor ou caixa Em francés, tambour; em inglés, drum; em alemao, Trommel; em italiano, tamboro. Este instrumento existe desde a pré-histéria, mas sé foi aparecer na musica militar ocidental no século XVI. Possui duas peles superpostas: a membrana superior, mais espessa, onde batem as baquetas, e a inferior, 4 qual é fixada uma’ corda de tripa animal, cuja maior ou menor tensdo permite modificar o “timbre”. Bombo Em francés, grosse caisse; em alemao, Grosse Trommel; em inglés bass drum; em italiano grass cassa ou tamburo grande. Enorme tambor tocado com magos forra- dos de cortica ou feltro. Tambor de guerra ou caixa clara Em francés, caisse claire: em inglés, side drum ou snare drum; em alemio, Kleine trommel ou Militértrommek, em italiano, tamburo siccolo ou militare. Pequeno tam- bor de membrana dupla usado em orquestras. Os “ACESSORIOS” (enumerados em ordem alfabética) Bigorna. Em francés, enclume; em inglés, anvil, em alemao, Amboss, em italiano, incudine, Pequena barra de ferro tocada com martelo. 32 Léxico musical explicativo Bongés. Em francés, bongoes; em inglés, bongoes. Par de pequenos tambgres de som agudo, tocados com baquetas ou com as mios. » Cabaga. Em francés, guerro ou guiro. Instrumento feito da casca de determinados frutos que, depois de vazios, 0 executante usa para. produzig sons, fazendo-lhe sulcos e raspando-a com um pedago de pau. Castanholas. Em espanhol, castafiuelas, em francés, castagnettes; em alemao Kas- tagnetten; em inglés, castanets. Instrumento formado por duas pegas simétricas de madeira (antigamente, também de marfim), que o executante segura numa das maos, fazendo-as bater uma contra a outra. Clavas. Em espanhol e francés, claves. Instrumento de percussao de origem cubana formado por duas pecas de madeira que, batidas uma contra outra, produzem um som seco. Crétalos ou cimbalos antigos. Em latim, crotalum; em francés, crotales; em alemao Zimbel; em ingles, cymbalum. Pequenos discos metélicos que produzem uma nota cristalina, muito aguda. Flauta-jazz. Em inglés, slide flute, Swance flute ou lotus flute; em francés, flite a coulisse ou jazzo-flite, Flauta de bisel, mas sem orificios, que sdo substitufdos por um émbolo de vaivém que dispensa uma das maos do executante. Gongo. Em francés e inglés, gong. Disco metalico, em geral de bronze, ligeiramente abaulado, com uma saliéncia arredondada no centro, que pode estar em posicao horizontal ou suspensa (por uma armagao ou pela mao) e, quando tocado por um mao, produz um som determinado e forte. Maracas. Misto de cabaca e matraca, espécie de par de chocalhos de origem ame- rindia, providos de contas ou sementes em seu interior. Pandeiro. Em francés, tambourin ou tambour de basque; em inglés, tambourine; em italiano, tamburo basco ou tamburino; em alemao, Schenellentrommel. Pequeno tamborim guarnecido de soalhas, tocado com a mao e nao com baquetas. Pratos ou cimbalos modernos. Em francés, cymbales, em inglés, cymbals; em ita- liano cinelli ou piatti; em alemao, Becken. Dois discos metalicos que sao batidos um contra 0 outro. Um sé dos pratos pode estar suspenso e ser tocado com uma baqueta. Tanta. Em inglés, francés ¢ italiano, tam-tam. No Extremo Oriente, é constituido por um disco de metal plano, que di um som de altura indeterminada e por isto se distingue do gongo. Na Africa, tem a forma de um grande tambor de-madeira cavado no tronco de uma rvore, particularmente sonoro e tocado com um mago resistente. E usado para transmitir mensagens e acompanhar dangas. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 33 Templeblock (ingl.). Bolas de madeira ocas e esculpidas que se tocam com baqueta de madeira ou revestida de feltro. 7 Tridngulo. Em inglés e francés, triangle; em italiano, triangolo; em alemao, Trian- gle. Barra de metal em forma de triangulo, que é tocada com baqueta de metal e emite uma nota de som cristalino. Wood-block (ingl.). Toco retangular de madeira, que se toca com baquetas. A extensdo contemporanea das percussdes Hoje, o campo instrumental praticamente nao tem limites estabelecidos. Poder- se-ia dizer, parafraseando Berlioz, que qualquer corpo sonoro pode tornar-se ins- trumento de musica, desde que haja a intengao de encara-lo como tal. O potencial instrumental nutriu-se, ao longo deste século, mais de objetos incorporados a exe- cugao musical do que propriamente de instrumentos inventados. $6 0 instrumen- tarium explorado por Mauricio Kagel j4 dava para constituir um repertério con- siderdvel de instrumentos a serem integrados as categorias existentes, se o proprio Kagel nao houvesse antes demonstrado que qualquer ambi¢io de estabelecer uma lista exaustiva no dominio da instrumentagao ja nasce caduca. A LUTERIA ELETRONICA Os instrumentos eletrénicos constituem uma categoria instrumental nova e total- mente a parte. £ neste dominio que as inovacoes se vém revelando de forma mais determinante. Entre os numerosos instrumentos inventados e experimentados ja ha mais de meio século, é preciso citar 0 trautonium, o melocérdio e as ondas Martenot. Este ultimo, inventado por Maurice Martenot e apresentado em Paris em 1928, é um instrumento de teclado, com extensao de sete oitavas e cujos sons, oriundos das oscilagées de lampadas eletrénicas, permitem variagoes de timbre muito sutis, bem como toda sorte de efeitos de vibrato e de glissando, gragas a uma fita percorrida digitalmente. As ondas Martenot sao mais particularmente apro- priadas as musicas microtonais, que executam de maneira muito controlada. Baseados na utilizacao da corrente elétrica e funcionando a partir de geradores de som sintético, os drgaos elétricos, principalmente 0 érgio Hammond, ha varios anos vém ganhando um impulso consideravel. A automatizacao de miltiplos efei- tos de vibrato, de reverbera¢ao, de ataque, bem como das combinagées de timbres, inclusive de figuras ritmicas, favorece um acesso relativamente direto a execugao instrumental, mas com 0 risco de limitar-se a um circuito fechado de possibilidades. Um risco de natureza similar parece muitas vezes estar envolvido na utilizacao do sintetizador, hoje ligado as correntes musicais mais diversas, que abrangem 34 Léxico musical explicativo desde a mtisica experimental até a musica pop, passando pela assim chamada mui- sica de variedades, sobretudo pela musak (a musica de ambiente, destinada a gran- des espagos comerciais, lugares ptiblicos, etc.). Um sintetizador é um conjunto de elementos eletrénicos destinado 4 producao de sons (por meio de geradores) e 4 transformacao desses (por meio de filtros, moduladores, etc.). Pode ser utilizado como instrumento auténomo ou transformar fontes sonoras exteriores, 0 que 0 aproxima de certas técnicas préprias da musica concreta. Tem uma memoria que lhe permite armazenar determinada quantidade de informagao, e seu pequeno tamanho torna possivel seu manejo até mesmo durante os concertos. E preciso ainda assinalar a importancia da eletrificagao dos instrumentos tra- dicionais. Para muitos musicos, a amplificagdo dos instrumentos por meio de mi- crofones dotados das mais variadas propriedades constitui um verdadeiro prolon- gamento de seus recursos, cujo dominio tende a tornar-se parte do aprendizado instrumental, quanto mais nao fosse pelo incontestavel papel do fenémeno da gravagao na vida musical. Da eletrificagdo, surgiu um instrumento que se afastou progressivamente das origens para adquirir certa independéncia e servir como detonador de novos tipos de efetivos instrumentais: a guitarra elétrica. E inegavel que didlogos fecundos podem ser travados entre as fontes instru- mentais cuja “sedimentagao” de um modo geral se vem fazendo ha varios séculos ¢ as técnicas derivadas da eletrénica que se revelaram capazes de multiplicar ao infinito suas potencialidades, facultando o ingresso em dimensées inexploradas, principalmente as microorganicas. Contudo, a prevaléncia dos instrumentos sin- téticos sobre categorias de instrumentos fundados em principios fisicos elementa- res, bem como a da musica reproduzida mecanicamente sobre a muisica produzida ao vivo, ameagaria afastar-nos deste sentimento de intimidade que existe entre execucao e interpretagdo musical e as faculdades corporais, em qualquer de suas multiplas relagdes, A ORQUESTRA, O REGENTE Qualquer formagao instrumental que retina um numero consideravel de muisicos pode ter pretensdes a receber 0 nome de orquestra. Na musica contemporanea, principalmente, a divisdo e o nimero dos miusicos variam de acordo com as obras ea vontade expressa do compositor. A orquestra classica requer certa dosagem das sonoridades, que, com numero- sas variantes, habitualmente se busca conservar. Esta dosagem € o resultado de uma longa série de ensaios e tentativas que se sucederam ao longo da histéria da musica ocidental. Og instrumentos, a orquestra, as vozes 35 Pode-se dizer, um tanto por alto, que até 1750 nao existia uma formacao instru- mental tipica. As formagdes do Renascimento eram geralmente constituidas por pequenos efetivos, compostos quer por instrumentos de uma mesma familia (a das flautas doces, a das violas, a dos cromornos, etc.) tocando em (consort, quer por oposicdes de grupos (cordas contra metais, cordas contra madeiras, etc. .), quer ain- da por pequenas formagGes em que se mesclavam as familias de instrumentos. A primeira grande orquestra de que se tem realmente noticia, formada por 33 mu- sicos, € a que foi reunida para a execucao da épera Orfeo [Orfeu] de Monteverdi, em 1607. Era formada por dois cravos, dois violoni, dez violas, dois violinos, duas harpas, dois érgaos, duas violas baixo, quatro trombones, dois cornetos, um flajolé € quatro trompetes. Tratava-se de um conjunto de muitos timbres, mas pouco ho- mogéneo. A orquestra italiana, depois de Monteverdi, reduziu-se quase sempre a um conjunto de cordas acrescido de alguns instrumentos de sopro. A orquestra dos “classicos” vienenses nao se caracterizou pelo aumento dos efetivos: a orquestra de Haydn, quando este comegou a trabalhar para o principe Esterhazy (23 miusicos), nao ultrapassava muito a de Bach em Coethen, e as di- mensées da sala do palécio Lobkowitz em que foi criada a Sinfonia Heréica, de Beethoven, nao permitem supor que l4 houvesse mais de trinta musicos. Em ou- tros lugares, porém, como em Paris, no Concert Spirituel, j4 nos anos que vao de 1770 a 1780, o ntimero de executantes estaria entre sessenta e oitenta. Mas a grande novidade nao esta ai, e sim na promogao dos instrumentos de sopro: na relacao numérica entre sopros e cordas, em sua importancia qualitativa, na freqiiéncia de suas intervenges capitais, bem como na individualizagao cada vez mais acentuada do papel especifico de cada um deles; e, em conseqiténcia, na diversificagao crescente do naipe dos sopros pela introdugao de instrumentos no- vos. A orquestra romantica haveria de ampliar esta orientagao. E 0 mesmo acon- teceria no que diz respeito ao avango dos instrumentos de percussao. O quadro da pagina seguinte pode mostrar-se bastante sugestivo se tivermos em conta que na orquestra do jovem Haydn, por volta de 1760-1765, geralmente 86 havia dois oboés e duas trompas, tocando lado a lado com as cordas e 0 baixo continuo, o qual, em breve, iria desaparecer. Na evolugao da orquestra romantica, Berlioz ocupa, entre Beethoven e Wagner, um lugar excepcional, talvez mais como tedrico, pensador e profeta do que por suas criagGes, apesar de geniais. Movido pelo senso da desmedida, Berlioz aspira a “execugdes monstro”, “babilénicas”. A orquestra ideal para Berlioz comportaria 467 misicos, distribuidos.entre 120 violinos, dezesseis trompas, oito pares de timpanos e assim por diante. O Requiem de Berlioz exige um enorme efetivo de instrumentistas, porém, o que constitui a caracteristica de sua idéia de orquestra nao é tanto o emprego dos instrumentos, mas a escolha deles, além do recurso a certas possibilidades, como, por exemplo, a divisdo dos violinos em quatro grupos. E isto que faz de Berlioz o criador da or- questra moderna. Léxico musical explicativo 36 “] wa sopeuorsuats ogis9 anb sop ojdnupend o anb 10reut 9 saqueynaoxa stew9p sop o1aunu o seut ‘apeiaiu ep opeiLauune {oy sepsoD sep ,o1aLIeNb,, C “wuaUa> un ap tHgye Tea sayuEINDaXd ap [eIOr CO oUBeM ap [seIado ouseNb ap opID {308 “UMPPAIN SOP faUe ©, ] UaSuM|aqan sop Suny w9cr mSopmu2. ep yeqops ensanb1O -TIT -[worBurT}an ap PLOHA Vy] BuostA 199 OTIS So1g suosSuipjay, ww E1gI apsop UEAotpoog sod sepeziioyea ‘saossno13d 1 10yeur Ovp 9 soados sop ovSourord v ered ayUsUUETMONIed WaNgLy -4oo wanoupaag ap BUOY v Opmaiqos a BjUINr Vy “SaIUEMDXS EULA ap #199 WO ‘oxdos ap so.uawinsu ap etznp wun ap steur aunar pf ensanbro v “(poRT) voor -ap] & apsaq] ‘uanoyreag ap seruoJUIS aAou sep exysanbso ep Jera opeyuedy :I] “souoquion auaUIEpE}OU ‘so;UDUNNSU soNNO znpoNUT weZOPY ‘(ojduroxs tod Sumo uocy viado v) sesquogurs ov sagsisodwon wa ‘sey ‘souedamm sov 9 oidos ap sojuaumasut sov opadsar z1p anb ou staagjsa og-as-sa}ueU ‘Sep 109 sep ,ciauenb,, o eied osousttmnu soust tH9q OANRFP tr0D “aeZOPY ap sortaNd -asqns seIuoyuts se [e198 opour a¢q “8/21 ap OUR ou ‘sire wo ‘janaLttdg x99U0D ou epeysexo 1oy aUIOFUOD “eZOWY ap ‘sUIeg ap, ENP LET A “TE of MIuofiuts = SvaVH aaolgls seuz08:q, predsuayorp ojna ap exe, oquiog sored wey omsugin (ed) sourdu sagssnouad onteqenuo> auoquion ‘oxteg suoqution souoquion oxqeq aiadution soraduion oxteqentios ausorpres seq seduion 2nofeyesqu0s so8yy you, alg) snnnmann eenmamaalal anne sft 20> senapeun,, spoqo seiney wnney soudos ze soxregenuos ag 38 Be (sepeuorouy) hl svauoo Os instrumentos, a orquestra, as vozes 37 A nova orientagao do século XX esboga-se com Debussy, que busca indivi- dualizar os timbres ¢ divide forcas anteriormente coligadas. A predominancia das cordas nao se faz sentir, para maior brilho das aliangas de timbres. Foi depois da Segunda Guerra Mundial que surgiram, com toda a forga, as formagGes novas. Comega a manifestar-se uma estética completamente diversa,‘que ja estava em germe na obra de Stravinski. A questao dos equilibrios sonoros é recolocada em cada obra tomada particularmente: tanto em seu tratamento como em sua com- posi¢ao haverd, daqui por diante, tantas orquestras quanto obras. O REGENTE Em sua obra fundamental Uber das Dirigieren [Sobre a regéncia], Richard Wagner resume toda a regéncia da orquestra em duas fungGes: saber onde esté a melodia e dar @ orquestra o andamento justo. De fato, a histéria da regéncia orquestral varia ao sabor da importancia que se dé a um ou a outro desses dois aspectos. Hoje em dia nao é tao facil descobrir o fio melédico numa partitura sinfonica fervilhando de notas e fazer com que uma formagao orquestral complexa a ponha em relevo; e certamente também nao é facil manter (ou modificar, se for 0 caso) 0 tempo de uma cena de 6pera. Dai a importancia assumida pela presenga e a atuagao do regente. Mas, as duas fungées assinaladas por Wagner sempre existiram, e sua re- lativa importancia nas diferentes culturas musicais determina as caracterfsticas do papel assumido pelo “maestro”, Na misica tradicional, o regente em geral nao é mais do que um dos miusicos, que recebe por tradi¢ao essa autoridade: é interessante notar a quem se confere tal autoridade. Na maior parte das culturas, é ao percussionista, 0 que implica a pre- eminéncia do elemento ritmico sobre 0 melédico. No Camboja, entretanto, em sua orquestra tradicional, dita Pin Peat, a diregdo pertence ao oboé solista, por- tanto a melodia: os xilofones e as percuss6es sé fazem acompanhar. Em outros casos, a hesitagio, ou mesmo a divisao, entre duas autoridades é ainda mais ca- racteristica. No gamelao de Bali,! a autoridade é manifestamente atribuida ao percussionista, que imp6e e controla as inimeras mudangas de andamento ¢a- racteristicas da musica balinesa. £ contudo ao gangsa (xilofone melédico) que estao reservadas iniciativas como a de dar a entrada e a de controlar o andamento geral, dividindo com o percussionista a autoridade sobre o resto da orquestra, de maneira complexa e sutil, mas sem ambigitidades aparentes. Estas mesmas indefinigdes encontram-se no decorrer da hist6ria .da musica ocidental. Na Antigiiidade, a existéncia do “batedor” de compasso esta perfeita- mente atestada tanto no teatro grego como no de Roma. Os podeptupoi na Grécia e os pedarii em Roma dirigiam o coro batendo no chao com 0 pé calcado com © Conjunto orquestral indonésio tipico de Java e Bali. 38 Léxico musical explicativo sandalia de madeira (pedicula, sacabella). J 0 manuductor conduzia batendo as palmas das mios. “Dire¢ao” ritmica, tanto num caso como no outros Na Capela Sistina, no século XV, o costume era reger com um rolo de papel na mao, chamado sol-fd (origem do termo “solfejo”). Esta pratica tornara-se necessaria pela comple- xidade melédica da musica polifonica e esta atestada em numefosos textos da épo- ca renascentista. No século XVII, a regéncia da orquestra evoluiu e transformou-se nos sentidos os mais diversos, segundo a orientagdo tomada pela musica. Tradigdes divergen- tes se constituiram, segundo as regides e os tipos de musica. Na Itélia, a passagem da arte polifénica 4 melodia acompanhada (stilo recitativo), que coincide com 0 surgimento da 6pera, praticamente elimina o papel do regente: ele s6 é necessario nas grandes formagGes vocais e instrumentais, ou seja, na miisica sacra. E esta éa origem da figura do Kapellmeister, do maitre de chapelle, na época barroca,' no momento em que o regente desaparece da 6pera. As formagOes orquestrais e mesmo as orquestras de 6pera eram, nessa época, conjuntos geralmente pouco numerosos. Por outro lado, a aparigao do baixo continuo, nesse periodo, implica a presenga, em carater permanente, de um instrumento de teclado: confia-se o papel de “maestro” ao cravista que, na maior parte das vezes, era também 0 com- positor. O cravista tanto acompanha o recitativo do solista como, do seu cravo, rege a orquestra. Tal procedimento difundiu-se por toda a Europa com a musica italiana, seja em espetaculos de Opera, seja em concertos, tornando-se uma tradi- ao: Haendel em Londres, Hasse em Dresden, Scarlatti em Madri nao tinham outra maneira de se apresentar em publico. Foi este o procedimento habitual du- rante todo o século XVII. Na‘Franga, entretanto, formou-se outra tradicdo, provavelmente por causa da importancia que tinha a danca na épera de Lully, origindria do ballet de cour. O oficio do “batedor de compasso” era fundamental na épera francesa. Convém lembrar que Lully regia de frente para o publico (e para o rei!), com as costas vol- tadas para sua orquestra. O famoso baton que causou sua morte, ele o batia sobre a estante. Rousseau ainda faz mengao, em varios verbetes de seu dicionario, a esta estranha pratica de regéncia “audivel”: “Na Opera de Paris, nao se usa um rolo de papel, mas um bom bastao de pau bem grosso e bem duro, que o maestro bate com forga para ser ouvido de longe” (verbete Baton). E, no verbete Opéra: “... o barulho insuportavel de seu bastdo cobre e amortece qualquer efeito da sinfonia...” Na Alemanha, tendéncias diversas parecem coexistir. Hasse e os italianizados regiam a partir do cravo, e € provavel que todas as formac6es orquestrais de ' O titulo de Kapellmeister ainda equivale ao de regente de orquestra nos paises germanicos. Nao confundir o papel do Kapellmeister barroco com 0 do Cantor, que era o de Bach na Thomasschule de Leipzig. Na organizagio luterana, o Cantoré o responsivel musical pelo conjunto escola-igreja: ele 6, a0 mesmo tempo, organista, regente de coro, professor de canto, encarregado do ensino musical e inspetor-geral do ensino ministrado aos alunos. Os instrumentos, a orquestra, as vozes 39 dimens6es modestas fossem regidas desse modo. J4 um texto bem conhecido de Gesner descreve Bach regendo, enquanto fazia 0 acompanhamento riosdrgao. No fim do século XVIII, e sobretudo no comego do século XIX, a regéncia de orques- tra evoluiu bastante na Alemanha, assim como a técnica que lhe corresponde. Mendelssohn fez com que ela desse um passo decisivo em-seus concertos da Gewandhaus, por volta de 1840. Por essa época, na Fran¢a, Berlioz realiza um trabalho que, com algum retardo, revelar-se-ia igualmente decisivo. Mas foi na metade do século e sob a influéncia de Wagner que os maestros alemaes que 0 cercavam, Hans von Biilow, Hans Richter e Hermann Levi, criaram o verdadeiro conceito do que seja o “regente de orquestra’, tal como o entendemos hoje. As turnés de Hans von Biilow com a famosa orquestra da corte de Meiningen: have- riam de consagrar definitivamente a concepcdo de que o maestro “toca a orques- tra” tanto quanto um violinista toca violino. Assim, depois do star system constituido pelas vedetes do virtuosismo instru- mental (Paganini, Liszt ou... Thalberg), nao foi preciso mais do que uma geragao para que se firmasse o star system dos virtuoses da regéncia. Malgrado os exces- sos, as vezes lamentaveis, de todo esse vedetismo, seria injusto esquecer com que refinamento de execuc4o e profundidade de compreensao os grandes maestros do século XX elevaram a regéncia a dignidade de uma arte verdadeiramente nova, da qual até entao mal se suspeitara. E é preciso também nao esquecer que, de Mahler a Boulez, uma linhagem de auténticos criadores demonstrou o quanto a sua arte de regentes de orquestra revelou-se fecunda ao contribuir para suas composic¢Ges pessoai: AS VOZES Ao passo que um violinista faz soar seu violino, o pianista um piano, o flautista uma flauta, todos eles instrumentos construidos com o propdsito de produzir sons musicais, 0 cantor, paradoxalmente, nao conta com um 6rgao predestinado a tal fim. Ele dispde de um “complexo” que se destina a coisa totalmente diversa e do qual fazem parte: + o aparelho digestivo (labios, boca, palato, lingua, dentes); + oaparelho respiratorio (laringe, fossas nasais, pulmées, caixa toraxica, diafragma); * o aparelho muscular em geral e o sistema nervoso. Dai a extraordindria complexidade dos fendmenos que estao em jogo quando se trata de cantar. Mas, simplificando enormemente tudo isso, pode-se dizer que o canto é produzido pelo ar expirado que bate nas cordas vocais e as faz vibrar. A altura do som é determinada no cérebro, segundo a rapidez da propagagao do influxo nervoso.

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