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Vera Maria Vidal Peroni

A CAMPANHA
QUE ERRADICOU O
ANALFABETISMO
EM CUBA
UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Reitor
Jorge João Chacha
Vice-Reitor
Amaury de Souza

Coleção
FONTES NOVAS
Série Ciências Humanas
Aprovado pela Resolução 14/98 do Conselho Editorial da UFMS

Direção
Tito Carlos Machado de Oliveira
Câmara Editorial:
Tito Carlos Machado de Oliveira, Maria Eugênia Carvalho Amaral,
Flávio Aristone, Dercir Pedro de Oliveira e Wilson Ferreira de Mello
Conselho Consultivo:
Armen Mamigonian (UFSC), Ana Célia Castro (UFRRJ), Carlos Antônio
Brandão (UFU), Bruno Lautier (Sorbonne/Paris), Carlos Walter Porto
Gonçalves (UFF), Carmen Galan Lopez (Universidad Complutense), Dario
Henrique Alliprandini (UFSCAR), Dercir Pedro de Oliveira (UFMS), Francisco
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Flávio Aristone (UFMS), Ivani Catarina Arantes Fazenda (PUC/SP), Jorge
Araújo (Universidade de Évora), José Sanchez-Dehesa Moreno (Universidad
Autónoma de Madrid), Juan Carlos Rubinstein (Universidad Nacional de La
Plata), Jucimara Silva Rojas (UFMS), Luis Carlos Barbieri (FGV), Luiz
Ferracini (UFMS), Luiz Salvador Miranda de Sá Jr. (UFMS), Manoel Francisco
de Vasconcelos Motta (UFMT), Maria Eugênia Carvalho Amaral (UFMS),
Nilson Araújo de Souza (UFMS), Oleg Petrovich Tsukanov (UCDB), Rosa
Ester Rossini (USP), Valmir Batista Corrêa (UFMS), Walmir Silva Garcez
(UFMS) e Wilson Ferreira de Mello (UFMS).

Ficha catalográfica preparada pela


Coordenadoria de Biblioteca Central-UFMS

Vera Maria Vidal Peroni


A CAMPANHA
QUE ERRADICOU O
ANALFABETISMO
EM CUBA

Campo Grande - MS
2000

UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL

Projeto Gráfico e
Editoração Eletrônica
Editora UFMS
Revisão
Vera María Peroni Muller

Direitos exclusivos
para esta edição

UNIVERSIDADE FEDERAL
DE MATO GROSSO DO SUL
Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMS
Fone: (67) 787-1004 - 787-3311 - ramal 2015
Campo Grande - MS
e-mail:editora@nin.ufms.br

ISBN: 85-85917-XX-X
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil

Programa Cultural

FAPEC
Fundação de Apoio à Pesquisa,
ao Ensino e à Cultura

Ofereço este trabalho a todos os cubanos que participaram


da Campanha com garra e paixão, viabilizando assim a
erradicação do analfabetismo na Ilha.

APRESENTAÇÃO
O analfabetismo é uma questão social que afeta um bilhão de jovens e adultos em todo
mundo neste final de século. As conseqüências sociais são crescentes em um universo
que se torna cada vez mais globalizado em suas formas de comunicação letrada. sofrem
mais os países mais pobres, aqueles que mais dificuldades e recursos encontram para
universalizar uma escola para todas as crianças.
Muito tem se discutido sobre como superar tal questão social. Os países de
primeiro mundo conseguiram baixar os seus índices ampliando a escola básica para
todas as crianças no século passado. Hoje discutem residuais problemas com grupos
determinados, os migrantes e os ciganos por exemplo. Discutem ainda situações amplas
de desuso da leitura e escrita, substituídas por outras formas de comunicação como o
rádio, a televisão e o telefone. Há, no entanto, a segurança de que a escola atende a
maioria das crianças em seu objetivo de fazer as novas gerações ler e escrever.
Já nos países pobres a situação é diferente. Premidos por um Estado com poucos
recursos, utilizados quase sempre de maneira privada pelos grupos sociais dominantes,
grandes setores empobrecidos são relegados ao segundo plano. Sem forças para reagir,
sem consciência sobre seus direitos, sem poder fazer frente aos poderosos, esses setores
se reproduzem nos países do terceiro mundo. O analfabetismo é um produto desse
descaso social, dessa reprodução da pobreza.
A história tem demonstrado que três fatores são fundamentais para superar o
analfabetismo ou baixá-lo para índices residuais. O primeiro fator é a vontade política de
governos e lideranças que unida às necessidades dos mais pobres, buscam constituir
programas de educação de jovens e adultos mobilizando a sociedade. O segundo fator é
a combinação de tais programas com uma forte intervenção na oferta de uma educação
para crianças com qualidade, para que novas gerações não voltem a constituir novos
contingentes de não escolarizados. O terceiro fator é aquele que une ganhos
educacionais, com melhoria nas condições de vida da população alfabetizada, com
projetos de futuro, com mobilidade social, com esperanças de um mundo melhor.
Essa unidade ocorreu com os países capitalistas do sul, quando em alguns
momentos da sua história uniram escola com crescimento econômico e mobilidade
social, como na Argentina, no Uruguai e nos emergentes países asiáticos. Assim ocorreu
com os países do Leste Europeu. Assim ocorreu em processos revolucionários, como a
experiência cubana, tema deste livro.
Nas páginas seguintes o leitor encontrará um componente s sensível relato de um
dos períodos mais significativos da história latino-americana de luta para superar a
pobreza e a exclusão social. O trabalho de Vera Peroni trata da campanha de
alfabetização cubana nos anos 1960-61. Ao mesmo tempo que descreve os fatos, Vera
analisa os fatores que produzem a superação do analfabetismo. É um documento de uma
experiência que nos questiona sobre as razões do não agir dos nossos países.
As raízes da experiência de alfabetização cubana podem ser identificadas, através
da leitura do texto, nos movimentos de independência no século passado. Naquele
momento, sua população já lutava para unir a liberdade de poder ler e escrever a vida
nova que buscava construir. este talvez seja o maior exemplo desta experiência única.
Anos mais tarde, a campanha de alfabetização, além de ensinar a população a ler e
escrever, ajudou a fortalecer e a apoiar a revolução, constituindo organizações populares,
buscando dar instrumentos para que a sociedade civil pudesse melhor garantir e
expressar seus direitos e suas necessidades em um novo momento da história do povo
cubano.
Mas não é só isso que nos inspira este trabalho. Ele é também um exemplo de
trabalho acadêmico que ao buscar uma experiência em outro país, em uma outra
conjuntura, nos trás indicações de caminhos de como tratar um problema social da
dimensão do analfabetismo de jovens e adultos em países pobres como o nosso.
Um desses caminhos é o envolvimento dos jovens no compromisso, no
entendimento e no trabalho de responsabilidade social com os mais pobres, os excluídos.
somente quando as novas gerações privilegiadas se identificarem com os problemas e as
necessidades dos mais pobres será possível construir um país mais justo socialmente.
Assim foi com o povo cubano, quando milhares de jovens saíram do conforto de suas
casas e foram viver junto com os mais pobres, aprendendo sobre a vida, ensinando sobre
as letras.
No plano pedagógico, a campanha cubana se antecipou sobre questões que hoje
são discutidas intensamente. Um desses temas é o da preocupação com a regressão à
condição de analfabeto após o trabalho inicial da campanha, apontando para a
necessidade dos recém-alfabetizados continuarem em programas de escolarização.
quanto ao currículo, houve uma preocupação de tratar os conteúdos junto com a
formação da população para novos valores e comportamentos. os procedimentos
pedagógicos se preocuparam em tratar os conteúdos junto com a formação da população
para novos valores e comportamentos. Os procedimentos pedagógicos se preocuparam
em tratar os conteúdos a partir da realidade dos grupos sociais, mas apontando para o
futuro de uma nova sociedade, mostrando que o projeto político-pedagógico se constrói
a partir dos interesses e do envolvimento da população. Pode-se destacar ainda, pela
leitura do texto, a importância que foi dada na constituição de processos de ampliação
dos níveis de escolaridade para todos, na perspectiva de que a qualificação de toda a
população para o trabalho, a ciência e a cultura, seja fator de equidade social. A
campanha de alfabetização cubana teve êxito porque cumpriu com a unidade entre a
vontade política de implantar programas para jovens e adultos com processos de ganhos
sociais para a população, acompanhados de programas de escolarização para todas as
crianças.
Como podemos perceber, o exemplo da campanha cubana não é um exemplo
apenas de como superar o analfabetismo, é um exemplo de estratégia de política
educacional. É principalmente um exemplo de mobilização social, um exemplo de como
um povo, imbuído da vontade de mudança, faz do trabalho educacional um movimento
de construção de uma nova sociedade. O trabalho de Vera Peroni reflete este sentido.
Não é um trabalho técnico de quem procura indicadores de como aprimorar programas
de escolarização de jovens e adultos. Vera tem no seu olhar acadêmico o compromisso
apaixonado de quem quer um futuro melhor para os excluídos da nossa sociedade.
Sérgio Haddad
Prof. Dr. PUC/SP

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................13

CAPÍTULO 1
OS ANTECEDENTES DA CAMPANHA
DE ALFABETIZAÇÃO CUBANA .............................................................19
CAPÍTULO 2
O PERÍODO PREPARATÓRIO DA CAMPANHA
Setembro a dezembro de 1960 ................................................................57

CAPÍTULO 3
A CAMPANHA DE
ALFABETIZAÇÃO CUBANA ....................................................................77
A primeira etapa da Campanha:
Janeiro a abril de 1961...........................................................................................79
A segunda etapa da Campanha:
Abril a setembro de 1961.......................................................................................82
Fase final da Campanha:
Setembro a dezembro de 1961...............................................................................97

CAPÍTULO 4
DO SEGUIMENTO E SUPERAÇÃO OBREIRA
À CAMPANHA DO NONO GRAU .........................................................107

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................125
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................133

INTRODUÇÃO
O objeto desta análise é o processo de alfabetização em Cuba segundo seus
agentes. Tal objeto tem uma trajetória que será aqui exposta para o entendimento do
processo de construção deste trabalho e, conseqüentemente, para justificar a escolha do
tema.
A idéia de estudar o tema “campanhas de alfabetização” surgiu em 1990,
quando fui convidada a participar, como representante da Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul / Centro Universitário de Dourados, de uma comissão composta por
representantes da Secretaria Estadual de Mato Grosso do Sul e Secretarias Municipais de
Educação de Dourados e região e dos setores organizados da sociedade, para
implementar, em Dourados, uma campanha que na época se chamou “Alfabetizar para a
Cidadania”. Essa campanha não passou de “marketing” e, na realidade, não saiu do
papel. Mas suscitou em mim o interesse pela discussão da validade de uma campanha de
alfabetização de adultos.
Refletindo sobre essa questão, veio-me à mente a história dos fracassos dessas
campanhas no Brasil, culminando com o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL), e, por outro lado, a da Campanha Cubana de 1961, que erradicou o
analfabetismo. Comparando essas situações, parecia-me que a questão central seria a
relação que se estabeleceu entre a alfabetização e um projeto de sociedade. E ela
desdobrou-se em muitas outras: para que alfabetizar? Como a alfabetização estava
inserida no projeto estratégico do Brasil pós 1964? Qual era realmente o papel do
MOBRAL e, assim, quais foram os desdobramentos na sua estrutura, funcionamento,
metodologia? E em Cuba, no período pós-1959, como a alfabetização estava inserida no
projeto de sociedade? Por que erradicar o analfabetismo e fazer uma campanha de massa
no primeiro ano do processo revolucionário? Em resumo: Por que dois países com
projetos tão diferentes de sociedade investiram em campanhas massivas de
alfabetização?
A não-neutralidade de qualquer campanha de alfabetização é um fato e, sendo
assim, a metodologia posta em prática não deve ser analisada perdendo de vista o
objetivo a que se propôs a Campanha dentro de um contexto determinado. Só assim
poderemos analisar se os objetivos foram ou não alcançados e se a metodologia foi
adequada aos objetivos.
Destas reflexões surgiu, então, o que se pretendia inicialmente como objetivo do
trabalho: “estudo comparativo entre as Campanhas de Alfabetização de adultos em Cuba
(1961) e Brasil (1971)”.
Iniciando a coleta de dados referentes à Campanha Cubana, no Brasil, constatei a
escassez de fontes sobre o assunto entre nós.
Assim, se por um lado, essas dificuldades reafirmavam a importância do trabalho
pela falta de publicações sobre a Campanha Cubana no Brasil, por outro lado, a
necessidade de ir a Cuba, para coletar praticamente todos os dados da pesquisa,
transforma-se, na época, em um desafio.
Estabeleci contatos com o Ministério de Educação cubano, expondo minha
intenção de pesquisa e a necessidade de ter acesso a documentos e de ouvir
depoimentos. Tendo sido aceita, embarquei para Havana no dia 22 de janeiro de 1993.
Para minha surpresa, ao chegar ao Ministério de Educação de Cuba, na data combinada,
esperava-me uma pessoa que havia sido técnica nacional da Campanha de Alfabetização
em Cuba: a senhora Ana Rojas. Apesar de aposentada, foi solicitada pelo Ministério para
acompanhar-me na pesquisa. Fizemos um plano de trabalho de oito horas diárias,
durante quarenta dias, que contemplava os meus objetivos na pesquisa e que foi sendo
revisado, o tempo todo, para verificar se estava cumprindo o que realmente eu queria.
ANA ROJAS é uma pessoa de mérito reconhecido em Cuba, por toda uma vida
destinada à educação de adultos, e abriu todas as portas para que fossem coletados
documentos, fotos e principalmente muitas entrevistas com pessoas envolvidas
diretamente na Campanha que ocorreu há 33 anos.
Quando retornei ao Brasil, a possibilidade de fazer um trabalho à altura do que me
havia sido propiciado em Cuba, em termos de coleta de fontes primárias, deu ao projeto
uma outra dimensão. Pelo material coletado, pude perceber que a Campanha Cubana
teve muitas especificidades importantes a serem resgatadas, que foram parte da história
de Cuba e que eram pouco conhecidas no Brasil. Assim, foi-se delineando para meu
trabalho no Mestrado um novo objeto, que deixando de lado a idéia de comparação entre
os casos do Brasil e de Cuba, começou a focalizar, mais de perto, a Campanha Cubana,
aproveitando qualitativamente melhor a quantidade do material coletado, principalmente
as entrevistas, que avançaram da estrutura e funcionamento formal para a prática,
mostrando dificuldades, avanços e principalmente a motivação que permeou a
Campanha.
No entanto, cheguei posteriormente à conclusão de que os dados de que dispunha
forneciam muitas pistas para entender a Campanha mas ainda eram insuficientes para a
tarefa de definir o que foi a Campanha e para responder, categoricamente, para que
alfabetizar em Cuba naquele momento do processo revolucionário. Assim, nos limites do
material obtido, o objeto deste estudo configurou-se finalmente como “ o processo de
alfabetização de adultos em Cuba segundo seus agentes”.
É importante expor que cheguei ao final desta pesquisa com a clareza de que a
Campanha foi uma etapa do processo de alfabetização de adultos em Cuba, e que
entendê-la implica conhecer o processo como um todo. Esse processo, que se iniciou
desde as lutas pela independência, ganhou força durante a luta insurrecional e teve
condições de materializar-se com o Triunfo da Revolução, passando pela experiência
com os mestres voluntários e culminando com a Campanha que erradicou o
analfabetismo na Ilha.
Assim, o primeiro objetivo do trabalho passou a ser a descrição do processo de
alfabetização em Cuba, segundo o material coletado. É importante frisar que dessa
descrição, principalmente através das entrevistas, foi-se explicitando a relação entre o
processo de alfabetização e o processo revolucionário.
A partir daí, foi delineado o segundo objetivo: explicitar as formas pelas quais os
discursos dos agentes relacionam o processo de alfabetização e o processo
revolucionário. A Campanha era parte da Revolução, as pessoas envolviam-se na
Campanha com o intuito de participar da Revolução. Para ilustrar, reportamo-nos à fala
de DIAS, que conclui seu depoimento afirmando que a Campanha só foi possível pelo
momento revolucionário na qual germinou.
“ (...) a Campanha teve uma série de coisas adicionais tão gigantescas, tão maravilhosas
que só se faz com uma Revolução como a nossa, uma Revolução socialista. Os demais
poderão fazer muitas coisas mas não com este conteúdo (...)”
O trabalho foi organizado tendo como referência a perspectiva histórica e
buscando sempre fazer relações entre o que estava ocorrendo a cada momento, na
educação de adultos e na situação conjuntural do país. Trata-se, aqui, de uma opção
metodológica, ou seja, de entender o objeto historicamente e não como um fenômeno
isolado.
O primeiro capítulo ocupa-se dos antecedentes da Campanha Cubana e visa a
mostrar de que forma esta foi gerada num longo processo de lutas populares, que vão
desde a independência até o Triunfo da Revolução. Tenta-se evidenciar, que, em todas as
fases dessa luta, o desejo de elevação cultural do povo estava presente e como era
relevante para os cubanos a educação. Neste capítulo trata-se ainda, da alfabetização no
período de guerrilha, quando os próprios guerrilheiros eram alfabetizados e uma das
primeiras medidas aplicadas nos territórios ocupados era a alfabetização. Revela-se, que
ao triunfar a Revolução, juntamente com medidas de mudança estrutural da sociedade
(como a reforma agrária, nacionalização dos bancos etc.), a educação foi priorizada. O
chamamento de Fidel conclamou os mestres voluntários para assumirem o trabalho de
educação que os guerrilheiros do Exército Rebelde haviam iniciado em “Sierra
Maestra”.
O segundo capítulo refere-se ao período preparatório da Campanha de
Alfabetização, desenvolvida de setembro a dezembro de 1960. Nele estão expostos a
estrutura organizativa da Campanha, o papel das quatro seções administrativas, que
estavam presentes em nível nacional, provincial e municipal (seção técnica, de
propaganda, finanças e publicações), bem como a elaboração da cartilha e a da
metodologia utilizada na Campanha.
O terceiro capítulo trata das etapas referentes à execução da Campanha
propriamente dita: de janeiro a abril, as medidas organizativas como a capacitação de
alfabetizadores, o papel decisivo dos movimentos de massa e a experiência de uma
brigada-piloto; de abril a dezembro, criadas as brigadas Conrado Benitez (de estudantes)
e Pátria ou Morte (de trabalhadores), incorporando assim mais de 130 mil
alfabetizadores à Campanha.
O quarto capítulo trata da continuidade da educação de adultos em Cuba, com o
Seguimento e a Superação Obreira, logo após a Campanha. Seguiram-se, depois as
Campanhas do Sexto Grau (de 1975 a 1980) e a do Nono Grau (de 1980 a 1985).
Atualmente, é considerado analfabeto em Cuba quem não tem o nono grau.
Nas considerações finais, são destacados alguns pontos fundamentais, levantados
principalmente a partir de documentos e das entrevistas. Fazem-se, ainda, algumas
reflexões acerca do relacionamento entre processo de alfabetização e processo
revolucionário, baseadas principalmente nos relatos dos entrevistados.
Enfim, espero que este trabalho possa representar uma contribuição ao
conhecimento do processo estudado, particularmente tendo em vista a escassez de fontes
secundárias sobre o tema, não só no Brasil como até mesmo em Cuba.

CAPÍTULO 1
Os Antecedentes da
Campanha de
Alfabetização Cubana

Ao estudar a Campanha de Alfabetização Cubana de 1961, erradicadora do


analfabetismo na Ilha, constatei que ela foi fruto de um processo histórico no qual a
elevação cultural caminhou sempre
junto com as lutas anticolonialistas, antiescravagistas e antimperialistas. Durante toda
esta história de lutas a educação recebeu destaque como um aspecto importante no
desenvolvimento de uma nova sociedade.
O objetivo deste capítulo é mostrar que a Campanha de Alfabetização não foi feita
por decreto ou pela convicção pessoal de um dirigente em relação à educação, segundo
poderia parecer se observada isoladamente, fora do processo histórico. Assim, indicarei
de que forma foi gestada historicamente.
Posto que o objeto de estudo desta dissertação não seja a história de Cuba,
apontarei os fatos históricos apenas para localizar a alfabetização dentro do contexto.
Com o objetivo de mostrar, que desde o primeiro momento da guerra pela independência
até o triunfo da Revolução, a alfabetização de adultos sempre esteve presente. Ao
triunfar a Revolução, essa idéia pôde materializar-se, culminando com a Campanha de
1961.
Durante o período que antecede a revolução de 1959, em Cuba, a luta foi travada
primeiro contra a dominação da Espanha, depois contra a dos EUA.
A primeira fase da luta da independência contra a dominação espanhola, iniciada
em 1868, ficou conhecida por Guerra dos Dez Anos. O quadro colocado naquele
momento era: de um lado, os latifundiários cubanos sofrendo as conseqüências das
crises econômicas mundiais de 1857 e 18661, que provocaram uma queda no preço do
açúcar, a elevação das taxas de juros e a supressão quase total dos créditos; e, por outro
lado, os trabalhadores que começavam a se organizar. A essas dificuldades somava-se o
fato de a Coroa Espanhola aumentar constantemente os impostos. Esta situação
prejudicava o desenvolvimento econômico da Ilha, retardando, mais especificamente, o
desenvolvimento industrial.
Assim, podemos perceber a presença de condições materiais e políticas para a
emergência de uma guerra para a independência. No processo de independência, a
participação dos latifundiários mais avançados foi importante, pois além de
independentistas eram antiescravagistas. Entendiam que a independência era a única
solução para os problemas econômicos do país e que sem o apoio dos escravos, nas
frentes de batalhas, não atingiriam esse objetivo. Também foi importante a presença da
classe trabalhadora, que começava a se organizar.
No interior do processo de independência, é possível perceber que a alfabetização
de adultos já estava presente através da ação de Carlos Manuel Céspedes 2 , conhecido
como o pioneiro na luta pela autonomia, que já, neste período alfabetizava adultos, na
fazenda São Lourenço, quando foi assassinado em 27 de fevereiro de 1874. Dada a
importância de Céspedes nesse processo, torna-se possível constatar que há muito estava
impregnada, na cultura cubana, a preocupação com a alfabetização de adultos.
Outro fator relevante, na esfera educacional, nesse período, é a democratização do
ensino. Alguns nomes se destacaram nessa luta: Enrique José Varona (1849-1933),
Fernando Ortiz (1881-1959) e Alfredo Aguaio (1866-1948), entre outros liberais, que
influenciaram, desde a época colonial, os esforços pela democratização do saber. Pela
primeira vez na história de Cuba, essa idéia começava a materializar-se. Em um
território liberado do jugo colonialista, no ano de 1869, a Câmara de Representantes
aprovou a lei de educação popular, que instituía a educação gratuita para homens,
mulheres e crianças, além de uma disciplina onde constavam os direitos e deveres dos
cidadãos.
Ao terminar a Guerra dos Dez Anos, primeira etapa das lutas pela independência, o
país estava mergulhado em uma enorme pobreza: muitos fazendeiros estavam
arruinados.
Os capitalistas norte-americanos aproveitaram essa situação para comprar as terras
dos canaviais e os pequenos engenhos, além de algumas minas, transformando os
engenhos, em indústrias açucareiras e os fazendeiros em empregados. PADILLA
(1980:49) é quem expõe esta situação e conclui dizendo: “...Cuba seguía siendo colonia
de España, pero dependía económicamente de los Estados Unidos.”
A diferença entre a primeira e a segunda fase da guerra pela Independência era
que, na primeira, os latifundiários estavam à frente do processo e, na segunda, as
camadas médias3 passaram a ocupar esse lugar. Isto se explica porque na primeira fase
os latifundiários detinham o dinheiro, mas não o poder, pois esse, estava nas mãos da
Coroa Espanhola. Na segunda fase, os objetivos da vanguarda já não coincidiam mais
com os dos latifundiários, que se aliaram a Coroa Espanhola, na correlação de forças da
luta pela independência, como veremos.
A segunda fase da luta pela independência (1895/1898) teve no comando o Partido
Revolucionário Cubano, fundado e dirigido por JOSÉ MARTÍ.
É possível perceber que o pensamento de MARTÍ, que viveu no final do século
passado, já traduzia a importância dada à educação no período das lutas pela
1 1 As crises de 1857 e 1866 estão compreendidas no interior das crises cíclicas do capitalismo.
2 2 Céspedes foi um dos grandes líderes da primeira fase da Guerra pela Independência. Em 10 de abril de 1869 foi nomeado, pela
Câmara de Representantes, presidente da República de Cuba em Armas (Governo encarregado de dirigir a guerra contra a Espanha
e alcançar a independência). Em 24 de outubro de 1873, foi destituído do cargo por discordâncias com a Câmara de
Representantes (formada por representantes das diversas regiões que participavam da guerra).
3 3 Cf. LÉNINE (1984:377 e ss.).
independência de Cuba. MARTÍ (1990:44) relacionava a educação às conquistas
básicas: “Un pueblo instruido será siempre fuerte e libre... Saber leer es saber andar.
Saber escribir es saber ascender”.
Mas, por outro lado, MARTÍ colocava que essas conquistas só seriam possíveis se
viabilizassem a independência da colônia em relação à Espanha e, também, em relação
ao capital norte -americano que, naquele período, já iniciavam sua dominação em Cuba.
A citação que segue explicita o pensamento de MARTÍ (1990:8) quanto à relação
projeto de educação/projeto de sociedade:
“El caráter de la escuela, el caráter de la educación que se consigue de ella, está en
gran medida influido por el carácter y el espíritu de la sociedad que la mantiene.
Cierto que la escuela ejerce una función que en algo influye en la sociedad con su
participación en la formación de jóvenes, pero esa en la sociedad con su
participación en la formación de los jóvenes, pero esa función está condicionada en
alto grado por el caráter de la sociedad misma, pusto que la sociedad crea la
escuela con características que son como reflejo de sus mismos caracteres. Una
estrutura social al estilo de las que se amañan en las llamadas democracias
representativas, creará y alimentará para su servicio una escuela en la que quedarán
reflejados los principios y los caracteres de esas clases de democracias; una
sociedad socialista dispondrá su escuela con una estructura y un espiritu
socialistas; como la escuela de los países fascistas fue formada como reflejo de la
estrutura y los ideales fascistas.”
Nesta segunda fase o objetivo imediato, qual seja, a conquista da independência
nacional, permanecia o mesmo. Mas o momento era outro, assim como outra era a
correlação de forças. A direção da luta, nessa fase, estava nas mãos das camadas médias
da sociedade, cujos interesses coincidiam com os da classe trabalhadora. Já havia
acontecido o primeiro Congresso de trabalhadores (1892), que contou com mais de mil
delegados, apesar do cerco das tropas enviadas pelas autoridades coloniais. Entre 1892 e
1894, ocorreram muitas greves, cuja principal reivindicação era a jornada de trabalho de
oito horas, mas que também se pronunciavam pela independência do país.
A partir daí os grandes latifundiários voltaram-se contra o movimento
independentista e ficaram ao lado do governo espanhol, para impedir uma possível
vitória popular na guerra.
Como já foi acentuado, o objetivo estratégico da vanguarda consistia em não só
livrar Cuba do colonialismo, como também enfrentar a ameaça do nascente domínio
norte-americano. Os fatos subseqüentes comprovam a realidade dessa ameaça: em 1902
a guerra estava praticamente ganha, após muita luta por parte dos cubanos, mas os EUA
interviram, provocando um incidente com o barco de guerra Maine , que, sob o pretexto
de proteger a vida e a propriedade dos norte-americanos radicados em Cuba, aportou na
Ilha e foi dinamitado.
Os espanhóis foram acusados, o que fez com que os EUA, há anos interessados em
comprar Cuba dos espanhóis, entrassem na guerra “dando início ao que Lênin
classificou de primeira guerra imperialista da história” (PARTIDO COMUNISTA DE
CUBA - PCC, 1987:4)
Os EUA asseguraram o apoio da oligarquia dominante em Cuba na época: os
latifundiários, a grande burguesia açucareira e a grande burguesia comercial, que não
tinham interesse na diversificação do desenvolvimento industrial do país e de sua
economia. Assim, Cuba libertou-se da Espanha mas ficou sob a dominação dos EUA.
MARTÍ (1990) já havia colocado que só seria possível a realização das idéias
referentes à educação quando os cubanos estivessem livres não só do colonialismo
espanhol mas também do imperialismo norte-americano. Como isso não ocorreu
imediatamente, aconteceu uma interrupção de quase 60 anos nos projetos de construção
de uma nova sociedade, de um novo homem e de uma nova educação.
Ainda sobre a intervenção dos EUA em Cuba, MIRES (1982:283) afirma:
“A fines del siglo XIX Estados Unidos habia invadido Cuba para preservar el
‘orden interno`. Em 1901, Cuba obtuvo la independencia formal de parte de
Estados Unidos, pero su gobierno tuvo de suscribir la llamada Emmienda Platt,
inscrita en la propia constitución cubana, en donde era reconhecido el derecho
norteamericano a controlar la politica exterior del país, así como el derecho a
intervenir ‘para proteger la vida, la liberdad y los bienes de sus concidadanos`.
Además la emienda otorgaba a los norteamericanos os derechos para establecer la
base militar de Guantánamo, que todavía subsiste”.
A Emenda Platt, em seu artigo terceiro, autorizava o governo dos EUA a intervir
nos assuntos internos de Cuba; em seu artigo sétimo, estava estabelecido que o governo
de Cuba venderia ou arrendaria aos EUA as terras necessárias para carvoarias e estações
navais. Foi assim que Guantánamo ficou sob o controle dos EUA, situação que
permanece até hoje.
Tanto econômica como politicamente, Cuba estava sob a tutela dos EUA, que
controlavam seu comércio exterior - 70% das exportações e cerca de 70% das
importações - bem como cerca de 40% de toda a produção de açúcar e a quinta parte das
terras férteis.
Como não poderia deixar de ser, também a dominação ideológica estava presente
na ação dos EUA em Cuba, como bem coloca KOLÉSNIKOV (1983:35):
“Parte integrante de la política imperialista dos EE. UU. em relación a Cuba fue la
expansión ideológica, que se realizaba através de múltiples canales: convenios de
‘colaboración cultural`, ‘ayuda técnica`, el Instituto Cultural Cubano-
Norteamericano en la Habana, ediciones especiales em español de periódicos y
revistas norteamericanos, programas de radio, exportación de películas, etc. Se
intensificó la norteamericanización del sistema educacional en Cuba, a las escuelas
cubanas les imponían los programas y manuales norteamericanos, se estimulaba la
discriminación racial de la populación negra en el campo educacional.”
Além de toda essa influência ideológica no campo educacional, a falta de
investimentos no setor pelos governos cubanos, apoiados pelos EUA, no período
anterior à Revolução de 1959, mostra que não havia interesse em elevar culturalmente a
grande maioria da população. O próprio KOLÉSNIKOV (1983) diz que, segundo as
estatísticas de 1953, apenas 55,6% da população em idade escolar freqüentavam a
escola. Na zona rural o índice caía para 38,7%. Daqueles 55,6% apenas 15%
continuavam os estudos após o quarto grau, que correspondia à escola primária. Quanto
ao analfabetismo, tema deste trabalho, os números não eram diferentes: crescia
permanentemente o número relativo de analfabetos com relação à população maior de 10
anos: em 1931, era 20,8%, em 1943 representava 22% e, em 1953, atingia 25,6%. Em
1958 a população analfabeta maior de 10 anos aumentou para 33%.
Esse era o saldo da educação no período anterior à Campanha de Alfabetização.
Sobre ele, resultado do período de quase 60 anos de ingerência política dos EUA,
CANFUX (1987:2) afirma:
“Para la educación, la ocupación significó - entre otras cuestiones - la interrupción
y tergiversación del legado pedagógico de Agustín Caballero, Félix Varela, José de
la Luz, José Martí y otros ilustres educadores.”
Muita luta foi necessária para reverter o quadro de ingerência política,
econômica e cultural dos EUA em Cuba.
Cuba viveu ditaduras sangrentas, primeiro com Machado (1925-1933), depois com
Batista (1952-1959), presidentes que governaram com o apoio dos EUA. Mas o povo
cubano lutou muito durante esse período. Os estudantes tiveram papel fundamental na
luta. Destaca-se Julio Antonio Mella, líder estudantil universitário e um dos fundadores
do Partido Comunista Cubano. Juntamente com os partidos de esquerda e os
trabalhadores, os estudantes fizeram muitas greves gerais.
Tudo culminou com a luta insurrecional, originada quando Batista interrompeu a
campanha para as eleições de 1952 e assumiu o poder por um golpe militar. Fidel Castro,
que na época era advogado e membro do Partido Ortodoxo, participou da campanha
eleitoral como candidato. Assim se pronunciou, mais tarde, sobre a situação então vivida
pelos cubanos:
“Era uma vez uma república. Tinha sua constituição, suas leis, suas liberdades:
presidente, congresso, tribunais; todo mundo podia se reunir, organizar-se, falar e
escrever com inteira liberdade. O governo não satisfazia ao povo, mas o povo
podia mudá-lo e só faltavam alguns dias para que o fizessem. Existia uma opinião
pública respeitada e acatada, e todos os problemas de interesse coletivo eram
discutidos livremente. Havia partidos políticos, horas de propaganda pelo rádio e
pela televisão, atos públicos e no povo palpitava o entusiasmo. Este povo tinha
sofrido muito e, se não era feliz, desejava sê-lo e tinha direito a isto. Tinha sido
enganado muitas vezes e olhava o passado com verdadeiro terror... Pobre povo!
Uma manhã a cidadania despertou estremecida; nas sombras da noite os espectros
do passado tinham se conjurado enquanto ela dormia... Não, não era um pesadelo;
tratava-se da triste e terrível realidade: um homem chamado Fulgêncio Batista
acabava de cometer o horrível crime que ninguém esperava...”(CASTRO 4 apud
SADER (1987:18))
Alguns cubanos, inconformados com a ditadura em que estava mergulhado o país,
concluíram que não tinham outro caminho a seguir a não ser a luta insurrecional, isto é, a
revolta armada.
O primeiro fato significativo da luta insurrecional foi o assalto ao quartel
Moncada, na província de Oriente, em 26 de julho de 1953. Essa ação visava despertar a
população para a luta contra a ditadura; seria, assim, uma “centelha” que, propagando-
se, levaria à derrubada de Batista e ao restabelecimento da democracia em Cuba. O
grupo insurreto contava com a conjuntura a seu favor, o povo descontente com a
situação, mas o plano fracassou; muitos foram mortos e os demais presos e processados.
Entre estes encontrava-se Fidel, que, mais tarde, foi julgado e assumiu sua defesa com o
célebre documento “A história me absolverá”, que se tornou programa de governo do
“Movimento 26 de Julho”.5
Muitos membros do “Movimento 26 de Julho”, incluindo Fidel Castro, exilaram-
se no México, onde se organizaram política e militarmente para retornar ao país, já com
a adesão de vários voluntários, entre eles Che Guevara e Camilo Cienfuegos.
O retorno a Cuba ocorreu em dezembro de 1956, num dramático e tumultuado
desembarque nas vizinhanças de Santiago de Cuba (província de Oriente): dos oitenta e
dois homens que desembarcaram, apenas vinte e dois sobreviveram aos confrontos com
as forças do governo, conseguindo internar-se nas matas de “Sierra Maestra”.6
Inicia-se, então, outra etapa da luta insurrecional, centrada na guerrilha rural com o
apoio, nas cidades, do “Movimento 26 de Julho”, que se fortalecera nesse período.
Entre seus principais líderes estavam Fidel Castro, Ernesto Che Guevara e Camilo
Cienfuegos. O Exército Rebelde, como passou a ser chamado o grupo guerrilheiro,
desenvolvia diversas ações junto aos trabalhadores rurais da região da “Sierra”, entre
elas a ajuda sanitária com orientação médica e o trabalho de alfabetização.
Quanto ao trabalho de alfabetização de adultos no período da guerrilha, ZOTTA
(1976:15) destaca:

4 CASTRO, Fidel. A história me absolverá. Havana : Editorial de Ciencias Sociales, 1985.

5 O Movimento 26 de Julho abarcava as forças descontentes com a ditadura e ganhou esse nome pela data do assalto ao quartel
Moncada.

6 Ver Sader, 1987, p.31


“En primer lugar, todo guerrillero debía ser en la práctica un maestro en el sentido
más amplio del término; un combatiente, pero también, y al mismo tiempo, un
organizador social; un difusor y fundador de cultura: por conseguinte, la campaña
de alfabetización había comenzado durante la lucha de libertación, en la misma
lucha armada. Los guerrilleros abrieron las primeras escuelas en Sierra Maestra y
del segundo frente, dirigido por Raúl Castro, surgió - por orden militar- la ley
orgánica del departamento para la educación, cuya función consistía en instruir a la
población de los territorios liberados, además de elevar el nivel cultural de los
próprios guerrilleros.”
A própria guerrilha era considerada como um ato pedagógico, como podemos
observar ainda nas palavras de ZOTTA (1976:16):
“Con esa iniciativa (alfabetización) se ponía en práctica especialmente un principio
que era fundamental en la experiencia de la guerrilla cubana: la relación entre
ejército y pueblo es una relación básicamente pedagógica, de formación de
conciencias.”
É possível, assim, perceber como a preocupação com a alfabetização de adultos
estava presente já no período de guerrilha, como uma verdadeira opção.
Cerca de 80% dos soldados do Exército Rebelde eram analfabetos no início da
guerrilha, o que tornava esse trabalho essencial. O fato de se estender a alfabetização
para a população dos territórios ocupados, trabalhadores rurais e seus filhos, tinha
também um sentido político: além de divulgar as idéias da revolução, ampliava a
confiança da população em relação aos guerrilheiros. As pessoas percebiam que os
revolucionários não apenas falavam que a educação seria priorizada, mas já a estavam
priorizando na prática.
JURADO, que trabalhou junto ao Exército Rebelde assim registrou sua
experiência:
“O trabalho que realizávamos no acampamento de Manágua estava situado em
Santo Antônio que pertence a província de Havana. Os mestres foram alfabetizar
os soldados, fui diretora deste trabalho. O trabalho com os rebeldes foi
maravilhoso. Nós recebemos muitas experiências com este trabalho pois já eram
adultos, adultos que tinham passado uma série de trabalhos e vicissitudes, por isto
o ensino para eles deveria ser motivado, tinha sua disciplina. Além de trabalharmos
com a cartilha, eles nos contavam suas experiências para termos um intercâmbio.
Quando terminamos o trabalho em Manágua, nos integramos na Campanha.
Indiscutivelmente na experiência de Manágua, tínhamos uma grande organização e
controle.”7
Por esse relato podemos observar que, mesmo nesse primeiro momento, quando
não havia um estudo mais sistemático a respeito da metodologia, alguns princípios já
eram respeitados como: partir da experiência do aluno e trabalhar a educação vinculada
ao momento histórico e ao contexto. A cartilha usada não era ainda a elaborada pela
Comissão Nacional de Alfabetização, que foi utilizada durante a campanha. A única
cartilha então existente para o trabalho com adultos havia sido elaborada pela Igreja
Evangélica.
Outra questão colocada por JURADO é a da disciplina, organização e controle,
elementos que faziam parte do “espírito” revolucionário e que foram fundamentais para
o sucesso do Exército Rebelde. Os educadores, que até então eram fruto da ideologia
liberal imposta pelos EUA em Cuba - também na área da educação - puderam, além de
ensinar os Rebeldes, aprender uma nova lógica em termos de educação: a da disciplina

7 Entrevista feita com Isabel Jurado no dia 17 de fevereiro de 1993 em Havana. Jurado dirigiu os trabalhos de educação em um
acampamento do Exército Rebelde, logo que triunfou a Revolução. Ao iniciar a campanha foi técnica responsável em Melena del
Sur e criou os acampamentos de aceleração, experiência que foi bem sucedida e implantada em outras zonas.
Como JURADO reconhece, estabeleceu-se um intercâmbio de conhecimentos.
CRUZ (1988:63) expõe qual era o quadro da economia cubana quando ocorreu a
Revolução de 1959:
“Cuba heredó del neocolonialismo una estrutura económica deformada, con una
base agrícola de carácter extensivo, con escasso desarrollo industrial concentrado
fundamentalmente en la rama azucarera; un considerable retraso tecnológico y una
baja eficiencia de la producción, una dependência irracional del comercio exterior,
de donde provenia la mayor parte de los productos básicos, disponiendo en cambio
de sólo unos pocos e inestables renglones de exportación, principalmente de
origem agropecuário, correspondendole el mayor peso específico al azúcar.”
Além desse quadro precário, ainda imperavam em Cuba a prostituição, o jogo e
toda espécie de corrupção e de contravenção, ligados inclusive à máfia norte-americana.
Frente a tal conjuntura, com o triunfo da Revolução em janeiro de 1959, o novo
governo baseou suas ações no documento já mencionado, (“A história me absolverá”), e
sua ação se deu no sentido de priorizar a elevação do nível de vida do povo e a
superação do analfabetismo, da prostituição, do jogo, da corrupção, da discriminação
racial, da repressão, da crise habitacional e do desemprego. Ao mesmo tempo, visava
construir uma nova estrutura de poder que estivesse de acordo com as mudanças
estruturais necessárias no momento.
Assim, as primeiras medidas tomadas foram referentes à educação, à reforma
agrária, à nacionalização de muitas indústrias, bancos etc... As medidas educacionais não
aconteceram antes nem depois das medidas estruturais, mas ao mesmo tempo, sendo
desencadeadas simultaneamente e com a mesma ênfase. é o que se pode constatar pelas
afirmações de GALLÓ (1961:21-5), em conferência proferida em 1961 na Universidade
Popular, sobre a Campanha de Alfabetização:
“Para vencer en este frente (revolucionária),... no basta el derrocamiento del poder
político, sino el viraje radical que tiene que produzirse en la consciencia y que
entraña un cambio substancial en el contenido ideológico y en la transformación
profunda de las instituiciones.
...Y es que el analfabetismo, como el hambre, sólo se puede erradicar erradicando
las causas que lo produzem. Y el imperialismo no puede extirpar ni el hambre ni el
analfabetismo, porque seria negarse a sí mesmo...Sólo puede hacerlo um pueblo
que toma el camino del socialismo, el pueblo cubano vencerá en la lucha contra el
hambre y contra el analfabetismo.”
GALLÓ argumenta que sem a mudança das consciências não seria possível
implantar o projeto revolucionário e que essa mudança dar-se-ia através do investimento
em educação.
Argumenta, ainda, que só foi possível o êxito de uma Campanha de Alfabetização,
como a feita em Cuba naquele momento, por ter sido acompanhada de uma mudança
estrutural na sociedade.
Com esses argumentos é possível perceber o caráter dado à proposta
revolucionária daquele momento. Isto é, as mudanças dar-se-iam simultaneamente em
todas as instâncias da sociedade, sem privilegiar uma em detrimento de outra.
GALLÓ (1961:24) expõe, também, qual era a necessidade da alfabetização no
interior do processo revolucionário:
“Cual es la actitud del socialismo frente al problema de los analfabetos? La esencia
del socialismo, independientemente del alto ideal moral que aflora de sus entrañas,
tiene como necesidad el desarrollo de las fuerzas productivas y de la cultura en
todos los niveles.Y como es una sociedad en que el proletario y el campesino, los
que trabajam, son los que dirigen el tren de la sociedad, hacia su educación se
orienta fundamentalmente.”
É possível, assim, perceber que a grande motivação ao nível institucional pela
erradicação do analfabetismo, naquele momento, foi a participação de todos na
construção da nova sociedade, que deveria ser qualitativamente melhor em todos os
sentidos. O instrumento maior desta construção era o próprio homem e o investimento
em sua formação era tarefa primordial.
Em março de 1959, uma das primeiras medidas do novo governo revolucionário
cubano foi a criação da Comissão Nacional de Alfabetização e Educação Fundamental,
ligada ao Ministério da Educação. Comissões similares foram criadas nas províncias e
municípios, sendo responsáveis por todo o trabalho frente ao analfabetismo. No mesmo
ano, foram criados oitocentos e quarenta e quatro centros de estudo, aos quais se
incorporaram dois mil e oitocentos e trinta e dois mestres 8 - eram os mestres voluntários,
que respondiam ao chamamento de Fidel, que afirmava, pela televisão, que o
analfabetismo era um inimigo tão poderoso quanto o imperialismo e por isso era preciso
continuar o trabalho educacional iniciado pelo Exército Rebelde, na etapa insurrecional.
CASTRO (1993:7), em discurso proferido no “Pedagogia 93: Encuentro por la
unidad de los educadores Latinoamericanos”9, coloca qual era o quadro da educação
cubana no campo quando os “mestres voluntários” foram chamados a colaborar:
“Estaba claro que había que llevar la educación a las montañas y ya desde la guerra
se habían hecho los primeros esfuerzos en la educación, pero el primer problema
en la paz era llevar los maestros al campo. Habia de miles de niños y adolescentes
en aquellas regiones sin maestros, teníamos consciencia de aquello y les habíamos
prometido a los campesinos enviarles maestros: fue una de las primeras cosas que
hicimos. De ahí resultó la necesidad de desenrolar los primeros maestros - que
llamábamos maestros voluntarios- para ir a las montañas.”
Grande parte desses mestres tinha como motivação a participação ativa no
processo revolucionário. Responder ao chamado de Fidel significava para muitos dar a
sua parcela de contribuição para a nova proposta de sociedade. É o que podemos
observar com CANFUX, que atuou como mestre voluntário:
“Motivado fundamentalmente porque quando triunfou a revolução eu tinha 18 anos
e estava muito preocupado pois não havia participado da luta insurrecional. A
ditadura foi muito feroz aqui, a tirania, com muitos assassinatos e muita injustiça.
Como jovem me sentia complexado por não ter participado da luta clandestina.”10
E nesse sentido, também, relata BARNET :
“Quando descubro este documento ( La História me Absolverá) me incorporo na
vida política, na clandestinidade. Tenho como um sentimento de culpa de não
haver tido uma participação mais agressiva na luta. Ao triunfar a revolução eu
tenho este sentimento de culpa mas eu não sou um homem de armas, não sou um
homem de ação, sou um homem de reflexão, de pensamento. Desde o triunfo da
revolução estou com este sentimento de culpa e buscando de que maneira eu
poderia me incorporar a um lugar como a Serra Maestra. Para nós a Serra Maestra
naquele momento era o enigma, o mistério, um lugar a que ninguém havia
chegado. É a montanha mais alta do país e a selva mais intrincada e eu pensava que
se estes homens que lutaram na Serra Maestra, os trabalhadores rurais ajudaram a
estes homens, estes trabalhadores rurais agora me dessem esta ajuda... Tenho uma
dívida histórica com meu país, com minha pátria, com estes homens, de fazer

8 A palavra mestre foi traduzida do espanhol maestro, Não foi traduzida como professor pois existe um entendimento em Cuba da
diferença entre mestre e professor. O primeiro está mais comprometido com a educação e a formação do ser humano. Professor é
colocado como alguém que ministra aulas.
9 “Pedagogia’93" foi um encontro Latino Americano de Pedagogia realizado de 1 a 5 de fevereiro de 1993 em Havana.
10 Jaime Canfux Gutiérrez, entrevistado no dia 22 de fevereiro de 1993 em Havana, foi mestre voluntário, assessor técnico da
Campanha de Alfabetização, organizador do Seguimento em sua região e permanece na educação de adultos até hoje. Participa da
equipe de educação de adultos do Ministério da Educação como chefe de departamento da SOC (Secundária Obrera e Campesina)
e FOC (Faculdade Obrera e Campesina).
algo que não fiz antes, algo mais agressivo e a minha maneira de ser agressivo
era ir a Serra Maestra e romper os moldes de minha mente da cidade, de homem
de asfalto, de Vedado11 e ir a Serra Maestra.(grifo da autora) 12
Com essa motivação, BARNET, o primeiro a inscrever-se como Mestre voluntário,
conta sua experiência:
“Uma noite estava em casa escutando Fidel na TV. Fidel fala e explica, não a
Campanha de Alfabetização, antes. Fidel explica a necessidade de criar um
movimento de jovens que vão à montanha servir como mestres dos trabalhadores
rurais, transformar a montanha, mudar a vida do homem do campo, cita textos de
José Martí, como escalar montanhas une os homens, o que significa ensinar o
trabalhador rural etc... Enquanto ele estava falando eu disse: - isto é o que eu
estava esperando! A oportunidade que buscava! Estava um amigo em minha casa e
eu me levantei, peguei meus documentos e fui para o canal de televisão. Havia um
soldado e eu disse: - soldado por favor, quando o comandante Fidel Castro descer,
entregue isto. E lhe dei os documentos e fui novamente para minha casa. Quando
chego em casa meu amigo com os olhos assustados vendo Fidel abrir meus
documentos, dizendo que ali estava o primeiro mestre voluntário. Fidel começa
aplaudir.”
É possível perceber pelos relatos a motivação dos mestres e o “espírito” que
permeava seu trabalho. Ir à Serra era um ato revolucionário, e foi com este “espírito”
que ocorreu o treinamento preparatório dos mestres voluntários.
O treinamento foi dado na “Sierra Maestra” e durou três meses. As disciplinas
desenvolvidas foram: Didática, com um programa de leitura e escrita para crianças e
adultos; Matemática, para as primeiras séries, porque nos lugares onde os
alfabetizadores iriam atuar nunca existira escola e deveriam iniciar pelos primeiros
graus, e, ainda, um programa de agricultura, pois a grande maioria era da cidade e
atuaria no campo. Na área da psicologia tiveram algumas noções para trabalhar com o
trabalhador rural e sua família.
No programa, os mestres, além de algumas noções pedagógicas, tiveram noções de
vida em coletivo, com uma disciplina militar. O método utilizado para atingir o objetivo
foi bem colocado por CANFUX (1988:14) em seu trabalho Arroyo de Quivijan, relato
pessoal de um mestre voluntário, ganhador de vários prêmios em Cuba:
“En el desarrollo diario de las actividades del acampamento, se comenzó a utilizar
un lenguage poco conocido entre nosotros - la mayoria estudantes - y una forma de
actuar poco común en la que lo individual se entrelazaba con lo colectivo...
Entonces comenzó aquello de la crítica e autocrítica, el trabajo coletivo, las
reuniones, los circulos de estudio, la guardia, la autodisciplina, la emulación y,
sobretudo... el llamado constante a la consciencia.”
Podemos observar o currículo com disciplinas como espanhol, matemática,
agricultura e psicologia e, também, o “currículo oculto” centrado na relação
individual/coletivo, na crítica e autocrítica, na disciplina, enfim, na nova consciência.
Fica claro com este relato que, além de formar mestres, o treinamento tinha o objetivo de
formar quadros que ajudariam a construir a nova sociedade.
Para atingir esses objetivos era necessária muita disciplina e até mesmo
treinamento militar, pois deveriam aprender a defender-se e defender a revolução. Entre
as tarefas colocadas pelo treinamento estava a escalada ao Pico Turquino, a montanha

11 Vedado era um bairro nobre de Havana antes do Triunfo da Revolução


12 Entrevista com Enrique Pineda Barnet realizada em Havana no dia 8 de fevereiro de 1993. Barnet atualmente é diretor de
cinema, professor no Instituto Superior de Artes, na Faculdade de Artes, da Faculdade de Cine, Rádio e Televisão e assessor
diplomado de cinema da Universidade de Vera Cruz no México. Foi o primeiro mestre voluntário que atendeu ao chamado de
Fidel.
mais alta de Cuba, com aproximadamente dois mil e cinco metros. Segundo CANFUX
(1988:17), partiam para a tarefa às três da madrugada cantando o hino dos mestres:
Las aulas de los montes
se abrán a la verdad
las aulas de los montes
Las aulas de los montes
sus maestros tienen ya,
que están prestos a enseñar
Vamos, vamos, voluntários,
Vamos, vamos a enseñar...
en una mano los libros
y en pecho el ideal.
Los montes y los llanos
que vieron la lucha ya,
Los árboles frondosos
também vieron libertad.
Los ríos e arroyelos
nos vendrán a saludar
y las aulas se abrirán.
vamos, vamos voluntários
Vamos, vamos a enseñar
en una mano los libros
y en el pecho el ideal.
A última frase do hino e o fato de sairem cantando às três da manhã para executar
uma tarefa, como a de caminhar durante onze horas, demostram a motivação que
permeava o início da revolução e, em particular, a dos mestres voluntários que, como no
hino, pensavam que junto com o livro, símbolo da educação, uma tarefa concreta que
iriam executar; ademais, havia o ideal de estar participando ativamente na construção da
nova sociedade.
Isto fazia com que superassem as dificuldades colocadas, pois eram jovens de
centros urbanos, acostumados a relativo conforto e tiveram de adaptar-se às dificuldades
colocadas em “Sierra Maestra” pela convivência no coletivo e pela disciplina militar.
Mas estavam convictos de que, assim como os guerrilheiros que tinham vivido durante
anos naquela “Sierra”, também eles teríam que dar a sua contribuição. Foi extremamente
simbólico esse treinamento e carregado de muita emoção, como é possível perceber no
relato de BARNET :
“O treinamento foi muito duro, foi fundamentalmente psíquico e moral, não
pedagógico pois em três meses não se pode aprender uma pedagogia mas um
treinamento físico. Para um jovem naquele momento ir ao campo era algo
estranho. Quando começamos a subir a montanha que escorregava, dávamos um
passo a cima e escorregávamos para trás. Era um esforço, um esforço psíquico e
moral e romper este esforço, ter ar, ter coragem, não ter medo da escuridão, de um
animal desconhecido, da vegetação foi o esforço e a aprendizagem fundamental.
Estar juntos, lutar juntos pela vida, comer mal, dormir mal, aprender a prescindir,
prescindir é algo muito importante, aprender a prescindir e saber de quê não se
pode prescindir. Há coisas de que não se pode prescindir, é como aprender a
hierarquizar as coisas da vida e isto se aprendeu de uma maneira muito primária,
homem com homem, irmão com irmão construindo um teto de palma para poder
dormir, preparando uma comida para comer algo primário, repartindo.”
Através do relato de BARNET, podemos observar alguns outros elementos
presentes no “currículo oculto”13, como aprender a prescindir, que naquele momento
queria dizer tanto romper com uma mentalidade de consumo e aprender a hierarquizar o
que era realmente importante14 quanto no sentido de uma nova lógica em relação a
disciplina e a hierarquia, que também faziam parte do treinamento em seu currículo
oculto . Aprender a prescindir tanto no material quanto no espiritual, espiritual aqui
colocado como o esforço psico e moral que ele relatava e que se dava através da
disciplina.
CANFUX ressalta também este aspecto do confronto entre alguns hábitos urbanos
e as condições materiais do acampamento, descrevendo o seu impacto inicial ao chegar
ao local do treinamento em “Sierra Maestra”:
“Aquilo foi uma experiência tremenda porque quando nós saímos de Havana
acostumados à zona urbana, a caminhar no plano, como é natural, e de repente
aquelas montanhas... aquilo foi terrível. Tivemos que subir uma montanha que
chamavam La Bela que escorregava muito porque quando chovia era um pouco
argilosa. Pensava que era cruzar La Bela, passar La Bela e chegar ali já e em
seguida acomodar-nos em algum lugar, e arrumar as coisas. E quando chegamos ali
não tinha nada e quando o chefe nos disse que aqui é que vamos parar, eu dizia:
como é possível pois aqui não há teto, não há nada, mas ele dizia: é aqui. Este dia
pusemos as camas de campanha entre as árvores em cima colocamos uma lona que
nos deram, uma espécie de casinha. Ali sempre estava chovendo e nos metemos em
baixo da lona até passar o aguaceiro. Eu pensava que não ia resistir mas em
seguida com o coletivo saiu um lema: ‘Só os cristais se racham os homens morrem
de pé. Ante o temor de arrazar-nos, quer dizer acovardar-nos, aí me mantive no
acampamento. Claro, ao início como tudo estava tão rústico e tão à intempérie foi
mais difícil mas na medida que passou o tempo fomos criando condições mais
favoráveis, que nunca foram favoráveis como era necessário... nos organizamos
por companhias, como se ali fosse um exército, mas ali não falávamos de guerra.”
BARNET também ressalta este aspecto do “currículo oculto”, de aprender a
conviver com as dificuldades e conhecer a realidade do campo, já que a maioria tinha
uma mentalidade urbana, questão mencionada em relato anterior ao assumir-se como
homem do asfalto de Vedado.
Assim eram todos os mestres voluntários. Conhecer a realidade do campo e
conviver com ela, naquele momento, era conhecer Cuba, conhecer para poder
transformar. Esse foi outro aspecto muito presente no treinamento.
CANFUX continua seu relato colocando-se agora a respeito do currículo, das
disciplinas e seus objetivos:
“(...)Davam-nos alguma preparação militar mas apenas para manter a disciplina e
nada mais. Próprio de um acampamento com tantas pessoas. Tudo girou ao redor
da pedagogia. Nos deram aulas de agricultura, de psicologia, de matemática, de
espanhol, do ensino da leitura e escrita fundamentalmente. Aprendi muita
psicologia profissional, que deveríamos chegar ao trabalhador rural, que o
fundamental era conversar muito, conhecer seus problemas, identificar-nos e
sobretudo que a pessoa aprendesse a amar a revolução. Esta era uma das coisas que
nós levávamos como proposta às zonas onde iríamos.
Há pelo menos quatro aspectos que merecem ser ressaltados nesta fala de
CANFUX: preparação militar para manter a disciplina, que tudo girou ao redor da
13 Currículo Oculto, aqui, entendido como aquele que não estava explícito na forma de conteúdos, mas que era perpassado
enquanto valores a serem incorporados.
14 Na entrevista de Barnet, é explicitado o que ele coloca neste momento como aprender a prescindir, entendendo que ele era um
publicitário famoso e como conseqüência tinha um padrão elevado de vida. No treinamento ao contrário as condições materiais de
vida eram propositalmente muito rudimentares o que com certeza foi a aprendizagem de uma nova postura frente a hierarquia dos
valores colocados até então por uma sociedade de consumo.
pedagogia, a relação que deveriam estabelecer com o trabalhador rural e que a pessoa
aprendesse a amar a revolução.
Mais uma vez aparecem o treinamento militar e a disciplina como elementos
ressaltados durante o treinamento. Reforçando assim a fala de BARNET a respeito do
treinamento psico e moral onde a disciplina era colocada como uma grande
aprendizagem do currículo oculto.
Quando CANFUX defende que o treinamento militar era só para disciplinar e que
na realidade tudo girava em torno de uma pedagogia, o entendimento de pedagogia dele
e de BARNET diferem pois BARNET ressaltou em relato anterior que o treinamento foi
psico e moral, não pedagógico, pois em três meses não se aprende nenhuma pedagogia.
Ao que parece Pedagogia aqui está colocada por CANFUX de forma mais ampla,
colocando inclusive o rol de disciplinas mas também o currículo oculto como por
exemplo que deveriam levar o trabalhador a amar a revolução, além de outros pontos
reforçados em seus relatos.
Quando CANFUX relata a cerca da psicologia, ressalta alguns pontos relevantes
de como deveria ser o contato do mestre com o trabalhador rural, como por exemplo,
que deveriam conversar muito, conhecer seus problemas, identificar-se com o
alfabetizando. Por um lado CANFUX tem razão isto tudo faz parte da pedagogia, mas
também tem o aspecto de ganhar a confiança do trabalhador rural, inclusive para
conseguir seu objetivo maior: levá-los a amar a revolução.
E este é o quarto ponto, amar a revolução; levar a população a amar a revolução
era um dos eixos fundamentais do investimento em educação naquele momento do
processo revolucionário.
É ressaltado neste quarto ponto a íntima relação entre processo de alfabetização de
adultos e o processo revolucionário, sendo que o eixo central no meu entendimento era
levar o ideal da revolução a todos os rincões de Cuba, tentando ganhar a hegemonia da
população para o processo revolucionário.
Na continuidade do relato de CANFUX, percebemos outra faceta do currículo
oculto, o coletivo, trabalhar no coletivo, viver no coletivo:
“Esta foi uma experiência muito boa porque aprendemos a trabalhar no coletivo.
Quando chegamos ao acampamento éramos todos individualistas, só pensávamos
em nós mesmos e ali aprendemos o que era a solidariedade, a amizade, a
disciplina, que coisa era o grupo. Para mim foi uma transformação, eu não sabia
trabalhar no coletivo, não sabia comportar-me no coletivo e o curioso do caso é
que ali ninguém te dava aulas de como se comportar no coletivo, o curioso é que a
vida mesma ...”
Ajudar a despertar o indivíduo para a coletividade, para a relação
indivíduo/sociedade queria dizer dar a sua contribuição para o projeto revolucionário, no
sentido de formação das consciências para que o projeto tivesse hegemonia na sociedade
civil. O treinamento, como percebemos nos relatos anteriores, acentuou no seu
“currículo oculto” esta nova mentalidade que necessariamente passava pela
solidariedade, amizade e também pela disciplina. Através da disciplina um indivíduo
aprende a respeitar algumas regras da vida no coletivo. Como o objetivo da Revolução
era a formação de uma nova sociedade com uma nova mentalidade, o treinamento
cumpriu sua parte nesta grande tarefa. Com estes relatos verificamos novamente a
relação projeto de alfabetização de adultos e projeto revolucionário.
RODRIGUEZ reforça o que acabamos de expor quando, em seu depoimento,
reforça o que acabamos de desenvolver quando argumenta a respeito de como sentiu-se
um sujeito ativo, participante do processo revolucionário:
“Estive três meses no acampamento de Minar del Frio, fomos em trem, o trem saiu
de Havana, como estava em Matanzas me pegaram em Matanzas. Eu recordo
aquilo como algo inesquecível, a cidade inteira de Matanzas foi despedir-se de seus
mestres voluntários. Isto para mim deu um sentimento de ser uma pessoa
importante, útil, aquilo ia mudando minha mentalidade, me fazendo participante do
processo revolucionário que ia vivendo.
E, ainda, quando argumenta sobre a disciplina, a camaradagem e o respeito dos
companheiros:
Já na Serra, a camaradagem, o respeito dos companheiros pois íamos homens e
mulheres naquele lugar. A disciplina do acampamento... davam aulas militares pela
manhã para aprendermos a viver disciplinadamente, aprendemos a atirar para
atender a revolução, depois tínhamos aula de Didática, de Espanhol, de
Matemática, nos prepararam para os primeiros ciclos de escola primária das
crianças e fazíamos também caminhadas extensas para preparar-nos.”15
Continuando seu relato, RODRIGUES descreve a emoção de encontrar o busto de
Martí e a bandeira cubana no topo do Pico Turquino. Percebemos então, o orgulho cívico
que movia a população que participava da revolução, naquele momento, e como o
pensamento de Martí estava presente naquela juventude que tinha como aspiração uma
nova sociedade:
“Uma das provas de graduação era subir o Pico Turquino, que tinha 2.005 metros
do nível do mar, e tínhamos de estar preparados e isto não se fazia em um dia.
Portanto nestes dois meses anteriores à subida do Pico Turquino tínhamos de estar
preparados fisicamente. Uma coisa inesquecível quando chegamos àquele lugar.
Parecia assombrado pela neve, pelo lugar, era tão alto... encontramos ali o busto de
Martí que havia sido levado por outros revolucionários e uma bandeira cubana.
Nos abraçamos e imediatamente descemos, na descida passávamos por casas de
trabalhadores rurais que nos brindavam com coisas de comer, uma grande
solidariedade!”(grifo da autora)
Dentro deste “espírito”, voltado para os novos valores que deveriam permear o
processo revolucionário, transcorreu o treinamento:
A avaliação final do treinamento foi realizada através de provas das diversas
matérias e uma entrevista. Para CANFUX o que mais impressionou na avaliação foi a
entrevista e principalmente a pergunta: “O que você pensa que será Cuba daqui a cinco
anos?”16
Na realidade a questão colocada era: o que aqueles jovens esperavam da nova
sociedade que começava a se delinear? Até que ponto eles realmente acreditavam na
Revolução?
Terminado o treinamento, os mestres tiveram sua formatura em Havana, onde
estiveram presentes, além de Fidel e do Ministro da Educação da época, muitas
personalidades importantes da Revolução. A atenção dada ao evento representava a
importância dada à educação naquele início de Revolução.
E os jovens seguiram seus destinos, muitos situados em locais de dificílimo
acesso, que exigiam longas caminhadas, pois não permitiam o tráfego de carros.
Chegando a seus locais de destino, muitos mestres encontraram resistência por parte dos
trabalhadores rurais por várias razões: não se achavam em condições, por exemplo, de
receber pessoas da cidade; alguns revelavam ciúmes pela convivência de um jovem da
cidade com sua esposa; havia falta de espaço nas casas, que eram muito simples... Além
da resistência aos mestres, houve também vacilações para se incorporarem à escola.
Como verificamos no relato de CANFUX :

15 Nereida Rodriguez, entrevistada no dia 26 de fevereiro de 1993 em Havana, foi mestre voluntária e atuou durante a Campanha
como técnica assessora. Atualmente trabalha no MINED, na área de educação de adultos.
16 Infelizmente não dispomos dos resultados desta avaliação mas mesmo assim colocamos a questão dada a sua importância para
entender os objetivos do treinamento, já que não devemos separar os objetivos da avaliação.
“Tivemos que fazer muito trabalho com a associação de trabalhadores rurais para que
estimulassem os analfabetos, que controlassem sua assistência e lhes falassem da
necessidade de aprender a ler e escrever. O trabalhador rural cubano sempre lutou muito
pela escola, isto é uma característica de Cuba. O primeiro que pediam era escola,
mestres, mas quando chegaram a escola e o mestre eles falavam que lutaram para seus
filhos e não para si.”
Além do trabalho de convencimento, outra dificuldade encontrada foi a ideologia
da contra-revolução, que colocava os mestres como comunistas. Dado o isolamento em
que viviam estas pessoas e consequentemente seu nível de ignorância, muitos
acreditaram que “comunistas comiam criancinhas...” Segundo o relato de BARNET
(1993):
“Cada mestre era enviado a um local diferente por sorteio, e a mim correspondeu o
lugar que se chama El Cilantro. Era um povoado na montanha, às costas do Pico
Turquino, uma montanha tão elevada que se via, pela noite, as luzes da Jamaica.
Nesta época levei 2 dias e meio, um pouco a pé e um pouco em lombo de burro,
para chegar ao local. Não havia caminho, não havia terra plana, era um caminho
muito intrincado e cheio de pedras. Quando cheguei em cima, nunca haviam visto
a bandeira nacional, mas tampouco conheciam a roda pois o lugar não permitia que
nenhum veículo chegasse. Dizia que estavam na cultura da pré-roda. Não havia
escola, nunca houve antes uma escola ali. Nenhuma escola e nenhum mestre.
Quando cheguei, os pais, os trabalhadores rurais, escondiam as crianças e diziam
que os mestres iam levar suas crianças para a Rússia fazer embutidos, converter em
salame. Este pânico parece fantasia mas era muito sério. Quando cheguei me dei
conta de que estava totalmente só e totalmente desamparado, não recordava
nenhuma pedagogia destes três meses e nem sabia como começar.”
No relato de BARNET, verificamos que os pais não mandavam seus filhos à
escola, nem interessavam-se pelos estudos, forçados por imposições de ordem
econômica.
CANFUX havia relatado em depoimento anterior que o trabalhador rural cubano
historicamente lutou por escolas para seus filhos enquanto CANFUX relata que em sua
zona as crianças eram utilizadas como mão de obra barata não tendo assim interesse pela
sua escolarização. Estes relatos explicitam algumas contradições: alguns trabalhadores
queriam escola mas necessitavam da mão de obra de seus filhos por imposição de ordem
econômica, por outro lado nem todos os trabalhadores queriam escola, no caso do relato
de BARNET, as pessoas não conheciam nem a roda, nem a bandeira cubana, quer dizer a
necessidade da escolarização não estava colocada é diferente de outras regiões onde esta
necessidade estava mais explícita. No campo normalmente as crianças ajudam na
economia doméstica desde muito cedo existindo a contradição entre o querer a escola e
necessidade econômica.
Assim se em alguns locais a escola veio como reivindicação popular, em outros
esta necessidade não estava colocada necessitando assim de convencimento. Isto para o
período dos mestres voluntários em se tratando de crianças. Quanto ao convencimento
dos adultos os relatos são unânimes ao explicitar as dificuldades passadas para este
convencimento.
Essas dificuldades foram vencidas ao longo do processo e o entrosamento entre
trabalhadores rurais e mestres foi um fator importante para que os mestres tivessem uma
grande influência sobre a comunidade. É possível perceber isso através do relato de
BARNET, que contextualiza a comunidade em que trabalhou e como resolveu a questão
de sua inserção:
“Os trabalhadores rurais começam a explicar-me, como justificativa, que as
crianças não iam à escola porque não tinham sapatos e tinham vergonha que as
crianças fossem descalças. Me dei conta que isto era uma demagogia e eu me
permiti ser demagogo também, disse: me alegro que não vão à aula de sapatos
porque eu gosto de dar aulas sem sapatos. Então tirei os sapatos e comecei a dar
aulas sem sapatos...
É importante chamar a atenção primeiro do adulto porque se os adultos não
querem as crianças não podem ir. Então comecei a utilizar meus recursos pessoais
de experiência teatral e de televisão e de rádio. Comecei a fazer aos trabalhadores
rurais fogueiras, cantar, bailar e fazer mágicas, tirar moedas da orelha, piadas,
adivinhar o pensamento, ler a mão, as coisas mais absurdas, tudo o que me ocorria
fazia, e os trabalhadores rurais começaram a gostar(...)”
“ (...) O primeiro que lhes expliquei foi o sistema solar, pois eles pensavam que a
terra era plana, e que caminhando, caminhando pela terra poderiam chegar a outros
países, eu expliquei com laranjas, torronjas e o farol o sistema solar. O planeta
Terra, o movimento dos astros, ficaram fascinados e a partir daí compreendi que
poderia utilizar recursos mais elementares e que sempre seria fascinante para eles.
Isto conquistou os trabalhadores rurais e pouco a pouco me levavam seus
problemas, suas vivências amorosas, me pediam para escrever cartas aos seus
amores, me pediam para yue servisse como juiz em litígios que tinham a respeito
de animais, porque um deu uns porcos para cuidar e o outro cuidou e a porca teve
porquinhos e ele reclamava para ele os porquinhos... Tive que fazer julgamentos,
era advogado.”
Os mestres deram grande contribuição para a formação das organizações de massa
nos locais onde estavam. Entre outras a ANAP (Associação de Pequenos Agricultores ) e
a FMC (Federação de Mulheres Cubanas). O alfabetiZador normalmente era a pessoa
mais “instruída” do local e assumia, além de suas atividades pedagógicas, as tarefas
referentes à saúde preventiva, à higiene e à organização da população para participar
ativamente das mudanças que estavam acontecendo com a Revolução:
“Eu quero te falar dos organismos porque durante a Campanha de Alfabetização
foram surgindo os organismos de massa e nestas zonas não havia instituições
sociais. começaram a surgir em meio à Campanha de Alfabetização praticamente, a
Federação de Mulheres Cubanas, eu fui fundador da FMC lá, eu organizei as
mulheres. Os Comitês de Defesa da Revolução, as Milícias, a União de Jovens
Rebeldes, se chamava a organização dos jovens. E estas organizações se
fortaleceram muito porque o conteúdo delas naquele momento foi praticamente a
Campanha de Alfabetização, o conteúdo mais forte, e foi o que contribuiu para a
unidade nacional e os propósitos de toda a Campanha. É que este sistema que
começamos a trabalhar, das organizações de massa, se foram consolidando,
fazendo um sistema de relações e coordenações entre o Ministério e as
organizações de massa que favoreceu extraordinariamente, ao ponto que chegamos
dizer que sem organizações de massa não há educação de massa. A organização era
quem mobilizava, era quem motivava.” (CANFUX, 1993)
Mais uma vez percebemos a relação entre Revolução/Alfabetização quando é
resgatada a importância que teve a campanha na criação de algumas organizações de
massa e na consolidação de outras. Portanto, a participação na campanha foi uma grande
aprendizagem para a sociedade civil.
Constatamos que este processo iniciou-se durante a guerrilha e continuou com o
trabalho dos “mestres voluntários”, culminando com a Campanha que erradicou o
analfabetismo, em 1961.
Apesar dos esforços empreendidos e da valiosa experiência acumulada durante o
trabalho dos “mestres voluntários” poucos adultos haviam sido alfabetizados no período
inicial aqui descrito. Este fato exigiu estudos acerca das condições para se fazer um
esforço intensivo no sentido de se eliminar o analfabetismo em um ano. Em 26 de
setembro de 1960, Fidel Castro, que naquele momento era o Primeiro Ministro cubano,
em discurso na Assembléia Geral da ONU informou que, ao final de 1961, Cuba seria o
primeiro país latino-americano livre do analfabetismo.
CANFUX ressalta que Fidel não falou de improviso, que, na realidade, já haviam
estudos que permitiam afirmar o que seria feito em um ano.
“...Houve todo um período de preparação. Quando Fidel disse na ONU que íamos
alfabetizar em um ano já se haviam criado todo uma série de condições que
permitiam dizer que poderíamos fazer em um ano.”
Ainda segundo CANFUX, algumas condições materiais favoreceram o
desenvolvimento da Campanha de Alfabetização, por exemplo, a promulgação da lei de
Reforma Agrária. Com ela foram nacionalizadas as grandes propriedades latifundiárias,
que se tornaram grandes unidades de produção. Outra medida importantíssima foi a
socialização dos meios de produção, através da estatização de empresas e bancos
estrangeiros e nacionais, o que implicava a necessidade de grande contingente de
trabalhadores. As taxas de subemprego e desemprego foram reduzidas em 50% já no
primeiro ano. Foi estabelecido um programa de desenvolvimento da revolução em todas
as esferas de produção e serviços. Houve a ampliação dos serviços educacionais para
toda a população.17
Podemos dizer que essas condições favoreceram a Campanha de Alfabetização,
pois os interesses da população, naquele momento, coincidiam com os do projeto
revolucionário em curso. Além das condições materiais de vida da população
melhorarem sensivelmente, havia a confiança de que poderiam dar sua parcela de
esforço individual, pois se sentiam respaldados ao nível social.
Os objetivos da Campanha de Alfabetização deram-se neste sentido, como discute
CANFUX (1987:6):
“La gran campaña de alfabetización tuvo como objetivo fundamental enseñar a
leer y escribir a casi un millón de personas, partiendo del momento histórico que
vivían y considerando los profundos cambios que en el orden político,
económico e social se producían en el país, con el fin de elevar su grado de
participación, de una forma más consciente y productiva en el processo
revolucionario.”
No processo revolucionário a participação das pessoas era fundamental para o
sucesso do projeto estratégico de sociedade. Para isso a elevação cultural das massas era
fator fundamental, e a Campanha de Alfabetização um de seus principais instrumentos.
Em síntese este capítulo tratou de como a alfabetização de adultos estava colocada
historicamente mesmo que numa visão liberal, como na primeira fase de luta pela
independência, depois pela vanguarda que assumiu a direção da luta, que tinha uma
visão antimperialista, passando pelo período de guerrilha em que ela foi radicalizada,
sendo tratada de uma forma mais intensa na alfabetização dos guerrilheiros e da
população nos locais em que eles tinham o poder até chegar, com o triunfo da revolução
a materializar-se no sentido de uma ação mais estruturada com a preparação dos mestres
voluntários. O objetivo foi dar um caráter de processo ao tema colocada: alfabetização
de adultos.
É importante constatar já nesse primeiro capítulo como os depoimentos dos
mestres voluntários já apontam para a relação existente entre o processo revolucionário e
o processo de alfabetização.
Por exemplo com os depoimentos de BARNET, CANFUX e RODRIGUEZ que
explicitam que para eles participar da campanha era dar sua parcela de contribuição para
a revolução.

17 Cf. CANFUX. (1993:7)


É possível detectar esta relação através dos aspectos tratados como currículo
oculto no treinamento, como a aprendizagem de novos valores: conviver no coletivo,
aprender a prescindir, a disciplina, o aprender a superar-se ao enfrentar condições
adversas e outras questões explicitadas nos depoimentos. No meu entendimento, com
este treinamento além de formar mestres, estavam formando quadros para o processo
revolucionário por isso a ênfase dada a construção de novos valores.
A confiança que os mestres ganharam da população na luta ideológica que havia
com os contra-revolucionários que atemorizavam a população com a propaganda contra
o comunismo, foi de grande importância no sentido de ganharem a confiança da
população para o ideário revolucionário.
Quando CANFUX levanta que uma das tarefas era que a pessoa, no caso o
trabalhador rural aprendesse a amar a revolução, fica explícito o caráter ideológico, no
sentido de que a educação estava embricada na revolução, era inclusive uma faceta
importante do processo.
Mas havia a necessidade de massificar esta proposta, levando a toda a população
urbana e rural, assim foi estabelecido que haveria uma grande campanha e que em um
ano o analfabetismo seria erradicado em Cuba, e para isto houve um período de
preparação que será descrito no capítulo seguinte.

CAPÍTULO 2
O Período Preparatório
da Campanha
Setembro a Dezembro de 1960

Após o pronunciamento de Fidel, na ONU, iniciaram-se oficialmente os preparativos


para a Campanha de Alfabetização.
Estes preparativos ocorreram de setembro a dezembro de 1960.
A responsável pela Campanha era a Comissão Nacional de Alfabetização,
composta por representantes do Ministério da Educação, de outros ministérios e de
organizações sociais. A tarefa de erradicar o analfabetismo em um ano, deveria contar
com o apoio de toda a população, e principalmente, dos grupos organizados. Por isso,
as organizações de massa, desde o princípio, já integravam a Comissão Nacional.
Quanto ao caráter dado à Campanha, pela participação das organizações de massa,
CANFUX (1993:19) afirma:
“... se observa en las actas de las primeras sesiones de trabajo en el Ministerio de
Educación, el analises de distintos proyectos, pero lo más significativo que en
ellos se pudo apreciar fue el interés por la participación de las organizaciones
que se integraron desde el primer momento a la campaña. Por eso el programa
no fue solo un proyeto del Ministerio de Educación. Entre los organismos e
instituiciones participantes se encontraban: Instituto Nacional de Reforma
Agraria, Departamento de Cultura de las Fuerzas Armadas, Federación de
Mujeres Cubanas, Colegios de Maestros e Pedagogos, Frente Unido de Emisoras
Libres (FIEL).”
A estrutura organizacional da Campanha baseou-se em alguns princípios.
CANFUX (1987:9) assim os explicita:
“- La concepción de una estrutura fuera de los moldes tradicionales, que
viabilizara la participación popular en todos los aspectos de la campaña.
- Una sólida dirección y planificación que conjugara los recursos humanos y
materiales nacionales y comunitarios sobre la base de un sistema de control que
permitiera cumplir y medir cada etapa, evaluar la labor, analizar las dificultades
y darles solución.”
De acordo com esses princípios foi estabelecida a estrutura organizacional e
diretiva, que se caracterizou pela criação de uma Coordenação Nacional, responsável
pela orientação e controle do trabalho das Comissões Municipais, as quais possuíam
autonomia para estruturar o trabalho de bases da Campanha de Alfabetização.
Ao mesmo tempo em que a Comissão Nacional exercia um controle rígido para
garantir a qualidade dos trabalhos, a descentralização se efetivava através da
participação ativa de toda a sociedade nas Comissões Municipais, nas subcomissões de
bairro e nos núcleos de alfabetização. Esta estrutura permitiu o desenvolvimento de
ações “sintonizadas com a Comissão Nacional.
A Comissão de Alfabetização, contava com quatro seções: técnica, propaganda,
finanças e publicações. Elas atuavam tanto a nível nacional quanto a nível municipal.
A seção técnica era responsável pelo aspecto didático da Campanha. Organizava,
analisava os dados estatísticos, elaborava o material didático a ser utilizado durante a
Campanha, como a cartilha “Venceremos”, o Manual “Alfabetizemos”, a cartilha de
Aritmética “Producir, Ahorar, Organizar” e, posteriormente, a revista “Arma Nueva”,
que foi utilizada no “Seguimento”.18
O trabalho da equipe técnica contou com a colaboração de ativistas políticos,
técnicos e professores. Eram também tarefas dessa seção, desde o princípio, localizar
os analfabetos, conseguir alfabetizadores, prepará-los, organizar o núcleo de
alfabetização e garantir a estabilidade desse núcleo.
A seção de propaganda foi de grande importância para mobilizar a população
para a Campanha de massa. Segundo CANFUX (1993:48-9), essa seção teve três
objetivos principais:
“1. Labor en gran escala de persuasión de analfabetos, utilizando los medios más
diversos: prensa, radio, televisión, fiestas, reuniones públicas, entrega de
diplomas, etc.
2. Suscitar un movimiento de opinión pública en favor de la campaña, con objeto
de convencer el mayor número possible de personas para que participen en
calidad de maestros aficcionados, es decir, personas que sin título idóneo se
reponsabilizan con un grupo de alumnos.
3. Popularizar la orientación técnica de la campaña. El trabajo de esta sección
requierió el establecimiento de un nivel de coordinaciones estrechas con las
distintas instituciones de la radiodifusión y la prensa, así mismo estimuló himnos
y poesías y toda manifestación de arte inspirada en la campaña que màs tarde
recogió como parte de nuestro acervo cultural.”
Pelo depoimento de CANFUX, verificamos que, além de sensibilizar e motivar a
população para a Campanha, a seção de propaganda ainda estimulou o surgimento de
um grande número de manifestações artísticas, conseqüência do tom emocional
propiciado pela Campanha.
A seção de finanças encarregou-se de arrecadar e administrar os recursos
colocados à disposição da Campanha. Contou com muitas doações da população em
geral, dos sindicatos e organizações. Foram realizados eventos para coletar material
para a Campanha, como expõe o próprio Coordenador Geral da Campanha de
Alfabetização, DIAS :
“...havia um parque de turismo, que nos foi doado, o transformamos num local
onde passamos a realizar todo tipo de atividades de caráter festivo: bailes, peças
teatrais etc. O ingresso era um lápis, uma borracha, um caderno e alguns
levavam até quadro. Essa foi uma experiência piloto que serviu de exemplo para
toda Ilha.”
A seção de publicações editou a cartilha “Venceremos”, o manual
“Alfabeticemos” e a cartilha de aritmética “Producir-Ahorar-Organizar”. Também,
durante a Campanha, os três primeiros números da Revista “Arma Nueva” foram
editados, seguindo-se outros ao longo do “Seguimento”. Havia, ainda, publicações de
folhetos específicos para a alfabetização de categorias particulares de trabalhadores
como lenhadores, carvoeiros e pescadores. Para os brigadistas 19, “Conrado Benitez”,
foi publicado o manual “Cumpliremos”, visando a orientá-los sobre temas da
Revolução. Produziram, sistematicamente, diversos folhetos sobre acontecimentos
importantes da Campanha, como os relatos referentes aos “Seminário Internacional

18 Seguimento foi o nome dado à continuidade da Campanha de Alfabetização.


19 Brigadistas eram monitores da Campanha de Alfabetização que se organizaram em brigadas como a “Conrado Benitez” (de
estudantes) e a “Pátria ou Morte” (de trabalhadores).
para a luta contra o Analfabetismo”, “Congresso Nacional de Alfabetização” e ao
“Informe ao povo de Cuba do resultado da Campanha Nacional de Alfabetização”.
A seção de publicações, após ter enfrentado alguns problemas como a falta de
papel para a confecção de material didático, em uma segunda fase da Campanha uniu-
se à seção técnica.
Dados os objetivos deste estudo, far-se-á aqui uma análise mais detida nos
assuntos referentes á seção técnica.
Segundo ROJAS(1967: 1-2), que trabalhou na Comissão Nacional de
Alfabetização, na seção técnica de elaboração de materiais, os objetivos específicos da
cartilha “Venceremos”20, quanto ao alfabetizando, eram:
- despertar o desejo de aprender a ler e escrever;
- desenvolver habilidades na formação, leitura e escrita de sílabas, palavras e orações;
- desenvolver a expressão oral mediante diálogos sobre temas de interesse e, desta
forma, contribuir para eliminar a timidez natural do adulto analfabeto;
- desenvolver a capacidade de compreensão do que leu;
- desenvolver habilidades de escrita com a letra cursiva;
- contribuir para o desenvolvimento da capacidade indispensável de interpretar
adequadamente o meio econômico/político/social em que vivia e o momento histórico
que atravessava a pátria;
- desenvolver sentimentos de solidariedade, de compreensão de seu papel histórico, de
dono da nova vida;
- contribuir para a unificação da vida geral do país, por ser um fator de integração
política dos distintos setores da população.
Com relação ao conteúdo, ainda segundo ROJAS, este foi selecionado levando-
se em consideração aspectos políticos e psico-sociais. Políticos, pois não há processo
pedagógico, não há ensino, fora da realidade, deslocado de condições históricas
concretas; assim, os conteúdos foram escolhidos segundo a atualidade do momento
histórico, das mudanças de estrutura que estavam ocorrendo. E psico-sociais, pois a
seleção do conteúdo levou em consideração:
- o vocabulário, coletado em levantamento previamente realizado;
- o fato de ter como referência um único idioma;
- a participação de muitos no período insurrecional, quando se haviam iniciado num
processo de conscientização política que exigia, paralelamente, elevação cultural.
BREDO assim pronuncia-se a respeito dos fatores que facilitaram a Campanha
de Alfabetização:
“Penso que uma coisa que facilitou a Campanha, no caso cubano, foi o fato de
ter um só idioma, um modo de falar igual desde Oriente até Pinar del Rio, com
pequenas diferenças regionais, quer dizer que se podia traçar uma linha geral.
Outra coisa importante é que não temos grupos étnicos com diferenças
significativas.”21
Tomando por base todos estes fatores, foi composta a cartilha, contendo quinze
temas: 1. OEA (Organização de Estados Americanos); 2. INRA (Instituto de Reforma
Agrária); 3. La Cooperativa de Reforma Agrária; 4. La tierra; 5. Los Pescadores
Cubanos; 6. La tienda del pueblo; 7. Cada cubano dueño de su casa; 8. Un pueblo sano
en una Cuba Libre; 9. INIT (Instituto Nacional da Indústria Turística); 10. Las
Milicias; 11. La Revolución gana todas las batallas; 12. El pueblo trabaja; 13. Cuba no
esta sola; 14. El año de la Educación; 15. Poesía y alfabeto.
Como é possível perceber, os temas estão todos intimamente ligados ao
momento sócio/político/econômico, que Cuba vivia durante a Campanha.

20 Foram distribuídos mil e quinhentos exemplares da cartilha “VENCEREMOS” para a Campanha.


21 Renato Bredo, entrevistado no dia 18 de fevereiro de 1993 em Havana, participou da Campanha de Alfabetização como
assessor técnico e alfabetizador. Atualmente trabalha no Ministério de Educação na equipe de educação de adultos, é o
responsável pela área de Analfabetismo Residual.
A partir dos temas selecionados para a cartilha pode-se perceber qual era o
ideário revolucionário veiculado na época. Esses temas referiam-se tanto às condições
materiais de uma vida digna ( igualdade de direitos com relação à posse do terra, ao
trabalho, moradia etc.) como também aos aspectos subjetivos da existência humana
(direito à crença religiosa, a educação, à não discriminação, o lazer etc.).
Observa-se, assim a preocupação com o desenvolvimento de uma nova
mentalidade e, por isso, investimento maciço em educação.
A Declaração de Havana, onde estão contidos parte do programa e o ideário
revolucionário é um exemplo disso. Pela sua importância citaremos grande parte do
texto do manual do alfabetizador “ALFABETICEMOS” (1961:68):
“...La Declaración de La Habana contiene el programa y el ideario de nuestra
Revolución, como señalara Fidel en la ONU.
En ella se reconocen los derechos del campesino a la tierra, del obrero a su
trabajo, del niño y del joven a tener escuelas, de la mujer a un trato igual, del
negro y del indio a la plena dignidad humana, del anciano a una vejez segura, de
todos los países a su plena soberanía.
La Declaración de La Habana, a su vez, condena la explotación del hombre por
el hombre y la política imperialista que siguen algunos países poderosos contra
los países pequeños y subdesarrollados.
La Declaración de La Habana plantea ante el mundo la lucha por conseguir la
existencia de un hombre plena y verdaderamente libre en un mundo también
libre de explotación y de miseria.”
É importante destacar que a cartilha “Venceremos” e o manual “Alfabetizemos”
auxiliaram na consecução do objetivo de levar o ideal da Revolução para toda a Ilha,
pois muitos dos brigadistas não tinham formação política suficiente para passá-lo aos
trabalhadores rurais, por mais boa vontade que tivessem.
Havia necessidade de o alfabetizando ampliar seus conhecimentos da realidade.
O seu mundo deveria estar relacionado à nova situação do país. Como em Cuba as
mudanças estruturais aconteciam ao mesmo tempo em que ocorria a Campanha, o fato
de a cartilha destacar esses temas, proporcionou aos alfabetizandos a possibilidade de
estabelecer essas relações. É o que podemos constatar através do relato de CANFUX:
“ A alfabetização foi se ligando com o político e com o social, foi um fato
natural. Eu sentia como se o processo estivesse imerso dentro do trabalho que eu
fazia. Não havia grandes programas, nem grandes projeções ou planificações,
nada disto.
Deu-se muita bagagem política ao trabalhador rural e ao brigadista e a nós todos.
Foi muito importante, pois havia a contra-revolução, e a motivação política na
cartilha era muito sólida e ademais era uma motivação política que se
correspondia com os interesses individuais daquele analfabeto.”
O depoimento de CANFUX aponta alguns eixos da relação
Campanha/Revolução que merecem ser destacados: primeiro, que o contexto
político/social estava “imerso” na Campanha de Alfabetização, que a relação
Campanha/Revolução foi ocorrendo de uma forma “natural”.
Aqui aparece, em princípio, uma aparente contradição: em depoimento citado no
capítulo anterior, CANFUX destaca que entre os objetivos do treinamento estava o de
levar as pessoas a “amar a Revolução”; agora o mesmo CANFUX coloca que era
como se o político-social estivesse “imerso” dentro do próprio trabalho, que não havia
“grandes programas”.
Na verdade, o que parece possível concluir é que a relação Campanha/Revolução
era palanejada mas acabou extrapolando a palnificação inicial. Assim, da mesma
formas como em alguns momentos a Campanha impulsionou a Revolução, também,
em vários momentos, o processo revolucionário impulsionou a Campanha.
Outro eixo apontado no mesmo depoimento é a relação estabelecida entre a
“bagagem política” propiciada pela Campanha e o momento conjuntural do país. A
propaganda contra-revolucionária provinda das forças que tiveram seus interesses
econômicos contrariados, eram uma ameaça para a continuidade do processo
revolucionário. Segundo se depreende do afirmado por CANFUX, fornecia-se grande
“bagagem política”, não só para o trabalhador rural, como também, para os brigadistas
e assessores técnicos, como meio de formar quadros e “ganhar” a população, nesse
confronto de projetos (revolucionário X contra-revolucionário).
Na seqüência do relato, identifica-se um terceiro eixo, quando CANFUX
acrescenta que a “motivação política” colocada pela Campanha correspondia aos
interesses individuais dos alfabetizandos, citando como exemplo o modo como a
cartilha abordava o tema “Reforma Agrária”. Esse tema fazia parte do contexto dos
alfabetizandos, que trabalhavam na zona rural, e sua apresentação ajudou-os a entender
melhor o que estava acontecendo no país, afetando-os diretamente.
“... por exemplo, quando eu lhes dava a reforma agrária, como um tema gerador
de palavras e, por outra parte, estavam lhes dando a terra com título de
propriedade. Então a reforma agrária era um tema de motivação geral, em todo
país. Em todos os lugares havia uma motivação pela reforma agrária porque este
era um país, que a gente não falava da terra e era um país agrícola. Então, não só
na zona rural, mas também na zona urbana, as pessoas deveriam entender a
reforma agrária. Se deu, assim, uma combinação de interesses do que o país quer
e necessita, que é a reforma agrária e o que o indivíduo quer e necessita, que é
trabalhar sua terra sem ser explorado.
Considero que era muito necessária a orientação política. Do tema reforma
agrária se desprendiam outros, porque a reforma agrária criou uma reação
internacional.”
BREDO destaca que eram discutidos também temas da realidade local, nacional
e internacional:
“(...) apesar da Revolução começar nos lugares mais intrincados, havia o
conhecimento não só da problemática local como da problemática nacional e da
internacional. Produziu-se um fluxo entre as necessidades do trabalhador rural,
de um lugar específico, e seus interesses com a situação e preocupação que
existia nacionalmente e no plano internacional.” (grifo da autora)
Também, no caso dos brigadistas, o fato de viverem no próprio local de trabalho
proporcionava a eles, a vivência da realidade do trabalhador rural, o que terminava por
exercer grande influência na metodologia empregada. Foi possível, então, relacionar
àquela realidade vivenciada, que poderíamos chamar de singular, com o momento
particular que vivia o país, através dos temas propostos pela cartilha. E a realidade
específica em que viviam os alfabetizandos era relacionada com a mudança na
estrutura da sociedade.
CANFUX comenta a respeito dessa relação entre o geral e o específico,
proporcionada pela metodologia:
“Por isto sempre dizíamos que alfabetização em Cuba não era encerrar o homem
em sua comunidade e entender apenas do seu pedacinho, de sua terra. Tendo que
aprender a ler e escrever com o som dos animais, mas teríamos que ligá-lo ao
processo global do que estávamos fazendo. Ele não poderia estar de costas a isto,
à reação internacional que foi violenta...”
Quando CANFUX afirma que o analfabeto deixou de constituir-se num ser
excluído da sociedade, a fim de tornar-se um agente ativo de todo o processo,
verificamos, pois, outro eixo fundamental da Campanha de Alfabetização: a
participação ativa no processo de construção de uma nova sociedade, que começava a
se esboçar naquele momento - a participação no caso, entendida não apenas como
“prática participativa”, mas também, como o “entendimento do real” necessário para
uma participação efetiva.
De fato, a metodologia empregada, de relação entre o singular, o particular e o
geral22, permitia ao alfabetizando, o entendimento da totalidade do processo,
relacionado sua realidade imediata com o momento que o país vivia e as reformas
estruturais do modo de produção. Esse conhecimento proporcionava-lhe meios de
tornar-se sujeito do processo e não mais simples massa de manobra. Por isso, podemos
afirmar que a metodologia utilizada foi adequada aos objetivos da Campanha de
conquistar a população para atuar como agente no processo de construção da nova
sociedade pretendida naquele momento.
As relações propostas pela metodologia eram feitas, em parte, pela própria
cartilha e, em parte, pelas colocações iniciais do brigadista no momento da discussão,
na abertura da aula. Para isso o brigadista contava com o manual “Alfabeticemos”, que
continha uma explicação mais detalhada dos temas da cartilha e do modo de abordá-
los. Contava também com o livro “Cumpliremos”, que representava, ainda com mais
detalhes, a situação vivida pelo país e as modificações que estavam ocorrendo a nível
do sistema econômico.
É importante ilustrar outros aspectos do método proposto pela cartilha. A lição
começava com a exposição de uma fotografia (estímulo visual), o que permitia um
debate inicial. Essa introdução tinha como objetivos: conhecer a experiência dos
analfabetos, esclarecer os conceitos e promover a expressão oral. Na seqüência era
apresentado um texto curto, que falava a respeito da palavra-chave, norteadora do tema
trabalhado. Essa etapa, além de propiciar mais informações ao alfabetizando, buscava
trabalhar a palavra não isoladamente, o que careceria de significado, mas dentro de um
contexto. A palavra era decomposta em sílabas (processo de análise) para que fossem
ressaltados e discutidos os fonemas. O passo seguinte era a síntese, quando, a partir
dos fonemas, eram formadas novas palavras e frases curtas. Por último, eram
realizados exercícios de fixação e ditado.
BREDO relembra a metodologia empregada nas aulas e destaca a importância do
debate inicial e como este momento estava relacionado ao seguinte, de análise e
síntese das palavras:
“...haviam distintas lições e cada lição partia de um eixo temático de discussão e,
inclusive, de polêmica porque o trabalhador rural tinha elementos para
estabelecer este diálogo, refletir, discutir, e a partir dai era iniciada a aula em si, a
aprendizagem de uma nova vogal, sons silábicos, ou de uma nova oração.”
BREDO ressalta ainda a relação professor/aluno:
“...se motivava o indivíduo com a discussão, que permitia um franco intercâmbio
... para que não se desse o verticalismo de o mestre dizer e eu escutar, mas a
possibilidade de intercambiar, de analisar e se reforçar esta situação, digamos, de
paridade, de paralelismo, de estar em um mesmo plano com uma conversação
horizontal.”
O depoimento indica, assim, uma opção metodológica onde havia o respeito pelo
adulto alfabetizando, na relação professor/aluno, e onde, apesar de ser objetivo da
Campanha “levar o ideal revolucionário” este era debatido com os adultos numa
atitude, em princípio, de não-imposição.
CANFUX discute como foi desenvolvida a primeira lição da cartilha,
tematicamente denominada OEA:
“Eles se interessavam bastante porque estavam muito ligados às lutas do
momento, estávamos bem informados de tudo o que estava passando. Quando
iniciamos a lição que tinha como tema a OEA havíamos falado que era a
Organização dos Estados Americanos... para favorecer a todas as nações, um
organismo para o bem de todos os povos da América. Depois começaram as
dificuldades e tivemos que falar claramente dos propósitos da OEA, o que estava
acontecendo e até surgiu um lema: Com OEA ou sem OEA ganharemos a luta.
Como não tínhamos o apoio da OEA naquele momento ...”
Quando foi publicada a cartilha, Cuba contava com o apoio da OEA. No
momento em que se iniciou a Campanha, ao contrário, a OEA, sob o domínio dos
EUA, retirou seu apoio a Cuba e impôs-lhe o bloqueio econômico. Dessa forma, nota-
22 cf. LUKÁCS (1978:109)
se que, nos locais mais afastados, através da Campanha as pessoas tinham acesso aos
fatos que ocorriam a nível internacional e entendendo o quanto isso influenciaria suas
vidas.
Ainda sobre a metodologia utilizada, observamos no relato de JURADO como os
brigadistas tinham liberdade de criar material complementar, de ir além do que foi
determinado: “(...) além da cartilha levávamos jornais e telegramas.”
A determinação do mínimo necessário para um trabalho de qualidade, foi feita,
previamente, porque os brigadistas não tinham noções de pedagogia. A preocupação
inicial da coordenação, então, foi a de construir um material simples e de qualidade,
que qualquer pessoa pudesse utilizar e fazer um bom trabalho.
Algumas críticas ao material surgiram, principalmente, quanto ao fato de os
temas serem os mesmos para todos e de a cartilha ser massiva. Respondendo a essas
críticas HART23, apud ROJAS (1967:6), Ministro da Educação na época, afirma
claramente o sentido político atribuído à Campanha:
“Cuando la pedagogia se subordina a la orientación revolucionaria se hace sabia.
Los funcionarios técnicos que trabajaron en la elaboración de los manuales para
la alfabetización, estaban profundamente imbuídos de una orientación
revolucionaria y tenian una clarísima consciencia política. Por eso pudieron
producir un tipo de texto que al recoger los sentimientos de las masas
analfabetas, interpretaba sus aspiraciones, sus intereses, llegando a elaboraciones
técnico pedagógicas de un altísimo nivel...”
“...La cartilla y el manual están de esta forma destinados no solo a alfabetizar
sino también a elevar la consciencia política de las massas.”
O que parece possível perceber a esse respeito é que a Campanha cubana
colocava-se, de fato, em aberto confronto com os postulados da “Escola Nova”,
tendência pedagógica que se fazia presente também em Cuba na época. Como se sabe,
a “Escola Nova” (tendência originada no final do século XIX, sob influência da
doutrina liberal) maximizava a importância do indivíduo em detrimento do social: todo
o ensino deveria partir do indivíduo, tendo como base suas motivações. O objetivo da
Campanha de Alfabetização era, ao contrário, romper com essa ideologia considerada
“burguesa”. As questões individuais também eram colocadas, mas relacionadas ao
singular e ao geral. Ao singular quando relacionadas ao momento conjuntural vivido
por Cuba na época; e ao geral, quando relacionadas às mudanças estruturais que
estavam ocorrendo. Assim, tendo em vista os objetivos da Campanha, conforme
ressaltados por HART o material didático apenas cumpria o seu papel aos níveis
político e metodológico.
Ainda com relação ao material didático caberiam algumas observações sobre a
cartilha de aritmética “Produzir, Ahorar, Organizar”. Ela foi elaborada seguindo os
mesmos princípios, incluindo temas de interesse dos adultos, mas era considerada mais
como um complemento. Enquanto a cartilha “Venceremos” exigia que o educando
dominasse todo o seu conteúdo para ser considerado alfabetizado, a de aritmética foi
utilizada durante a Campanha no sentido de desenvolver noções, mas só foi empregada
de forma mais sistemática no “Seguimento”.
Finalmente, deve-se ressaltar que a Comissão Nacional, nos meses de outubro e
novembro, dedicou-se à orientação das Comissões Municipais.
Foi organizado o Primeiro Congresso de Conselhos Municipais, em 10 de
outubro de 1960 com a presença de 900 delegados. Segundo CANFUX, durante esse
congresso, foi possível discutir temas como a amplitude de representação dos
conselhos, tendo-se decidido sobre a necessidade de incorporação das organizações de
massa existentes. Não existia no país, segundo CANFUX, experiência acumulada para
realizar um trabalho de massa aberto e, muito menos, no campo da educação: não
havia uma consciência clara do trabalho político necessário para a incorporação de
analfabetos e para o recrutamento de alfabetizadores. Assim, conclui o autor citado, a
própria Campanha de Alfabetização seria a grande escola.
Os Conselhos Municipais tiveram um salto de qualidade depois desse congresso,
definindo e entendendo melhor seu decisivo papel na Campanha.
Elaborar um plano de trabalho onde estivessem incluídas a confecção de um
mapa do analfabetismo, criar as seções de finanças, técnica e de propaganda, realizar
as inscrições dos alfabetizadores, organizar os centros de alfabetização (locais como
casas, sindicatos, cooperativas, onde pudessem ser ministradas as aulas) e, ainda,
estruturar os subconselhos de bairros competia as Comissões Municipais. Como é
23 HART, Armando. Informe del ministro de Educacion de Cuba sobre lucha contra al analfabetismo y tarea de la sociedad y los
estudiantes. Habana:texto mim.,1961.
possível perceber, as Comissões Municipais tinham um papel muito importante no
aspecto organizativo da Campanha.
Em síntese, o objetivo deste capítulo foi mostrar que a Campanha de
Alfabetização não ocorreu de forma espontaneísta, tendo havido um período de
preparação importantíssimo para atingir os objetivos propostos.
Este capítulo teve a intenção de destacar aspectos como: a estrutura organizativa
da Campanha; os conteúdos selecionados para a cartilha; a metodologia proposta para
o trabalho de alfabetização de adultos; a implantação das Comissões Municipais e a
necessidade da incorporação das Organizações de Massa, no sentido de um
comprometimento mais efetivo no processo revolucionário que dava respaldo à
Revolução tanto a nível nacional quanto internacional.
Cabe observar que o Seguimento e a Superação Obreira contaram com trabalho
praticamente voluntário, apesar de terem todo apoio do governo. A sociedade civil teve
um papel preponderante no sucesso dessa continuidade.
O envolvimento da sociedade civil foi viabilizado, também, pela estrutura
organizacional da Campanha, a qual, embora subordinada a uma sistemática de
planejamento centralizado, visando, entre outras coisas, garantir a qualidade do
trabalho, dava poder real às Comissões Municipais, integradas pelas instituições da
sociedade civil em geral e pelas organizações de massa. Um exemplo de ação proposta
e executada “de baixo para cima” se consubstanciou nos “acampamentos de
aceleração”, propostos por uma das zonas, e que, tendo sido bem sucedidos, foram
estendidos a outras.
Para concluir, é conveniente ressaltar que se, por um lado, a Campanha
impulsionou a Revolução, ajudando na conquista de hegemonia para o processo
revolucionário, por outro lado, é preciso ficar claro que ela não teria sido possível sem
a prévia existência desse mesmo processo: participar da Campanha era participar da
Revolução e o clima de mudanças que envolvia as pessoas motivava-as a essa
participação.
Enfim, dificilmente uma campanha massiva, com as características da Campanha
Cubana, teria a mesma eficácia, expressa na eliminação rápida do analfabetismo, em
uma sociedade que não estivesse vivendo uma conjuntura revolucionária semelhante.

CAPÍTULO 3
A Campanha de
Alfabetização Cubana

Este capítulo trata do período da Campanha de Alfabetização propriamente dita, que se


deu basicamente em duas etapas. A primeira, de janeiro a abril de 1961, que foi a fase,
de organização, de preparação
do pessoal envolvido na Campanha e de experiências como a da brigada-piloto “Caio
Coco”. A segunda etapa, de abril a setembro foi o auge da Campanha, com a
incorporação das brigadas de alfabetizadores “Conrado Benitez”, de estudantes, e
“Pátria ou Morte”, de trabalhadores; e ainda a incorporação das organizações de massa
que foi decisiva para envolver a sociedade civil, e com isso atingir os objetivos da
Campanha.

A Primeira Etapa da Campanha


JANEIRO A ABRIL DE 1961
Esse foi o período de medidas organizacionais e de capacitação dos
alfabetizadores, dos técnicos de base e do próprio pessoal dirigente. Entre as medidas
organizacionais estava a do fortalecimento dos Conselhos Municipais, o que
representava, mais do que uma simples opção administrativa, uma medida política que
conferiu poder às bases, tendo como fundamento a descentralização. Assim, esse
fortalecimento dos Conselhos Municipais estava associado ao ideário da revolução, já
que a participação das bases com poder real de decisão era uma opção política, naquele
momento do processo revolucionário.
Houve, num primeiro momento da Campanha, brigadas experimentais,
chamadas brigadas-piloto. Para tanto, foram selecionadas zonas bem características e
muito diferenciadas, de forma a abranger o campo e a cidade.
A primeira brigada piloto foi constituída por onze jovens do curso pré-
universitário de Havana. Foi chamada de “Caio Coco”, pois foram trabalhar em uma
ilha assim denominada.
DIAS relata como a experiência de “Caio Coco” transcendeu, inclusive, ao
objetivo imediato, que era alfabetizar e levar o ideário da Revolução para todos os
rincões de Cuba. Os estudantes descobriram que, naquele local, ainda existia
exploração sobre os carvoeiros e fizeram a denúncia para o Instituto de Reforma
Agrária. Assim, os brigadistas prestaram, também, o serviço de fiscalizar e denunciar
as injustiças:
“... um grupo de estudantes do Instituto de Camaguei no dia 31, foram para uma
pequena Ilha que se chama Caio Coco para alfabetizar os carvoeiros. Há um feito
que tu deves conhecer ... a revolução ainda não havia chegado a todos os rincões
e não havia podido mudar todas as explorações e todas as sem-vergonhices do
passado. Estes jovens chegaram a Caio Coco, onde havia muitos carvoeiros
pobres, explorados por um carvoeiro rico. Fizeram reuniões para decidir e
chegaram a um acordo: ir a Camaguey, no Instituto da Reforma Agrária, que era
o que fazia as intervenções para acabar com a exploração, no campo e
conseguiram a intervenção dos companheiros do INRA de Camaguey para
liquidar a exploração que havia em Caio Coco. Já aí, vou te demonstrando que a
Campanha, não só, era para ensinar e aprender, mas senão para aplicar as novas
medidas de mudança entre o regime passado e o regime nosso. Te digo isto pois
teve uma transcendência enorme, foi uma medida que se generalizou para outros
lugares.”
Partindo dessa experiência com estudantes, que foi bem sucedida, a Comissão
Nacional de Alfabetização resolveu criar a brigada de estudantes “Conrado Benitez”,
que foi constituída na segunda etapa da Campanha, em abril de 1961.
Os primeiros a responder ao chamado foram os “alfabetizadores populares”,
pessoas que participavam da Campanha no seu tempo livre. Eles recebiam um
treinamento curto, através de cursos e Seminários, que ensinavam o manejo da
cartilha, e participavam de reuniões periódicas com a colaboração de técnicos e
mestres, nas quais se esclareciam e se debatiam as questões relativas aos temas da
cartilha.
Os mestres tiveram um papel muito importante durante a Campanha, pois
contribuíram na formação dos brigadistas e fizeram acompanhamento do trabalho em
encontros periódicos. Eram chamados “técnico assessor” ou “técnico responsável”.24
Alguns, além de orientarem os brigadistas, também alfabetizavam. Este foi o caso de
BREDO, que alfabetizou e assessorou brigadistas:

24 O técnico assessor era encarregado do acampanhamento direto dos brigadistas, no apoio pedagógico e controle estatístico. O
técnico responsável respondia por um determinado número de técnicos assessores e dava acompanhamento a esses técnicos, além
de ser o elo com a Comissão Municipal.
“ (...) tive uma dupla função, quer dizer, ao mesmo tempo que alfabetizava,
orientava os brigadistas. Foi importante, pois me permitia, por um lado, ver na
prática o que ia fazendo e o que nós concebíamos na preparação.”
Outra tarefa desempenhada, nesse primeiro período foi a localização e o censo
dos analfabetos, tarefa vital para o sucesso da Campanha. A localização foi feita tendo
como base o censo de 1953. Foi um grande desafio, pois muitos omitiam o fato de
serem analfabetos por vergonha ou por acharem que já eram muito velhos para o
envolvimento no trabalho de alfabetização. Muitos tinham 30, 40 anos e pensavam que
já não valia mais a pena estudar, pois já tinham “sobrevivido” assim. Nas regiões
montanhosas essa tarefa foi ainda mais difícil, pois as distâncias eram enormes e os
camponeses ainda mais resistentes à alfabetização. Essa tarefa contou com a
colaboração de mestres voluntários, mestres profissionais, organizações
revolucionárias e de massa, e também dos meios de comunicação.
Após o resultado do censo, por município, iniciou-se um trabalho em que as
pessoas analfabetas eram convencidas da importância de aprender a ler e escrever.

A Segunda Etapa da Campanha


ABRIL A SETEMBRO DE 1961
Com o andamento da Campanha surgiu a necessidade de criação das comissões
provinciais, as quais, segundo ROJAS, tiveram um papel mediador entre a comissão
nacional e as comissões municipais.
ROJAS, que foi técnica nacional da Campanha, afirma ainda que dois fatores
foram muito importantes para o sucesso da Campanha: a participação das organizações
de massa e o grande contingente de alfabetizadores.
O calendário escolar, em todo o país, foi modificado para que estudantes
pudessem integrar-se à Campanha, fato que demonstra a real importância que tinha a
alfabetização de adultos, naquele momento. Essa modificação deu-se sem prejuízo do
número de dias letivos, alternou apenas a data das férias. Assim, em abril de 1961 os
estudantes da brigada “Conrado Benitez” integraram-se à Campanha.
A brigada recebeu este nome em homenagem a um mestre voluntário que, num
episódio que abalou o país, em janeiro de 1961, no início da Campanha, foi morto
pelas tropas contra-revolucionárias, quando se encontrava em pleno trabalho de
alfabetização. A brigada adotou seu nome visando a significar que sua morte não fora
em vão e o analfabetismo em Cuba seria superado.
A brigada “Conrado Benitez” contava com 105.664 brigadistas, sendo 54.953 do
sexo feminino e 50.711 do sexo masculino. Deste contingente, em proporções
aproximadas, 52% provinha da escola primária, 32% da secundária, 5% do pré-
universitário, 2% da escola Normal, 2% da Escola de Comércio, 2% da Universidade e
3% do magistério de ensino primário.25 (v. na tabela abaixo, a distribuição dos
brigadistas por sexo e província de atuação)
Distribuição dos brigadistas “Conrado Benitez” por província e sexo

25 Dados retirados do Informe de la UNESCO. Métodos e medios utilizados en Cuba para la supresión del analfabetismo. 2 ed.
La Habana, Cuba: Instituto del Libro, p.46.
Dadas as condições adversas que os brigadistas encontraram é curioso verificar
que havia um pouco mais de jovens do sexo feminino do que masculino na brigada
“Conrado Benitez” . Através do relato de RODRIGUEZ, que participou inicialmente
como ‘mestra voluntária` e depois como assessora técnica da Campanha, é possível
perceber a dificuldade que tiveram as jovens em obter a permissão dos pais para se
incorporarem à Campanha:
“No mês de abril de 1960 me inscrevi como ‘mestra voluntária’. Tinha que levar
a autorização de meus pais. Meu pai se negou e então busquei o apoio de minha
mãe, que assinou escondida de meu pai. Não por um problema de indisciplina...
Meu pai dizia: como uma menina que nunca havia saído da cidade, poderia
passar dificuldades. Haviam dito que ir à Serra seria algo perigoso, que teríamos
que passar muito trabalho. Éramos muito dependentes dos pais, no ano de 59,
uma jovem não podia sair só como hoje, eu dependia dele totalmente. Me levou
a fazer este ato de indisciplina mas eu tinha o apoio de minha mãe. Ela me dizia
que lamentava que eu não teria as coisas da cidade. -Aqui podemos te dar de
tudo! Inclusive tínhamos, naquele momento, uma fábrica pequena e
economicamente não estávamos mal, pois éramos pobres. Meu pai me disse:- eu
compro o que você quiser, vou colocar um carro no teu nome e eu disse: - não
pai, não quero nada, o que quero é neste momento dar um grãozinho de areia
para a revolução. E assim me fui.”26
Esses brigadistas receberam um treinamento em Varadero, que se iniciou no dia
15 de abril de 1961. DIAS conta o porquê da escolha de Varadero, que é a praia mais
bonita de Cuba, como local para o treinamento dos brigadistas:
“O companheiro Fidel nos colocou a necessidade de estabelecer um
acampamento, ao qual viessem todos os jovens para que aprendessem o mínimo
no uso da cartilha e do manual e escolheu Varadero. Muitos companheiros
nossos diziam: - porque tem de vir um homem do extremo de Cuba, de Oriente,
ou de Ocidente a Varadero; porque não aprender a alfabetizar lá? E com uma
demonstração do que foi o passado e o que era o presente, Fidel falou, que todos
os jovens de Cuba que iam alfabetizar tinham que conhecer como viviam os
ricos em Varadero. Isso era uma medida revolucionária. Os benefícios que
tinham os figurões antes iam prová-lo os filhos dos trabalhadores, os filhos dos
trabalhadores rurais e nossos jovens. Por isto passaram por Varadero 7, 8, 10
dias.”
Analisando-se as razões dessa escolha nota-se por um lado, que ela levaria os
brigadistas a usufruírem daquilo que até o momento era privilégio de poucos cubanos:
a grande pérola de Cuba, que é a praia de Varadero, extremamente cobiçada pelo
turismo. Por outro lado, saindo de Varadero e indo direto para as zonas onde iriam
alfabetizar, os brigadistas teriam a oportunidade de sentir o “choque” das contradições
sociais vivenciadas até então pelos cubanos, e também o abandono em que viviam as
pessoas do campo até aquele momento.
A saúde dos brigadistas foi outra questão que demandou muitos cuidados por
parte da Comissão Nacional de Alfabetização. DIAS afirma que a responsabilidade da
26 Entrevista com Nereida Rodriguez, que foi mestra voluntária e assessora técnica da campanha e atualmente trabalha no
Ministério de Educação na área de educação de adultos. A entrevista foi realizada em fevereiro de 1993 em Havana, Cuba.
coordenação da Campanha era muito grande, pois afinal tiraram os jovens de casa
muito cedo, alguns tinham doze, treze anos.
“Em Varadero o Ministério de Saúde Pública nos cedeu um delegado e uma
equipe de médicos para dirigir a atenção médica para os jovens...Tínhamos dois
consultórios dentários para que saíssem com problemas dentários resolvidos.
Tínhamos um policlínico em cada uma das zonas de Varadero. Existiam postos
de saúde para garantir assistência a qualquer tipo de enfermidade...
E não terminou no dia 31 de dezembro. Ali se liquidou o analfabetismo, mas
todo o rastro que deixou em doenças, em problemas de saúde e uma série de
coisas, tudo isto se liquidou três, quatro meses depois. A revolução não
abandonou nestes quatro ou seis meses nenhum jovem. Ao extremo de trazermos
a família do interior da república para que vissem seus filhos enfermos em
Havana, e se não tinham sapatos lhes comprávamos os sapatos e se não tinham
um vestido lhes comprávamos um vestido. Esta mãe deveria ter a tranqüilidade
de que a revolução tomou seu filho para uma Campanha revolucionária, e
atendíamos seu filho pelo valor que tinha este jovem para nós.”
DIAS demonstra, ainda, como Fidel Castro e Célia Sanches estavam
preocupados com a parte humana da Campanha e acompanhavam de perto cada
detalhe:
“Fidel e Célia, nós dizemos que da Campanha o guia foi Fidel e a alma foi Célia,
pois Célia esteve metida na Campanha desde que se iniciou até que terminou.
A presença de Fidel era constante. E Célia no telefone... e Célia chamando... e eu
em Havana...e de Havana para Varadero...Por isto foi garantida a Campanha de
Alfabetização porque desde o primeiro homem da revolução até o menor, todos
se meteram nela com um entusiasmo e uma motivação! É como eu te dizia, isto
não se dá a não ser numa revolução como a nossa, não espere...”
Outro fato interessante relatado por DIAS foi a preocupação com a separação de
meninos e meninas em Varadero.
“...Quando chegamos ao teatro nós separamos, na frente as meninas e atrás os
meninos. Inclusive há uma canção que diz que: ‘- não importa que Mario Dias
nos mantenha separados, no final seremos esposas deles’, algo assim... A
revolução cuidava tanto disto pois era um exemplo tão lindo, tão grande, que não
poderia ser estragado com nenhum detalhe.”
No dia 17 de abril de 1961 houve o ataque Contra-Revolucionário a Praia Girón
e Praia Larga, onde atuava uma brigada-piloto, e mesmo com esses perigos os
trabalhos não foram suspensos. Era como se fosse um desafio colocado pelo inimigo e
que deveria ser vencido.
CANFUX, que viveu essa experiência, conta como foi. Os contra-
revolucionários, além da violência física, também trabalhavam ao nível político contra
os alfabetizadores: amedrontavam a população (analfabeta até o momento, e por isto
muito facilmente influenciável), colocavam os brigadistas como comunistas e,
portanto, como uma ameaça para a população:
“A escola funcionou e eu estava muito contente ali, dando aula e
desgraçadamente antes de começar a Campanha massiva houve ataques contra-
revolucionários. Um tipo dali, que chamavam “Aguia Negra” homem, andava
com 6, 7 homens armados fazendo contra-revolução e ameaçando os mestres que
ali estavam, exigindo que abandonassem as escolas porque eram comunistas. E
para nós, durante toda a preparação que tivemos na “Sierra Maestra”, nunca nos
falaram de comunismo. E comunismo, socialismo fomos conhecendo na luta.
Não posso dizer que foi o comunismo que me motivou para fazer este trabalho,
pois não conhecia seus fundamentos nem profundamente e nem de nenhum
modo porque aqui não deixavam que estas coisas se divulgassem. Mas de todas
as maneiras diziam que estávamos fazendo comunismo.”
CANFUX ressalta ainda que os brigadistas ganharam a confiança da população
apesar de toda a propaganda dos contra- revolucionários. A população acabou
protegendo-os:
“Os trabalhadores rurais, quando sabiam que vinham os contra-revolucionários,
me diziam: mestre, suba e esconda-se entre os sacos pois parece que estão vindo
para cá. E eu me escondia, às vezes, eu os via passar, outras vezes eu os via de
longe, sobretudo à noite.
Inclusive eu tinha dois alunos de sobrenome Pelegrim que eram sobrinhos deste
homem e eu não sabia. O pai deles me alertou, porque eu deixei uma barba? E
me sentia um Fidel também! E ele me disse: por quê você não corta a barba e eu
respondi: não tenho problemas porque aqui venho dar o pão do ensino e nada
mais, e não vou ter problemas com os alçados que não virão matar-me nem nada
disto. Mas ele me insinuava a cada momento e então me dei conta que ele era
parente deste homem e que alertava, inclusive, quando sabia que vinha ou que
estava perto.”
Havia muita solidariedade e os trabalhadores rurais nos cuidavam muito, de
qualquer coisa. Finalmente umas milícias serranas acabaram com eles, os levaram. Já
com a zona limpa de contra-revolucionários é que começaram a chegar os brigadistas
ali.”
RODRIGUEZ conta como viveu essa experiência, enquanto mulher. Apesar da
sua vontade ser a de participar ativamente, para defender a Revolução, foi colocada
como alguém que devia ficar na zona “protegendo” as mulheres, já que os homens
haviam saído em defesa da Revolução; naquele momento era essa a sua contribuição
como pessoa “mais esclarecida” da zona:
“Na Campanha se sucedeu muita coisa. Eu estava em uma região montanhosa,
na costa norte da parte mais ocidental de Cuba e naquele momento ocorreu a
invasão a Girón, como você sabe, atacaram a base aérea de Santo Antônio, que
estava muito próxima. Um dia antes da invasão, em que houve a morte de
companheiros que defenderam a revolução, houve esses atentados. Estava em
plena Campanha e não se paralisou nada, assumimos, por estar próximos da
costa, a grande mobilização do povo de Cuba. O que fizeram foi atacar Giron e
depois todos os demais, estávamos invadidos de navios por toda a Ilha, da
montanha víamos os barcos ianques perto de nós, havia uma grande mobilização
dos milicianos em toda a costa. Eu de imediato me apresentei no quartel da zona
dizendo que estaria disposta a lutar pela Revolução, que era a mestra da zona e
queria uma arma. Me disseram que todos os homens da zona se mobilizaram e
ficaram apenas as mulheres.”
Na opinião de RODRIGUEZ o fato de os ataques terem acontecido no mesmo
espaço e tempo em que ocorria a Campanha não foi por acaso:
“Esses ataques foram durante a Campanha para amedrontar a todos os
brigadistas que estavam na zona. Os pais não tiraram nenhum brigadista dos
lugares, eu então me mantive ajudando a levar alimentos a todos os mobilizados
que estavam na costa, os milicianos. Naquele momento a milícia já havia se
formado como defesa da revolução.”
BREDO também expõe como foi sua experiência:
“Na zona em que eu estava havia grupos de contra-revolucionários e isto era
uma dificuldade para a população, devido à fama que tinham estes grupos, que
podiam matar a qualquer um. Acusavam os brigadistas de comunistas, de estar
lavando o cérebro das pessoas, de estar doutrinando, assim estávamos todos
ameaçados. Foi uma dificuldade que vencemos.”
É possível verificar, pelos três depoimentos, o quanto os brigadistas se sentiam
ameaçados com os ataques contra- revolucionários e como resistiram firmes, sem
abandonar a região. Outro ponto observado: a propaganda feita contra os
alfabetizadores.
DIAS relata como foi a reação dos brigadistas que naquele momento ainda
estavam recebendo treinamento em Varadero:
“...quando se deu o ataque a Giron havia barcos na costa norte com cubanos
falando por rádio contra nós e nós falávamos por rádio contra eles... Se deu um
fato muito lindo: em um albergue houve uma histeria coletiva, começaram a
chorar... Então os jovens rebeldes levaram as meninas para a praia cantando o
hino nacional de Cuba. Então toda aquela histeria se converteu em uma guerra
verbal, dando gritos a Fidel, gritos à pátria, cantando o hino... Pense como havia
motivação, motivação patriótica, lindíssima!”
Esse relato ressalta, muito bem, a mística que havia em torno da Revolução (e,
conseqüentemente, da Campanha) e como os símbolos da pátria eram capazes, naquele
momento, de vencer até mesmo o medo da morte, que era real pois o ataque estava
acontecendo.
Nesse período da Campanha, as organizações de massa se integraram de uma
forma mais decisiva. Muitas delas nasceram ou foram solidificadas neste período, já
que a Revolução estava em seu início e todas as forças da sociedade civil estavam se
estruturando para as tarefas colocadas pelo novo processo que vivia a sociedade.
CANFUX emite sua opinião:
‘‘O elemento fundamental que uniu foi precisamente a causa única, isto eliminou
certas diferenças que pudessem existir entre as organizações na base.’’
Segundo o Informe da UNESCO, já citado, o Movimento 26 de Julho, o
Diretório Revolucionário 13 de Março e o Partido Socialista Popular se fundiram para
constituir as ORI (Organizações Revolucionárias Integradas), que desempenharam um
papel muito importante na orientação política da Campanha. Foi formada também a
JUCEI (Junta de Coordenação, Execução e Inspeção), organismo integrado por
técnicos e representantes de organizações de massa e do partido, que assumiu a
responsabilidade pela Campanha em cada província.
Em junho de 1961, foi realizado o “Seminário Internacional para a luta contra o
analfabetismo” organizado pela União Internacional de Estudantes. Nesse momento,
professores Latinoamericanos, solidários à Revolução Cubana, provenientes da Costa
Rica, Brasil, Uruguai, Panamá, México, Argentina e Chile, integraram uma Brigada
Internacional Voluntária de Alfabetização em Cuba. Como assinala KOLÉSNIKOV
(1983:94): “Esto fué un ejemplo de solidariedad internacional de las fuerzas
democráticas y del internacionalismo proletario.”
Os trabalhadores participaram da Campanha através dos comitês de
alfabetização formados nas fábricas. Esses comitês faziam o censo dos analfabetos ou
semi-analfabetos existentes nas fábricas e escolhiam os mestres voluntários. Esses
faziam um trabalho de convencimento, junto aos colegas detectados pelo censo como
analfabetos, e só então iniciavam a alfabetização. Os comitês faziam também
seminários, assembléias gerais e recolhiam dinheiro dos trabalhadores para comprar
material de alfabetização. Os trabalhadores doavam parte do seu salário para a
Campanha.
Em agosto, Fidel Castro fez um chamamento aos trabalhadores para que
participassem mais ativamente da Campanha, de forma a que se deslocassem também
para a zona rural. Apresentaram-se 30.000 trabalhadores, que formaram as brigadas
“Pátria ou Morte”. Esses trabalhadores não deixaram de receber seus salários, já que
tinham família para sustentar. Companheiros de trabalho cobriam seu serviço enquanto
eles alfabetizavam. Assim, não só os alfabetizadores deram sua contribuição à
Campanha, mas também aqueles operários que aceitavam trabalhar o dobro para que
outros pudessem alfabetizar.
Quando a Campanha estava no auge, tiveram um papel relevante os núcleos de
alfabetização. Cada núcleo era formado por aproximadamente 25 alfabetizadores, 50
analfabetos e um técnico assessor.
DIAS aponta a importância desses profissionais que assessoravam a Campanha
nas mais diversas áreas:
“O brigadista era o alfabetizador. Aqueles que o acompanhavam iam como
profissionais, como técnicos para fazer um trabalho mais profundo da cartilha e
do manual. Este era o papel destes 30.000 e poucos mestres que podiam ir, ou
dos médicos, dos contadores públicos, ou seja, daqueles que tinham mais nível e
que podiam acompanhar os brigadistas.”
Os técnicos assessores, geralmente professores, visitavam constantemente os
alfabetizadores e tinham reuniões semanais. Essas reuniões, quase sempre, contavam
com a participação de membros das organizações de massa, que ajudavam a
aprofundar os temas que seriam objeto de debate nas aulas. As reuniões serviam para
verificar as dificuldades dos alfabetizadores, dar orientações metodológicas e recolher
as estatísticas. Cada alfabetizador levava os trabalhos de seus alunos aos técnicos
assessores, para verificarem em que estágio de desenvolvimento se encontravam para
que pudessem ser melhor orientados. Esses dados eram passados ao técnico
responsável, que os enviavam à Comissão Municipal. Esta os repassavam para o
Conselho Provincial, de onde eram remetidos, finalmente, para a Comissão Nacional.
Assim, viabilizava-se o controle local e regional da Campanha, enquanto, a Comissão
Nacional tinha o controle de todo o país. As estatísticas permitiam que, a nível
nacional, houvesse um controle rígido sobre o desenvolvimento da Campanha. Os
dados informavam em que lição estava cada alfabetizando, quantos estavam
alfabetizados etc.
JURADO comenta, acerca da importância da estatística para a organização e o
controle da Campanha:
“Tínhamos uma seção técnica, esta seção era constituída por mestres, eu era a
responsável pela estatística. Para nós era fundamental o responsável pela
estatística. Por quê? Porque o responsável pela estatística, além de conhecer as
pessoas que estavam recenseadas como analfabetos e alfabetizadores, tinham o
controle das lições que os alunos iam vencendo. Nós podíamos saber que se
alfabetiza uma pessoa em 45 dias, há quem se alfabetiza antes ou demora mais,
mas o normal era 45 dias para que se alfabetizasse uma pessoa.”
Esse controle era feito através de planilhas simples, que os próprios brigadistas
ou membros das organizações de massa tinham condições de preencher, e eram
entregues a cada quinze dias para possibilitar as medidas necessárias para reverter
possíveis problemas.
O controle era feito também através de provas, que eram de três tipos: prova
inicial, prova intermediária e prova final. A prova inicial tinha o objetivo de
diagnosticar qual era o nível de conhecimento da escrita em que se encontrava o
analfabeto, para poder respeitá-lo durante o trabalho de alfabetização. Depois da quinta
lição era aplicada a prova intermediária, que permitia conhecer o rendimento do aluno,
durante o processo e viabilizar medidas tendentes a melhorá-lo, se fosse o caso. A
prova final era aplicada ao término da cartilha e tinha por objetivo verificar se a
clientela realmente estava alfabetizada. Caso não estivesse o trabalho continuava. Para
comprovar a sua formação, o alfabetizado deveria escrever uma carta. Muitos
escreveram a Fidel Castro, que era o Primeiro Ministro de Cuba, na época, e foi quem,
perante o mundo, anunciou que em um ano Cuba seria território livre do
analfabetismo. As cartas dirigidas a Fidel se encontram no Museu de Alfabetização.
A imprensa teve, durante toda a Campanha, um papel significativo. De abril até o
final, realizava programas de 15 a 45 minutos que se repetiam até 15 vezes ao dia. Em
setembro, todos os artistas populares cubanos dedicavam à Campanha três horas
mensais de programa televisionado. Isso, com certeza, ajudava a formar um “clima”
que envolvia toda a população.
Durante a Campanha houveram atividades paralelas à alfabetização e que foram
muito importantes, a cartilha de saúde pública, que foi distribuída aos brigadistas para
que dessem noções de higiene e de medidas preventivas de saúde, é um exemplo.
Assim o Ministério da Saúde chegou, através dos brigadistas, a todos os recantos de
Cuba com suas medidas preventivas.
DIAS, coordenador nacional da Campanha, relata :
“Junto com a cartilha se fez uma cartilha de saúde pública, para melhorar o meio
ambiente, ensinar a todos os trabalhadores rurais a ferver a água, o serviço
sanitário, o problema do asseio pessoal, do lugar, do vestuário, tudo sobre saúde
pública. Cada brigadista se converteu em um funcionário do Ministério de Saúde
Pública. Foram 100.000, em rincões onde nunca o Ministério de Saúde Pública
pôde chegar , e a revolução conseguiu ter um representante de saúde pública em
cada um destes rincões de Cuba. Esta é outra das coisas maravilhosas da
Campanha de Alfabetização.”
A Campanha possibilitou, também, a realização de um exame de saúde da
população e detectou muitas enfermidades. Os brigadistas, além de explicarem aos
alfabetizandos a importância de consultarem o médico, se necessário, acompanhavam
as pessoas até a sede do município para que fossem atendidas. Como podemos
constatar com o depoimento de RODRIGUEZ:
“O médico não estava em minha zona, pois era uma zona muito pequena. Não
existia médico de família, como hoje mas havia um médico novo, posto pela
Revolução, na cidade. Eu que os levava e trazia pois não havia tradição, não
havia costume, na zona, dos pais levarem. Depois fui criando uma cultura de
saúde, claro, não por mim, mas ajudada pelas condições que a Revolução dava
como a saúde grátis, a escola grátis...”
Durante a Campanha a população submeteu-se, ainda, a exames oftalmológicos,
para verificar quem precisava de óculos. As dificuldades com a falta de material para
fazer os óculos foram superadas. Numa sessão solene, cada alfabetizador recebeu os
seus óculos. Isso eliminou um obstáculo à aprendizagem dos alfabetizandos que
apresentavam diferentes modalidades de deficiência visual.
DIAS relata a importância que teve, para o sucesso do trabalho educacional, essa
preocupação com o problema oftalmológico:
“Eu queria te contar, também, que quando começamos a Campanha, tinha uma
quantidade de analfabetos que não poderia alfabetizar-se porque não
enxergavam. Porque se nós não tivéssemos o cuidado de resolver o problema da
vista, ao invés de 3,9% (de analfabetismo residual) teríamos uns 14%, 16% e não
teria sido uma Campanha com um final tão maravilhoso.”
DIAS conta, também, como conseguiram viabilizar em tão pouco tempo, tantos
óculos, diante das dificuldades decorrentes do início do processo revolucionário:
“...e esta coisa que parece uma bobagem como se resolveu? - esta coisa que
parece uma bobagem se resolveu da seguinte forma: em Cuba com o Triunfo da
Revolução os especialistas da vista eram os ricos ou os filhos dos ricos. Como o
imperialismo nos roubou tantos profissionais os primeiros que se foram foi esta
gente, ficaram poucos. Como os oftometristas27 eram mais parte do povo, ao
menos naquela época, e havia duas fábricas ou três de óculos, nos pusemos em
contato com eles e lhes pedimos apoio, já era outro organismo do Estado
apoiando, se esperássemos pelos médicos não poderíamos resolver. Então, Fidel
determinou que havíamos de utilizar os oftometristas.(...) nossa Revolução não
somente resolveu este problema, momentaneamente, para que alfabetizassem,
para poder baixar o percentual, mas ao mesmo tempo dar a vista para o
“Seguimento”, para ler jornais, para que pudessem se politizar, entreter-se, para
que pudessem viver a vida, entende? Lendo...que valor tem esta coisa que parece
uma bobagem e a conseqüência tão maravilhosa que isto tem!”
E DIAS acrescenta como os óculos foram recebidos pela população, a emoção
que foi poder enxergar perfeitamente naquele momento em que a leitura começava a
fazer parte do cotidiano de tantos:
“...Nós participamos de muitas destas festas, parece que as pessoas tinham tirado
na loteria. Havia uma alegria, cantavam, choravam... uma vizinha chamava a
outra, uma trabalhadora rural ia na casa da outra com os óculos e se sentava a
ler!!!”

Fase final da Campanha


SETEMBRO A DEZEMBRO DE 1961
Nesta terceira e última etapa da Campanha de Alfabetização, o esforço técnico e
organizativo foi intensificado.
De 2 a 5 de setembro foi realizado o Congresso Nacional de Alfabetização, com
a participação de delegados de todo o país. Os objetivos eram analisar o andamento da
Campanha e propor as metas para a etapa final.
Segundo o informe da UNESCO, as metas fixadas para esta etapa foram: mais
horas de trabalho, maior controle para intensificação da Campanha e os
“acampamentos de aceleração”. Estes consistiam em locais, onde aqueles que estavam
“atrasados” na cartilha eram atendidos de forma intensiva. Funcionavam em regime de
jornada integral e contavam com professores, brigadistas e alfabetizadores populares.
Esse trabalho iniciou-se em Melena del Sur, primeiro território livre do analfabetismo
em Cuba. Como a experiência teve êxito foi implementada em toda a Ilha.
JURADO, técnica responsável pela zona de Melena del Sur, conta como se deu
esta experiência:

27 Oftometrista era o técnico que manipulava o instrumento para medir as curvaturas da superfície refringente do olho.
“Criamos os acampamentos de aceleração da aprendizagem. De acordo com as
experiências que já tínhamos no trabalho. O que fizemos? Falamos com as
granjas, com todas as organizações. Então conseguimos o local e buscamos os
mestres mais familiarizados com o trabalho, os que tinham mais experiência. O
alfabetizando ia necessitar mais horas de aula do que estava acostumado. Ia se
esforçar um pouco mais para vencer o que faltava. Tínhamos que fazer certa
separação sem que eles se dessem conta para não afetá-los. Você sabe como é em
zona rural... assim fomos vencendo as etapas. Em 5 de novembro de 1961 nós
terminamos o trabalho.”
Relata, também, a metodologia empregada nos “acampamentos de aceleração”:
“No acampamento de aceleração aumentavam as horas de trabalho, então se
juntava o programa. Preparávamos um programa especial, combinávamos lições.
Ex.: a lição das Milícias uníamos com outra lição que tinha seqüência. Já
sabíamos quais eram as dificuldades e porque eles não venciam com rapidez.”
JURADO continua seu depoimento explicitando a forma como o responsável
técnico detectava os problemas e planejava o “acampamento de aceleração”:
“...Já tínhamos uma análise de cada um e a partir daí trabalhávamos. Em uma
reunião com o técnico de cada zona eram passados mais elementos para que
pudéssemos analisar. O responsável técnico deve ser como um médico, deve
fazer uma análise. Tem de dar o diagnóstico do porquê este aluno não venceu
suas dificuldades. Então nos reunimos com o responsável técnico para começar a
confeccionar os programas do acampamento. Os técnicos das unidades
analisavam os programas, de acordo com a investigação que tínhamos feito das
dificuldades, que apresentavam os que iam para o acampamento.
Fomos a outras províncias criar outros acampamentos, onde a seção técnica fazia
todo o levantamento, e fazia uma análise para que o programa do acampamento
desse resultado, porque era uma coisa que implantamos pela primeira vez. Não
tínhamos outras experiências destas.
Outra medida tomada foi a criação de “Avançadas Revolucionárias”, integradas
por pessoas que se incorporaram à Campanha em seu final, sob a direção técnica de
professores, para ajudar a erradicar o analfabetismo em Havana, nas zonas mais
difíceis, onde ainda existia um grande número de analfabetos.
O mesmo aconteceu com os chamados “Repassadores”, pessoas que durante o
fim de semana atuavam alfabetizando e dando formação política no interior da
província de Havana. Foi realizado um curso acelerado, com a direção do Conselho
Municipal, para preparar esses voluntários principalmente para o uso da cartilha
“Venceremos” e do manual “Alfabeticemos”.
Em 5 de novembro de 1961, Melena del Sur tornou-se o primeiro território livre
do analfabetismo em Cuba. Fidel Castro, em discurso pronunciado nessa região, assim
se expressou:
“Liquidar el analfabetismo no es más que un primer paso; después vendrán
nuevos pasos, después vendran nuevas batallas, porque nuestro pueblo tiene que
proponerse estudiar, superarse, saber cada dia más, para comprender mejor;
estudiar cada vez más, para comprender la verdad cada vez mejor.” (CASTRO,
apud KOLÉSNIKOV,1983:9)
Essas palavras expressavam a preocupação com a continuidade do trabalho de
educação de adultos, depois da Campanha. Essa havia gerado um clima de comoção
nacional; todos haviam participado de alguma forma mas, naquele momento, quando a
Campanha chegava ao fim, a preocupação com a continuidade aumentava, pois os
brigadistas deviam voltar às escolas e os trabalhadores às empresas. Isto é, a vida
voltava ao normal. Mas sem um trabalho de continuidade, como falou Fidel, pouco
teria adiantado tanto sacrifício da nação. Cuba precisava, naquela ocasião, de muito
mais do que pessoas alfabetizadas: necessitava um nível de cultura compatível com a
tarefa de construir uma nova sociedade.
Apesar de Melena del Sur ter terminado sua tarefa, os outros municípios
continuavam o trabalho com força total. Muitos dos brigadistas que atuavam naquela
localidade, deslocaram-se para outras regiões para continuarem colaborando com o
trabalho de alfabetização. Esse comportamento tornou-se uma prática: o brigadista que
terminava de alfabetizar deslocavam-se para ajudar os que ainda não haviam concluído
suas tarefas.
Os símbolos tiveram um grande papel na Campanha. Entre outros, havia uma
bandeira que era colocada em cada território livre do analfabetismo. Símbolo
importante, igualmente, foi o uniforme dos brigadistas, parecido com o dos
guerrilheiros do Exército Rebelde, já que tinham a tarefa de “combater” o outro
inimigo que era o analfabetismo.
DIAS relata o “espírito” dos brigadistas ao entrarem em Havana e como foram
recebidos pela população:
“Todos os companheiros do exército rebelde regressavam com o uniforme em
frangalhos, todo desbaratado, e os brigadistas tinham um uniforme parecido com
o do exército rebelde e eles se consideravam iguais, pois não haviam lutado em
uma batalha como a outra, mas haviam subido nas montanhas. Haviam feito
parte da guerra, de outro tipo de guerra e esta era uma motivação muito grande
que tinham os brigadistas e que tínhamos todos. Por isto quando regressaram
desfilaram por Havana os cem mil brigadistas...”
Outro símbolo importante era a assinatura do documento que declarava o
território livre do analfabetismo.
BREDO relata a emoção desses momentos finais da Campanha:
“Na Campanha houve dois momentos importantes para minha experiência
pessoal: primeiro, declarar o território onde estávamos livre do analfabetismo,
foi um ato muito bonito. Naquela época, eu falava muito, não pouco como agora,
eu gostava de fazer discursos, perdi isto, agora sou mais técnico, naquela época
era mais agitador, gostava de falar em público, fazer grandes discursos... Foi um
ato muito bonito porque participou toda a comunidade, foi muito alegre, se viu
um grande entusiasmo por parte da população.
Outro grande momento dentro da Campanha foi o ato nacional onde todos
desfilamos na praça, foi um ato muito emotivo, muito patriótico, foram dois
momentos muito importantes.”
No dia 22 de dezembro de 1961, ao finalizar a Campanha, os brigadistas
desfilaram em Havana e foram aclamados pelo público, como haviam sido aclamados
os guerrilheiros do Exercito rebelde após o triunfo da Revolução. 28 Foi um grande ato
público. Entre as palavras do discurso de Fidel estavam estas:
“Ningún momento más solemne y emocionante, ningún instante de júbilo mayor,
ningún de tan legítimo orgullo y de gloria como éste en que cuatro siglos y
medio de ignorancia han sido demolidos.
Hemos ganado una gran batalla, y hay que llamarlo así - batalla - , porque la
victoria contra el analfabetismo en nuestro pais se ha logrado mediante una gran
batalla, con todas las reglas de una gran batalla. Batalla que comenzaron los
mestres, que prosiguieron los alfabetizadores populares, y que cobró
extraordinário y decisivo impulso cuando nuestras massas juveniles, integradas
en el ejército de alfabetización ‘Conrado Benitez`, se incorporaron a esa lucha.
Y quando todavia hacía falta un esfuerzo mayor, llegó un nuevo refuerzo, el
último refuerzo, el refuerzo directo de la clase obrera directamente por medio de
millares de brigadistas ‘Patria o Muerte`.

28 Para documentar o número de pessoas que estavam presentes ao ato final da Campanha de Alfabetização foram coletadas fotos
no Museu da Alfabetização de Havana.
Las masas hicieran suya esta lucha. Todas las organizaciones de masas hicieram
suya esta bandera, y sólo así hubiera sido posible ganar la batalla.” (CASTRO 29
apud KOLÉSNIKOV, 1983:92-3)
É importante observar que a erradicação do analfabetismo não foi o único ganho
dessa Campanha. Conforme se observa, pelos depoimentos, os brigadistas e todos os
que participaram do processo aprenderam e não apenas ensinaram. Aprenderam que
era difícil a vida no campo, souberam conviver com suas diferenças e, unindo as suas
forças, puderam acabar com o “inimigo”, o analfabetismo. De alguma forma, a
Campanha influenciou a mentalidade de toda uma geração, como relata BREDO:
“Foi uma experiência extraordinária, porque realmente eles, ali, tiveram uma
mudança de conduta significativa, produto precisamente da interação da vida da
cidade com a vida no campo desconhecida para eles. Me parece que contribuiu
para formar toda uma geração, este é um elemento que poderíamos dizer como
um subproduto do processo da Campanha. Quer dizer toda uma série de jovens
em idade de escola primária, em interação, ali, com o campesinato, com os
habitantes da zona rural amadureceram mais rápido. Eu diria que as normas de
convivência, as convenções, o trabalho, realmente, os formou rapidamente e dali
saiu toda uma geração.”
Além disso, com o envolvimento de toda a sociedade ocorreu um grande
aprendizado de participação popular. Parece claro que, sem essa participação, a
Campanha não seria possível, ou pelo menos não se teria desenvolvido somente em
um ano. Essa meta só foi atingida com a soma de todos os esforços de uma infinidade
de pessoas:
“La alfabetización formó parte del intenso movimiento popular y de las ansias
profundas de renovación radical que vivía el país en los años iniciales de la
Revolución. En aquellos días hermosos, siglos de ignorancia se venían
estrepitosamente abajo...
...La campaña fue un importante acontecimiento político. Tuvo una culminación
exitosa con la participación activa de todo el pueblo cubano, de todas las fuerzas
revolucionarias del pais, estuvo impregnada de un verdadeiro espíritu popular.”
(KOLÉSNIKOV, 1983:96-8)
KOLÉSNIKOV salienta, das afirmações acima, dois fatores preponderantes para
o sucesso da Campanha: as condições vividas pelo país com o triunfo da Revolução e a
participação popular na Campanha. Esses dois aspectos permitiram, praticamente em
um ano, a erradicação do analfabetismo em Cuba.
Este capítulo tratou do momento culminante do processo de alfabetização de
adultos em Cuba: a Campanha de Alfabetização de 1961, que erradicou o
analfabetismo.
O capítulo seguinte mostrará como se deu a continuidade da educação de adultos, que
garantiu a erradicação do analfabetismo evitando o fenômeno da regressão. Este
fenômeno pode acontecer com os adultos que, apesar de alfabetizados, não continuam
em contato com a língua escrita e acabam perdendo o que haviam conquistado.

Nas fotos, alfabetizadores da Brigada Conrado Benitez (1) e três momentos da


solenidade em que Cuba foi considerado território livre do analfabetismo:
alfabetizadores chegam a Havana (2), onde são recebidos por Fidel (3) e aplaudidos
pela população (4).

FOTO 1

FOTO 2
29 Obra Revolucionária, nº.52, p.6.
FOTO 3

FOTO 4

CAPÍTULO 4

Do Seguimento e
Superação Obreira
à Campanha de
Nono Grau

O Seguimento, isto é, a continuidade dos estudos para os adultos recém alfabetizados e


a expansão da rede pública escolar, para todas as crianças cubanas, o que evitava que
fossem produzi-dos novos analfabetos, foram medidas importantes que solidificaram o
sucesso da Campanha de Alfabetização
ROJAS, que participou na coordenação da Campanha de Alfabetização e no
Seguimento, relata:
“Vamos compartilhar um pouco de como foi o Seguimento. Não se erradica o
analfabetismo em um país se não se escolariza toda a população infantil e se não
há uma continuidade de estudos para os adultos para evitar a regressão, porque
senão continuaríamos produzindo analfabetos. Logo depois que terminou a
Campanha se criou a Direção de Educação de trabalhadores urbanos e rurais,
com dois cursos: o curso que se chamou Seguimento, que era fundamentalmente
para os recém-alfabetizados na Campanha e para todos aqueles que sabiam ler e
escrever e tinham um nível menor que o segundo grau, ou seja um nível muito
elementar. Para isto foram criados os cursos de Seguimento. E de Superação
Obreira para aqueles que também tinham um nível elementar, mas tinham um
terceiro, quarto, quinto grau de educação, eram mais de um milhão de pessoas no
país que não tinham o sexto grau da educação.”
Para os analfabetos que restaram (3,9% da população) continuou um programa
de combate ao “analfabetismo residual”, que localizava e alfabetizava essas pessoas
em todas as regiões do país. Em 24 de fevereiro de 1962, logo após o término da
Campanha de Alfabetização, foi criado um vice-ministério, ligado ao Ministério de
Educação, voltado à educação de adultos.
Em 1963 o Ministério de Educação e a Central de Trabalhadores de Cuba
realizaram uma prova para conhecer a subescolaridade existente no país. Os resultados
foram:
“el 53% tenía nivel equivalente a los dos primeros graus; el 28,1% de tercero a
sexto grau escolar; el 5,5% un nivel de primer año de secundaria y solamente el
13,4 rebasava esos niveles.
Estos resultados, unidos a casi un millón de alfabetizados en la Campaña,
alcanzaban la cantidad de 2 millones de personas aproximadamente sin nivel
elemental de educación.”(Ministerio de Educación de Cuba- MINED, 1983:13)
A tarefa colocada então eram os cursos de Seguimento para os recém
alfabetizados e subescolarizados, isto é, uma educação elementar e cursos de
Superação Obreira para aqueles que já tinham este nível elementar de escolarização
mas que não haviam atingido o sexto grau, ao final do primeiro ciclo elementar.
O número de mestres era ínfimo diante da tarefa existente. ROJAS, ainda em sua
entrevista, expõe o quadro da época:
“Quando terminou a Campanha, todos os estudantes que participaram, os
mestres, todos voltaram ao seu ponto de origem, quer dizer, houve uma desmo-
bilização. Então tínhamos que afrontar a continuidade de estudos destas pessoas
e como íamos realizar. Os jovens tinham que continuar estudando, os mestres
tinham que continuar suas aulas e como íamos continuar? Esta foi uma das
maiores dificuldades que tivemos: conseguir mestres, onde conseguir mestres?
Não havia como esperar que se titulassem, que se profissionalizassem, mas com
o mesmo princípio que se seguiu na Campanha de Alfabetização, de quem sabe
mais ensina ao que sabe menos... preparar um pouco pedagogicamente estas
pessoas para que pudessem atuar como mestres. A dificuldade maior que
tínhamos era: onde íamos obter os mestres para poder desenvolver a
continuidade da Campanha, para evitar a regressão dos recém-alfabetizados? Se
fez um chamamento às organizações que haviam participado da Campanha, as
organizações de massa, sobretudo na zona rural, a Federação de Mulheres
Cubanas, os Comitês de Defesa da Revolução, para buscar pessoas da própria
zona que tivessem o nível primário, de sexto grau, ou até um quarto grau e nós
conseguimos, um grupo destas pessoas.”
ROJAS relata como foi a formação desses quadros em caráter emergencial:
“...formávamos os novos mestres em caráter emergencial num Seminário que
durava aproximadamente três meses e devia prepará-los pedagogicamente,
elevar seu nível de escolaridade. Como muitos não tinham nem quinto grau,
tivemos que trabalhar sua educação de forma rápida, intensiva a fim de que
pudessem trabalhar com os recém-alfabetizados no Seguimento ou com outros
subescolarizados nos cursos de Superação Obreira.”
Para o Seguimento e a Superação Obreira foram formados também os chamados
“mestres obreiros”:
“Formamos também os mestres obreiros, que eram os próprios trabalhadores que
davam aulas a seus companheiros de trabalho. Preparamos um seminário, era
adaptado às condições. Por exemplo, uma vez na semana, ou internávamos uma
semana e depois continuávamos sua Superação para que pudessem dar aulas em
espaço próprio. Estes foram os primeiros mestres que tivemos. Também
utilizamos os mestres de educação de adultos que existiam, mas eram poucos.
Davam aulas, mas tinham mais função de assessoramento.”
A Superação Obreira se deu por rádio e televisão. ROJAS assim analisa essa
experiência:
“O curso de Superação Obreira, não o de Seguimento, seria por rádio e televisão,
com uma pessoa que estivesse na fábrica, onde viam o programa, com um
auxiliar para desenvolver o trabalho. Isto na Superação Obreira comprovamos
que não deu muito resultado. Em outros países é muito utilizada a educação
radiofônica, mas nós preferimos sempre a princípio um mestre e a preparação do
mestre, a docência direta, esta experiência nos demonstrou que um aluno estava
escutando o rádio ou assistindo à televisão e tinha alguma dificuldade e não
compreendia o resto pois tinha uma ordem lógica e tinha de esperar terminar o
programa, o que constituía uma dificuldade. Com a docência direta há também
uma influência maior; além de resolver as dificuldades individuais, tem uma
influência educativa no aluno, um intercâmbio que não se pode produzir por
estes meios. Nós optamos, depois desta primeira experiência, pela formação de
mestres, mesmo que fosse com um caráter emergente.”
CANFUX explica quem eram os “mestres fixados” e qual foi a colaboração que
prestaram no sentido de suprir a falta de mestres na grande tarefa de levar em frente o
Seguimento:
“...então começou um movimento que se chamou ‘MESTRES FIXADOS`. Estes
mestres eram pessoas que completavam o quarto grau, quinto grau e então íamos
preparando-os como mestres daquele grupo de adultos. Dávamos um seminário
de preparação inicial e depois a cada quinze dias nos reuníamos com eles para
planejar, trabalhar o livro de textos, o programa. Assim fomos criando o
Seguimento...”
Os mestres voluntários que haviam atendido ao primeiro chamamento de Fidel,
deram uma ajuda preciosa à Campanha de Alfabetização e foram imprescindíveis para
a viabilidade do Seguimento na região onde estavam. É o caso de CANFUX que, em
entrevista, relata como foi esse trabalho:
“Eu montei neste trem desde 60 e não desci mais. Em Baracoa, éramos quatro
companheiros no Seguimento e nós saímos, os quatro responsáveis municipais.
Pegamos uma cama de Campanha e uma mochila e saímos, cada um por um
bairro e em 15 dias criamos 222 salas de Seguimento com seus mestres.
Chegávamos às zonas, colocávamos a cama de Campanha e até que não
deixássemos a sala funcionando... Porque quando se fez o Seguimento os
alfabetizadores não estavam mais nas zonas, eram jovens que tinham de seguir
os estudos. E então começamos nós, como já estávamos há dois anos dando
aulas, começamos a formar mestres dos filhos de trabalhadores rurais para o
Seguimento.
Com o Seguimento, não estava determinado de ir à casa de cada trabalhador
rural, já exigíamos um pouquinho, que fosse a escola ou na casa de alguns deles
onde fazíamos um núcleo e continuamos ali alfabetizando, pois tu sabes que se
deixássemos que ficassem sem estudos, voltava o analfabetismo por desuso.”
Se por um lado havia essa falta de mestres para assumir a grande tarefa de dar
continuidade à Campanha, assim como implementar a educação de adultos, por outro
lado havia a dificuldade em convencer as pessoas a continuarem seus estudos. Até
então, eram alfabetizados em casa, com um mestre à sua disposição. Terminada a
Campanha e os estudantes voltando para seus estudos, este trabalho não era mais
possível. As pessoas deveriam deslocar-se para assistir aulas.
CANFUX expõe as dificuldades encontradas:
“ (...) os mestres primários permaneceram ali quando terminou a Campanha e
dávamos aulas pela manhã às crianças e à noite no Seguimento. Como as zonas
são montanhosas, dispersas, a escola não poderia abarcar tudo, pelas distâncias,
chovia muito e as pessoas deveriam vir à noite por aqueles caminhos...”
Assim, para enfrentar esses problemas, foram criadas modalidades especiais de
estudo. Uma dessas formas alternativas foi o “círculo de leitura”, que tinha por
objetivo evitar que as pessoas perdessem, por desuso, o que haviam aprendido. Fazia
parte desse círculo uma pessoa que orientava, mesmo não tendo formação de mestre,
ajudava as pessoas nas dificuldades encontradas na leitura. Era um estímulo para que
não parassem e, logo que possível, pudessem incorporar-se às aulas.
O objetivo da educação de adultos naquele momento (pós-Campanha) era
incorporar o máximo de pessoas nos estudos. O calendário era flexível, para atender às
demandas. Rojas, que participou desse processo, relata:
“A concepção que tínhamos na educação de adultos é que deveríamos ser
flexíveis. Fomos criando níveis de conhecimento de acordo com as
características dos adultos. Foram criados quatro níveis e dentro destes níveis
havia subniveis. Para o mestre não era fácil levar um grupo com todas estas
classificações, porque como eram ‘mestres fixados`, deveriam levá-los por
temas, era uma necessidade, mas criava uma contradição com as características
dos adultos, é importante para o adulto que seja respeitado o seu ritmo. Todos
têm necessidade que a educação vá no seu ritmo, mas para o adulto é ainda mais
necessário porque a composição social dos alunos é muito heterogênea. Eles têm
conhecimento por diversas vias.”
É possível assim perceber nesse momento uma preocupação especial com o
ritmo do aluno, o que foi uma das grandes marcas do Seguimento. Como o objetivo era
atender a todos e com o máximo de qualidade, foram estudadas formas de adequar a
educação às possibilidades e ao ritmo dos estudantes. Na Campanha o atendimento em
parte havia sido garantido porque, principalmente na zona rural, o brigadista morava
com o alfabetizando e isso facilitava o ritmo de aprendizagem assim como a
disponibilidade de tempo para o estudo. No Seguimento não era mais possível esse
atendimento, mas a preocupação com o ritmo do aluno e o tempo disponível para
estudo continuavam.
ROJAS relata as diferentes modalidades encontradas para superar estes
problemas:
“Há muita flexibilidade na educação de adultos. O horário para estudar foi a
qualquer hora do dia e em diferentes dias de estudos. Tem os que podem assistir
todos os dias, se chamam cursos regulares, há um plano de estudo para estes
cursos. Tem os que não podem assistir todos os dias, mas uma ou duas vezes na
semana, se chamam cursos por encontros. Há outra metodologia, os conteúdos
são os mesmos, mas a metodologia é diferente pois os cursos por encontro
requerem mais estudo independente. Existem outros cursos, por exemplo, os
exames livres: aquele que pensa ter os conhecimentos faz um exame e adquire
seu nível de escolaridade. Há cursos especiais que são para diferentes setores da
população, que não podem seguir um curso regular (os cursos regulares iniciam-
se em setembro e terminam em julho). Com adultos trabalhamos por semestre,
quer dizer, quando termina um semestre recebe um certificado de que venceu um
nível.” (grifo da autora)
ROJAS exemplifica como se davam alguns cursos especiais:
“Os cursos especiais são aqueles que não podem iniciar-se em setembro por
problemas de trabalho. Por exemplo, calendário especial para os que trabalham
em transporte. Os motoristas recebem as tarefas quando vão e entregam quando
regressam.
Há um plano especial também para a Marinha; os barcos também se vão por
muito tempo, então se coloca um mestre a bordo e ali no próprio barco dá suas
aulas e quando vêm fazem o exame e adquirem seu nível de escolaridade. Aqui,
por muito difícil que seja qualquer tipo de trabalho, existem diferentes tipos de
modalidades de estudo para que todos possam estudar, por isto temos
conquistado tanto.”(grifo da autora)
A princípio as disciplinas trabalhadas foram o Espanhol e a Matemática. A idéia
era globalizar os outros conhecimentos partindo dessas disciplinas, como podemos
verificar através do relato de ROJAS:
“Os cursos de Seguimento e Superação Obreira, durante os primeiros anos,
tinham duas matérias e nada mais, as matérias instrumentais eram Espanhol e
Matemática. Através da língua espanhola, das leituras, iam adquirindo
conhecimentos históricos, geográficos, científicos, mas esses não existiam como
matérias. Ao mesmo tempo podiam elevar seu nível de escolaridade nestes
cursos e aprender o que chamamos de mínimo técnico que é para avançar o nível
de desenvolvimento do país.”
O material utilizado era constituído de folhetos, com o objetivo de garantir a
atualidade dos textos assim como respeitar o ritmo de cada adulto; à medida que
terminava um folheto, passava para o seguinte. O Seguimento trabalhou com seis
folhetos e a Superação Obreira com dezessete, elaborados pela assessoria nacional e
distribuídos em todo o país.
A educação de adultos durante muito tempo foi feita de forma praticamente
voluntária. Os mestres recebiam apenas uma gratificação, pois Cuba passava por
grandes dificuldades para reestruturar-se e necessitava do trabalho dessas pessoas para
garantir a elevação cultural da massa (objetivo proposto pelo projeto revolucionário).
CANFUX relata como era esse trabalho de formação dos mestres e o “espírito” com
que eles assumiram essa tarefa, em meio a todas as dificuldades:
“A formação de mestres foi um capítulo emocionante da educação dos
trabalhadores urbanos e rurais. Internávamos os mestres para a preparação inicial
. Fazíamos convênios com as administrações das granjas de maneira que os
‘mestres fixados` em uma parte do dia dedicavam-se a trabalhar na granja e na
outra parte preparavam-se para trabalhar como mestres. Se o mestre não tinha o
sexto grau ali dávamos o sexto grau. Nos ríamos porque lhes dávamos os 25
pesos e às vezes pedíamos doações voluntárias para poder pagar os alimentos.
Eles davam com um interesse, imagine o que representou para a zona rural que
estes jovens tivessem um lugar onde preparar-se, uma gente que era totalmente
excluída, aquilo era como uma salvação para eles! Socialmente ali se reuniam, e
buscávamos mestres profissionais para assessorar.”
Na fala seguinte, o mesmo CANFUX levanta a questão da educação ser estatal.
Ele argumenta que, desde esse primeiro momento, embora tudo fosse aparentemente
estatal, na realidade a sociedade civil é que providenciava, com recursos próprios, a
formação de mestres para a continuidade da educação de adultos em Cuba, logo após a
Campanha de Alfabetização.
“Havia seminários internos que duravam três meses, com recursos da
comunidade e nada mais, recursos da granja e dos mestres. O Estado não podia
dar nada para isto, mas aparecia como um plano estatal, por isso tem gente que
não nos entende e diz que em Cuba tudo é estatal. As vezes eu falo por aí e as
pessoas dizem que estou falando como funcionário do ministério, como se
tivesse que salvar isto. Aqui é estatal porque é estatal, porque é do povo a
propriedade, mas nas formas de atuar tivemos que recorrer muito aos recursos da
própria comunidade, aos interesses das pessoas, porque uma das coisas boas que
temos feito é que temos responsabilizado muito ao homem por ele mesmo.”
(grifo da autora)
ROJAS, que também participou desse período, enfatiza em seu relato as
dificuldades financeiras, decorrentes de um momento inicial de mudanças no setor
produtivo da sociedade. E ressalta como foram superadas essas dificuldades através
dos próprios profissionais que se formavam em caráter emergencial:
“...A formação de mestres se fez de uma forma emergencial. (...) não tínhamos
recursos, não tínhamos dinheiro, para fazer estes seminários. Eram em granjas,
cooperativas, em uma produção agropecuária, onde eles participavam da
produção e a granja lhes proporcionava a alimentação, e então, em um tempo do
dia dávamos a preparação pedagógica e elevação de seu nível de escolaridade e
assim se formaram estes mestres. O que se pagava, era mínimo, era praticamente
um trabalho voluntário, era como uma compensação para gastos de viagem, era
quase voluntário.”
Enfim, apesar das inúmeras barreiras encontradas, principalmente de ordem
financeira, a educação de adultos em Cuba foi implementada já nos primeiros anos da
Revolução.
Mediante uma decisão tomada durante o 14º Congresso da CTC (Confederação
de Trabalhadores Cubanos), no ano de 1975, todos os trabalhadores cubanos deveriam
atingir o sexto grau (que corresponde ao final da fase elementar de escolarização) até o
ano de 1980. Foi a chamada “batalha pelo sexto grau”, que intensificou o trabalho de
educação de adultos com a colaboração das organizações de massa, principalmente a
CTC (Confederação dos Trabalhadores Cubanos) e FMC (Federação de Mulheres
Cubanas). A CTC abrangeu mais os trabalhadores e a FMC as donas de casa e
trabalhadores rurais.
Atingida essa meta de escolarização, em 1980, foi lançada a “batalha pelo nono
grau”, isto é, que todos os trabalhadores concluíssem o secundário até o ano de 1985.
Após o término dessas campanhas, que intensificaram um trabalho que já estava
sendo realizado em Cuba desde 1962, a luta pela escolarização continuou e permanece
até hoje. A matrícula para o sexto e o nono grau baixou muito, pois a maioria dos
adultos já cumpriu essa etapa de escolarização durante as campanhas.
ROJAS explica como está estruturada a educação de adultos atualmente:
“Quanto à estrutura, existe uma direção nacional que funciona no Ministério de
Educação, tem um diretor e metodólogos, que são metodólogos e inspetores que
tem a dupla função: metodológica de elaboração de materiais e também inspeção
nas províncias para orientar, ajudar e controlar a qualidade do trabalho que se
realiza. Esta é a direção nacional.
Em cada província (14 províncias) existe uma direção provincial, um
departamento provincial, cada departamento provincial tem um chefe de
departamento e metodólogos que se ocupam de adultos especificamente. Tem a
função de organizar a educação de adultos em sua província e de ajudar e
assessorar os municípios, além de estabelecer as relações com as organizações de
trabalho em nível provincial, existem em nível provincial as organizações (CTC,
FMC, ANAP...) e eles fazem convênios para que elevem seu nível de educação.
Em cada município (169 municípios) há um metodólogo/inspetor de adultos que
tem a máxima responsabilidade de adultos no seu município. Este
metodólogo/inspetor pertence a uma direção provincial de educação que se
ocupa de toda a educação, de pré-escolar, de primária... Ali os
metodólogos/inspetores por área atendem sempre a educação de crianças como
de adultos.”
Quanto às funções da direção municipal, observa ainda ROJAS:
“Tem a função também de estabelecer relações com as organizações em nível
municipal, estar atento à matrícula, inspecionar, controlar todo o trabalho de
educação de adultos. Os inspetores que trabalham com ele, que são por área ou
matéria, também ajudam na orientação metodológica para ter mais qualidade. Há
metodólogos de Matemática, Espanhol, independente de se tratar de ensino
elementar de adultos ou crianças, de EOC (Educação Obreira e Campesina),
SOC (Secundária Obreira e Campesina) ou FOC (Faculdade Obreira e
Campesina) ou Pré-Universitário.”
Sobre o aspecto organizativo da direção municipal e sobre o acompanhamento
do trabalho (no caso dessa educação não se dar em escolas, visando à flexibilidade a
que já nos referimos), continua a fonte citada:
“As salas de educação de adultos, se dão em escolas, com direção, mestres e
professores... mas também há salas em outros locais como em fábricas, salas
anexas, que pertencem à escola, mas não funcionam no mesmo local da escola,
dependendo das necessidades dos adultos. Então há o conselho técnico, que é
dirigido pelo diretor da escola, onde são discutidos os problemas das escolas,
tanto organizativos como metodológicos.
Também existem os coletivos de cátedra onde os mestres se reúnem para analisar
problemas metodológicos e a superação que tem de fazer estes mestres. Também
se reúnem em nível municipal com os metodólogos inspetores onde há a
superação, a orientação metodológica para suas aulas e intercâmbio entre os
professores do município para melhorar a qualidade do trabalho.”
ROJAS ressalta, enfim, ser a direção nacional que mantém relações com as
organizações de massa para implementar os trabalhos conjuntos:
“A direção nacional é quem mantém a relação com as organizações de massa: a
CTC, a FMC, ANAP (Associação Nacional de Agricultores Pequenos) e com a
União de Jovens Comunistas. Estas relações se estabelecem em nível nacional.”

Outra frente de trabalho da educação de adultos foi o combate ao chamado


“analfabetismo residual”, isto é, aqueles 3,9% que não foram alfabetizados durante a
grande Campanha. O combate ao analfabetismo residual tem sido realizado pela
equipe de educação de adultos do Ministério de Educação.
BREDO, que atualmente é o responsável por esse trabalho no Ministério, explica
quem continuou analfabeto e por quê:
“...quem continuou analfabeto? Os que por diferentes causas sociais poderosas,
não se haviam praticamente se separado delas, outro por determinada idade,
essencialmente era isto. Com o grupo de mestres que se formaram se foi dando
atenção a este analfabetismo residual. Podemos dizer que depois da Campanha
se seguiu o ritmo da alfabetização, daqueles que iam ficando, porque é certo que
havia um pequeno grupo que naquela época não terminava a escola primária.
Havia 1%, 2% de evasão na escola primária que deixavam de estudar, e como é
lógico se convertiam em analfabetos funcionais. Estes engrossariam esta fila.”
BREDO ressalta o trabalho conjunto com as organizações de massa:
“Se ia fazendo o trabalho de detectar e tratar de convencer mas creio que é
importante contar a todo momento com a colaboração de todas as organizações,
em todos os lugares, os sindicatos, as organizações de trabalhadores rurais, a
Federação de Mulheres Cubanas.
Se seguiu a outra etapa, de sexto grau, de nono grau. E no analfabetismo
residual, que é o que estamos falando, se seguiu trabalhando com estes
analfabetos. Como não havia muita nova entrada de jovens de 15, 16, 17, estava
mais localizado na faixa de 25, 30, 35 e mais. Se aplicou uma linha de dar
atenção individual porque era disperso em zonas bastante difíceis, se reuniam em
uma comunidade determinada, se estabelecia este vínculo e assim foi se dando
curso.”
O mesmo BREDO afirma que o período de 1970 a 1980 foi quando menos se
investiu no combate ao analfabetismo residual. Foi o período das campanhas do sexto
e do nono grau, que centralizaram as atenções. Comenta também as dificuldades
encontradas para detectar os analfabetos, que eram poucos e, por isso, sentiam-se
discriminados:
“Eu considero que na década de 70, na etapa de 75, 80 esta atenção se
abandonou, era lógico, porque o que permanecia eram pessoas praticamente
impossibilitadas de se alfabetizar; do ponto de vista da estratégia não terminou,
mas já não se foi mais localizá-lo, fazer um trabalho com ele. porque o que se
passava era que nesta época se uma pessoa era analfabeta, era porque não sabia
ler e escrever mas já tinha uma série de vivências, de conhecimentos que ela
havia construído e permitia a ela relacionar-se e esconder muito. Era como se
tivesse uma doença grave, como por exemplo AIDS agora ou como a peste no
século passado, não é fácil detectar, a pessoa não confessa que é analfabeta,
temos de descobri-la em sua ação.”
As palavras de CANFUX representam o que tem sido a educação de adultos
naquele país: um trabalho de artesão, um processo que se iniciou antes mesmo da
Campanha e ainda hoje permanece em processo de construção:
“E agora que estamos nas transformações da educação de adultos, outra vez, pois
faz 30 anos que estamos transformando, isto tem sido um processo de
transformação... do qual eu tenho sido protagonista. Eu tenho um chefe que dizia
que eu era um artesão da educação de adultos. Dizia: ‘tu não és um pedagogo da
educação de adultos tu és um artesão`... venho vindo moldando isto desde a
Campanha de Alfabetização até agora...”
Em síntese, este quarto capítulo objetivou relatar como se deu a continuidade da
educação de adultos, após a Campanha de Alfabetização. Foi baseado quase que
exclusivamente nos depoimentos de ROJAS, CANFUX e BREDO.
ROJAS e CANFUX têm atuado ao longo do processo de continuidade, desde o
Seguimento até hoje. São 32 anos de trabalho e, assim, são as pessoas mais
autorizadas, no meu entendimento, a relatar como se deu.
E BREDO, que atualmente é o responsável, junto ao MINED, pelo combate ao
analfabetismo residual, possui credenciais, igualmente, para tratar do tema.
O Seguimento e a Superação Obreira foram partes do projeto cultural, iniciado com a
Campanha de Alfabetização, e elementos integrantes do projeto revolucionário.

CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A Campanha de Alfabetização Cubana foi o momento supremo de um processo de
alfabetização de adultos, que vinha ocorrendo desde os movimentos de luta pela
independência (1868-1898), pas-
sando pelos conflitos criados pela dominação política externa, os períodos de ditaduras
e culminando com o triunfo da Revolução em janeiro de 1959.
Conforme o exposto toma-se conhecimento de que a Revolução de 1959 passou
por diferentes fases. Logo após a vitória, o programa revolucionário baseou-se nas
diretrizes delineadas na famosa obra de Fidel Castro, A história me absolverá,
caracterizando-se pela adoção de medidas em resposta aos problemas econômicos e
sociais mais urgentes do país: a miséria, o desemprego, o analfabetismo, a
discriminação racial e de gênero, a prostituição etc. Uma das medidas de maior
impacto, deste período, foi a promulgação da lei de reforma agrária, que entregou a
propriedade da terra para os trabalhadores rurais e nacionalizou os latifúndios que
utilizavam mão-de-obra assalariada, mantendo-os como grandes unidades de produção
de propriedade estatal.
A preparação da Campanha de Alfabetização desenvolveu-se, durante essa fase
inicial, denominada mais tarde, nos documentos oficiais do Partido Comunista
Cubano, como “democrático-popular, agrária e antimperialista”30.
O encerramento dessa primeira fase deu-se, aproximadamente, por volta de abril
de 1961, em meio aos ataques contra-revolucionários e às vésperas da invasão à Praia
Girón. Fidel Castro proclamou o caráter socialista da Revolução Cubana por entender
que, estando já sob bloqueio econômico e enfrentando uma intensificação dos ataques
inimigos, o processo revolucionário correria vários riscos se não contasse com a
retaguarda do bloco socialista, tanto em termos econômicos quanto militares. Pode-se
acrescentar, no entanto, que apenas em outubro de 1965 foi constituído o Comitê
Central do Partido Comunista de Cuba, “partido único e força dirigente superior de
toda a sociedade e do Estado” (PCC,1986).
É importante ressaltar que essa mudança de fase do processo revolucionário
ocorreu em pleno auge da Campanha de Alfabetização, quando se estavam
incorporando as brigada. Constata-se, pois que a Campanha de Alfabetização de
adultos constituiu parte integrante do processo revolucionário desde seu início.
Já na primeira fase do processo, o investimento na alfabetização processou-se de
forma concomitante com a execução de muitas reformas estruturais. Além disso, no
primeiro momento da Campanha, o chamamento aos mestres voluntários, correspondia
a um convite para participar da Revolução, tal como se pode perceber pelos
depoimentos de BARNET, CANFUX e RODRIGUEZ. A Campanha de Alfabetização
de adultos, bem como, sua continuação, era considerada parte de um projeto de
elevação cultural das massas, como se pode destacar através das próprias palavras de
CASTRO:
“(...)La revolución no puede pretender asfixiar el arte o la cultura cuando una de
las metas y uno de los propósitos fundamentales de la revolución es desarrollar
el arte y la cultura, precisamente para que el arte y la cultura lleguem a ser un
real patrimonio del pueblo. Y al igual que nosotros hemos querido para el pueblo
una vida mejor en el ordem material, queremos una vida mejor también en todos

30 Para uma análise mais extensa dessas questões, cf. DONGHI (1989) e LOPEZ (1989).
los órdenes espirituales; queremos para el pueblo una vida mejor en el orden
cultural...” (CASTRO31, apud ZOTTA (1976:13)
Em resumo o que se pretendeu evidenciar no presente trabalho foi que a
Campanha, seus objetivos e sua própria metodologia estavam profundamente inseridos
no processo revolucionário.
A continuidade do processo revolucionário pressupunha a conquista de
hegemonia no interior da sociedade cubana. A Campanha teve um papel fundamental
na consecução dessa hegemonia.
Isso ocorreu, por um lado, através da formação de “quadros revolucionários”,
que se incumbiriam de propagar o ideário revolucionário por todo o país e de levar a
população a “amar a revolução”. Foi o caso, principalmente, dos mestres voluntários,
cujo treinamento, ao mesmo tempo em que os preparava para assumir tarefas ligadas à
educação, era igualmente treinamento de quadros para a Revolução. São indicadores
desse fato tanto os valores perpassados, que chamamos de “currículo oculto”, que se
expressam através de idéias e atitudes como aprender a viver no coletivo, a prescindir,
a incorporar a nova disciplina, bem como as condições materiais do acampamento, que
eram quase as mesmas do exército rebelde. No caso dos brigadistas, o treinamento foi
diferente, mas também não deixou de formar quadros para a Revolução: realizando-se
em Varadero, o treinamento pôde mostrar as contradições entre o conforto que
usufruíam os latifundiários e empresários cubanos e norte americanos, no passado, e a
dura realidade da vida da grande maioria da população cubana, que os brigadistas iam
encontrar no interior do país.
De fato, como ressalta BREDO, a Campanha de Alfabetização “formou” toda
uma geração: o contato dos brigadistas normalmente integrantes das camadas médias
urbanas com os contrastes do país, além de toda a formação política dada no decorrer
do processo, propiciaram sua adesão à proposta revolucionária. Pode-se observar, a
propósito, que muitos desses novos quadros vieram, mais tarde, a assumir outras
funções no processo revolucionário, como por exemplo a gestão de empresas
nacionalizadas.
Por outro lado, o mesmo objetivo, de busca de hegemonia revolucionária
configura-se claramente, também, em diversos aspectos do desenrolar mesmo da
Campanha, relacionados diretamente com a educação e organização da sociedade.
Alguns indicadores permitem essa inferência, como se procura expor a seguir.
O próprio caráter massivo da alfabetização, inserido num projeto mais amplo de
elevação cultural das massas, é um primeiro indicador.
Da mesma forma pode ser considerada a metodologia utilizada na Campanha. De
fato, os temas propostos na cartilha, visando a proporcionar ao alfabetizando o
estabelecimento de relações entre o seu cotidiano, o momento conjuntural que vivia a
sociedade e as mudanças estruturais que estavam ocorrendo, asseguravam-lhe um
melhor entendimento do real, habilitando-o a ter uma participação mais efetiva no
processo social. Além disso, ao se referir a questões como a igualdade de direitos para
setores discriminados (mulheres e negros), entre muitas outras, a cartilha ainda
transmitia o ideário revolucionário e permitia um melhor entendimento do real
objetivando a formação de novos valores adequados ao projeto de uma sociedade mais
justa.
Outro indicador importante é a continuidade dada ao processo de Alfabetização
através de sucessivos projetos de educação de adultos. Isto demonstra mostra que a
Campanha não foi um fato isolado mas que a educação era vista como uma das
prioridades, tanto que se garantiu oportunidades educacionais a todas as crianças em
idade escolar, de forma a evitar que se produzissem novos analfabetos.
ROJAS (1987:1), que foi assessora técnica da Campanha em nível nacional,
assim explícita essas questões:

31 CASTRO, F. La revolución cubana (1953-1962), México, 1972.


“La campaña de alfabetización fué una premisa para lograr uno de los objetivos
de la educación socialista: proporcionar al pueblo el dominio de la ciencia, la
técnica y la cultura, al pueblo todo, no a una minoria privilegiada.
Erradicar el analfabetismo debe entenderse como un primer paso dentro del
proceso de educación de las massas y no ha de reducir-se solamente a la tarea de
enseñar a leer y a escribir.”
Há a necessidade de ressaltar o papel da Campanha na luta política com os
contra-revolucionários, isto é, aqueles que se sentiram lesados com a nova proposta de
sociedade e que detinham, até então a hegemonia em Cuba. Nessa luta, uma decisiva
batalha foi travada em torno dos analfabetos residentes nas zonas rurais. Essa
população, mais desavisada, foi alvo de intensa propaganda contra-revolucionária,
com aspectos de verdadeiro terrorismo. Nesse contexto, a Campanha, através da ação
dos brigadistas, foi fundamental no sentido de “ganhar” a adesão desta população,
revertendo, assim, a correlação de forças em favor do projeto revolucionário.
Finalmente, cabe destacar um último indicador da importância da Campanha na
busca de hegemonia para o processo revolucionário: trata-se da questão da organização
da sociedade, dado que o próprio decorrer da Campanha constituiu um momento de
notável estímulo à criação de novas instituições da sociedade civil, bem como ao
fortalecimento de instituições já existentes.
O envolvimento da sociedade civil caracterizou a Campanha como um dos
momentos de maior participação política na história de Cuba, onde as pessoas se
sentiam agentes do processo de construção da nova sociedade. Para os cidadãos
participar desse movimento educacional significava ser um “guerrilheiro”. Havia um
movimento global de mudanças extremamente contagiante. Nesse sentido, SANTOS
(1992:28) destaca:
“O importante é entender que Cuba foi o primeiro país do mundo a utilizar um
processo de alfabetização de massa, onde a sociedade civil é a responsável pelo
processo.”
Essa participação na Campanha, ao mobilizar a população no sentido de um
comprometimento mais efetivo no processo revolucionário dava respaldo à Revolução
tanto no âmbito nacional quanto internacional.
Cabe observar que o Seguimento e a Superação Obreira contaram com trabalho
praticamente voluntário, apesar de terem todo apoio do governo. A sociedade civil teve
um papel preponderante no sucesso dessa continuidade.
O envolvimento da sociedade civil foi viabilizado, também, pela estrutura
organizacional da Campanha, a qual, embora subordinada a uma sistemática de
planejamento centralizado, visando, entre outras coisas, garantir a qualidade do
trabalho, dava poder real às Comissões Municipais, integradas pelas instituições da
sociedade civil em geral e pelas organizações de massa. Um exemplo de ação proposta
e executada “de baixo para cima” se consubstanciou nos “acampamentos de
aceleração”, propostos por uma das zonas, e que, tendo sido bem sucedidos, foram
estendidos a outras.
Para concluir, é conveniente ressaltar que se, por um lado, a Campanha
impulsionou a Revolução, ajudando na conquista de hegemonia para o processo
revolucionário, por outro lado, é preciso ficar claro que ela não teria sido possível sem
a prévia existência desse mesmo processo: participar da Campanha era participar da
Revolução e o clima de mudanças que envolvia as pessoas motivava-as a essa
participação.
Enfim, dificilmente uma campanha massiva, com as características da Campanha
Cubana, teria a mesma eficácia, expressa na eliminação rápida do analfabetismo, em
uma sociedade que não estivesse vivendo uma conjuntura revolucionária semelhante.

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