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Francisco e Copérnico

29/07/13 - 21:09
POR RLOPES

Ainda estou meio zonzo da maratona que foi acompanhar a visita do papa Francisco ao Brasil e ajudar meus
colegas desta Folha a analisar, no site e na edição em papel, vários dos discursos do sumo pontífice . (Coube-
me até fazer um pequeno histórico da visão da teologia católica sobre a homossexualidade após as
surpreendentes declarações do bispo de Roma em seu voo de retorno à Itália.) Esse foi um dos grandes
motivos do meu sumiço do blog nas últimas semanas — seja lá o que se ache sobre Francisco, acho que todos
podemos concordar que sua retórica dá pano pra manga.

Retomando os trabalhos por aqui, queria chamar a atenção para um detalhe quase imperceptível, uma metáfora
científica no discurso de Jorge Mario Bergoglio (na verdade, a primeira de ao menos duas que notei; em sua fala
aos bispos brasileiros, ele também assinalou que a humildade “está no DNA de Deus”). É no mínimo curioso ver
o papa dizendo que a fé produz uma “revolução copernicana” porque “nos tira do centro e o restitui a Deus”.

“Copernicana”, vocês se lembram, refere-se ao padre polonês Nicolau Copérnico, o sujeito que formulou a
hipótese de que o Sol, e não a Terra, estavam no centro do Universo conhecido. Copérnico não foi censurado
pela Igreja na época, mas seus seguidores, como Galileu, chegaram a passar maus bocados nas mãos da
hierarquia católica.

Todo esse rolo histórico merece ser tema de um ou vários posts detalhados, mas o que me pareceu legal é
como, no espaço relativamente curto de cinco séculos, o suposto significado da revolução copernicada pode ser
relido e transformado.

Supostamente, tirar a Terra do centro do Universo seria um jeito de tirar também Deus desse centro, ao menos
o Deus que se importa com a história humana e irrompe nela, como se vê na tradição judaico-cristã.
Lentamente, porém, os cristãos aprenderam a enxergar um Universo “grande” onde cabia um Deus também
“grande”, mas não por isso menos interessado nos assuntos humanos. A revolução copernicana perdeu seu
terror para os crentes — desconfio, em parte, porque a própria visão científica de um Cosmos gigantesco tem
sua parcela de apelo reverencial, ou religioso, tendo sido construída também, historicamente, por muitos
homens de fé, Galileu e Newton entre eles.

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