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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC – UFABC

CAMPUS SANTO ANDRÉ

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS,


DIVERSIDADE E VIOLÊNCIA

LÍVIA MILENA DA SILVA

ANÁLISE DA INTERSECÇÃO ENTRE GÊNERO, RAÇA E

CLASSE COMO FATORES NA DECISÃO DA SUSPENSÃO DO


PODER FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Santo André - SP

2019
LÍVIA MILENA DA SILVA

ANÁLISE DA INTERSECÇÃO ENTRE GÊNERO, RAÇA E

CLASSE COMO FATORES NA DECISÃO DA SUSPENSÃO DO


PODER FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Monografia apresentada à Coordenação como


exigência parcial para conclusão do Curso de
Especialização em Direitos Humanos, Diversidade e
Violência da Universidade Federal do ABC, sob
orientação da Profª Dra. Regimeire Maciel.

Santo André - SP

2019
LÍVIA MILENA DA SILVA

ANÁLISE DA INTERSECÇÃO ENTRE GÊNERO, RAÇA E

CLASSE COMO FATORES NA DECISÃO DA SUSPENSÃO DO


PODER FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Monografia da aluna Lívia Milena da Silva, com o título Análise


da Intersecção entre Gênero, Raça e Classe como Fatores na
Decisão da Suspensão do Poder Familiar de Crianças e
adolescentes, julgada e aprovada para obtenção do título de
especialista em Direitos Humanos, Diversidade e Violência pela
Universidade Federal do ABC.

Santo André, 15 de julho de 2019.

Professoras Doutoras Maria Gabriela S. M. C. Marinho e Alessandra Teixeira,


Coordenadoras do curso.

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Professora Dra. Regimeire Maciel, orientadora.

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Professor (a) leitor (a).


Dedico este trabalho aos que vieram antes de mim: a
tataravó Chiquinha, aos bisavós Balbina e Dejaime, a
avó/mãe Maria Sulidade, ao avô/pai Manoel
Cassimiro (todos em memória) e a minha mãe Vera
Lúcia e a toda a minha ancestralidade desde África,
que não conheci e nem ouvi falar devido ao
apagamento de memórias. Dedico ainda a todo o
povo negro que não foge a luta. A vocês minha
eterna gratidão pelas lutas que travaram para que
hoje a minha geração possa ocupar espaços como a
Universidade Pública.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao sagrado pelas pessoas que cruzam o meu caminho e pela


oportunidade de evolução e crescimento em todos os aspectos da vida.

A minha família, aos que não estão mais nesta esfera de vida e aos que
comigo partilham das dores, alegrias, conquistas e afago. Em especial a minha mãe
Vera Lucia.

A Maria Eduarda, prima amada, pelo amor, alegria e esperança que me dá.

As minhas amigas de perto e de longe. Sou muito grata por ter encontrado
pelo caminho tantas mulheres que me inspiram e me fortalecem, tornando a
trajetória um tanto mais leve. Desejo segui sempre assim. Em especial a minha
amiga- irmã Flavia Ribeiro por tantas partilhas e aprendizados cotidianos, bem como
as interlocuções acerca desta pesquisa.

As diversas pessoas que mobilizam lutas coletivas, em especial ao


Movimento Negro e ao Movimento de Mulheres Negras onde tanto aprendi e
aprendo.

A coordenação e professores do curso de especialização em Direitos


Humanos, Diversidade e Violência por esta oportunidade de evolução intelectual e
pessoal, em especial a minha orientadora Regimeire Maciel pela dedicação,
compressão, compromisso e parceria.

Aos queridos colegas dessa turma, que sem dúvidas houve trocas para além
das discussões teóricas, mas sobretudo pela rede de apoio que criamos. Sentirei
saudades das nossas conversas na volta para casa “turma do trem”. Mas
certamente nossos caminhos ainda se cruzaram na tarefa da luta pelos direitos
humanos, o motivo que nos apresentou.

Imensa gratidão a todas/os!


“As crianças ricas brincam nos jardins
com seus brinquedos prediletos. E as
crianças pobres acompanham as mães
a pedirem esmola pelas ruas. Que
desigualdade trágica e que brincadeira
do destino”. (Carolina Maria de Jesus)
RESUMO

A pesquisa de monografia realiza uma análise acerca da intersecção entre gênero,


raça e classe na decisão da suspensão do poder familiar de crianças e
adolescentes. Do ponto de vista metodológico, o trabalho consiste numa breve
revisão bibliográfica. A pesquisa tem início com um levantamento histórico da
institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil, sendo uma cultura herdada
de Portugal devido ao processo de colonização que tem início com os filhos do
senhores escravocratas caindo em desuso ao decorrer do tempo e sendo destinado
aos filhos das famílias pobres, sobretudo das mulheres negras, as amas-de-leite.
Passa por alguns períodos e regimes políticos onde sofre diversas alterações, mas
só tem uma mudança significativa após a redemocratização do país com a
Constituição Federal de 1988, com o Estatuto da Criança e ado Adolescente de
1990, com a Lei Orgânica de Assistência Social Lei nº 8.742 de 1993 e demais
legislações e documentos oficiais tendo em vista a construção de políticas públicas
que passaram a reconhecer que o melhor ambiente para o desenvolvimento de
crianças e adolescentes é na família, devendo esta ser amparada pelo Estado para
exercer a função protetiva. No entanto, diversos autores apontam para os resquícios
dessa dimensão na atualidade, quando se identifica um maior número da aplicação
dessa medida para com famílias pobres, negras e chefiadas por mulheres. Assim,
reconhece-se como necessário um aprofundamento no estudo da intersecção entre
gênero e raça, para que se possa entender melhor tal processo.

Palavras-chave: interseccionalidade. Gênero. Raça. Classe. Afastamento do poder


familiar. Criança. Adolescente.
ABSTRACT

The monographic research analyzes the intersection of gender, race and class in the
decision to suspend the family power of children and adolescents. The methodology
used is bibliographic review and participatory observation. The research begins with
a historical survey of the institutionalization of children and adolescents in Brazil,
being a culture inherited from Portugal due to the process of colonization that begins
with the children of the slave-owning slaveowners falling into disuse over time and
being destined to the children of poor families, especially of black women, the wet-
nurses. Going through various periods and political regimes where on several
changes, but only has a significant change after the re-democratization of the country
with the Federal Constitution of 1988, with the Statute of the Child and Adolescent of
1990, with the Organic Law of Social Assistance and other legislation and official
documents in view of the construction of public policies, since the best environment
for the development of children and adolescents is in the family, which must be
supported by the State to exercise the protective function. However, several points
are pointing to the remnants of history in which there is a greater number of the
application of this measure to poor, black and female-headed families, and a
deepening of the concept of intersectionality between gender and race is necessary
to be possible this proposed analysis.

Keywords: intersectionality. Genre. Breed. Class. Removing family power. Kid.


Teenager.
LISTA ABREVIATURAS E SIGLAS

UFABC: Universidade Federal do ABC

CF: Constituição Federal

ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente

LOAS: Lei Orgânica da Assistência Social

PNAS: Política Nacional de Assistência Social

CNAS: Conselho Nacional de Assistência Social

SUAS: Sistema Único de Assistência Social

NOB-RH/SUAS: Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de


Assistência Social

BPC: Benefício de Prestação Continuada

SGD: Sistema de Garantia de Direitos

CRAS: Centro de Referência da Assistência Social

PAIF: Proteção e Atendimento Integral a Família

PAEF: Proteção e Atendimento Especializado a Família e Indivíduos

CREAS: Centro de Referência Especializado da Assistência Social

SAICA: Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes

VIJ: Vara da Infância e Juventude

CONANDA: Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada


MDS: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome

FUNABEM: Fundação do Bem Estar do Menor

SAM: Serviço de Assistência ao Menor

COVS: Coordenação do Observatório da Vigilância Socioassistencial

DEMES: Declarações Mensais de Execução do Serviço

SISA: Sistema de Informação do Atendimento aos Usuários


CFESS: Conselho Federal de Serviço Social
CRESS: Conselhos Regionais de Serviço Social
CBAS: Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
INTRODUÇÃO

De acordo com Iamamoto (2011), o Serviço Social nasce para responder as


demandas do Estado devido as reinvindicações da classe operária nas duas primeiras
décadas do século XX, período em que o debate da questão social atravessava a
sociedade, exigindo um posicionamento do Estado, das frações dominantes e da Igreja.
Sendo assim, a profissão nasce no sentindo de mediar com as massas em nome desses
setores conservadores, para o apaziguamento das grandes mobilizações populares da
época.

No entanto, segundo Netto (2010) nos anos 60 do século XX, surge o Movimento
de Reconceituação no Serviço Social na a América Latina, sendo considerado como um
marco decisivo do processo de revisão crítica do Serviço Social no continente e que
direciona uma preocupação dos profissionais em repensar a estrutura excludente do
capitalismo. O Movimento de Reconceituação é parte do processo internacional de erosão
do Serviço Social com ideários e práticas conservadoras.

A categoria assumiu assim um compromisso com a classe trabalhadora, com a


construção de um projeto ético-político critico ao capitalismo de acordo com a vertente
marxista.

Desse movimento da categoria nasce o Código de Ética da/o Assistente Social –


Lei 8662/1993, que dentre seus onze princípios fundamentais, cabe aqui trazer os que mais
conversam com o curso de especialização e a proposta da pesquisa: II- a defesa
intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; VI- O empenho
na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à
participação de grupos socialmente discriminados e à discriminação das diferenças; VIII-
Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova
ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero; X- Compromisso
com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual,
na perspectiva da competência profissional.
A presente pesquisa em caráter de monografia tem como tema: Análise da
intersecção entre gênero, raça e classe social como fatores na decisão da suspensão do
poder familiar de crianças e adolescentes. A pesquisa tem como base inicial a minha
formação em Serviço Social, concluída em 2016, bem como a vivência de estágio no
equipamento Centro de Referência Especializado da Assistência Social - CREAS da
Prefeitura Regional da Sé no Município de São Paulo, no qual se realiza
acompanhamento de famílias e indivíduos do território referenciado na proteção especial.
Dentre estas famílias, algumas são atingidas com a suspensão do poder familiar de seus
filhos. Foi esta, então, a vivência que mais me chamou a atenção no período de dois anos
de estágio, entre 2014 a 2016. Na ocasião, realizei a pesquisa de TCC – Trabalho de
Conclusão de Curso como o tema: O processo de reinserção familiar de crianças e
adolescentes em situação de acolhimento institucional, publicado em 2016 pela editora
Novas Edições Acadêmicas. Tendo em vista que tive uma formação acadêmica em
Serviço Social com foco no debate sobre classe social a partir de uma perspectiva
marxista, na ocasião realizei a pesquisa apenas com este viés. Aparecendo raça e gênero
muito timidamente no trabalho de conclusão de graduação. No entanto, após vivência no
Movimento Negro misto e no Movimento de Mulheres Negras, bem como outros espaços
de discussão não formais, atentei-me para as questões de gênero, raça e classe de forma
sobrepostas e não fragmentas como compreendi outrora, passando a aplicar este olhar
indispensável à pesquisa e prática do Serviço Social, este que deve abarcar a realidade,
considerando que a sociedade é dialética, conforme a teoria marxista.

Na especialização em Direitos Humanos, Diversidade e Violência, sendo um


curso multidisciplinar, pude aprofundar melhor teoricamente no debate sobre
interseccionalidade entre gênero, raça e classe, relacionando essas noções à
experiência profissional onde lidava com situações de suspensão do poder familiar
em um SAICA – Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes.
Diante disso, senti a necessidade de pesquisar novamente sobre a temática
pesquisada no TCC da graduação, considerando agora a intersecção entre gênero,
raça e classe.
É importante dizer aqui que a categoria profissional dos Assistentes Sociais
está levantando o debate da intersecção das opressões, com ações antirracistas e
antimachistas, avançando no debate acerca da realidade que até então era somente
de classe.

A atual gestão (2017-2020) do CFESS – Conselho Federal de Serviço Social


junto aos CRESS – Conselhos Regionais de Serviço Social (Conjunto CFESS-
CRESS) está com campanha “Assistentes Sociais no Combate ao Racismo”. A
campanha foi aprovada no fórum máximo deliberativo da categoria em 2017, no
intuito de debater o racismo no exercício profissional de assistentes sociais.

A campanha propõe dar centralidade a este debate e incentivar a promoção


de ações de combate ao racismo no cotidiano profissional, ampliando a percepção
sobre as diversas expressões do racismo, considerando que o trabalho de
assistentes sociais tem relação direta com as demandas da população negra, esta
que reside nos morros, nas favelas, no sertão, no campo e na cidade. Sendo que
assistentes sociais estão nos serviços públicos como saúde, educação, habitação e
assistência social, que devem ser garantidos para toda a população. A campanha
lembra ainda que o combate ao preconceito é inclusive um compromisso do Código
de Ética dos/as Assistentes Sociais. A campanha tem como objetivos dialogar com
toda a categoria de assistentes sociais, com a população usuária do Serviço Social,
com o movimento negro e com toda a sociedade em geral sobre o racismo, bem
como incentivar a categoria de assistentes sociais a promover e intensificar ações
de combate ao racismo em seu cotidiano profissional, dando visibilidade para ações
que já ocorrem. Objetiva-se ainda, denunciar, de forma direta, diferentes expressões
do racismo e valorizar a população e a cultura negra.

Trazendo alguns lemas como foco na questão racial e de gênero que


provocam a reflexão de toda a sociedade, como: “Na falta de água e na sobra de
esgoto, transborda o racismo”. “Na violência e na dor, miram gênero e cor”, bem
como em relação à intolerância religiosa as religiões de matriz africanas, com o
lema:” Minha fé não é motivo para a sua violência”.
Do mesmo modo, a chamada do dia do Assistente Social do corrente ano
evidenciou a situação das mulheres negras com tema: “Se cortam direitos, quem é
preta e pobre sente primeiro”. O tema foi decidido durante o encontro nacional
CFESS-CRESS e teve como objetivo denunciar que são mulheres pobres e negras
as que mais sofrem com a regressão de direitos, vide o projeto de „contrarreforma‟
da previdência proposto pelo governo, e dialoga diretamente com a campanha de
gestão (2017-2020), reafirmando o compromisso da categoria “Assistentes Sociais
no Combate ao Racismo”.

Este ano ocorre o 2º Seminário Nacional de Serviço Social e Direitos


Humanos, realizado pelo CFESS e CRESS-BA em Salvador, considerada a cidade
mais preta do Brasil.

O Seminário tem como tema central o debate racial, onde serão abordadas
diversas expressões do racismo no Brasil, como a criminalização, o genocídio do
povo negro, a condição das mulheres negras e sua auto-organização. Abordará
ainda a importância do trabalho dos/as assistente sociais no combate ao racismo,
especialmente ao racismo institucional, presente em muitos espaços ocupacionais.

Em outubro do corrente ano ocorre ainda o 16º CBAS – Congresso Brasileiro


de Assistentes Sociais, em Brasília, com a chamada “os 40 anos da “virada” do
Serviço Social”, onde também será abordada a reafirmação da profissão com a
classe trabalhadora e contra o racismo”.

As informações sobre a agenda do Serviço Social foram obtidas no site do


CFESS1.

Diante desse movimento da categoria profissional, é importante ressaltar que


a presente pesquisa não é uma ideia individual, mas de toda uma construção
coletiva de uma parcela de Assistentes Sociais pela necessidade e urgência do
debate sobre raça e gênero no cerne da profissão.

1
Disponível em http://www.cfess.org.br/visualizar/menu/local/o-cfess. Consultado em 15/07/2019
Sendo assim, a presente monografia tem como hipótese que as ações e
decisões acerca da medida de acolhimento institucional são atravessadas por
marcadores sociais como raça, gênero e classe social. O objetivo foi investigar como
as categorias de raça, gênero e classe social influenciam a medida de acolhimento
institucional de crianças e adolescentes. Para realização da pesquisa, foi feito um
breve levantamento histórico da institucionalização de crianças e adolescentes no
Brasil, abordando a medida de acolhimento institucional para crianças e
adolescentes com base no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA 1990, bem
como na Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004 e no Sistema Único
de Assistência Social – SUAS 2005, no Plano Nacional de Convivência Familiar e
Comunitária, no documento Orientações Técnicas: Serviço de Acolhimento
Institucional para Crianças e Adolescentes, dentre outros documentos correlatos
considerados como um avanço na Política de Proteção à infância e à adolescência e
à família. Além disso, foram feitas leituras críticas acerca dessa medida, buscando
discutir a intersecção entre raça, gênero e classe social.

O Serviço Social parte do princípio de que para uma pratica profissional coesa é
necessária para entender os processos históricos a partir de referenciais teóricos críticos
referentes às demandas sobre as quais se deve intervir, entendendo-as como expressões
de da questão social, sendo a questão social o objeto de intervenção profissional. Com
isso, entende-se que o afastamento do poder familiar ainda é um grande fenômeno com
base na intersecção entre gênero, raça e classe, que carece de reflexões e debates para
que seja uma prática profissional condizente com a realidade brasileira. Portanto, parte-se
do pressuposto de que é urgente a formulação e a execução da Política de Assistência
Social e demais políticas públicas com olhar sensível a essa interseccionalidade na
execução do trabalho técnico operativo cotidiano.

A pesquisa foi organizada em dois capítulos. No primeiro capítulo, é realizada uma


breve revisão de obras de autoras e autores que são referências na pesquisa de políticas
para crianças e adolescentes, como Freitas (2003) que aborda o abandono de crianças no
Brasil, do século XIX; Irene Rizzini e Irma Rizzini (2004), que são pesquisadoras e
referências internacionais no estudo sobre políticas de atendimento à criança e ao
adolescente. Estas autoras argumentam que a história da institucionalização de crianças e
adolescentes no Brasil tem importantes repercussões até os dias de hoje e Marcílio
(1998), que é pioneira no estudo social da infância no Brasil, os jesuítas criaram colégios
nos primeiros tempos da colonização, mas a educação não era destinada para as crianças
desvalidas e desamparadas.

De modo geral, com base nestes autores, contextualizou-se historicamente a


discussão sobre a institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil, desde a
colonização, iniciado com a roda dos expostos, que o Brasil herda de Portugal, passando
por vários regimes políticos: Império, República, Ditadura Militar até a redemocratização
do país, sofrendo alterações no decorrer da história e das mudanças da sociedade, sendo
abordado também o processo do assistencialismo, caridade, piedade, benevolência e
clientelismo, até a construção de políticas públicas de responsabilidade do Estado.

É levantado ainda que na Ditadura Militar, com a instituição da FUNABEM –


Fundação do Bem-Estar do Menor, onde as crianças ficavam sob responsabilidade dos
Juizados de Menores, os pais eram estimulados a se livrarem da responsabilidade de
criarem seus filhos, havendo até campanha televisiva para isso.

Neste primeiro momento, traz-se também um estudo contemporâneo acerca desse


período histórico onde Teixeira (2016) apresenta uma importante narrativa em relação às
amas-de-leite ao dizer que estas seriam mulheres negras escravizadas, que ao serem
condicionadas a amamentarem e cuidarem dos filhos de outras mães das classes
abastadas ficavam privadas de alimentar e conviver com seus filhos, os quais iam parar
nas rodas dos expostos ou eram abandoados à própria sorte. Este estudo se faz
importante e necessário, uma vez que os autores de referência no tema não abordam a
questão racial no levantamento histórico.
Diante da abordagem do período menorista, é ralizado uma licença poética com
um relato de Carolina Maria Jesus que é como um testemunho a este período histórico.

Na sequência, são assinaladas as principais legislações que alteram legalmente a


política para crianças e adolescentes após a redemocratização do país, como a
Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei
Orgânica de Assistência Social de 1993 – todas estas legislações apontam a família como
instituição social privilegiado, devendo ser a centralidade das ações dessas Leis. Todas
essas legislações trazem ainda um novo viés social e jurídico às crianças e aos
adolescentes, sendo estes reconhecidos pelo Estado democrático como sujeitos de direitos
em fase peculiar de desenvolvimento, devendo ser prioridade absoluta, constituindo-se
dever da família, da sociedade e do Estado a garantia de tais direitos. Nesse sentido, a
família é tomada como base da sociedade devendo ter total proteção do Estado, trazendo,
assim, um reordenamento da medida de acolhimento de crianças e adolescentes e de toda
a política de Assistência Social e demais políticas públicas.

Dessa forma, são tomados ainda documentos oficiais do Estado brasileiro


oriundos dessas leis à medida que apresentam reflexões pertinentes ao reordenamento da
política de atendimento à criança e ao adolescente, com foco na medida de
acolhimento/suspensão do poder familiar. Pois, agora, a medida de acolhimento, seja ele
institucional – Serviço de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes (SAICA) -,
ou acolhimento familiar – Programa Família Acolhedora -, possui legalmente um viés de
garantia de direitos, sendo uma medida de caráter protetivo, provisório e excepcional,
devendo ser o último recurso do Sistema de Garantia de direitos – SGD, na perspectiva do
fortalecimento do vínculo familiar, devendo ser tentado até a última possibilidade a
reinserção a família de origem ou extensa, e somente quando apontado pela equipe
técnica do serviço com relatório subsidiando a impossibilidade de reinserção deve ser
realizado o cadastro da criança/adolescente para família substituta, através do Cadastro
Nacional de Adoção.

No segundo capítulo é realizada a análise da intersecção entre raça, gênero e


classe social no processo de afastamento do poder familiar de crianças e adolescentes,
sendo esta a discussão central em torno do objeto da pesquisa aqui apresentado.
Iniciando pela problematização do afastamento do poder familiar como medida protetiva,
excepcional e provisória com vista à reinserção familiar com base no ECA – Estatuto da
Criança e do Adolescente de 1990, reconhece-se que esta legislação é um avanço na
política de atendimento à infância e à adolescência. Em seguida, são abordadas algumas
discussões contidas no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária de 2004, bem como a
Nova Lei de Adoção - LEI Nº 12.010/09, que altera alguns artigos do ECA, estabelecendo
normas a medida de afastamento do poder familiar, reforçando os dispositivos do estatuto
como medida provisória e estabelecendo o prazo de até dois anos para ser trabalhada a
reinserção da criança ou adolescente na família de origem até a última possibilidade, para
somente assim, em caso de insucesso, ser encaminhada a possibilidade de família
substituta ( adoção). O documento Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes (2009), criado de acordo com os dispositivos do ECA afim de
desmitificar para a execução prática, também é utilizado para discutir algumas
abordagens em relação ao objeto de pesquisa proposto. É trazida a crítica de Svicero
(2010) que afirma que embora haja avanços consideráveis da legislação atual, ainda
vigora uma cultura da institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil. Assim,
alguns autores entendem que a legislação atual promove a judicialização das relações
sociais e apontam para a questão de gênero e classe quando dizem que a negligência
imputada frequentemente às mulheres pobres tem um viés perverso e sexista que, muitas
vezes, confirma discriminações e exclusões. As pesquisas quantitativas utilizadas
apontam que em relação aos motivos da medida de acolhimento catalogados, a
negligência tem destaque com 37,6%, dentre outros motivos. Diante desse dado, além de
reflexões da autora acerca da experiência prática, foi trazida uma análise importante
realizada por Eurico (2018) ao utilizar o relado de Carolina Maria de Jesus em relação a
deixar seus filhos sozinhos em casa para catar papelão nas ruas da cidade para garantir o
sustento mínimo de seus filhos. A autora faz a sensibilização para o fato do Sistema de
Garantia de Direitos poder agir com base em estereótipos negativos em relação a essa
mulher, definindo-a como negligente o que justificaria a suspensão do poder familiar, sem
um olhar mais amplo para a intervenção nesta família. A primeira sessão do segundo
capítulo segue contendo reflexões literárias e dados estatísticos onde a questão de classe
se destaca ainda como um forte fator dessa intervenção estatal sobre as famílias. Na
sequência, coloca-se a questão racial atrelada à classe e à questão de gênero. Porém, o
fator racial não aparece junto com gênero nas bibliografias consultadas relativas à medida
de afastamento do poder familiar. Por este motivo, no segundo item desse capítulo, foi
necessário a conceituação de interseccionalidade entre gênero e raça por Kimberle
Crenshaw(2012).
CAPÍTULO 1 - POLÍTICAS DE PROTEÇÃO A CRIANÇA E AO
ADOLESCENTE E A FAMÍLIA NO BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO E
DESAFIOS DA ATUALIDADE

Neste primeiro capítulo, é realizada uma breve revisão de obras de autoras e


autores que são referências na pesquisa de políticas para crianças e adolescentes,
contextualizando historicamente a discussão sobre a institucionalização de crianças e
adolescentes no Brasil, desde a colonização, perpassando por vários regimes políticos e
sofrendo alterações no decorrer da história e das mudanças da sociedade. É abordado
também o processo do assistencialismo (caridade, piedade, benevolência) até chegar na
política pública de responsabilidade do Estado no atendimento à infância e à adolescência.

Na sequência, são assinaladas as principais legislações que alteram legalmente a


política para crianças e adolescentes após a redemocratização do país, como a
Constituição Federal de 1988, O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei
Orgânica de Assistência Social de 1993 – todas estas legislações apontam a família como
instituição social privilegiado, devendo ser a centralidade das ações dessas Leis - Todas
essas legislações trazem ainda um novo viés social e jurídico às crianças e aos
adolescentes, sendo estes reconhecidos pelo Estado democrático como sujeitos de direitos
em fase peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta, constituindo-se dever da
família, da sociedade e do Estado à garantia de tais direitos. Nesse sentido, a família é
tomada como base da sociedade devendo ter total proteção do Estado, trazendo, assim,
um reordenamento da medida de acolhimento de crianças e adolescentes e de toda a
política de Assistência Social e demais políticas públicas.

Dessa forma, são tomados ainda documentos oficiais do Estado brasileiro


oriundos dessas leis à medida que apresentam reflexões pertinentes ao reordenamento da
política de atendimento à criança e ao adolescente, com foco na medida de
acolhimento/suspensão do poder familiar. Pois, agora, a medida de acolhimento, seja ele
institucional – Serviço de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes (SAICA) -,
ou acolhimento familiar – Programa Família Acolhedora -, possui legalmente um viés de
garantia de direitos, sendo uma medida de caráter protetivo, provisório e excepcional,
devendo ser o último recurso do Sistema de Garantia de direitos – SGD, na perspectiva do
fortalecimento do vínculo familiar, devendo ser tentado até a última possibilidade a
reinserção a família de origem ou extensa, e somente quando apontado pela equipe
técnica do serviço com relatório subsidiando a impossibilidade de reinserção deve ser
realizado o cadastro da criança/adolescente para família substituta, através do Cadastro
Nacional de Adoção.

Iniciamos este capítulo com um levantamento histórico referente aos principais


períodos e mudanças da institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil. Esse
levantamento traz à tona questões sociais, ideológicas, econômicas e políticas diante da
temática.

Segundo Freitas (2003), no Brasil, do século XIX, o abandono de crianças e o


infanticídio foram práticas encontradas entre índios, brancos e negros em determinadas
circunstâncias, diante da questão da concentração devastadora nas cidades, da perversa
distribuição de bens e serviços entre camadas sociais e das fronteiras que se
estabeleceram entre elas.

As pesquisadoras Irene Rizzini e Irma Rizzini (2004), estas que são referências
internacionais no estudo sobre políticas de atendimento a criança e adolescente, abordam
que a história da institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil tem importantes
repercussões até os dias de hoje. Em uma profunda e crítica análise de documentações
históricas sobre a assistência à infância no Brasil dos séculos XIX e XX, revelam que as
famílias em situação de pobreza e/ou com outras dificuldades de criarem seus filhos,
tinham um destino quase certo ao buscarem apoio do Estado: os seus filhos eram
acolhidos como se fossem órfãos ou abandonados.

As autoras apontam ainda que o Brasil possui uma longa tradição de internação de
crianças e jovens em instituições asilar. Muitos filhos de famílias ricas e dos setores
pauperizados da sociedade passaram pela experiência de serem educados longe de suas
famílias e comunidade. No período colonial, foram criados no país colégios internos,
seminários, asilos, escolas de aprendizes artífices, educandários, reformatórios, dentre
outras modalidades institucionais surgidas pelas tendências educacionais do período.
(Rizzini, Irma 2004).
As autoras apontam que o recolhimento de crianças às instituições de reclusão foi o
principal instrumento de assistência à infância no país. Afirmam ainda que após a segunda
metade do século XX, o modelo de internato cai em desuso para os filhos dos ricos, que foi
praticamente extinto no Brasil por vários anos. Porém, a cultura de institucionalizar crianças
foi mantida para os pobres até a atualidade, em especial a medida para os adolescentes
que cometeram ato infracional. (Rizzini, Irma, 2004). Assim, a tradição da
institucionalização de crianças foi adquirida no Brasil, passando por altos e baixos,
mantida, revista e revigorada por uma cultura que valoriza a educação da criança por
terceiros.

Um dos aspectos de grande interesse desta análise centra-se nas iniciativas


educacionais entrelaçadas com os objetivos de assistência e controle social de
uma população que, junto com o crescimento e reordenamento das cidades e a
constituição de um Estado nacional, torna-se cada vez mais representada como
perigosa. A ampla categoria jurídica dos menores de idade (provenientes das
classes pauperizadas) assume, a partir da segunda metade do século XIX, um
caráter eminentemente social e político. Os menores passam a ser alvo específico
da intervenção formadora do Estado e de outros setores da sociedade, como as
instituições religiosas e filantrópicas. (RIZZINI, IRMA, 2004, P. 22).

Discutindo o fenômeno do abandono de crianças numa perspectiva histórica, Freitas


(2003) afirma que a maioria dessas crianças abandonadas por seus pais não foram
assistidas por instituições especializadas e foram acolhidas por famílias substitutas.
Ressalta ainda que até no início do século XX, os até recentemente chamados “filhos de
criação” não tinham seus direitos garantidos. Ou seja, a adoção era realizada de forma
irregular, sem aparato legal.
Surgiram no Brasil colonial as primeiras instituições para educação de menino, com
ação educacional jesuítica, implantando escolas elementares (para ler, escrever e contar)
direcionado às crianças pequenas das aldeias indígenas e vilarejos. Os jesuítas criaram
também colégios para a formação de religiosos e instrução superior para os filhos das
camadas mais privilegiadas da população. Os jesuítas foram os principais agentes
educacionais até meados do século XVIII. Mas, em 1759, formam expulsos pelo Marquês
de Pombal, e outras ordens religiosas instalaram seminários, colégios para órfãos e
recolhimento de órfãs na segunda metade do século XVIII (Schueler, 2001 apud Rizzini,
Irma, 2004).
Segundo Marcílio (1998), os jesuítas criaram colégios nas principais vilas e cidades
do país nos primeiros tempos da colonização. Porém, destaca também que durante todo o
tempo de domínio da educação da infância brasileira nunca foi criada nenhuma instituição
destinada à educação para as crianças desvalidas e desamparadas. Nenhum exposto
jamais pode frequentar os colégios jesuítas. A autora aponta ainda que no período colonial
nem o Estado nem a Igreja assumiram diretamente a assistência aos pequenos
abandonados. Atuavam indiretamente, apenas com o controle legal e jurídico, apoios
financeiros esporádicos e diversos outros estímulos. Era a sociedade civil organizada que
se preocupava e se compadecia com a situação da criança desvalida e sem família. Este
fenômeno era visto como falta de sorte dos enjeitados, como denominados na época.

É no período colonial, século VXIII, afirma Rizzini, Irma (2004) apud Marcílio (1997b,
p. 52), que a Santa Casa de Misericórdia tem a iniciativa de criar uma modalidade de
atendimento a bebês abandonados de longa duração. A Roda de Expostos é instalada no
Brasil e será extinta somente no período republicano. As primeiras cidades brasileiras a
instalarem as Casas de Expostos foram: Salvador, Rio de Janeiro e Recife. Este modelo de
atendimento mantinha em sigilo o autor ou autora do abandono. Surgiram outras dez
Rodas de Expostos no país até o século XIX, mantendo-se este sistema até meados do
século XX. Este sistema evitava que bebês fossem abandonados nas ruas e nas portas
das igrejas por mães que buscavam ocultar a desonra de gerar um filho ilegítimo, como era
visto pela sociedade da época, ou que não tinham condições de criá-lo.

Enquanto surgiam muitas Rodas de Expostos no Brasil, segundo Rizzini, Irma (2004),
estas estavam sendo eliminadas na Europa pelos higienistas e reformadores, motivados
pela alta mortalidade e pela suspeita de promover o abandono de crianças. Freitas (2003)
considera a roda dos expostos uma das instituições brasileiras de mais longa vida,
sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História. Marcílio (1989) nos traz uma rica
reflexão referente à fase caritativa da assistência à infância abandonada, que durou até
meados do século XIX, quando diz que:
Do período colonial até meados do século XIX vigorou a fase que aqui dominada
de caritativa. O assistencialismo dessa fase tem como marca principal o
sentimento da fraternidade humana, de conteúdo paternalista, sem pretensão a
mudanças sociais. De inspiração religiosa, é missionário e suas formas de ação
privilegiam a caridade e a beneficência. Sua atuação se caracteriza pelo
imediatismo, com os mais ricos e poderosos procurando minorar o sofrimento dos
mais desvalidos, por meio de esmolas ou das boas ações – coletivos ou
individuais. Em contrapartida, esperam receber a salvação de suas almas, o
paraíso futuro e, que aqui na terra, o reconhecimento da sociedade e o status de
beneméritos. Ideologicamente, procura-se manter a situação e prevalecer à
ordem, propagando-se comportamentos conformistas. (MARCÍLO, 1998, P.
134).

Já no governo Imperial, a forma de assistência à infância no Brasil foi a de inserir as


crianças das classes pauperizadas, em especial os desvalidos, na formação profissional
para os meninos, como a Companhia de Aprendizes Marinheiros, funcionando como
escolas do tipo internato. Estes meninos, quando ainda crianças, eram treinados e
enviados aos navios de guerra, sendo um número maior do que o de soldados e
voluntários adultos (Rizzini, Irma, 2004). Enquanto isso as meninas eram ensinadas e
preparadas para serem donas de casa; aprendiam sobre educação do lar e enxoval e seu
dote era pago pelo presidente da Província ao seu pretendente. (Dias, 1989 [1852], p. 256
apud Rizzini, Irma 2004).

Ainda no regime Imperial, sobre o acolhimento institucional de crianças no Brasil,


Rizzini, Irma (2004) trazem a informação de que neste período também foram criados
internatos masculinos e femininos nas aldeias indígenas com a intenção de afastá-los dos
seus costumes, inseri-los a cultura e idioma português, para que assim o Estado
conquistasse os seus territórios.

Rizzini, Irma, (2004) informam que em relação aos filhos de pessoas negras
escravizadas não foi encontrada nos registros históricos a informação de ter existido
alguma instituição específica para eles. O que se sabe é que não era comum serem
acolhidos, pois eram submetidos aos domínios dos senhores, isso já após a Lei do Ventre
Livre (1871) – que permitia aos senhores mantê-los sob servidão até a idade de 21 anos. A
ideia era a de “educá-los”. A outra possibilidade era os senhores poderem entregá-los ao
governo Imperial, mediante indenização.
Rizzini, Irma (2004) ainda discutem a especialização dos serviços de assistência e
justiça no período republicano em relação à criança desvalida. Segundo as autoras, ao
mudar o regime político, o Brasil já possuía uma vasta experiência na assistência à infância
desvalida. Enquanto no período imperial o tratado da infância desvalida se deu na
formação da força de trabalho, nesse regime, dado no século XX, surge um novo marco na
forma de tratar a infância no Brasil, baseado na identificação e no estudo das categorias
necessitadas de proteção e reforma, visando um melhor aparelhamento institucional capaz
de “salvar” a infância brasileira neste período.

No governo ditatorial de Getúlio Vargas, em 1941, foi instalado o malfadado SAM-


Serviço de Assistência ao Menor (Rizzini, Irma, 2004). Nogueira Filho (1956) apud Rizzini,
Irma (2004, p. 34) dizem: “Em termos rudes, a realidade é que o SAM entrega mais de uma
dezena de milhar de menores por ano a terceiros, para que cuidem de sua vida e
educação, sem a mínima garantia jurídica de que lhes seja dispensado um trato
razoavelmente humano”.

De acordo com Carneiro (1966) apud Rizzini, Irma (2004), em 1964, na Ditadura
Militar, é instituído a FUNABEM – Fundação do Bem-Estar do Menor, com a proposta anti-
SAM em 1966, sendo o SAM considerado um sistema corrupto, depósito de menores -
termo histórico, ideologicamente usado para segregar, excluir e marginalizar as crianças e
adolescentes pobres. Sistema utilizado até a atualidade, agora, as crianças ficavam sob
responsabilidade dos Juizados de Menores, onde os pais eram estimulados a se livrarem
da responsabilidade de criarem seus filhos, havendo até campanha televisiva para isso.
A Política do Bem-Estar do Menor, com a instauração da FUNABEM, vem com
objetivos mais humanos em relação aos cuidados das crianças que se encontravam sob
responsabilidade do Estado. (Rizzini, Irma, 2004).

A culpabilização da família pelo “estado de abandono do menor” não foi uma


criação da Política Nacional de Bem-Estar do Menor, engendrada nos primeiros
anos da FUNABEM. As representações negativas sobre as famílias cujos filhos
formavam a clientela da assistência social nasceram junto com a construção da
assistência à infância no Brasil. A ideia de proteção à infância era antes de tudo
proteção contra a família. Foi, sobretudo, a partir da constituição de um aparato
oficial de proteção e assistência à infância no Brasil, na década de 1920, que as
famílias das classes populares se tornaram alvo de estudos e formulação de
teorias a respeito da incapacidade de seus membros em educar e disciplinar os
filhos. (RIZZINI, IRMA, 2004, P. 39).

Eram as famílias que acionavam o acolhimento dos filhos na antiga FUNABEM, pois
foi instituída a ideia de que a instituição era um lugar seguro, onde seus filhos iriam estudar
comer, vestir bem e sair de lá com uma formação profissional. As famílias procuravam a
instituição para o controle dos filhos rebeldes. Elas conseguiam internar mais de um filho, e
havia casos de todos os irmãos serem internados, considerando que na época as famílias
tinham um número maior de filhos. (Rizzini, Irma, 2004)

O fato de essas famílias serem pobres não era levado em consideração, relatam
Rizzini, Irma (2004), por haver um discurso culpabilizador de que as mesmas queriam se
livrar dos filhos. Ressaltam ainda que essas crianças vinham de mães solteiras,
empregadas domésticas que tinham relações afetivas instáveis. Este fenômeno social era
visto como disfunção familiar – existindo até autores engajados em provar a insensibilidade
e a indiferença das mães solteiras para com os filhos.
Tendo em vista a dificuldade para encontrar referenciais que abordem a questão
racial e de gênero na reconstrução histórica dessa problemática, cabe aqui trazer o recente
e necessário estudo realizado por Teixeira (2016) no livro “Discriminação Racial é Sinônimo
de Maus-tratos – a importância do ECA para a proteção de crianças negras”, no qual se
discute a adoção de crianças negras e o enfrentamento ao racismo na Infância e
inevitavelmente se questiona o antecedente da adoção: a destituição do poder familiar.
Nesse sentido, destaca-se que

Em alguns dos capítulos mais cruéis da história brasileira, são conhecidas as


trajetórias das chamadas “amas - de leite”, ou seja, mulheres que, por
necessidades, trabalhavam como provedoras do leite materno para filhos de
outras mães, ao sacrifício, muitas vezes, da provisão desse alimento, tão
essencial para o desenvolvimento infantil, aos seus próprios filhos. A imagem que
ilustra essa atividade é a famosa “mãe preta”, escravizada, com uma criança
branca ao colo. O que no mais das vezes se omite é a trajetória dessas mulheres
à época, privadas, ante as circunstancias, do direito a alimentar e conviver
minimamente com seus próprios filhos, os quais não raramente acabavam
abandonados à própria sorte ou às chamadas rodas dos expostos, com vistas à
aquisição da liberdade e de uma vida em melhores condições socioeconômicas.
Figura 1 - AUGUSTO Gomes Leal com a Ama-de-Leite Mônica.

Ainda de acordo com as autoras, as vagas na FUNABEM eram preenchidas, muitas


vezes, por meio de indicações dos patrões quando esta mãe solteira e empregada
doméstica além de ter baixo salário era obrigada a dormir no trabalho.

A legislação menorista confirmava e reforçava a concepção da


incapacidade das famílias pobres em educar seus filhos. O novo Código de
Menores, instaurado em 1979, criou a categoria de “menor em situação
irregular”, que, não muito diferente da concepção vigente no antigo Código
de 1927, expunha as famílias populares à intervenção do Estado, por sua
condição de pobreza. A situação irregular era caracterizada pelas condições
de vida das camadas pauperizadas da população, como se pode ver pelo
artigo 2º da lei nº 6.697/79. Os amplos poderes mantidos aos magistrados
não demoraram a ser questionados e combatidos pelos movimentos sociais,
com a transição democrática. (RIZZINI, IRMA, 2004, P. 41).
Jesus (2007) apresenta um rico testemunho dessa realidade da legislação menorista,
denominada popularmente na época como juizado de menores, em seu primeiro livro
publicado, “Quarto de despejo – diário de uma favelada”, escrito entre 1955 e 1960 ao
contar que:
[...] Quando eu estava preparando-me para sair a Dona Alice veio dizer que dois
meninos do Juiz estava vagando aqui na favela. Fui ver. Estavam com roupas
amarelas. Descalços e sem camisa. Só com aquele blusão em cima da pele. Eles
estavam desorientados. Perguntei se queriam café. Responderam que não. [...]
Contaram-me os horrores do Juizado. Que passam fome, frio e que apanham
initerruptamente. [...] Quando eles saíram olharam o número do meu barracão e
pediu-me que para não internar o João que a comida é deficiente. [...] Os meus
filhos ficaram horrorizados com a narração dos fugitivos. Decidi não internar o
João porque ele tem apetite. [...] Penso: porque será que os meninos fogem do
Juizado e vem difamando a organização? Percebi que no Juizado as crianças
degrada moral. Os Juízes não tem capacidade para formar o caráter das crianças.
O que é que lhes falta? Interesse pelos infelizes ou verba do Estado? (Jesus,
2007, pág.: 88)

Freitas (2003) colabora com essa reflexão quando diz que no final do século XX a
infância tornou-se uma questão cáustica para o Estado, para as políticas não
governamentais e para diversas áreas envolvidas direta ou indiretamente com este
“problema”. Aponta, assim, que neste período se intensificou o fenômeno das crianças,
denominadas de turma e/ou bando, que deixavam suas casas e suas famílias pela rua,
forçados pela sobrevivência nas grandes cidades e que, consequentemente, eram levadas
à marginalidade social e à morte prematura, por desnutrição ou pela violência.

1.1 – Referências legais de proteção à infância, à adolescência e à família após a


redemocratização do país e a política pública de Assistência Social como principal
executora dessa proteção estatal

Rocha, Castilho (2015), no artigo intitulado “O Tratamento da Infância e Juventude na


História Brasileira: Trabalho, Abandono e Criminalização”, refletem que a história social da
infância no Brasil, em especial das classes sociais menos favorecidas, pode ser
considerada como uma lamentável e violenta realidade a ser superada. Ressaltam também
que a criança, que hoje é reconhecida ao menos formalmente pela Constituição Federal de
1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, nem sempre teve esta garantia
ou qualquer estatuto subjetivo na história da sociedade brasileira. Dizem ainda que:

No que tange as famílias dessas crianças e adolescentes, também deixam elas,


ao menos formalmente, de ser culpabilizadas exclusivamente pela situação
irregular de seus filhos e filhas, tal como se dava com sob a égide da antiga
Doutrina da Situação Irregular. A Constituição e o Estatuto surgem como
indicadores de uma “proposta política e social para a infância e juventude,
colocando lado a lado a família, a sociedade e o Estado como corresponsáveis
pela dignidade e pelos direitos dessa parcela da população”. (Rocha, Castilho,
2015: 10 – Apud: Sandrini, 1997: 77).

Na CF/88, através do seu artigo 2262, o Estado brasileiro legitima a centralidade da


família e assume a sua responsabilidade para com a mesma, passando a entender como
entidade familiar a comunidade formada por qualquer um dos pais, bem como de seus
descendentes. O art. 2273 traz um novo marco para a história dos direitos da criança e do
adolescente, legitimando-os como prioridade absoluta, reconhecendo que a sua proteção é
dever da família, da sociedade e do Estado, dentre outros avanços constitucionais em
direitos sociais conquistados com a redemocratização do país através da mobilização
popular
É através da Carta Magna que se criam as bases para a elaboração do ECA, o qual
preconiza e regulamenta todo o direito inerente às crianças e aos adolescentes brasileiros
ou naturalizados. Assim, são consideradas crianças aqueles indivíduos na faixa etária de 0
a 12 anos e adolescentes aqueles de 12 a 18 anos incompletos e passe-se a econhecê-los
como sujeitos de direitos, reforçando o que expressa a CF em relação ao reconhecimento
do dever da família e a responsabilidade da sociedade e do Estado em assegurar tais
direitos. Com isso, tem-se também um novo ordenamento na prestação do serviço de
acolhimento - antigos abrigos - agora como medida protetiva, provisória e excepcional,
tendo como ideal a reintegração familiar, como expressa o art. 19 e 23 do ECA.

2
Art. 226 – A família, base da sociedade, tem total proteção do Estado.
3
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao
jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, a dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e
comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
Em 1993 é incluído na CF/88 o art. 203, a Lei Orgânica da Assistência Social –
LOAS, LEI Nº 8.742/93 – alterada pela Lei nº 12.435/ 2011 - prevista para quem dela
necessitar - sem haver necessidade de contribuição à Seguridade Social - e tendo como
principais objetivos, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice. Estabelece também a garantia ao BPC – Benefício de Prestação Continuada, que
se trata de um salario mínimo mensal, tendo direito à pessoa portadora de deficiência e
idoso que não tenha como prover seu sustento.
Em 2004, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), a
Política Nacional de Assistência Social (PNAS), com o objetivo de efetivar os direitos
previstos na CF/88 e na LOAS/93. Em 2005, temos a consolidação do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), que organiza a Política de Assistência Social em Proteção
Social Básica, que deve ser elaborada no intuito da prevenção das vulnerabilidades sociais
e na Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, que são situações onde os
vínculos familiares e/ou comunitários estão fragilizados ou esgarçados, pressupondo a
articulação da rede socioassistencial com as demais políticas públicas e com o Sistema de
Garantia de Direitos (SGD) 4. Na sequência, aprova-se o NOB/SUAS que estabeleceu
parâmetros para a operacionalização do SUAS em todo o território nacional. E em 2006 foi
aprovada a NOB-RH, estabelecendo novos aspectos, dentre eles os parâmetros de nível
nacional para a composição das equipes que devem atuar nos serviços de acolhimento.
(Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes, 2009).5
De acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistencias (2009) 6 as
novas características com a organização do SUAS na Política de Assistência Social são as
seguintes:

✔ Matricialidade sócio familiar;

4
“O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e
integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos
normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação
dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal”
(Resolução do CONANDA sobre os parâmetros para a institucionalização do SGD, Nº 113, de
19/04/2006).
5
Disponível em: https://www.mds.gov.br/cnas/noticias/orientacoes_tecnicas_final.pdf
6
Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdf
✔ Descentralização Político-administrativa e territorialização;
✔ Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil;
✔ Financiamento;
✔ Controle Social;
✔ O desafio da participação popular/cidadão usuário;
✔ A Política de Recursos Humanos;
✔ A informação, o monitoramento e a Avaliação da mesma.

Dentre as características da Política de Assistência Social citadas a cima, é essencial


refletir nesta pesquisa sobre um dos eixos estruturantes desta política que é a
matricialidade sócio familiar, bem como o entendimento de família para a execução desta
Política Pública.

O reconhecimento da importância da família no contexto da vida social está


explícito no artigo 226, da Constituição Federal do Brasil, quando declara que a:
“família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, endossando,
assim, o artigo 16, da Declaração dos Direitos Humanos, que traduz a família
como sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade, e com direito à
proteção da sociedade e do Estado. No Brasil, tal reconhecimento se reafirma nas
legislações específicas da Assistência Social – Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA, Estatuto do Idoso e na própria Lei Orgânica da Assistência
Social – LOAS, entre outras. (Política Nacional de Assistência Social –
PNAS/2004)

De acordo com Teixeira (2009), em seu estudo sobre “Família na Política de


Assistência Social: avanços e retrocessos com a matricialidade sociofamiliar”, desde os
anos 90, assiste-se a uma mudança na condução da política social, em que a família
assume centralidade, como na Política de Assistência Social.

[...] embora haja o reconhecimento explícito sobre a importância da família na vida


social e, portanto, merecedora da proteção do Estado, tal proteção tem sido cada
vez mais discutida, na medida em que a realidade tem dado sinais cada vez mais
evidentes de processos de penalização e desproteção das famílias brasileiras.
Nesse contexto, a matricialidade sócio familiar passa a ter papel de destaque no
âmbito da Política Nacional de Assistência Social – PNAS. Esta ênfase está
ancorada na premissa de que a centralidade da família e a superação da
focalização, no âmbito da política de Assistência Social, repousam no pressuposto
de que para a família prevenir, proteger, promover e incluir seus membros é
necessário, em primeiro lugar, garantir condições de sustentabilidade para tal.
Nesse sentido, a formulação da política de Assistência Social é pautada nas
necessidades das famílias, seus membros e dos indivíduos. ( PNAS/2004)
Teixeira (2009) aponta também para as contradições nesse princípio da matricialidade
sociofamiliar que podem levar a retrocessos, pois a função protetiva da família para com a
criança e o adolescente estabelecido na PNAS e SUAS exige que a família cumpra suas
funções de proteção social. Logo, pressupõe-se o reforço das funções de guarda,
socialização, cuidado, proteção, apesar de reconhecer o contexto de vulnerabilidade em
que se encontram. Assim, não apenas reforçam-se as responsabilidades familiares, como
há também a expectativa de que a família cumpra funções tradicionais e ideais.

Segundo Marques (2016), em sua tese de mestrado intitulada: “A Matricialidade


Sociofamiliar na Política de Assistência Social: As Diferentes Perspectivas e Interpretações
Teóricas no Serviço Social”, “a matricialidade sociofamiliar, enquanto eixo estruturante do
SUAS, é um tema recente no universo teórico e, ao mesmo tempo, instigante devido à sua
influência para a execução da Política de Assistência Social no País”.
A autora afirma ainda que não há um único direcionamento e uma única leitura nas
produções do Serviço Social sobre o referido conceito, visto que surgem concepções
distintas e convergentes.
De acordo com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2004), a
Política de Assistência Social organiza-se da seguinte forma:

Proteção Social Básica:

1. Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF);


2. Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos;
3. Serviço de Proteção Social Básica no Domicílio para
Pessoas com Deficiência e Idosas.

Proteção Social Especial:

Média Complexidade
1. Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI);
2. Serviço Especializado em Abordagem Social;
3. Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa
de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC);
4. Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas
Famílias;
5. Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua;

Alta Complexidade
6. Serviço de Acolhimento Institucional;
7. Serviço de Acolhimento em República;
8. Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
9. Serviço de proteção a pessoas em situações de calamidades públicas e de emergências.

De acordo com a PNAS (2004), a Proteção Social Básica deve ser prestada no
equipamento estatal, Centro de Referência de Assistência Social – CRAS, onde deve ser
oferecido o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF). Nele, deve-se
oferecer acolhida, acompanhamento e apoio às famílias, na perspectiva da prevenção da
ruptura dos laços, promovendo a convivência familiar e comunitária, bem como o acesso
aos direitos, contribuindo assim na melhoria da qualidade de vida dos sujeitos.

Enquanto a Proteção Social Especial é ofertada pelo equipamento estatal, Centro de


Referência Especializado de Assistência Social – CREAS. É no CREAS que deve ser
ofertado a Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI), sendo o
serviço direcionado às famílias e indivíduos que estão em situação de risco social e/ou
tiveram seus direitos violados, oferecendo-os apoio, orientação e acompanhamento para a
superação de tais situações, através da promoção de direitos, preservação e fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários, por ora fragilizados ou rompidos.

Ainda de acordo com a PNAS 2004, a proteção social básica tem como objetivos
prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições,
e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Ela é destinada à população que
vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação, como ausência
de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros, e/ou, fragilização
de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social, bem como discriminações
etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras.

A Proteção Social Básica deve prever o desenvolvimento de serviços, programas e


projetos locais de acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos,
conforme identificação da situação de vulnerabilidade apresentada. Os programas e
projetos são executados pelas três instâncias de governo e devem ser articulados dentro
do SUAS. (PNAS 2004).

Enquanto a Proteção Social Básica deve intervir na perspectiva da prevenção de


riscos sociais através do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e do
provimento dos mínimos sociais, ainda com base na PNAS 2004, a Proteção Social
Especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que
se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus
tratos físicos e/ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento
de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras.

São serviços que requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas


soluções protetivas. Da mesma forma, comportam encaminhamentos monitorados,
apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade
na reinserção almejada.
Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de garantia
de direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com
o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo.
(PNAS 2004).

A Proteção Social Especial é organizada no SUAS e na PNAS de acordo com a


complexidade das demandas. Na Proteção Social Especial de Média Complexidade são
considerados serviços que oferecem atendimentos às famílias e indivíduos com seus
direitos violados, mas cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos. Neste
sentido, requerem maior estruturação técnico operativa e atenção especializada e mais
individualizada, e/ou, de acompanhamento sistemático e monitorado, serviços estes como
já destacados anteriormente. Já os serviços de Proteção Social Especial de Alta
Complexidade são aqueles que garantem proteção integral – moradia, alimentação,
higienização e trabalho protegido - para famílias e indivíduos que se encontram sem
referência e/ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirada de seu núcleo familiar
e/ou, comunitário, como já expresso a cima.

Este primeiro capítulo mostra que o afastamento de crianças e adolescentes do


convívio familiar é uma questão histórica na sociedade brasileira. Uma herança da
colonização. Sendo assim - com base na reflexão do levantamento histórico realizado
neste primeiro capítulo -, vale reforçar que, essa pratica de institucionalizar crianças tem
início com os filhos dos escravocratas e no decorrer dos tempos, devido a fatores
ideológicos, políticos e econômicos, se destina a população pobre e consequentemente
negra. Serão, sobretudo, filhos e filhas de mulheres negras mães solos, no presente, e
amas-de-leite, no passado, sendo que estas últimas eram condicionadas a deixarem de
amamentarem e criarem seus filhos para assim cuidarem dos filhos das pessoas da
classe abastada da sociedade. Enquanto isso, os filhos dessas mulheres ficavam a mercê
da sorte ou destinados à roda dos expostos, sem convivência familiar alguma, o que logo
esgarça o vínculo afetivo e futuras reproduções de rompimentos familiares da população
negra, como é percebido na atuação profissional dos Assistentes Sociais.

Essas mães ainda eram convencidas da ideia de que este era o melhor a fazer
por seus filhos para assim terem um futuro melhor, e ao mesmo tempo eram culpabilizadas
e julgadas como insensíveis aos filhos, havendo até autores engajados em provar esse
fenômeno como uma “disfunção-familiar”.

Como vimos, após a redemocratização do país, houve diversos avanços da ideia


caritativa cristã da filantropia para a perspectiva de direitos e construção de políticas
públicas de responsabilidade do Estado, em relação à prática do afastamento do poder
familiar de crianças e adolescentes.

Por último, foi acentuado que a Política de Assistência Social, que é fundamentada
na CF, organizada pelo SUAS em Proteção Básica – que deve intervir na perspectiva da
prevenção de riscos sociais através do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários
e do provimento dos mínimos sociais - e Proteção Especial de Média Complexidade - onde
são considerados serviços que oferecem atendimentos às famílias e indivíduos com seus
direitos violados, mas cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos - e a Alta
Complexidade – são ações e serviços para famílias e indivíduos que se encontram sem
referência e/ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirada de seu núcleo familiar
e/ou, comunitário, ou seja, sujeitos com o vínculo familiar rompido -. A Política de
Assistência Social tem como princípio norteador das ações e intervenções a Matricialidade
sociofamiliar. Esta política deve-se articular com o todo o Sistema de Garantia de Direitos
como o poder Judiciário, o Conselho Tutelar, a Saúde, a Educação, a Previdência Social,
dentre outros órgãos estatais necessários, na perspectiva da proteção as crianças e
adolescentes, que são prioridade absoluta, bem como de suas famílias.

A prevenção da suspensão do poder familiar de crianças e adolescentes é um dos


desafios da Política de Assistência Social e de toda a rede socioassistencial, evitando
assim a judicilaização das relações familiares, sendo resolvidas na esfera social. No
entanto, este fazer profissional requer um olhar aprofundado a todas as questões que
envolvem essa demanda, para que assim não ocorram intervenções com base na
superficialidade dos casos que chegam muitas vezes nestes equipamentos com rótulos
que determinam algumas ações, como a decisão pela suspensão do poder familiar por uma
denúncia de negligência por parte de seu responsável, por exemplo, mulher negra, mãe
solo, sem emprego formal e sem rede familiar. É certo que a criança/adolescente deve ser
protegida com prioridade, mas o olhar para essa mãe não deve ser moralista e punitivista,
mas de acolhida as suas demandas, levando em conta todas as questões que envolvem a
prática da denominada negligência praticada por esta mãe, com tantos estigmas sociais
como gênero, raça e classe que a levam a marginalização, estigmas estes, muitas vezes
reproduzidos pela rede de atendimento.

Ainda é um grande desafio encontrar produções do Serviço Social e áreas afins


que aborde o afastamento do poder familiar com uma análise interseccional aos fatores
estruturantes da sociedade brasileira como gênero, raça e classe. Do mesmo modo, as
legislações que tratam da proteção à infância, à adolescência e à família também não lidam
com um entendimento de que essas pessoas têm suas vidas atravessadas por diversas
discriminações. Logo, o desafio do segundo capítulo desta pesquisa é realizar um breve
levantamento de como está ocorrendo o afastamento do poder familiar na atualidade após
os avanços apontados neste primeiro capítulo, discutindo aspectos da interlocução das
categorias gênero, raça e classe nesse processo.
CAPÍTULO 2 - REFLEXÕES ACERCA DA INTERSECÇÃO ENTRE RAÇA,
GÊNERO E CLASSE SOCIAL NA MEDIDA DE AFASTAMENTO DO
PODER FAMILIAR DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Este capítulo pretende analisar a intersecção entre raça, gênero e classe social no
processo de afastamento do poder familiar de crianças e adolescentes, sendo esta a
discussão central em torno do objeto da pesquisa aqui apresentado. Assim, inicia-se pela
problematização do afastamento do poder familiar como medida protetiva, excepcional e
provisória com vista à reinserção familiar. Na sequência, passa-se pela conceituação de
interseccionalidade de Kimberle Crenshaw. Ao final, apresentam-se algumas reflexões
acerca da interlocução proposta, com base no que o levantamento bibliográfico apontar,
sendo este o método de pesquisa utilizado.

Como dito no capítulo anterior, a CF/88 e o ECA/90 trazem um novo marco para as
crianças e adolescentes brasileiras, agora considerados como sujeitos de direitos e em
desenvolvimento. Estas legislações nacionais ratificam ainda a proteção integral para as
crianças e adolescentes, devendo ser exercido por parte da família, da sociedade e do
Estado. Rompe-se, ao menos legalmente, com a ideia pejorativa de “menor” e de que é
melhor os filhos de pessoas pobres estarem sob o poder do Estado para o
desenvolvimento desses sujeitos, como foi trazido no levantamento histórico do primeiro
capítulo. Agora, a família, que deve ser amparada pelo Estado através das Políticas
Públicas.

Dentre as diversas mudanças trazidas pelo ECA, uma das principais e mais
importantes, no que tange à esta pesquisa, está expressa no Capítulo III do referido
estatuto que dispõe sobre o Direito a Conivência Familiar e Comunitária como direito
fundamental da criança e do adolescente. O Art.º 19 do referido Capítulo diz que toda
criança e adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família - natural ou
extensa- e excepcionalmente, em família substituta (adotiva), assegurada a convivência
familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de
substâncias entorpecentes. No Inciso 1º do Art.º. 19 está expresso que toda criança ou
adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá
sua situação reavaliada a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária
competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou
multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar
ou colocação em família substituta ( adoção), em quaisquer das modalidades previstas
pelo Art. 28 desta Lei. O inciso 2º expressa que a permanência da criança e do
adolescente em programa de acolhimento não se prolongará por mais de 2 (dois) anos,
salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente
fundamentada autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). O inciso 3º diz
que a manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família de origem terá
preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em
programas de orientação e auxílio. (Incluído pela Lei nº 12.010 de 2009).

A Nova Lei de Adoção - LEI Nº 12.010/09, que altera alguns artigos do ECA, veio no
intuito de aperfeiçoar os dispostos na Lei 8.069/90 – ECA, em relação à garantia ao direito
à convivência familiar, sendo direito de todas as crianças e adolescentes, como citado
anteriormente. A Nova Lei de Adoção reafirma que, em caso de criança e adolescente com
suspensão do poder familiar, esta que deve ser provisória, seja em serviço de acolhimento
familiar ou institucional. O encaminhamento para a adoção deve ocorrer somente após
tentadas todas as possibilidades de reinserção na família de origem ou família extensa,
determinando que o prazo seja de até 2 (dois) anos.

O Art.º 23 do ECA dispõe que a falta ou carência de recursos materiais não constitui
motivo suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar. O parágrafo único do art. 23
orienta que não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a
criança ou adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá
obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. O Art.º 24 promulga que a
perda ou suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento
contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de
descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e


Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2004) é instaurado, como política de
Estado, a fim de reafirmar os dispositivos da CF e do ECA no que diz respeito a este direito
fundamental – a convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes -,
pretendendo com sua execução, materializá-lo, alcançando resultados programáticos.
Dentre os dados e reflexões que propõe este documento a acerca deste direito, vale
destacar o seguinte:
A realidade mostra, entretanto, que a pobreza ou carência de recursos
materiais não é suficiente para explicar com profundidade o fenômeno da
violação de direitos da criança e do adolescente. A violência cometida
contra a população infanto-juvenil não ocorre em todas as famílias que são
pobres, assim como não é verdade que crianças e adolescentes oriundos
de famílias de classes de renda mais elevadas estejam livres da vivência
de maus tratos e da violação de direitos cometidos por seus familiares.
Assim, é necessário buscar outros fatores explicativos para a incidência da
violência contra crianças e adolescentes no âmbito familiar. (Plano
Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária, 2004, pág.: 44 e 45). 7

Kaloustian (2002), em “Família Brasileira, a base de tudo” traz um importante


debate que dialoga muito com o objeto desta pesquisa e, sobretudo complementa a
problematização citada anteriormente, contida no Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à convivência Familiar e
Comunitária. O autor diz que os fatos históricos mostram que a escravidão afetou
diretamente a construção cultural das famílias, pois o autoritarismo e a violência
vivenciados em tal época são responsáveis pela separação entre casais, pais e
filhos e outros parentes, provocando perda de vínculos irreversíveis. Afirma que a
escravidão marcou a sociedade brasileira e que além das dificuldades e limites

7
Disponível em:
https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Plano_Defesa_Crianca
sAdolescentes%20.pdf
internos, as famílias ainda sofrem com as contradições da sociedade capitalista
sendo excluída dos seus direitos relativos à cidadania.

Diante dessas considerações em relação à realidade das famílias brasileiras, e


considerando que a maior parte da população do país é negra, a problematização
especifica aqui levantada está em torno da necessidade de se olhar todas as
questões envolvidas no processo de afastamento do poder familiar. As intervenções,
desse modo, devem levar em conta todas as contradições da sociedade brasileira,
não resumindo sua atuação a uma dimensão legalista, moralista, individualista e
pontual. Vale dizer ainda que as críticas às políticas públicas, projetos e programas
sociais apontados nesta pesquisa não são no sentido de afirmarem a não existência
deles, mas sim de provocar a reflexão para a melhoria e responsabilidade na sua
execução.
A questão, dessa forma, é fazer valer os princípios dos documentos e instrumentos
que regulamentam o processo analisado. Por exemplo, de acordo com o documento
Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (2009),
elaborado com base no ECA e na PNAS e no SUAS, os serviços de acolhimento para
crianças e adolescentes deverão estruturar seu atendimento de acordo com os seguintes
princípios:

1- Excepcionalidade do afastamento do convívio familiar: Onde todos os esforços devem


ocorrer a fim de manter o convívio com a família (nuclear ou extensa, em seus diversos
arranjos), a fim de garantir que o afastamento da criança/adolescente do contexto familiar
seja uma medida excepcional, aplicada apenas nas situações de grave risco à sua
integridade física e/ou psíquica. [...]
2- Provisoriedade do Afastamento do Convívio Familiar: Quando o afastamento do convívio
familiar for medida mais adequada para se garantir a proteção da criança/adolescente em
determinado momento, esforços devem ser empreendidos para viabilizar, no menor tempo
possível, o retorno seguro ao convívio familiar, prioritariamente na família de origem e,
excepcionalmente, em família substituta (adoção).
3- Preservação e Fortalecimento dos Vínculos Familiares e Comunitários: é o princípio de que
todos os esforços devem ser empreendidos para preservar e fortalecer vínculos familiares
e comunitários das crianças e dos adolescentes em situação de acolhimento. Esses
vínculos são fundamentais, nessa etapa do desenvolvimento saudável, que favoreça a
formação de sua identidade e sua constituição como sujeito e cidadão.

Neste mesmo sentido, Svicero (2010) reflete que a legislação atual reconhece a família
como o espaço ideal e privilegiado para o desenvolvimento integral dos indivíduos e
assegura também o direito da criança e do adolescente à convivência familiar e
comunitária. Porém, a autora considera que ao mesmo tempo ainda vigora uma cultura da
institucionalização de crianças e de adolescentes, como afirma a seguir:

O encaminhamento de crianças e de adolescentes para abrigos, ainda é o


procedimento mais utilizado nos casos cujas famílias enfrentavam momentos
difíceis em seu percurso de vida. Desta forma crianças e adolescentes
provenientes de famílias pobres, desprotegidas pelo Estado e desassistidas pelas
políticas públicas, vivem sob a ameaça do seu direito à convivência familiar ser
violado, uma vez que aumenta a possibilidade de seu afastamento do ambiente
familiar (VOLIC, 2006, p.2 apud SVICERO, 2010, p. 10).

Enquanto Barros, Barros e Freitas (2014), no artigo “A influência da Lei


12.010/2009 para a judicialização das relações sociais e seus efeitos na vida de
mulheres na cidade de Niterói/RJ A Lei 12.010/2009” da Revista O Social em
Questão, avalia que a Lei que trata da Convivência Familiar e Comunitária para
crianças e adolescentes, que ficou nacionalmente conhecida como “Lei da Adoção”,
e que, segundo as autoras, promove a judicialização das relações sociais
manifestada sensivelmente no tratamento dado e na necessidade de se obter
respostas rápidas que nem sempre atendem aos interesses das famílias e das
crianças e adolescentes envolvidos. As autoras refletem ainda que a negligência
imputada frequentemente às mulheres pobres tem um viés perverso e sexista que,
muitas vezes, confirma discriminações e exclusões.
O Levantamento Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento
(2009-2010), realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a
Fome – MDS, em parceria com a Fiocruz, aponta os motivos documentados do
ingresso da criança/adolescente na unidade de acolhimento no termo de
acolhimento ou outro documento. Os motivos catalogados, dentre outros, são os
seguintes: negligência (37,6%); pais dependentes químico (20,1%); ausência dos
pais ou responsáveis por doença 19,0%; carência de recursos materiais (9,7%);
situação de rua (10,1%); Ausência dos pais ou responsáveis por prisão 4,5%.
É importante refletir sobre esses dados com olhar crítico e sem juízo de valor.
A equipe técnica Interprofissional do serviço, seja acolhimento institucional ou
familiar, ao receber um novo acolhimento deve realizar escuta qualificada com a
criança/adolescente e na sequencia buscar a família para entender a sua realidade
independente do que consta no termo de acolhimento por parte do órgão que
determinou o acolhimento (Conselho Tutelar, CREAS ou determinação judicial pela
Vara da Infância e Juventude). Além disso, deve realizar o PIA - Plano Individual de
Atendimento a ser enviado para a Vara da Infância e Juventude em até 30 dias após
o acolhimento, no qual deve constar, entre outras informações, a possiblidade ou
não da reinserção na família e as medidas a serem tomadas em cada caso.
Como os dados acima apontam, a maior parte dos casos que chegam aos
serviços de acolhimento é por motivo de negligência (37,6%). É necessário um
olhar crítico e sensível sobre o que o Sistema de Garantia de Direitos entende
por negligência, levando em conta os elementos históricos que permeiam a
institucionalização de crianças e adolescentes que, apesar do avanço com a CF, o
ECA e demais documentos oficiais e políticas públicas, ainda se assenta numa
lógica de acolhimento dos filhos de famílias pobres, em vez de diminuir a
desigualdade social. Essa compreensão, portanto, ainda pode ser reproduzida pela
rede que deveria oferecer proteção. Vale destacar ainda que o trabalho de
reaproximação da família com criança ou adolescente acolhido só não deve ocorrer
quando houver prévia decisão judicial de que a família apresenta risco à criança ou
ao adolescente. Ainda assim, a equipe deve ler os processos e discutir com a rede
para melhor entender a situação, e caso discordem da decisão, cabe sensibilizar a
autoridade judiciária.
Diante do dado e reflexão sobre o maior fator da medida de acolhimento ser
notificado por negligência, cabe aqui trazer a importante análise realizada por Eurico
(2018), ao utilizar um dos relatos reais de Carolina Maria de Jesus em sua primeira
obra literária “Quarto de Despejo” - sendo esta uma mulher negra, mãe solo de três
crianças, migrante e moradora da Favela do Canindé -, em sua tese de Doutorado
em Serviço Social intitulada “Preta, preta, pretinha: o racismo institucional no
cotidiano de crianças e adolescentes negras (os) acolhidas (os)”. Eurico analisa que
o fato relatado por Carolina em relação a deixar seus filhos sozinhos em casa para
catar papelão nas ruas da cidade e retornar para casa ao final do dia com a banha, o
feijão e o pedaço de carne pode ser considerado por diversos profissionais do
Sistema de Garantias de Direitos como negligência, ao invés de serem realizadas as
mediações necessárias na compreensão das particularidades daquela família. A
autora avalia que neste caso, trata-se de circunstâncias ligadas diretamente à
pobreza.
No entanto, é possível avaliar, diante do objeto dessa pesquisa, que, sendo
Carolina uma mulher negra, a pobreza em que está imersa relaciona-se diretamente
com os fatores de gênero e raça. Fatores estes que os profissionais devem levar em
conta nas intervenções e consequentemente nas formulações de políticas públicas.

A autora aponta ainda para o importante fato de que:

O modo de ser de cada família e seu grau de integração na vila, no bairro,


na comunidade e na sociedade impacta cada um de seus integrantes, ora
positivamente, ora negativamente, segundo parâmetros de análise que tem
como referência o modelo de família patriarcal burguesa. (Eurico, 2018,
pág.: 94).
Figura 2: DANTAS, Adálio - Carolina Maria de Jesus na Favela do Canindé,
em São Paulo, antes da publicação de seu primeiro livro “Quarto de Despejo”.

Marinho (2013), em seu artigo “Questões de gênero, etnia e geração: o


paradigma da convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes e a
realidade do acolhimento - desgarantias e sonhos” reflete com base em alguns
dados que a medida de acolhimento de crianças e adolescentes acontece,
majoritariamente, devido a problemas referentes às condições econômicas das
famílias, e a permanência das crianças e adolescentes nestes espaços se prolonga
devido à falta de programas que favoreçam sua reintegração familiar. Diz ainda que
as mudanças que afetam a vida das famílias estão fortemente vinculadas àquelas
que ocorrem na esfera pública. As condições sociais, advindas da inserção das
famílias como classe social, por exemplo, marcam suas histórias e suas trajetórias.

Dados de uma pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada


(2004) apontam que 100% das crianças e/ou adolescentes acolhidos eram oriundos
de famílias pobres e 90% de famílias negras. Nesta mesma perspectiva, Teixeira
(2016) observa com base em dados do IBGE (Síntese de indicadores Sociais, 2015),
que o impacto das adversidades socioeconômicas que acarretam o que é entendido
como abandono é mais comum para famílias negras, uma vez que 76% dos mais
pobres no Brasil são negros.
Em setembro de 2018, a Coordenação do Observatório da Vigilância
Socioassistencial - COVS - da Prefeitura de São Paulo realizou o “Estudo de
Atendimentos Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes”,
com o objetivo de subsidiar a gestão na tomada de decisões com relação à
execução do serviço. Foram analisadas as informações disponíveis nas Declarações
Mensais de Execução do Serviço (Demes) do último trimestre de 2017 e na extração
do Sistema de Informação do Atendimento aos Usuários (Sisa) referente ao mês de
julho de 2018 para analisar o perfil das crianças e adolescentes em acolhimento.
A extração dos dados deste formulário levanta diversas informações sobre
cada acolhido (a) que serve de subsídio aos técnicos de Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS), aos gerentes dos serviços, às Varas
da Infância e Juventude (VIJ) e ao Ministério Público nas ações de supervisão e
reordenamento dos casos. A referida pesquisa analisa estes dados com o objetivo
de qualificar as ações de reordenamento, na medida em que aprofunda o perfil dos
acolhidos. Dentre os diversos dados levantados pela pesquisa, vão ser utilizados
aqui os que mais fazem sentido ao objeto desta pesquisa: o perfil dos usuários por
modalidade de atendimento: distribuição por raça/cor.
A distribuição percentual dos acolhidos em SAICA regulares por raça/cor em
julho de 2018 se apresenta da seguinte forma: negros 68% (pretos 26% + pardos
42%); Brancos 31%; 1% indígena e 1% amarelos. Por sua vez, a distribuição
percentual dos acolhidos por raça/cor em SAICA de apoio, em julho de 2018, era a
seguinte: negros 84% (pretos 35% + pardos 49%); brancos 18% e amarelos 0%. Por
fim, a distribuição percentual de acolhidos por raça/cor em SAICA de 0 a 6 anos, em
julho de 2018: negros 48% (pretos 10% + pardos 38%); brancos 50%; e amarelo 3%.
Vale salientar que esses sistemas (Demes e Sissa) que foram utilizados na
pesquisa para este levantamento do perfil das crianças e adolescentes acolhidos
são preenchidos pelos profissionais, por vezes sem olhar a importância dessas
informações, preenchendo-as de acordo com as suas percepções, sobretudo no
caso das crianças de 0 a 6 anos. Nesse processo, não se leva em consideração, por
exemplo, as problemáticas em torno da declaração racial no Brasil que é
diretamente afetada pela ideologia do branqueamento da população. A
autodeclaração indígena em contexto urbano também é um desafio. As crianças e
adolescentes podem se autodeclararem ou serem lidos como brancos pela equipe
profissional devido ao processo de miscigenação, mas suas mães ou pais podem
ser negros ou indígenas e nem sempre é possível mapear essas informações.
É importante destacar os dados que aparecem no levantamento dos
chamados SAICA‟s de apoio na cidade de São Paulo, também conhecidos como
casas de passagem, que contam com 84% de negros. Sabe-se que para esses
espaços vão apenas adolescentes acima de 12 anos quando não há vaga em seus
territórios de origem ou quando geralmente já se perdeu o vínculo com o território e
a família. Normalmente, estão na dinâmica de acolhimento desde crianças e não
foram adotados, saem do serviço por conta própria ou ficam neste círculo rotatório
de entrada e saída dos SAICA‟s sem perspectiva de futuro, tornando-se um grande
desafio para a equipe desses serviços trabalharem a autonomia desses
adolescentes, tendo em vista a ineficácia das políticas públicas em outras etapas.
Os dados dos Serviços de Família Acolhedora não foram contemplados na
pesquisa mencionada acima, que tomou como referência somente os serviços de
acolhimento institucional, sendo que serviço de família acolhedora na cidade de São
Paulo está sendo implantado a princípio para atender a primeira infância (0 a 06
anos), por haver um entendimento de que ele seria um serviço mais humanizado
nessa fase da vida de uma criança. Portanto, é preciso olhar com senso crítico
esses dados, que são importantes, mas ainda não alcançam a totalidade da
realidade, que é complexa e perpassada diversas questões, como gênero, raça e
classe observados nesta pesquisa.
Fávero, Vitale e Baptista (2008), no livro Famílias de crianças e adolescentes
abrigados: quem são, como vivem, o que pensam, o que desejam, cogita que:

Ao longo da história e na realidade atual, os principais motivos que têm


condicionado o acolhimento institucional de crianças e adolescentes
vinculam-se a impossibilidades materiais da família para lhes oferecer
cuidados necessários à fase peculiar de desenvolvimento em que se
encontram, e mantê-los em sua companhia – as quais se objetivam, via de
regra, pela ausência de trabalho, renda, condições de acesso à educação,
saúde, habitação, assistência social, lazer. O que vem acrescido quase
sempre da responsabilização da mulher pelos cuidados e supostos
descuidos com os filhos (FÁVERO, VITALE e BAPTISTA, 2008, p. 20).

Fávero (2008) contribui na construção do livro mencionado acima com uma


pesquisa sobre o perfil das famílias de crianças e adolescentes em situação de
acolhimento, ou seja, afastados do poder familiar e sob proteção do Estado, a
pesquisa foi realizada diretamente com algumas famílias do município de São Paulo
que estão nesta situação, realizada através de questionário e diário de campo onde
as famílias puderam expressar melhor sua realidade. A pesquisa apresenta a
caracterização dos sujeitos participantes e indica elementos para reflexão sobre a
estrutura e a organização dessas famílias, bem como seu acesso (ou não) a direitos
sociais. Entre os participantes da referida pesquisa, as mulheres é que são, em sua
maioria, as chefes da família. Assim, 78% dos entrevistados são mulheres e 68%
delas se declaram chefes de famílias. A autora reflete que possivelmente isso ocorre
em razão do serviço de acolhimento se apresentar como alternativa significativa, ou
até única, para essas mães chefes de família.
A pesquisa apontou ainda, dentre diversos outros fatores, que a medida de
acolhimento já ocorreu em outras gerações dessas famílias, ou seja, ocorre um ciclo
de reproduções sociais em determinadas famílias, condicionadas pela estrutura das
desigualdades sociais. Diante desse dado, a autora reflete que: “Essas famílias, ou
parte delas, vêm desde gerações anteriores sendo submetidas a condições de
vulnerabilidade social que as impedem de assumir a maternagem/paternagem de
sua prole.” (Fávero 2008, p. 42).

Diante dos dados da pesquisa a autora traz ainda uma importante reflexão
que corrobora com o objeto dessa pesquisa, quando diz que:

Alguns autores têm chamado a atenção para esse fenômeno,


correlacionando o rompimento do vínculo familiar por parte do homem com
sua situação empregatícia, uma vez que, sendo seu papel clássico o de
provedor, ao perder essa condição, ele pode sentir-se sem papel na família.
A não responsabilização paterna, muitas vezes, ocorre desde o período da
gravidez da mulher, quando o companheiro a “abandona”; estende-se ao
momento em que criança é registrada, ocasião em que somente a mãe
assume a responsabilidade legal; e aprofunda-se com a ausência de
cuidados e proteção por parte do pai aos filhos, o que pode resultar no
acolhimento institucional se a rede social pessoal da mãe não puder
ampará-la. (Fávero, 2008, pág.: 45)

Fávero (2008) ainda cita uma pesquisa realizada pelo Cealag (2006) com
famílias de crianças e adolescentes no município de São Paulo, na qual também se
consta prevalência de 79,7% de mulheres como responsáveis de
crianças/adolescentes institucionalizados. O percentual é praticamente igual ao
constatado na pesquisa apontada anteriormente.
A classe social aparece neste item como fator preponderante na suspensão
do poder familiar. Após, classe aparece ainda junto com raça e na sequência, classe
aparece junto com gênero. Enquanto gênero e raça não foram abordados juntos em
nenhum dos documentos ou nas pesquisas e literaturas consultadas no
levantamento bibliográfico. Sendo assim, o próximo item tem como finalidade
apontar a importância da noção de interseccionalidade, para que se possa abordar
como raça, interligada à questão de gênero, pode atravessar a medida de
acolhimento institucional e/ou familiar de crianças e adolescentes.

2.1 – As categorias raça e gênero como marcadores do afastamento do poder


familiar de crianças e adolescentes

Kimberle Crenshaw (2004), no artigo “A Interseccionalidade na Discriminação


de Raça e Gênero” faz um dos apontamentos mais significativos para o
entendimento do conceito de interseccionalidade na perspectiva dos direitos
humanos das mulheres:

A prática dos direitos humanos no campo do gênero, por exemplo,


desenvolveu-se afirmando que “os direitos humanos são direitos das
mulheres” e que “os direitos das mulheres são direitos humanos”. Isso
reflete o fato de que, tradicionalmente, o entendimento era que quando as
mulheres vivenciavam situações de violação dos direitos humanos,
semelhantes às vivenciadas por homens, elas podiam ser protegidas. No
entanto, quando experimentavam situações de violação dos direitos
humanos diferentes das vivenciadas pelos homens, as instituições de
defesa dos direitos humanos não sabiam exatamente o que fazer. Se uma
mulher fosse torturada por suas crenças políticas da mesma maneira que
um homem, esse fato podia ser reconhecido como uma violação dos
direitos humanos. Se ela fosse estuprada ou forçada a engravidar ou a se
casar, as instituições de defesa dos direitos humanos não sabiam como
lidar com esses fatos, porque eram especificamente relacionados a
questões de gênero. (Crenshaw (2004), p. 09).

Diante da abordagem proposta por Crenshaw acerca da base para a criação


e discussão do termo interseccionalidade, é indispensável refletir sobre a
importância desse debate para pensar diversas questões das relações sociais com
vista à garantia de direitos humanos e sociais no campo das políticas públicas e, no
caso desta pesquisa, em relação à suspensão do poder familiar. Avançando na
demarcação do conceito, a autora ainda levanta a seguinte questão:

Após as conferências de Viena (1992) e de Pequim (1995), as mulheres


passam a entender que “os direitos das mulheres são direitos humanos”.
Quando vivenciamos a discriminação de gênero diz respeito às mulheres e
a racial diz respeito à raça e à etnicidade. Assim como a discriminação de
classe diz respeito apenas a pessoas pobres. Há também outras categorias
de discriminação: em função de uma deficiência, da idade, etc. A
intersecionalidade sugere que, na verdade, nem sempre lidamos com
grupos distintos de pessoas e sim com grupos sobre postos. Assim, ao
sobrepormos o grupo das mulheres com o das pessoas negras, o das
pessoas pobres e também o das mulheres que sofrem discriminação por
conta da sua idade ou por serem portadoras de alguma deficiência, vemos
que as que se encontram no centro – e acredito que isso não ocorre por
acaso – são as mulheres de pele mais escura e também as que tendem a
ser as mais excluídas das práticas tradicionais de direitos civis e humanos.

A autora, como vimos, elabora sua sistematização teórica sobre o conceito


em questão tomando como exemplo aspectos da vida de determinados grupos que
tem suas trajetórias marcadas por discriminações diversas, como podemos ver a
seguir na discussão sobre as formas de inserção de algumas mulheres no mercado
de trabalho:

[...] Em decorrência da sua boa condição socioeconômica, algumas


mulheres conseguem contratar a mão-de-obra de outras mulheres para
assumirem esses serviços de cuidados. As contratadas, em geral, são
mulheres economicamente marginalizadas, que, por essa razão, são
também socialmente marginalizadas, situadas na base da pirâmide
socioeconômica. Essas mulheres acabam trabalhando de 18 a 20 horas por
dia, cuidando primeiramente de suas famílias e, depois, das famílias e
necessidades das patroas. É isso que eu chamo de subordinação estrutural,
a confluência entre gênero, classe, globalização e raça.
Nesse sentido, de modo geral, o conceito de interseccionalidade pressupõe
uma leitura da vida social nos mesmos moldes em que ela se expressa. Somente
um olhar interseccional é capaz de captar a profundidade dos processos se
discriminação e a forma específica como eles atingem cada grupo social. Por
exemplo, a realidade das mulheres negras no Brasil é atravessada por diversos
marcadores sociais e o processo de elaboração de políticas públicas não deveria
estar isento disso. Santana (2019), no livro “Inovação Ancestral de mulheres negras
- táticas e políticas do cotidiano” apresenta alguns indicadores que ajudam a
visualizar esta complexidade:

As mulheres negras ocupam a base da pirâmide social brasileira: são as que


recebem os menores salários, com cerca de 40% do que ganham os
homens brancos (MTPS, 2016); as mais vulneráveis ao desemprego, com
13,3 % de mulheres negras desocupadas (IPEA, 2017); as mais expostas
ao analfabetismo, com cerca de 10,2% das mulheres negras com mais de
15 anos de idade não alfabetizadas (IPEA,2017); as maiores vítimas de
homicídio, em que proporcionalmente são assassinadas 66,7% mais
meninas e mulheres negras do que brancas no Brasil (ONU, 2015). No
estado de São Paulo, o percentual de pessoas negras que moram nas
chamadas habitações subnormais (favelas, cortiços, palafitas, loteamentos
clandestinos e/ou irregulares) é de 60,66% (IBGE, 2010 apud OLIVEIRA;
SOUZA, 2014). (Santana, 2019, pág.17)

Como se pode perceber, a partir do breve levantamento bibliográfico em relação à


suspensão do poder familiar de crianças e adolescentes no primeiro item do segundo
capítulo, apesar dos avanços na legislação nacional e consequentemente na construção
de políticas públicas, ainda se mantem na atualidade uma cultura de institucionalizar os
filhos das famílias pobres. Como avalia SVICERO (2010), o afastamento do poder
familiar ainda é o procedimento mais utilizado nos casos em que famílias enfrentam
momentos difíceis em seu percurso e que tem crianças e adolescentes desprotegidas e
desassistidas pelas políticas pública e vivendo sob a ameaça de terem seu direito à
convivência familiar violado. Marinho (2013) diz que as condições sociais, advindas da
inserção das famílias como a classe social, por exemplo, marcam suas histórias e suas
trajetórias. A carência de recursos materiais aparece com 9,7% no Levantamento
Nacional de Crianças e Adolescentes em Acolhimento (2009-2010), realizado pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS, em parceria com a
Fiocruz, enquanto negligência aparece com 36,6% na mesma pesquisa. A reflexão
recente de Eurico (2018) se fez necessária diante de dado alarmante que se sobressaiu.
A autora utiliza em sua tese de doutorado em Serviço Social o exemplo da obra de
Carolina Maria de Jesus, que relata sua realidade de mulher negra, mãe solo de três
crianças, migrante e moradora da Favela do Canindé na Cidade de São Paulo, obrigada a
deixar os três filhos sozinhos em casa para catar papel na rua e assim poder alimentá-los.
A autora avalia que situações como estas podem ser entendidas como negligência dos
profissionais do Sistema de Garantia de Direitos, por conta de ter uma ideia de família
patriarcal burguesa em suas intervenções, sendo esta uma construção social.
Em relação aos motivos de acolhimento de crianças e adolescentes, o fator classe social
é reafirmado nos dados de uma pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (2004) apontam que 100% das crianças e/ou adolescentes acolhidos eram
oriundos de famílias pobres e 90% de famílias negras. Nesta mesma perspectiva,
Teixeira (2016) nos ajuda a entender a intersecção entre pobreza e questão racial
referente à suspensão do poder familiar quando observa com base em dados do IBGE
(Síntese de indicadores Sociais, 2015), que o impacto das adversidades socioeconômicas
que acarretam o que é entendido como abandono é mais comum para famílias negras,
uma vez que 76% dos mais pobres no Brasil são negros. O “Estudo de Atendimentos
Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes” (2018,), realizado
pela Coordenação do Observatório da Vigilância Social – COVS da Prefeitura de São
Paulo, dentre os diversos dados levantados pela pesquisa para traçar o perfil dos
usuários por modalidade de atendimento, aponta que a distribuição percentual dos
acolhidos em SAICA regulares por raça/cor em julho de 2018 se apresenta da seguinte
forma: negros 68% (pretos 26% + pardos 42%); Brancos 31%; 1% indígena e 1%
amarelos. Por sua vez, a distribuição percentual dos acolhidos por raça/cor em SAICA de
apoio, em julho de 2018, era a seguinte: negros 84% (pretos 35% + pardos 49%); brancos
18% e amarelos 0%. Por fim, a distribuição percentual de acolhidos por raça/cor em
SAICA de 0 a 6 anos, em julho de 2018: negros 48% (pretos 10% + pardos 38%); brancos
50%; e amarelo 3%. Como é perceptível, a questão racial atravessa a medida de
acolhimento de crianças e adolescentes articulando-se com a questão de classe
anteriormente apontada.
E por último, a questão de gênero aparece atrelada a questão de classe neste
estudo quando Fávero (2008), na pesquisa sobre o perfil das famílias de crianças e
adolescentes em situação de acolhimento, parte do princípio que ao longo da
história e da realidade atual, os principais motivos que tem condicionado a medida
de acolhimento de crianças e adolescentes vinculam-se às impossibilidades
materiais da família e reflete que o fator pobreza vem quase sempre acrescido da
responsabilização da mulher pelos cuidados e supostos descuidos com os filhos. A
pesquisa, que foi realizada no município de São Paulo, assinala, dentre outros
dados, que entre os participantes entrevistados, as mulheres é que são, em sua
maioria, as chefes da família. A autora reflete que possivelmente isso ocorre em
razão do serviço de acolhimento se apresentar como alternativa significativa, ou até
única, para essas mães chefes de família. Outro fator importante que a autora
identificou em sua pesquisa que colabora no entendimento deste fenômeno é o fato
de outras gerações dessas famílias terem a experiência da medida de acolhimento,
sendo submetidas às condições de vulnerabilidade social que as impedem de
assumir a maternagem/paternagem de sua prole. Além disso, traz ainda outro fator
fundante relacionado à questão de gênero diante do afastamento de crianças e
adolescentes do poder familiar assinalando que alguns autores têm chamado a
atenção para o fenômeno, correlacionando o rompimento do vínculo familiar por
parte do homem com sua situação empregatícia, uma vez que, sendo seu papel
clássico o de provedor, ao perder essa condição, ele pode sentir-se sem papel na
família, pois a não responsabilização paterna, muitas vezes, ocorre desde o período
da gravidez da mulher, quando o companheiro a “abandona”. Este fator se estende
para o momento em que criança é registrada, onde somente a mãe assume a
responsabilidade legal, aprofundando a ausência de cuidados e proteção por parte
do pai para com os filhos no decorrer do seu desenvolvimento, o que pode resultar
no acolhimento institucional se a rede social pessoal da mãe não puder ampará-la.

Como resumido acima, os marcadores sociais de raça, gênero e classe


apareceram de forma separada nos dados apresentados no primeiro item deste capítulo,
aparecendo apenas brevemente classe ligada à raça em algumas pesquisas quantitativas
e em algumas reflexões. Em outros estudos, gênero aparece ligado à classe, mas gênero
e raça não são abordados juntos como fatores do afastamento de crianças e adolescente
do poder familiar no levantamento bibliográfico. Diante do exposto, partindo do princípio
de que há uma necessidade de se olhar para estas três dimensões, gênero, raça e
classe, de forma conjunta em relação ao afastamento do poder familiar, o segundo item
desse capítulo trouxe o conceito de intersecção entre raça e gênero para assim ser
possível discutir os impactos da articulação entre estas categorias na hora de se decidir
se crianças e adolescentes devem ou não ficar com a família ou sob poder do Estado.
Crenshaw (2004) inicia a conceituação do termo interseccionalidade trazendo
a fundamentação histórica do mesmo partindo do princípio de que este é um debate
urgente e necessário, tendo em vista que foram as violações de direitos humanos
sofridas pelas mulheres negras no contexto dos Estados Unidos - devido a sua
condição de mulher negra -, no qual as mulheres negras tinham de escolher se a
denúncia seria no campo racial ou de gênero. Por conta disso, tem-se a
necessidade de interseccionar estas duas opressões, pensando que racismo e
sexismo se sobrepõem.

A autora chama a atenção para o fato de que somente após as conferências


de Viena em 1992 e de Pequim em 1995, as mulheres passam a entender que “os
direitos das mulheres são direitos humanos e que são as mulheres de pele mais
escura que tendem a ser as mais excluídas das práticas tradicionais de direitos civis
e humanos”. Assim, denomina como subordinação estrutural a intersecção entre
gênero, classe, globalização e raça, ao abordar que em decorrência da sua boa
condição socioeconômica, algumas mulheres conseguem contratar a mão-de-obra
de outras mulheres para assumirem os serviços de cuidados, sendo que as
contratadas, em geral, são mulheres economicamente marginalizadas que, por essa
razão, são também socialmente marginalizadas, situadas na base da pirâmide
socioeconômica. Essas mulheres tem que cuidar de suas famílias e das famílias de
suas patroas.

Neste mesmo sentido, Santana (2019), no livro “Inovação Ancestral de


mulheres negras - táticas e políticas do cotidiano” apresenta alguns indicadores que
ajudam a visualizar a complexidade das opressões interseccional na realidade das
mulheres negras brasileiras que são atravessadas por diversos marcadores sociais,
demarcando que essas mulheres têm os menores salários, são as mais vulneráveis
ao desemprego, as mais expostas ao analfabetismo, as mais vítimas de feminicídio,
a maior população em moradia precária. Santana afirma que as mulheres negras
ocupam a base da pirâmide social, devendo assim, os processos de elaboração de
políticas públicas estarem atentos a esta realidade, uma vez que essas pressupõem
uma leitura da vida social.

Sendo assim, diante da proposta de análise desta pesquisa, é fundamental


pensar nos encontros dessas opressões e o que isso representa para a prática
profissional cotidiana de profissionais que atuam de forma direta ou indireta com
famílias sob a óptica da suspensão provisória e/ou perda definitiva do poder familiar
de seus filhos. É preciso pensar na mudança da realidade social a partir desses
setores que se intercruzam e se combinam. Os profissionais do Sistema de Garantia
de direitos e da Rede Socioassistencial devem ampliar o olhar para as diversas
formas de opressões para basear suas intervenções junto a famílias e indivíduos.

Nesta pesquisa, ao tratarmos do processo de afastamento do poder


familiar, foi possível perceber que há uma enorme lacuna entre as produções
teóricas a respeito dessa questão e a forma como as categorias de gênero, raça e
classe estão conectadas nas etapas de execução do processo.

De forma geral, a partir da breve discussão apresentada, podemos indicar


que são as mulheres negras - ao articularem diversas circunstâncias de
discriminação e exclusão - as mais afetadas em relação à suspensão provisória e/ou
à perda definitiva do poder familiar, já que as políticas públicas são ineficientes para
reverter as condições de vulnerabilidade em que essas mulheres se encontram. Isso
ocorre tanto na prevenção do acolhimento, quanto na suspensão do poder familiar
que deveria ser provisório, mas que diante de uma estrutura social que condiciona
as mulheres negras às piores condições humanas, pode resultar na perda definitiva
do poder familiar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa que objetivou analisar como os marcadores de gênero, raça e classe


interferem na decisão da suspensão do poder familiar de crianças e adolescentes
realizado pelo Sistema de Garantia de Direitos teve início com um resgate histórico
da institucionalização de crianças no Brasil, cultura herdada da colonização dos
portugueses com a implantação de colégios internos para seus filhos, caindo em
desuso ao decorrer da história e instaurando a roda dos expostos para os filhos das
classes subalternas, tendo como público alvo as mulheres negras, amas-de-leite dos
filhos das classes abastadas enquanto seus filhos ficavam institucionalizados ou ao
mercê da sorte, ocorrendo assim a perda de vínculos familiares.
A produção teórica apontou que a institucionalização de crianças no Brasil
perpassou todos os períodos históricos e políticos. Após a extinção da roda dos
expostos é instaurado o SAM e depois a FUNABEM na Ditadura Militar, quando é
inserida a ideia nas famílias pobres de que é melhor seus filhos estarem sob o poder
do Estado para terem um futuro melhor.
Somente com a redemocratização do país após anos de luta da sociedade civil
organizada, com a Constituição Federal em 1988, as crianças e os adolescentes são
reconhecidos como sujeitos de direitos e em fase peculiar de desenvolvimento,
devendo ser prioridade absoluta e terem a proteção integral da família, da sociedade
e do Estado. A CF reconhece ainda a família como instituição social ideal para o
desenvolvimento das crianças e adolescentes, devendo o Estado garantir a proteção
da mesma.
É também na Carta Magna que a Seguridade Social é promulgada contendo a
Assistência Social no tripé desta seguridade junto com Saúde e Previdência Social.
Com base nos dispositivos da CF é promulgada o ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente – Lei nº 8.069/1990 que traz um novo marco em relação aos direitos da
criança e do adolescente, sobretudo avanços significativos no que diz respeito ao
direito à convivência familiar e comunitária.
Em 1993 é incluído na CF/88 o art. 203, a Lei Orgânica da Assistência Lei nº 8.742
1993 sendo direcionada para quem dela necessitar e tendo como principais objetivos, a
proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, estabelecendo,
por exemplo, a garantia ao BPC – Benefício de Prestação Continuada, que se trata de um
salario mínimo mensal, tendo direito a este a pessoa portadora de deficiência e o idoso
que não tenha como prover seu sustento.
Em 2004, foi aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS),
a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), com o objetivo de efetivar os
direitos previstos na CF/88 e na LOAS/93 e, em 2005, temos a consolidação do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que organiza a Política de Assistência
Social em Proteção Social Básica, que deve ser elaborada no intuito da prevenção
das vulnerabilidades sociais e na Proteção Social Especial de Média e Alta
Complexidade, que são situações onde os vínculos familiares e/ou comunitários
estão fragilizados ou esgarçados, pressupondo a articulação da rede
socioassistencial com as demais políticas públicas e com o Sistema de Garantia de
Direitos –SGD dentre demais conquistas com vista a garantia de direitos.

A partir do ECA, criam-se diversos documentos oficiais que debatem e


orientam os dispositivos nas legislações como o Plano Nacional de Promoção,
Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e
Comunitária em 2006 e as Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para
Crianças e Adolescentes em 2009. Estas prerrogativas, ao mesmo tempo que são
avaliadas como avanços, são criticadas por alguns pensadores como uma forma de
judicializar as relações sociais e mais uma artimanha da lógica neoliberal para a
retração estatal das suas responsabilidades, transferindo-as a família e a sociedade.
A Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistencias de 2009 contém as novas
características com a organização do SUAS na Política de Assistência Social, dentre elas
a Matricialidade sócio-familiar. Ou seja, determina que a centralidade na execução da
política pública de Assistência Social seja voltada para a família. Sendo importante
destacar que todas estas legislações e documentos oficias rompem com a ideia do
modelo ideal de família, sendo considerado que esta pode ser constituída das mais
diversas formas e deve-se levar em conta os laços de afinidade para além do fator
sanguíneo. Portanto, cabe aos executores da rede de atendimento, romper com a ideia
burguesa de família ideal, sendo esta uma construção social que não corresponde com a
realidade.

No segundo capítulo, é realizada a análise da intersecção entre raça, gênero e


classe social no processo de afastamento do poder familiar de crianças e adolescentes,
sendo esta a discussão central em torno do objeto da pesquisa. É iniciado pela
problematização do afastamento do poder familiar como medida protetiva, excepcional e
provisória com vista à reinserção familiar, no qual a questão de classe aparece como fator
significativo. Raça e gênero também são marcadores apontados tanto nas pesquisas
quantitativas quanto qualitativas consultadas. No entanto, gênero e raça não aparecem
juntos como fatores sobrepostos nas decisões de afastamento do poder familiar nas
bibliografias levantadas. De forma geral, o levantamento bibliográfico apontou que o
Sistema de Garantia de Direitos, por vezes, reproduz a lógica excludente e discriminatória
da sociedade racista, machista e capitalista, onde a mulher negra, que ocupa a base da
pirâmide social, é estereotipada muitas vezes como negligente devido aos estigmas a ela
designados, podendo ser o maior grupo social afetado nas decisões acerca da suspensão
do poder familiar.

No entanto, a pesquisa, que foi somente bibliográfica, não abarcou com


profundidade essa problemática que necessita ser olhada com mais ênfase na prática
profissional e nas produções acadêmicas, bem como em discussões não formais. Sendo
assim, seria interessante pesquisas de campo nos espaços que lidam de forma direta e
indireta com essa demanda em diversos territórios.
Ainda assim, é possível afirmar que há uma necessidade dos executores das
políticas públicas olharem para essas dimensões em suas intervenções com as famílias e
nas construções da política em si. É importante refletir sobre quem é essa família, levando
em consideração tudo que a envolve, rompendo assim com o ideário de família burguesa,
mas, sem jamais deixar de proteger a criança ou o adolescente que é prioridade absoluta.
É indispensável dizer que o momento político de retrocessos em relação a direitos
conquistados impacta diretamente de forma negativa nesta medida, mas que muitos
trabalhadores seguem resistindo.
Como sugestão, é interessante pensar que dados e reflexões como estas aqui
apresentadas devam estar presentes nas formações continuadas dos trabalhadores do
Sistema de Garantia de Direitos para que os profissionais sejam capacitados para terem
um olhar ampliado da realidade, para além do cumprimento de normas pré-estabelecidas
nas legislações e nos documentos, bem como a prática de roda de leituras livres a partir
de escritos como os de Carolina Maria de Jesus que traz inúmeras reflexões e demais
livros de autoras negras de diversos gêneros.
Outra medida fundamental é a descolonização dos currículos nas formações
profissionais que atuam com essa demanda, como os cursos de Serviço Social,
Psicologia, Direito e Pedagogia que não possuem discussão de gênero e raça. Assim,
deve-se preparar os próximos profissionais para uma atuação com uma visão ampla
sobre as diversas formas de discriminação para que elas não sejam mais ser reproduzida
pela rede de atendimento.
Vale salientar que não se trata de culpabilização dos trabalhadores, mas um
chamado pra reflexão da prática, pois são os trabalhadores que constroem as políticas
públicas, apesar da ineficiência do Estado.
Portanto, a mudança dessa problemática tão complexa é dever do Estado e de
toda a sociedade, que produz e reproduz essas opressões. Essa é uma demanda urgente
a ser pautada na agenda dos Direitos Humanos.
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BRASIL - Nova Lei de Adoção – Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009. Altera a


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