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A CAMPANHA
QUE ERRADICOU O
ANALFABETISMO
EM CUBA
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Reitor
Jorge João Chacha
Vice-Reitor
Amaury de Souza
Coleção
FONTES NOVAS
Série Ciências Humanas
Aprovado pela Resolução 14/98 do Conselho Editorial da UFMS
Direção
Tito Carlos Machado de Oliveira
Câmara Editorial:
Tito Carlos Machado de Oliveira, Maria Eugênia Carvalho Amaral,
Flávio Aristone, Dercir Pedro de Oliveira e Wilson Ferreira de Mello
Conselho Consultivo:
Armen Mamigonian (UFSC), Ana Célia Castro (UFRRJ), Carlos Antônio
Brandão (UFU), Bruno Lautier (Sorbonne/Paris), Carlos Walter Porto
Gonçalves (UFF), Carmen Galan Lopez (Universidad Complutense), Dario
Henrique Alliprandini (UFSCAR), Dercir Pedro de Oliveira (UFMS), Francisco
Martínez Gonzáles-Tablas (Universidad Autónoma de Madrid),
Flávio Aristone (UFMS), Ivani Catarina Arantes Fazenda (PUC/SP), Jorge
Araújo (Universidade de Évora), José Sanchez-Dehesa Moreno (Universidad
Autónoma de Madrid), Juan Carlos Rubinstein (Universidad Nacional de La
Plata), Jucimara Silva Rojas (UFMS), Luis Carlos Barbieri (FGV), Luiz
Ferracini (UFMS), Luiz Salvador Miranda de Sá Jr. (UFMS), Manoel Francisco
de Vasconcelos Motta (UFMT), Maria Eugênia Carvalho Amaral (UFMS),
Nilson Araújo de Souza (UFMS), Oleg Petrovich Tsukanov (UCDB), Rosa
Ester Rossini (USP), Valmir Batista Corrêa (UFMS), Walmir Silva Garcez
(UFMS) e Wilson Ferreira de Mello (UFMS).
Campo Grande - MS
2000
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Projeto Gráfico e
Editoração Eletrônica
Editora UFMS
Revisão
Vera María Peroni Muller
Direitos exclusivos
para esta edição
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMS
Fone: (67) 787-1004 - 787-3311 - ramal 2015
Campo Grande - MS
e-mail:editora@nin.ufms.br
ISBN: 85-85917-XX-X
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil
Programa Cultural
FAPEC
Fundação de Apoio à Pesquisa,
ao Ensino e à Cultura
APRESENTAÇÃO
O analfabetismo é uma questão social que afeta um bilhão de jovens e adultos em todo
mundo neste final de século. As conseqüências sociais são crescentes em um universo
que se torna cada vez mais globalizado em suas formas de comunicação letrada. sofrem
mais os países mais pobres, aqueles que mais dificuldades e recursos encontram para
universalizar uma escola para todas as crianças.
Muito tem se discutido sobre como superar tal questão social. Os países de
primeiro mundo conseguiram baixar os seus índices ampliando a escola básica para
todas as crianças no século passado. Hoje discutem residuais problemas com grupos
determinados, os migrantes e os ciganos por exemplo. Discutem ainda situações amplas
de desuso da leitura e escrita, substituídas por outras formas de comunicação como o
rádio, a televisão e o telefone. Há, no entanto, a segurança de que a escola atende a
maioria das crianças em seu objetivo de fazer as novas gerações ler e escrever.
Já nos países pobres a situação é diferente. Premidos por um Estado com poucos
recursos, utilizados quase sempre de maneira privada pelos grupos sociais dominantes,
grandes setores empobrecidos são relegados ao segundo plano. Sem forças para reagir,
sem consciência sobre seus direitos, sem poder fazer frente aos poderosos, esses setores
se reproduzem nos países do terceiro mundo. O analfabetismo é um produto desse
descaso social, dessa reprodução da pobreza.
A história tem demonstrado que três fatores são fundamentais para superar o
analfabetismo ou baixá-lo para índices residuais. O primeiro fator é a vontade política de
governos e lideranças que unida às necessidades dos mais pobres, buscam constituir
programas de educação de jovens e adultos mobilizando a sociedade. O segundo fator é
a combinação de tais programas com uma forte intervenção na oferta de uma educação
para crianças com qualidade, para que novas gerações não voltem a constituir novos
contingentes de não escolarizados. O terceiro fator é aquele que une ganhos
educacionais, com melhoria nas condições de vida da população alfabetizada, com
projetos de futuro, com mobilidade social, com esperanças de um mundo melhor.
Essa unidade ocorreu com os países capitalistas do sul, quando em alguns
momentos da sua história uniram escola com crescimento econômico e mobilidade
social, como na Argentina, no Uruguai e nos emergentes países asiáticos. Assim ocorreu
com os países do Leste Europeu. Assim ocorreu em processos revolucionários, como a
experiência cubana, tema deste livro.
Nas páginas seguintes o leitor encontrará um componente s sensível relato de um
dos períodos mais significativos da história latino-americana de luta para superar a
pobreza e a exclusão social. O trabalho de Vera Peroni trata da campanha de
alfabetização cubana nos anos 1960-61. Ao mesmo tempo que descreve os fatos, Vera
analisa os fatores que produzem a superação do analfabetismo. É um documento de uma
experiência que nos questiona sobre as razões do não agir dos nossos países.
As raízes da experiência de alfabetização cubana podem ser identificadas, através
da leitura do texto, nos movimentos de independência no século passado. Naquele
momento, sua população já lutava para unir a liberdade de poder ler e escrever a vida
nova que buscava construir. este talvez seja o maior exemplo desta experiência única.
Anos mais tarde, a campanha de alfabetização, além de ensinar a população a ler e
escrever, ajudou a fortalecer e a apoiar a revolução, constituindo organizações populares,
buscando dar instrumentos para que a sociedade civil pudesse melhor garantir e
expressar seus direitos e suas necessidades em um novo momento da história do povo
cubano.
Mas não é só isso que nos inspira este trabalho. Ele é também um exemplo de
trabalho acadêmico que ao buscar uma experiência em outro país, em uma outra
conjuntura, nos trás indicações de caminhos de como tratar um problema social da
dimensão do analfabetismo de jovens e adultos em países pobres como o nosso.
Um desses caminhos é o envolvimento dos jovens no compromisso, no
entendimento e no trabalho de responsabilidade social com os mais pobres, os excluídos.
somente quando as novas gerações privilegiadas se identificarem com os problemas e as
necessidades dos mais pobres será possível construir um país mais justo socialmente.
Assim foi com o povo cubano, quando milhares de jovens saíram do conforto de suas
casas e foram viver junto com os mais pobres, aprendendo sobre a vida, ensinando sobre
as letras.
No plano pedagógico, a campanha cubana se antecipou sobre questões que hoje
são discutidas intensamente. Um desses temas é o da preocupação com a regressão à
condição de analfabeto após o trabalho inicial da campanha, apontando para a
necessidade dos recém-alfabetizados continuarem em programas de escolarização.
quanto ao currículo, houve uma preocupação de tratar os conteúdos junto com a
formação da população para novos valores e comportamentos. os procedimentos
pedagógicos se preocuparam em tratar os conteúdos junto com a formação da população
para novos valores e comportamentos. Os procedimentos pedagógicos se preocuparam
em tratar os conteúdos a partir da realidade dos grupos sociais, mas apontando para o
futuro de uma nova sociedade, mostrando que o projeto político-pedagógico se constrói
a partir dos interesses e do envolvimento da população. Pode-se destacar ainda, pela
leitura do texto, a importância que foi dada na constituição de processos de ampliação
dos níveis de escolaridade para todos, na perspectiva de que a qualificação de toda a
população para o trabalho, a ciência e a cultura, seja fator de equidade social. A
campanha de alfabetização cubana teve êxito porque cumpriu com a unidade entre a
vontade política de implantar programas para jovens e adultos com processos de ganhos
sociais para a população, acompanhados de programas de escolarização para todas as
crianças.
Como podemos perceber, o exemplo da campanha cubana não é um exemplo
apenas de como superar o analfabetismo, é um exemplo de estratégia de política
educacional. É principalmente um exemplo de mobilização social, um exemplo de como
um povo, imbuído da vontade de mudança, faz do trabalho educacional um movimento
de construção de uma nova sociedade. O trabalho de Vera Peroni reflete este sentido.
Não é um trabalho técnico de quem procura indicadores de como aprimorar programas
de escolarização de jovens e adultos. Vera tem no seu olhar acadêmico o compromisso
apaixonado de quem quer um futuro melhor para os excluídos da nossa sociedade.
Sérgio Haddad
Prof. Dr. PUC/SP
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................13
CAPÍTULO 1
OS ANTECEDENTES DA CAMPANHA
DE ALFABETIZAÇÃO CUBANA .............................................................19
CAPÍTULO 2
O PERÍODO PREPARATÓRIO DA CAMPANHA
Setembro a dezembro de 1960 ................................................................57
CAPÍTULO 3
A CAMPANHA DE
ALFABETIZAÇÃO CUBANA ....................................................................77
A primeira etapa da Campanha:
Janeiro a abril de 1961...........................................................................................79
A segunda etapa da Campanha:
Abril a setembro de 1961.......................................................................................82
Fase final da Campanha:
Setembro a dezembro de 1961...............................................................................97
CAPÍTULO 4
DO SEGUIMENTO E SUPERAÇÃO OBREIRA
À CAMPANHA DO NONO GRAU .........................................................107
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................125
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................133
INTRODUÇÃO
O objeto desta análise é o processo de alfabetização em Cuba segundo seus
agentes. Tal objeto tem uma trajetória que será aqui exposta para o entendimento do
processo de construção deste trabalho e, conseqüentemente, para justificar a escolha do
tema.
A idéia de estudar o tema “campanhas de alfabetização” surgiu em 1990,
quando fui convidada a participar, como representante da Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul / Centro Universitário de Dourados, de uma comissão composta por
representantes da Secretaria Estadual de Mato Grosso do Sul e Secretarias Municipais de
Educação de Dourados e região e dos setores organizados da sociedade, para
implementar, em Dourados, uma campanha que na época se chamou “Alfabetizar para a
Cidadania”. Essa campanha não passou de “marketing” e, na realidade, não saiu do
papel. Mas suscitou em mim o interesse pela discussão da validade de uma campanha de
alfabetização de adultos.
Refletindo sobre essa questão, veio-me à mente a história dos fracassos dessas
campanhas no Brasil, culminando com o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), e, por outro lado, a da Campanha Cubana de 1961, que erradicou o
analfabetismo. Comparando essas situações, parecia-me que a questão central seria a
relação que se estabeleceu entre a alfabetização e um projeto de sociedade. E ela
desdobrou-se em muitas outras: para que alfabetizar? Como a alfabetização estava
inserida no projeto estratégico do Brasil pós 1964? Qual era realmente o papel do
MOBRAL e, assim, quais foram os desdobramentos na sua estrutura, funcionamento,
metodologia? E em Cuba, no período pós-1959, como a alfabetização estava inserida no
projeto de sociedade? Por que erradicar o analfabetismo e fazer uma campanha de massa
no primeiro ano do processo revolucionário? Em resumo: Por que dois países com
projetos tão diferentes de sociedade investiram em campanhas massivas de
alfabetização?
A não-neutralidade de qualquer campanha de alfabetização é um fato e, sendo
assim, a metodologia posta em prática não deve ser analisada perdendo de vista o
objetivo a que se propôs a Campanha dentro de um contexto determinado. Só assim
poderemos analisar se os objetivos foram ou não alcançados e se a metodologia foi
adequada aos objetivos.
Destas reflexões surgiu, então, o que se pretendia inicialmente como objetivo do
trabalho: “estudo comparativo entre as Campanhas de Alfabetização de adultos em Cuba
(1961) e Brasil (1971)”.
Iniciando a coleta de dados referentes à Campanha Cubana, no Brasil, constatei a
escassez de fontes sobre o assunto entre nós.
Assim, se por um lado, essas dificuldades reafirmavam a importância do trabalho
pela falta de publicações sobre a Campanha Cubana no Brasil, por outro lado, a
necessidade de ir a Cuba, para coletar praticamente todos os dados da pesquisa,
transforma-se, na época, em um desafio.
Estabeleci contatos com o Ministério de Educação cubano, expondo minha
intenção de pesquisa e a necessidade de ter acesso a documentos e de ouvir
depoimentos. Tendo sido aceita, embarquei para Havana no dia 22 de janeiro de 1993.
Para minha surpresa, ao chegar ao Ministério de Educação de Cuba, na data combinada,
esperava-me uma pessoa que havia sido técnica nacional da Campanha de Alfabetização
em Cuba: a senhora Ana Rojas. Apesar de aposentada, foi solicitada pelo Ministério para
acompanhar-me na pesquisa. Fizemos um plano de trabalho de oito horas diárias,
durante quarenta dias, que contemplava os meus objetivos na pesquisa e que foi sendo
revisado, o tempo todo, para verificar se estava cumprindo o que realmente eu queria.
ANA ROJAS é uma pessoa de mérito reconhecido em Cuba, por toda uma vida
destinada à educação de adultos, e abriu todas as portas para que fossem coletados
documentos, fotos e principalmente muitas entrevistas com pessoas envolvidas
diretamente na Campanha que ocorreu há 33 anos.
Quando retornei ao Brasil, a possibilidade de fazer um trabalho à altura do que me
havia sido propiciado em Cuba, em termos de coleta de fontes primárias, deu ao projeto
uma outra dimensão. Pelo material coletado, pude perceber que a Campanha Cubana
teve muitas especificidades importantes a serem resgatadas, que foram parte da história
de Cuba e que eram pouco conhecidas no Brasil. Assim, foi-se delineando para meu
trabalho no Mestrado um novo objeto, que deixando de lado a idéia de comparação entre
os casos do Brasil e de Cuba, começou a focalizar, mais de perto, a Campanha Cubana,
aproveitando qualitativamente melhor a quantidade do material coletado, principalmente
as entrevistas, que avançaram da estrutura e funcionamento formal para a prática,
mostrando dificuldades, avanços e principalmente a motivação que permeou a
Campanha.
No entanto, cheguei posteriormente à conclusão de que os dados de que dispunha
forneciam muitas pistas para entender a Campanha mas ainda eram insuficientes para a
tarefa de definir o que foi a Campanha e para responder, categoricamente, para que
alfabetizar em Cuba naquele momento do processo revolucionário. Assim, nos limites do
material obtido, o objeto deste estudo configurou-se finalmente como “ o processo de
alfabetização de adultos em Cuba segundo seus agentes”.
É importante expor que cheguei ao final desta pesquisa com a clareza de que a
Campanha foi uma etapa do processo de alfabetização de adultos em Cuba, e que
entendê-la implica conhecer o processo como um todo. Esse processo, que se iniciou
desde as lutas pela independência, ganhou força durante a luta insurrecional e teve
condições de materializar-se com o Triunfo da Revolução, passando pela experiência
com os mestres voluntários e culminando com a Campanha que erradicou o
analfabetismo na Ilha.
Assim, o primeiro objetivo do trabalho passou a ser a descrição do processo de
alfabetização em Cuba, segundo o material coletado. É importante frisar que dessa
descrição, principalmente através das entrevistas, foi-se explicitando a relação entre o
processo de alfabetização e o processo revolucionário.
A partir daí, foi delineado o segundo objetivo: explicitar as formas pelas quais os
discursos dos agentes relacionam o processo de alfabetização e o processo
revolucionário. A Campanha era parte da Revolução, as pessoas envolviam-se na
Campanha com o intuito de participar da Revolução. Para ilustrar, reportamo-nos à fala
de DIAS, que conclui seu depoimento afirmando que a Campanha só foi possível pelo
momento revolucionário na qual germinou.
“ (...) a Campanha teve uma série de coisas adicionais tão gigantescas, tão maravilhosas
que só se faz com uma Revolução como a nossa, uma Revolução socialista. Os demais
poderão fazer muitas coisas mas não com este conteúdo (...)”
O trabalho foi organizado tendo como referência a perspectiva histórica e
buscando sempre fazer relações entre o que estava ocorrendo a cada momento, na
educação de adultos e na situação conjuntural do país. Trata-se, aqui, de uma opção
metodológica, ou seja, de entender o objeto historicamente e não como um fenômeno
isolado.
O primeiro capítulo ocupa-se dos antecedentes da Campanha Cubana e visa a
mostrar de que forma esta foi gerada num longo processo de lutas populares, que vão
desde a independência até o Triunfo da Revolução. Tenta-se evidenciar, que, em todas as
fases dessa luta, o desejo de elevação cultural do povo estava presente e como era
relevante para os cubanos a educação. Neste capítulo trata-se ainda, da alfabetização no
período de guerrilha, quando os próprios guerrilheiros eram alfabetizados e uma das
primeiras medidas aplicadas nos territórios ocupados era a alfabetização. Revela-se, que
ao triunfar a Revolução, juntamente com medidas de mudança estrutural da sociedade
(como a reforma agrária, nacionalização dos bancos etc.), a educação foi priorizada. O
chamamento de Fidel conclamou os mestres voluntários para assumirem o trabalho de
educação que os guerrilheiros do Exército Rebelde haviam iniciado em “Sierra
Maestra”.
O segundo capítulo refere-se ao período preparatório da Campanha de
Alfabetização, desenvolvida de setembro a dezembro de 1960. Nele estão expostos a
estrutura organizativa da Campanha, o papel das quatro seções administrativas, que
estavam presentes em nível nacional, provincial e municipal (seção técnica, de
propaganda, finanças e publicações), bem como a elaboração da cartilha e a da
metodologia utilizada na Campanha.
O terceiro capítulo trata das etapas referentes à execução da Campanha
propriamente dita: de janeiro a abril, as medidas organizativas como a capacitação de
alfabetizadores, o papel decisivo dos movimentos de massa e a experiência de uma
brigada-piloto; de abril a dezembro, criadas as brigadas Conrado Benitez (de estudantes)
e Pátria ou Morte (de trabalhadores), incorporando assim mais de 130 mil
alfabetizadores à Campanha.
O quarto capítulo trata da continuidade da educação de adultos em Cuba, com o
Seguimento e a Superação Obreira, logo após a Campanha. Seguiram-se, depois as
Campanhas do Sexto Grau (de 1975 a 1980) e a do Nono Grau (de 1980 a 1985).
Atualmente, é considerado analfabeto em Cuba quem não tem o nono grau.
Nas considerações finais, são destacados alguns pontos fundamentais, levantados
principalmente a partir de documentos e das entrevistas. Fazem-se, ainda, algumas
reflexões acerca do relacionamento entre processo de alfabetização e processo
revolucionário, baseadas principalmente nos relatos dos entrevistados.
Enfim, espero que este trabalho possa representar uma contribuição ao
conhecimento do processo estudado, particularmente tendo em vista a escassez de fontes
secundárias sobre o tema, não só no Brasil como até mesmo em Cuba.
CAPÍTULO 1
Os Antecedentes da
Campanha de
Alfabetização Cubana
5 O Movimento 26 de Julho abarcava as forças descontentes com a ditadura e ganhou esse nome pela data do assalto ao quartel
Moncada.
7 Entrevista feita com Isabel Jurado no dia 17 de fevereiro de 1993 em Havana. Jurado dirigiu os trabalhos de educação em um
acampamento do Exército Rebelde, logo que triunfou a Revolução. Ao iniciar a campanha foi técnica responsável em Melena del
Sur e criou os acampamentos de aceleração, experiência que foi bem sucedida e implantada em outras zonas.
Como JURADO reconhece, estabeleceu-se um intercâmbio de conhecimentos.
CRUZ (1988:63) expõe qual era o quadro da economia cubana quando ocorreu a
Revolução de 1959:
“Cuba heredó del neocolonialismo una estrutura económica deformada, con una
base agrícola de carácter extensivo, con escasso desarrollo industrial concentrado
fundamentalmente en la rama azucarera; un considerable retraso tecnológico y una
baja eficiencia de la producción, una dependência irracional del comercio exterior,
de donde provenia la mayor parte de los productos básicos, disponiendo en cambio
de sólo unos pocos e inestables renglones de exportación, principalmente de
origem agropecuário, correspondendole el mayor peso específico al azúcar.”
Além desse quadro precário, ainda imperavam em Cuba a prostituição, o jogo e
toda espécie de corrupção e de contravenção, ligados inclusive à máfia norte-americana.
Frente a tal conjuntura, com o triunfo da Revolução em janeiro de 1959, o novo
governo baseou suas ações no documento já mencionado, (“A história me absolverá”), e
sua ação se deu no sentido de priorizar a elevação do nível de vida do povo e a
superação do analfabetismo, da prostituição, do jogo, da corrupção, da discriminação
racial, da repressão, da crise habitacional e do desemprego. Ao mesmo tempo, visava
construir uma nova estrutura de poder que estivesse de acordo com as mudanças
estruturais necessárias no momento.
Assim, as primeiras medidas tomadas foram referentes à educação, à reforma
agrária, à nacionalização de muitas indústrias, bancos etc... As medidas educacionais não
aconteceram antes nem depois das medidas estruturais, mas ao mesmo tempo, sendo
desencadeadas simultaneamente e com a mesma ênfase. é o que se pode constatar pelas
afirmações de GALLÓ (1961:21-5), em conferência proferida em 1961 na Universidade
Popular, sobre a Campanha de Alfabetização:
“Para vencer en este frente (revolucionária),... no basta el derrocamiento del poder
político, sino el viraje radical que tiene que produzirse en la consciencia y que
entraña un cambio substancial en el contenido ideológico y en la transformación
profunda de las instituiciones.
...Y es que el analfabetismo, como el hambre, sólo se puede erradicar erradicando
las causas que lo produzem. Y el imperialismo no puede extirpar ni el hambre ni el
analfabetismo, porque seria negarse a sí mesmo...Sólo puede hacerlo um pueblo
que toma el camino del socialismo, el pueblo cubano vencerá en la lucha contra el
hambre y contra el analfabetismo.”
GALLÓ argumenta que sem a mudança das consciências não seria possível
implantar o projeto revolucionário e que essa mudança dar-se-ia através do investimento
em educação.
Argumenta, ainda, que só foi possível o êxito de uma Campanha de Alfabetização,
como a feita em Cuba naquele momento, por ter sido acompanhada de uma mudança
estrutural na sociedade.
Com esses argumentos é possível perceber o caráter dado à proposta
revolucionária daquele momento. Isto é, as mudanças dar-se-iam simultaneamente em
todas as instâncias da sociedade, sem privilegiar uma em detrimento de outra.
GALLÓ (1961:24) expõe, também, qual era a necessidade da alfabetização no
interior do processo revolucionário:
“Cual es la actitud del socialismo frente al problema de los analfabetos? La esencia
del socialismo, independientemente del alto ideal moral que aflora de sus entrañas,
tiene como necesidad el desarrollo de las fuerzas productivas y de la cultura en
todos los niveles.Y como es una sociedad en que el proletario y el campesino, los
que trabajam, son los que dirigen el tren de la sociedad, hacia su educación se
orienta fundamentalmente.”
É possível, assim, perceber que a grande motivação ao nível institucional pela
erradicação do analfabetismo, naquele momento, foi a participação de todos na
construção da nova sociedade, que deveria ser qualitativamente melhor em todos os
sentidos. O instrumento maior desta construção era o próprio homem e o investimento
em sua formação era tarefa primordial.
Em março de 1959, uma das primeiras medidas do novo governo revolucionário
cubano foi a criação da Comissão Nacional de Alfabetização e Educação Fundamental,
ligada ao Ministério da Educação. Comissões similares foram criadas nas províncias e
municípios, sendo responsáveis por todo o trabalho frente ao analfabetismo. No mesmo
ano, foram criados oitocentos e quarenta e quatro centros de estudo, aos quais se
incorporaram dois mil e oitocentos e trinta e dois mestres 8 - eram os mestres voluntários,
que respondiam ao chamamento de Fidel, que afirmava, pela televisão, que o
analfabetismo era um inimigo tão poderoso quanto o imperialismo e por isso era preciso
continuar o trabalho educacional iniciado pelo Exército Rebelde, na etapa insurrecional.
CASTRO (1993:7), em discurso proferido no “Pedagogia 93: Encuentro por la
unidad de los educadores Latinoamericanos”9, coloca qual era o quadro da educação
cubana no campo quando os “mestres voluntários” foram chamados a colaborar:
“Estaba claro que había que llevar la educación a las montañas y ya desde la guerra
se habían hecho los primeros esfuerzos en la educación, pero el primer problema
en la paz era llevar los maestros al campo. Habia de miles de niños y adolescentes
en aquellas regiones sin maestros, teníamos consciencia de aquello y les habíamos
prometido a los campesinos enviarles maestros: fue una de las primeras cosas que
hicimos. De ahí resultó la necesidad de desenrolar los primeros maestros - que
llamábamos maestros voluntarios- para ir a las montañas.”
Grande parte desses mestres tinha como motivação a participação ativa no
processo revolucionário. Responder ao chamado de Fidel significava para muitos dar a
sua parcela de contribuição para a nova proposta de sociedade. É o que podemos
observar com CANFUX, que atuou como mestre voluntário:
“Motivado fundamentalmente porque quando triunfou a revolução eu tinha 18 anos
e estava muito preocupado pois não havia participado da luta insurrecional. A
ditadura foi muito feroz aqui, a tirania, com muitos assassinatos e muita injustiça.
Como jovem me sentia complexado por não ter participado da luta clandestina.”10
E nesse sentido, também, relata BARNET :
“Quando descubro este documento ( La História me Absolverá) me incorporo na
vida política, na clandestinidade. Tenho como um sentimento de culpa de não
haver tido uma participação mais agressiva na luta. Ao triunfar a revolução eu
tenho este sentimento de culpa mas eu não sou um homem de armas, não sou um
homem de ação, sou um homem de reflexão, de pensamento. Desde o triunfo da
revolução estou com este sentimento de culpa e buscando de que maneira eu
poderia me incorporar a um lugar como a Serra Maestra. Para nós a Serra Maestra
naquele momento era o enigma, o mistério, um lugar a que ninguém havia
chegado. É a montanha mais alta do país e a selva mais intrincada e eu pensava que
se estes homens que lutaram na Serra Maestra, os trabalhadores rurais ajudaram a
estes homens, estes trabalhadores rurais agora me dessem esta ajuda... Tenho uma
dívida histórica com meu país, com minha pátria, com estes homens, de fazer
8 A palavra mestre foi traduzida do espanhol maestro, Não foi traduzida como professor pois existe um entendimento em Cuba da
diferença entre mestre e professor. O primeiro está mais comprometido com a educação e a formação do ser humano. Professor é
colocado como alguém que ministra aulas.
9 “Pedagogia’93" foi um encontro Latino Americano de Pedagogia realizado de 1 a 5 de fevereiro de 1993 em Havana.
10 Jaime Canfux Gutiérrez, entrevistado no dia 22 de fevereiro de 1993 em Havana, foi mestre voluntário, assessor técnico da
Campanha de Alfabetização, organizador do Seguimento em sua região e permanece na educação de adultos até hoje. Participa da
equipe de educação de adultos do Ministério da Educação como chefe de departamento da SOC (Secundária Obrera e Campesina)
e FOC (Faculdade Obrera e Campesina).
algo que não fiz antes, algo mais agressivo e a minha maneira de ser agressivo
era ir a Serra Maestra e romper os moldes de minha mente da cidade, de homem
de asfalto, de Vedado11 e ir a Serra Maestra.(grifo da autora) 12
Com essa motivação, BARNET, o primeiro a inscrever-se como Mestre voluntário,
conta sua experiência:
“Uma noite estava em casa escutando Fidel na TV. Fidel fala e explica, não a
Campanha de Alfabetização, antes. Fidel explica a necessidade de criar um
movimento de jovens que vão à montanha servir como mestres dos trabalhadores
rurais, transformar a montanha, mudar a vida do homem do campo, cita textos de
José Martí, como escalar montanhas une os homens, o que significa ensinar o
trabalhador rural etc... Enquanto ele estava falando eu disse: - isto é o que eu
estava esperando! A oportunidade que buscava! Estava um amigo em minha casa e
eu me levantei, peguei meus documentos e fui para o canal de televisão. Havia um
soldado e eu disse: - soldado por favor, quando o comandante Fidel Castro descer,
entregue isto. E lhe dei os documentos e fui novamente para minha casa. Quando
chego em casa meu amigo com os olhos assustados vendo Fidel abrir meus
documentos, dizendo que ali estava o primeiro mestre voluntário. Fidel começa
aplaudir.”
É possível perceber pelos relatos a motivação dos mestres e o “espírito” que
permeava seu trabalho. Ir à Serra era um ato revolucionário, e foi com este “espírito”
que ocorreu o treinamento preparatório dos mestres voluntários.
O treinamento foi dado na “Sierra Maestra” e durou três meses. As disciplinas
desenvolvidas foram: Didática, com um programa de leitura e escrita para crianças e
adultos; Matemática, para as primeiras séries, porque nos lugares onde os
alfabetizadores iriam atuar nunca existira escola e deveriam iniciar pelos primeiros
graus, e, ainda, um programa de agricultura, pois a grande maioria era da cidade e
atuaria no campo. Na área da psicologia tiveram algumas noções para trabalhar com o
trabalhador rural e sua família.
No programa, os mestres, além de algumas noções pedagógicas, tiveram noções de
vida em coletivo, com uma disciplina militar. O método utilizado para atingir o objetivo
foi bem colocado por CANFUX (1988:14) em seu trabalho Arroyo de Quivijan, relato
pessoal de um mestre voluntário, ganhador de vários prêmios em Cuba:
“En el desarrollo diario de las actividades del acampamento, se comenzó a utilizar
un lenguage poco conocido entre nosotros - la mayoria estudantes - y una forma de
actuar poco común en la que lo individual se entrelazaba con lo colectivo...
Entonces comenzó aquello de la crítica e autocrítica, el trabajo coletivo, las
reuniones, los circulos de estudio, la guardia, la autodisciplina, la emulación y,
sobretudo... el llamado constante a la consciencia.”
Podemos observar o currículo com disciplinas como espanhol, matemática,
agricultura e psicologia e, também, o “currículo oculto” centrado na relação
individual/coletivo, na crítica e autocrítica, na disciplina, enfim, na nova consciência.
Fica claro com este relato que, além de formar mestres, o treinamento tinha o objetivo de
formar quadros que ajudariam a construir a nova sociedade.
Para atingir esses objetivos era necessária muita disciplina e até mesmo
treinamento militar, pois deveriam aprender a defender-se e defender a revolução. Entre
as tarefas colocadas pelo treinamento estava a escalada ao Pico Turquino, a montanha
15 Nereida Rodriguez, entrevistada no dia 26 de fevereiro de 1993 em Havana, foi mestre voluntária e atuou durante a Campanha
como técnica assessora. Atualmente trabalha no MINED, na área de educação de adultos.
16 Infelizmente não dispomos dos resultados desta avaliação mas mesmo assim colocamos a questão dada a sua importância para
entender os objetivos do treinamento, já que não devemos separar os objetivos da avaliação.
“Tivemos que fazer muito trabalho com a associação de trabalhadores rurais para que
estimulassem os analfabetos, que controlassem sua assistência e lhes falassem da
necessidade de aprender a ler e escrever. O trabalhador rural cubano sempre lutou muito
pela escola, isto é uma característica de Cuba. O primeiro que pediam era escola,
mestres, mas quando chegaram a escola e o mestre eles falavam que lutaram para seus
filhos e não para si.”
Além do trabalho de convencimento, outra dificuldade encontrada foi a ideologia
da contra-revolução, que colocava os mestres como comunistas. Dado o isolamento em
que viviam estas pessoas e consequentemente seu nível de ignorância, muitos
acreditaram que “comunistas comiam criancinhas...” Segundo o relato de BARNET
(1993):
“Cada mestre era enviado a um local diferente por sorteio, e a mim correspondeu o
lugar que se chama El Cilantro. Era um povoado na montanha, às costas do Pico
Turquino, uma montanha tão elevada que se via, pela noite, as luzes da Jamaica.
Nesta época levei 2 dias e meio, um pouco a pé e um pouco em lombo de burro,
para chegar ao local. Não havia caminho, não havia terra plana, era um caminho
muito intrincado e cheio de pedras. Quando cheguei em cima, nunca haviam visto
a bandeira nacional, mas tampouco conheciam a roda pois o lugar não permitia que
nenhum veículo chegasse. Dizia que estavam na cultura da pré-roda. Não havia
escola, nunca houve antes uma escola ali. Nenhuma escola e nenhum mestre.
Quando cheguei, os pais, os trabalhadores rurais, escondiam as crianças e diziam
que os mestres iam levar suas crianças para a Rússia fazer embutidos, converter em
salame. Este pânico parece fantasia mas era muito sério. Quando cheguei me dei
conta de que estava totalmente só e totalmente desamparado, não recordava
nenhuma pedagogia destes três meses e nem sabia como começar.”
No relato de BARNET, verificamos que os pais não mandavam seus filhos à
escola, nem interessavam-se pelos estudos, forçados por imposições de ordem
econômica.
CANFUX havia relatado em depoimento anterior que o trabalhador rural cubano
historicamente lutou por escolas para seus filhos enquanto CANFUX relata que em sua
zona as crianças eram utilizadas como mão de obra barata não tendo assim interesse pela
sua escolarização. Estes relatos explicitam algumas contradições: alguns trabalhadores
queriam escola mas necessitavam da mão de obra de seus filhos por imposição de ordem
econômica, por outro lado nem todos os trabalhadores queriam escola, no caso do relato
de BARNET, as pessoas não conheciam nem a roda, nem a bandeira cubana, quer dizer a
necessidade da escolarização não estava colocada é diferente de outras regiões onde esta
necessidade estava mais explícita. No campo normalmente as crianças ajudam na
economia doméstica desde muito cedo existindo a contradição entre o querer a escola e
necessidade econômica.
Assim se em alguns locais a escola veio como reivindicação popular, em outros
esta necessidade não estava colocada necessitando assim de convencimento. Isto para o
período dos mestres voluntários em se tratando de crianças. Quanto ao convencimento
dos adultos os relatos são unânimes ao explicitar as dificuldades passadas para este
convencimento.
Essas dificuldades foram vencidas ao longo do processo e o entrosamento entre
trabalhadores rurais e mestres foi um fator importante para que os mestres tivessem uma
grande influência sobre a comunidade. É possível perceber isso através do relato de
BARNET, que contextualiza a comunidade em que trabalhou e como resolveu a questão
de sua inserção:
“Os trabalhadores rurais começam a explicar-me, como justificativa, que as
crianças não iam à escola porque não tinham sapatos e tinham vergonha que as
crianças fossem descalças. Me dei conta que isto era uma demagogia e eu me
permiti ser demagogo também, disse: me alegro que não vão à aula de sapatos
porque eu gosto de dar aulas sem sapatos. Então tirei os sapatos e comecei a dar
aulas sem sapatos...
É importante chamar a atenção primeiro do adulto porque se os adultos não
querem as crianças não podem ir. Então comecei a utilizar meus recursos pessoais
de experiência teatral e de televisão e de rádio. Comecei a fazer aos trabalhadores
rurais fogueiras, cantar, bailar e fazer mágicas, tirar moedas da orelha, piadas,
adivinhar o pensamento, ler a mão, as coisas mais absurdas, tudo o que me ocorria
fazia, e os trabalhadores rurais começaram a gostar(...)”
“ (...) O primeiro que lhes expliquei foi o sistema solar, pois eles pensavam que a
terra era plana, e que caminhando, caminhando pela terra poderiam chegar a outros
países, eu expliquei com laranjas, torronjas e o farol o sistema solar. O planeta
Terra, o movimento dos astros, ficaram fascinados e a partir daí compreendi que
poderia utilizar recursos mais elementares e que sempre seria fascinante para eles.
Isto conquistou os trabalhadores rurais e pouco a pouco me levavam seus
problemas, suas vivências amorosas, me pediam para escrever cartas aos seus
amores, me pediam para yue servisse como juiz em litígios que tinham a respeito
de animais, porque um deu uns porcos para cuidar e o outro cuidou e a porca teve
porquinhos e ele reclamava para ele os porquinhos... Tive que fazer julgamentos,
era advogado.”
Os mestres deram grande contribuição para a formação das organizações de massa
nos locais onde estavam. Entre outras a ANAP (Associação de Pequenos Agricultores ) e
a FMC (Federação de Mulheres Cubanas). O alfabetiZador normalmente era a pessoa
mais “instruída” do local e assumia, além de suas atividades pedagógicas, as tarefas
referentes à saúde preventiva, à higiene e à organização da população para participar
ativamente das mudanças que estavam acontecendo com a Revolução:
“Eu quero te falar dos organismos porque durante a Campanha de Alfabetização
foram surgindo os organismos de massa e nestas zonas não havia instituições
sociais. começaram a surgir em meio à Campanha de Alfabetização praticamente, a
Federação de Mulheres Cubanas, eu fui fundador da FMC lá, eu organizei as
mulheres. Os Comitês de Defesa da Revolução, as Milícias, a União de Jovens
Rebeldes, se chamava a organização dos jovens. E estas organizações se
fortaleceram muito porque o conteúdo delas naquele momento foi praticamente a
Campanha de Alfabetização, o conteúdo mais forte, e foi o que contribuiu para a
unidade nacional e os propósitos de toda a Campanha. É que este sistema que
começamos a trabalhar, das organizações de massa, se foram consolidando,
fazendo um sistema de relações e coordenações entre o Ministério e as
organizações de massa que favoreceu extraordinariamente, ao ponto que chegamos
dizer que sem organizações de massa não há educação de massa. A organização era
quem mobilizava, era quem motivava.” (CANFUX, 1993)
Mais uma vez percebemos a relação entre Revolução/Alfabetização quando é
resgatada a importância que teve a campanha na criação de algumas organizações de
massa e na consolidação de outras. Portanto, a participação na campanha foi uma grande
aprendizagem para a sociedade civil.
Constatamos que este processo iniciou-se durante a guerrilha e continuou com o
trabalho dos “mestres voluntários”, culminando com a Campanha que erradicou o
analfabetismo, em 1961.
Apesar dos esforços empreendidos e da valiosa experiência acumulada durante o
trabalho dos “mestres voluntários” poucos adultos haviam sido alfabetizados no período
inicial aqui descrito. Este fato exigiu estudos acerca das condições para se fazer um
esforço intensivo no sentido de se eliminar o analfabetismo em um ano. Em 26 de
setembro de 1960, Fidel Castro, que naquele momento era o Primeiro Ministro cubano,
em discurso na Assembléia Geral da ONU informou que, ao final de 1961, Cuba seria o
primeiro país latino-americano livre do analfabetismo.
CANFUX ressalta que Fidel não falou de improviso, que, na realidade, já haviam
estudos que permitiam afirmar o que seria feito em um ano.
“...Houve todo um período de preparação. Quando Fidel disse na ONU que íamos
alfabetizar em um ano já se haviam criado todo uma série de condições que
permitiam dizer que poderíamos fazer em um ano.”
Ainda segundo CANFUX, algumas condições materiais favoreceram o
desenvolvimento da Campanha de Alfabetização, por exemplo, a promulgação da lei de
Reforma Agrária. Com ela foram nacionalizadas as grandes propriedades latifundiárias,
que se tornaram grandes unidades de produção. Outra medida importantíssima foi a
socialização dos meios de produção, através da estatização de empresas e bancos
estrangeiros e nacionais, o que implicava a necessidade de grande contingente de
trabalhadores. As taxas de subemprego e desemprego foram reduzidas em 50% já no
primeiro ano. Foi estabelecido um programa de desenvolvimento da revolução em todas
as esferas de produção e serviços. Houve a ampliação dos serviços educacionais para
toda a população.17
Podemos dizer que essas condições favoreceram a Campanha de Alfabetização,
pois os interesses da população, naquele momento, coincidiam com os do projeto
revolucionário em curso. Além das condições materiais de vida da população
melhorarem sensivelmente, havia a confiança de que poderiam dar sua parcela de
esforço individual, pois se sentiam respaldados ao nível social.
Os objetivos da Campanha de Alfabetização deram-se neste sentido, como discute
CANFUX (1987:6):
“La gran campaña de alfabetización tuvo como objetivo fundamental enseñar a
leer y escribir a casi un millón de personas, partiendo del momento histórico que
vivían y considerando los profundos cambios que en el orden político,
económico e social se producían en el país, con el fin de elevar su grado de
participación, de una forma más consciente y productiva en el processo
revolucionario.”
No processo revolucionário a participação das pessoas era fundamental para o
sucesso do projeto estratégico de sociedade. Para isso a elevação cultural das massas era
fator fundamental, e a Campanha de Alfabetização um de seus principais instrumentos.
Em síntese este capítulo tratou de como a alfabetização de adultos estava colocada
historicamente mesmo que numa visão liberal, como na primeira fase de luta pela
independência, depois pela vanguarda que assumiu a direção da luta, que tinha uma
visão antimperialista, passando pelo período de guerrilha em que ela foi radicalizada,
sendo tratada de uma forma mais intensa na alfabetização dos guerrilheiros e da
população nos locais em que eles tinham o poder até chegar, com o triunfo da revolução
a materializar-se no sentido de uma ação mais estruturada com a preparação dos mestres
voluntários. O objetivo foi dar um caráter de processo ao tema colocada: alfabetização
de adultos.
É importante constatar já nesse primeiro capítulo como os depoimentos dos
mestres voluntários já apontam para a relação existente entre o processo revolucionário e
o processo de alfabetização.
Por exemplo com os depoimentos de BARNET, CANFUX e RODRIGUEZ que
explicitam que para eles participar da campanha era dar sua parcela de contribuição para
a revolução.
CAPÍTULO 2
O Período Preparatório
da Campanha
Setembro a Dezembro de 1960
CAPÍTULO 3
A Campanha de
Alfabetização Cubana
24 O técnico assessor era encarregado do acampanhamento direto dos brigadistas, no apoio pedagógico e controle estatístico. O
técnico responsável respondia por um determinado número de técnicos assessores e dava acompanhamento a esses técnicos, além
de ser o elo com a Comissão Municipal.
“ (...) tive uma dupla função, quer dizer, ao mesmo tempo que alfabetizava,
orientava os brigadistas. Foi importante, pois me permitia, por um lado, ver na
prática o que ia fazendo e o que nós concebíamos na preparação.”
Outra tarefa desempenhada, nesse primeiro período foi a localização e o censo
dos analfabetos, tarefa vital para o sucesso da Campanha. A localização foi feita tendo
como base o censo de 1953. Foi um grande desafio, pois muitos omitiam o fato de
serem analfabetos por vergonha ou por acharem que já eram muito velhos para o
envolvimento no trabalho de alfabetização. Muitos tinham 30, 40 anos e pensavam que
já não valia mais a pena estudar, pois já tinham “sobrevivido” assim. Nas regiões
montanhosas essa tarefa foi ainda mais difícil, pois as distâncias eram enormes e os
camponeses ainda mais resistentes à alfabetização. Essa tarefa contou com a
colaboração de mestres voluntários, mestres profissionais, organizações
revolucionárias e de massa, e também dos meios de comunicação.
Após o resultado do censo, por município, iniciou-se um trabalho em que as
pessoas analfabetas eram convencidas da importância de aprender a ler e escrever.
25 Dados retirados do Informe de la UNESCO. Métodos e medios utilizados en Cuba para la supresión del analfabetismo. 2 ed.
La Habana, Cuba: Instituto del Libro, p.46.
Dadas as condições adversas que os brigadistas encontraram é curioso verificar
que havia um pouco mais de jovens do sexo feminino do que masculino na brigada
“Conrado Benitez” . Através do relato de RODRIGUEZ, que participou inicialmente
como ‘mestra voluntária` e depois como assessora técnica da Campanha, é possível
perceber a dificuldade que tiveram as jovens em obter a permissão dos pais para se
incorporarem à Campanha:
“No mês de abril de 1960 me inscrevi como ‘mestra voluntária’. Tinha que levar
a autorização de meus pais. Meu pai se negou e então busquei o apoio de minha
mãe, que assinou escondida de meu pai. Não por um problema de indisciplina...
Meu pai dizia: como uma menina que nunca havia saído da cidade, poderia
passar dificuldades. Haviam dito que ir à Serra seria algo perigoso, que teríamos
que passar muito trabalho. Éramos muito dependentes dos pais, no ano de 59,
uma jovem não podia sair só como hoje, eu dependia dele totalmente. Me levou
a fazer este ato de indisciplina mas eu tinha o apoio de minha mãe. Ela me dizia
que lamentava que eu não teria as coisas da cidade. -Aqui podemos te dar de
tudo! Inclusive tínhamos, naquele momento, uma fábrica pequena e
economicamente não estávamos mal, pois éramos pobres. Meu pai me disse:- eu
compro o que você quiser, vou colocar um carro no teu nome e eu disse: - não
pai, não quero nada, o que quero é neste momento dar um grãozinho de areia
para a revolução. E assim me fui.”26
Esses brigadistas receberam um treinamento em Varadero, que se iniciou no dia
15 de abril de 1961. DIAS conta o porquê da escolha de Varadero, que é a praia mais
bonita de Cuba, como local para o treinamento dos brigadistas:
“O companheiro Fidel nos colocou a necessidade de estabelecer um
acampamento, ao qual viessem todos os jovens para que aprendessem o mínimo
no uso da cartilha e do manual e escolheu Varadero. Muitos companheiros
nossos diziam: - porque tem de vir um homem do extremo de Cuba, de Oriente,
ou de Ocidente a Varadero; porque não aprender a alfabetizar lá? E com uma
demonstração do que foi o passado e o que era o presente, Fidel falou, que todos
os jovens de Cuba que iam alfabetizar tinham que conhecer como viviam os
ricos em Varadero. Isso era uma medida revolucionária. Os benefícios que
tinham os figurões antes iam prová-lo os filhos dos trabalhadores, os filhos dos
trabalhadores rurais e nossos jovens. Por isto passaram por Varadero 7, 8, 10
dias.”
Analisando-se as razões dessa escolha nota-se por um lado, que ela levaria os
brigadistas a usufruírem daquilo que até o momento era privilégio de poucos cubanos:
a grande pérola de Cuba, que é a praia de Varadero, extremamente cobiçada pelo
turismo. Por outro lado, saindo de Varadero e indo direto para as zonas onde iriam
alfabetizar, os brigadistas teriam a oportunidade de sentir o “choque” das contradições
sociais vivenciadas até então pelos cubanos, e também o abandono em que viviam as
pessoas do campo até aquele momento.
A saúde dos brigadistas foi outra questão que demandou muitos cuidados por
parte da Comissão Nacional de Alfabetização. DIAS afirma que a responsabilidade da
26 Entrevista com Nereida Rodriguez, que foi mestra voluntária e assessora técnica da campanha e atualmente trabalha no
Ministério de Educação na área de educação de adultos. A entrevista foi realizada em fevereiro de 1993 em Havana, Cuba.
coordenação da Campanha era muito grande, pois afinal tiraram os jovens de casa
muito cedo, alguns tinham doze, treze anos.
“Em Varadero o Ministério de Saúde Pública nos cedeu um delegado e uma
equipe de médicos para dirigir a atenção médica para os jovens...Tínhamos dois
consultórios dentários para que saíssem com problemas dentários resolvidos.
Tínhamos um policlínico em cada uma das zonas de Varadero. Existiam postos
de saúde para garantir assistência a qualquer tipo de enfermidade...
E não terminou no dia 31 de dezembro. Ali se liquidou o analfabetismo, mas
todo o rastro que deixou em doenças, em problemas de saúde e uma série de
coisas, tudo isto se liquidou três, quatro meses depois. A revolução não
abandonou nestes quatro ou seis meses nenhum jovem. Ao extremo de trazermos
a família do interior da república para que vissem seus filhos enfermos em
Havana, e se não tinham sapatos lhes comprávamos os sapatos e se não tinham
um vestido lhes comprávamos um vestido. Esta mãe deveria ter a tranqüilidade
de que a revolução tomou seu filho para uma Campanha revolucionária, e
atendíamos seu filho pelo valor que tinha este jovem para nós.”
DIAS demonstra, ainda, como Fidel Castro e Célia Sanches estavam
preocupados com a parte humana da Campanha e acompanhavam de perto cada
detalhe:
“Fidel e Célia, nós dizemos que da Campanha o guia foi Fidel e a alma foi Célia,
pois Célia esteve metida na Campanha desde que se iniciou até que terminou.
A presença de Fidel era constante. E Célia no telefone... e Célia chamando... e eu
em Havana...e de Havana para Varadero...Por isto foi garantida a Campanha de
Alfabetização porque desde o primeiro homem da revolução até o menor, todos
se meteram nela com um entusiasmo e uma motivação! É como eu te dizia, isto
não se dá a não ser numa revolução como a nossa, não espere...”
Outro fato interessante relatado por DIAS foi a preocupação com a separação de
meninos e meninas em Varadero.
“...Quando chegamos ao teatro nós separamos, na frente as meninas e atrás os
meninos. Inclusive há uma canção que diz que: ‘- não importa que Mario Dias
nos mantenha separados, no final seremos esposas deles’, algo assim... A
revolução cuidava tanto disto pois era um exemplo tão lindo, tão grande, que não
poderia ser estragado com nenhum detalhe.”
No dia 17 de abril de 1961 houve o ataque Contra-Revolucionário a Praia Girón
e Praia Larga, onde atuava uma brigada-piloto, e mesmo com esses perigos os
trabalhos não foram suspensos. Era como se fosse um desafio colocado pelo inimigo e
que deveria ser vencido.
CANFUX, que viveu essa experiência, conta como foi. Os contra-
revolucionários, além da violência física, também trabalhavam ao nível político contra
os alfabetizadores: amedrontavam a população (analfabeta até o momento, e por isto
muito facilmente influenciável), colocavam os brigadistas como comunistas e,
portanto, como uma ameaça para a população:
“A escola funcionou e eu estava muito contente ali, dando aula e
desgraçadamente antes de começar a Campanha massiva houve ataques contra-
revolucionários. Um tipo dali, que chamavam “Aguia Negra” homem, andava
com 6, 7 homens armados fazendo contra-revolução e ameaçando os mestres que
ali estavam, exigindo que abandonassem as escolas porque eram comunistas. E
para nós, durante toda a preparação que tivemos na “Sierra Maestra”, nunca nos
falaram de comunismo. E comunismo, socialismo fomos conhecendo na luta.
Não posso dizer que foi o comunismo que me motivou para fazer este trabalho,
pois não conhecia seus fundamentos nem profundamente e nem de nenhum
modo porque aqui não deixavam que estas coisas se divulgassem. Mas de todas
as maneiras diziam que estávamos fazendo comunismo.”
CANFUX ressalta ainda que os brigadistas ganharam a confiança da população
apesar de toda a propaganda dos contra- revolucionários. A população acabou
protegendo-os:
“Os trabalhadores rurais, quando sabiam que vinham os contra-revolucionários,
me diziam: mestre, suba e esconda-se entre os sacos pois parece que estão vindo
para cá. E eu me escondia, às vezes, eu os via passar, outras vezes eu os via de
longe, sobretudo à noite.
Inclusive eu tinha dois alunos de sobrenome Pelegrim que eram sobrinhos deste
homem e eu não sabia. O pai deles me alertou, porque eu deixei uma barba? E
me sentia um Fidel também! E ele me disse: por quê você não corta a barba e eu
respondi: não tenho problemas porque aqui venho dar o pão do ensino e nada
mais, e não vou ter problemas com os alçados que não virão matar-me nem nada
disto. Mas ele me insinuava a cada momento e então me dei conta que ele era
parente deste homem e que alertava, inclusive, quando sabia que vinha ou que
estava perto.”
Havia muita solidariedade e os trabalhadores rurais nos cuidavam muito, de
qualquer coisa. Finalmente umas milícias serranas acabaram com eles, os levaram. Já
com a zona limpa de contra-revolucionários é que começaram a chegar os brigadistas
ali.”
RODRIGUEZ conta como viveu essa experiência, enquanto mulher. Apesar da
sua vontade ser a de participar ativamente, para defender a Revolução, foi colocada
como alguém que devia ficar na zona “protegendo” as mulheres, já que os homens
haviam saído em defesa da Revolução; naquele momento era essa a sua contribuição
como pessoa “mais esclarecida” da zona:
“Na Campanha se sucedeu muita coisa. Eu estava em uma região montanhosa,
na costa norte da parte mais ocidental de Cuba e naquele momento ocorreu a
invasão a Girón, como você sabe, atacaram a base aérea de Santo Antônio, que
estava muito próxima. Um dia antes da invasão, em que houve a morte de
companheiros que defenderam a revolução, houve esses atentados. Estava em
plena Campanha e não se paralisou nada, assumimos, por estar próximos da
costa, a grande mobilização do povo de Cuba. O que fizeram foi atacar Giron e
depois todos os demais, estávamos invadidos de navios por toda a Ilha, da
montanha víamos os barcos ianques perto de nós, havia uma grande mobilização
dos milicianos em toda a costa. Eu de imediato me apresentei no quartel da zona
dizendo que estaria disposta a lutar pela Revolução, que era a mestra da zona e
queria uma arma. Me disseram que todos os homens da zona se mobilizaram e
ficaram apenas as mulheres.”
Na opinião de RODRIGUEZ o fato de os ataques terem acontecido no mesmo
espaço e tempo em que ocorria a Campanha não foi por acaso:
“Esses ataques foram durante a Campanha para amedrontar a todos os
brigadistas que estavam na zona. Os pais não tiraram nenhum brigadista dos
lugares, eu então me mantive ajudando a levar alimentos a todos os mobilizados
que estavam na costa, os milicianos. Naquele momento a milícia já havia se
formado como defesa da revolução.”
BREDO também expõe como foi sua experiência:
“Na zona em que eu estava havia grupos de contra-revolucionários e isto era
uma dificuldade para a população, devido à fama que tinham estes grupos, que
podiam matar a qualquer um. Acusavam os brigadistas de comunistas, de estar
lavando o cérebro das pessoas, de estar doutrinando, assim estávamos todos
ameaçados. Foi uma dificuldade que vencemos.”
É possível verificar, pelos três depoimentos, o quanto os brigadistas se sentiam
ameaçados com os ataques contra- revolucionários e como resistiram firmes, sem
abandonar a região. Outro ponto observado: a propaganda feita contra os
alfabetizadores.
DIAS relata como foi a reação dos brigadistas que naquele momento ainda
estavam recebendo treinamento em Varadero:
“...quando se deu o ataque a Giron havia barcos na costa norte com cubanos
falando por rádio contra nós e nós falávamos por rádio contra eles... Se deu um
fato muito lindo: em um albergue houve uma histeria coletiva, começaram a
chorar... Então os jovens rebeldes levaram as meninas para a praia cantando o
hino nacional de Cuba. Então toda aquela histeria se converteu em uma guerra
verbal, dando gritos a Fidel, gritos à pátria, cantando o hino... Pense como havia
motivação, motivação patriótica, lindíssima!”
Esse relato ressalta, muito bem, a mística que havia em torno da Revolução (e,
conseqüentemente, da Campanha) e como os símbolos da pátria eram capazes, naquele
momento, de vencer até mesmo o medo da morte, que era real pois o ataque estava
acontecendo.
Nesse período da Campanha, as organizações de massa se integraram de uma
forma mais decisiva. Muitas delas nasceram ou foram solidificadas neste período, já
que a Revolução estava em seu início e todas as forças da sociedade civil estavam se
estruturando para as tarefas colocadas pelo novo processo que vivia a sociedade.
CANFUX emite sua opinião:
‘‘O elemento fundamental que uniu foi precisamente a causa única, isto eliminou
certas diferenças que pudessem existir entre as organizações na base.’’
Segundo o Informe da UNESCO, já citado, o Movimento 26 de Julho, o
Diretório Revolucionário 13 de Março e o Partido Socialista Popular se fundiram para
constituir as ORI (Organizações Revolucionárias Integradas), que desempenharam um
papel muito importante na orientação política da Campanha. Foi formada também a
JUCEI (Junta de Coordenação, Execução e Inspeção), organismo integrado por
técnicos e representantes de organizações de massa e do partido, que assumiu a
responsabilidade pela Campanha em cada província.
Em junho de 1961, foi realizado o “Seminário Internacional para a luta contra o
analfabetismo” organizado pela União Internacional de Estudantes. Nesse momento,
professores Latinoamericanos, solidários à Revolução Cubana, provenientes da Costa
Rica, Brasil, Uruguai, Panamá, México, Argentina e Chile, integraram uma Brigada
Internacional Voluntária de Alfabetização em Cuba. Como assinala KOLÉSNIKOV
(1983:94): “Esto fué un ejemplo de solidariedad internacional de las fuerzas
democráticas y del internacionalismo proletario.”
Os trabalhadores participaram da Campanha através dos comitês de
alfabetização formados nas fábricas. Esses comitês faziam o censo dos analfabetos ou
semi-analfabetos existentes nas fábricas e escolhiam os mestres voluntários. Esses
faziam um trabalho de convencimento, junto aos colegas detectados pelo censo como
analfabetos, e só então iniciavam a alfabetização. Os comitês faziam também
seminários, assembléias gerais e recolhiam dinheiro dos trabalhadores para comprar
material de alfabetização. Os trabalhadores doavam parte do seu salário para a
Campanha.
Em agosto, Fidel Castro fez um chamamento aos trabalhadores para que
participassem mais ativamente da Campanha, de forma a que se deslocassem também
para a zona rural. Apresentaram-se 30.000 trabalhadores, que formaram as brigadas
“Pátria ou Morte”. Esses trabalhadores não deixaram de receber seus salários, já que
tinham família para sustentar. Companheiros de trabalho cobriam seu serviço enquanto
eles alfabetizavam. Assim, não só os alfabetizadores deram sua contribuição à
Campanha, mas também aqueles operários que aceitavam trabalhar o dobro para que
outros pudessem alfabetizar.
Quando a Campanha estava no auge, tiveram um papel relevante os núcleos de
alfabetização. Cada núcleo era formado por aproximadamente 25 alfabetizadores, 50
analfabetos e um técnico assessor.
DIAS aponta a importância desses profissionais que assessoravam a Campanha
nas mais diversas áreas:
“O brigadista era o alfabetizador. Aqueles que o acompanhavam iam como
profissionais, como técnicos para fazer um trabalho mais profundo da cartilha e
do manual. Este era o papel destes 30.000 e poucos mestres que podiam ir, ou
dos médicos, dos contadores públicos, ou seja, daqueles que tinham mais nível e
que podiam acompanhar os brigadistas.”
Os técnicos assessores, geralmente professores, visitavam constantemente os
alfabetizadores e tinham reuniões semanais. Essas reuniões, quase sempre, contavam
com a participação de membros das organizações de massa, que ajudavam a
aprofundar os temas que seriam objeto de debate nas aulas. As reuniões serviam para
verificar as dificuldades dos alfabetizadores, dar orientações metodológicas e recolher
as estatísticas. Cada alfabetizador levava os trabalhos de seus alunos aos técnicos
assessores, para verificarem em que estágio de desenvolvimento se encontravam para
que pudessem ser melhor orientados. Esses dados eram passados ao técnico
responsável, que os enviavam à Comissão Municipal. Esta os repassavam para o
Conselho Provincial, de onde eram remetidos, finalmente, para a Comissão Nacional.
Assim, viabilizava-se o controle local e regional da Campanha, enquanto, a Comissão
Nacional tinha o controle de todo o país. As estatísticas permitiam que, a nível
nacional, houvesse um controle rígido sobre o desenvolvimento da Campanha. Os
dados informavam em que lição estava cada alfabetizando, quantos estavam
alfabetizados etc.
JURADO comenta, acerca da importância da estatística para a organização e o
controle da Campanha:
“Tínhamos uma seção técnica, esta seção era constituída por mestres, eu era a
responsável pela estatística. Para nós era fundamental o responsável pela
estatística. Por quê? Porque o responsável pela estatística, além de conhecer as
pessoas que estavam recenseadas como analfabetos e alfabetizadores, tinham o
controle das lições que os alunos iam vencendo. Nós podíamos saber que se
alfabetiza uma pessoa em 45 dias, há quem se alfabetiza antes ou demora mais,
mas o normal era 45 dias para que se alfabetizasse uma pessoa.”
Esse controle era feito através de planilhas simples, que os próprios brigadistas
ou membros das organizações de massa tinham condições de preencher, e eram
entregues a cada quinze dias para possibilitar as medidas necessárias para reverter
possíveis problemas.
O controle era feito também através de provas, que eram de três tipos: prova
inicial, prova intermediária e prova final. A prova inicial tinha o objetivo de
diagnosticar qual era o nível de conhecimento da escrita em que se encontrava o
analfabeto, para poder respeitá-lo durante o trabalho de alfabetização. Depois da quinta
lição era aplicada a prova intermediária, que permitia conhecer o rendimento do aluno,
durante o processo e viabilizar medidas tendentes a melhorá-lo, se fosse o caso. A
prova final era aplicada ao término da cartilha e tinha por objetivo verificar se a
clientela realmente estava alfabetizada. Caso não estivesse o trabalho continuava. Para
comprovar a sua formação, o alfabetizado deveria escrever uma carta. Muitos
escreveram a Fidel Castro, que era o Primeiro Ministro de Cuba, na época, e foi quem,
perante o mundo, anunciou que em um ano Cuba seria território livre do
analfabetismo. As cartas dirigidas a Fidel se encontram no Museu de Alfabetização.
A imprensa teve, durante toda a Campanha, um papel significativo. De abril até o
final, realizava programas de 15 a 45 minutos que se repetiam até 15 vezes ao dia. Em
setembro, todos os artistas populares cubanos dedicavam à Campanha três horas
mensais de programa televisionado. Isso, com certeza, ajudava a formar um “clima”
que envolvia toda a população.
Durante a Campanha houveram atividades paralelas à alfabetização e que foram
muito importantes, a cartilha de saúde pública, que foi distribuída aos brigadistas para
que dessem noções de higiene e de medidas preventivas de saúde, é um exemplo.
Assim o Ministério da Saúde chegou, através dos brigadistas, a todos os recantos de
Cuba com suas medidas preventivas.
DIAS, coordenador nacional da Campanha, relata :
“Junto com a cartilha se fez uma cartilha de saúde pública, para melhorar o meio
ambiente, ensinar a todos os trabalhadores rurais a ferver a água, o serviço
sanitário, o problema do asseio pessoal, do lugar, do vestuário, tudo sobre saúde
pública. Cada brigadista se converteu em um funcionário do Ministério de Saúde
Pública. Foram 100.000, em rincões onde nunca o Ministério de Saúde Pública
pôde chegar , e a revolução conseguiu ter um representante de saúde pública em
cada um destes rincões de Cuba. Esta é outra das coisas maravilhosas da
Campanha de Alfabetização.”
A Campanha possibilitou, também, a realização de um exame de saúde da
população e detectou muitas enfermidades. Os brigadistas, além de explicarem aos
alfabetizandos a importância de consultarem o médico, se necessário, acompanhavam
as pessoas até a sede do município para que fossem atendidas. Como podemos
constatar com o depoimento de RODRIGUEZ:
“O médico não estava em minha zona, pois era uma zona muito pequena. Não
existia médico de família, como hoje mas havia um médico novo, posto pela
Revolução, na cidade. Eu que os levava e trazia pois não havia tradição, não
havia costume, na zona, dos pais levarem. Depois fui criando uma cultura de
saúde, claro, não por mim, mas ajudada pelas condições que a Revolução dava
como a saúde grátis, a escola grátis...”
Durante a Campanha a população submeteu-se, ainda, a exames oftalmológicos,
para verificar quem precisava de óculos. As dificuldades com a falta de material para
fazer os óculos foram superadas. Numa sessão solene, cada alfabetizador recebeu os
seus óculos. Isso eliminou um obstáculo à aprendizagem dos alfabetizandos que
apresentavam diferentes modalidades de deficiência visual.
DIAS relata a importância que teve, para o sucesso do trabalho educacional, essa
preocupação com o problema oftalmológico:
“Eu queria te contar, também, que quando começamos a Campanha, tinha uma
quantidade de analfabetos que não poderia alfabetizar-se porque não
enxergavam. Porque se nós não tivéssemos o cuidado de resolver o problema da
vista, ao invés de 3,9% (de analfabetismo residual) teríamos uns 14%, 16% e não
teria sido uma Campanha com um final tão maravilhoso.”
DIAS conta, também, como conseguiram viabilizar em tão pouco tempo, tantos
óculos, diante das dificuldades decorrentes do início do processo revolucionário:
“...e esta coisa que parece uma bobagem como se resolveu? - esta coisa que
parece uma bobagem se resolveu da seguinte forma: em Cuba com o Triunfo da
Revolução os especialistas da vista eram os ricos ou os filhos dos ricos. Como o
imperialismo nos roubou tantos profissionais os primeiros que se foram foi esta
gente, ficaram poucos. Como os oftometristas27 eram mais parte do povo, ao
menos naquela época, e havia duas fábricas ou três de óculos, nos pusemos em
contato com eles e lhes pedimos apoio, já era outro organismo do Estado
apoiando, se esperássemos pelos médicos não poderíamos resolver. Então, Fidel
determinou que havíamos de utilizar os oftometristas.(...) nossa Revolução não
somente resolveu este problema, momentaneamente, para que alfabetizassem,
para poder baixar o percentual, mas ao mesmo tempo dar a vista para o
“Seguimento”, para ler jornais, para que pudessem se politizar, entreter-se, para
que pudessem viver a vida, entende? Lendo...que valor tem esta coisa que parece
uma bobagem e a conseqüência tão maravilhosa que isto tem!”
E DIAS acrescenta como os óculos foram recebidos pela população, a emoção
que foi poder enxergar perfeitamente naquele momento em que a leitura começava a
fazer parte do cotidiano de tantos:
“...Nós participamos de muitas destas festas, parece que as pessoas tinham tirado
na loteria. Havia uma alegria, cantavam, choravam... uma vizinha chamava a
outra, uma trabalhadora rural ia na casa da outra com os óculos e se sentava a
ler!!!”
27 Oftometrista era o técnico que manipulava o instrumento para medir as curvaturas da superfície refringente do olho.
“Criamos os acampamentos de aceleração da aprendizagem. De acordo com as
experiências que já tínhamos no trabalho. O que fizemos? Falamos com as
granjas, com todas as organizações. Então conseguimos o local e buscamos os
mestres mais familiarizados com o trabalho, os que tinham mais experiência. O
alfabetizando ia necessitar mais horas de aula do que estava acostumado. Ia se
esforçar um pouco mais para vencer o que faltava. Tínhamos que fazer certa
separação sem que eles se dessem conta para não afetá-los. Você sabe como é em
zona rural... assim fomos vencendo as etapas. Em 5 de novembro de 1961 nós
terminamos o trabalho.”
Relata, também, a metodologia empregada nos “acampamentos de aceleração”:
“No acampamento de aceleração aumentavam as horas de trabalho, então se
juntava o programa. Preparávamos um programa especial, combinávamos lições.
Ex.: a lição das Milícias uníamos com outra lição que tinha seqüência. Já
sabíamos quais eram as dificuldades e porque eles não venciam com rapidez.”
JURADO continua seu depoimento explicitando a forma como o responsável
técnico detectava os problemas e planejava o “acampamento de aceleração”:
“...Já tínhamos uma análise de cada um e a partir daí trabalhávamos. Em uma
reunião com o técnico de cada zona eram passados mais elementos para que
pudéssemos analisar. O responsável técnico deve ser como um médico, deve
fazer uma análise. Tem de dar o diagnóstico do porquê este aluno não venceu
suas dificuldades. Então nos reunimos com o responsável técnico para começar a
confeccionar os programas do acampamento. Os técnicos das unidades
analisavam os programas, de acordo com a investigação que tínhamos feito das
dificuldades, que apresentavam os que iam para o acampamento.
Fomos a outras províncias criar outros acampamentos, onde a seção técnica fazia
todo o levantamento, e fazia uma análise para que o programa do acampamento
desse resultado, porque era uma coisa que implantamos pela primeira vez. Não
tínhamos outras experiências destas.
Outra medida tomada foi a criação de “Avançadas Revolucionárias”, integradas
por pessoas que se incorporaram à Campanha em seu final, sob a direção técnica de
professores, para ajudar a erradicar o analfabetismo em Havana, nas zonas mais
difíceis, onde ainda existia um grande número de analfabetos.
O mesmo aconteceu com os chamados “Repassadores”, pessoas que durante o
fim de semana atuavam alfabetizando e dando formação política no interior da
província de Havana. Foi realizado um curso acelerado, com a direção do Conselho
Municipal, para preparar esses voluntários principalmente para o uso da cartilha
“Venceremos” e do manual “Alfabeticemos”.
Em 5 de novembro de 1961, Melena del Sur tornou-se o primeiro território livre
do analfabetismo em Cuba. Fidel Castro, em discurso pronunciado nessa região, assim
se expressou:
“Liquidar el analfabetismo no es más que un primer paso; después vendrán
nuevos pasos, después vendran nuevas batallas, porque nuestro pueblo tiene que
proponerse estudiar, superarse, saber cada dia más, para comprender mejor;
estudiar cada vez más, para comprender la verdad cada vez mejor.” (CASTRO,
apud KOLÉSNIKOV,1983:9)
Essas palavras expressavam a preocupação com a continuidade do trabalho de
educação de adultos, depois da Campanha. Essa havia gerado um clima de comoção
nacional; todos haviam participado de alguma forma mas, naquele momento, quando a
Campanha chegava ao fim, a preocupação com a continuidade aumentava, pois os
brigadistas deviam voltar às escolas e os trabalhadores às empresas. Isto é, a vida
voltava ao normal. Mas sem um trabalho de continuidade, como falou Fidel, pouco
teria adiantado tanto sacrifício da nação. Cuba precisava, naquela ocasião, de muito
mais do que pessoas alfabetizadas: necessitava um nível de cultura compatível com a
tarefa de construir uma nova sociedade.
Apesar de Melena del Sur ter terminado sua tarefa, os outros municípios
continuavam o trabalho com força total. Muitos dos brigadistas que atuavam naquela
localidade, deslocaram-se para outras regiões para continuarem colaborando com o
trabalho de alfabetização. Esse comportamento tornou-se uma prática: o brigadista que
terminava de alfabetizar deslocavam-se para ajudar os que ainda não haviam concluído
suas tarefas.
Os símbolos tiveram um grande papel na Campanha. Entre outros, havia uma
bandeira que era colocada em cada território livre do analfabetismo. Símbolo
importante, igualmente, foi o uniforme dos brigadistas, parecido com o dos
guerrilheiros do Exército Rebelde, já que tinham a tarefa de “combater” o outro
inimigo que era o analfabetismo.
DIAS relata o “espírito” dos brigadistas ao entrarem em Havana e como foram
recebidos pela população:
“Todos os companheiros do exército rebelde regressavam com o uniforme em
frangalhos, todo desbaratado, e os brigadistas tinham um uniforme parecido com
o do exército rebelde e eles se consideravam iguais, pois não haviam lutado em
uma batalha como a outra, mas haviam subido nas montanhas. Haviam feito
parte da guerra, de outro tipo de guerra e esta era uma motivação muito grande
que tinham os brigadistas e que tínhamos todos. Por isto quando regressaram
desfilaram por Havana os cem mil brigadistas...”
Outro símbolo importante era a assinatura do documento que declarava o
território livre do analfabetismo.
BREDO relata a emoção desses momentos finais da Campanha:
“Na Campanha houve dois momentos importantes para minha experiência
pessoal: primeiro, declarar o território onde estávamos livre do analfabetismo,
foi um ato muito bonito. Naquela época, eu falava muito, não pouco como agora,
eu gostava de fazer discursos, perdi isto, agora sou mais técnico, naquela época
era mais agitador, gostava de falar em público, fazer grandes discursos... Foi um
ato muito bonito porque participou toda a comunidade, foi muito alegre, se viu
um grande entusiasmo por parte da população.
Outro grande momento dentro da Campanha foi o ato nacional onde todos
desfilamos na praça, foi um ato muito emotivo, muito patriótico, foram dois
momentos muito importantes.”
No dia 22 de dezembro de 1961, ao finalizar a Campanha, os brigadistas
desfilaram em Havana e foram aclamados pelo público, como haviam sido aclamados
os guerrilheiros do Exercito rebelde após o triunfo da Revolução. 28 Foi um grande ato
público. Entre as palavras do discurso de Fidel estavam estas:
“Ningún momento más solemne y emocionante, ningún instante de júbilo mayor,
ningún de tan legítimo orgullo y de gloria como éste en que cuatro siglos y
medio de ignorancia han sido demolidos.
Hemos ganado una gran batalla, y hay que llamarlo así - batalla - , porque la
victoria contra el analfabetismo en nuestro pais se ha logrado mediante una gran
batalla, con todas las reglas de una gran batalla. Batalla que comenzaron los
mestres, que prosiguieron los alfabetizadores populares, y que cobró
extraordinário y decisivo impulso cuando nuestras massas juveniles, integradas
en el ejército de alfabetización ‘Conrado Benitez`, se incorporaron a esa lucha.
Y quando todavia hacía falta un esfuerzo mayor, llegó un nuevo refuerzo, el
último refuerzo, el refuerzo directo de la clase obrera directamente por medio de
millares de brigadistas ‘Patria o Muerte`.
28 Para documentar o número de pessoas que estavam presentes ao ato final da Campanha de Alfabetização foram coletadas fotos
no Museu da Alfabetização de Havana.
Las masas hicieran suya esta lucha. Todas las organizaciones de masas hicieram
suya esta bandera, y sólo así hubiera sido posible ganar la batalla.” (CASTRO 29
apud KOLÉSNIKOV, 1983:92-3)
É importante observar que a erradicação do analfabetismo não foi o único ganho
dessa Campanha. Conforme se observa, pelos depoimentos, os brigadistas e todos os
que participaram do processo aprenderam e não apenas ensinaram. Aprenderam que
era difícil a vida no campo, souberam conviver com suas diferenças e, unindo as suas
forças, puderam acabar com o “inimigo”, o analfabetismo. De alguma forma, a
Campanha influenciou a mentalidade de toda uma geração, como relata BREDO:
“Foi uma experiência extraordinária, porque realmente eles, ali, tiveram uma
mudança de conduta significativa, produto precisamente da interação da vida da
cidade com a vida no campo desconhecida para eles. Me parece que contribuiu
para formar toda uma geração, este é um elemento que poderíamos dizer como
um subproduto do processo da Campanha. Quer dizer toda uma série de jovens
em idade de escola primária, em interação, ali, com o campesinato, com os
habitantes da zona rural amadureceram mais rápido. Eu diria que as normas de
convivência, as convenções, o trabalho, realmente, os formou rapidamente e dali
saiu toda uma geração.”
Além disso, com o envolvimento de toda a sociedade ocorreu um grande
aprendizado de participação popular. Parece claro que, sem essa participação, a
Campanha não seria possível, ou pelo menos não se teria desenvolvido somente em
um ano. Essa meta só foi atingida com a soma de todos os esforços de uma infinidade
de pessoas:
“La alfabetización formó parte del intenso movimiento popular y de las ansias
profundas de renovación radical que vivía el país en los años iniciales de la
Revolución. En aquellos días hermosos, siglos de ignorancia se venían
estrepitosamente abajo...
...La campaña fue un importante acontecimiento político. Tuvo una culminación
exitosa con la participación activa de todo el pueblo cubano, de todas las fuerzas
revolucionarias del pais, estuvo impregnada de un verdadeiro espíritu popular.”
(KOLÉSNIKOV, 1983:96-8)
KOLÉSNIKOV salienta, das afirmações acima, dois fatores preponderantes para
o sucesso da Campanha: as condições vividas pelo país com o triunfo da Revolução e a
participação popular na Campanha. Esses dois aspectos permitiram, praticamente em
um ano, a erradicação do analfabetismo em Cuba.
Este capítulo tratou do momento culminante do processo de alfabetização de
adultos em Cuba: a Campanha de Alfabetização de 1961, que erradicou o
analfabetismo.
O capítulo seguinte mostrará como se deu a continuidade da educação de adultos, que
garantiu a erradicação do analfabetismo evitando o fenômeno da regressão. Este
fenômeno pode acontecer com os adultos que, apesar de alfabetizados, não continuam
em contato com a língua escrita e acabam perdendo o que haviam conquistado.
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FOTO 2
29 Obra Revolucionária, nº.52, p.6.
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FOTO 4
CAPÍTULO 4
Do Seguimento e
Superação Obreira
à Campanha de
Nono Grau
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A Campanha de Alfabetização Cubana foi o momento supremo de um processo de
alfabetização de adultos, que vinha ocorrendo desde os movimentos de luta pela
independência (1868-1898), pas-
sando pelos conflitos criados pela dominação política externa, os períodos de ditaduras
e culminando com o triunfo da Revolução em janeiro de 1959.
Conforme o exposto toma-se conhecimento de que a Revolução de 1959 passou
por diferentes fases. Logo após a vitória, o programa revolucionário baseou-se nas
diretrizes delineadas na famosa obra de Fidel Castro, A história me absolverá,
caracterizando-se pela adoção de medidas em resposta aos problemas econômicos e
sociais mais urgentes do país: a miséria, o desemprego, o analfabetismo, a
discriminação racial e de gênero, a prostituição etc. Uma das medidas de maior
impacto, deste período, foi a promulgação da lei de reforma agrária, que entregou a
propriedade da terra para os trabalhadores rurais e nacionalizou os latifúndios que
utilizavam mão-de-obra assalariada, mantendo-os como grandes unidades de produção
de propriedade estatal.
A preparação da Campanha de Alfabetização desenvolveu-se, durante essa fase
inicial, denominada mais tarde, nos documentos oficiais do Partido Comunista
Cubano, como “democrático-popular, agrária e antimperialista”30.
O encerramento dessa primeira fase deu-se, aproximadamente, por volta de abril
de 1961, em meio aos ataques contra-revolucionários e às vésperas da invasão à Praia
Girón. Fidel Castro proclamou o caráter socialista da Revolução Cubana por entender
que, estando já sob bloqueio econômico e enfrentando uma intensificação dos ataques
inimigos, o processo revolucionário correria vários riscos se não contasse com a
retaguarda do bloco socialista, tanto em termos econômicos quanto militares. Pode-se
acrescentar, no entanto, que apenas em outubro de 1965 foi constituído o Comitê
Central do Partido Comunista de Cuba, “partido único e força dirigente superior de
toda a sociedade e do Estado” (PCC,1986).
É importante ressaltar que essa mudança de fase do processo revolucionário
ocorreu em pleno auge da Campanha de Alfabetização, quando se estavam
incorporando as brigada. Constata-se, pois que a Campanha de Alfabetização de
adultos constituiu parte integrante do processo revolucionário desde seu início.
Já na primeira fase do processo, o investimento na alfabetização processou-se de
forma concomitante com a execução de muitas reformas estruturais. Além disso, no
primeiro momento da Campanha, o chamamento aos mestres voluntários, correspondia
a um convite para participar da Revolução, tal como se pode perceber pelos
depoimentos de BARNET, CANFUX e RODRIGUEZ. A Campanha de Alfabetização
de adultos, bem como, sua continuação, era considerada parte de um projeto de
elevação cultural das massas, como se pode destacar através das próprias palavras de
CASTRO:
“(...)La revolución no puede pretender asfixiar el arte o la cultura cuando una de
las metas y uno de los propósitos fundamentales de la revolución es desarrollar
el arte y la cultura, precisamente para que el arte y la cultura lleguem a ser un
real patrimonio del pueblo. Y al igual que nosotros hemos querido para el pueblo
una vida mejor en el ordem material, queremos una vida mejor también en todos
30 Para uma análise mais extensa dessas questões, cf. DONGHI (1989) e LOPEZ (1989).
los órdenes espirituales; queremos para el pueblo una vida mejor en el orden
cultural...” (CASTRO31, apud ZOTTA (1976:13)
Em resumo o que se pretendeu evidenciar no presente trabalho foi que a
Campanha, seus objetivos e sua própria metodologia estavam profundamente inseridos
no processo revolucionário.
A continuidade do processo revolucionário pressupunha a conquista de
hegemonia no interior da sociedade cubana. A Campanha teve um papel fundamental
na consecução dessa hegemonia.
Isso ocorreu, por um lado, através da formação de “quadros revolucionários”,
que se incumbiriam de propagar o ideário revolucionário por todo o país e de levar a
população a “amar a revolução”. Foi o caso, principalmente, dos mestres voluntários,
cujo treinamento, ao mesmo tempo em que os preparava para assumir tarefas ligadas à
educação, era igualmente treinamento de quadros para a Revolução. São indicadores
desse fato tanto os valores perpassados, que chamamos de “currículo oculto”, que se
expressam através de idéias e atitudes como aprender a viver no coletivo, a prescindir,
a incorporar a nova disciplina, bem como as condições materiais do acampamento, que
eram quase as mesmas do exército rebelde. No caso dos brigadistas, o treinamento foi
diferente, mas também não deixou de formar quadros para a Revolução: realizando-se
em Varadero, o treinamento pôde mostrar as contradições entre o conforto que
usufruíam os latifundiários e empresários cubanos e norte americanos, no passado, e a
dura realidade da vida da grande maioria da população cubana, que os brigadistas iam
encontrar no interior do país.
De fato, como ressalta BREDO, a Campanha de Alfabetização “formou” toda
uma geração: o contato dos brigadistas normalmente integrantes das camadas médias
urbanas com os contrastes do país, além de toda a formação política dada no decorrer
do processo, propiciaram sua adesão à proposta revolucionária. Pode-se observar, a
propósito, que muitos desses novos quadros vieram, mais tarde, a assumir outras
funções no processo revolucionário, como por exemplo a gestão de empresas
nacionalizadas.
Por outro lado, o mesmo objetivo, de busca de hegemonia revolucionária
configura-se claramente, também, em diversos aspectos do desenrolar mesmo da
Campanha, relacionados diretamente com a educação e organização da sociedade.
Alguns indicadores permitem essa inferência, como se procura expor a seguir.
O próprio caráter massivo da alfabetização, inserido num projeto mais amplo de
elevação cultural das massas, é um primeiro indicador.
Da mesma forma pode ser considerada a metodologia utilizada na Campanha. De
fato, os temas propostos na cartilha, visando a proporcionar ao alfabetizando o
estabelecimento de relações entre o seu cotidiano, o momento conjuntural que vivia a
sociedade e as mudanças estruturais que estavam ocorrendo, asseguravam-lhe um
melhor entendimento do real, habilitando-o a ter uma participação mais efetiva no
processo social. Além disso, ao se referir a questões como a igualdade de direitos para
setores discriminados (mulheres e negros), entre muitas outras, a cartilha ainda
transmitia o ideário revolucionário e permitia um melhor entendimento do real
objetivando a formação de novos valores adequados ao projeto de uma sociedade mais
justa.
Outro indicador importante é a continuidade dada ao processo de Alfabetização
através de sucessivos projetos de educação de adultos. Isto demonstra mostra que a
Campanha não foi um fato isolado mas que a educação era vista como uma das
prioridades, tanto que se garantiu oportunidades educacionais a todas as crianças em
idade escolar, de forma a evitar que se produzissem novos analfabetos.
ROJAS (1987:1), que foi assessora técnica da Campanha em nível nacional,
assim explícita essas questões:
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