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O Processo de Reinserção Familiar de Crianças e Adolescentes em Sit. de Acolhimento Inst.
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INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 4
I – BREVE RESGATE HISTÓRICO DA FAMÍLIA E DA ASSISTÊNCIA A INFÂNCIA8
1.1 - A Origem da Família: uma análise sobre o estudo de Engels .................................... 8
1.2 – Mudanças na família contemporânea ...................................................................... 11
1.3 - A gênese da assistência à criança abandonada ......................................................... 15
1.4 - Principais marcos históricos da institucionalização de crianças no Brasil ............... 19
II – AVANÇOS E DESAFIOS NA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES .............................................................................................................. 25
2.1 - O direito a convivência familiar e comunitária e a função do Estado na sua garantia25
2.2 - Reinserção à família de origem ................................................................................ 31
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 39
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 44
4
INTRODUÇÃO
Social, essencialmente utilizada em toda essa pesquisa. Portanto a teoria da família de Engels
se faz tão necessária para o entendimento de dado fenômeno estudado; Cyntia Sarti, a
antropóloga em seu artigo, utilizado nesta pesquisa “Famílias enredadas”, faz um importante
estudo e reflexão referente às mudanças na família no Brasil e no mundo, a partir da década
de 60, mudanças que refletem em diversos arranjos familiares na contemporaneidade; Maria
Luiza Marcílio que é pioneira em pesquisa histórica da criança abandonada e outras
perspectivas relevantes a esta pesquisa; Irene Rizzini e Irma Rizzini, que são pesquisadoras de
excelência e referência nacional e internacional em relação ao estudo da criança brasileira.
Serão utilizadas obras onde as autoras fizeram um mergulho profundo e apaixonante nos
aspectos determinantes da institucionalização, trazendo resgate histórico e apresentando
novos caminhos para a mudança desta realidade; Marcos Cezar de Freitas, que também faz
uma importante contribuição no estudo histórico social da criança abandonada no Brasil;
Eunice Teresinha Fávero, Maria Amália Faller Vital, Myrian Veras Baptista e Renato Pinto
Venâncio, que também são referências no estudo da infância, especialmente sobre crianças
que vivem em abrigos. Pesquisadores renomados nesta temática. Além de revisão de literatura
em diversos artigos, teses e dissertações referentes a esta temática, que ajudaram em uma
melhor compressão, tanto em contextualizações pertinentes, quanto do próprio fenômeno
estudado, como a colaboração de Nayara Hakime Dutra Oliveira, em sua pesquisa referente à
família contemporânea, que analisa as transformações através de um contexto histórico,
político, ideológico e econômico, dentre outros.
Também será realizado análise das principais legislações que ratificam o direito à
convivência familiar como a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990, a Nova Lei de Adoção - LEI Nº 12.010/09, bem como demais
documentos derivados desses supracitados, que dialogam melhor as determinações legais,
como o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito á Convivência Familiar e
Comunitária de 2006; Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes de 2009, e etc.
A principal base teórica foi a marxista dialética, sendo esta a atual teoria do curso de
Serviço Social, onde não há verdade absoluta, essencial para a análise da totalidade de
determinada expressão da Questão Social de forma crítica, ou seja, de contra ao que está posto
pela ordem burguesa-capitalista.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica: Sendo uma técnica decisiva para a pesquisa
em ciências sociais e humanas, a Análise Documental. É indispensável porque a maior parte
das fontes escritas - ou não - é quase sempre a base do trabalho de investigação; é aquela
7
A origem da família parte da era primitiva, onde as relações carnais eram reguladas
pela promiscuidade que era natural e tolerante entre os grupos, não havendo ciúmes. Nessa
era, as relações sexuais ocorriam entre pais e filhos e entre pessoas de diferentes gerações, ou
seja, ainda não havia as imposições de parentesco, portanto não é possível falar de família
nesse período, mas sim em grupos tribais, onde o animal ainda estava se transformando em
Homem.
Esta forma de relações sexuais do início da História é denominada nessa teoria como
poligamia1 e numa fase posterior de desenvolvimento desses povos as relações se
constituíram na poliandria2, excluindo ainda mais os ciúmes destas relações mútuas.
Levando em consideração o estudo de Morgam, Engels (1984), que fala sobre o
desenvolvimento cultural da família após esse período de promiscuidade, que é dividido em
três estágios ainda pré-históricos, sendo eles:
Engels considera esse ultimo modelo de família na era primitiva como um estágio
evolutivo, que permitirá o desenvolvimento da Família Monogâmica. Até aqui predominava a
economia doméstica comunista. Intensifica-se agora a divisão sexual do trabalho, até então a
figura da mulher era preponderante. Passando agora para uma cultura opressora para com as
mulheres. O direito dos filhos, em caso de desfecho conjugal agora é paterno. Na análise dos
estudos de Morgan, realizado por Marx (1945), Engels diz:
1
União conjugal de uma pessoa com várias outras. Costume socialmente aceito em certas sociedades que
permite esse tipo de união.
2
Estado de uma mulher casada simultaneamente com vários homens.
10
3
Definição ideológica da supremacia do homem nas relações sociais.
11
O direito era sancionado apenas pelo costume – Código de Napoleão – sendo este um
código das leis burguesas, sob Napoleão I, em 1804, a partir do Code Civil da Grande
Revolução Francesa. (Engels, 1984)
De acordo com Sarti (2007) antes da chegada dos portugueses no Brasil, os índios
viviam em uma real comunidade. Onde uns cuidavam dos outros, o dever com as crianças não
era responsabilidade exclusiva de seus pais, mas toda a comunidade da tribo contribuía no seu
cuidado. Após a Revolução Industrial, início do século XVIII e XIX, período marcado pela
inserção de máquinas na produção, que no Brasil, só acontece em 1930, começam a ocorrer
mudanças na dinâmica familiar.
Silva, Chaveiro (2009), refletem que pela forma de colonização, foi imposto no Brasil
um único modelo de família, modelo este centrado na relação conjugal patriarcal. Porém,
afirmam ainda que mesmo com esta imposição do sistema dominante tradicional da sociedade
brasileira, não conseguiu impedir o surgimento de alternativos e distintos arranjos familiares
ainda no período colonial. O número de famílias estáveis e legalmente constituídas entre as
classes trabalhadoras se deu com a transformação da sociedade pela emergência do trabalho
livre e ao desenvolvimento do capitalismo industrial em nosso país. Entretanto ao longo do
tempo as relações de parentesco se enfraqueceram consequentes do novo modo de produção,
que separa os membros da família em diferentes espaços.
Figura 1 - “Família”. Tarsila do Amaral, 1925
Falar em família neste começo do século XXI, no Brasil, como alhures, implica a
referência a mudanças e a padrões difusos de relacionamentos. Com seus laços
esgarçados, torna-se cada vez mais difícil definir os contornos que a delimitam.
Vivemos uma época como nenhuma outra, em que a mais naturalizada de todas as
esferas sociais, a família, além de sofrer importantes abalos internos tem sido alvo
de marcantes interferências externas. Estas dificultam sustentar a ideologia que
associa à família a ideia de natureza, ao evidenciarem que os acontecimentos a ela
ligados vão além de respostas sociais e culturais, disponíveis a homens e mulheres
em contextos históricos específicos. (SARTI, 2007, p. 21).
Sarti (2007) diz ainda que, antes da Revolução Industrial, com grande população na
zona rural, a família trabalhava em conjunto para sua própria sobrevivência. Com a revolução
e a consequente migração para o urbano, o homem, agora chefe da família, vai trabalhar nas
indústrias – mundo público – e a mulher fica cuidando da casa e dos filhos – ambiente privado
– ou seja, a Revolução Industrial foi um grande marco na relação da família no mundo.
O estudo de Borttoli, Bürger, Castro, Ferrão (2012), mostra que se faz necessário,
compreendermos melhor as diversas configurações familiares e como as mesmas vêm se
desenvolvendo na contemporaneidade. Apontam que por meio desses aspectos podemos
identificar como se deu a trajetória desde a família nuclear até a família contemporânea,
considerando as várias influências que vem através dos fenômenos sociais, políticos, afetivos,
sócio-políticos e inevitavelmente do avanço da tecnologia. Ressaltam ainda, que estas novas
13
“Não à toa, Bilac (1998) argumenta que os homens nunca foram tão responsáveis por
sua reprodução biológica como no momento atual de nossa história” (Fonseca, 2001 apud
Sarti, 2007, p. 24).
Sarti (2007) ressalta a importante informação que neste período, nos anos 90, paralelo a
tais mudanças supracitadas, ocorrem alterações também no plano jurídico, sendo alterado o
estatuto da família, resultante da engajada luta de dois peculiares movimentos sociais: o
movimento feminista e os movimentos em favor dos direitos da criança.
Com a grande conquista da Constituição Federal de 1988, são instituídas duas profundas
alterações referentes à família:
A autora analisa que ambas as medidas foram um golpe, contra o pátrio poder, hoje
denominado como poder familiar, quando afirma que:
Sarti (2007) defende ainda que apesar da família ser objeto de muitas idealizações, é
impossível sustentar a ideia de um modelo “adequado”. A família contemporânea se configura
de diversas formas, não devendo haver mais o conceito do que é adequado ou inadequado.
Concomitante com as informações supracitadas, Oliveira (2009), observa que é possível
verificar que as transformações ocorridas com o início da industrialização, o advento da
15
ensinamentos do Cristianismo, na Europa Clássica por volta dos séculos XIV e XV, surgem
as instituições de caridade para crianças enjeitadas. A assistência era prestada em hospitais,
onde posteriormente instalou-se em 1594 a Roda dos Expostos, por onde começou a entrar um
número considerável de crianças.
O nome Roda – dado por extensão à casa dos expostos – provém do dispositivo de
madeira onde se depositava o bebê. De forma cilíndrica e com uma divisória no
meio, esse dispositivo era fixado no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro
inferior da parte externa, o expositor colocava a criancinha que enjeitava, girava a
Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar à vigilância – ou Rodeira –
que um bebê acabara de ser abandonado, retirando-se furtivamente do local, sem ser
reconhecido. (Marcílio, 1998, p. 57).
Marcílio (1998) explica que a origem desses cilindros rotatórios vinha dos átrios ou
vestíbulos de mosteiros e de conventos medievais, usados para outros fins, como o de evitar o
contato dos religiosos com o mundo exterior.
O autor também aponta as amas-de-leite como pilar do sistema de assistência aos
expostos. Onde diz que no sistema hospitalar de assistência às crianças abandonadas, a ama
de criação mercenária, era uma figura fundamental. Considera que sem estas nenhuma
assistência à primeira infância poderia ter sido organizada antes do século XX, sendo a era da
pasteurização e da amamentação artificial. As amas eram utilizadas em todos os sistemas
hospitalares europeus de proteção a infância abandonada. Existiam as amas internas, na
instituição, que geralmente era um pequeno número, estas que amamentavam as crianças que
17
chegavam e cuidavam até que fossem distribuídas para as amas de fora, e cuidavam das
crianças que voltavam das casas das amas-de-leite, depois que desmamavam. A quantidade
das amas externas era muito maior que as internas. As amas de fora amamentavam e criavam
as crianças em suas próprias casas. As duas categorias de amas - de - leite recebiam
remunerações miseráveis, que era suspensa assim que a criança completasse em média sete
anos, pois já seria considerada apta ao trabalho, como aprendiz, recebendo apenas casa e
comida do dono do negócio, ou seja, sem nenhuma remuneração. As amas no geral faziam
parte da categoria mais pobre da época, com menos escolarização, fatores que afetavam na
qualidade dos cuidados com os bebês, como a higiene e alimentação. Sendo a maioria
composta por camponesas casadas e que viviam longe da sede da Roda dos Expostos. Muitas
vezes as mesmas se apresentavam nas instituições para levar os bebês, ou eram levados as
suas casas por condutores, neste caso de maneira muito precária, afetando na sua saúde e
muitos bebês iam a óbito neste processo. Outra informação importante, é que as amas-de-leite
amamentavam seus filhos ao mesmo tempo em que amamentava o exposto, prejudicando
ambos. Algumas dessas mulheres que se apresentavam como amas, haviam perdido seus
bebês há poucos meses, tendo assim a possibilidade de ganhar algum dinheiro, por menos que
fosse. Era comum o fato de algumas mães deixarem seus filhos na Roda, e a mesma ir busca-
lo como ama. Sendo esta uma realidade sabida pelos empregados da Roda.
Marcílio (1998), conta inda que no século XVIII foi o século das ideias secularizantes
e críticas à igreja, surgindo à tendência em substituir a caridade religiosa, ou particular, por
uma beneficência pública. A sociedade europeia estava entre a fase das fundações piedosas e
caritativas da Idade Média Clássica e a atual fase do Estado Previdência, ou do Estado do
Bem-Estar Social para a fase da filantropia, surgindo de forma emergente às primeiras
políticas públicas sociais, adequadas ao ideário do progresso, da ciência, da medicina
higiênica, do interesse da nação, do liberalismo triunfante. Trata-se de um momento de
transformações ideológicas no campo político e social, o liberalismo trazia consigo mudanças
na moral burguesa, positiva e individualista. O Estado reconhece sua incapacidade em
especial à assistência a criança abandonada, juntando-se a aliados leigos e religiosos, agora
submetidos a um controle maior. Ainda no século XVIII, o utilitarismo4 e o higienismo5
passaram a ser a nova teoria que denominava as práticas de assistencialismo e serviços
sociais. Ou seja, a assistência à criança abandonada esteve ligada e conectada diretamente
4
Sistema de moral que coloca no interesse particular ou geral a regra das nossas ações. (Dicionário Aurélio,
2010).
5
Linha de pensamento, em que se defendiam padrões sociais e de comportamento em nome da saúde.
(Dicionário Aurélio, 2010)
18
com importantes revoluções dos últimos dias do Antigo Regime. A disputa ideológica da
sociedade se dava entre os que defendiam as práticas tradicionais, práticas do passado e os
que tinham visão do futuro se apoiando no iluminismo6.
Para os tradicionais, havia uma óbvia conexão entre família patriarcal e Estado
paternalista. A função dos hospitais de expostos seria a de garantir honra da mãe e a
salvação da alma da criança. O hospício não era um hospital, mas sim um lugar de
passagem, para onde um filho indesejado poderia ser levado e, depois batizado,
enviado para a casa de uma ama-de-leite. Se a criança morresse, pelo menos morria
batizada e não deixaria atrás de si a culpa por um infanticídio.
Mas os que pensavam de uma nova forma situavam-se em uma fase em que o
assistencialismo seria utilitarista e, ao mesmo tempo, “científico” e modernizante.
(MARCÍLIO, 1998, p. 73).
6
1- Doutrina de certos movimentos religiosos marginais, baseada na crença de uma iluminação interior ou em
revelações inspiradas diretamente por Deus. (Dicionário Aurélio, 2010).
2- Movimento de renovação científica na Itália, no século XVIII. (Dicionário Aurélio, 2010).
19
Marcílio (1990) aponta que parte da História Social da América Latina, que segundo a
mesma, não pode prescindir da forte presença da pobreza, da marginalidade social, da criança
ilegítima ou da criança abandonada. Para a autora ignorar esse amplo segmento de nossa
população é fazer uma História Social, uma História da Família, uma História da Vida
Privada ou uma História do Cotidiano, incompletas, omissas, insuficientes.
Ainda de acordo com o pensamento de Marcílio (1998) quase nada sabemos sobre a
história dos enjeitados e ilegítimos de amplos territórios, de países inteiros da América Latina.
Venâncio (1999) enfatiza que os dicionários dos séculos XVIII ainda mencionavam as
expressões criança exposta ou criança enjeitada em vez de criança abandonada.
Segundo Freitas (2003), no Brasil, do século XIX, o abandono de crianças e o
infanticídio foram práticas encontradas entre índios, brancos e negros em determinadas
circunstâncias, distantes da questão da concentração devastadora nas cidades, da perversa
distribuição de bens e serviços entre camadas sociais e das fronteiras que se estabeleceram
entre elas.
As pesquisadoras Irene Rizzini e Irma Rizzini (2004), abordam que a história da
institucionalização no Brasil tem importantes repercussões até os dias de hoje. Em uma
profunda e crítica análise de documentações histórica sobre a assistência à infância no Brasil
dos séculos XIX e XX, revela que as famílias em situação de pobreza e/ou outras dificuldades
de criarem seus filhos, tinham um destino quase que certo ao buscarem apoio do Estado:
terem seus filhos acolhidos como se fossem órfãos ou abandonados.
20
As autoras apontam ainda que o Brasil possui uma longa tradição de internação de
crianças e jovens em instituições asilares, muitos filhos de famílias ricas e dos setores
pauperizados da sociedade passaram pela experiência de serem educados longe de suas
famílias e comunidade. Que no período colonial, formam criados no país colégios internos,
seminários, asilos, escolas de aprendizes artífices, educandários, reformatórios, dentre outras
modalidades institucionais surgidas pelas tendências educacionais do período.
Expõem ainda, que o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o
principal instrumento de assistência à infância no país. Que após a segunda metade do século
XX, o modelo de internato cai em desuso para os filhos dos ricos, foi praticamente extinto no
Brasil por vários anos. Porém a cultura de institucionalizar crianças foi mantida para os
pobres até a atualidade. Em especial a medida para os adolescentes que cometeram ato
infracional. (Rizzini, Irma, 2004).
A tradição da institucionalização de crianças foi adquirida no Brasil, passando por
altos e baixos, mantida, revista e revigorada por uma cultura que valoriza a educação da
criança por terceiros.
Enquanto surgiam muitas Rodas de Expostos no Brasil, segundo Rizzini, Irma (2004),
estas estavam sendo eliminadas na Europa pelos higienistas e reformadores, motivados pela
alta mortalidade e pela suspeita de promover o abandono de crianças.
Freitas (2003) considera a roda dos expostos uma das instituições brasileiras de mais
longa vida, sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História.
Marcílio (1989) nos traz uma rica reflexão referente à fase caritativa da assistência à
infância abandonada, que durou até meados do século XIX, quando diz que:
Do período colonial até meados do século XIX vigorou a fase que aqui dominada de
caritativa. O assistencialismo dessa fase tem como marca principal o sentimento da
fraternidade humana, de conteúdo paternalista, sem pretensão a mudanças sociais.
De inspiração religiosa, é missionário e suas formas de ação privilegiam a caridade e
a beneficência. Sua atuação se caracteriza pelo imediatismo, com os mais ricos e
poderosos procurando minorar o sofrimento dos mais desvalidos, por meio de
esmolas ou das boas ações – coletivos ou individuais. Em contrapartida, esperam
receber a salvação de suas almas, o paraíso futuro e, que aqui na terra, o
reconhecimento da sociedade e o status de beneméritos. Ideologicamente, procura-se
manter a situação e prevalecer à ordem, propagando-se comportamentos
conformistas. (MARCÍLO, 1998, P. 134).
Fonte: Museu de imagens apud Revista A Cigarra, Ano VI, nº 121, de 1º de outubro de 1919
internato. Estes meninos, quando ainda crianças, eram treinados e enviados aos navios de
guerra, sendo um número maior do que de soldados e voluntários adultos. (Rizzini, Irma,
2004).
Enquanto as meninas eram ensinadas e preparadas para serem donas de casa.
Aprendiam sobre educação do lar e enxoval, seu dote era pago pelo presidente da Província
ao seu pretendente. (Dias, 1989 [1852], p. 256 apud Rizzini, Irma 2004).
Ainda no regime Imperial, sobre o acolhimento institucional de crianças no Brasil,
Rizzini, Irma (2004) trazem a informação que neste período também foram criados internatos
masculinos e femininos nas aldeias indígenas, com o interesse de através de afasta-los dos
seus costumes tribais, inseri-los a cultura e idioma português, para que assim o Estado
obtivesse conquista sobre seus territórios.
Em relação aos filhos de escravos, não foi encontrado nos registros históricos a
informação de ter existido alguma instituição específica para eles. O que se sabem é que, não
era comum serem acolhidos, pois eram submetidos sobre domínios dos senhores. Isso já após
a Lei do Ventre Livre (1871) – que permitia aos senhores mantê-los sob servidão até a idade
de 21 anos. A ideia era a de educa-los. A outra possibilidade era a de os senhores poderem
entrega-los ao governo Imperial, mediante indenização. (Rizzini, Irma, 2004).
Rizzini, Irma (2004) apontam a especialização dos serviços de assistência e justiça
período republicano em relação à criança desvalida. Segundo as autoras, ao mudar o regime
político, o Brasil já possuía uma vasta experiência na assistência a infância desvalida.
Enquanto no período Imperial o tratado da infância desvalida se deu na formação da força de
trabalho, neste regime, dado no século XX, surge um novo marco no tratado da infância no
Brasil, baseado na identificação e no estudo das categorias necessitadas de proteção e
reforma. Visando um melhor aparelhamento institucional capaz de “salvar” a infância
brasileira neste período.
No governo ditatorial de Getúlio Vargas, em 1941, foi instalado o malfado SAM –
Serviço de Assistência ao Menor (Rizzini, Irma, 2004).
Nogueira Filho (1956) apud Rizzini, Irma (2004, p. 34) dizem: “Em termos rudes, a
realidade é que o SAM entrega mais de uma dezena de milhar de menores por ano a terceiros,
para que cuidem de sua vida e educação, sem a mínima garantia jurídica de que lhes seja
dispensado um trato razoavelmente humano”.
De acordo com Carneiro (1966) apud Rizzini, Irma (2004), Em 1964, na Ditadura
Militar, é instituído a FUNABEM – Fundação do Bem-Estar do Menor, com a proposta anti-
SAM em 1966, sendo o SAM considerado um sistema corrupto, depósito de menores e
24
oficina de maus feitores, agora as crianças ficavam sob responsabilidade dos Juizados de
Menores, onde os pais eram estimulados a se livrarem da responsabilidade de criarem seus
filhos.
A Política do Bem-Estar do Menor, com a instauração da FUNABEM, vem com
objetivos mais humanos aos cuidados das crianças que se encontravam sob responsabilidade
do Estado. (Rizzini, Irma, 2004).
As autoras apontam a dificuldade em encontrar informações referentes às famílias das
crianças acolhidas em determinados períodos históricos. Informam que no século XIX o
silêncio era a tônica predominante em relação à família, e mesmo com o educando, ao
menor7. Sobre o mito da desorganização familiar dos menores internados as autoras afirmam:
7
Termo histórico, ideologicamente usado para segregar, excluir e marginalizar as crianças e adolescentes pobres.
Utilizado até a atualidade.
25
Freitas (2003) colabora com o estudo quando diz que, no final do século XX a infância
tornou-se uma questão cáustica para o Estado e para as políticas não governamentais e para
diversas áreas envolvidas direta ou indiretamente com este “problema”. Aponta que neste
período intensificou o fenômeno das crianças, denominadas de turma e/ou bando, que
deixavam suas casas e suas famílias pela rua, forçados pela sobrevivência nas grandes
cidades, e consequentemente levados à marginalidade social e a morte prematura, por
desnutrição ou pela violência.
Relacionando com o capítulo anterior Rocha, Castilho (2015) refletem que a história
social da infância no Brasil, em especial das classes sociais menos favorecidas, pode ser
considerada como uma lamentável e violenta realidade a ser superada. Ressaltam que a
criança, que hoje é reconhecida ao menos formalmente pela Constituição Federal - CF (1988)
e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (1990) Lei nº 8.068 de 1990, a proteção
integral e a condição de sujeitos de direitos, relembram que nem sempre tiveram esta garantia
e nem qualquer estatuto com este viés mais humanizado na sociedade brasileira.
A CF/88, através do art. 2268, o Estado brasileiro - sendo esse o conjunto dos poderes
políticos, segundo o dicionário Aurélio - legitima a centralidade da família e assume a sua
8
Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
26
9
Art. 227 – É de dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, á cultura, à dignidade, ao
respeito, á liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda
Constitucional nº 65, de 2010).
10
Art. 19 – Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e,
excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da
presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.
Art. 23 – A falta ou a carência de recursos materiais não constitui suficientemente para a perda ou suspensão do
poder familiar.
27
Básica, que deve ser elaborada no intuito da prevenção das vulnerabilidades sociais e na
Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, que são situações onde os vínculos
familiares e/ou comunitários estão fragilizados ou esgarçados. Pressupondo a articulação da
rede socioassistencial com as demais políticas públicas e com o Sistema de Garantia de
Direitos (SGD) e elege a família como foco central. Na sequência, a aprovação do
NOB/SUAS que estabeleceu parâmetros para a operacionalização do SUAS em todo o
território nacional. E em 2006 foi aprovada a NOB-RH, estabelecendo novos aspectos, dentre
eles os parâmetros de nível nacional para a composição das equipes que devem atuar nos
serviços de acolhimento. (Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e
Adolescentes).
De acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistencias (2009) as novas
características com a organização do SUAS na Política de Assistência Social são as
seguintes:
prestado através de parcerias entre organizações sociais e a SMADS, devendo ser adequado às
novas diretrizes de ordenamento de acordo com o Conselho Nacional de Assistência Social -
CNAS e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA e
outras determinações legais. (Tipificação da Rede Socioassitencial e Regulação de Parceria da
Política de Assistência Social, 2011).
De acordo com as informações do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome – MDS (2004) - ministério ao qual pertence à Secretaria Nacional de Assistência Social
- a Proteção Social Básica deve ser prestada no equipamento estatal, Centro de Referência de
Assistência Social – CRAS, onde é o oferecido a Proteção e Atendimento Integral à Família
(PAIF) que tem como intuito a acolhida, acompanhamento e apoio as famílias, na perspectiva
da prevenção da ruptura dos laços, promovendo a convivência familiar e comunitária, bem
como o acesso aos direitos, contribuindo assim na melhoria da qualidade de vida dos sujeitos.
Enquanto a Proteção Social Especial é ofertada pelo equipamento estatal, Centro de
Referência Especializado de Assistência Social – CREAS e seus respectivos serviços, como
serviços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. É no CREAS que deve ser
ofertado a Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) sendo
direcionado a famílias e indivíduos que estão em situação de risco social e/ou tiveram seus
direitos violados. Oferecendo-os apoio, orientação e acompanhamento para a superação de
tais situações, através da promoção de direitos, preservação e fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários, por ora fragilizados ou rompidos.
De acordo com as Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento Institucional para
Crianças e Adolescentes (2009), assim que a criança chegar ao serviço de acolhimento deve
ser elaborado pela equipe técnica o Plano de Atendimento Individual e Familiar, o chamado
PIA. A elaboração do Plano de Atendimento deve ter como objetivo orientar o trabalho de
intervenções durante o período de acolhimento, baseado nas novas concepções de
acolhimento previstas no ECA, levando em consideração as peculiaridades de cada caso.
Em 2009 foi sancionado a Nova Lei de Adoção - LEI Nº 12.010/09 que altera alguns
artigos do ECA. Apesar do nome, essa nova lei veio no intuito de aperfeiçoar os dispostos na
Lei 8.069/90, em relação à garantia ao direito à convivência familiar, sendo direito de todas as
crianças e adolescentes.
Dentre os principais avanços trazidos pela Nova Lei de Adoção, os que tem principal
relevância no assunto aqui tratado, é a complementação do art. 19 do ECA, com o inciso 1º,
que legitima que deve haver a reavaliação das crianças e adolescentes que se encontram em
programa de acolhimento institucional ou familiar, a cada 6 (seis) meses, através de relatório
29
Caso aja impossibilidade destas, a família substituta. Ou seja, o ideal deste direito é evitar o
máximo o acolhimento institucional. Porém em casos necessários, em que ocorre o
afastamento provisório da criança ou do adolescente de seu meio, a reintegração familiar deve
ser priorizada, sempre que possível.
As autoras Rizzini, Irma, Naiff e Baptista (2007), realizaram uma pesquisa em
diversos municípios de vários estados do país que vai colaborar com esta pesquisa. Destacam
as principais dificuldades existentes no sistema de garantia de direitos. Segundo a pesquisa,
ainda persiste o modelo assistencialista que historicamente marcou o atendimento a essa
população, mantendo-a na pobreza e sujeita a políticas clientelistas. Apontam que a
intervenção do Estado ainda é frequente e predominante sobre as famílias pobres e seus filhos.
Apontam ainda que este fenômeno se reproduz de geração em geração nas mesmas
famílias. Levantam a importante crítica de que a violação de direitos nunca é reconhecida por
parte do Poder Público, mas sempre culpabilizando e punindo as famílias e as crianças ou
adolescentes, quando são retirados de casa. Afirmam que esta ação do Estado faz com que a
própria família se sinta incapaz de criarem seus filhos, acreditando como em outrora, que eles
estando sob responsabilidade do Estado, seja a melhor alternativa.
Outro fator relevante é a falta de articulação entre as instâncias do Estado, a
denominada Rede11, que muitas vezes atendem a mesma família, porém não unem as suas
atribuições, o que dificulta no real andamento das demandas destas famílias. Afirmam que o
Estado só age com estas famílias quando as situações de vulnerabilidades já se agravaram. Ou
seja, não há suporte básico para apoiar estas famílias nos cuidados dos seus filhos, para a
prevenção do esgarçamento do vínculo. Muitas vezes a Rede só atende a criança ou o
adolescente quando já estão em situação de rua, consequentes de dificuldades na família que
poderiam ter sido resolvidas no seu início, prevenindo assim o agravo das vulnerabilidades.
Relatam que existem programas por organizações não governamentais que trabalham
esta questão de dá suporte básico às famílias. Na perspectiva de evitar o acolhimento
institucional de seus filhos. Estas organizações recebem algum investimento de órgãos
internacionais e raramente possuem parcerias com o Poder Público. (Rizzini, Irma, Naiff,
Baptista, 2007).
Dados de uma pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2004)
apontam que 87% das crianças e adolescentes abrigados tinham famílias, mas somente 57%
11
Define-se rede como o tecido de relações e interações que se estabelecem com uma finalidade e se
interconectam por meio de ação ou trabalhos conjuntos. (RHAMAM, IPAS, s/d apud RIZZINI, IRMA, NAIFF E
BATISTA, 2007, P. 111-112).
31
mantinham seus vínculos familiares. A pesquisa aponta ainda que 100% das crianças e/ou
adolescentes acolhidos eram oriundos de famílias pobres e 90% negras.
Rizzini, Irma, Naiff, Baptista (2005), enfatizam que tanto o acolhimento institucional,
como o acolhimento familiar, também denominado como família acolhedora, devem ocorrer
como caráter emergencial, provisório e excepcional, tendo como prioridade o retorno mais
rápido possível para suas famílias. Trazem a informação que existem equipes profissionais
que atuam com o objetivo de auxiliar os abrigos na tarefa de reintegrar às crianças as suas
famílias como veremos melhor no próximo item.
Como foi visto anteriormente, apesar dos avanços legais, o acolhimento institucional
ainda é um fenômeno frequente, apesar de iniciativas para promover a convivência familiar e
comunitária, a fim de evitar o acolhimento, ainda persiste enraizada a cultura de se
institucionalizar crianças no Brasil. Será apontado agora propostas e ações para reinserir essas
crianças e adolescentes acolhidos à sua família de origem, considerando que o acolhimento
institucional deve ser de caráter protetivo, excepcional e provisório e que o fator pobreza não
justifica a perda provisória ou permanente do poder familiar. Porém como abordado, estes
direitos fundamentais são constantemente violados. Observar-se agora, as orientações legais
referentes à reinserção familiar e algumas pesquisas realizadas referente ao fazer desse
processo.
De acordo com Oliveira (2009) apud Silva (2012), o termo reintegração indica um
trabalho de integrar de novo, juntar o que foi separado. Neste caso, retornar à família de
origem, tanto a nuclear, os pais e irmãos, como a extensa, avós, tios e primos. Conforme o
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária, (2006, p. 29), “Reintegração Familiar: retorno da
criança e do adolescente ao contexto da família de origem da qual se separou; re-união dos
membros de uma mesma família”.
32
que há muitos retrocessos no percurso, mas que o avanço deve ser conquistado
cotidianamente, que o sucesso é feito em pequenos detalhes, que juntos transformam essa
desafiadora e delicada situação. (Bernardi, 2010).
Cavalcante, Silva, Magalhães (2010), afirmam que esse processo está atrelado à
capacidade de sensibilidade e criticidade de profissionais e autoridades da área frente às
divergentes e complexas demandadas das crianças e adolescentes, bem como das relações
familiares. Não devendo haver juízo de valor, o que gera uma visão superficial, equivocadas e
discriminatórias, afetando obviamente na eficácia das resoluções dessas situações.
Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009),
apontam diversas técnicas que podem ser utilizadas no acompanhamento às famílias, como os
exemplos que seguem:
Estudo de caso: que se dá pela reflexão coletiva a partir das informações disponíveis
sobre a família e a apresentação dos resultados das intervenções realizadas. Deve ser realizado
com a participação dos profissionais do serviço de acolhimento, da equipe de supervisão do
órgão gestor (no caso da cidade de São Paulo, o CREAS que supervisiona os SAICAS), da
Vara da Infância e Juventude e de outros serviços da rede que acompanham a família;
Entrevista individual e familiar: trata-se de uma importante estratégia, principalmente
nos primeiros contatos com a família e seus membros, permitindo avaliar a expectativa da
família referente à reinserção de seus filhos acolhidos, bem como elaborar em conjunto com a
família o Plano de Atendimento. Podendo ser realizada várias técnicas nesse item no intuito
de se estabelecer uma parceria de confiança entre o profissional e a família;
Grupo com famílias: um dos aspectos é o favorecimento da comunicação com a
família, à troca de experiências entre famílias, a aprendizagem e a troca de apoio. Esse
trabalho deve possibilitar a reflexão sobre as relações familiares e responsabilidades da
família na garantia dos seus direitos de seus membros sobre os aspectos relativos ao
35
acolhimento. Essa é uma importante estratégia para a potencialização dos recursos da família,
para o engajamento nas ações necessárias para a retomada do convívio familiar com os seus
filhos, criança ou adolescente que estão em situação de acolhimento institucional;
Grupo multifamiliar: este se dá pela necessária troca de experiências, reflexões e
discussões com as famílias e com as crianças e adolescentes acolhidos. No intuito de permitir
a compreensão de diferentes pontos de vistas de diversos relacionamentos familiares e de
diferentes gerações;
Visita Domiciliar: este recurso é indispensável no processo de reinserção familiar,
permite conhecer o contexto e a dinâmica familiar, bem como identificar demandas,
necessidades, vulnerabilidades e riscos. Este instrumento de trabalho que deve ser pautado no
respeito à privacidade, possibilita uma aproximação com a família e a construção de um
vínculo de confiança que é de tamanha importância para prosseguir com o trabalho;
Orientação individual, grupal e familiar: esta intervenção tem como objetivo
informar, esclarecer e orientar a família sobre a medida de proteção aplicada. Devendo haver
uma metodologia que possibilite a participação dos participantes;
Encaminhamento e acompanhamento de integrantes da família à rede local, de acordo
com demandas identificadas: psicoterapia, tratamento de álcool e/ou outras drogas e diversos
tratamentos na área da saúde, geração de trabalho e renda, educação de jovens e adultos e etc.
Esse acompanhamento sistemático da família deve ocorrer no prazo de até dois anos,
porém o retorno à família não se deve ocorrer de forma prematura, mas sim de acordo com as
respostas que cada família apresentar como resultados dessas atividades.
O empoderamento da família deve-se dá na potencializarão da capacidade e dos
recursos da família para o enfrentamento de desafios inerentes às diferentes etapas do ciclo de
desenvolvimento familiar, e da superação de condições adversas, como a situação de
vulnerabilidades e violações de direitos. O trabalho com essas famílias precisa favorecer a
superação das questões, que são geralmente muito complexas, questões essas que contribuirão
para o afastamento das crianças e adolescentes do convívio familiar. (Plano Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária, 2006).
Ainda de acordo com as Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças
e Adolescentes (2009) o trabalho com a família, devem ser consideradas tanto as questões
objetivas, que deve se dá por encaminhamentos para serviços da rede; fortalecimento das
alternativas para gerar renda e garantir a sobrevivência da família, bem como organização de
estratégias para conciliar cuidados com a criança e o adolescente, afazeres doméstico e
36
trabalho formal ou informal, dentre outras, quanto às subjetivas, que se dão através das
relações familiares, formas de comunicação, significado da violência na família e do
afastamento da criança ou do adolescente do convívio, dente outros.
O documento aponta ainda que considerar essas duas dimensões: objetiva e subjetiva é
importante para apoiar a família no processo de reinserção e prevenir novos afastamentos. É
ressaltado que lidar com essas questões objetivas é fundamental para prevenir situações que
possam gerar uma tensão excessiva na família, em função do processo de exclusão social ou
das reais dificuldades para conciliar o cuidado com a criança e o adolescente e a
sobrevivência do núcleo familiar. Que essas situações podem dificultar o desenvolvimento de
relações afetivas que contribuam para o exercício de seu papel de proteção e cuidados.
Fávero, Vitale, Baptista (2008), na organização de uma importante e necessária
pesquisa com as famílias de crianças e adolescentes acolhidos, em relação à perspectiva de
terem seus filhos de volta, foi evidenciado pelos pesquisadores diversos sentimentos como de
carinho, tristeza, esperança, visão do abrigo como uma melhor condição de vida para os
filhos, bem como um aparente conformismo. Refletem que os familiares manifestaram quase
na sua totalidade que gostariam de ter seus filhos de volta, mesmo que em muitas situações
reconhecem que no abrigo seus filhos tenham melhores condições de vida, no aspecto
material.
Os autores enfatizam ainda em sua pesquisa, baseado nos relatos da maioria das
famílias que encontram-se com seus filhos em situação de acolhimento institucional, que a
dificuldade maior que essas famílias enfrentam para terem seus filhos de volta, se dá no Poder
Judiciário - Vara da Infância e Juventude. Analisam que os profissionais dessa instância
parecem assumir postura de culpabilização da família, principalmente das mães solteiras pelo
acolhimento dos filhos. Parecem tratar a questão como individual, focam na responsabilização
particular da pessoa, chegam a dar “broncas”, tratando as famílias como acomodadas. Não
relacionando a situação a um contexto social mais amplo, na conjuntura em que se vive. As
famílias relatam ainda que tem pouca informação sobre o significado da medida de proteção
do abrigo. Rebelam ter receio que o juiz não acredite que tenham condições de cuidarem de
seus filhos, netos, sobrinhos. Com base na fala de alguns coordenadores dos abrigos, os
pesquisadores pressupõem que ainda há um distanciamento e pouco dialogo entre as
instituições de acolhimento e a Vara da Infância e Juventude. Que o abrigo parece ficar
subordinado ao Judiciário, não havendo um trabalho em conjunto, como foi visto nas
determinações legais ao decorrer desse capítulo.
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Entendem o apadrinhamento como uma solução provisória, para reduzir os danos causados
pela institucionalização quando prolongada.
Euzébio (2015) analisa que a Nova Lei de Adoção promove avanços, principalmente
em relação ao trabalho realizado com as famílias de origem. Porém, segundo o autor, baseado
na experiência de especialistas em violência doméstica, é necessário que haja cautela na
avaliação do número de reinserção como indicador positivo dos acolhimentos.
Rizzini, Irma, Naiff, Baptista, (2007), apontam os inúmeros desafios e possíveis
caminhos a serem enfrentados na realização desse trabalho apontados pelos trabalhadores na
pesquisa realizada. Dentre eles: O risco de descontinuidade por mudanças políticas; Falta de
retaguarda para atendimento na rede pública, tendo em vista as diversas demandas trazidas
pelas crianças e adolescentes e suas famílias, sendo impossível os abrigos por si só
responderem a todas; A dificuldade de articulação com a rede de atendimento, que prejudica o
andamento do atendimento, ex.: como a descontinuidade dos encaminhamentos, que resultam
na consequência dessa criança ou adolescente se tornar jovem (completando 18 anos) e não
tendo retornado à sua família, não ter sido adotado e nem ter sido preparado para esta nova
realidade. Já que também faltam políticas públicas que trabalhem a autonomia, emancipação
desse adolescente que perdeu os vínculos familiares e não há perspectiva de ser adotado.
Há uma dificuldade ainda maior para a garantia do direito a convivência familiar que é
das crianças e adolescentes com deficiências, que demandam questões bem mais complexas,
necessitando de intervenções multisetoriais. Rizzini, Irma, Naiff, Baptista, (2007), refletem
que a raiz de todas essas dificuldades do funcionamento dos serviços e programas é do
modelo político neoliberal, que repercutem diretamente na área social. Onde os projetos de
consolidação de políticas sociais universais e democráticas emperram, pelo recuo dos
investimentos do Estado, que se exime da responsabilidade na redução das desigualdades
sociais.
Fávero (2010) considera a ausência de políticas públicas redistributivas e
compensatórias de apoio às famílias em situação de pobreza, como uma violência social.
Aponta a necessidade de mudanças nas práticas cotidianas dos profissionais que atuam junto
com esse segmento da população, especialmente os do judiciário.
Nesse contexto é importante ressaltar que a atenção à infância pobre no Brasil foi
sempre realizada por um viés de punição, controle, caridade e filantropia. O objetivo
era (e muitas vezes ainda é) controlar a população pobre e educá-la para que esta
aceitasse como natural a situação de exploração e falta de assistência a que
historicamente foi submetida. (SARTOR, MARTINS, SILVA, 2002, p.120).
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No que diz respeito às políticas públicas, a pesquisa de Fávero, Vitale, Baptista (2008)
aponta que a política social para a população pobre, está mais voltada para a concessão de
benefícios assistenciais focalizados, que tem se transformado em moeda de troca política, o
que não resulta em mudanças concretas na vida dos usuários, no caso, das famílias pobres,
que encontram com seus filhos em situação de acolhimento institucional.
“No entanto, o retorno de crianças e adolescentes abrigados às famílias de origem tem
sido um tema pouco explorado cientificamente na realidade brasileira, apontando a
necessidade de pesquisas que compreendam como este processo está ocorrendo”. (Siqueira,
Dell’ Aglio, 2007, P. 134).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa constatou que há uma grande disparidade entre o dever do Estado em dar
o suporte necessário às crianças e adolescentes, bem como de suas famílias, para assim
garantir a convivência familiar.
A medida de acolhimento institucional, não funciona como caráter protetivo,
emergencial e provisório como prevê o ECA. Mas sim, ainda vigora a criminalização da
pobreza, que se dá pelo conservadorismo burguês. Além das inúmeras dificuldades que a
estrutura desse Estado mínimo, possibilita aos atores da reinserção familiar. Algumas
instituições do Estado envolvidas com a questão, principalmente no campo Jurídico, ainda
culpabilizam as famílias, não compreendendo a totalidade da situação, o que contradiz o que
estabelece a legislação.
Foi possível perceber na pesquisa, que diante das deficiências do Estado mínimo,
consequente da política neoliberal, que contradiz a conquista do Estado de Direito, existem
algumas ações de organizações sociais não governamentais que nem ao menos recebem verba
de nenhuma esfera de governo, somente de organizações internacionais. Realizam um
trabalho de apoio e suporte aos abrigos, tendo em vista as diversas e complexas demandas
existentes. Esse trabalho é focado na família, atendendo as suas demandas diversas e por
vezes complexas, exatamente na perspectiva da reinserção de seus filhos que se encontram
sob tutela do Estado. Alternativas essas que trazem um bom resultado no número de crianças
e adolescentes que voltaram para suas famílias de origem. Além de acompanharem as famílias
após a reinserção. Esse é mais um reflexo da política neoliberal, onde a sociedade assume as
responsabilidades do Estado, principalmente no campo social.
Portanto, diante do exposto, é possível propor alternativas para a superação dessa cruel
realidade, onde um grande número de crianças e adolescentes vivem longe de suas famílias.
Como apontado na pesquisa, a principal causa é por falta de iniciativa do Estado, falta de
articulação da rede e entendimento crítico, humano e sensível de alguns atores do processo de
reinserção familiar. Portanto, é necessário que sempre haja formação continuada e articulada
dos trabalhadores dos SAICAs, CREAS e Ministério Público – Vara da Infância e Juventude e
Vara da Família e outras instituições envolvidas. Considerando que conhecer a história da
institucionalização de crianças e a instituição família com viés crítico, humano e sensível, sem
juízo de valor, superando o senso comum. E que seja de fundamental importância também à
compressão da legislação atual, que determina um novo ordenamento de acolhimento
institucional, como foi resumido na pesquisa, para ao menos promover uma mudança
significativa dessa realidade. Pois é sabido, através da formação em Serviço Social, que as
inúmeras expressões da Questão Social não se resolvem de forma rápida e nem fácil. Sendo
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preciso haver a superação da visão messiânica - de que tudo se resolve-, bem como a visão
fatalista - de que nada se consegue-, mas agir, diante dos limites e possibilidades.
Portanto, há a necessidade de haver profissionais engajados, que militem pela causa
criança e adolescente, para a ampliação e geração de políticas públicas que correspondam à
dada realidade, envolvendo os principais atores nessa construção, que são as crianças e
adolescentes e suas respectivas famílias. Visto que o fazer pelo fazer, sem significado
ideológico-político não é suficiente na área social. Mas agir sempre de forma estratégica,
articulada e coletiva, ocupando os espaços de construção das diversas políticas públicas
sociais, modificando as estruturas do sistema capitalista, na construção de uma nova ordem
social, com justa divisão das riquezas econômica e no combate a discriminação de qualquer
natureza.
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