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A MAGONARIA EO PRESBITERIANISMO NO BRASIL George Washington dezembro - 2018 |. Acolhei ao que 6 débil na fé, ndo, porém, para discutir opinides; Um cré que de tudo se pode comer, mas 0 débil come legumes; Quem come no despreze 0 que ndo come; @ 0 que nao come néo julgue o que come; porque Deus o acolheu. Quem és tu, que julgas 0 servo alheio? Para seu préprio senhor esté em pé ou cal; mas estaré em pé, porque 0 Senhor & poderoso para o suster. Um faz diterenca entre dia e dia, outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opiniéo bem definida em sua propria mente. 3. Quem distingue entre dia e dia, para 0 Senhor o faz; e quem come para o Senhor come, porque dé gragas a Deus; € quem no come, para o Senhor néo come, e da gracas a Deus. Porque nenhum de nés vive para si mesmo, nem morre para si. Porque, se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor. Foi precisamente para este fim que Cristo morreu e ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos. Tu, porém, por que julgas teu irmao? E tu, por que desprezas 0 teu? Pois todos compareceremos perante 0 tribunal de Deus. 11. Como esté escrito: Por minha vida, diz o Senhor, diante de mim se dobraré todo joelho, e toda lingua louvard a Deus. 12, Assim, pois, cada um de nds dard contas de si mesmo a Deus. 13, Nao nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrario, tomai o propésito de ndo pordes tropeco ou escandalo ao vosso inméo. Romanos 14.1-13 RESUMO Este trabalho analisa 0 relacionamento entre a Magonaria @ 0 Presbiterianismo no Brasil, segundo a proposta basica de tratar do assunto sob 0 Ponto de vista histérico. © desenvolvimento do trabalho se desdobra em trés blocos Prinoipais. No primeiro bloco sao apresentadas as partes em lide, mostrando suas respectivas origens e introdugéo no Brasil. Alguns aspectos cruciais para o conhecimento dos objetos de pesquisa. A segunda parte apresenta o desenvolvimento historico da magonaria e do presbiterianismo, desde sua origem mais remota até chegarem ao Brasil e se estabelecerem de maneira consolidada. A seguir, busca identificar os motivos e as consequéncias dessa aproximagao. A motivagao, ao que tudo 3. parece ter sido fruto de interesse miituo, por dbices ao exercicio da magonaria pela Igreja Catélica Romana e restrigdes legais a liberdade religiosa no Brasil. Descreve, ainda, as consequéncias dessa aproximacdo, ressaltando os beneficios conquistados apresentando 0 ponto de vista dos pioneiros presbiterianos sobre o relacionamento. Finalizando, o ultimo capitulo entra no campo dos contltos, tratando mais diretamente de buscar uma resposta para o problema central: Quais as consequéncias dos debates sobre magonaria para a vida da igreja? Ha, pois, uma abordagem especifica de como a questo magénica tem sido tratada de forma conciliar e as consequéncias para igreja. Identifica-se 0 momento de transigéo entre a harmonia relativa entre as partes e os agudos confltos, que culminaram no Cisma de 1903. Assim, 0 Sinodo de 1903 recebe uma analise mais acurada, pois deu azo ao surgimento da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. No desenvolvimento capitular buscaram-se fontes pré e contra ‘a magonaria. O capitulo se encerra com o levantamento da atual situagao dos debates sobre a questa. Sumario RESUMO INTRODUGAO ... APRESENTACAO DO PROBLEMA .... RELEVANCIA DO TRABALHO MAGONARIA E PRESBITERIANISMO, ORIGENS E INTRODUGAO NO ORIGEM DA MACONARIA PRESBITERIANISMO PRESBITERIANISMO NO BRASIL CONSIDERACOES PARCIAIS . MACONARIA E PRESBITERIANISMO, INTERESSE MUTUO NO BRASIL . ASITUACAO POLITICA E ECLESIASTICA NO BRASIL A QUESTAO RELIGIOSA .. ALLIBERDADE DE RELIGIAO .. APERSPECTIVA DOS MISSIONARIOS PROTECAO CONTRA A REACAO CATOLICA DISTRIBUIGAO DE BIBLIAS ... AGRESSAO AOS PROTESTANTES .. ESPACO PARA CULTO CONSIDERACOES PARCIAIS .. MAGONARIA E PRESBITERIANISMO, DEBATES CONCILIARES E CONSEQUENCIAS PARA A IGREJA .. © POMO DA DISCORDIA .. O INICIO DOS DEBATES NOS CONCILIOS APLATAFORMA DE EDUARDO CARLOS PEREIRA ... A QUESTAO MACONICA NO SiNODO DE 1903 ASEPARAGAO AMAO DE GATO E A INVERSAO DE POSICOES A QUESTAO NO NOVO SECULO CONSIDERACOES PARCIAIS.. CONSIDERAGOES FINAIS ...... REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ..... ANEXO RESOLUCOES DO SUPREMO CONCILIO DA IPB DE 1900 A 2010 INTRODUCAO Ha atributos de Deus que sao definidos pela teologia sistematica como “ndo-comunicdveis”, isto porque, embora o ser humano tenha sido criado por Ele conforme sua imagem e semelhanga, ha caracteristicas que séo de sua exclusividade. Portanto, nao ha criatura alguma como Ele. Um trecho da segao Il do Capitulo I! da Confisséo de Fé de Westminster, um dos simbolos de 16 da lgreja Presbiteriana do Brasil, que trata “De Deus e da Santissima Trindade’, diz que 0 conhecimento de Deus ¢ infinito, infalivel e independente da criatura, de modo que para ele nada é contingente ou incerto. Incerteza e falibilidade so imanentes ao homem. O relato da desobediéncia da criatura ao Criador registrado no Génesis é prova disso. Com a queda do homem, a situagao se agravou ainda mais. E pela ofensa de um s6 homem veio juizo sobre todos os homens e mulheres. Pela desobediéncia de um s6 homem, muitos se tornaram pecadores. Mas, devido ao incomensurdvel Amor de Deus, onde abundou 0 pecado, superabundou a graga, através de um s6 homem, a saber, Jesus Cristo. Agora, porém, libertados do pecado, transformados em servos de Deus, tendes © vosso fruto para a santificagao e, por fim a vida eterna (ct. Rm 6.22). Segundo a secao Ill do Capitulo XXV da Confissao acima referida, Cristo deu a igreja visivel o ministério, 08 ordculos e as ordenangas de Deus, para a incorporagao € 0 aperfeicoamento dos santos nesta vida até o fim do mundo. O fato de a igreja ser responsavel Aigreja do Senhor 6 0 Corpo de Cristo, e, individualmente, cada um destes pecadores santificados, contingentes e falhos, séo membros deste corpo; hd variedade de membros; cada individuo é uma unidade distinta dos demais; também hd diversidade nos servigos, mas 0 Senhor é 0 mesmo. Os dons sao diversos, mas Deus é quem opera tudo em nds. O apéstolo Paulo fala aos Corintios dessa variedade, que embora sejam os dons individualmente distribuidos, 0 Espirito os concede visando o fim proveitoso do corpo. Sejam os que recebem apéstolos, profetas, mestres, operadores de milagre, dons de cura, socorro, governos, variedade de linguas e interpretes destas (Ct. 1 Co 12.27-29) ‘A pesquisa se detém, principalmente, em analisar a hist6ria através das decisdes daqueles que receberam o dom de governo, os que sao envolvidos diretamente com a lideranca da igreja. O relacionamento entre a Magonaria eo Presbiterianismo 1no Brasil é abordado do ponte de vista exclusivamente histérico. Muitos argumentos so levantados quando o tema 6 posto em discusséo em Concilios. Ambas as partes, magons e antimagons, ao mesmo tempo em que fundamentam suas respectivas teses, rceuram relly os argumentos de quem ext do lado conraro, OsfalesistGnes 86 foes A interpretagao desses fatos, contudo, pode diferir, em fungao dos “horizontes” dos intérpretes. Ciente de que ¢ dificil a abstrago de seu préprio horizonte, © autor tentou evitar os pontos de vista filoséticos ou religiosos, quer pr6, quer contra a maconaria. Nestas reas, a pesquisa permanece com seu cardter neutro em todo 0 contetido do trabalho. Apesar disso, ela se propée a solucionar varias questées. APRESENTACAO DO PROBLEMA O presbiterianismo no Brasil celebrou recentemente 159 ‘configurado especialmente pela relagao de amizade entre o pastor presbiteriano James Cooley Fletcher e diversos macons liberais influentes no Impéric em particular com 0 deputado Aureliano Candido Tavares Bastos, Desde os seus primérdios essa relagao tem sido motivo de indagagao. Os primeiros missionarios se posicionaram a respeito do tema. E, ainda hoje, nota-se uma tensdo muito forte quando se toca neste assunto. Ao longo de uma centiria, foram despendidas horas de discussao em Concflios que nunca chegam a um denominador comum E muito, se posicionar favoravel e conhecer os rituais sem se revelar como magom e estar exposto a exclusdo no caso de derrota no debate. Por outro lado, como realizar uma defesa contundente sem quebrar o juramento? ‘A questo levantada ocupa 0 lugar mais importante da Pesquisa, porque todas as informagées contidas no projeto visam, de alguma forma, auxiliar na elucidacao do problema central. A partir de percepgdes claras de desconforto ue tema proporciona, nasce a pergunta central: No desenvolvimento da pesquisa para a solucéo do problema, este trabalho, obrigatoriamente, teve que passar por varias outras perguntas ligadas diretamente a ela. Seguindo uma metodologia cartesiana, antes de procurar se juéncias das controvérsias foi Isto impulsionou o autor responder se “O cisma que deu origem a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil foi provocado pela questo macénica?”. Se néo, caberia a resposta: “Por que tem sido 0 motivo aventado para tal acontecimento?” Em caso afirmativo, dever-se-ia buscar 0 inicio da questo magonica como controvérsia entre os presbiterianos. Entao, surge __outra_ importante Embora sabedor dos riscos de prejulgamento e formagao de horizontes ou pressupostos rovocar, 0 autor realizou esta RELEVANCIA DO TRABALHO Considera-se, ainda, que a questéo magénica é 0 tema mais polémico e a questéo que mais tempo esta sobre a mesa nos concllios presbiterianos, principalmente no concilio superior, o Supremo Concilio. A existéncia de macons no seio da Igreja Presbiteriana do Brasil tem acarretado inumeras tensdes ou crises ao longo da historia dessa igreja, fruto de decisées conciliares contrarias & maconaria. A presente pesquisa limitar-se-4 aos aspectos hist6rico- eclesidsticos que envolvem o relacionamento entre as duas instituigdes em lide; deixando, pois, de tratar de conceitos tais como a questo “se a magonaria é ou nao uma religiéo". Quanto & moldura de tempo, apés o embasamento historico inicial, o foco principal versa sobre 0 periodo compreendido entre a década de 70 do século XIX, balizada pela Questdo Religiosa no Brasil-Império, e os dias de hoje. Sao, portanto, mais de 150 anos. MACONARIA E PRESBITERIANISMO, ORIGENS E INTRODUCAO NO BRASIL Falar sobre a Magonaria numa abordagem histérica, da sua origem até os dias de hoje, é como adentrar por um enorme labirinto, procurando um caminho que conduza a uma saida, mas, em cada curva, ha setas apontando em diversas diregdes e, nos corredores, mapas ilustrados desenhados pelas penas da fantasia. Segundo Vicente Sarubbi: “falar da origem da magonaria seria um empreendimento dificil e um conhecimento quase enciclopédico, em mais de 30 anos de reflexao e pesquisa, percorrendo os caminhos dos autores magénicos". Diante disso, ndo hé como se esgotar 0 assunto, e um esforco nesse sentido levaria, forcosamente, a desvios do foco principal da pesquisa Entretanto, faz-se necessério tomar conhecimento da complexidade do tema. Este Capitulo apresenta um esboco histérico precedente a sua chegada ao Brasil e 0s marcos prinoipais no inicio de sua instalagao no pais. ORIGEM DA MACONARIA Etimologicamente, 0 termo "magom" provém do baixo latim machio, ‘macio’. H4 quem diga que a expressao tem origem no vocdbulo alemao “steinmetz”, derivado do verbo "metzen’, ‘cortar’ e do substantivo “stein”, ‘pedra’. Outros defendem a procedéncia holandesa, a partir do termo vrijmetselaar, de raiz germanica ‘cortador livre’. Contudo, em termos de aplicabilidade funcional, parece haver sentido nas alegagdes daqueles que defendem sua procedéneia, a partir do francénio mattio, cognato de sansorito matya ‘clube’, e do inglés mason e do francés magom ‘pedreiro’. Ha, ainda, quem defenda que a origem desta palavra ¢ mais antiga, provindo da expresso copta phree messen ‘filhos da luz’, mas é pouco provavel. A expresso decorrente “Magonaria’, ver provavelmente do francés "Magonnerie”, que significa uma construgdo qualquer, feita por um pedreiro, © "macom". A Maconeria 6 também conhecida como franco-magonaria, ‘franc. magonnerie’, franc, que significa “livre designando um artesao de qualidade superior, que teria atividade livre ou enquadrado numa guilda Conforme os nossos estudos de historia, os sacerdécios de BELUZ ou BAAL, na Assiria; de OSIRIS, no Egito; de JEHOVAH, na Palestina; de JUPITER, na Grécia e em Roma; de AHURA-MAZDA, na Pérsia; de BRAHMA, na india; e de TEUTATIS, ou TUTATIS, na Britania, eram sociedades secretas primitivas, que instrujam e governavam as familias @ ragas primitivas, Embora se dé aos membros destas sociedades, os nomes de Belitas, Pastéforos, Levitas, Curetes, ‘Magos, Bramanes, ou Druidas, todos eles estavam ligados por lacos secretos @ se comunicavam entre si. Desde 0 Indo até o Tigre; desde © Nilo até o Tamisa. Por isso, sempre houve e sempre haveré Franco- ‘Maconaria em nosso planeta. Assim como Adelino Lima, muitos escritores discordam de Oliver e atribuem a origem da magonaria a outros grupos. Nicola Aslan, um conceituado estudioso dos temas magénicos, anotou todas as opinides sobre a maconaria que pode encontrar, €, nas 206 obras que indicavam 0 berco da magonaria, encontrou 39 opiniées diferentes @ aqui destacam-se as 10 primeiras: 28 (magons construtores do “periodo g6tico”); 18 (Egito); 12 (Templérios); 11 (Inglaterra); 10 (primeiros oristéos); 9 (antiga Roma), 6 (Escécia); 6 (Judeus); 5 (Jesuitas); 3 (Pedreiros do Templo de Salomao) Em decorréncia, os trés primeiros graus da maconaria, corresponderiam a mesma divisao de trabalhadores estrangeiros relatada na Escritura Sagrada: Com base nesta pericope, alguns escritores supéem que © grupo maior, os 80.000, é dos que talham a “pedra bruta’ das montanhas, o grupo dos iniciantes, e que para eles se referem na magonaria ao ‘primeiro grau’, os que sao chamados de “Aprendizes’ Os que formavam 0 grupo dos 70.000 eram os que transportavam as cargas, exigindo habilidade no polimento para que deslizasse pelos “roletes” até 0 local da construcdo, representa, na magonaria, os “Companheiros", os que esto no “segundo grau” da ordem magénica. E 0s demais, os 3.600, exerciam cargo de lideranga, como “mestres-de-obras”. E assim relacionando com a maconaria, a estes corresponderiam os “Mestres’, pertencentes ao “terceiro grau”. Estes trés primeiros graus compreendem ‘a magonatia simbdlica, Até agora se tratou do periodo histérico, classificado por grande parte dos autores magénicos como “Pré-Magonaria’. Sao lendas de fundo historico possivelmente concebidas para afirmar a milenar existéncia da Ordem. André Chédel denomina de “Pré-Magonaria’ tudo que nos vem do remoto passado, até a chamada Magonaria Operativa. Sendo assim, despindo-se das pressuposigdes pré- historicas, dois outros periodos podem ser identificados no sentido de fornecer uma fundamentagao_historica_para_a_ordem: Considera-se como magonaria operativa 0 grupo de trabalhadores que na Idade Média dominava as construgdes através da arte em pedra e alvenaria, atividade que superou o trabalho em madeira. Surgia, entéo, a profissao dos canteiros entalhadores sobrepujando a carpintaria e a marcenaria. Um marco na historia da arquitetura, que se caracterizava, principalmente, pela abundante utilizacao de arcos, abébadas em ogiva e vitrais coloridos, ou seja, o que se conhece como estilo gético. O estilo gético era impressionante e magnifico aos seus contemporaneos. Ser arteséo era um grande status. Estes sao os pedreiros livres referidos_anteriormente, os tranco-magons. ABlIGFUBS Sra leonceeidasalgumas © que ensejou a perspectiva de se perenizar a dependéncia a sua arte, através da constituicao de uma organizacao exclusivista. Essa organizagdo ia além do carater_estritamente Por isso, Adelino Lima vem dizer que “a magonaria operativa floresceu na Idade Média, instituida para a preservacdo da ‘Arte Real’ entre os Mestres Construtores da Europa’. Nesta época, a Europa vivia 0 inicio das cruzadas e das querras das reconquistas cristas. A Igreja Catdlica Romana precisava expandir seus templos, e 0 estilo gético solucionava as limitagdes da arquitetura romana. Entretanto, or seu corporativismo secreto, os operdrios eram vistos como pagaos por parte dos eclesiasticos. Surge daf um dilema: Por um lado, em seus concilios estabelece proibicdes &s Corporagées de Oficio, por causa do segredo profissional, com ameacas de excomunhées @, por outro lado, a Igreja Catélica necessitava do engenho des Arquitetos Construtores para edificar as suas Catedrais, cada vez mais altas, cada vez mais iluminadas, cada vez mais decoradas, mais fantasticas. A decisao foi Sbvia, como se percebe pelo nimero de lacios, abadias, catedrais, monastérios e conventos construidos. Os “mestres construtores” impunham condigdes, estabeleciam exigéncias para a execucao dos servigos. ‘A magonaria moderna, também chamada de Magonaria Espeoulativa ou Simbélica, surge, de fato, na Inglaterra, no inicio do século XVIII, em 24 de junho de 1723, seis anos apés a fundacdo da Grande Loja de Londres, com a promulgago de uma constituigéo que visava o resgate dos ideais da Magonaria Operativa. George Payne, grao-mestre em 1718, entre varias iniciativas, determinou que se coligissem todos os velhos escritos e cépias das ean Goticas, mas foi somente em setembro de 1720 a se cere j Desaguiliers, aos trés anos de idade, estava entre os huguenotes emigrados da Franga em virtude da revogacao do Edito de Nantes. Seu pai se refugiou na Inglaterra. Para Morivalde Calvet, “a magonaria moderna ¢ filha do liberalismo cultural, politico e religioso do século XVIII, com seu lema fundamental: Liberdade Igualdade e Fraternidade” Esta tendéncia universalidade se manifesta certamente or uma abertura muito préxima aos pensamentos dos iluministas, caracterizados pelo respeito a tolerancia e a fraternidade. E assim ratifica Adelino Lima, em relagéo ao caso brasileiro: AMACONARIA NO BRASIL Os primeiros passos da magonaria no Brasil estdo estreitamente relacionados a ideais politicos de natureza liberal. Alguns historiadores, em sua maioria macons, atribuem os principais acontecimentos nacionais a Maconaria. Antes que a maconaria se estabelecesse no Brasil de modo propriamente dito, existem noticias vagas da presenca de macons em Olinda, Salvador, Rio de Janeiro, Campos e Niteréi, no fim do século XVIII e inicio do século XIX. Ha muitas discussdes sobre qual teria sido a primeira loja magénica no Brasil Existem varias opinides diferentes sobre o tema. Mas ha quem remeta a uma data anterior. Marcelo Linhares, por exemplo, diz 0 seguinte: Desprezando a tradico, podemos afirmar, baseados em documentos, que a primeira Loja Mag6nica associagao secreta, movida pela liturgi com fins politico-sociais, fundada no Brasil, foi o Aredpago de Itambé (Pernambuco). Instalou-o 0 boténico Arruda Camara, ex-frade carmelita, médico pela Faculdade de Montpellier, no titimo quartel do século XVII, em 1796. Entretanto, a primeira noticia divulgada sobre a instalag&o da magonaria no Brasil foi um manifesto publicado em 1832 no Masonic World-Wide Register redigido por José Bonifacio de Andrada e Silva, 0 primeiro gréo-mestre da maconaria do pais. As lojas citadas como as primeiras regulares no Brasil foram: a "Reuniao", em 1801, no Rio de Janeiro; e, em 1802, na Bahia, "Virtude e Razao", ambas filiadas a0 Grande Oriente da Franga. Quando 0 Grande Oriente de Portugal tomou conhecimento que sua Colénia havia organizado uma loja regular e obediente ao Oriente francés, enviou, em 1804, um representante a fim de garantir a adesdo e a fidelidade dos magons brasileiros. Mas os ideais anticolonialistas também se constitulam em um ideal interno, ou seja, os magons brasileiros buscavam a independéncia do Grande Oriente Lusitano. Nao obtendo sucesso, 0 emissério portugués fundou outras duas lojas, submissas ao Grande Oriente de Portugal: "Constancia" e "Filantropia’. Em 1806, o novo vice-rei do Brasil, D. Marcos de Noronha e Brito, 8° Conde dos Arcos, homem violento e contrario & magonaria, deliberou proibir os trabalhos dos magons. Esse e outros impasses resultaram, neste ano, que as lojas deixassem de funcionar, ou utilizando a terminologia da ordem: “tiveram as colunas abatidas” ou "adormeceram”, No Nordeste, a maconaria parecia tomar um rumo diferente, pois, além da *Virtude e Razo", foram constituidas outras duas lojas na Bahia: "Humanidade", em 1807; "Uniao” em 1813; e uma em Pernambuco, em 1809. Com estas lojas, ocorrem as primeiras tentativas de se criar o primeiro Grande Oriente ‘no Brasil. Por obter 0 nimero minimo de trés lojas, a Bahia criou em 1813 0 Grande Oriente do Brasil. Jé a loja de Pernambuco seria a loja niicleo para demais lojas. Mas esas, que eram puramente revolucionérias, tornaram-se inativas depois do fracasso da Revolucao Pernambucana de 1817. Portanto, “adormeceu" o primeiro Grande Oriente e suas lojas. Rio de Janeiro nao havia esmorecido em prosseguir com seus ideais. Em 1812, fundaram-se duas lojas: A "Distintiva’, em So Gongalo da Praia Grande ou Niter6i ; e "So Joao de Braganga’, no proprio paco real da corte de D. Joao VI, sem que este Soubesse. Ambas nao passaram deste ano. Somente em 1815, com a loja "Comércio e Artes’, fundada na residéncia de Joao José Bahia, a historia seria diferente, demonstrando sélida perseveranca. Tal loja resistiria & perseguigéo real. Essa perseguicdo teve 0 propésito de prevenir futuras organizagdes de grupos politicos semelhantes as da Revolugdo de Pernambuco. O proprio D. Jodo VI promulgou, em 30 de marco de 1818, o seguinte alvaré condenando a fundagao de sociedades secretas: Esta loja tinha uma meta: a independéncia da Nagao. Mas antes da independéncia do Brasil deveriam obter a independéncia da loja. Foi quando, em 28 de maio de 1822, reuniram-se eminentes estadistas, politicos, @ até mesmo altas autoridades eclesidsticas, com a finalidade de se desligar do Grande Oriente Lusitano e criar 0 Grande Oriente do Brasil. Para isso, teriam que fundar, no minimo, outras duas lojas. Surgiram, entéo, no Rio de Janeiro, do desdobramento daquela, “Unido e Tranqilidade” e “Esperanga de Niter6 O novo Grande Oriente nao tardou a ser reconhecido pelas poténcias magénicas francesa, inglesa e norte- americana, que néo desconheciam, decerto, as intengdes politicas da maconaria Brasileira. Bonifacio, na verdade, nao era magom até sua nomeagao, Sendo assim, nao esteve presente na assembleia de organizagao. Ele foi nomeado grao-mestre por aclamagao na sesso e depois foi procurado por Goncalves Ledo que se encarregou de Ihe apresentar a proposta. O Patriarca da Independencia aceitou encargo. A explicagéo de colocar um néo-magom, ou como se diz na linguagem macénica, um profano, no grao-mestrado, aplica-se especialmente em situagdes politicas complexas e delicadas como jd ocorrera na maconaria europeia. ‘A proposta foi bem aceita porque tinha interesses em comum com os macons: A independéncia e a integridade da Patria. Entretanto, 0 que sobressaiu foi uma grande rivalidade. De um lado, Bonifacio liderava o grupo dos aristocratas, que estavam mais interessados no regime monarquico. Ele exercia muita influéncia sobre o Imperador. Do outro, Ledo, um republicano convicto, liderava 0 grupo dos democratas. objetivo primordial da criagéo do Grande Oriente foi engajar a magonaria, como Instituigo, na luta pela independéncia politica do Brasil. A primeira investida foi estreitando os lagos com a Corte. José Bonifacio propés que 0 principe Dom Pedro de Alcantara, filho de D. Jodo VI, fosse recebido na loja, o que veio a acontecer em 2 de agosto de 1822 com o pseudénimo de Sa uma homenagem ao tiltimo imperador asteca morto por Cortez, no México, em 1522. Esta aproximago surtiu efeitos positivos, pois, no dia 07 de setembro de 1822, D. Pedro | bradou 0 “grito do Ipiranga” proclamando a Independéncia do Brasil. Ele recebeu 0 titulo de "Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil". Na sessdo seguinte, 04 de outubro de 1822, ele foi empossado grdo-mestre. Este acontecimento deixou José Bonifacio ressentido @ preocupado. Ressentido nao por ter perdido o grao-mestrado, mas por agirem sem ao menos consulté-lo. Preocupado por perceber as investidas dos democratas, ele abandonou 0 Grande Oriente. Levando consigo outros macons, Bonifacio formou uma nova sociedade secreta, que teria caracteristicas peculiares diferentes do Grande Oriente. Esta recebeu 0 nome de “Apostolado’. Com isso, criou-se uma grande rivalidade entre os magons, que disputavam influéncia sobre o Imperador. A rivalidade politica entre os grupos de José Bonifacio de Gongalves Ledo tomava-se cada vez mais aguda e delicada. Como “troco”, O Apostolado recebeu D. Pedro em sua sociedade e Ihe conferiu a alta dignidade de “Archonte-Rei’. O imperador pertencia as duas sociedades rivais, que continuavam trocando farpas. Essa sensagao de estar no meio do “fogo cruzado” Ihe era bastante incémoda, © Apostolado procura de alguma maneira afastar 0 grupo de Goncalves Ledo. Estes fazem chegar ao Imperador que o Grande Oriente conspirava para implantar a repiblica. Esta forte dentinoia fez com que D. Pedro suspendesse, até segunda ordem, todos os trabalhos ligados ao grande Oriente em 21 de outubro de 1822. Mais tarde, Ledo consegue contornar a situagao e a decisdo é revogada. Isso enfurece José Bonifacio, que pede demissao do cargo de ministro em 25 de outubro. E, no dia 29, acontece uma grande manifestagao publica exigindo o retorno do lider do Apostolado. No dia seguinte. 0 imperador. o recoloca no poder. mas Bonifacio foi demitido do cargo de Ministro em 17 de julho de 1823 e deportado em 20 de novembro deste ano. Gongalves Ledo retorna um dia depois. Somente em 1829 consegue criar uma loja, que recebeu o nome de “Educagao e Moral"; ¢ ainda neste ano, Anténio Joaquim de Souza funda, a “Amor da Ordem’. Em 1830, a loja “Comércio e Artes” foi reerguida pelo Cénego Januério da Cunha Barbosa e se organizou 0 Grande Oriente Brasileiro ou Grande Oriente do Passeio, nome da rua onde se estabeleceu em 24 de junho de 1831, constituido por outras trés Lojas metropolitanas; “a Vigilancia da Patria’, “a Unido’ e a "7 de abril Foi eleito para reassumir 0 cargo de grao-mestre José Bonifacio. EMml24ade Foi nesta ocasiéo que este informou aos magons de todo mundo a existéncia de lojas regulares no Brasil. Em 24 de outubro de 1832, era votada a Constituigao Magénica. Portanto, passam a funcionar dois grandes orientes: O Grande Oriente do Passeio, sob a lideranga do senador Vergueiro, e o Grande Oriente do Brasil, de Bonifacio. Esta é considerada a primeira cisao na maconaria brasileira. E assim permaneceu por 30 anos, até que, em 1861, este absorveu todas as lojas € membros daquele. Muitas outras cisées aconteceram ao longo dos anos. Atualmente, a magonaria brasileira exerce suas atividades pela atuagao de trés grandes grupos auténomos sem nenhuma dependéncia ou subordinagao um ao outro, a saber: 0 Grande Oriente do Brasil (GOB), a Contederacao da Maconaria Simbélica do Brasil (CMSB), e a Confederagao Magénica do Brasil (COMaB). Grande Oriente do Brasil, o mais antigo, adota o sistema federativo em um poder central e tem sua sede na Capital Federal, Brasilia, desde 1978. Ele 6, assim, uma federacao nacional de Lojas Simbélicas Grandes Orientes Estaduais. Em cada unidade da Repiblica Federativa do Brasil as suas Lojas se agrupam em um Grande Oriente estadual, organizado nos mesmos moldes do Poder Central Os outros dois grupos existentes: a Confederagao da Magonaria Simbdlica, fruto de uma ciséo em 1927, e a Confederagéo Magénica do Brasil, fruto de uma outra ciséo em 1973, diferem do primeiro quanto a estrutura administrativa. Enquanto aquele funciona em sistema federativo vinculado a um poder central, estes dois funcionam no sistema confederativo, com autonomia das Grandes Lojas Estaduais. As trés poténcias magonicas congregam cerca de 5.000 lojas espalhadas por todo territério nacional contando cada uma delas com mais de 1.000 lojas. Apesar das divergéncias ocasionais que determinaram as duas maiores cisdes referidas, estes trés grupos realizam, paralelamente, a obra que se propdem, dentro dos mesmos principios ideolégicos (liberdade, igualdade e fraternidade), em ambiente de contratemnizacao e convivencia. A seguir, de modo semelhante ao realizado com a maconaria, serd realizada uma sintese histérica do presbiterianismo, a outra parte do trabalho. Esta sintese historica constara de uma apresentagao de suas origens, dos contlitos existentes e de sua chegada ao Brasil PRESBITERIANISMO Etimologicamente, 0 termo “presbiterianismo" é derivado da palavra grega “presbyteros” que quer dizer ‘antigo’, ‘ancio’. Logo, presbiterianismo, vem a ser 0 sistema de governo que nao reconhece a autoridade episcopal nem aceita hierarquia superior a dos presbiteros. O termo presbiteriano surgiu no contexto das grandes lutas que marcaram a introducao do calvinismo nas lihas Briténicas, notadamente na Escécia ¢ na Inglaterra. E importante frizar que embora o termo presbiteriano, aplicado @ igreja, tenha surgido na Escdcia, ela nao era assim chamada. A Igreja Presbiteriana como denominagdo, surge, na América colonial inglesa, a partir de sua organizago por Francis Makemie (1658-1708). Na Escécia recebera o nome de “Igreja da Escocia", a Kirk (nome escooés para igreja). Mais adiante, voltar-se-a a falar deste contexto politico. ‘ordenado em 14 de at de 1859 pelo Presbitério de Carlisle. Ele veio como missionério sob os auspicios da Junta de Missées Estrangeiras, com sede em Nova lorque, que 0 requisitou Assembleia Geral um més aps sua ordenacao. A Assembleia Geral da lgreja Presbiteriana nos Estados Unidos na América se reuniu pela primeira vez em 21 de maio de 1789. Sob a lideranca de Francis Makemie, o primeiro Presbitério (Presbitério de Filadétfia) foi organizado em 1708 e 0 primeiro Sinodo (Sinodo de Filadélfia) em 1716. Em 1729, os presbiterianos americanos adotaram a Confissao de Fé e os Catecismos de Westminster. A Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos, ja organizada em Concilios, passa por um periodo de muitas controvérsias, resultando em diversos cismas, segundo Alderi Matos: O primeiro de 1741 € 1758, por causa das questées de avivamento educagao teolégica, resultou em Ala Velha (Sinodo de Filadéifia) e Ala Nova (Sinodo de Nova York). Em 1788, 0 Sinodo de Nova York e Filadélfia, dividiu-se em quatro (Nova York e Nova Jersey, Filadélia, Virginia e Carolinas). Em 1810, um outro devido a questéo quanto aos requisitos para ordenagéo de ministros. Em 1837. a Assembleia Geral exclui 4 sinodos inteiros dividindo ao meio a denominagao. Em 1857 e 1861 ocorreram novas divisées, desta vez ocasionadas pelo problema da escravidao, foram criadas duas grandes denominacdes presbiterianas, a Igreja do Norte (PCUSA) e a igreja do Sul (PCUS) Antes da iniciativa de Mackemie, os presbiterianos presentes nas treze colénias, que viriam a ser os Estados Unidos da América, viviam dispersos. Para esse Pais migraram ndo apenas presbiterianos, mas praticamente membros de todas as igrejas protestantes e, mais tarde, integrantes da Catélica Romana. A maioria era calvinista. Os principais responsdveis pela introdugao do presbiterianismo foram os escoceses-irlandeses. Estes se radicaram principalmente em Nova Jersey, Pensilvania, Maryland, Virginia e nas Carolinas. No Oeste da Pensilvania, eles fundaram Pittsburgh, a cidade mais presbiteriana dos Estados Unidos. Simonton é da terceira geracao de escoceses-irlandeses que se estabeleceram na Pensilvania. Muitos Ingleses e um grande némero de presbiterianos escoceses migraram, por ordem do rei Tiago I, para o Norte da Irlanda que estava praticamente despovoado devido a muitas guerras e repressao. Os que 4 chegaram formaram a Coldnia de Ulster. A Irlanda, permanecendo fiel ao catolicismo romano, recusou tanto 0 anglicanismo como a fé Reformada e reagiu com violéncia & presenca de presbiterianos. Parlamento inglés precisou reforgar a milicia, A maioria dos soldados era escocesa, muitos capelaes que Id estiveram, plantaram igrejas € levantaram lideres. Essa presenga em massa de presbiterianos na regido resultou na organizagao do primeiro Presbitério da Irlanda em 10 junho de 1642 e em 1659 ja havia cinco Presbitérios. Os colonos cresceram significativamente e adquiriram posse de terra, entretanto, a Inglaterra ainda os restringia de forma politica, econémica e religiosa. Como se nao bastasse a oposicao dos catélicos romanos ilandeses e a mé vontade do Governo inglés, no século XVII, uma seca se abateu sobre a ila, matando mais de 1 milhéo de pessoas. Em 1717, cerca de 2 milhées desses escoceses que estavam na Irlanda, migraram para a América do Norte, principalmente para os Estados Unidos. Dai, 0 nome escoceses-irlandeses pelo que ficaram conhecidos os pioneiros do presbiterianismo americano. Dentre os quais, estavam Makemie e a familia de Simonton Como se vé, a Irlanda foi apenas 0 caminho intermediario Por onde esses protestantes escoceses passaram, embora alguns também tenham vindo direto da Escécia para os Estados Unidos. Esta tltima perseguigao 0 levou a se exilar na Europa Continental, onde foi muito influenciado por Joao Calvino. Calvinista convicto, retornou a pedido de seus compatriots e liderou 0 movimento reformado na Esoécia e, gradativamente, a Reforma Religiosa foi se consolidando. Em 1560, com a participacdo ativa de Knox, 0 Parlamento escooés adotou uma Confissao de Fé. Mais tarde, os escoceses redigiram um Livro da Disciplina e organizaram o Sinodo, a Assembleia Geral da Igreja Nacional (Church of Scotland). Como ja havia acontecido com Maria Tudor, rainha inglesa cognominada de a sanguindria, a rainha escocesa Maria Stuart, também devota do catolicismo, enfrentou os ideais de Knox, tentando restabelecer sua religiao como oficial e coibindo a consolidacao do calvinismo, porém sem sucesso. Em 1572, poucos dias antes de sua morte, com suas titimas forcas, Knox pediu aos irmaos o prosseguimento de sua causa. Waldir C. Luz assim descreve a cena: Ele mesmo, cénsoio de seu estado, preparava-se admiravelmente Sereno, para o iminente desenlace. Sua condigao j4 néo deixava esperanca de recuperacao. Naturalmente, a sombria noticia de seu proximo fim espalhou-se rapidamente por todos 0s recantos despertando enorme onda de simpatia e dorido senso de lamentavel perda nos arraiais reformados. De todos os lados, velhos companheiros e amigos afluiam para dizer-ihe o ultimo adeus. Para com todos tinha ele uma palavra de béngao e de exortacao, apelando 4 que nao fraquejassem na fé, no desamparassem a Kirk, fossem fiis a causa de Cristo e a Escécia livre e soberana. sucessor de Knox foi André Melville (1545-1622), erudito amigo de Beza. Melville, mestre e reorganizador da Universidade de Glasgow e reitor da Universidade de Santo André, deu a lgreja da Escécia uma organizagao erfeitamente presbiteriana. Sua perseveranga resultou, em 1690, no estabelecimento definitivo do presbiterianismo na Escécia. eh Existem outros grupos protestantes, como os congregacionais e alguns batistas, que subscrevem a teologia reformada, mas nao adotam a forma de governo presbiteriana. Sendo assim, cabe um foco especial sobre este grupo maior, os calvinistas. © termo Calvinismo surge como referéncia ao grande Reformador francés Joao Calvino (1509-1564), que, apds a morte de Zuinglio, em 1531, assume a lideranca do “Segundo Movimento da Reforma Protestante’. Ambos comegaram 0 trabalho na Suiga. Zuinglio em Zurique, Suica de lingua alema e Calvino em Genebra, Suica de lingua francesa. = Zuinglio era parcialmente simpatico & Teologia Luterana, dela discordando em alguns pontos, dos quais o principal era quanto a presenca de Cristo na Comunhao. Ele defendia uma Reforma mais radical que a apresentada por Lutero. Tentativas foram feitas para a aproximacao dos dois Reformadores, mas nao houve sucesso. proeminéncia de Calvino, seu nome ficou associado a esse cuja primeira edicdo foi publicada em Basiléia em 153 Em 1559 foi fundada a Academia de Genebra, que contribuiu para a disseminagao da teologia reformada por toda Europa. Os alunos da academia genebrina, apés treinados, retornavam para seus respectivos paises disseminando as ideias. Muitos eram refugiados devido a perseguigao religiosa, como fora 0 caso de John Knox na Escécia, chamado de Patriarca do Presbiterianismo. PRESBITERIANISMO NO BRASIL ‘Quase desde 0 inicio da sua Historia, marcaram presenca os calvinistas franceses, os huguenotes, (1555-1567) com a chamada Franca Antartica, € 08 reformados holandeses no Nordeste (1630-1654). No inicio do século XIX, vieram para o Brasil imigrantes alemaes, e comerciantes, agentes diplomaticos e técnicos ingleses, alemaes, escoceses @ norte-americanos, muito antes que atividade missionéria fosse tolerada. Para mais especificamente dar assisténcia religiosa aos seus concidadaos, vieram também pastores protestantes, dente os quais os presbiterianos James Cooley Fletcher, Bucker e Varnum D. Colins. A Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América (PCUSA), também chamada de a Igreja do Norte, sob impacto do Segundo Grande Despertamento, fez uma alianga com a Igreja Congregacional, através do chamado “Plano de Unido”. Entretanto, apés algumas divergéncias, resultando inclusive num cisma, em 1897, desfez esta alianga e criou sua propria Junta de Missdes Estrangeiras, a Junta de Nova York (Board of New York). Foi a_essa Junta que Simonton se apresentara Inicialmente ele havia pensado na Bolivia, mas depois citara o Brasil como campo de sua preferéncia. Simonton nasceu em uma familia conceituada e de fé presbiteriana, sendo seus pais, Dr. William (1788-1846) e@ Martha Simonton (1791-1862), descendentes de escoceses-irlandeses. Seu nome foi uma homenagem prestada “ao Rev. Ashbel Green (1762-1848), pastor da 2 Igreja Presbiteriana da Filadélfia, capelao do Congresso americano, presidente do Colégio de Nova Jersey e um dos fundadores do Seminério de Princeton’. Até os 22 anos, Simonton divagava quanto ao seu futuro profissional, quando, em 1856, foi alcancado por um avivamento religioso na cidade de Harrisburg. Neste mesmo ano, faz sua publica profissao de 1é e ingressa no Seminario de Princeton. Como calouro, ao ouvir um sermao do professor Charles Hodge, considerado um dos maiores expoentes da ortodoxia da velha escola, considerou seriamente a hipotese de servir como missionério no exterior. A data de sua chegada marcou 0 inicio da obra presbiteriana no Brasil, sob a égide da Brazil Mission. O Brasil foi o sexto pais a receber missiondrios da Junta de Nova York. Depois vieram Alexander L. Blackford, Francis J.C. ‘Schneider, George W. Chamberlain, Emanuel N. Pires, Hugh Ware Mckee e Robert Lenington, quase todos com suas esposas. A de Blackford, era Elisabeth Wiggins ‘Simonton, irma do missiondrio pioneiro. A segunda igreja presbiteriana norte-americana a enviar missionédrios ao Brasil foi a Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos (PCUS) ou lgreja do Sul (Southern Church), cuja Junta de Missdes Estrangeiras, chamada de Comité, ficava na cidade de Nashville, no Tennessee. Esta igreja surgiu em 1861, em virtude da Guerra da Secessao nos Estados Unidos (1861-1865). Em decorréncia do resultado da guerra civil, favorvel & Unido (estados do norte dos Estados Unidos), mesmo antes do envio dos primeiros missionérios sulinos, Eduardo Lane e George Morton, muitos imigrantes ex-confederados vieram para o Brasil, trazendo consigo alguns pastores. Eles chegaram mesmo a organizer uma igreja “independente”, que recebeu o nome de Hopewell Quatro. missiondrios pioneiros: Simonton, Blackford, Shneider, Chamberlain; quatro estudantes que estéo destinados a ser colunas do ministério nacional: Modesto Carvalhosa, Anténio Trajano, Miguel Torres, Anténio Pedro Cerqueira Leite; quatro grandes rotas de evangelizagao: estrada do Oeste, estrada do Norte, estrada de Minas, estrada do Sul; quatro igrejas pioneiras do interior, correspondentes as rotas, em sua ordem cronolégica de organizagao: Brotas, Lorena, Borda, Sorocaba; duas Igrejas-Mées: Rio e Sao Paulo; duas grandes instituigées: Seminario Primitivo e “Imprensa Evangélica; dois pastores transit6rios: Pires e Mackee; dois evangelistas notéveis: um a pé, Conceigao, figura impar; Roberto Lenington, a cavalo, Cabe um destaque para a organizacdo, em 16 de dezembro de 1865, do Presbitério Rio de Janeiro, ligado ao Sinodo de Baltimore, composto por trés Igrejas: Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (12 de janeiro de 1862), Igreja Presbiteriana de Sao Paulo (05 de margo de 1865) e Igreja Presbiteriana de Brotas (13 de novembro de 1865). Depois disso surgiram outras igrejas: Lorena (17 de maio de 1868), Borda da Mata (23 de maio de 1869) e Sorocaba (1 de setembro de 1869) A Igreja do Sul escolheu a cidade de Campinas devido & proximidade com a principal colénia norte-americana, em Santa Barbara (hoje ‘Americana e Santa Barbara d’Oeste). A area de atuacao da missao da Igreja do Sul abrangia duas extensas regides: uma no Sudeste do Brasil e outra no Nordeste (até o Maranhdo), acima do Rio Sao Francisco. Mais tarde, outros missionarios atuaram no Brasil Central e Amaz6nia. Em 1872, foi organizado 0 primeiro Presbitério da PCUS, 0 Presbitério de Sao Paulo, que durou apenas 5 anos. Ele foi reorganizado em 1887 com nome de Presbitério Campinas e Oeste de Minas. Em 1888 foi criado o Presbitério de Pernambuco, Assim como os missionérios da Igreja do Norte haviam criado a Imprensa Evangélica em 1864, os missionarios do Comité de Nashville também criaram seus drgaos de imprensa. Em 1887, foi publicado O Pulpito Evangélico, em Campinas, depois transferido para Lavras. Em 1889, publicaram O Evangelista, sob a diregao do Rev. Boyle, cuja edigao foi temporariamente interrompida em face da morte de Boyle, mas, mais tarde, foi reiniciada sob a chefia de Cherubino dos Santos. ‘O Rev. Blackford, 0 decano dos missionarios presentes, leu 0 ato constitutivo: Um dos primeiros atos do Sinodo foi referente ao estabelecimento das bases concementes a doutrina e governo da igreja. Seis artigos estabeleceram os Simbolos de Fé da igreja e os limites geograficos entre os Presbitérios, e entre 0 Sinodo e as juntas de misses americanas. Com a organizagao do Sinodo, 0 Presbitério Campinas e Oeste de Minas foi desdobrado em dois: Presbitério Sao Paulo e Presbitério de Minas. Representando a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos vieram assistir os pastores Charles E. Knox @ J. Aspinwall. Assim, no dia 6 de setembro de 1888, foi organizado o Sinodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, 0 primeiro Supremo Coneilio da igreja brasileira. Na época da organizagao, contava-se 60 igrejas locais, 20 missionarios @ 12 pastores nacionais. Para governar a igreja, no interregno das reunides do sinodo/supremo concilio, foram instituidas as seguintes comissdes permanentes: de Missdes Nacionais; de Missdes Estrangeiras; de Educagao; e de Publicagdes (além da diretoria do Seminéirio). Do cisma até 1906, os animos continuaram exaltados. Foi um triste periodo de divisdes de comunidades, luta pela posse de propriedades e litigios judiciais. Lin ala co Presb npn rept vatr ack eds aoa Em 1907, ou seja, 4 anos depois do cisma, o Sinodo da IPB contava com 77 igrejas e cerca de 6500 membros; e os independentes tinham 56 igrejas e 4200 comungantes. Uma proposta visando 0 desdobramento do Sinodo em uma assembleia geral foi aprovada em agosto de 1907. Convoca-se a Assembleia Geral para o dia 07 de Janeiro de 1910 na igreja mae. O Sinodo se desdobrou em Sinodo Meridional e Sinodo Setentrional. A busca da total autonomia da igreja nacional em relacao as missdes americanas foi concretizada, em 1917, por um documento que tomou o nome latino de “Modus Operandi’. Trata-se de um acordo quanto a separagéo dos missiondrios das missdes, Nova York @ Nashville, do Concilio Nacional. © plano foi aprovado em sua esséncia e gradativamente cumprido em seus termos. Em 1924, pela primeira vez na historia da Igreja Presbiteriana do Brasil, reuniu-se a Assembleia Geral sem nenhum missionario como delegado de Presbitério, fruto da aplicagéo do modus operandi. Em 1937, com a aprovacao de uma Constituigao para a Igreja Presbiteriana do Brasil, a Assembleia Geral passou a se chamar Supremo Concilio. CONSIDERACOES PARCIAIS Ha um certo grau de razoabilidade em se considerar a origem da magonaria, a partir de junho de 1717, quando teve inicio o que ficou chamado de magonaria operativa com os pedreiros livres. Embora 0 exame do tema seja relativamente superficial, causa certa estranheza 0 fato de uma instituigaéo que orgulha tanto de ter como fundamentos Liberdade, Igualdade e Fraternidade, demonstrar na pratica, pelo menos no Brasil, exatamente 0 oposto, uma vez que houve em solo nacional ferrenhas lutas pelo poder entre o grupo de Gongalves Ledo e José Bonifacio. Uma tentativa de explicacao para 0 citado paradoxo pode ser colhida a partir do exame da Sagrada Esoritura e, mais especificamente, da Doutrina da Queda do Homem e do Pecado. Dessa forma também se explicam as intmeras desavencas no seio da igreja crista, e, mais especificamente, da Igreja Presbiteriana do Brasil Quando de sua constituigzio como igreja independente das igrejas-mes em 1888, ocasiao em que foi organizado 0 Sinodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, j4 havia um significativo nimero de pessoas da aristocracia brasileira, liberais ‘macons, que haviam se convertido ao protestantismo e se filiado & Igreja Presbiteriana. E possivel que este tenha sido um dos aspectos considerados no projeto de uma igreja genuinamente nacional, capaz de se auto-sustentar, sem 0 concurso de recursos financeiros provenientes da América do Norte. MAGONARIA E PRESBITERIANISMO, INTERESSE MUTUO NO BRASIL ASITUACAO POLITICA E ECLESIASTICA NO BRASIL Brasil foi descoberto em 22 de abril de 1500, 17 anos antes de eclodir a Reforma Protestante sob a lideranga de Martinho Lutero. Do ponto de vista protestante, a historia religiosa do Brasil pode ser dividida em trés periodos: de 1500 a 1654 - dominio catélico romano portugués com ocasionais contatos protestantes de 1654 a 1808 - dominio catélico romano portugués com contatos protestantes nao- significativos; de 1808 em diante - penetracao protestante. Do ponto de vista politico, a Histéria do Brasil pode ser dividida em dois periodos principais: 1%) “Brasil Portugués — da Colénia a sede do Império”: Colénia abandonada (1500-1533); Inicio das Capitanias Hereditarias (1533- 1580); Interlidio espanhol (1580-1640); Governo colonial portugués (1640-1808) Refligio do Trono portugués (1808-1815) e sede do Império portugués (1815-1822); 2°) “Brasil Independente - de 1822 em diante”: Império, Pedro | (1822-1831); Império, regénoia e minoridade de Pedro Il (1841-1889); Primeira Republica (1889-1930): Ditadura de Getilio Vargas (1930-1945); Segunda Republica (1945-1964) e Revolucao (1964...) © quadro acima revela o contexto politico da chegada do protestantismo que, consequentemente, resulta em mudangas no contexto religioso. O ano 6 1808. Marca 0 inicio do periodo do reftigio do trono portugués. Portugal, por se recusar a fechar as portas ao comércio inglés por ordem de Napoledo, sofreu forte repressao. A familia real, se sentindo acuada, vem para o Brasil escoltada pela marinha inglesa, trazendo milhares de nobres e funciondrios da corte. Aqui, encaixa-se o ultimo periodo no quadro histérico religioso do Brasil: a penetracdo protestante. Em troca da protego inglesa, em 28 de {Bevereiro de 1808, D. Joao VI comunicara ao conde da Ponte, governador da capitania da Bahia, Joao de Saldanha da Gama Melo Torres Guedes Brito, sobre 0 “Tratado de Amizade e Defesa’. Nele foi ordenada a abertura dos portos do Brasil a todas as mercadorias transportadas por navios de seus vassalos e de estrangeiros de nagdes amigas. Esta Carta Régia foi 0 primeiro ato de D. Joo no Brasil ¢ foi 0 primeiro passo para a tolerancia religiosa visto que dentre os comerciantes estrangeiros estariam muitos acatdlicos. Em 19 de fevereiro de 1810, eram assinados, de um lado, pelo Conde de Linhares, em nome do regente D. Jodo e, de outro, por Lord Strangford, representando Jorge Ill da Inglaterra, 08 seguintes tratados: 0 Tratado de Alianga e Amizade, com 11 artigos, a que se acrescentaram dois outros secretos; o de Comércio e Navegagao, com 34 artigos, e a convengao sobre o estabelecimento de paquetes (navios) com 13 cléusulas. Dentre estes trés tratados cabe fazer mencao a um artigo que provocou longos debates entre o Lord Strangford, o rei € 0 néincio apostdlico D. Lourenco Caleppi. Trata-se do artigo XII do “Tratado do Comércio e Navegagao” que concedia uma limitada tolerancia religiosa aos protestantes ingleses. O acordo foi garantido apés ouvirem 0 argumento do Bispo do Rio de Janeiro D. José Caetano de Souza Coutinho. Ele advoga que os ingleses realmente nao teriam uma religiéo, mas or ser um povo orgulhoso e teimoso nao aceitariam a oposigo aos seus intentos. Isso no 86 0s fariam persistir, mas tomariam como uma questao de infinita importancia. Se, Portanto, fossem aceitas as pretensdes deles, construiriam suas capelas e ndo as frequentariam © artigo prescrevia tolerdncia religiosa_concedendo liberdade de culto aos ingleses, desde que fosse, de forma discreta, realizado em casas particulares ou em capelas e/ou igrejas com formato externo de casas de habitacao. Quanto ao contetido da mensagem, nao poderiam fazer prosélitos e nem falar mal da Igreja Catdlica. Caso isso acontecesse, ficariam sujeitos & multa, prisdo ou exilio. ‘Também Ihes foi dado 0 direito de sepultar os mortos em territério imperial, em um lugar reservado, segundo os ritos anglicanos. Tal contetido serviu de base para o artigo que trata de religio na Constituicéo de 1824, a primeira do Brasil e a Unica do Império. Eis o texto constitucional: Apesar de haver unio entre Estado e Igreja, isso nao impediu que existissem certos confltos entre as partes. Tal ligacdo, que poderia fortalecer a igreja, na pratica se constituiu em um entrave ao seu desenvolvimento, Desde a chegada dos portugueses em solo brasileiro, Igreja e Estado se constituiram em duas faces de uma mesma moeda. Era tal 0 vinculo, que ficava dificil perceber os limites entre 0 piblico e religioso. Contudo, a instituigdio do Padroado, ou seja, o dominio explicito do Estado sobre a Igreja, foi prejudicial a lgreja. Portugal recebera 0 Padroado através dos papas Leo X Os sacerdotes recebiam congruas Igreja Catélica aos governantes, estes, infiuenciados pelo espirito inglés, cada vez mais, se distanciavam de Roma. ‘Ademais, ha fatores externos e internos a serem considerados quando se trata da andlise do desenvolvimento da Igreja Nacional. A conjugacao desses fatores fez com que o estamento secular clerical desse prioridade a vida politica, pois nao havia recursos suficientes para (© seu sustento por parte do governo. Em decorréncia, poucos almejavam o sacerdécio. Por titimo, como 0 Clero Regular estava fora do instituto do Padroado, este foi perseguido e muitos conventos foram secularizados e transformados em hospitais, palacios do governo ou faculdades. Dentre as novas posturas governamentais, destaca-se a separagdo entre a Igreja e o Estado, 0 registro civil e casamento civil, educagao publica, liberdade religiosa, etc. A isso 0 clero chamou de erros, os quais foram consolidados em um Silabo. pelo “progresso” incluia também o incentivo a vinda de imigrantes, de modo a facilitar 0 desenvolvimento, educagao, ciéncia e tecnologia. A reagao da igreja catélica surge por intermédio dos partidérios de Pio IX, apelidados pelos galicanos tranceses de ultramontanistas. Este termo, que nao ¢ relacionado com Montano, lider religioso do séoulo Il, tem a ver com a postura “anticesaropapista” assumida pela Igreja da Italia, ou seja, a igreja que esté além dos Montes Apeninos. A tese basica dos ultramontanos era a infalibilidade do Papa. Logo, sendo 0 Bispo de Roma infalivel, ele nao poderia estar sujeito a analise posterior de um governo secular. Dessa forma, nao tinha sentido o instituto do Padroado. Em 1864, Pio IX estabeleceu a Enciclica Quanta Cura, colocando como anexo 0 citado Silabo de Erros. Nestes documentos, a igreja apontou varios elementos errdneos que, segundo ela, haviam se infltrado na religido, dentre os quais o liberalismo, © protestantismo e a magonaria. O periodo de maior tensé foi na década de 1870, mais especificamente entre 1872 € 1875. O conflito ficou conhecido como a “questo religiosa’, que, por sua relevancia, merece aqui destaque. A QUESTAO RELIGIOSA Estava, pois, montado o cenario que contribuiu significativamente para o fim do Império. O principal temor da lideranca da Igreja no Brasil, apés 0 Concilio Vaticano | (1879-70), era de que 0 governo brasileiro, em face da influéncia americana e francesa, resolvesse decretar a separagao entre a Igreja e o Estado. principalmente aqueles que optaram pela carreira politica. Segundo Abelardo Romero: ‘Paradoxalmente, era do seio da igreja, a maior inimiga da magonaria, que sa‘am os mais ardorosos magons". Muitos padres colocavam as causas da fraternidade acima daquelas de interesse da Igreja. A ™maconaria brasileira, por causa da sua posigo privilegiada, controlava tanto 0 partido conservador como o liberal. Os principais lideres da causa romana durante a questao religiosa foram: Frei Dom Vital Maria Gongalves de Oliveira, bispo de Olinda em Pernambuco, e Dom Anténio de Macedo Costa, bispo de Belém no Para. Ambos esto entre os seminaristas brasileiros enviados a Europa para absorverem as ideias ultramontanas nos seminarios da Franga e da Itélia e retornarem como reforgo na causa dos interesses da Igreja Romana, no Brasil O jovem bispo D. Vital fez da Magonaria alvo de seus ataques, a partir de 2 de fevereiro de 1872. Eis sua pastoral sn» fesolvemos depois de consultado 0 nosso Conselho episcopal, estabellecer 0 seguinte: 1. Em virtude de Nossa Autoridade Episcopal... condenamos e repprovamos os erros, heresias @ Dlasfemias que tem assoalhado no seio do nosso Rebanho.. principalmente de um papel entitulado — Verdade — orgéo magonico, cuja leitura e assignatura prohibimos ... ; 2. Esgotem os reverendos parocos todos os recursos da caridade e envidem todos os esforcos 1no intuito de esclarecer e arredar da sociedade maconica aquelles que tem a infelicidade de ser nella iniciados... Mas se estes, permanecerem em sua criminosa obstinagao, sejam elliminados do seio das Irmandades e Confrarias religiosas, e sofram as consequencias da excommunhao maior... A atitude do bispo levou a diversas reagdes dentro da eja. Alguns contra e outros a favor. Outros bispos acompanharam D. Vital em sua luta contra a magonaria e suspendiam padres ligados a maconaria, A historiografia macdnica aponta como causa imediata estopim da Questao Religiosa o que acontecera um més Nessa festa, 0 padre macom Almeida Martins fez um pronunciamento elogiando o visconde do Rio Branco, dirigente da magonaria brasileira @ responsavel pela aprovacdo da Lei, e a propria maconaria como sua impulsionadora. Seu discurso foi divulgado na imprensa. Dom Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, suspendeu o padre. Como os magons tinham forga politica, conseguiram que 0 Conselho do Estado ordenasse ao bispo D. Vital a revogacao do interdito. Apés consultar Pio IX, ele se recusou, alegando se tratar de incompatibilidade entre a Igreja @ a Maconaria. A sua submissao ao papado Ihe custou a priséo, em 21 de janeiro de 1874, no Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro. D. Macedo Costa também foi preso em 28 de abril do mesmo ano. Além da magonaria, outro alvo de Pio IX foi o (Protestantism) que, apds a Paz de Westfalia (1648), assumiu extra-oficialmente um status de religido orista, sendo os protestantes considerados como “irmaos separados’. O Silabo pés fim a este conceito, classificando os adeptos da Reforma do Século XVI como hereges. A alianga com a Inglaterra protestante e a admiragao com o desenvolvimento experimentado pelos Estados Unidos, pais também protestante, além do incentive & imigracao alema, pais de maioria protestante, veio trazer mais um elemento complicador na relagao entre a Igreja e o Estado. As autoridades eclesiasticas, contudo, procuravam de todas as maneiras refrear a pregagao protestante. ‘Considerando que a grande maioria dos protestantes no Brasil Império era de pessoas humildes e analfabetas, esse aporte foi muito bem recebido e, certamente, influenciou a decisao, de, poucos anos depois (1888), constituir uma igreja exclusivamente brasileira. classificar essa relacéo como de mituo interesse: ‘Como diz © ditado popular: "uma mao lava a outra’. Esse “mutuo interesse” propiciou o estreitamento dos lagos entre as duas instituigdes embora, nem sempre, o trabalho fosse necessariamente em parceria. Um dos precursores e incentivadores dessa parceria parece ter sido o ministro presbiteriano James Cooley Fletcher. ALIBERDADE DE RELIGIAO ‘As razées que levaram 0 grupo a essa atitude podem ser varias, contudo, em termos especulativos, pode-se inferir que o motivo desta plataforma ou desiderato pode ter sido provocado pela natural reacao ao Silabo, que alijou a Ordem do seio da Igreja Romana. Como o protestantismo @ 0 liberalismo politico também estavam incluidos no Silabo, houve uma natural simpatia, ou, pelo menos, tolerancia as suas ideias e propésitos. Eee Dentre os Vieira Ferreira, cabe destaque ao Dr. Miguel Vieira Ferreira, que se converteu em maio ou junho de 1873, sendo, no ano sequinte, eleito presbitero da Igreja Evangélica Presbiteriana do Rio de Janeiro, a lgreja Mae do presbiterianismo no Brasil. E, pois, provavel que Vieira Ferreira tenha participado do grupo que, em fevereiro de’ 1874, redigiu um documento circunstanciado a ser encaminhado & Assembleia Legislativa @ cujo propésito era acabar com 0 monopélio da Igreja Romana no que tange ao ensino, ao casamento, aos enterros e, sobretudo, & liberdade religiosa. Esse documento ficou conhecido como "Peticao & Assembleia Legisiativa’, tendo sido publicado na Imprensa Evangélica, principal jornal protestante no Brasil, a época. Na realidade, trata-se de um conjunto de petigdes, como segue: " Aplena liberdade e igualdade de todos os cultos; "A aboligéo da lgreja oficial e sua emancipago do Estado, com a supresséo dos privilégios (especiais) outorgados aos secretérios dessa igreja; Oensino da escola publica separada do ensino religioso, que aos pais incube no seio da familia, e na igreja aos ministros de cada seita particular; A instituigéo do casamento civil obrigatério, sem prejuizo das ceriménias religiosas conforme o rito de cada cénjuge; O registro civil dos nascimentos e dbitos; A secularizacéo dos cemitérios, e sua administragao pela ‘municipalidade. A veiculacao da Petiao através da Imprensa Evangélica, em 07 de janeiro de 1874, no climax da Questao Religiosa, mostrou que eram comuns as postulagdes das duas instituigdes: magonaria e Igreja Presbiteriana. A Imprensa, neste caso, no funcionou apenas com veiculo de noticias, mas participou da redacao através de presbiterianos, como 0 citado Miguel V. Ferreira. Contudo, a supervisdo redacao final do texto peticionario coube a Tavares Bastos e Quintino Bocaitiva. Tanto aqueles como estes eram magons. O propésito parece ter sido 0 de incentivar 0 surgimento de um movimento popular, visando angariar assinaturas da populacao. Contudo, por questées de precaucao, tal documento nunca foi encaminhado a Assembleia. Foi Tavares Bastos quem informou a Blackford e aos ministros presbiterianos o que deveriam fazer para se registrarem legalmente como ministros protestantes. Tudo indica que Blackford era o que tinha com ele um relacionamento mais estreito. Ele nao s6 aconselhou como deu encaminhamento nos seus certificados. Em 1867, engajou-se na decisao dos presbiterianos de comprar um terreno, visando a construgao de uma igreja na Corte. O caminho indicado para compra do terreno estava nos termos do Decreto n® 1225 de 20 de agosto de 1864, 0 qual permitia compra de propriedade as corporacées de mao-morta. (O Dr. Manuel se tornou 0 “defensor dos presbiterianos” no Gabinete de 07 de margo de 1871.136 Foram estes trés advogados que, juntamente com Blackford, persistiram na aprovacao de Estatutos da Igreja Presbiteriana, mais especificamente da Sociedade Presbitério do Rio de Janeiro. Os Estatutos foram redigidos pelo Dr. José Thomaz Nabuco de Aratijo, que era membro do Conselho de Estado. A peticao para aprovacao entrou no Ministério do Império em 15 de julho de 1871. Era assinada pelos pastores Alexander Blackford, Francis Schneider, George Chamberlain, Robert Lenington e Joao Dagama. Perante 0 Conselho de Estado foi aprovada duas vezes, em 21 de agosto de 1871 e outra vez em 10 de fevereiro de 1872, mas em ambas “o processo foi engavetado”. D. Pedro Il, que nutria simpatia pelos protestantes, estava em viagem pela Europa. Resumindo: embora 0 documento tivesse sido aprovado pelo Conselho de Estado, nao cabendo mais, pois, 0 veto imperial por parte da Regente, esta procurou retardar sua entrada em vigor. A situagao veio a mudar com o retorno do Imperador ao Brasil em marco de 1872 e, em 20 de abril deste mesmo ano, Manuel Ant6nio, “o defensor dos presbiterianos’, foi nomeado Ministro da Justica. Ademais, em 21 de agosto, 0 Presbitério do Rio de Janeiro decidiu enviar uma representago a sede do governo imperial, composta dos pastores Alexander Blackford, Francis Schneider George Chamberlain, para solicitar audiéncia ao Imperador e entregar-Ihe um memorial historiando 0 caso. O imperador leu 0 memorial do Presbitério sobre seus problemas ‘com 0 proceso, e prometeu investigar 0 caso, A promessa foi cumprida. Em 03 de outubro de 1872, 0 Ministro do Império que estava engavetando 0 proceso, assinou 0 “Decreto Imperial n® 5.105", 0 qual foi publicado no Diario do Império do Brasil em 11 de outubro de 1872. Com isso, 0 Presbitério do Rio de Janeiro teve seus Estatutos aprovados ¢ foi reconhecido como pessoa juridica. Segue abaixo 0 texto aprovado: Attendendo a0 que requereram os membros da sociedade - Presbyterio do Rio de Janeiro - , e Conformando-me, por minha Immediata Resolugdo de 18 de Setembro findo, com os pareceres as Secedes dos Negocios do Império e da Justiga do Conselho de Estado, exarados em consultas de 21 de agosto de 1871 e de fevereiro ultimo: Hei por bem approvar, para os efeitos civis, os artigos organicos ou compromisso da mesma sociedad, datados de 15 de julho de 1871 e divididos em 17 de artigos, com a clausula porém de que a sociedade fica obrigada, nos casos e para os fins designados no Decreto n® 1225 de 20 de Agosto de 1864, a impetrar licenca especial quanto aos bens que dora em diante adquirir. Com a rubrica de sua Majestade 0 Imperador. Joao Alfredo Corréa de Oliveira. O lancamento da pedra angular teve lugar no dia 15 de maio de 1873, sendo 0 culto de inauguracao realizado no dia 29 de marco de 1874, O pastor da Igreja do Rio, Alexander Blackford, em relatério a Junta de Nova lorque, diz que, “dos 66 a 70 contos necessarios para comprar o terreno e construir 0 edificio, cerca da sexta parte foi subscrito aqui, um conto e tanto na Inglaterra e o resto nos Estados Unidos”. Considerando que a grande maioria da_lideranca presbiteriana, nos primeiros anos da Repiblica, era ainda constituida de missionérios americanos, para melhor clarificar 0 cenario em que houve uma eventual identidade de interesses entre a magonaria e a igreja presbiteriana, forgoso € a identificagao de suas caracteristicas, seus elementos diferenciais, mormente em relagao a cultura, e também seus anseios em relagdo a igreja que eles projetaram para o Brasil APERSPECTIVA DOS MISSIONARIOS Ashbel Simonton, 0 pioneiro da Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos da América (PCUSA), faleceu em 1867, nao tendo, pois, vivenciado o periodo da questao religiosa (1872-1875). Muito se tem especulado se ele chegou a rtencer_aos quadros da maconaria. Uns dizem que sim, outros, nao. Em outro caso, faz questo de particularizar o agradecimento a um certo Sr. Possidonio que, mesmo nao sendo membro da igreja, ajudara a conseguir muitas assinaturas para a Imprensa Evangélica. Liderancas magénicas afirmam que esse Possidénio seria 0 destacado macom Possidénio M. de Mendonga J. ‘Alexander Blackford, outro pioneiro presbiteriano, cunhado e sucessor de Simonton como pastor da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, vila magonaria com dias lentes: uma negativa e outra positiva, ou seja, como uma instituigao equivocada em seus prinofpios, mas cujos membros estavam entre aqueles que muito ajudaram a causa da liberdade religiosa no Pais. Em ultima andlise, ele considerava que essa aproximacao ‘com integrantes da Ordem seria benéfica, pois daria azo a sua conversao ao Evangelho. A seguir, sao transcritas algumas de suas citagdes entremeadas com texto de Davi G. Vieira: Outrossim (a magonaria) era ‘um dos mais importantes meios de que Deus (tinha) usado e (estava) usando’ para quebrar o dominio do catolicismo no Brasil. ... havia lojas maconicas em quase todas as cidades e qualquer brasileiro ‘que desejasse ser considerado respeitdvel, pertencia 4 ordem. ... a defesa da liberdade de culto e ‘liberdade de consciéncia’ feita pelos macons era uma defesa em causa propria. ... ‘Deus estd preparando maravilhosamente 0 caminho por meios indiretos, fazendo que 0s proprios inimigos da verdade ajudem sua causa. ... Nossos amigos macénicos dizem que isto é apenas 0 inicio e que tém em vista uma reforma completa e radical. Arremata Davi G. Vieira: “Assim na opiniao de Blackford ... os macons fizeram frente comum com eles contra a Igreja Catélica, como fizeram os espiritas e os judeus ... . Era um caso de grupos de minoria unindo-se em auto-defesa’ De um lado, a defesa da liberdade de culto e “liberdade de consciéncia’ feita pelos macons era uma defesa em causa propria, a vista das enciclicas romanas contra a magonaria. Como todos os politicos deveriam jurar fidelidade a lgreja Catélica, se nao fosse o Imperador ter se recusado a conceder o placet, seriam eles obrigados a deixar as Lojas ou certamente seriam cassados. POF outro, aimagonaria era um dos mais importantes meios de que Deus tinha usado e estava usando para quebrar 0 dominio do catolicismo no Brasil. Como visto, apesar de reconhecer todo auxilio dos ‘magons as causas protestantes, e os considerassem “instrumentos nas maos de Deus”, Blackford chegou a chamé-los de “inimigos da verdade”. Pelos termos usados, a afirmagao, provavelmente, parece indicar certa inconformidade quanto ‘a questao de fé dos magons. Entretanto, ele chegou a relatar que muitos macons escreviam artigos na imprensa, convidando 0 povo a aprender o verdadeiro Evangelho nna Igreja Presbiteriana, na Travessa da Barreira n° 11. E realmente houve um fluxo muito grande de magons que se tornaram membros da lgreja Presbiteriana entre 1868 1875. Segundo 0 missionario Robert Kalley, houve um esforco da parte dos macons para se infltrar na Igreja Presbiteriana. Ele cita até um caso extremo por parte do jd citado Sr. Possidénio. Este, quando se tornou membro da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, procurou persuadi-la a se organizar como um grupo magénico. Outro missionério da Junta de Nova York, John Beaty Howell, considerava que, assim que a Igreja se separasse do Estado, uma grande quantidade de magons migraria para o protestantismo, s6 nao 0 fazendo desde aquela epoca em fungao da necessidade de se pertencer a igreja oficial para se ocupar ualauier cargo pico ou eletivo. Para Howell, alguns magons ja estavam passando ao protestantismo porque eles ndo estavam podendo casar ou enterrar seus mortos com ritos religiosos, “devido ao interdito dos bispos’. Ele também escreve, relatando que, Durante os primeiros anos do século XX, 0 percentual de protestantes em relagdo ao universo catélico romano Permaneceu pouco significativo. Por outro lado, 0 pastor e sociélogo Anténio Gouvéa de Mendonga, enxerga uma outra causa para a nao-protestantizacao do Brasil A empresa missionéria protestante no Brasil se dividiu em dois segmentos distantes e até antagénicos: a educagéo se dirigiu a elite, e a evangelizacdo 4 massa pobre. Os pobres se converteram, apropriando-se da ética puritana que Ihes serviu de mola propulsora, ascenderam a classe _média em formacao e perderam a forca evangelizadora; a elite, recebendo influéncia do pragmatismo capitalista protestante, assumiu o discurso capitalista e a respectiva ética, mas nao a religiao. ‘Além dessa atracao pelo progresso, o autor sugere que na eclesiologia protestante havia outras possiveis razdes que os tornavam atraentes aos macons-liberais: a diviséo denominacional, por nao torné-los unidos suficientes para ganhar forga no Estado; 0 enfoque na ética individual voltado para a mente convencida @ coragao aquecido do que para rebeldias de massa; e a tendéncia para funcionar segundo as leis do Estado, Entretanto, houve um niimero significative de liberais magons e pessoas da aristocracia brasileira que se tornaram membros da Igreja Presbiteriana. Impossivel é medir quem o fez em beneficio proprio ou por ser alcangado pela pregacdo da Palavra. Uma coisa é certa, porém: A igreja experimentou crescimento qualitativo em termos de representacao social e um significative aumento do numero de membros. Nos primeiros anos do século XX, a lgreja Presbiteriana era, indiscutivelmente, a maior dentre as igrejas protestantes missionérias. O aumento qualitativo abriu 0 caminho para a auto sustentagao, ou seja, sem a dependéncia exclusiva dos recursos oriundos das Juntas de Misses americanas. Na dindmica dessa alianga, ainda ligada ao interesse pela liberdade religiosa, aconteceram eventos que marcaram uma intensa interatividade entre presbiterianos e macons. Os eventos apresentados a seguir esto relacionados a esta reagao. PROTECAO CONTRA A REACAO CATOLICA A Igreja Catélica atacava toda e qualquer possibilidade de propagagao do protestantismo. Nao somente na concessao dos direitos legais conforme ja apresentado, mas também aos proprios missionérios no inicio de seus trabalhos. Distribuicao de Biblias James Fletcher, pastor presbiteriano, através do interesse do Imperador pela literatura, encontrou uma brecha para conseguir seu apoio a distribuigdo de Biblias no Brasil. Foi certamente esse apoio que propiciou a instalacao de uma agéncia da Sociedade Biblica Americana no Brasil. Quanto a isso, houve forte reacdo da Igreja Catélica, que, além de perseguir os colportores, disseminava que as Biblias dos protestantes eram falsas. Nesse proceso de divulgacao da Biblia em Territério Nacional, a magonaria também deu ponderavel apoio. Os missionarios pioneiros presbiterianos, Simonton, Blackford @ outros, participaram ativamente do processo de divulgacao da Sagrada Escritura no Brasil. As anotagdes do Diario de Simonton, no dia 12 de fevereiro de 1861, mostram que, por ocasiao de viagem ao interior da Provincia de Sao Paulo, quando em Sorocaba, havia uma caixa de Biblias & sua espera. No texto, ele cita nomes de dois de seus agentes: Abreu e Marciano da Silva. Por sua vez, a edi¢éio de 02 de outubro de 1869 do jornal presbiteriano Imprensa Evangélica, ao publicar_o aniincio intitulado “Depésito das Esorituras Sagradas’, cita quatro enderegos, o de Sorocaba era na casa do Sr. José Anténio de Souza Bertholdo. O pastor jubilado Mateus Benevenuto Jinior, emérito pela Igreja Presbiteriana de Sorocaba, como magom, teve acesso aos arquivos da Loja Magénica *Perseveranga Ill” que fica na cidade. Agressao aos Protestantes Os missionérios presbiterianos foram alvo de muitos atentados, alguns dos quais colocaram em risco suas vidas. Como 0 protestantismo foi se solidificando, ficando cada vez mais forte no Brasil, a hostilidade cresceu proporcionalmente. A lista de casos de missionérios que sofreram agressdes de Catdlicos & muito grande. Mas, no presente capitulo, serao enfocados somente aqueles incidentes em que houve a participacao de macons. De modo a proteger a vida dos bison a ass protestou, junto as autoridades, contra a violéncia. OS Em 1866, em Lorena, aconteceu um atentado contra as vidas do missionario George Chamberlain e do ex-padre José Manoel da Conceigao. A casa onde se realizavam os cultos foi atacada pelo populacho, cuja intengao era matar 0s dois pastores. Como os dois conseguiram fugir, a turba foi ao encontro das pessoas que estavam assistindo 0 culto protestante. Munidos de chicotes e cacetes, eles nao fizeram diferenca entre homens, mulheres e criancas. Um homem foi deixado quase morte. Este foi um dos casos que levaram os missionérios a apelar para os magons politicos amigos. Blackford apelou imediatamente a Tavares Bastos, que tomou as medidas necessarias para que isso nao voltasse a acontecer. O préprio Imperador interveio na questao, pelo que Fletcher the agradeceu numa carta escrita de Nova York. O capitéo José Vicente de Azevedo, que ficou incumbido de protegé-los, foi assassinado em 19 de fevereiro de 1869. A pequena comunidade protestante em Lorena acredita que 0 homicidio foi um ato de represalia por parte dos agitadores catélicos. Mas, para Chamberlain, essa nao foi a Unica experiéncia, Ele passou por situagao semelhante em Caldas (hoje, Parreiras - MG), em 1880. Seu “pecado” foi pregar a Palavra na cidade, durante uma visita pastoral do bispo de Sao Paulo, D. Lino. Fandticos julgaram a pregacdo “herética” como uma provocagao ao bispo e apedrejaram a casa do pastor Miguel Torres. O fato teve larga repercussao na imprensa, e jomalista e parlamentar magom Saldanha Marinho, chamado de “o paladino da liberdade de consciéncia’, até por Temudo Lessa - reconhecido inimigo da maconaria, requereu providéncia do Ministério do Império. Outro caso aconteceu com Matathias G. Santos. Em 1902, ele foi designado para o seu primeiro campo evangelistico em Alto Jequitiba — MG, regiao de Manhuagu. Chegando na area, foi recebido de forma hostile avisado para que no comecasse seu trabalho evangelistico. Entretanto, a sua ousadia e certeza do plano de Deus o fizeram seguir em frente pregando a Palavra de Salvagao. Foi entéio que catélicos, liderados pelo Padre Lucas, vigatio da regido, arquitetaram um Esse ultimo ato nao levava em conta as suas eventuais injurias fisicas, nem mesmo a morte de algumas pessoas. ‘Aqui, parece que se aplicava o principio “os fins justificam os meios". Diante desse plano, e em face do_rumo que os acontecimentos iam tomando, era patente que se preparava a destruigo do templo ea agressao fisica aos dirigentes da obra crista evangélica. Estes, por sua vez, naquela rea distante dos grandes centros e sem um adequado contingente policial, estavam isolados e indefesos. A mae de Matatias, apreensiva, escreveu pedindo que ele fugisse da regio, citando as admoestagdes de Jesus contidas no Evangelho de Mateus: “quando, porém, vos perseguirem numa cidade, fugi para outra... (Mt.10.23)", Neste momento de apreensao, incerteza e angiistia, Matatias se lembrou do apoio da magonaria a causa da Liberdade Religiosa, conforme ele proprio escreve: jovem pastor evangélico tomara conhecimento que as principais autoridades e pessoas da elite do Municipio faziam parte da "Loja Magénica Unido de Manhuacu” e que muitos revelaram simpatia pelos evangélicos e eram a favor da liberdade de reiigiéo. Certamente, no momento em que fez o relato desses fatos, ele jd havia entrado para a magonaria, em face dos termos, como “sublime ordem’, que passa a usar: Se fosse possivel obter, no Rio de Janeiro, das autoridades supremas da ‘Sublime Ordem’, uma recomendacao aos magons de Manhuacu, no sentido de defenderem os evangélicos do Jequitiba, teriamos meio caminho andado para evitar as violéncias e o possivel derramamento de sangue. Lembrei-me de que o grande evangelista, Rev. Alvaro Reis, era ‘Principe Rosa Cruz'e de que, como consequéncia, deveria ter facil acesso ao ‘Grande Oriente do Brasil”. Pela providencial intermediagao de Alvaro Reis, uma forga de 30 homens proveniente de Manhuacu, sob o comando de capitao Joao Lima, recebeu a incumbéncia de zelar pela liberdade de culto em Alto Jequitiba. A policia ocupou de madrugada as duas Unicas entradas do Arraial do Jequitiba e ficou estrategicamente posicionada. Com isso, todos os que chegavam para o mutiréo, foram, um a um, todos desarmados. E, no fim, a solugao sem derramamento de sangue alegrou até mesmo os catélicos da regido. Vinte anos depois, ou seja, em 1922, insuflados pelo mesmo vigario, Padre Lucas, 0s catdlicos voltaram a perseguir os evangélicos na regiao de Manhuagu. Alvaro Reis teve que novamente usar de sua influéncia. Desta feita, 0 erseguido foi o pastor Mario Neves, que fora enviado pelo Presbitério Espirito Santo Minas para ser o primeiro Ministro do Evangelho residente em Lajinha. Eis seu testemunho registrado na autobiogratia de Anibal Nora: Padre Lucas desejava expulsar-me da futura cidade. Recorri as autoridades do Estado por intermédio do Rev. Luiz L.A. Cezar, residente em Belo Horizonte. A magonaria, por intermédio do Rev. Alvaro Reis, foi o poder de que Deus se serviu para poupar-me a vida Sofremos bastante, mas gracas a Deus saimos vitoriosos. Em janeiro de 1923 0 Presbitério transferiu-me para Caratinga. Espaco para culto No item referente a distribuico de Biblias, foi citado 0 sorocabano José Anténio de Souza Bertholdo, um dos magons que cedeu sua casa para depésito de Biblias. Volta-se a mencionar seu nome porque, além de dar apoio aos colportores como guardador de Biblias, permitiu que fossem realizados cultos em sua casa. Ouvindo a pregagao, José Antonio se converteu ao protestantismo em 01 de setembro de 1859. Na sua casa foi organizada a Igreja Presbiteriana de Sorocaba, tendo Blackford como primeiro pastor. Outro caso 0 do pastor John Boyle, o primeiro missionéio presbiteriano no Triangulo Mineiro e em Goids. Em dois momentos de sua obra missionéria recebeu apoio da maconaria. Em 1879, quando esteve pela primeira vez em Cabo Verde, Minas Gerais, 0 fazendeiro Antonio de Padua Dias, macom e admirador da Biblia, providenciou uma sala para realizagao de cultos evangélicos na “Loja Magénica Deus e Caridade". No dia 22 de agosto, Boyle pregou para 60 pessoas. No dia seguinte, pregou no proprio sitio de Padua Dias em Sao Bartolomeu, perto da cidade. Foi neste local que, em 22 de maio de 1881, com a ida do pastor Miguel Torres Outro momento critico de John Boyle foi na cidade de Cajuru, interior de Sao Paulo. A cidadezinha de 2 mil habitantes tinha uma forte oposic&o aos missionarios protestantes. ‘O moco respondeu: “ele mora no sobrado, na praca principal. Chama-se Sr. Miguel Rizzo". Magom de alto grau, Rizzo no apenas hospedou Boyle como Ihe ofereceu um auditério na sede da Maconaria para a realizacao dos cultos missionérios. Para Julio A. Ferreira, se o fruto que adviria deste contato fosse 0 nico na regio jé daria sentido a vida missionaria de Boyle. A Familia Rizzo se converteu ao Evangelho. Miguel Rizzo e sua esposa Maria Pia Rizzo, juntamente com seus sete filhos, foram recebidos como membros da lgreja Presbiteriana de Sao Joao da Boa Vista aoe 27 das de noverbro de 1694, SRGAiishiisiase sees Um dos seus filhos viria ser um proeminente pastor presbiteriano. Trata-se de Miguel Rizzo Jimnior, pastor emérito da Igreja Presbiteriana Unida de Sao Paulo e moderador da Assembleia Geral em 1932. © Tenente Francisco de Paula Pletz, um dos lideres magénicos que, apesar de ter apoiado a cessao, se dizia nem um pouco interessado no Evangelho pregado. Todavia, ao passar em frente & Loja, ouvira Lenington pregando e resolveu entrar para descansar, pois voltava de uma cagada de papagaios. Foi, entéo, impactado nao pela Palavra, pois confessa que nao prestou atengdo no sermao, mas a0 perceber quem estava ouvindo a mensagem: duas criangas, um de 12e outro de 14 anos, sendo uma delas um menino negro, filho de escravo. Este cenario foi o aguilhao que o levou a pensar: A religiéo deste homem deve ter alguma coisa que preste, visto que deixou sua terra a mais de 6000 milhas de distancia, através do mar, e simplesmente para pregar sua religido a dois rapazotes. Vou examinar melhor essa religiao. E assim ele se converteu ao protestantismo. A partir de maio de 1886, muitas pessoas passaram se reunir em sua residéncia para adorar a Deus. Eram cerca de 50 membros na ocasiao. E, no dia 17 de fevereiro de 1889, a Igreja Presbiteriana de Guarapuava foi organizada, ainda em sua casa, pelo Rev. Modesto P. B. Carvalhosa. Alguns anos mais tarde, Pletz foi eleito presbitero. Em 1891, por haver muitas pessoas pertencentes as duas instituigdes, a Loja Magdnica de Guarapuava compartiiha um prédio com a igreja presbiteriana, que ali funcionou por nove anos. Em Sao Joao Del Rei, 0s magons facilitaram o trabalho de Horace S. Allyn, missionario e médico no sul de Minas, ligado ao Comité de Nashville. Ele chegou na cidade em 1896 e, como aconteceu em muitos outros lugares, para os “hereges” protestantes, ali também nao havia iméveis disponiveis para alugar ou comprar. Contudo, como ele mesmo era magom, a situagao foi resolvida_mais rapidamente. Em 09 de novembro de 1902, foi organizada a lgreja de Sao Joao Del Rei. Assinou a primeira ata da Igreja o Rev. Alvaro Reis. Na ocasiao, também estava presente 0 missiondrio Alva Hardie, que viria passar por situacdo semelhante em Patrocinio. O Rev. Alva Hardie foi o ultimo missionério presbiteriano a chegar ao Brasil no séoulo XIX. Em 1925, foi para Patrocinio com 0 intuito de fundar uma Igreja Presbiteriana. Até este ano s6 havia igreja catdlica na cidade. O padre Thiago, péroco local, proibiu a venda ou aluguel de qualquer casa para 0 missionatio. Entretanto, Elmiro Alves, um fazendeiro que nao gostava do Padre, vendeu a Missao uma casa bem no centro da cidade. . Ludgero, por n&o encontrar um espago para morar e realizar seus cultos, hospedara-se num hotel da cidade. Depois de {rs meses, como a situagao continuava, recorreu a seu pai, que era macom. Este pedi & Loja Magénica de Cachoeiro de Itapemirim ajuda para a Loja Magénica “Unido Cosmopolita” de Ponte Nova. Os macons Ihe ofereceram uma sala na Loja, mas ele preferiu realizar os cultos em sua propria casa também disponibilizada por eles, Entretanto, este nao foi um caso de perseguicdo religiosa, mas, devido a um cisma que aconteceu na Primeira Igreja Presbiteriana de Caratinga, o grupo dissidente nao teve lugar para se reunir. Ao saber do caso, 0 Jovino Guzela de Abreu, na época, veneravel da “Loja Caratinga Livre", procurou ambas as partes. E todos chegaram a um acordo pelo qual o grupo dissidente Usaria_as dependéncias da referida loja. O Presbitério também concordou e enviou 0 Rev. Orlando Sathler para pastorear a nova igreja. A ocupacao da Loja perdurou até a aquisigao de um novo terreno, onde foi organizada a Segunda Igreja Presbiteriana de Caratinga. Também pastoreou esta igreja o Rev. Denoel Nicodemos Eller. Segundo Athos Vieira, a ajuda desinteressada magonica fica evidente, neste caso, pelo fato de que no grupo dos dissidentes nao havia magom algum, porém, do outro lado, dos que ficaram na Primeira Igreja, havia pelo menos 10 macons. © Rev. Anibal Nora conta em sua autobiografia que também pregou em uma loja macénica. Mas, seu caso é diferente dos ja citados no presente trabalho. Ele nao estava procurando local para iniciar o trabalho missionario. ‘Sendo ainda seminarista e estando em recesso, resolveu visitar seu pai em Carangola, Minas Gerais, para descansar. Chegando la, conheceu um amigo de seu pai, Francisco Lomba, um magom, negociante e capitalista. Quando este veio a saber que Nora era um pregador do Evangelho, tomou a iniciativa de fazer todos os preparativos para realizar um culto na cidade. Conseguiu 0 salao da Loja Magdnica a que estava ligado. Tendo marcado a reuniao para as 20:00h, convidou os cidadaos mais destacados da cidade para a ocasio. © seminarista conta que ficou muito feliz porque o salao estava atencioso e recebeu muitos parabéns. CONSIDERACOES PARCIAIS Diversos fatores favoreceram a penetracao protestante no Brasil, sendo que o primeiro foi liberalismo. Boa parte da elite brasileira, no século XIX, {oi influenciada pelo liberalismo, a comegar pelo Imperador D. Pedro Il, que via a necessidade de desenvolvimento e progresso através de imigrantes. Outro elemento que contribuiu para o desenvolvimento do presbiterianismo foi a dificil situagao por que passava a época a Igreja Catdlica Apostélica Romana. A Igreja Catélica brasileira, cujo governo, de fato, estava ‘nas maos do Imperador, posto que os decretos papais no entravam em vigor no Pais sem 0 placet ou cumpra-se do governante brasileiro, nao estava atendendo aos seus deveres religiosos junto ao povo brasileiro. Esse regime, chamado padroado, encontrou forte resisténcia por parte do partido ultramontano da Igreja Romana, incentivado pelo papa Pio IX. Apés 0 Concilio Vaticano | (1869-70), parte significativa dos bispos brasileiros, em especial os que compareceram ao Conclio, se negou a aceitar 0 instituto do Padroado, além de cumprir ipsis litteris 0 Silabo de Erros de Pio IX, que impediu a participacao de catélicos na magonaria. A crise escalou quando dois bispos romanos resolveram se insurgir publicamente contra 0 governo imperial, resultando na prisdo de ambos, com um grande desgaste para a figura do Imperador. Comecou, entéo, uma reacdo, as vezes velada, outras vezes ndo, as facilidades dadas a imigracdo protestante, a0 “conluio" com a maconaria e aos politicos liberais desejosos do progresso e das novas relagdes sociais advindas das Revolugdes Americana e Essa aproximacao, em determinados momentos, em especial nos dez primeiros anos de presbiterianismo no Brasil (1859-69), aconteceu paulatinamente. Os pastores pioneiros, Simonton e Blackford, aceitaram, de modo velado, 0 apoio da maconaria, sem se engajar demasiadamente com a Ordem. Na medida em que o tempo foi pasando, contudo, esse relacionamento se tornou mais intimo e envolveu a maioria da lideranga presbiteriana, chegando este a ser o motivo alegado de cisao da Igreja em 1903. Motivos & parte, o fato é que a lgreja Presbiteriana recebeu em seu rol uma significativa quantidade de membros macons. Uma das consequéncias imediatas foi o aumento do aporte de recursos financeiros aos “cofres” da Igreja. Ou Quanto a disseminagao do Evangelho através da leitura da. Biblia, fruto da disseminago pelas Sociedades Biblicas e colportores ligados aos missiondrios, a luta pela liberdade religiosa, e a cessdo de espacos para o culto Protestarto, Mi Tivez om vitudo dosses sous objetivos de época, ela tenha exercido uma notavel atracdo as liderancas mais significativas presbiterianas, empolgando pastores, como Alvaro Reis e Matatias Gomes dos Santos, além de uma grande quantidade de oficiais presbiteros ¢ diéconos, MACONARIA E PRESBITERIANISMO, DEBATES CONCILIARES E CONSEQUENCIAS PARA AIGREJA © POMO DA DISCORDIA E mais, nao rejeitou a inclusdo, em sua “membrezia’, de macons oriundos do catolicismo romano. Como visto, em face da restricao legal a liberdade religiosa, 0 apoio politico era conveniente. Ademais, 0 significativo aporte de recursos financeiros decorrente da inclusdo, nas igrejas locais, de aristocratas liberais adeptos da Ordem, acelerou 0 processo de independéncia das igrejas-maes americanas, dando azo 20 surgimento da Igreja Presbiteriana do Brasil, em 1888. Com o advento da Repubblica, no ano seguinte, e a consequente separacdo entre a Igreja e 0 Estado e concesséo da plena liberdade religiosa, conforme o texto constitucional de 1891, alguns presbiterianos se colocaram contra a presenga de magons em sua igreja. A primeira manifestacao de restrico & maconaria foi tornada piiblica, no dia 10 de dezembro de 1898, através do jornal O Estandarte, sob o titulo de “A Maconaria e o Crente”. O diretor do jornal era Eduardo Carlos Pereira, pastor da 1® Igreja Presbiteriana de Sao Paulo, e 0 autor do artigo assinava sob 0 pseudénimo de Lauresto. Lauresto é um anagrama formado pelas tltimas silabas dos trés primeiros nomes de Nicolau Soares do Couto Esher, um antigo membro da 1° Igreja Presbiteriana de Sao Paulo, e que, & época, se encontrava no Rio de Janeiro. Nicolau Esher era médico, sendo filho de William Esher, um dos dois primeiros presbiteros da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, e de Henriqueta Soares do Couto, sobrinha do Marqués do Parana. Antes do referido artigo, O Estandarte nao havia esbocado qualquer reacdo contra a Ordem Macénica. Pelo contrério, quem folhear as colegdes anteriores até 1895 s6 encontrara palavras de simpatia. ou intercalados ao longo dos artigos, sendo tal marca um sinal de reconhecimento entre os membros da Ordem, © Dr. Nicolau, como era conhecido, explicou 0 motivo que © levou a escrever sobre o assunto. Apds ter recusado varios convites para se filiar & Ordem, com a justificativa de ser crente evangélico, ele se envolveu em muitos debates. Nicolau Esher nao condenava a magonaria por sua expressao na Sociedade, mas se opunha a filiagdo de evangélicos & Ordem. Além disso, disse ter percebido que crentes magons buscavam, dentre os novos convertidos, membros para Suas lojas. S4o 12 artigos, em série, que giram em torno de uma perqunta: “EM (SA) CONSCIENCIA, UM CRENTE PODE SE TORNAR MAGOM?”. & essa pergunta, Lauresto sempre respondia de modo negativo, defendendo a tese de que a magonaria era inconveniente para o crente. A partir do 3° artigo, O Estandarte passa a abrir um espaco, imediatamente abaixo, para réplica aos pontos de vista antimagénicos. O primeiro a responder foi um membro da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. No 4° artigo, publicado em 17 de janeiro de 1899, 0 debate passa a receber destaque na primeira pagina. Seu testemunho foi publicado juntamente com o 6° artigo de Lauresto, em 21 de Janeiro de 1899. Eis o texto: © Estandarte foi mantendo imparcialidade, aceitando artigos dos dois lados e mostrando neutralidade. Surgiu entéo um Manifesto assinado or 18 crentes macons “protestando solene, enérgica, mas pacificamente” contra a campanha levantada.187 O debate se encerrou na publicacdo do dia 27 de abril de 1899. A questo foi dada como encerrada. Entretanto, a semente da discérdia jé havia sido semeada. Muitos foram convencidos pelos argumentos do Dr. Nicolau. Depois de terminada a polémica, Ele os pés a venda antes ainda do Sinodo de 1900. proprio Dr. Nicolau, em homenagem aos pais que davam aos filhos 0 seu anagrama, deu igual nome a um de seus filhos. © lado jocoso da questao fica por conta do fato de que um membro da 1? Igreja de So Paulo colocou em seu cachorro o nome de Lauresto, A polémica se alastrara por todos os setores da igreja. Otoniel Mota, seminarista a época, revela que ha debates sobre a questéo magdnica no ‘Seminario. Mota é um dos que condena a magonaria. € interessante notar que Eduardo Carlos Pereira nada escreve sobre o assunto. Hé outros temas que fazem parte de sua bandeira. Assim, até os anos 1900, nao tinha havido qualquer discussao conciliar sobre o assunto, O INICIO DOS DEBATES NOS CONCILIOS © primeiro concilio a debater sobre a_questao foi o Conselho a 1° Igreja Presbiteriana de Sao Paulo, pastoreada por Eduardo Carlos Pereira. A consulta, que fora redigida em termos “candentes’, partiu do diacono Joaquim Bernardo de Oliveira, filiado & Ordem. O Conselho da Igreja resolve encaminhar a consulta ao Presbitério. A reunio comegou em 05 de julho de 1900. O moderador eleito foi o Rev. José Mauricio Higgins. © Presbitério de Sao Paulo, por sua vez, remete 0 documento ao Sinodo, “o supremo conecilio” da época, que abriu, em Campinas, a sua 5* Reuniao Ordinaria em 12 de Julho de 1900. O moderador eleito foi o Rev. John Merrill Kyle, que ja havia sido eleito dias antes moderador do Presbitério do Rio de Janeiro, O oficio subiu nos seguintes termos: Em 02 de agosto do mesmo ano publica no seu jornal um protesto mais desenvolvido em 9 tépicos. A resolugao final, apés lida e discutida, encontra-se no Digesto196 da seguinte forma: Esta foi a primeira resolugao do supremo conoilio da igreja sobre a questéo magénica. Até a mais recente, datada de agosto de 2010, sdo 21 resolugdes. Sa0 3 do periodo que o concilio maior era o proprio Sinodo (1900, 1903, 1906); 2 quando se chamava Assembleia Geral (1916, 1934) e as demais como ‘Supremo Concilio.198 Sendo 11 em Comissao Executiva (CE - 1956, 1987, 1996, 1999, 2000, 2001, 2002, 2 em 2003, 2007, 2008) e 5 em Reunido Ordinaria (R.O - 1994, 2002, 2 em 2006, R.O - 2010). APLATAFORMA DE EDUARDO CARLOS PEREIRA Eduardo Carlos Pereira de Magalhaes nasceu no dia 8 de novembro de 1855, em Caldas, Minas Gerais. Aos 18 anos, em Campinas, onde trabalhava como professor, ele tomou contato com protestantes, através do missionério George Nash Morton, da Igreja do Sul dos Estados Unidos (PCUS). Este, sabedor que © jovem professor estava se transferindo para Sao Paulo, cuidou de apresenté-lo ao Rev. George W. Chamberlain, pastor da 1 Igreja Presbiteriana da So Paulo. No ano seguinte, em marco de 1875, Eduardo fez sua publica profissdo de 16. Sua vontade era tornar-se advogado, sendo, contudo, convencido por Chamberlain a abracar 0 ministério pastoral. Sua ordenacao aconteceu em Sao Paulo, em setembro de 1881, por ooa da 17° Reuniao Ordinaria do Presbitério do Rio de Janeiro. O primeiro campo pastoral de Eduardo C. Pereira foi na regiéo de Campanha, no Sul de Minas Gerais, onde permaneceu por 6 anos. De Campanha veio para Sao Paulo, para assumir, em agosto de 1888, o pastorado da 1° Igreja, sendo seu primeiro pastor nacional. Eduardo C. Pereira nem sempre foi abertamente contra a magonaria, pois ndo escondeu que havia pregado em saléo de uma Loja Magénica, a 18 de junho e de 3 a 6 de julho de 1888, em Sao José do Norte, Provincia de Sao Pedro. Isto aconteceu antes da Proclamacao da Republica, quando havia uma alianga tacita entre presbiterianos e magons contra o ultramontanismo catélico romano. ‘Também como citado, Eduardo C. Pereira nada escreveu nos primeiros debates entre Dr. Nicolau e os magons. Contudo, sua opiniao reticente a respeito da insergao dos magons no protestantismo é anterior aos artigos de Lauresto no Estandarte, Em 31 de julho de 1892, a Revista das Missées Nacionais, recebe a seguinte pergunta de um de seus leitores: O crente evangélico filar-se_& Os dois fatos mostram que, pelo menos inicialmente, 0 lider dos futuros presbiterianos independentes nao via incompatibilidade entre maconaria eo Evangelho. A resposta inserida na Revista de Missoes Nacionais ja revela um Eduardo C. Pereira cauteloso, em 1892. Sete anos se passam até a série de artigos antimagénicos de Lauresto, no Estandarte, e, no ano seguinte, em sua propria igreja, a consulta oficial de Joaquim Bernardo de Oliveira desencadeou a disputa conciliar. Esses foram acontecimentos internos na IPB. Houve, também, motivagées externas que podem ter acelerado a tomada de posicéo de Eduardo C. Pereira contra a maconaria. Nessa situagao encontra-se uma publicacao, em 1901, de Benjamim Motta: A Razao e a Fé. Motta contradisse algumas assertivas do padre antimagénico Julio Maria. O Conselho de Kadosch, érgao supremo das lojas de Sao Paulo felicitou o autor por sua atitude decididamente antirreligiosa. Esta posigao rendeu matérias no jornal O Estado de Sao Paulo e suscitou uma controvérsia entre magons evangélicos e magons livres- pensadores, que se manifestaram, respectivamente, contra e a favor do pronunciamento. Macons protestantes publicaram uma carta de protesto assinada por 31 pastores, presbiteros e figs, reivindicando o seu direito de pertencerem, ‘a.um s6 tempo, a igreja e & magonaria. Depois disso, Pereira recebe uma carta anénima de um crente macom, que prometeu desmoralizé-lo nas colunas de O Estado, caso levasse a questao ao O Estandarte. Esta carta foi confirmada dois dias depois pela mesma pessoa, desta vez divulgando seu nome. Nao se intimidou 0 pastor de Sao Paulo, mas aceitou 0 desafio. Logo passou a ser atacado em O Estado conforme o crente magom o avisara previamente. Em réplica, Eduardo defendia-se através de publicagdes em O Estandarte rebatendo as imputages que Ihe eram feitas no grande jornal de Sao Paulo. No dia 28 de fevereiro de 1901, ele comegou a encarar a questo do ponto de vista filos6fico € religioso, sob 0 titulo: A Magonaria na Igreja. Esta série de artigos seria reunida e transformada no livro A Maconaria e a Igreja Crista. Nessa época surgiram ainda outros opiisculos prés e contras. Apesar de liderar a campanha contra a magonaria na IPB, (0 maior desejo de Eduardo Carlos Pereira era ver a Igreja Presbiteriana no Brasil totalmente independent. Esse projeto nasceu na mente de Eduardo antes mesmo das primeiras mogées, no Presbitério do Rio, em prol da organizagao de uma igreja nacional. Em 1883, revelando o seu crescente interesse pela nacionalizagao da igreja, liderou a criagao da “Sociedade Brasileira de Tratados Evangélicos”. Para ele, esta instituigao foi “o prentincio sagrado da independéncia eclesidstica’. Trés anos depois, seu desejo de maior autonomia para a igreja levou Eduardo a propor o “Plano de Misses Nacionais”, que foi aprovado em seu Presbitério. A sua proposta, cujo fim era despertar 0 senso de responsabilidade nas igrejas, em parte dizia’ Que cada igreja particular sinta profundamente 0 dever de fazer sacrificios para manter-se a si prdpria, e que as igrejas mais fortes se ‘compenetrem do glorioso privilégio de ajudar suas irmas no plano de missées nacionais. ...contrafeita, humilhante mesmo, seré nossa posi¢ao na atitude assumida, se nao continuarem a realizar-se, e em mais larga escala, os grandes intuitos de nossas missdes nacionais. Lembrem-se, portanto, os pastores, lembrem-se as igrejas, lembrem- ‘se cada crente que o supremo tribunal de nossa brasileira assumiu um compromisso de honra, @ que somente na realizacao fiel desse compromisso poderao nossas bondosas mes, tdo distante de nds, apreciar honrosamente nossa atitude. Os recursos, contudo, eram escassos, apesar do fluxo de dinheito que vinha dos Estados Unidos, a partir das juntas de Nova lorque e Nashville Essa escassez se evidenciava tanto na parte material como em pessoal, em especial no que diz respeito aos pastores nacionais. A estatistica das Igrejas Presbiterianas (Norte e Sul) revela os seguintes niimeros: até 1875 (20 igrejas / 3 pastores nacionais); de 1875 a 1880 (28 igrejas / 4 pastores nacionais); de 1880 e 1885 (43 igrejas / 12 pastores nacionais); de 1885 a 1888 (52 igrejas / 13 pastores nacions A questo, porém, 6 que os recursos financeiros sdo pensdveis a concretizagao dos planos. Com a organizagao do Sinodo da IPB em 1888, uma luta passou a ser travada entre seus projetos e a estratégia de aplicagao de recursos das Juntas, que continuaram a operar de forma independente no Brasil. A ideia de Eduardo C. Pereira de uma igreja soberana encontrou adeptos até em missionérios americanos. Contudo, 0 elemento de entrave eram os conflitos pessoais. Surgiram desentendimentos pessoais entre Eduardo C. Pereira e os lideres do Mackenzie: Horace M. Lane e William A. Waddell. Também havia dificuldades com Alvaro Reis, cuja lideranga e carisma cada vez mais se rivalizavam com as de Eduardo. O Sinodo queria apoio para a obra evangelistica e para instalar 0 ‘Seminério, ao passo que a Junta preferiu dar énfase & obra educacional, principalmente através do Mackenzie. Com o passar do tempo, o Rev. Eduardo C. Pereira passou a tornar-se mais radical em suas posig6es, perdendo 0 apoio até mesmo de muitos dos seus colegas brasileiros. Os partidarios de Eduardo C. Pereira foram se reduzindo, restando, @ época do inicio da questo magénica, apenas um pequeno grupo. Na realidade, ele tinha apenas o apoio formal de um nico pastor, Bento Ferraz, e mais os presbiteros e fiéis da Primeira Igreja de Sao Paulo. Para Eduardo, os conflitos com a diretoria do Seminario eram pessoais e decorrentes da posigéo que tomou no caso antimacénico. Contudo, essa opiniéo é por demais simplista e parece ndo espelhar a verdade. Eduardo C. Pereira, que tentara impor um seminério proprio em S40 Paulo, em contraposigao ao de Friburgo, ante a transferéncia deste limo para Sao Paulo, em 1895, intempestivamente, através de um oficio, comunica que tomou a decisdo de se desligar de todas as fungdes do seminario que ocupava e resolve também retirar seu filho da instituigdo. Neste mesmo oficio, demonstra-se indignado com Alvaro Reis: A partir de um determinado momento, Eduardo C. Pereira, paradoxalmente, passou a ter maior rixa com pastores brasileiros que como os missionérios americanos. Essa rivalidade, em especial com Alvaro Reis, pode ser medida pelas seguintes palavras de Eduardo: “tendo-se feito chefe de um grupo antinacional... o Rev. Alvaro Reis”. Ele diz, ainda, no Estandarte, que Alvaro agiu com asmosa leviandade" O Rev. Alvaro Emidio Gongalves dos Reis nasceu em Sao Paulo, no dia 22 de marco de 1864, em um lar evangélico e, segundo o costume de algumas familias piedosas, por ocasiéo do batismo, foi consagrado a0 ministério pastoral por sua mae. Estudou, até os 14 anos, na Escola Americana, hoje Mackenzie.

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