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Zoneamento ecolégico e econdémico da Amazénia Questdes de escala e método Aziz Ab’Saber Introdugio O conceito de zoneamento ecolégico e econ6mico exige uma série de en- tendimentos prévios. Sua aplicagao ou utilizagao em relagdo a um determinado exige método, reflexdo e estratégias préprias, Nao existe idade de dar & questo um tratamento empfrico ou enderegar a ela uma abordagem linear e epidérmica. Os princfpios de um verdadeiro 20- neamento ecolégico (e econémico) nao tém condigdes de serem aplicados a to- do e qualquer tipo de regiio geogréfica e social. Por sua vez, quando aplicdvel a uma determinada drea ou espaco, requer uma multidisciplinaridade plena, pelo fato de pretender identificar as potencialidades especfficas ou preferenciais, de cada um dos subespacos ou subéreas do territério em estudo. Essa busca das vocagées de cada componente ou célula espacial, inserida em conjuntos maio- ses do espaco regional, exige um conhecimento do mosaico dos solos; a detec 40 das tendéncias de uso econémico ou especulativo dos espacos rurais, urba- nos € rururbanos; o balango da economicidade dos sistemas de explotagao pro- postos: os espagos livres & exploracio econdmica; os tipos de médulos rurais passiveis de serem instalados nos espagos liberados & exploragio econémica; os fatores de apoio as atividades agrérias e o balango das caréncias ou das eficién- cias das infra-estruturas preexistentes. Por outro lado, implica em se reconhecer ¢ delimitar espagos defendidos por legislag6es especiais: parques nacionais, re- servas ind{genas, reservas biolégicas, estagdes ecol6gicas, setores criticos dos espagos ecoldgicos (cabeceiras de drenagem, florestas beiradciras) e outras reas de proteco obrigatéria ou parcial. A amplitude das tarefas a screm reali- zadas exige uma participacio variada de especialistas pertencentes a diferentes reas do conhecimento, sob a batuta de pessoas treinadas em métodos de pla- nejamento regional. Estabelecer as bases de um zoneamento ecolégico ¢ econdmico em uma determinada conjuntura geogréfica equivale a realizar um estudo para determi- nar a vocagio de todos os subespagos que compéem um certo territério, e efe- tuar o levantamento de suas potencialidades econémicas, sob um critério basi- camente ecodesenvolvimentista. Para tanto, existe um feixe de metodologias aplicéveis, elaboradas por agrénomos, gedgrafos, ecélogos, engenheiros-flo- restais ¢ cartégrafos; na condigéo de alguém dentre eles possuir uma boa nocao de planejamento regional. A metodologia que mais se aproxima dessa tarefa é a dos agrénomos que, com relago ao zoneamento dos espacos rurais, possuem, desde hd muitos anos, t6cnicas para a identificagio das classes de capacidade de uso preferencial dos solos de uma regido. Essa metodologia foi bastante aperfeigoada desde que se generalizou o uso de aerofotos e outros tipos de imagens (radar, satélites) como documentos basicos de apoio, para a interpretagao do mosaico regional dos so- Jos, em suas respectivas unidades de relevo. Infelizmenté, o uso abusivo dessas técnicas, sem a necesséria adequacio para condicées regionais muito diversas, ocasionou uma certa desmoralizacio cientifica de sua aplicacio. Tratava-se de uma metodologia por demais genérica e pretensamente universal, que perdia 4 estudos AVANCADOS Estabelecer as bases de um zoneamento ecoligico ¢ econdmico em uma deferminada conjuntura geogrifica equivale a realizar um estudo para determinar a vocacio de todos os subespacos que compiem um certo (erritério, € efetnar a leyantamento de suas potencialidades econémicas, sob um critério basicamente ecodesenvolvimentista. parte de sua objetividade quando aplicada a regiées morfocliméticas ¢ geope- dolégicas muito diversas daquelas que serviram de modelo para o teste original da classificagio. Nesse sentido, ndo seré demais lembrar que a identificagio ¢ 0 mapeamento das classes de capacidade de uso do solo foram técnicas criadas para serem aplicadas as regides temperadas dos EEUU, nao podendo ser trans- portadas rigidamente para grandes conjuntos de terras equatoriais, tropicais ou semi-dridas, para ndo falar em regides de natureza climdtica e ecolégica mais extremadas (desertos, tundras, altas montanhas). Em boa hora, no Brasil, alguns pesquisadores da érea agronémica, mais bem-avisados, tem procurado realizar as adequacées necessérias, para tornar o reconhecimento das classes de capaci- dade de uso dos terrenos mais adaptiveis'a determinadas situagdes da natureza regional brasileira. Em relagio A Amaz6nia, 0 estabelecimento puro e simples de uma carta das classes de capacidade de uso do solo poderia induzir os especuladores e os administradores mal-avisados a cometer as propostas agrfrias mais absurdas, com base numa metodologia que nfo tem condig6es de ser aplicada as condi- g6es ecoldgicas e fisiogrificas regionais. A propria cartografia extensiva do Projeto RADAM, dirigida para 0 uso potencial dos solos, tem se mostrado ine- ficiente e perigosa, quando utilizada com rigidez, favorecendo as mais diversas listoredes, pelos interessados no uso empfrico dos espagos amaz6nicos. Hé, portanto, que trilhar outros caminhos metodolégicos ¢ adotar estratégias mais precatadas, a fim de ser mais titil & regifio, As comunidades residentes, ¢ a0 Pafs. Acredita-se que, na oportunidade de assentar as bases metodolégicas para um zoneamento ecol6gico ¢ econdémico das terras amazénicas, venha a ser pos- sivel atender tais objetivos, com maiores possibilidades de acerto. Zoneamento Ecolégico ¢ Econémico: uma discussdo conceitual Um esforgo para realizar um zoneamento dito ecoldgico e econémico, de um espaco geogrifico da ordem de grandeza de um grande dominio morfocli- miético e fitogeogréfico, € uma tarefa que implica em muitos pressupostos. A saber: demanda de uma reflexiio orientada para o entendimento integrado do complexo natural da regido, incluindo o conhecimento da natureza dos seus contrastes internos. Envoive uma metodologia ecodesenvolvimentista para as questaes basicas de utilizagao dos espacos fisicos ¢ ecolégicos, a par com uma metodologia pragmética e cuidadosa sobre a forma mais conveniente ¢ dinami- zadora para a utilizagdo dos recursos eventuais do subsolo. Envolve a recupe- ragSo correta das experiéncias anteriores, incluindo uma andlise das razdes do seu fracasso ou do seu sucesso. Implica em um cruzamento dos conhecimentos sobre 08 fatos fisiogréficos e ecoldgicos com os fatos da conjuntura econémica, demogrifica e social da regifio. Tem que se proceder uma avaliacho do papel que as cidades ¢ a rede urbana preexistente podem desempenhar nos processos de desenvolvimento incentivado. Em cardter obrigatério, precisa-se reunir toda a documentagio sobre a extenso, a distribuicao ¢ a tipologia das 4reas de pre- servagao e conservacao existentes no interior da drea em estudo. Da mesma forma que deverd obter todos os informes sobre as infra-estruturas instaladas ou em processo de instalacio, envolvendo, ainda, o conhecimento do mosaico de planos, programas ¢ projetos propostos para a regifio, em diferentes tempos por diferentes drgios. Néo ha como aceitar a idéia simplista de que a determinados espacos eeolégicas devem corresponder espagos econémicos, numa sobreposiio plent ¢ totalmente ajustivel. E totalmente ut6pico pensar-se que o potencial dos re- cursos naturais de uma rea possa ser avaliaco em termos de uma sociedade homogénea na sua estrutura de classes e de padrdes de consumo. Somente as comunidades indigenas tm a possibilidade de utilizagao direta dos recursos oferecidos por um espago geoccolégico determinado. Pelo oposto, as socieda- estudos AVANCADOS. 5 des mais complexas avaliam os recursos ecolégicos de um modo altamente seto- rizado, procurando utilizar apenas aqueles que mais dirctamente interessam a0 seu tipo de atividade. As chamadas classes produtoras véem na natureza apenas 05 recursos que interessam ao tipo de atividades a que se dedicam. Tém outras Gticas para a percepgao da economicidade dos recursos naturais. Ao utilizar-se da biomassa vegetal ou animal que compée a natureza regional, alguns retiram apenas o que Jhes interessa, comportando-se com uma insensibilidade plena em relago & predacao dos componentes que se encontravam em combinag6es inte- gradas no meio ambiente. Uns se interessam apenas na obtengéo das peles de animais silvestres ou couros de jacarés. Nao lhes interessam a preservagiio da diversidade biolégica, nem tampouco as perturbagées e interferéncias nas ca- deias tr6ficas. Outros tém como alvo apenas as madeiras de lei, existentes no entremeio da floresta ombrofilica heterogénea. Nao Ihes interessa a sorte € 0 destino do resto das matas, com as madeiras brancas existentes nos intersticios dos lenhos de maior valor comercial. Outros, mais ainda, esto interessados na explorago total da madeira para carvao vegetal, a fim de viabilizar a famosa planitha de custos de suas atividades industriais. Diante de tal mentalidade, pouco adiantou 0 extraordindrio trabalho sofrido, de geragGes geragées de coletores que contribuiram para a preservaco de grandes massas florestais em regides como a Amazénia. Tais fatos nos permitem fixar a idéia de que a ava- Tiago das potencialidades naturais de um determinado espaco (excluidas as ri- quezas de subsolo) ficam na dependéncia dos interesses e tipos de atividades de cada produtor da sociedade capitalista-consumista. Num segundo nivel de consideragSes, € preciso fixar a idéia de que qual- quer que seja o critério para identificar ¢ delimitar regides geoecolégicas, pode- rio ocorrer desajustes maiores ou menores entre a drea de extensdo das condi- 0es naturais, grosso modo, homogéneas, ¢ a érea de abrangéncia ¢ atuagdo das infra-estruturas instaladas. Mesmo quando as atividades econdmicas primérias, como a exploragio extrativista, tenham remanescentes generalizados no espago regional, ainda assim, existem variagdes sub-regionais ou locais, dependentes da organizacio urbana regional, sistemas de transportes, tipologia da circula- 40, circulos de distancia em relacao aos pélos de comercializacdo dos produtos silvestres ou agricolas, iniciativas desenvolvimentistas, progressio das infra- estruturas modernizantes, valor diferencial das terras e diferencas hierdrquicas no interior das redes urbanas regionais. Extensividade das Regides Geaecolégicas e Limitacées Espaciais dos Nucleos Geoeconémicos e Industriais A experiéneia brasileira demonstra uma forte tendéncia para o desajuste entre as regiGes geoecoldgicas em face das regides geoeconémicas submetidas a processos de industrializacio espacialmente restritos. Enquanto perduraram grandes espacos geoecolégicos submetidos a ciclos agrérios regionais, a ten- déncia se fez na diregéo de uma ampliagio da rede urbana regional de apoio 4s atividades agrérias e A comercializacZo da producdo. Surgiram as cidades da regio canavieira. Cidades do café. A frouxa rede de cidades da Campanha Gaiicha. As cidades da regiéio do cacau. Com o desenvolvimento da soja, houve uma revitalizagio urbana extraordin4ria das velhas cidades do oeste do Parané e do oeste de Santa Catarina, sem uma grande ampliacao numérica dos centros urbanos. As coisas se passaram de modo inteiramente diverso com as 4reas que em fungao dos capitais criados pelos ciclos agricolas outros fatores (migracées, investimentos estrangeiros) pudcram deslanchar uma industrializag&o sub-re- gional. Af, a tendéncia para a concentracfio industrial efn determinados espagos foi 9 processo mais habitual e sobretudo de mais diffcil reversio. A concentra- go horizontal tem sido um fato: regio industrial de So Paulo, envolvendo submicleos na direcio do Vale do Parafba, de Cubatéo, Jundiaf-Sorocaba-Cam- 6 estudos AVANCADOS (..) a avaliagio das determinado espaco (exelufdas as riquezas de subsolo) ficam na dependéncia dos interesses e tipas de atividades de cada produtor da sotiedade capitalista-consumista. pinas; regifio industrial do Rio de Janeiro; regio industrial de Belo Horizonte; regio industrial de Porto Alegre; regio industrial de Recife-Fotio Pessoa; Dis- trito Industrial de Manaus; regio industrial de Salvadot-Feira de Santana, entre outras. A verificago da posig&o das regiées de alta densidade de fungbes econd- micas em relagiio as grandes regides naturais do Pafs — na escala de domfnios morfoclimdticos ¢ fitogeogréficos — guarda alguns ensinamentos titeis. Ao lon- go das terras tropicais aflénticas do Pais, predominam mticleos excéntricos de industrializacéo, amarrados a sftios portuérios e Greas do tipo cabepa-de-pontes do povoamento histérico. Para o Interior, alguns raros compartimentos de pla- nalto ou depresses intermontanas, urbanizadas ¢ industrializadas, em conexo direta com sftios portuérios mais ou menos tradicionais. No domfnio dos cerra- dos, am teas dos planes cenzuis, ocone presenca de nécleos sabcentais (Gresilia-Goitnia-Anépolis; Campo Grande, Uberlandia-Uberaba), a par com miicleos excéntricos (Cuiabé, Corumbé). A pripria regifo industrial de Belo Horizonte est situada em rea marcadamente transicional, no piemonte do Quadrilétero Central Ferrifero, entre éreas montanhosas ¢ os primeiros compar- timentos de planaltos interiores; entre as antigas zonas de matas ¢ as primeiras grandes extensdes de cerrados. No domfnio dos serties semi-fridos, inexiste qualquer regiéo de funcées mmiltiplas, efetivamente importante, no interior do poligono formado por rios intermitentes sazon4rios ¢ vegetacio de caatingas. ‘Todos os micleos de urbanizacSo sublinhados por focos de industrializacso an- tigos ou recentes estio localizados na Zona da Mata, amarrados a velhos ov. novos sftios portuérios, desde o Rec6ncavo Baiano até a regifio de Recife-Pau- lista-Jaboatéo © 0 Complexo Industrial Portuério de Suape, estendendo-se na diregSo de Joi Pessoa-Cabedelo. Cidades relais importantes desenvolveram-se entre a Zona da Mata, os agrestes ¢ o comego dos sertées (Feira de Santana, Campina Grande, Caruana e Mossor6). No sul do Pafs, o mesmo esquema de reas industriais descontinuas, pontilhando sitios privilegiados da Costa Pam- nagnd_ Antonina; Joinvile-Sao Francisco; Blumenau-lItajaf, no baixo Hajaf; a Grande Florianépolis - setor insular e setor continental —, Tubario-Imbituba; a regio metropolitana industrial de Porto Alegre e, finalmemte, Pelotas-Rio Grande). Nunca houve a oportunidade para a criaggo de um grande micleo ur- bano industrial no centro da Bacia do Parané-Uruguai. Na metade norte do Brasil, Belém do Par4 por muito tempo controfon as portas da Amazénia, no rand porfodo extratvista que presidiy a vids econéatica c social da seg, A ia econémica , comportando-se como segunda grande metrépole da AmazOnia, com muitas fungSes inteiramente diversas daquelas que dio su- porte as atividades econémicas de Belém. A aquisicio de fungdes préprias es- teve inteiramente ligada ao pélo de desenvolvimento incentivado que ali se criou: a Zona Franca, os fluxos de turismo interno, o Distrito Industrial — modi- ficagbes em processo no panorama da cultura, ¢ mudancas sutis na estrutura da sociedade urbana. Mas, certamente, & quando se observa a posigéio dos micleos de diferen- ciaglo econémico-social, em freas de menor ordem de grandeza espacial, que se pode auferir a concordancia ou discordancia dos limites entre as regides geoecolégicas e os sctores de deslanche da urbanizacio c das atividades eco- nOmicas, comerciais c/ou industriais. Existem numerosos casos em que 0 de- senvolvimento urbano ¢ industrial nasce © cresce 4 margem das células espa- ciais. Ocorrem numerosos exemplos de surgimento e expansio de freas urbanas ¢ industriais em zonas de contato e transigo entre egies contiguas, totalmente diversas do ponto de vista geoecolégico. B, casos outros, ainda, em que a re- gifo polarizada pode se estabelecer e se expandir cm uma exiremidade de uma determinada faixa geopedolégica, em aproveitando as potencialidades de duzs estudos AVANCADOS 7 ou trés regides fisiogréficas e ecoldgicas envolventes (regio da Grande Porto Alegre, a0 fundo do estugrio do Guatba, na extremidade leste da depressio central gaticha, entre a Serra, o Planalto ¢ a Campanha). Por todas essas raz6es, pode-se deduzir que as operagées necessérias para realizar um zoneamento ecolégico ¢ econémico tém mais oportunidades de su- cesso quando se trata de reas onde as condicGes naturais tenham um amplo predominio sobre os processos de humanizacio e utilizac&io antrépica dos terre- nos, por extensfo de atividades agrérias ¢ desdobramento de redes urbanas. A igor, cada tipo de regio, cxistente na estruturacdo espacial dos pafses subde- senvolvidos ou em vias de desenvolvimento, cxige uma combinaggo adequada para a feitura de zoncamentos ditos econdmicos. Quanto mais indiferenciado for 0 espaco em termos da presenga de infra-estrutura instalada, e maior per- centual total de ocupagio dos solos por atividades agrérias ¢ a densidade das redes urbanas, tanto mais vidvel seré a tarefa de elaborar um zoneamento eco- 16gico e econ6mico. Nesse sentido, a tipologia dos espacos geogrifficos © so- is, estabelecidos por Bernard Kayser! para atender as peculiaridades das re- que caracterizam os paises de estrutura subdesenvolvida, 6 um bom ponto de partida para uma reflexao orientada na dirego do zoneamento ecoldgico e econémico, ainda que a preocupagéo do autor estivesse muito longe desse ob- jetivo. E compreensivel que regiées de organizagéo humana mais complexas, afetadas por modificagées mais extensivas e sutis da natureza priméria, ofere- ¢am dificuldades muito maiores para a aplicagao das técnicas de zoneamento ecol6gico € econémico. Em compensagao, a Amazénia Brasileira, por muitas e variadas razées, possui todas as condigées para solicitar uma correta operagio de zoneamento ecolégico e econémico. Na Amazénia, a despeito das acces pontuais e areolares dos grandes projetos, assim como da aplicagao de modelos reconhecidamente inadequados de utilizagdo dos solos, existe ainda um largo predominio das forgas ¢ fluxos de uma natureza priméria sobre a natureza cria- da ou modificada pelos homens e pela economia. Espagos de Referéncia, Cartografia e Informacao A subdivisio da Amaz6nia em espacos geogrificos regionais de menor ordem de grandeza e, portanto, de maior escala, atende a muitas exigéncias do planejamento e da administragio. Importa também em uma contribuicso de inte- resse social, que pode ser decisive para orientar e infotmar os cidadgos resi- dentes, administradores e funcionérios em servico, dos mais diversos quadran- fes da regio amaz6nica. Trata-se de espagos de referéncia, sob técnicas carto- gréficas adequadas, suficientes para receber as diretrizes de um Plano Diretor flexivel e dinimico. A metade norte do Brasil, que possui um espago geogrifico equivalente a0 territério de paises muito extensos (a Amaz6nia Brasileira, mesmo tomada senso stricto, & maior do que a Argentina), foi por muito tempo o grande espa- g0 fisico e ecolégico oferecide & imaginagao inconseqiiente dos tecnocratas, destitufdos de qualquer nogao de escala, senso da realidade empfrica, e respon- sabilidade pelas propostas fantasiosas colocadas em mapas. O que se cometeu de pscudoplanejamento, feito & distancia, na fase que fundamentou a abertura da rodovia TransamazOnica, nfo tem paralelo em qualquer parte do mundo, em termos de auséncia de nocéo de escala, responsabilidade civil por propostas predatérias, e falta de conhecimentos efetivos da realidade fisica, ecoidgica e social da Amazénia Brasileira. Os pequenos mapas, elaborados para sintetizar os planos de polarizago de atividades, micleos de colonizacio ¢ faixas de in- fluéncia de estradas de rodagem constituem-se, na maior parte das vezes, em 1 KAYSER, B. As divisées do espago geografico nos pafses subdesenvolvidos. Orienta- 940. So Paulo, (4): 25-30, jul. 1969. 8 estudos AVANCADOS. Quanto mais: indiferenciade for 0 ‘espaco em termos da presenca de infra-estrutura instalada, e maior percentual total de “ocupagao dos solos por atividades agrérias ea densidade das redes urbanas, tanto mals vidvel serd a tarefa de elaborar um zoneamento ecolégico eeconimico. exemplos de deformacées cartogréficas, estimuladores de predagio © coales- céncia de devastagées. Tivemos a desagradAvel oportunidade de observar, em uma revista oficial, de Ciéncia e Tecnologia — h4 alguns anos — um desses muitos pequenos esbogos cartogréficos, na escala de mapas, referente ao Acre, que era um convite aberto A ampliacio inconseqiente da devastacSo dos espa- 08 florestados do territério acreano, sem qualquer proposta valida para o de- senvolvimento econ6mico e social da regifio. Pior que esse pseudodocumento cartografico de planejamento, 6 mesmo o plano de rodovias claborado certa ocasifio, no préprio Acre, que continha um reticulado de eixos viérios abran- gendo toda a bacia do alto Purus ¢ do alto Jurué, Tratava-se de um esquema geométrico de estradas transversais aos vales, cruzadas com estradas interflu- viais mais curtas, o qual em seu conjunto era um verdadeiro plano estratégico de devastacio total do territério acteano; induzindo a abertura miltipla de frentes de desmatamento e valorizagéo especulativa de terras, a partir do tabu- leiro de xadrez vidrio imposto deliberadamente ao mapa-base. Projetava-se, a nfvel confidencial, tal rede de estradas, quando nao se possufa nem mesmo qualquer avaliagao dos efeitos de uma pequena estrada interfluvial, como era a rodovia que se estende de Rio Branco a Brasiléia, em seu trecho terminal. E de S anotar que ssa rodovia de espigdo havia conriondo para secar as cabo. ras de igarapés que corriam em diregdes opésitas, nos dois flancos do divisor de Aguas regional. Fm algumas agropecufrias, os proprietérios tentaram fazer agudes para reter Agua nas cabeceiras desperenizadas dos igarapés. Em raros Pontos, era preciso cavar pequenos pocos na cabeceira da drenagem para poder obter agua para lavar roupa. Isso, em plena Amaz6nia Ocidental, rica em umi- dade ¢ volume de precipitacées. Evidentemente, hé que se conhecer as sutilezas hidroecolégicas da Amazénia, a fim de nZo cometer planejamentos suicidas, através de uma politica centrada apenas na abertura e densificagao de rodovias. Tais propostas, inconseqientes quando projetadas para um pretenso “Plano Di- retor”, teriam, no mfnimo, a responsabilidade de contribuir para a destruicao de uma boa parte das potencialidades naturais da regio, no menor espaco de tem- po possivel. Alguém poderia dizer que € lamentével que nifo se tenha feito uma denin- cia mais enérgica sobre o uso inadequado da cartografia em escala de mapas, visando um planejamento téo inconseqtiente quanto distorcido, para nao dizer criminoso em relacéo aos recursos naturais basicos da Amazénia. Essa critica foi feita, nas mais diversas oportunidades, por membros conceituados da comu- nidade cientifica brasileira. Apenas no existia ninguém querendo ouvir. Nao € dado a qualquer um dialogar com executivos fortes ¢ autocréticos. Criticou-se 0 geometrismo das propostas de planejamento; a falta de estudos de previséo de impactos fisicos, ecol6gicos ¢ sociais; o caréter aleat6rio do espagamento ima- ginado para a instalaco de agrovias, agr6polis ¢ rurdpolis; a confianca exces- Siva dos téenicos no-iniciados 20 conhecimento dos solos equatoriais em suas respostas a atividades agricolas rotineiras, sob baixo nfvel de manejo agrond- mico. Governantes, tecnocratas e especuladores tentaram ocupar os solos da Amazénia como se fossem terrenos similares aqueles existentes no interior dos chapadées paulistas ou norte paranaense. O saldo negativo, criado por esse pressuposto, oriundo da ignorfincia e arrog&ncia dos demagogos, foi lamentével para a AmazOnia e para o patrimOnio ecoldgico e biolégico da Nagao. Miranda Neto (1986), em um trabalho de publicagdo recente”, tece con: deragGes muito judiciosas e pertinentes sobre uma sucessdo de fatos negativos: ecocidio e etnocidio, logo seguido pela deciséo de destruir ou liberar, para a devastacfo, imensos tratos da floresta amaz6nica, sob o argumento de que uma grande parte dela seria oferecida as populagGes carentes de regides ditas mar- ginats, tais como os grupos humanos, excedentes demogréficos, dos sertées se- cos. Num trecho de suas consideragées finais, Miranda Neto atinge em cheio a 2 MIRANDA NETO, MJ. 0 dilema da Amazénia. 2* ed., Belém do Pard, Cejup, 1986. estudos AVANCADOS 9 problemitica das escalas de apresentagio dos planos ¢ projetos amazénicos, através de artificios cartogréficos distorcidos: “Nao surpresa constatar uma divergéncia entre o discurso oficial, deci- didamente otimista, ¢ os fatos reais, observaveis no local. Discurso que, diga-se de passagem, € acompanhado de mapas escolhidos em tais escalas que parece que alguns eixos rodovisrios tracados em linhas espessas so suficientes para tomnar acessfvel 0 espaco inteiro, enquanto que as realiza- ‘g6es em pontos aparecem em vastas manchas quase coalescentes”. E, baseado na correta identificacio dessas distorgées, langa a pergunta que ja- mais poder ser respondida pelos tecnocratas: “Nao € um pouco ilusério ilus- trar num papel de 15 por 10 centimetros a realidade de um espago de mais de quatro milhGes ¢ meio de quilémetros quadrados?”. Sublinhe-se que nao se trata de observagées criticas feitas por algum expert da drea geogrdfica ou car- togréfica: Miranda Neto é um economista de boa formacdo interdisciplinar. A cartografia especializada produzida pelo Projeto RADAM em relacéo & totalidade do espago amazé6nico possui excepcional importancia cientifica € técnica. B fora de diivida, porém, que os produtos cartograficos sctoriais do Projeto RADAM tenham que ser reavaliados ¢ atualizados, todas as vezes que se pretender elaborar documentos de maior preciso, e em escala adequada, pa- ra fins de planejamento regional amaz6nico. Como subproduto do trabalho da- quele Projeto existem cartas plani-altimétricas ¢ de vegetacdo, na escala de 1:250.000, utiliz4veis para trabalhos iniciais de reconhecimento de potenciali- dades ¢ registro de infra-estrutura, para efeitos de um futuro Plano Diretor. E praticamente impossfvel cobrir a regifio amaz6nica com um levanta- mento cartogrfico convencional, na escala de 1:100.000, mesmo levando em conta um perfodo de tempo de um quarto de século. Por essa razo, recomenda- se a reserva de tal procedimento, em caréter preferencial, para as Greas criticas, ou os locais de implantagio de projetos miiltiplos. Estiio nesse caso as freas afetadas por projetos desenvolvimentistas superpostos (faixa Carajés-Sao Luts); 0s distritos de mineragio (macico de Carajés ¢ arredores); entorno das reas de grandes barramentos fluviais; setores de grandes conflitacées agrérias (sul do Pard, “‘Bico do Papagaio"); quadriculas de reas metropolitanas ou grandes centros regionais, ¢ areas ecologicamente criticas, selecionadas por critérios de prioridade. Tudo aconselha a que, antes mesmo de se iniciar um tratamento mais di- reto para elaborar planos diretores regionais, com base nas células espaciais previamente definidas por critérios fisiogréfico-ecoldgicos, seria conveniente estabelecer sobre as cartas-base, na escala de 1:250.000 ou mesmo 1:500.000, os dois conjuntos de espaco geogrificos existentes em todas as regides da Amaz6nia: a somatéria dos espagos de preservacdo permanente ou conservagao preferencial (reservas indfgenas, parques nacionais, reservas florestais, reservas biolégicas, estagoes ecolégicas, Areas de protecdo obrigatéria ¢ unidades equi- valentes) ¢ 0 saldo dos espagos efetivamente disponfveis pata o planejamento racional da ocupacao dos solos, instalacao de infra-estruturas, desenvolvimento urbano ¢ rururbano, dentro das posturas legais de exploragio do solo ¢ das obrigagGes com a protec zoneada dos espagos internos das glebas, flux das ‘Aguas, e qualidade ambiental. Designamos essa operacio cartogréfica prévia, de alto interesse referencial e informativo, como sendo 0 processo de elaboragdo do molde e do contramolde dos espagos que compéem cada célula espacial em avaliagio: 0 molde é a somat6ria dos espagos a serem legal e permanentemente defendidos, 0 contramolde € o saldo dos espagos a serem utilizados sob condi- g6es, dentro de posturas agronémicas corretas e sistemas de manejo nao-pre- datérios. Identicamente, os espacos do contramolde so aqueles com que se po- de contar para a planificacdo das infra-estruturas indispenséveis, incluindo re- servas de espagos estratégicos para a implantacSo de obras a médio e longo prazos: sitios de futuras cidades e vilas; delimitagao de areas para projetos de 10 estudos AVANCADOS Nos pafses de estrutura subdesenvolvida, antes dese fazer uma metodologia téenico-cientifica muito sofisticada, e por prinefpio eustosa e demorada, hé que se criar estratégias para a produgao de documentos intermedisrios, de utilizagio viével pela administragao paiblica, exploragio auto-sustertada: espagos de silvicultura; nticleos de colonizagao so- bre controle; ¢ eventuais projetos agro-silvo-pastoris, de rentabilidade garantida em setores adequados do espaco total. E evidente que esta operacéio prévia de identificagao, dos espagos do molde e espagos do contramolde, tem, como &rea de referéncia particular e especifica, a regio amaz6nica. Deve sofrer modifica- gGes e adaptagées substanciais, quando enderecada para outros grandes domf- nios espaciais do Brasil. Com relagao ao zoneamento detalhado dos subespagos interiores de cade regio previamente definida, existe uma série de abordagens metodolégicas, realizadas por diferentes grupos de técnicos e organizagdes governamentais. Todas elas impticam em estudos e operagdes geocartogréficas demoradas e one- rosas, Para terem validade operacional e administrativa, em relacdo a uma area de dimensées territoriais tfo grandes como a Amaz6nia Brasileira, deveriam, 2 nosso ver, ser iniciadas e desenvoividas a partir de uma experiéncia prévia de listagem dos problemas emergenciais de cada regifio. Nao basta transpor meto- dologias geocartogrificas aplicadas a outras reas geoecolégicas do Pafs. Hé que se fazer uma iniciacio ao conhecimento do mundo amaz6nico e das res- postas ecolégicas das terras amazOnicas As experiéncias agrérias, a diferentes niveis de manejo, sem o que, as tarefas e operacGes para um zoneamento efeti- vo das células espaciais preestabelecidas poderao se reduzir 4 produgao de al- guns documentos cartogrificos isolados, de duvidosa aplicabilidade. Nos pafses de estrutura subdesenvolvida, antes de se fazer uma metodologia técnico-cient!- fica muito sofisticada, e por principio custosa e demorada, hé que se criar es- tratégias para a produgdo de documentos intermediérios, de utilizacgao vidvel pela administragio publica, ao mesmo tempo em que se apuram e se adaptam metodologias, capazes de orientar os diferentes usudrios do espago total, e dat respaido a projetos to sérios quanto o do estabelecimento de planos diretores regionais a serem integrados para a Amazénia como um todo. E, paralelamente, obter diretrizes concretas para o gerenciamento ambiental e administrativo. Pot todas essas raz6es, ndo nos pronunciaremos sobre essa ou aquela metodologia de zoneamento de detalhe das células espaciais que temos proposto como pré- via indispensével para a primeira fase de um grande projeto, atendendo as aspi- racées legitimas da sociedade ¢ das clites esclarecidas de uma regio, que de- tém o maior patriménio espacial hidrico e biolégico do Brasil. A busca de uma cartografia para beneficiar a todos os quadrantes de umz regio, dotada de ecossistemas frageis ¢ sutis, € uma tarefa de grande responsa- bilidade técnica, cientffica ¢ moral, por parte dos pesquisadore’ nela envolvi- dos. Nio é uma mera repeticfio de operagSes, nem tampouco uma experiéncia para satisfagao académica dos pesquisadores nela envolvidos. E, antes de tudo. um desafio a0 subdesenvolvimento, baseado em diretrizes ecodesenvolvimen- tistas: uma cartografia para um espago indiferenciado ou em vias de diferencia- do, de estrutura econémico-social subdesenvolvida, com vistas a um desenvol- vimento substanciaimente orientado por diretrizes ecolégicas. Mosaico dos Subespacos Fisico e Ecolégico que Compéem a Amazonia Brasileira Antes mesmo de se elaborar um projeto mais detalhado de zoneamento ecalégico e econémico da Amazonia Brasileira, pode-se adiantar uma classifi- cacdo das células espaciais, dotagas de certa originalidade geoecolégica no conjunto das terras amazénicas. Trata-se de uma primeira subdivisdo do grande conjunto de terras baixas regionais. Um ponto de partida para se chegar a cé- lulas espaciais de 2* ordem de grandeza, numa tentativa de aproximagiio pro- gressiva até ao nfvel das regides habitadas, transitadas e, de certa forma, utili- zadas pelos grupos humanos residentes. Para um territ6rio equatorial ¢ subequatorial de aproximadamente 3 mi- Indes de quilémetros quadrados em sua érea nuclear, identificamos 22 subespa- estndos AVANCADOS u ‘gos regionais, da ordem de uma a duas centenas de milhares de quilémetros quadrados. Tal ordem de grandeza coloca os subespagos regionais, em sua maior parte, dentrp dos espacos geogréficos de 2* ordem, na classificagao de Cailleux ¢ Tricart?. & nos prepara para a identificagio de subfireas de uma or- dem de grandeza imediatamente inferior, em que os espagos regionais identifi- cveis seriam dimensionados em torno de algunas dezenas de milhares de qui- Témetros quadrados. No reconhecimento dos 22 espagos de 2* ordem de grandeza, adotamos uma nomenclatura referencial, a mais tradicional possfvel, a fim de facilitar o seu reconhecimento ¢ memorizagéo. Assim procedendo, identificamos trés grandes setores a0 longo da calha central do Amazonas: 1) Baixo Amazonas ou Golffio Marajoara; 2) Amazonas Central ou Médio Vale do Amazonas; 3) Solimées ou Médio Vale Superior do Amazonas. No grande conjunto territorial representado pelas 4reas situadas ao sul do Amazonas, da regiio do Gurupi/Alto Capim até o Acre, nas cabeceiras do Ju- rude Purus, reconhecemos as seguintes grandes unidades: 1) Gurupi/Alto Capi; 2) Tocantins/Carajés; 3) Xingu/Iriri; 4) Tapajés; 5) Madeira; 6) Purus/furué; 7) Alto Xingu; 8) Araguaia/sul do Paré; 9) Arinos/Juruena ou Alto Tapajés; 10) Rondénia; 11) Acre; 12) Mara- nhio Ocidental ou Hiléia Maranhense. ‘Com relagio ao grande espaco amazénico situado ao norte do rio, pode-se identificar: 1) Amap4; 2) Jari/Paru; 3) Trombetas ou norte do Paré; 4) Uatamé/Jatapu; 5) Rotaima; 6) Rio Negro; 7) Uaupés ou Alto Negro. Sobre cada uma dessa regides, existem informes acumulados nos relaté- rios do Projeto RADAM ¢ em trabalhos elaborados por iniciativa de diferentes 6rgios governamentais. Entretanto, como era de se esperar, para um territério tao extenso e de acesso to dificil as investigagées de campo, as informagdes dispontveis sio extremamente fragmentérias ¢ incompletas. Tais conhecimentos teriam que ser revisados ¢ completados e, sobretudo, integrados para ofertar um perfil mais préximo do real sobre cada uma das regiées identificadas. Para ser stil A regido e & sua populacio, é indispensdvel uma série de re- conhecimentos de campo, sobretudo para a listagem dos principais problemas emergentes, apresentados pelas diferentes regi6es, em um s6 momento hist6ri- co. Para realizar esta pesquisa preliminar, é preciso fixar uma metodologia de aplicagio mais ou menos homogénea, estabelecer algumas estratégias para a identificagao correta dos problemas emergentes e cotejar informagies de diver- sas fontes. O ideal é realizar tais investigag6es por meio de duas éticas: 1) a dos municfpios 2) a dos estados. E, ao mesmo tempo, cruzar as informagées obtidas pelos érgios regionais com os informes de pesquisadores experientes ligados a 6rgiios federais especializa- dos em pesquisas geograficas, sociais e econémicas (IBGE/RADAM, CPRM, IPEA, entre outros). O essencial é que a listagem dos problemas emergentes, de cada uma das células espaciais identificadas e a grosso modo delimitadas, inclua uma revis4o das infra-estruturas instaladas, uma sondagem seletiva das aspirac6es das co- munidades residentes, uma avaliaco dos defeitos da organizacfio humana dos espacos, situagdes de conflito e propostas de melhorias progressivas e raciona- lizadas. E, através de tais procedimentos e posturas, obter um perfil concreto da conjuntura espacial, tendéncias de utilizagdo dos agripamentos regionais de 3 CAILLEUX, A. e TRICART, J. Le probléme de la classification des faits glomorpho- dogiques. Paris, Annales de Géographie, LXV an., n® 349, mai-juin, 1965. p. 162-86. 1 estudos AVANCADOS A claboracio de um Plano Diretor, capaz de integrar propostas segionais e guiar a instalacao progressiva de infra-estruturas, tem que ser conduzida por equipes multidisciptinares, ¢ sob tal independéncia de injungées polfticas circunstanciai ecossistemas, recursos humanos € potencialidades econémicas de cada regisio em estudo. Em tiltima instincia, rennir informes para os estudos futuros que vi- sem & elaboracao de um correto Plano Diretor para orientar o desenvolvimento progressivo de agdes govemamentais em cada uma das células espaciais, pre- viamente definidas. Esta coleta de informages selecionadas para o futuro master plan visa muito mais fixar idéias e alertar as equipes de planejamento, sobre © teor eo volume dos problemas regionais, do que realizar qualquer es- bogo preliminar de Plano Diretor. Mesmo porque a elaboracao de um Plano Di- retor, capaz de integrar propostas regionais © guiar a instalagdo progressiva de infra-estruturas, tem que ser conduzida por equipes multidisciplinares, ¢ sob tal independéncia de injungées politicas circunstanciais. wanton O Reconhecimento das Areas Criticas: a cartografia do continuo A identificagio no conjunto territorial amazOnico de grandes células espa- ciais — com base em critérios fisiogréificos e ecolégicos — destina-se a uma utili- zagio cartogrifica com um certo grau de permanéncia. Razio pela qual deve haver um consenso na aceitagdo dos limites propostos, inctuindo revisées par- ciais ou totais das linhas de delimitag4o ¢ ajustes em relagao aos agrupamentos de reas municipais situadas nas margens das regides propostas, para fins esta- tisticos. Isso feito, a setorizagio intentada deve constituir um mosaico de re- giGes sob a condig&o de espagos de referéncia regimnais, de longa duracio. ‘Muitos dos espagos delimitados a nfvel de 2* ordem de grandeza, dentro do universo territorial amazGnico, j4 tém condigGes de serem subdivididos em parcelas menores. Fatos vilidos sobretudo para aquelas 4reas que, por motivos histéricos, demogrificos e econémicos, apresentam maior némero de fatores de diferenciacao regional de suas atividades econdmicas ¢ sociais. Nao existem vantagens de espécie alguma em realizar um macrozoneamento, envolvendo or- dens de grandeza espaciais muito diversas, na safda do processo de delimitacao. © que se pode fazer 6 apontar, no interior dos espacos de 2? ordem de grandeza espacial, subdivisGes menores, viabilizadas por bases fisicas e ecolégicas ¢ su- blinhadas por atividades econémicas diferenciadas. Existem diferengas fundamentais entre os critérios para delimitagio de células regionais permanentes em relagao & identificagao e delimitagao de 4reas estudos AVANCADOS, 13 criticas, de qualquer tipo, no interior dos grandes espagos da Amazénia. As duas dezenas de unidades identificadas por critérios fisicos ¢ geoecolégicos constituem-se numa possibilidade gréfica de setorizagSo, com limites perfeita- mente definidos, ainda que por critérios um tanto arbiteérios. Trata-se de uma delimitacSo cartogréfica contfaua. para fins de referéncia espacial e tatamento em mosaico das células regionais identificadas, Pelo contratio, a identificacto e delimitagéo das éreas criticas & feita no reino da descontinuidade, envolvendo limites muito mais aproximados e fiutuantes. Além do que, € um procedimento emergencial de delimitagSo, que pode ou nfo perder a sua razSo dc scr, com co tempo. Nao é aleatéria a qualificacao de criticidade para tais reas pingadas no interior mesmo das outras células espaciais, ¢ muitas vezes envoivendo frag- mentos de espacos pertencentes a duas ou mais regiGes fisiogrificas ¢ ecolégi- cas predelimitadas. As dreas criticas podem envolver espagos com algumas de- zenas de quilémetros, até algumas dezenas de milhares de quilémetros quadra- dos. No entanto, em termos de conhecimentos setoriais, e do nimero de pesqui- sas especificas ¢ originsis de que necessitam, so muito mais exigentes do que as proprias células espaciais de 2* ordem de grande2a. Seu planejamento regio- nal exige uma cartografia combinada a nivel de plantas e de cartas topogriificas detalhadas. As investigagées complementérias de que carecem implicam em estudos cspeciatizados, s€rios e aprofundados. Nao hf lugar para academicismo na tealizacSo das investigacées de campo sobre freas criticas. Se clas so tio amplas ou complexas que venham a cxigir um Plano Diretor especffico, tal exi- géncia deve ser encomendada a equipes multidisciplinares de alta competéncia ¢ tradic&o, sem concess6es ao amadorismo ¢ @ mediocridade. A expresso genérica dreas ertticas refere-se a mmuitas coisas, envolvendo diferentes tipos de espacos ou setores regionals, com diferentes graus de criti- cidade ou potencialidade. Areas criticas séo as éréas que envolvem as grandes cidades da Amazonia (Belém do Paré, Manaus). Mas podem ser as 4reas de entomo de centros urbanos mais restritos, que denotam grande potencial de crescimento ou tendéncias para distor¢es cm cadeia (Santarém, Marabé, Rio Branco, Porto Velho, Imperatriz, Boa Vista); sio as freas afetadas por grandes Projefos de mineragéo (Carajés, Serra do Navio) e corredotes de exportagao (Carajfis-S4o Lufs; Porto Santana-Serra do Navio); freas de barragens e usinas hidroelétricas, onde velhas cidades beiradeiras sofreram um processo de incha- go e ganharam algumas infra-estruturas modemizantes (Tucunaf); grandes projetos agroindustriais (Jari, rio Cristalino); distritos industriais satélites (Nova Barcarena); projetos de minero-metalirgicos de locagiio empfrica (usinas de fer- fo gusa, projetadas para a faixa da estrada de ferro Carajés-Sio Luiz); espagos insulares sujeitos a fortes press6es da urbanizacio (S4o Luts do Maranhéo); freas de garimpagem e redes urbanas de apoio as atividades de extracSo mine- ral (Serra Pelada, Curionépolis ¢ Eldorado); pontos nodais de cruzamento de rotas tetrestres e fluviais, com tendéncias para crescimento de cidades ¢ esta- belecimento de redes de micleos urbanos satélites (Marab4, Santa Inés, Boca do ‘Acre, ConceigSo do Araguaia, Acaildindia, Imperatriz). Quando uma s6 e mes- ma drea pertence a vrios tipos de esquemas funcionais, ou quando as éreas e setores criticos formam uma espécie de corrente, pela contigilidade ou interti- gacéo forgada de seus problemas, existe total certeza da necessidade de trans- Fonnf-las em reas erficas, para estudos e busca de propostas de solusto para seus problemas Nio se pode delimitar uma rea crftca com a abrangéncia espacial de wm estado, ou mesmo de uma regio fisiogréfica e ecoldgica. As éreas criticas na AmazOnia tém espagos restritos © distribuic&o descontinua. Elas podem se lo- calizar no meio de uma regio fisiografica ¢ geoecolégica, entre duas regises, ow abrangendo parcelas de duas ou mais dessas células espaciais A ondem de criticidade de seus problemas, ou a especificidade de suas poten- cialidades, determina roteiros metodolégicos préprios para o entendimento dos 14 estudos AVANCADOS As Sreas erfticas na Amazénia tém espagos restritos e distritraigao descontinua, (...) 08 tecnacratas tendem infalivelrmente # umpliar o seu espago de atuacin, criar superintendéncias espeeffiess, sugerir novas estruturas administrativas geradoras de ‘empreguismo e clientelismo politico... fatores que respondem pelas suas anomalias. A busca de propostas para moder- nizagio de suas infra-estraturas, melhor aproveitamento econémico ¢ social de suas potencialidades, e ordenagdo espacial de suas formas de utilizagso do solo pedem o concurso de equipes multidisciplinares experientes. Ao se defrontar com uma érea critica de qualquer natureza, os tecnocratas tendem infalivelmente a ampliar 0 seu espago de atuac&o, criar superintendén- cias especfficas, sugerir novas estruturas administrativas geradoras de empre- guismo e clientelismo politico, para competir com érgaos de planejamento pre- existentes: enfim, uma contundente competigéo por espagos de atuagado. Nesse sentido, referindo-se especificamente & frea abrangida pelo Programa Grande Carajés (PGC), Lélio Rodrigues comenta: “Tudo, literalmente tudo, o que o PGC possa fazer na sua regiio-progra- ma poderia ser feito pelas demais agéncias, nas demais jurisdicdes, so- bretudo se a dimensio social fosse reposicionada como um fim, que se vale da dimensio econémica como um meio, livres da subversao do Esta- do-crescimento das dissociac6es do Estado-bem-estar”. (...) “Nessa op- fio as delimitacées regionais deixam de ser relevantes, as superposicbes institucionais se desnudam como mera resisténcia politocrética & devolu- Go, eo problema central se desloca para a busca de uma altemnativa pro- gramitica, Se integre em fim/meio os recursos econGmicos © as priorida- des sociais’™* ‘Temos meditado muito sobre a metodologia mais correta para a identifica- Ho e delimitagio das reas criticas, no conjunto dos grandes espagos amazéni- cos. As criticas dirigidas as superposigées conflitantes e onerosas — safdas das melhores cabecas — obrigam a uma busca mais Iégica e transparente de solugdes para a definicao de dreas para a planificagao das regides dotadas de alguma or- dem especial de criticidade. Para resolver, sobretudo, os impasses criados pelas ampliagSes fantasiosas, que somente servem A estrutura de poder e & tecnocra- cia, pensamos que é indispens4vel caracterizar uma érea nuclear, no interior do indefinido setor critico, a fim de concentrar estudos e propostas, adequados pa- ra a solugao dos principais problemas regionais. Essa érea nuclear de referén- cia, feita como base espacial pioneira, para os procedimentos de planificagao, deve receber investigagées sobre suas condicionantes fisicas, ecolégicas e so- ciais, a par com a identificacio dos fatores reais de sua criticidade (e/ou) po- tencialidade a nfvel de recursos dos solos, do subsolo ¢ das infra-estruturas preexistentes na regifio ou em seu entomo. Ao que se acrescenta, obrigatoria- mente, um estudo dos seus recursos humanos, conflitos sociais flagrantes, envolvendo a caracterizacio da parcela da humanidade que nela vive ou para ela tende a ocorrer. Sem omitir, em caréter terminal, e igualmente obrigatorio, a listagem das propostas mais vidveis para o desenvolvimento regional, com én- fase nos beneficios sociais, padrées de vida e nfvel cultural, eficiéncia econd- mica dos projetos e modernizacao integrada das infra-estruturas regionais. No interior de cada érea nuclear, de regiées criticas, devem existir pon- tos, setores e eixos de apoio, para garantir o sucesso dos planos de desenvolvi- mento: micleos urbanos polariz4veis, regides agrérias de apoio regional a0 abastecimento alimentar, pontos nodais de entroncamento de rotas terrestres € fluvinis (capazes de ser ativadas ou reforcadas para atender a cadeia de projetos em implementagéo) entre outros componentes favoraveis. ‘Téo importante quanto a frea nuclear para o desenvolvimento dos projetos ea busca de uma ordenagio espacial desenvolvimentista e ecodesenvolvimen- lista € a consideraggo da grande 4rea envolvente, de dificil delimitagao, que 4 RODRIGUES, L. Alternativas sécio-econ6micas: abertura externa, integragéo nacional ¢ subsisténcia comunitéria. In: ALMEIDA JR., J.M.G. org. Carajés. Desafio Politico, Ecologia e Desenvolvimento. S&0 Paulo, Brasiliense, 1986. p. 419-93 estudos AVANCADOS: 15 pode permanecer sob a forma de reserva de recursos ou de espagos para 0 pros- seguimento de um extrativismo ndo-predatério, até que se encontre um sistema mais garantido de explotago auto-sustentada efetiva dos seus recursos. Essas reas envolyentes fancionam, dentro da Amaz6nia, como os espagos rotineiros, perturbados ou nGo pela infestacéo de agropecuérias de diferentes eficiéncias produtivas e padrées de adaptacdes aos quadros ecolégicos da Amazénia. E certo que, a despeito da rusticidade de suas atividades, elas estejam ligadas a uma ou mais cadeia de fluxos, que polarizam para centros coletores de produ- ‘¢40, ou mais remotamente para regides metropolitanas, que também sempre tém se comportado como 4reas criticas, no interior da Amaz6nia. Quando surge uma nova regitio, com tendéncias para modernizago (ainda que muito incompleta) ¢ para a aceleragio e multiplicagéo de atividades econémicas, ocorrem mudangas de comando em relacdo ao pano de fundo das 4reas extrativistas e/ou agrope- cuaristas. Tais redirecionamentos somente fazem reforgar a presenca das por- g6es nucleares das dreas criticas, podendo com o tempo serem parcialmente abrangidas pela difusio do desenvolvimento regional, que € a grande meta so- cial perseguida por qualquer processo consciente de planejamento regional. ‘Nesse esforgo de teorizagio sobre a metodologia para delimitar a érea nu- clear de uma regido critica, no interior da Amaz6nia, € importante sublinhar que uma érea critica no deve absorver outras dreas criticas. Elas, pelo contré- rio, devem permanecer complementares, cm termos de fluxos econOmicos ¢ de fluxos sociais. O Programa Grande Carajés toriou-se impotente nfo espectfi- co, porque ao ensejo de um projeto dirigido para a exploragdo de um distrito mineral diferenciado pelas suas grandes riquezas e, pensado em termos do transporte em massa do minério extrafdo, por via de um terminal maritimo es- pecializado, acabou por estender suas pretensdes espaciais do Xingu a costa do Paré e Maranhio, envolvendo diversas outras 4reas criticas, ndo-integraveis aos seus objetivos: regio metropolitana de Belém e Baixo Amazonas, ‘Fall zone” sul-amazénica; Tabuleiro insular e Baixada Maranhense, todas elas separadas entre si por grandes espacos de extrativismo, agricultura itinerante e culturas tropicais (regio bragantina do Pard) e agrupamentos de agropecuérias e proje- tos madeireiros. E evidente que a regifio metropolitana de Belém do Paré (para tomar um s6 exemplo), com a sua fungdo social e econdmica, projetada para grandes reas de hinterlindia amazOnica, sempre ser4 mais importante do que qualquer outra Grea que venha a se estabelecer, a nfvel regional, em qualquer setor do interior da Amazénia. Em outras palavras: um Projeto Carajés seré sempre um miicleo de exportacao de mingrios e 0 embrido de uma importante futura regio siderirgica. Enquanto Belém do Par4 tera sempre maior capaci- dade de abrangéncia espacial na sua esfera de influéncia, envolvendo relagGes fiangées miiltiplas, com as mais diversas dreas da Amaz6nia Brasileira, exer- cendo a condicéo de “pélo macrorregional”””. Além de caracterizar uma drea nuclear e um espago de reservas de recur- s0, de delimitacao imprecisa, sujeito a atividades rotineiras extensivas (extrati- vismo, agropecudrias, empresas madeireiras), hd que se considerar as intersec- g6es € os prolongamentos de rotas que cruzam as 4reas criticas, as extens6es laterais de fung6es diversificadas, os niicleos de geraco de energia e a rede de linhas de alta tensio irradiadas a partir deles (Tucuruf, por exemplo), e, sobre- tudo, a complementaridade e possibilidade de participagfo de outras éreas criti- cas, regides metropolitanas ou regides agrérias, situadas & média ou longa dis- tfincia, nos processos de desenvolvimento regional de uma regido critica. O grande problema que restaré sempre em aberto sera uma dependéncia, mais ou menos insohfvel, das aplicagdes de capitais gerados ¢ acumulados em 4reas completamente externas as regides em processo de planejamento desenvolvi- mentista. A tinica formula para se libertar da forca de pressio dos capitalistas 6 a de exigir estudos corretos de previsio de impactos para as iniciativas dos 5 MIRANDA NETO, M.J. 0 dilema... op. 16 estudos AVANCADOS (..) Projeto Carajés sera sempre um nécleo de exportacao de minérios e 0 embriio de uma importante futura regiao siderdirgica. grupos econdmicos ahienfgenas ou regionais, ¢ obrigé-los a enquadrar suas ini- ciativas empresariais aos planos diretores de ordenamento dos espacos regio- nais. Sem transigéncias e ingenufsmos, mesmo porque o capital potencialmente aplicével sabe jogar bruto em relacdo & natureza e aos homens. Temos conscincia de que, ao defender um duplo zoneamento para 0 imenso dominio das terras amaz6nicas, nfo estamos fazendo nada mais do que tentar integrar duas formas de encarar situages efetivamente existentes: as re- gides tradicionais existentes nos mais diversos quadrantes da Amazénia, e a identificagéo no meio delas ou entre elas, de dreas criticas que merecem trata~ mento prioritério e polivalente. De um lado, um cuidado espacial com o univer- so das regiGes amaz6nicas que resguartam o destino ¢ os velhos problemas dos grupos humanos tradicionais, herancas de um extrativismo decadente, ¢ pertur- bados pelo ingresso de novos modelos fundiérios ¢ estéticas empresas agrope- cufrias. De outro lado, regides dotadas de potencialidades especificas, ou de alguma ordem de criticidade, que necessitam de programas regionais de incen- tivos e aplicagées, sob diversos niveis de controle. Em termos genéricos, é do domfnio comum esse tipo de abordagem. Nesse sentido, tivemos o prazer de ler as observagées que se seguem, da lavra do economista Miranda Neto® “A elaboragéo dos programas sub-regionais é realmente mais importante que a dos programas globais, porque neles podem ser executados modelos coerentes ¢ alcangada uma atuacao objetiva mais facil de controlar”. (...) “Definido o zoneamento, ficaria a regiao dividida entre alguns centros de desenvolvimento, onde os servicos pilblicos estariam concentrados, ¢ a grande rea indeterminada, que mesmo assim ¢ valiosa para a exploracao em massa dos grandes recursos naturais.”’ (...) “E claro que a economia da regio baseia-se em grande parte na produgfo dessa grande rea extra- tivista indeterminada, sendo importante para normalidade das fungdes so- ciais que essa estrutura antiga permaneca em funcionamento, até que seja. substitufda por uma estrutura agricola ¢ industrial a ser criada (sic), Mui- tos milhares de brasileiros vivem ¢ continuardo a viver nessa érea, a des- peito do desenvolvimento de outras localizaces. H4 a considerar, tam- bém, gue dentro da grande Grea extrativista outros centros de desenvolvi- mento poderio resultar subitamente da localizagio e exploracio dos re- cursos naturais. A fronteira dessa Grea €, por isso, mével, guinda pelos fatos do futuro, que ndo podem ser previstos desde agora com precisiio.” Nao conhecemos na literatura da Nova Amazénia nada que se compare a essa apreciago sintética, com tal clareza e pertinéncia. Bastaria que se colocas- se um senso de ecodesenvolvimento para as grandes reas indeterminadas do entorno das regides-programa ou reas criticas, a fim de que o trecho transcrito pudesse ser considerado perfeito. De resto, € preciso registrar que em todo o seu tabalho Miranda Neto possui forte impregnagao dos conceitos ecodesen- volvimentistas ‘Visualizagéo de um Macrozoneamento e Estratégias Minimas de Atuagio As observagées tecidas sobre a viabitidade de um macrozoneamento pré- vio, abrangendo 0 conjunto espacial da Amazénia Brasileira, permitem definir, em mapa de escala razodvel, o mosaico das grandes células espaciais existentes na metade norte do Pafs, de um modo independente, mas no desintegrado em relacio As divises administrativas, estaduais ¢ municipais, da grande regifio Norte. . ‘estudos AVANCADOS. 7 No interior dessas ofluias espaciais — que em média atingem éreas de uma, duas ou trés centenas de milhares de quilémetros quadrados — ocorrem setores que possuem potencialidades diferenciadas, a par com ‘problemas so- ciais, econémicos e ambientais especificos. Tais Sreas, genericamente reconhe- cidas como crfticas, pontitham 0 espago total da Amaz6nia, visto no contexto temporal desse fim de século, podendo conter espagos de 100 a 1.000 km? de firea, 1.000 a 10.000 km, ou 10.000 a 100.000 km?, no méximo. Envolvem es- pagas de quinta, quarta ou terceira oriem de grandeza, na clastificagéo de Cailleux e Tricart’. N&o ha qualquer conveniéncia em estabelecer, de partida, ‘uma regiio-programa para atender aos problemas espectficos de uma érea criti- ca muito complexa, que seja espacialmente tho ou mais abrangente do que uma das células espaciais estabelecidas para a divisio regional da Amazénia. Tais procedimentos, habitalmente gerados em uma época politica em que era dificil © didlogo e o proprio acompanhamento das decis6es governamentais, somente contribuiram para superposigées conflitantes ¢ atomizagSo de recursos, com fortes efeitos desintegradores. Todas as reas consideradas criticas sio passiveis de receber programas especiais de tratamento, envolvendo estudos sistemfticos concentrados que ‘bbusquem diretrizes, solugdes e projetos-proposta, com vistas ao fim dltimo de um desenvolvimento social, realizado pela dinamizacio econ6mica, aumento das ofertas de emprego, valorizagio do trabalho humano e ordenacdo correta dos espagos. Exigem pesquisas e operng6es de meso ou microzoneamento, 2 se- gem providenciades (ou, em providéncia, sob redimensionamento) com a maior urgéncia e a mais apurada das metodologias, sob a condigfio de munca serem maiores do que a3 células espaciais regionais, onde foram identificadas. Mas que, por certo, podem envolver setores de duas, trés ou mais célolas espaciais contfguas, vinculadas ao destino de certos projetos: como é 0 caso da rea criti- ca Carajés-Sio Luts. Defendemos a idéia de que toda érea critica, capaz de se transformar em. regiGo-programa, tenha uma érea nuclear para concentrago dos estudos, ¢ um entomno, de delimitacio mais aproximada e flexivel, que de certa forma com- porte uma separacio difusa entre Greas criticas potencialmente diferencindas ¢ complementares (faixa Carajés-Séo Lufs, regilio. metropolitana de Belém/Baixo Amazonas/Bragantina, “Fall zone” sul-amaz6nica). Revisées periddicas sobre Tespectivos entornes. Sempre se deveré ter em vista que as células espaciais da primeira subdiviséo da Amaz6nia em unidades menores de 2* ordem de grande- za tém que possuit um certo nfvel de permanéncia. Sua definicao € feite para durar; daf por que merecem receber inicialmente o crivo de todas as criticas e submeter-se a todas as revisées de detalhe. Pelo oposto, as regides-programa ‘enderecadas as Areas criticas podem ser limitadas ou nao a determinados tempos de atuagdo. E, por princfpio, devem ser reavaliadas, a todos os nfveis, de tem- pos em tempos. Tais perfodos de atuacSo/reavaliagSo, por muitas ¢ variadas ra- z6es e precaug6es, deveriam ser realizados em imerespagos temporais de no minimo dez em dez anos. Em relaglo ts oélulas copecinisregionais, reconhecidas como setores mais petmanentes do universo territorial amaz6nico, defendemos a idéia de que, & custa de um trabalho integrado entre estados, mmunicfpios ¢ Unido, seja feita uma campanha de identificag’o dos problemas emergentes que atingem as po- pulagées regionais, toda vez em que se instalem novas gest6es administrativas (governadores, Iegisladores). E, que tais estudos sejam feitos por equipes idé- neas € experientes, convocadas para um trabalho que nfo comporta meufanis- mos, regionalismos extremados, injung6es politicas e press6es do poder econd- 7 Le probléme de la classification... op. cit. 18 estudos AVANCADOS: Qualquer pessoa de ‘bom senso, ligada 20 setor de planejamento, sabe que existem muitas outras etapas para se chegar a um coerente master plan de ‘validade amazbnica mico. Trabalho a ser realizado por grupos intelectualmente preparados, ciemtifi- camente competentes alinhados aos ideais da justiga social, sob uma total pu- reza de propésitos. ‘Nos tiltimos tempos, tem se falado em uma espécie de Plano Diretor diri- gido para o espago total amaz6nico. Outros, sem ter uma nogGo clara dos gran- des espacos envolvidos, apostam em grande Projeto dito “Calha Norte”. Conti- nuamos no mesmo dinpasio da fala tecnocrética, que envolve gastos, burocra- cias, e a certeza de grandes fracassos. Temos plena certeza de que essa ligeireza com que se fala em um gigan- tesco plano mestre, dirigido para a Amaz6nia como um todo, decorre da quase total nocio de escala e conhecimento da realidade regional, que administrado- yes mal-avisados tém sobre o imenso conjunto territorial da Amazénia Brasilei- ra. Para quem desconhece a estrutura e a funcionalidade das pastes, € mais cO- modo tratar dos grandes conjuntos como se fossem universos totais conhecidos, Com relagiio a0 Projeto “‘Calha Norte”, a primeira grande diivida € a sua falta de transparéncia ¢ o aparato demagégico de sua aprescntagao. Nesse sen- tido, é lamentavel que 0 aludido projeto tenha sido apresentado com distorgées. de escala ¢ auséncia de conhecimentos prévios sobre o mosaico de éreas criti- cas ¢ 0 ntimero de compartimentos diferenciados existentes ao longo de uma faixa de fronteiras, que se estende por alguns milhares de quilémetros, na me- tade norte da Amaz6nia Brasileira. Com maior entendimento das realidades re- gionais, menos euforia, e maior seriedade, por parte dos planejadores, terfamos, quicd, uma excelente regiso-programa para revitalizagfio econdmica e atendi- mento dos pequenos grupos humanos que vivem na margem das margens. Sem- pre é tempo para se corrigir vicios de linguagem, euforias injustificdveis, e su- perdimensionamentos de projetos simples e pertinentes. Tém mmita razdo os grupos indigenistas em no acreditar nos objetivos divulgados do Projeto “‘Ca- Tha Norte”. No que tange a um Plano Diretor dirigido para a Amazénia como um to- do, a anflise critica tem outro feitio. Qualquer pessoa de bom senso, ligada a0 setor de planejamento, sabe que existem muitas outras etapas para se chegar a um coerente master plan de validade amaz6nica; um Plano Diretor que no seja mais uma fantasia colorida ou uma distorcao escalar, dirigida para o extraordi- nério universo fisico e social da Amaz6nia Brasileira. As meditag6es aqui reali- zadas, pot escrito, constituem uma contribuigao para o encontro de um caminko mais seguro ¢ objetivo, para que um dia se organize um Plano Diretor, vidvel e flexivel, para o conjunto do espago da metade norte brasileira. Trata-se de ela- borar estratégias ¢ planos regionais coerentes para, subseqientemente, inte- gré-los a um macro “Plano Diretor”, de escala efetivamente amazénica € bra- sileira. Trabalhar com os pés no cho, para se atingir horizontes desdobrados. Sondar as bases, para dar embasamento ao universo. Um amaz6nico universo. Bibliografia AB'SABER, A.N. Bibliografia. Estudos geomorfolégicos anteriores ao projeto RADAM -ir - Problemas geomorfoldgicos da Amazénia Brasileira — Atas do simpésio sobre a Biota Amazénica. Belém do Pard, Geociéncias, 1967. v. 1. .O Ribeira de Iguape: uma setorizacso enderecada ao planejamento regional. Boletim SUDELPA. Si0 Paulo, (1), jan. 1985. . Bibliografia. In: ALMEIDA JR., J.M.G..org. Carajés. 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