Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Santo André - SP
2019
LÍVIA MILENA DA SILVA
Santo André - SP
2019
LÍVIA MILENA DA SILVA
---------------------------------------------------------------------------------------
---------------------------------------------------------------------------------------
A minha família, aos que não estão mais nesta esfera de vida e aos que
comigo partilham das dores, alegrias, conquistas e afago. Em especial a minha mãe
Vera Lucia.
A Maria Eduarda, prima amada, pelo amor, alegria e esperança que me dá.
As minhas amigas de perto e de longe. Sou muito grata por ter encontrado
pelo caminho tantas mulheres que me inspiram e me fortalecem, tornando a
trajetória um tanto mais leve. Desejo segui sempre assim. Em especial a minha
amiga- irmã Flavia Ribeiro por tantas partilhas e aprendizados cotidianos, bem como
as interlocuções acerca desta pesquisa.
Aos queridos colegas dessa turma, que sem dúvidas houve trocas para além
das discussões teóricas, mas sobretudo pela rede de apoio que criamos. Sentirei
saudades das nossas conversas na volta para casa “turma do trem”. Mas
certamente nossos caminhos ainda se cruzaram na tarefa da luta pelos direitos
humanos, o motivo que nos apresentou.
The monographic research analyzes the intersection of gender, race and class in the
decision to suspend the family power of children and adolescents. The methodology
used is bibliographic review and participatory observation. The research begins with
a historical survey of the institutionalization of children and adolescents in Brazil,
being a culture inherited from Portugal due to the process of colonization that begins
with the children of the slave-owning slaveowners falling into disuse over time and
being destined to the children of poor families, especially of black women, the wet-
nurses. Going through various periods and political regimes where on several
changes, but only has a significant change after the re-democratization of the country
with the Federal Constitution of 1988, with the Statute of the Child and Adolescent of
1990, with the Organic Law of Social Assistance and other legislation and official
documents in view of the construction of public policies, since the best environment
for the development of children and adolescents is in the family, which must be
supported by the State to exercise the protective function. However, several points
are pointing to the remnants of history in which there is a greater number of the
application of this measure to poor, black and female-headed families, and a
deepening of the concept of intersectionality between gender and race is necessary
to be possible this proposed analysis.
No entanto, segundo Netto (2010) nos anos 60 do século XX, surge o Movimento
de Reconceituação no Serviço Social na a América Latina, sendo considerado como um
marco decisivo do processo de revisão crítica do Serviço Social no continente e que
direciona uma preocupação dos profissionais em repensar a estrutura excludente do
capitalismo. O Movimento de Reconceituação é parte do processo internacional de erosão
do Serviço Social com ideários e práticas conservadoras.
O Seminário tem como tema central o debate racial, onde serão abordadas
diversas expressões do racismo no Brasil, como a criminalização, o genocídio do
povo negro, a condição das mulheres negras e sua auto-organização. Abordará
ainda a importância do trabalho dos/as assistente sociais no combate ao racismo,
especialmente ao racismo institucional, presente em muitos espaços ocupacionais.
1
Disponível em http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/o-cfess. Consultado em 15/07/2019
Sendo assim, a presente monografia tem como hipótese que as ações e
decisões acerca da medida de acolhimento institucional são atravessadas por
marcadores sociais como raça, gênero e classe social. O objetivo foi investigar como
as categorias de raça, gênero e classe social influenciam a medida de acolhimento
institucional de crianças e adolescentes. Para realização da pesquisa, foi feito um
breve levantamento histórico da institucionalização de crianças e adolescentes no
Brasil, abordando a medida de acolhimento institucional para crianças e
adolescentes com base no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA 1990, bem
como na Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004 e no Sistema Único
de Assistência Social – SUAS 2005, no Plano Nacional de Convivência Familiar e
Comunitária, no documento Orientações Técnicas: Serviço de Acolhimento
Institucional para Crianças e Adolescentes, dentre outros documentos correlatos
considerados como um avanço na Política de Proteção à infância e à adolescência e
à família. Além disso, foram feitas leituras críticas acerca dessa medida, buscando
discutir a intersecção entre raça, gênero e classe social.
O Serviço Social parte do princípio de que para uma pratica profissional coesa é
necessária para entender os processos históricos a partir de referenciais teóricos críticos
referentes às demandas sobre as quais se deve intervir, entendendo-as como expressões
de da questão social, sendo a questão social o objeto de intervenção profissional. Com
isso, entende-se que o afastamento do poder familiar ainda é um grande fenômeno com
base na intersecção entre gênero, raça e classe, que carece de reflexões e debates para
que seja uma prática profissional condizente com a realidade brasileira. Portanto, parte-se
do pressuposto de que é urgente a formulação e a execução da Política de Assistência
Social e demais políticas públicas com olhar sensível a essa interseccionalidade na
execução do trabalho técnico operativo cotidiano.
As pesquisadoras Irene Rizzini e Irma Rizzini (2004), estas que são referências
internacionais no estudo sobre políticas de atendimento a criança e adolescente, abordam
que a história da institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil tem importantes
repercussões até os dias de hoje. Em uma profunda e crítica análise de documentações
históricas sobre a assistência à infância no Brasil dos séculos XIX e XX, revelam que as
famílias em situação de pobreza e/ou com outras dificuldades de criarem seus filhos,
tinham um destino quase certo ao buscarem apoio do Estado: os seus filhos eram
acolhidos como se fossem órfãos ou abandonados.
As autoras apontam ainda que o Brasil possui uma longa tradição de internação de
crianças e jovens em instituições asilar. Muitos filhos de famílias ricas e dos setores
pauperizados da sociedade passaram pela experiência de serem educados longe de suas
famílias e comunidade. No período colonial, foram criados no país colégios internos,
seminários, asilos, escolas de aprendizes artífices, educandários, reformatórios, dentre
outras modalidades institucionais surgidas pelas tendências educacionais do período.
(Rizzini, Irma 2004).
As autoras apontam que o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o
principal instrumento de assistência à infância no país. Afirmam ainda que após a segunda
metade do século XX, o modelo de internato cai em desuso para os filhos dos ricos, que foi
praticamente extinto no Brasil por vários anos. Porém, a cultura de institucionalizar crianças
foi mantida para os pobres até a atualidade, em especial a medida para os adolescentes
que cometeram ato infracional. (Rizzini, Irma, 2004). Assim, a tradição da
institucionalização de crianças foi adquirida no Brasil, passando por altos e baixos,
mantida, revista e revigorada por uma cultura que valoriza a educação da criança por
terceiros.
É no período colonial, século VXIII, afirma Rizzini, Irma (2004) apud Marcílio (1997b,
p. 52), que a Santa Casa de Misericórdia tem a iniciativa de criar uma modalidade de
atendimento a bebês abandonados de longa duração. A Roda de Expostos é instalada no
Brasil e será extinta somente no período republicano. As primeiras cidades brasileiras a
instalarem as Casas de Expostos foram: Salvador, Rio de Janeiro e Recife. Este modelo de
atendimento mantinha em sigilo o autor ou autora do abandono. Surgiram outras dez
Rodas de Expostos no país até o século XIX, mantendo-se este sistema até meados do
século XX. Este sistema evitava que bebês fossem abandonados nas ruas e nas portas
das igrejas por mães que buscavam ocultar a desonra de gerar um filho ilegítimo, como era
visto pela sociedade da época, ou que não tinham condições de criá-lo.
Enquanto surgiam muitas Rodas de Expostos no Brasil, segundo Rizzini, Irma (2004),
estas estavam sendo eliminadas na Europa pelos higienistas e reformadores, motivados
pela alta mortalidade e pela suspeita de promover o abandono de crianças. Freitas (2003)
considera a roda dos expostos uma das instituições brasileiras de mais longa vida,
sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História. Marcílio (1989) nos traz uma rica
reflexão referente à fase caritativa da assistência à infância abandonada, que durou até
meados do século XIX, quando diz que:
Do período colonial até meados do século XIX vigorou a fase que aqui dominada
de caritativa. O assistencialismo dessa fase tem como marca principal o
sentimento da fraternidade humana, de conteúdo paternalista, sem pretensão a
mudanças sociais. De inspiração religiosa, é missionário e suas formas de ação
privilegiam a caridade e a beneficência. Sua atuação se caracteriza pelo
imediatismo, com os mais ricos e poderosos procurando minorar o sofrimento dos
mais desvalidos, por meio de esmolas ou das boas ações – coletivos ou
individuais. Em contrapartida, esperam receber a salvação de suas almas, o
paraíso futuro e, que aqui na terra, o reconhecimento da sociedade e o status de
beneméritos. Ideologicamente, procura-se manter a situação e prevalecer à
ordem, propagando-se comportamentos conformistas. (MARCÍLO, 1998, P.
134).
Rizzini, Irma, (2004) informam que em relação aos filhos de pessoas negras
escravizadas não foi encontrada nos registros históricos a informação de ter existido
alguma instituição específica para eles. O que se sabe é que não era comum serem
acolhidos, pois eram submetidos aos domínios dos senhores, isso já após a Lei do Ventre
Livre (1871) – que permitia aos senhores mantê-los sob servidão até a idade de 21 anos. A
ideia era a de “educá-los”. A outra possibilidade era os senhores poderem entregá-los ao
governo Imperial, mediante indenização.
Rizzini, Irma (2004) ainda discutem a especialização dos serviços de assistência e
justiça no período republicano em relação à criança desvalida. Segundo as autoras, ao
mudar o regime político, o Brasil já possuía uma vasta experiência na assistência à infância
desvalida. Enquanto no período imperial o tratado da infância desvalida se deu na
formação da força de trabalho, nesse regime, dado no século XX, surge um novo marco na
forma de tratar a infância no Brasil, baseado na identificação e no estudo das categorias
necessitadas de proteção e reforma, visando um melhor aparelhamento institucional capaz
de “salvar” a infância brasileira neste período.
De acordo com Carneiro (1966) apud Rizzini, Irma (2004), em 1964, na Ditadura
Militar, é instituído a FUNABEM – Fundação do Bem-Estar do Menor, com a proposta anti-
SAM em 1966, sendo o SAM considerado um sistema corrupto, depósito de menores -
termo histórico, ideologicamente usado para segregar, excluir e marginalizar as crianças e
adolescentes pobres. Sistema utilizado até a atualidade, agora, as crianças ficavam sob
responsabilidade dos Juizados de Menores, onde os pais eram estimulados a se livrarem
da responsabilidade de criarem seus filhos, havendo até campanha televisiva para isso.
A Política do Bem-Estar do Menor, com a instauração da FUNABEM, vem com
objetivos mais humanos em relação aos cuidados das crianças que se encontravam sob
responsabilidade do Estado. (Rizzini, Irma, 2004).
Eram as famílias que acionavam o acolhimento dos filhos na antiga FUNABEM, pois
foi instituída a ideia de que a instituição era um lugar seguro, onde seus filhos iriam estudar
comer, vestir bem e sair de lá com uma formação profissional. As famílias procuravam a
instituição para o controle dos filhos rebeldes. Elas conseguiam internar mais de um filho, e
havia casos de todos os irmãos serem internados, considerando que na época as famílias
tinham um número maior de filhos. (Rizzini, Irma, 2004)
O fato de essas famílias serem pobres não era levado em consideração, relatam
Rizzini, Irma (2004), por haver um discurso culpabilizador de que as mesmas queriam se
livrar dos filhos. Ressaltam ainda que essas crianças vinham de mães solteiras,
empregadas domésticas que tinham relações afetivas instáveis. Este fenômeno social era
visto como disfunção familiar – existindo até autores engajados em provar a insensibilidade
e a indiferença das mães solteiras para com os filhos.
Tendo em vista a dificuldade para encontrar referenciais que abordem a questão
racial e de gênero na reconstrução histórica dessa problemática, cabe aqui trazer o recente
e necessário estudo realizado por Teixeira (2016) no livro “Discriminação Racial é Sinônimo
de Maus-tratos – a importância do ECA para a proteção de crianças negras”, no qual se
discute a adoção de crianças negras e o enfrentamento ao racismo na Infância e
inevitavelmente se questiona o antecedente da adoção: a destituição do poder familiar.
Nesse sentido, destaca-se que
Freitas (2003) colabora com essa reflexão quando diz que no final do século XX a
infância tornou-se uma questão cáustica para o Estado, para as políticas não
governamentais e para diversas áreas envolvidas direta ou indiretamente com este
“problema”. Aponta, assim, que neste período se intensificou o fenômeno das crianças,
denominadas de turma e/ou bando, que deixavam suas casas e suas famílias pela rua,
forçados pela sobrevivência nas grandes cidades e que, consequentemente, eram levadas
à marginalidade social e à morte prematura, por desnutrição ou pela violência.
2
Art. 226 – A família, base da sociedade, tem total proteção do Estado.
3
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, a dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e
comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Em 1993 é incluído na CF/88 o art. 203, a Lei Orgânica da Assistência Social –
LOAS, LEI Nº 8.742/93 – alterada pela Lei nº 12.435/ 2011 - prevista para quem dela
necessitar - sem haver necessidade de contribuição à Seguridade Social - e tendo como
principais objetivos, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice. Estabelece também a garantia ao BPC – Benefício de Prestação Continuada, que
se trata de um salario mínimo mensal, tendo direito à pessoa portadora de deficiência e
idoso que não tenha como prover seu sustento.
Em 2004, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a
Política Nacional de Assistência Social (PNAS), com o objetivo de efetivar os direitos
previstos na CF/88 e na LOAS/93. Em 2005, temos a consolidação do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), que organiza a Política de Assistência Social em Proteção
Social Básica, que deve ser elaborada no intuito da prevenção das vulnerabilidades sociais
e na Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, que são situações onde os
vínculos familiares e/ou comunitários estão fragilizados ou esgarçados, pressupondo a
articulação da rede socioassistencial com as demais políticas públicas e com o Sistema de
Garantia de Direitos (SGD) 4. Na sequência, aprova-se o NOB/SUAS que estabeleceu
parâmetros para a operacionalização do SUAS em todo o território nacional. E em 2006 foi
aprovada a NOB-RH, estabelecendo novos aspectos, dentre eles os parâmetros de nível
nacional para a composição das equipes que devem atuar nos serviços de acolhimento.
(Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, 2009).5
De acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistencias (2009) 6 as
novas características com a organização do SUAS na Política de Assistência Social são as
seguintes:
4
“O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e
integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos
normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação
dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal”
(Resolução do CONANDA sobre os parâmetros para a institucionalização do SGD, Nº 113, de
19/04/2006).
5
Disponível em: https://www.mds.gov.br/cnas/noticias/orientacoes_tecnicas_final.pdf
6
Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdf
✔ Descentralização Político-administrativa e territorialização;
✔ Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil;
✔ Financiamento;
✔ Controle Social;
✔ O desafio da participação popular/cidadão usuário;
✔ A Política de Recursos Humanos;
✔ A informação, o monitoramento e a Avaliação da mesma.
Média Complexidade
1. Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI);
2. Serviço Especializado em Abordagem Social;
3. Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC);
4. Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas
Famílias;
5. Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua;
Alta Complexidade
6. Serviço de Acolhimento Institucional;
7. Serviço de Acolhimento em República;
8. Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
9. Serviço de proteção a pessoas em situações de calamidades públicas e de emergências.
De acordo com a PNAS (2004), a Proteção Social Básica deve ser prestada no
equipamento estatal, Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, onde deve ser
oferecido o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF). Nele, deve-se
oferecer acolhida, acompanhamento e apoio às famílias, na perspectiva da prevenção da
ruptura dos laços, promovendo a convivência familiar e comunitária, bem como o acesso
aos direitos, contribuindo assim na melhoria da qualidade de vida dos sujeitos.
Ainda de acordo com a PNAS 2004, a proteção social básica tem como objetivos
prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições,
e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Ela é destinada à população que
vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação, como ausência
de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros, e/ou, fragilização
de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social, bem como discriminações
etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras.
Essas mães ainda eram convencidas da ideia de que este era o melhor a fazer
por seus filhos para assim terem um futuro melhor, e ao mesmo tempo eram culpabilizadas
e julgadas como insensíveis aos filhos, havendo até autores engajados em provar esse
fenômeno como uma “disfunção-familiar”.
Por último, foi acentuado que a Política de Assistência Social, que é fundamentada
na CF, organizada pelo SUAS em Proteção Básica – que deve intervir na perspectiva da
prevenção de riscos sociais através do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários
e do provimento dos mínimos sociais - e Proteção Especial de Média Complexidade - onde
são considerados serviços que oferecem atendimentos às famílias e indivíduos com seus
direitos violados, mas cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos - e a Alta
Complexidade – são ações e serviços para famílias e indivíduos que se encontram sem
referência e/ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirada de seu núcleo familiar
e/ou, comunitário, ou seja, sujeitos com o vínculo familiar rompido -. A Política de
Assistência Social tem como princípio norteador das ações e intervenções a Matricialidade
sociofamiliar. Esta política deve-se articular com o todo o Sistema de Garantia de Direitos
como o poder Judiciário, o Conselho Tutelar, a Saúde, a Educação, a Previdência Social,
dentre outros órgãos estatais necessários, na perspectiva da proteção as crianças e
adolescentes, que são prioridade absoluta, bem como de suas famílias.
Este capítulo pretende analisar a intersecção entre raça, gênero e classe social no
processo de afastamento do poder familiar de crianças e adolescentes, sendo esta a
discussão central em torno do objeto da pesquisa aqui apresentado. Assim, inicia-se pela
problematização do afastamento do poder familiar como medida protetiva, excepcional e
provisória com vista à reinserção familiar. Na sequência, passa-se pela conceituação de
interseccionalidade de Kimberle Crenshaw. Ao final, apresentam-se algumas reflexões
acerca da interlocução proposta, com base no que o levantamento bibliográfico apontar,
sendo este o método de pesquisa utilizado.
Como dito no capítulo anterior, a CF/88 e o ECA/90 trazem um novo marco para as
crianças e adolescentes brasileiras, agora considerados como sujeitos de direitos e em
desenvolvimento. Estas legislações nacionais ratificam ainda a proteção integral para as
crianças e adolescentes, devendo ser exercido por parte da família, da sociedade e do
Estado. Rompe-se, ao menos legalmente, com a ideia pejorativa de “menor” e de que é
melhor os filhos de pessoas pobres estarem sob o poder do Estado para o
desenvolvimento desses sujeitos, como foi trazido no levantamento histórico do primeiro
capítulo. Agora, a família, que deve ser amparada pelo Estado através das Políticas
Públicas.
Dentre as diversas mudanças trazidas pelo ECA, uma das principais e mais
importantes, no que tange à esta pesquisa, está expressa no Capítulo III do referido
estatuto que dispõe sobre o Direito a Conivência Familiar e Comunitária como direito
fundamental da criança e do adolescente. O Art.º 19 do referido Capítulo diz que toda
criança e adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família - natural ou
extensa- e excepcionalmente, em família substituta (adotiva), assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes. No Inciso 1º do Art.º. 19 está expresso que toda criança ou
adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá
sua situação reavaliada a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária
competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou
multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar
ou colocação em família substituta ( adoção), em quaisquer das modalidades previstas
pelo Art. 28 desta Lei. O inciso 2º expressa que a permanência da criança e do
adolescente em programa de acolhimento não se prolongará por mais de 2 (dois) anos,
salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente
fundamentada autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). O inciso 3º diz
que a manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família de origem terá
preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em
programas de orientação e auxílio. (Incluído pela Lei nº 12.010 de 2009).
A Nova Lei de Adoção - LEI Nº 12.010/09, que altera alguns artigos do ECA, veio no
intuito de aperfeiçoar os dispostos na Lei 8.069/90 – ECA, em relação à garantia ao direito
à convivência familiar, sendo direito de todas as crianças e adolescentes, como citado
anteriormente. A Nova Lei de Adoção reafirma que, em caso de criança e adolescente com
suspensão do poder familiar, esta que deve ser provisória, seja em serviço de acolhimento
familiar ou institucional. O encaminhamento para a adoção deve ocorrer somente após
tentadas todas as possibilidades de reinserção na família de origem ou família extensa,
determinando que o prazo seja de até 2 (dois) anos.
O Art.º 23 do ECA dispõe que a falta ou carência de recursos materiais não constitui
motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar. O parágrafo único do art. 23
orienta que não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a
criança ou adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá
obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. O Art.º 24 promulga que a
perda ou suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento
contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de
descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.
7
Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Plano_Defesa_Crianca
sAdolescentes%20.pdf
internos, as famílias ainda sofrem com as contradições da sociedade capitalista
sendo excluída dos seus direitos relativos à cidadania.
Neste mesmo sentido, Svicero (2010) reflete que a legislação atual reconhece a família
como o espaço ideal e privilegiado para o desenvolvimento integral dos indivíduos e
assegura também o direito da criança e do adolescente à convivência familiar e
comunitária. Porém, a autora considera que ao mesmo tempo ainda vigora uma cultura da
institucionalização de crianças e de adolescentes, como afirma a seguir:
Diante dos dados da pesquisa a autora traz ainda uma importante reflexão
que corrobora com o objeto dessa pesquisa, quando diz que:
Fávero (2008) ainda cita uma pesquisa realizada pelo Cealag (2006) com
famílias de crianças e adolescentes no município de São Paulo, na qual também se
consta prevalência de 79,7% de mulheres como responsáveis de
crianças/adolescentes institucionalizados. O percentual é praticamente igual ao
constatado na pesquisa apontada anteriormente.
A classe social aparece neste item como fator preponderante na suspensão
do poder familiar. Após, classe aparece ainda junto com raça e na sequência, classe
aparece junto com gênero. Enquanto gênero e raça não foram abordados juntos em
nenhum dos documentos ou nas pesquisas e literaturas consultadas no
levantamento bibliográfico. Sendo assim, o próximo item tem como finalidade
apontar a importância da noção de interseccionalidade, para que se possa abordar
como raça, interligada à questão de gênero, pode atravessar a medida de
acolhimento institucional e/ou familiar de crianças e adolescentes.