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BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITARIO SERIE ESTUDOS ALEMAES ALEXANDER MITSCHERLICH / A Cidade do Futuro. DIETER SENGHAAS, WOLF-DIETER NARR ¢ FRIEDER NASCHOLD | Analisc de Sistemas, Tecnocracia e Democracia. ERNST BLOCH / Thomas Miinzer, teélogo da revolugao. HANS-ALBERT / Tratado da Razio Critica, HANNS-ALBERT STEGER | As Universidades no Desenvolvi- ‘mento Social da América Latina, HANS MAGNUS ENZENSBERGER / Elementos para uma Teoria dos Meios de Comunicagao. HANS-PETER DREITZEL, GUNTER ROPHOL, CLAUS OFFE, JURGEN FRANK, HANS LENK / Tecnocracia ¢ Ideologia. HELMAR G. FRANK / Cibemnética e Filosofia. HELMUT SCHELSKY / Situacio da Sociologia Alema. JURGEN HABERMAS / A Crise de Legitimacao no Capitalismo Tardio, RALF DAHRENDORE / Homo Sociologicus. THEODOR W. ADORNO / Notas de Literatura. WINFRIED VOGT, JURGEN FRANK, CLAUS OFFE / Estadoe Capitalismo. KARL HERMANN SCHAFER ¢ KLAUS SCHALLER / Ciéncia Educadora Critica e Didatica Comunicativa. DIETRICH FURST, PAUL KLEMMER, KLAUS ZIMMER- MANN / Politica Econémica Regional ALFRED MULLER-ARMACK / Regime Econémico e Politica Eco- némica. NIKLAS LUHMANN | Sociologia do Direito 1 JURGEN HABERMAS / Mudanca Estrutural da Esfera Publica WERNER HOFMANN / A Histéria do Pensamento do Movimento Social dos Séculos 19 e 20. ARNOLD GEHLEN / Moral e Hipermoral. CLAUS OFFE | Problemas Estruturais do Estado Capitalista. NIKLAS LUHMANN | Sociologia do Direito II JURGEN HABERMAS / Consciéncia Moral ¢ Agir Comunicativo. SIEGFRIED J. SCHMIDT, HEIDRUN KRIEGER OLINTO, PETER FINKE, REINHOLD VIEHOFF, NORBERT GRO! BEN, REINHOLD WOLF | Ciéncia da Literatura Empitica — Uma altertiativa. CLAUS OFFE | Trabalho e Socied Pectiva para o futuro da ‘Sociedade un 7852820008: 9 ele ENCIH TORRE RUIR COMUNLCHT TUG Biblioteca Tempo Universitario 84 CONSCIENCIA MORAL E AGIR COMUNICATIVO Jurgen Habermas ae JURGEN HABERMAS Série coordenada por EDUARDO PORTELLA, EMMANUEL CARNEIRO LEAO, MONIZ SODRE, GUSTAVO BAYER. Consciéncia Moral e Agir Comunicativo Ficha catalogrifica elaborada pela Equipe de Pesquisa da ORDECC 2 edigio Habermas, Sirgen. Ld Consciéncia moral e agir comunicativo / Jtirgen Habermas; tradugio de Guide A. de Almeida, ~ Rio de janeiro ‘Tempo Brasileiro, 2003, . (Biblioteca Tempo Universitario n° 84: Estudos Alemies) ‘Tradugo de: Moralbewusstsein und kommunikatives Handeln, 1. Filosofia. 2. Epistemologia —Cigncias Socias. I. Titulo, IL Série. | cou ~ 165 ISBN 85-282-0008-6 ps tempo asibetra Rio de Janeiro — RJ — 2003 4 — CONSCIENCIA MORAL E AGIR, COMUNICATIVO* Uma teoria discursiva da ética, para a qual acabo de apresentar um programa de fundamentagao', ndo é nada de muito presuncoso; ela defende teses universalistas, logo, teses muito fortes, mas rei- vindica para essas teses um status relativamente fraco, A funda- ‘mentagao consiste, no essencial, em dois passos. Primeiro, um principio de universalizagio (U) ¢ introduzido como regra de ar- ‘gumentacdo para discursos priticos; em seguida, essa regra € fun- damentada a partir dos pressupostes pragméticos da argumentagio em geral, em conexao com a explicitacio do sentido de pretensdes de validez normativas. O principio da universalizagao pode ser compreendido — brium®2-desRawls — como uma reconstrugao das intuigdes da vida ‘quotidiana, que esto na base da avaliacao imparcial de conflitos de ago morais. O segundo passo, destinado a demonstrar a vali- dez universal de U, validez essa que ultrapassa a perspectiva de uma cultura determinada, baseia-se na comprovacio pragmético- transcendental de pressupostos universais e necessarios da argu- mentagéo. A esses argumentos nao se pode atribuir o sentido apridrico de uma deducao transcendental no sentido da critica kan- tiana da razdo; eles fundamentam apenas a circunstancia de que no hé nenhuma alternativa identificdvel para a “nossa” maneira de argumentar, Nessa medida, a ética do Discurso também se apéia, como as outras ciéncias reconstrutivas’, exclusivamente em reconstrugées hipotéticas, para as quais temos que buscar confir- magées plausiveis — comecando naturalmente, no plano em que elas concorrem com outras teorias morais. Mas, além disso, uma teoria como essa também esti aberta a —e até mesmo depende de —uma confirmagao indirera por outras teorias concordantes, Pode-se interpretar a teoria do desenvolvimento da consciéncia moral desenvolvida por L. Kohlberg e seus colaboradores como oferecendo tal confirmagao’. De acordo com essa teoria, 0 desen- volvimento da capacidade de julgar moral efetua-se da infancia até T Agradego a Max Miler © Gerrud Nanner Wile por seus coments cxlios 143 ‘a idade adulta passando pela adolescéncia, segundo um modelo in- variante; © ponto de referéncia normativo da via evolutiva anali- sada empiricamente é constitu/do por uma moral guiada por prin« pios: nela a ética do Discurso pode se reconhecer em seus tracos essenciais. Neste caso, a consondincia entre a teoria normativa e a teoria psicol6gica, considerada na perspectiva da ética, consiste no se- guinte. Para se opor as éticas universalistas, em geral se mobiliza 0 fato de que as outras culturas dispdem de outras concepcées mo- rais. Contra essa espécie de dividas relativistas, a teoria do desen- volvimento moral de Kohlberg oferece a possibilidade de: a) redu- zir a multiplicidade empitica das concepgdes morais encontradas uma variagio de contesidos em face das formas universais do juizo ‘moral e b) explicar as diferengas estruturais que ainda subsistam como diferencas dos estadios de desenvolvimento da capacidade de julear moral A consonincia dos resultados parece, todavia, perder sua im- portdncia em vista das relagdes internas que subsistem entre as duas teorias. Pois a teoria do desenvolvimento moral de Kohlberg ja utiliza resultados da ética filos6fica para a descricao das estrutu- ras cognitivas que subjazem a juizos morais guiados por principios. Ao fazer de uma teoria normativa, como por exemplo, a de Rawls, um componente essencial de uma teoria empirica, 0 psicdlogo submete-a, € verdade, ao mesmo tempo a uma testagem indireta, Pois, a verificagao empitica das suposi¢des da psicologia do de- senvolvimento transfere-se para fodos os componentes da teoria da qual sio derivadas as hipéteses confirmadas. Dentre as teorias mo- rais concorrentes, daremos entao preferéncia aquela que melhor resistir a semelhante teste. Nao considero s6lidas as reservas ao cariter circular dessa testagem. Certamente, a confirmacao empfrica de uma teoria Te que pres- supoe a validez de suposigdes basicas de uma teoria normativa Ta no pode ser considerada como uma confirmagao independente de Ts. Mas os postulados de independéncia revelaram-se, sob muitos aspectos, como fortes demais. Assim, os dados utilizados para 0 teste da teoria Te nao podem ser descritos independentemente da linguagem dessa tcoria, As teorias concorrentes Tel, Tez tampouco podem ser avaliadas independentemente dos paradigmas de que provém seus conceitos bésicos. No plano metatedrico ou interted- rico, o tinico principio que rege € o principio da coerénc 144 ‘sas se passam como na composigao de um quebra-cabeca — temos que procurar ver quais os elementos que se ajustam. As ciéncias reconstrutivas que visam entender competéncias universais rom- pem, é verdade, 0 circulo hermenéutico em que ficam presas as ciéncias do espirito bem como as ciéncias sociais baseadas na compreensio do sentido; mas até mesmo para um estruturalismo ‘genético que persegue ambiciosas problematicas universalistas, como € 0 caso das teorias do desenvolvimento moral dos sucesso- res de Piaget’, 0 circulo hermenéutico se fecha no plano metatedri- co. Aqui, a busca de “evidéncias independentes” revela-se como desprovida de sentido; trata-se apenas de saber se as descrigées, que se podem reunir 8 luz de varios fardis te6ricos, podem ser compiladas de modo a compor um mapa mais ou menos confidvel Enure a ética filoséfica & uma psicologia do desenvolvimento que depende da reconstrugao racional do saber pré-tedrico de su- jeitos que julgam de maneira competente instaura-se, pois, uma di- visdo do trabalho, regulada segundo pontos de vista da coeréncia que exige uma mudanga na autocompreensio tanto da cién quanto da filosofia.’ Essa divisao do trabalho nao sé ¢ incompativel ‘com a pretensao de exclusividade que o programa da ciéncia unifi- cada ergueu outrora para a forma-padrao das ciéncias empiricas nomolégicas, mas € igualmente incompativel com o fundamenta- lismo de uma filosofia transcendental visando uma fundamentacéo Giltima, To logo os argumentos transcendentais sao desacoplados do jogo de linguagem da filosofia da reflexao e se véem reformula- dos no sentido de Strawson, 0 recurso A operagao sintetizadora da autoconsciéncia perde sua evidéncia, 0 objetivo de prova das de- dugdes transcendentais perde o seu sentido e também perde 0 seu direito aquela hierarquia que deveria subsistir entre 0 conheci- mento a priori dos fundamentos e 0 conhecimento a posteriori dos fendmenos. O recurso reflexivo Aquilo que Kant havia fixado na imagem das operagdes constitutivas do sujeito, ou, como dizemos hoje, a reconstrugao de pressupostos universais e necessarios sob 08 quais os sujeitos capazes de falar e agir se entendem mutua- mente sobre algo no mundo — esse esforco de conhecimento do fi Idsofo nao € menos falivel do que tudo 0 mais que se vé exposto a0 processo purificante ¢ desgastante da discussao cientifica e que — for the time being (por enquanto) — resiste.* Todavia, a autocompreensio nao-fundamentalista nao somente exonera a filosofia de tarefas com as quais ela se via sobrecarrega- 145 ee llmlml—“OSSSCS dda; ela no apenas toma algo a filosofia, mas também the dé a chance de um certo desembaraco e de uma nova autoconfianca no felacionamento cooperativo com as ciéncias que procedem recons- irutivamente. Com isso, comeca a se instaurar uma relagio de de- pendéncia reciproca.’ Assim, a filosofia moral, para retornar 20 hosso caso, no depende apenas de confirmagdes indiretas da parte dde uma psicologia do desenvolvimento da consciéneia moral; esta, de sua parte, esta organizada em vista de adiantamentos filos6fi- cos.’ E 0 que gostaria de ilustrar com base no exemplo de Kohl- berg. I. As suposigdes filosoficas basicas da teoria de Kohlberg Lawrence Kohlberg, que se situa na tradigéo do pragmatismo norte-americano, tem uma consciéncia clara dos fundamentos filo; s6ficos de sua teoria.” Desde a publicagao da ‘Teoria da Justiga”” de Rawls, Kohlberg utiliza-se sobretudo dessa ética, que se liga a Kant e ao direito natural racional, para precisar suas concepgdes fi- loséficas, inspiradas inicialmente por Mead, sobre a “‘natureza do juizo moral”: “These analyses point to the features of a “moral point of view", suggesting truly moral reasoning involves fea- tures such as impartiality, universalizability, reversibility and preseriptivity”."” (“Essas andlises remetem as caracteris “‘ponto de vista moral", sugerindo que © raciocinio verda- deiramente moral envoive aspectos tais como imparciali- dade, universalizabilidade, reversibilidade e prescriptivi- dade”’). Sao trés os principais pontos de vista a partir dos quais Kohl- berg introduz as premissas tomadas de empréstimo & filosofia: a) cognitivismo; b) universalismo, c) formalismo. Gostaria, no que se segue, (1) de explicar por que a ética do Discurso é a que melhor se presta a explicar o ‘moral point of view" (“ponto de vista moral") sob os pontos de vista de (a) e (). Em seguida, gostaria de (2) mostrar em que medida a ética do Dis- curso requer 0 mesmo conceito do ““aprendizado construtivo” com que opcram Piaget e Kohlberg; com isso, ela se recomenda para a 146 descrigo de estruturas cognitivas que resultam de processo de aprendizagem. Finalmente (3), a ética do Discurso também pode complementat a teoria de Kohlberg na medida em que remete, de sua parte, para uma teoria do agir comunicativo. Nas secges se- guintes, vamos nos valer dessas conexoes internas para chegar a pontos de vista plausfveis para uma reconstrugao vertical dos esta- dios de desenvolvimento do juizo moral. (1) Os trés aspectos sob os quais Kohlberg tenta aclarar 0 con- ccito do que ¢ "moral" sio levados em consideracdo por todas as Gticas cognitivistas, desenvolvidas na tradi¢ao kantiana. A posigao defendida por Apel e por mim tem, porém, a vantagem de que as suposi¢des basicas de ordem cognitivista, universalista e formalista se deixam derivar do principio moral fundamentado pela ética do Discurso. Para esse principio, ofereci acima a seguinte formulagao: (U) Toda norma valida tem que preencher a condigao de que as conseqiiéncias © efeitos colaterais que previsi- velmente resultem de sua observancia universal, para a sa- tisfacdo dos interesses de ‘odo individuo possam ser act tas sem coagao por “odes os concernidos. (@) Cognitivismo. — Visto que o principio da universalizagao possibilita enquanto regra da argumentagdo um consenso sobre maximas passiveis de universalizagao, com a fundamentagao de “U? fica demonstrado ao mesmo tempo que as questdes pritico- morais podem ser decididas com base em razGes. Os juizos morais tém um contetido cognitivo; eles nao se limitam a dar expressio as atitudes afetivas, preferéncias ou decisoes contingentes de cada fa- lante ou ator."" A ética do Discurso refuta 0 cepticismo ético, ex- plicando como os juizos morais podem ser fundamentados. Com efeito, toda teoria do desenvolvimento da capacidade de jutzo mo- ral tem que pressupor como dada a possibilidade de distinguir entre juizos morais corretos e errado: (b) Universalismo. — De *U" resulta imediatamente que quem ‘quer que participe de argumentacdes pode, em principio, chegar aos mesmos juizos sobre a aceitabilidade de normas de acao. Com a fundamentacao de “U’, a ética do Discurso contesta a suposi¢ao basica do relativismo ético, segundo a qual a validez dos juizos morais 86 se mede pelos padrées de racionalidade ou de valor da cultura ou forma de vida & qual pertenga em cada caso 0 sujeito 147 {que julga. Se os juizos morais néo pudessem erguer uma pretensio de Validade universal, uma teoria do desenvolvimento moral que pretendesse comprovar a existéncia de vias de desenvolvimento universais estaria condenada de antemao ao fracasso. (©) Formalismo. — *U’ funciona no sentido de uma regra que climina, a titulo de contetidos néo passiveis de universalizagao, to- das as orientagoes axiol6gicas concretas, entrelacadas ao todo de uuma forma de vida particular ou da histéria de uma vida individual e, assim, dentre as questdes valorativas do “‘bem viver”, 56 retém ‘como argumentativamente decidiveis as questées de justica estri- tamente normativas. Com a fundamentagao de "U’, a ética do Dis- curso volta-se contra suposices bisicas das éticas materiais, que se orientam pelas questdes da felicidade e privilegiam ontologica- mente um tipo determinado, em cada caso, da vida ética, Ao des tacar a esfera da validez. de6ntica das normas de a¢ao, a ética do Discurso demarca 0 dominio do moralmente vilido em face do dominio dos contetides de valor culturais. 6 s6 a partir desse ponto de vista estritamente deontoligico da corregio normativa ou da justica que se podem filtrar, na massa de questées praticas, as que so accessiveis a uma decisio racional. E em vista desta decisio racional que os dilemas morais de Kohlberg esto formulados. Isso, todavia, nio esgota ainda o contetido da ética do Discur- 80. Enquanto que o principio da universalizagdo fornece uma regra de argumentagao, a idéia fundamental da teoria moral, que Kohl- berg toma emprestada com 0 conceito do “‘ideal role taking’ (“adogao ideal do papel”) & teoria comunicacional de G. H. Mead", exprime-se no principio da ética do Discurso (D), 0 qual diz.o seguinte: “Toda norma valida encontraria o assentimento de to- dos os concernidos, se eles pudessem participar de um Discurso pratico””. A ética do Discurso néo da nenhuma orientacao contendistica, ‘mas sim, um procedimento rico de pressupostos, que deve garantit a imparcialidade da formagao do juizo. O Discurso pritico é um Proceso, nao para a produgao de normas justificadas, mas para 0 exame da validade de normas consideradas hipoteticamente. E s6 com esse proceduralismo que a ética do Discurso se distingue de 148 coutras éticas cognitivistas, universalistas e formalistas, tais como a teoria da justia de Rawls. ‘D” serve para nos tornar conscientes de que *U’ exprime tao-somente 0 contetido normative de um pro- cesso de formagio discursiva da vontade e, por isso, deve ser cui dadosamente distinguido dos contetidos da argumentagao. Todos 08 contetidos, mesmo os concernentes a normas de agao nao im- porta quio fundamentais estas sejam, tém que ser colocados na dependéncia do Discursos reais (ou empreendidos. substitutiva- mente € conduzidos advocaticiamente). O principio da ética do ‘urso profbe que, em nome de uma autoridade filos6fica, se privilegiem e se fixem de wma vez por todas numa teoria moral de- terminados contetidos normativos (por exemplo, determinados prinefpios da justica distributiva). No momento em que uma teoria normativa, como a teoria da justiga de Rawls, se estende ao domi- nio dos contetidos, ela passa a valer ta0-somente como uma contri- buigdo, quied particularmente competente, para um Discurso pré- fico, mas ela néo pertence a fundamentacao filoséfica do “moral point of view’ (“ponto de vista moral”), que caracteriza os Dis- cursos priticos em geral. A determinacao procedural do que é moral jé contém as suposi- es basicas, que acabamos de examinar, do cognitivismo, do uni- versalismo e do formalismo ¢ permite uma separacao suficiente- mente precisa das estruturas cognitivas e dos contetidos dos juizos morais. Pois € possivel depreender do processo discursivo as ope- rages que Kohlberg exige para juizos morais no plano pés-con- vencional: a completa reversibilidade dos pontos de vista a partir dos quais os participantes apresentam seus argumentos: a universa- lidade, no sentido de uma inclusdo de todos os concernidos; final- mente, a reciprocidade do reconhecimento igual das pretensdes de cada participante por todos os demais. @) Com ‘U" e ‘D’, a ética do Discurso privilegia caracteristicas | de juizos morais vilidos que possam servir como pontos de refe- réncia normativos da via de desenvolvimento da capacidade de juizo moral. ‘Kohlberg distingue, de inicio, seis estadios dayjuieory _moral que se podem compreender nas dimensdes da reversibilida- dey Universalidade-e-reciprocidade:como uma aproximacdoreraduale _ das estruturas da avaliagao imparcial ¢ justa de conilitos:de:agaoy -morainiente Felevantess 49 Tabela 1: Os Estédios Morais segundo Kohiberg:”” Level A. Preconventional Level Stage I. The Stage of Punishment and Obedience. Content Right is literal obedience to rules and authority, avoiding punish- ment, and not doing physical harm. 1. What is right is to avoid breaking rules, to obey for obedience” sake, and to avoid doing physical damage to people and proper- ty. 2. The reasons for doing right are avoidance of punishment and the superior power of authorities. Stage 2. The Stage of Individual Instrumental Purpose and E) change. 1, What is right is following rules when it is to someone’s imme- diate interest. Right is acting to meet one’s own interests and needs and letting others do the same. Right is also what is fair; that is, what is an equal exchange, a deal, an agreement. 2. The reason for doing right is to serve one’s own needs or inte- rests in a world where one must recognize that other people have their interests, t00, Level B. Conventional Level Stage 3. The Stage of Mutual Interpersonal Expectations, Rela- tionships, and Conformity Content ‘The right is playing a good (nice) role, being concerned about the other people and their feelings, keeping loyalty and trust with part- ners, and being motivated to follow rules and expectations. 1, What is right is living up to what is expected by people close to ‘one or what people generally expect of people in one’s role as son, sister, friends, and so on. “Being good” is important and ‘means having good motives, showing concer about others. It also._means keeping mutual relationships, maintaining trust, loyalty, respect, and gratitude. 2. Reasons for doing right are needing to be good in one’s own eyes and those of others, caring for others, and because if one puts oneself in the other person's place one would want good behavior from the self (Golden Rule). 150 ‘Stage 4. The Stage of Social System and Conscience Maintenance. Content ‘The right is doing one’s duty in society, upholding the social order, and maintaining the welfare of society or the group. 1. What is right is fulfilling the actual duties to which one has agre- ed. Laws are to be upheld except in extreme cases where they conflict with other fixed social and rights. Right is also contribu- ting to society, the group, or institution. 2. The reasons for doing right are to keep the institution going as a whole, self-respect or conscience as meeting one's defined obli- gations, or the consequences: ““What if everyone did it?” Level C. Postconventional and Principled Level Moral decisions are generated from rights, values, or principles that are (or could be) agreeable to all individuals composing. ot creating a society designed to have fair and beneficial practices, Stage 5. The Stage of Prior Rights and Social Contract or Utility. Content The right is upholding the basic rights, values, and legal contracts of a society, even when they conflict with the concrete rules and laws of the group. What is right is being aware of the fact that people hold a va- riety of values and opinions, that most values and rules are rela- tive to one’s group. These “relative"’ rules should usually be upheld, however, in the interest of the impartiality and because they are the social contract. Some nonrelative values and rights such as life, and liberty, however, must be upheld in any society and regardless of majority opinion. 2. Reasons for doing right, in general, feeling obligated to obey the law because one has made a social contract to make and abide by laws, for the good of all and to protect their own rights and the rights of others. Family, friendship, trust, and work obliga- tions are also commitments or contracts freely entered into and entail respect for the rights of others. One is concerned that Jaws and duties be based on rational calculation of overali utili ty: “the greatest good for the greatest number."* Stage 6. The Stage of Universal Ethical Principles. Content This stage assumes guidance by universal ethical principles that all humanity should follow. 1st 1. Regarding what is right, Stage 6 is guided by universal ethical principles. Particular laws or social agreements are usvally valid because they rest on such principles. When laws violate these principles, one acts in accordance with the principle. Principles are universal principles of justice: the equality of human rights ‘and respect for the dignity of human beings as individuals. These are not merely values that are recognized, but are also principles used to generate particular decisions. 2. ‘The reason for doing right is that, as a rational person, one has seen the validity of principles and has become committed to them. Nivel A. Nivel Pré-Convencional Estadio I. O Estédio do Castigo e da Obediéncia Contetido: O-direito € a obediéncia literal as regras e autoridade, » evitar © castigo ¢ nao fazer mal fisicoy 1, O que é direito é evitar infringir as regras, obedecer por obede- cer ¢ evitar causar danos fisicos a pessoas ¢ propricdades. 2. As razdes para fazer 0 que 6 direito sao 0 desejo de evitar 0 cas- ig0 e © poder superior das autoridades. Estadio 2. O Estédio de Objetivo Instrumental Individual e da Troca. 1. O que é direito ¢ seguir as regras quando for de scu*interesse? Jimediator O direito é agir para satisfazer os imteresses"emecessi? dadesiprépriag e deixar que os outros fagam o mesmo. O dircito € também o que é equitativo, isto é, uma troca igual, uma tran- sagao, um acordo. 2. A razio para fazer o que é direito € servir as necessidadesserine teresses:prépriow num mundo em que é preciso reconhecer que as outras pessoas também tém seus interessese Nivel B. Nivel Convencional Estidio 3. O Estidio das Expcctativas Interpessoais Muituas, dos Relacionamentos e da Conformidade. Contetido: O=direito-é-desempenhar-o-papel-de-uma-pessoa-bow , : 1, O que € direito & corresponder ao que esperam as pessoas que nos so préximas ou Aquilo que as pessoas geralmente esperam das pessoas em seu papel como filho, irma, amigos etc. “Ser bom’ é importante e significa ter bons motivos, mostrar solici- tude com os outros. Também significa preservar os relaciona- ‘com 0s outros e porque, se a gente se pusesse no lugar do outro, fa gente iria querer um bom comportamento de si préprio (Regra de Ouro). Estidio 4. O Estédio da Preservagio do Sistema Social ¢ da Consciéncia. Contetido: O-divcito-éfazero seu dever nasociedade; apolar ore dem social e manter © bem-estar da sociedade-ou do grupos 1. O que é direito é cumprir os deveres com os quais se concor- dou. As Icis devem ser apoiadas, exceto em casos extremos em que entram em conflito com outros deveres ¢ direitos sociais es- tabelecidos. O direito também consiste em contribuir para a so- ciedade, o grupo ou a instituicéo, 2. As razées para fazer o que € direito so: manter em funciona- mento a instituigio como um todo, 0 auto-respeito ou a cons- cigncia compreendida como o cumprimento das obrigagées de- finidas para si proprio ou a consideracao das consequiéncias: “E se todos fizessem 0 mesmo?” Nivel C. Nivel Pés-Convencional ou Baseado em Principios As decises morais sio geradas a partir de direitos, valores ou principios com que concordam (ou podem concordar) todos os in- ividuos compondo ou criando uma sociedade destinada a ter pré ticas leais benéficas. Estddio 5. O Estadio dos Direitos Origindrios e do Contrato So- cial ou da Utilidade. Contetido: © direito-€-sustentar os direitos, valores € contratos le gais basicos de uma sociedade, mesmo quando entram em conilito” ‘com as-regras.¢ leis conoretas do grupo. 153 1. O que € direito ¢ estar conscio do fato de que as pessoas adotam uma variedade de valores e opinides, que a maioria dos valores fe regras so relativos ao seu grupo. Essas regras “‘relativas”, contudo, devem em geral ser apoiadas no interesse da imparcia- lidade e porque elas sao 0 contrato social. No entanto, alguns valores € diteitos ndo-relativos, tais como a vida & @ liberdade, tém que ser apoiados em qualquer sociedade independente- ‘mente da opiniio da mai : 2. As razées para fazer o que é direito so em geral: sentir-se ot gado a obedecer A lei porque a gente fez um contrato social de fazer € respeitar leis, para o bem de todos e para proteger seus proprios direitos ¢ os direitos dos outros. As obrigacdes de fa- mnilia, amizade, confianga e trabalho também so compromissos ‘ou contratos assumidos livremente ¢ implicam o respeito pelos direitos dos outros. Importa que as leis e deveres sejam base- ados num célculo racional de utilidade geral:,““O maior bem para 0 maior njimero” Estadio 6. O Estadio de Principios Etico Universais. Contetido: Esse estidio presume a orientagio por principios éticos’ 1. No que diz respeito a0 que € direito, 0 estadio 6 € guiado por principios éticos universais. As Leis ou acordos sociais particu- lares so, em geral, vélidos porque se apdiam em tais principios. Quando as leis violam esses principios, a gente age de acordo com o prinefpio. Os prinefpios so principios universais de jus- tica: a igualdade de direitos humanos e 0 respeito pela dignidade dos seres humanos enquanto individuos. Estes nao sio mera- mente valores reconhecidos, mas também sao principios usados para gerar decisoes particulares. 2. A razao para fazer 0 que € direito é que a gente, enquanto pes soa racional, percebeu a validade dos principios e comprome- teu-se com eles. Kohlberg compreende a passagem de um para outro estédio y scomo-unraprendicador O desenvolvimento moral significa que a pessoa em crescimento transforma e diferencia de tal maneira as cestruturas cognitivas ja dispontveis em cada caso que ela consegue resolver melhor do que anteriormente a mesma espécie de proble- 154 ‘mas, a saber, a solugo consensual de conflitos de ago moral- mente relevantes. Ao fazer isso, a pessoa em crescimento compre- ende 0 seu préprio desenvolvimento moral como um proceso de aprendizagem. Pois, em cada estédio superior, ela deve poder ex- plicar até que ponto estavam errados os juizos morais que conside- rava corretos no estadio precedente. Kohlberg interpreta esse pro- cesso de aprendizagem, em concordancia com Piaget, como um desempenho construtivo do aprendiz. As estruturas cognitivas que subjazem a faculdade de julgar moral nao devem ser explicadas nem primariamente por influéncias do mundo ambiente, nem por programas inatos e processos de maturacio, mas, sim, como o re- sultado de uma reorganizagao criativa de um inventétio cognitivo pré-existente © que se viu sobrecarregado por problemas que re- aparecem insistentemente, | issim como a argumentagao em geral) como ‘exige, para a passagem do agir para o Discurso, uma mudanca de atiade da qual a crianga em crescimento ¢ que se vé inibida na prética comunicacional quotidiana nao pode ter um dominio nativo. Na argumentago, as pretensdes de validade, pelas quais os agentes se orientam sem problemas na prética comunicacional quo- tidiana, so expressamente tematizadas ¢ problematizadas. Assim, no Discurso pritico, elas deixam em suspenso a validade de uma norma controversa — pois, & 56 na competi¢o entre proponentes ‘oponentes que deve ficar claro se cla merece ser reconhecida ou, no. A mudanga de atitude na passagem do agir comunicativo para © Discurso, que ocorre com a tematizacao de questoes de justica, niio é diversa da que tem lugar no caso das questoes de verdade. O que até entZo, no relacionamento ingénuo com as coisas € eventos, havia valido como ‘“fato”, tem que ser visto agora como algo que pode existir, mas que também pode nao existir. E, assim como os fatos se transformam em “‘estados de coisa’* que podem ser ou no ‘© caso, assim também as normas habitualizadas socialmente trans- formam-se em possibilidades de regulagdo que se podem aceitar como validas ou recusar como invélidas. ‘Se pensarmos agora a fase da adolescéncia, numa experiéncia imagindria, como condensada num tinico momento critico, no qual 155 0 adolescente adotaria como que pela primeira vez e de uma ma- neira ao mesmo tempo inexorsvel e totalizante, uma atitude hipoté- ica em face dos contextos normativos de seu mundo da vida, fi- card claro entao anatureza do problema que todos tém que enfren- tar quando da passagem do plano convencional para o plano pés- convencional do juizo moral. De um s6 golpe, 0 mundo social das relagdes interpessoais legitimamente reguladas — mundo ess gemuamente habitualizado e reconhecido sem problemas — se vé "'desenraizado e despido de sua validade nativa. Se agora, o adolescente nao pode e no quer voltar ao tradicio- nalismo e & identidade inquestionada do mundo de que provém, ele fem que reconstruir em seus conceitos fundamentais (sob pena de uma total desorientacio) as ordenacées da esfera normativa que se desintegraram diante da forga desveladora de seu olhar hipotético. Estas tém que ser de tal modo recompostas a partir dos destrogos das tradigdes desvalorizadas e devassadas como meras convengaes carentes de justificacio, que 0 novo édificio possa resistir ao olhar critico de uma pessoa que perdeu suas ilusées e que, de agora em dliante, no pode mais fazer outra coisa senio distinguir entre no mas em vigor numa sociedade e normas validas, entre as que sio de fato reconhecidas ¢ as que sio dignas de reconhecimento. No ‘comego, so prinefpios que servem para planejar 0 noyo edificio e para gerar normas validas; por fim, resta apenas um procedimento para a escolha racionalmente motivada por um dos principios, os uais, nesse meio tempo também foram reconhecides como caren. tes de justificagio. Comparada com 0 agir moral do quotidiano, mudanga de atitude que a ética do Discurso tem que exigir para 0 procedimento por ela privilegiado, precisamente a passagem para a argumentacao, encerra algo de anté-natural — ela significa um Tompimento com a ingenuidade das pretensdes de validade ergui das diretamente ¢ de cujo reconhecimento intersubjetivo depende a \_Pritica comunicativa do quotidiano. Esse trago anti-natural 6 como lum eco dessa catéstrofe do desenvolvimento que a desvalorizagao do mundo tradicional também representou na histéria — e que Provocou o esforco em vista de uma reconstrugao num plano supe- tior. Nesta medida, aquilo que Kohlberg traz A consideragao para todos 0s estédios como um processo de aprendizagem construtivo i estd integrado na passagem (que se tornou rotina no adulto) do agir guiado por regras para o Discurso destinado ao exame das normas. 156 G) A teoria de Kohtberg no exige, porém, apenas o aclaramento esbogado em (1) do ponto de referéncia normative do desenvolvi- mento moral ¢ a explicitago do conceito de aprendizagem tratado em (2), mas também a anilise do modelo por estddios. Esse mo- delo — tomado, mais uma vez, a Piaget — para os estadios de de- senvolvimento de uma competéncia, no caso a capacidade do juizo moral, é descrito por Kohlberg com o auxilio de trés fortes hipéte- ses: 1. Os estadios do juizo moral formam uma seqiiéncia de estrutu- ras discretas que ¢ invariante, itreversivel e consecutiva. Com essa suposicao fica excluido: — que os diferentes sujeitos testados alcancem © mesmo ob- Jetivo por diferentes vias de desenvolviment resmos sujeitos regridam de um estédio superior a inferior; = que saltem um esta no curso de seu desenvolvimento. Il. | Os estédios do juizo moral formam uma hierarquia no sentido que as estruturas cognitivas de um estadio superior “supe- ram’ as estruturas dos respectivos estadios inferiores, isto é, tanto substituem como conservam essas estruturas sob uma forma reorganizada e diferenciada, III. Todo estédio do juizo moral pode ser caracterizado como um todo estruturado. Com essa suposicao fica excluida a possibi- lidade de que um sujeito testado tenha que avaliar num dado momento diferentes contetidos morais em diferentes niveis. Mas nao se excluem os chamados fendmenos de decalagem, que indicam um ancoramento sucessivo de estruturas recém- adquiridas. © niicleo do modelo € constituido, manifestamente, pela se- gunda hipétese. Pode-se afrouxar e modificar as duas outras hip6- teses, mas com a idéia de uma via de desenvolvimento que se pode descrever como uma seqiiéncia hierarquicamente ordenada de estruturas, que fica de pé ou vem abaixo 0 modelo dos estédios de desenvolvimento. Em vez do conceito da ordem hierdrquica, Kohlberg e Piaget empregam também o conceito da “‘légica do de- senyolvimento”. Essa expressio trai, a principio, um certo emba- 157 ago em face da circunstincia de que as supostas estruturas cogni tivas de estddios sucessivos mantém entre si relagdes internas in- tuitivamente identificdveis, embora se furtem a uma andlise que se possa levar a cabo exclusivamente em termos légico-semanticos, Kohlberg justifica a logica do desenvolvimento de seus seis esti- dios do juizo moral pela correlagio com perspectivas s6cio-morais correspondentes: ‘Tabela 2: As Perspectivas Sociais segundo Kohlberg" ‘Stages 1 This stage takes an egocentric point of view. A person at this stage doesn’t consider the interests of others or recognize they differ from actor's, and doesn't relate two points of view. Ac- tions are judged in terms of physical consequences rather than in terms ‘of psychological interests of others. Authority’s pers- pective is confused with one’s own. 2 This stage takes a concrete individualistic perspective. A person at this stage separates own interests and points of view from those of authorities and others. He or she is aware everybody has individual interests to pursue and these conflict, so that right is relative (in the concrete individualistic sense). ‘The person inte- frates or relates conflicting individual interests to one anothers through instrumental exchange of services, through instrumental need for the other and the other's goodwill, or through fairness giving each person the same amount. 3 This stage takes the perspective of the individual in relationship to other individuals. A person at this stage is aware of shared fe ‘clings, agreements, and expectations, which take primacy over individual interests. The person relates points of view through the “concrete Golden Rule”, putting oneself in the other per- son's shoes. He or she does not consider generalized “system” perspective. 4 This stage differentiates societal point of view from interpersonal agreement or motives. A person at this stage takes the viewpoint Of the system, which defines roles and rules. He or she considers individual relations in terms of place in the system. 5 This stage takes a prior-to-society perspective — that of a ratio- nal individual aware of values and rights prior to social attach- 158 ‘ments and contracts, The person integrates perspectives by formal mechanisms of agreement, contract, objective impartial ty, and due process. He or she considers the moral point of view and the legal point of view, recognizes they conflict, and finds it difficult to integrate them. 6 This stage takes the perspective of a moral point of view from which social arrangements derive or on which they are groun- ded. The perspective is that of any rational individual recogni- zzing the nature of morality or the basic moral premise of respect for other persons as ends, not means. Estadios i: i 1. Este estédio adota um ponto de vista egocéntrico. Uma pessoa neste estidio nao considera os interesses dos outros ou reco- mhece que diferem dos interesses do ator, nem relaciona dois pontos de vista. As acées sao julgadas antes em termos das conseqiiéncias fisicas do que em termos dos interesses psicol6- gicos dos outros. A perspectiva da autoridade é confundida com a propria Este estidio adota uma perspectiva individualista conereta. Uma, pessoa neste estédio separa os interesses € pontos de vista pré- prios dos interesses e pontos de vista de autoridades e outros. Ele ou ela esta cOnscio de que todos tém interesses individuais a perseguir e que estes esto em conflito, de tal modo que o di Teito é relativo (no sentido individualista concreto). A pessoa in- {egra ou relaciona uns com os outros os interesses individuais conflitantes através da troca instrumental de servicos, através dda necessidade instrumental do outro ou da boa vontade do ou- tro, ou pela eqiiidade, dando a cada pessoa a mesma quantida- de. 3. Este estadio adota a perspectiva do individuo em relacio com outros individuos. Uma pessoa neste estidio est cdnscia de sentimentos, acordos e expectativas compartidos, que adquirem primazia sobre interesses individuais. A pessoa relaciona pontos de vista através da ‘*Regra de Ouro concreta”, pondo-se na pele da outra pessoa. Ble ou ela nao considera a perspectiva ge- neralizada do ‘sistema’. 4, Este estidio diferencia 0 ponto de vista societério do acordo ou motivos interpessoais. Uma pessoa neste estadio adota o ponto 159 de vista do sistema, que define papéis ¢ regras. Ele ou ela consi- dera as relacées individuais em termos do lugar no sistema. 5. Este estédio adota a perspectiva do prioritério-em-face-da-so- ciedade — a perspectiva de um individuo racional cénscio de valores € direitos prioritérios em face dos lacos e contratos so- ciais. A pessoa integra perspectivas pelos mecanismos formais do acordo, do contrato, da imparcialidade objetiva e do devido processo. Ele ou ela considera 0 ponto de vista moral e 0 ponto de vista legal, reconhece que estdo em conllito e acha dificil in- tegré-los. 6. Este estidio adota a perspectiva de um ponto de vista moral de onde derivam 0s ajustes sociais ou onde se baseiam. A perspec- tiva € a de qualquer individuo racional que reconhece a natureza dda moralidade ou a premissa moral basica do respeito por outras pessoas como fins, nao meios. Kohlberg descreve as perspectivas sécio-morais de tal modo que se possa perceber intuitivamente a correlagdo com os estédios do juizo moral. Todavia, © prego)que se paga por essa plausibili dade é a circunstancia de que a descrigao ja mistura as condigoes sécio-cognitivas dos juizos morais com as estruturas desses juizos eles préprios. Além disso, as condi¢des sécio-cognitivas nao sio concebidas com a nitidez analitica suficiente para que se possa ver sem mais por que a seqiiéncia indicada exprime uma hierarquia no sentido da W6gica do desenvolvimento. Talvez. essas reservas pos- sam ser afastadas substituindo-se as perspectivas s6cio-morais de Kohlberg pelos estédios da adocdo de perspectivas, que foram nese meio-tempo investigadas por R. Selman.” Veremos que essa demarche de fato ajuda, mas nao basta para uma justificacéo dos estédios morais. E preciso mostrar primeiro que as descricées propostas por Kohlberg na tabela | preenchem as condicées de um modelo de es- tadios conforme légica do desenvolvimento. Eis ai uma tarefa a ser resolvida pela andlise conceitual. Minha impressdo € que as Pesquisas empiricas s6 constituirdo um progresso quando se dispu- ser de uma proposta de solugao interessante e suficiontemente precisa sob a forma de uma hipdtese de reconstrucao. No que se segue, gostaria de examinar se a abordagem ético-discursiva pode contribuir para a solugao desse problema. 160 A ética do Discurso vale-se de argumentos transcendentais que demonstram a impossibilidade de se rejeitarem determinadas con- digdes. Com sua ajuda, pode-se mostrar a um oponente que ele re- corre performativamente a algo que deveria ser suprimido e comete assim uma contradi¢ao perfomativa.* Na fundamentagio de ‘U’, trata-se especialmente da identificacao de pressupostos pragmati- cos sem 03 quais 0 jogo da argumentagéo nado funciona. Qualquer ‘um que participe de uma prética argumentativa jé deve ter aceito essas condigées de contetido normativo. Pelo simples fato de terem passado a argumentar, os participantes estao necessitados a reco- hecer esse fato. A comprovacao pragmético-transcendental serve, pois, para nos conscientizarmos do conjunto de condicées sob as 4uais ji nos encontramos desde sempre em nossa pratica argumen- tativa, sem a possibilidade de nos esquivar em alternativas; a falta de alternativas significa que essas condigées so de fato incontor- naveis para nés Ora, é verdade que esse fato da razo nao se deixa fundamentar dedutivamente, embora deixe-se esclarecer num passo subseqiiente pela circunstincia de que compreendemos 0 discurso argumenta- tivo como um derivado especial ¢ mesmo privilegiado do agir orientado para o entendimento miituo. & s6 quando retornamos a0 plano da teoria da acao © concebemos o Discurso como um pro- Jongamemto do agir comunicativo com outros meios que entende- mos a verdadeira agudeza da ética do Discurso: podemos encon- trar nos pressupostos da argumentagao 0 contetido de “U’, porque as argumentagdes representam uma forma refletida do agir comu- nicativo € porque, nas estruturas do agir orientado para 0 entendi- mento mituo, jé esto sempre pressupostas aquelas reciprocidades € telagées de reconhecimento em torno das quais giram todas as idéias morais — na vida quotidiana bem como nas éticas filos6fi- cas. E verdade que essa agudeza tem, como j& ocorria no apelo de Kant ao “fato da razio”, uma conotagao naturalista; mas ela nao se deve de modo algum a uma falécia naturalista. Pois Kant, assim como os defensores da ética do Discurso, apdiam-se num tipo de argumentos com 0s quais chamam a aten¢ao numa atitude reflexiva —e nao na atitude empirista de um observador objetivante — para a inevitabilidade daqueles pressupostos universais sob os quais nossa préxis comunicativa quotidiana jé se encontra desde sempre € que nao podemos “escolher"” do mesmo modo como escolhemos marcas de automével ou postulados axiolégicos. 161 modo de fundamentacio transcendental corresponde a inser- ¢40 do Discurso pritico em contextos do agit comunicativo; nessa medida, a ética do Discurso remete a (e depende ela prépria de) uma teoria do agir comunicativo. E desta teoria que é licito esperar ‘uma contribuicao para a reconstrugéo vertical dos estédios da consciéncia moral; pois ela refere-se a estruturas de uma interagao guiada por normas e mediatizada lingiisticamente, estruturas essas has quais se encontra reunido o que a psicologia separa analitica- mente sob os pontos de vista da adogao de perspectivas, do juizo moral e do agit Kohlberg passa 0 dnus da fundamentacao da légica do desen- volvimento para as perspectivas sécio-morais. Essas perspectivas sociais devem dar expresséo a capacidades da cogni¢ao social; mas 08 estédios representados na tabela 2 nao coincidem com os esti- dios da adogao de perspectivas distinguidos por Selman. Seré con- veniente separar duas dimensdes que vao de par na descrigdo de Kohlberg: a estrutura de perspectivas ela propria e as representa- des da justica que se ‘“depreendem” do respectivo inventirio s6- cio-cognitivo. Esses pontos de vista normativos nao precisam ser introduzidos “sub-rep porque aos conceitos bisicos do ‘mundo social” e da “‘interacdo guiada por normas”’ jé ¢ inerente uma dimensa0 moral. Mesmo Kohlberg parte manifestamente, em sua construgao, de conceitos de uma estrutura de papéis convencional. Essa estrutura de papéis, a crianca aprende-a, a principio, sob uma forma particu- Jar, no estédio 3, para generalizé-la no estadio 4. O eixo em torno do qual giram, por assim dizer, as perspectivas sociais € formado pelo “mundo social” enquanto totalidade das interagdes que valem como legitimas num grupo social, porque ordenadas institucional- mente. Nos dois primeiros estédios, a crianca ainda nao dispoe desses conceitos, a0 passo que ela atinge nos dois dltimos estddios lum ponto de vista com o qual ela deixa para trés a sociedade con- creta e a partir do qual ela pode examinar a validade das normas existentes. Com essa passagem, 0s conceitos bésicos, nos quais 0 mundo social se constituira para a pessoa em crescimento, trans- formam-se imediatamente em conceitos bésicos morais. Gostaria de estudar essas conexdes entre a cogni¢ao social e a moral com a ajuda da teoria do agir comunicativo. A tentativa de aclarar neste quadro as perspectivas sociais de Kohlberg promete uma série de vantagens. 162 -conceito-do agi orientado para o entendimento mdtuo im-" plica-os conceitos, que carecem de explicagao, de “mundo social’ exde=**ifteraigdo"guiadasporsnonmasily A perspectiva s6cio-moral, que a crianga desenvolve nos estadios 3 e 4 € que aprende a mane- jar reflexivamente nos estidios 5 ¢ 6, pode ser inserida num si tema de perspectivas do mundo subjacentes ao agir comunicativo associadas a um sistema de perspectivas do falante. Além disso, a ‘conexao entre conceitos do mundo e pretensoes de validez abre a possibilidade de vincular a atitude reflexiva em face do “mundo social"” (em Kohlberg: ‘‘prior-to-society-perspective”” (perspectiva do que é prioritario em-face-da-sociedade) com a atitude hipotética de um participante de argumentagdes que tematiza as correspon- dentes pretensdes de validez normativas. Deste modo, pode-se cexplicar em seguida por que 0 “'moral point of view’ (“ponto de vista moral”) concebido do ponto de vista da ética do Discurso pode surgir do fato de que a estrutura de papéis convencional se torna reflexiva. Essa abordagem baseada na teoria da agio leva-nos a compreen- der 0 desenvolvimento das perspectivas sécio-morais em conexio com o descentramento da compreensio do mundo. Além disso, ele dirige a atengao para as estruturas das interagoes elas prdprias, no horizonte das quais a pessoa em crescimento aprende construtiva- mente 0s conceitos s6cio-cognitivos basicos. O conceito do agir comunicativo presta-se como ponto de referéncia para uma recons- truco dos estédios da interagio. Esses estddios da interacao dei xam-se descrever com base nas estruturas de perspectivas que es- {Go implementadas, em cada caso, em diferentes tipos do agir. Na ‘medida em que essas perspectivas incorporadas ¢ integradas em in- teragdes se ajustam espontaneamente a uma ordem da légica do desenvolvimento poderemos finalmente fundamentar os estédios do juizo moral reduzindo os estédios morais de Kohlberg, via pers- pectivas sociais, a estédios da interacdo. Os seguintes passos ser- ‘vem para levar a esse objetivo. Primeiro, recordarei alguns resultados da teoria do agir comunica~ tivo, a fim de mostrar como o conceito do mundo social constitui um componente da compreensio descentrada do mundo, em que se baseia o agir orientado para o entendimento matuo (1I).) AS investigagées de Flavell e Selman a propésito da adogio de pers- pectivas devem servir, em seguida, de ponto de partida para a ani- lise de dois estédios da interagfo; a0 mesmo tempo, quero acom- 163 far a transformagao dos tipos de aco pré-convencionais ‘nas s linhas do/agir estratégico’e do agir regulado por normas (111). ) ‘Além disso, gostaria de explicar com base em anilises conceituais: ‘como @ introdugio da atitude hipotética no agir comunicativo pos- sibilita a pretensiosa forma de comunicagio do Discurso; como 0 ponto de vista moral resulta do fato de que o ‘mundo social” se toma reflexivo; e como, enfim, os estadios do juizo moral se dei xam reduzir, via perspectivas sociais, aos estédios da interagio (IV), Essa fundamentago dos estdios morais, a que se procede na l6gica do desenvolvimento, tem que se confirmar em ulteriores investigagdes empiricas; por enquanto, quero utilizar nossas refle- x6es unicamente para esclarecer algumas das anomalias ¢ proble- mas nao resolvidos com que depara hoje a teoria de Kohlberg (V). Il. Sobre a estrutura de perspectivas do agir orientado para 0 entendimento mituo Vou (1) indicar alguns aspectos conceituais do agir orientado para 0 entendimento miituo e (2) esbocar como os conceitos cone- xos do mundo social e do agir regulado por normas resultam do descentramento da compreensao do mundo. (1) Explicitei alhures © conceito do agir comunicativo;” aqui, gostaria de lembrar os pontos de vista mais importantes a partir dos quais empreendi essa investigacao formal-pragmatica. (a) — Orientagao para 0 Entendimento Miituo versus Orienta- ‘edo para 0 Sucesso: — As interagdes sociais so mais ou menos Cooperativas ¢ estaveis, mais ou menos conflituosas ou instaveis. A questio da teoria social: como € possivel a ordem social, corres- ponde a questio da teoria da aio: como é que (pelo menos dois) participantes de uma interac podem coordenar 0s seus planos de ago de tal modo que Alter possa anexar suas agGes as agdes de Ego evitando conflitos e, em todo 0 caso, o risco de uma ruptura da interacao. Na medida em que os atores esto exclusivamente orientados para 0 sucesso, isto €, para as conseqiiéncias do seu agir, eles ten- tam alcangar os objetivos de sua aco influindo externamente, por meio de armas ou bens, ameacas ou sedugdes, sobre a definigao da situacdo ou sobre as decisdes ou motivos de seu adversérios. A coordenagio das agdes de sujeitos que se relacionam dessa manei- 164 1a, isto , estrategicamente, depende da maneira como se entro- sam os calculos de ganho cgocéntricos. O grau de cooperacao e es- {abilidade resulta entao das faixas de interesses dos participantes. ‘Ao contrario; falo em agir comunicative quando os atores tratam de harmonizar internamente seus planos de agao e de s6 perseguir suas respectivas metas sob a condicao de um acordo existente ou a se negociar sobre a situagao © as conseqiiéncias esperadas. Em ambos 05 casos, a estrutura teleol6gica da ago € pressuposta na ‘medida em que se atribui aos atores a capacidade de agir em vista de um objetivo ¢ o interesse em executar seus planos de agéo. Mas © modelo estratégico da acdo pode se satisfazer com a descrigao de estruturas do agir imediatamente orientado para o sucesso, 20 asso que 0 modelo do agir orientado para 0 entendimento muiituo tem que especificar condi¢ées para um acordo alcangade comuni- cativamente sob as quais Alter pode anexar suas acdes as do Ego". (b) — 0 entendimento miituo enquanto mecanismo da coordena- edo de acées: — O conceito do agir comunicativo esta formulado de tal maneira que os atos do entendimento miituo, que vinculam os planos de acao dos diferentes participantes e retinem as agées dirigidas para objetivos numa conexo interativa, nao precisam de sua parte ser reduzidos ao agir teleolégico”. Os processos de en- tendimento miituo visam um acordo que depende do assentimento racionalmente motivado ao contetido de um proferimento. O acordo nio pode ser imposto a outra parte, no pode ser extor- quido a0 adversirio por meio de manipulagdes: 0 que manifesta- mente adyém gragas a uma intervengao externa nao pode ser tido na conta de um acordo< Este assenta-se sempre em conviceoes) ‘comuns.) A formacao de convicgoes pode ser analisada segundo 0 ‘modelo das tomadas de posicao em face de uma oferta de ato de fa- la, O ato de fala de um s6 teré éxito se 0 outro aceitar a oferta nele contida, tomando posi¢ao afirmativamente, nem que seja de ma- neira implicita, em face de uma pretensio de validez em principio criticdvel” (©) — Situagao de agéo e situacao de fala: — Se entendemos 0 agir em geral como consistindo em dominar situagées, 0 conceifo do agir comunicativo extrai do dominio da situagao, ao lado do as- pecto teleol6gico da execugao de um plano de aco, 0 aspecto co- 165 municativo da interpretagio comum da ago, sobretudo a formagio de um consenso. Uma sifuacdo representa um segmento do mundo da vida recortado em vista de um tema, Um tema surge em cone- x40 com interesses e objetivos da acao dos participantes: ele cir- cunscreve 0 dominio de relevancia dos objetos tematizaveis. Os planos de agao individuais acentuam 0 tema ¢ determinam a ca- réncia de entendimento miituo actual que é preciso suprit por meio do trabalho de interpretagdo. Nesse aspecto, a situacao de ago é, ‘a0 mesmo tempo, uma situacao de fala na qual os agentes assumem ‘alternadamente os papéis comunicacionais de falantes, destinaté- rios e pessoas presentes. A esses papéis correspondem as perspec tivas dos participantes da primeira ¢ segunda pessoas, assim como a perspectiva do observador da terceira pessoa, a partir da qual a relagio eu-tu pode ser observada como uma conexio intersubjetiva ¢, assim, ser objetualizada. Esse sistema de perspectivas dos falan- tes esté entrelagado com um sistema de perspectivas do mundo \w. abaixo (g)). (@ — 0 pano-de-fundo do mundo da vida: — O agir comunicativo pode ser compreendido como um processo circular no qual o ator € as duas coisas ao mesmo tempo: ele € 0 iniciador, que domina as situagdes por meio de agdes imputaveis; ao mesmo tempo, ele & também 0 produto das tradigSes nas quais se encontra, dos grupos solidérios aos quais pertence e dos processos de socializacao nos quais se cria. Enquanto que o segmento situacionaimente relevante do mundo da vida se impinge a0 agente, por assim dizer, frontalmente, como lum problema que ele tem que resolver por conta prépria, ele se vé sustentado @ tergd por um mundo da vida, que nao somente forma © contexto para 0s processos de entendimento miituo, mas também fomnece os recursos para isso. O mundo da vida comum em cada caso oferece uma proviso de obviedades culturais donde os parti- cipantes da comunicagio tiram seus esforgos de interpretagio os modelos de exegese consentidos. Essas suposigées habitualizadas culturalmente e que formam como que um pano de fundo so apenas um dos componentes do ‘mundo da vida; também as solidariedades dos grupos integrados por intermédio de valores ¢ as competéncias dos individuos socia- 166 recursos para 0 agir orientado para 0 entendi (© — 0 processo de entendimento mituo entre 0 mundo e 0 mundo da vida: —O mundo da vida constitui, pois, 0 contexto da situagaio de ago; ao mesmo tempo, ele fornece os recursos para os ‘processos de interpretacdo com 05 quais 0s participantes da comu- nicagdo procuram suprir a caréncia de entendimento mituo que surgiu em cada situagao de agéo. Porém, se os agentes comunicati- vos querem executar os seus planos de agao em bom acordo, com base numa situagio de ago definida em comum, eles tém que s¢ entender acerca de algo no mundo. Ao fazer iss0, eles presumem uum conceito formal do mundo (enquanto totalidade dos estados de coisas existentes) como aquele sistema de referéncia com ajuda do qual podem decidir 0 que, em cada caso, & ou nao é 0 caso. Contu- do, a representagio de fatos é apenas uma entre as varias fungoes do entendimento mituo lingifstico. Os atos de fala nao servem apenas para a representacio (ou pressuposicao) de estados e acon- tecimentos, quando 0 falante se refere a algo no mundo objetivo. Eles server ao mesmo tempo para a produgao (ou renovacao) de relagGes interpessoais, quando o falante se refere a algo no mundo social das interagées legitimamente reguladas, bem como para a manifestagao de vivéncias, isto é, para a auto-representagio, quando 0 falante se refere a algo no mundo subjetivo a que tem um acesso privilegiado. Os participantes da comunicacdo baseiam os seus esforgos de entendimento miituo num sistema de referéncias composto de exatamente trés mundos. Assim, um acordo na pré- tica comunicativa da vida quotidiana pode se apoiar ao mesmo tempo num saber proposicional compartido intersubjetivamente, ‘numa concordancia normativa € numa confianga reciproca, (©) — Referéncias ao mundo e pretensio de validez: — Se os par- ticipantes da interacao chegam ou nao a um acordo ¢ algo que se avalia em cada caso pelas tomadas de posigao por sim/ndo, com as quais um destinatario aceita ou rejeita as pretensdes de validez er- guidas pelo falante. Numa atitude orientada para o entendimento miituo, o falante ergue com fodo proferimento inteligivel as seguin- tes pretenses: — que 0 enunciado formulado verdadeiro (ou, conforme 0 caso, que as pressuposigées de existéncia de um contetido proposicional mencionado sao acertadas); 167 — que o ato de fala € correto relativamente a um contexto normativo existente (ou, conforme 0 caso, que 0 contexto normativo que ele realiza, é ele proprio legitimo); € — que a intengio manifesta do falante é visada do modo como € proferida, Quem rejeita uma oferta inteligivel de ato de fala contesta a va- lidade do proferimento sob pelo menos um desses trés aspectos da verdade, da correcdo da sinceridade. Com esse “nao”, ele di expressio a0 fato de que o proferimento nao preenche pelo menos uuma de suas fungées (da representagao de estados de coisas, do as- seguramento de uma relacdo interpessoal ou da manifestagao de vivéncia), porque ele ou bem nao se harmoniza com o mundo dos estados de coisas existentes, ou bem com o nosso mundo de rela- G0es interpessoais legitimamente ordenadas, ou bem com o mundo particular das vivéncias subjetivas. Na comunicagao quotidiana normal, esses aspectos nao sio de modo algum claramente distin- uidos; mas, no caso do dissenso ou da problematizacao persisten- {c, 0s falanies competentes podem diferenciar cada referéncia ao ‘mundo, tematizar cada pretensio de validade e posicionar-se em cada caso relativamente aquilo com que deparam, quer se trate de algo objetivo, quer de algo normativo, quer subjetivo. (®) — Perspectivas do mundo: — Se explicitarmos agora as estru- turas do agir orientado para 0 entendimento miituo sob os pontos de vista de (a) a (Q, reconheceremos as opcdes de que dispoe um locutor competente, segundo essa andlise. Ele tem, em prineipio, a possibilidade de escolher entre os mados cognitivo, interativo e expressivo do uso lingilistico e entre classes correspondentes de ‘tos de fala constatativos, regulativos e representativos para se con- centrar seja em questées de verdade, seja em questées de justiga, seja em questées do gosto ou, antes, da expressio pessoal considerando-as sob o aspecto de uma pretensio de validez univer. sal. Ele tem a possibilidade de escolher entre #rés atitudes funda- ‘mentais © as correspondents perspectivas do mundo. Além disso, ‘4 compreensao descentrada do mundo permite-Ihe em face da natu- reza externa néo apenas uma atitude objetivante, mas também uma atitude conforme a normas ou ainda uma atitude expressiva; em face da sociedade, no apenas uma atitude conforme a norma, mas fambém uma atitude objetivante ou ainda expressiva; e, em face da 168 natureza interna, nio apenas uma atitude expressiva, mas também uma atitude objetivante ou ainda uma atitude conforme a normas. @) — Uma compreensao descentrada do mundo pressupée, por conseguinte, a diferenciagao de referencias ao mundo, pretenses de validez e atitudes fundamentais. Esse processo remonta, por sua vez, a uma diferenciacdo entre 0 mundo da vida e 0 mundo Essa diferenciagdo penosamente exercitada na ontogénese da ca- ppacidade de falar e agir repete-se, de certa maneira, em todo pro- cesso de comunicagao efetuado conscientemente. E desse difuso pano de fundo do mundo da vida, apenas intuitivamente presente € absolutamente certo, que se desprendem as esferas daquilo sobre 0 qual se pode alcangar em cada caso um acordo falivel. Quanto mais avanga essa diferenciagio, tanto mais claramente podem-se separar as duas coisas: por um lado, o horizonte de obviedades in- questionadas, compartidas intersubjetivamente e nao tematizadas, ‘que 0s participantes conservam as costas; por outro lado, aquilo que tém defronte como conteiidos intramundamente constituidos de sua comunicago — objetos, que percebem e manipulam, nor- mas obrigatérias, que preenchem ou infringem, vivéncias de acesso privilegiado, que podem manifestar. Na medida em que os partic pantes da comunicagao compreendem aquilo sobre 0 que se enten- dem como algo em um mundo, como algo que se desprendeu do ppano de fundo do mundo da vida para se ressaltar em face dele, 0 que € explicitamente sabido separa-se das certezas que permane- cem implicitas, 08 contetidos comunicados assumem o carter de tum saber que se vincula a um potencial de razdes, pretende val dade € pode ser criticado, isto é, comtestado com base em razdes” Para 0 nosso contexto importante, agora, distinguir as pers- pectivas do mundo das perspectivas do falante. Por um lado, 03 participantes da comunicagéo precisam ter a competéncia para adotar, se necessério, em face de estados de coisas existentes, uma atitude objetivante; em face de relagées interpessoais legitima- mente reguladas, uma atitude conforme a normas; em face das proprias vivéncias, uma atitude expressiva (e de variar, uma. vez ‘mais, essas atitudes em face de cada um dos trés mundos). Por ou- tto lado, precisam também, a fim de poder se entender uns com 08 outros sobre algo no mundo objetivo, social e subjetivo, po- der adotar as atitudes ligadas aos papéis comunicacionais da pri- meira, segunda e terceira pessoas. 169 Ce ‘A compreensio descentrada do mundo esté, pois, caracterizada por uma complexa estrutura de perspectivas que integra as duas coisas: as perspectivas fundadas no sistema de referéncias formal dos trés mundos e vinculadas ds atitudes em face do mundo, bem como as perspectivas fincadas na prépria situacio de fala e vincu- Iadas aos papéis comunicacionais. Os correlatos gramaticais des- sas perspectivas do mundo e do falante sao os trés modos funda- mentais do uso lingifstico, por um lado, e o sistema dos pronomes pessoais, por outro lado. 0 decisivo, agora, para a nossa problemstica é que, com 0 de- senvolvimento dessa complexa estrutura de perspectivas, desco- brimos também a chave para a almejada fundamentagao dos esta- dios da moral do ponto de vista da légica do desenvolvimento. An- tes de referir-me nas secgdes subseaiientes as investigagdes rela- cionadas com esse tema, gostaria de indicar a idéia fundamental pela qual me deixarei guiar af Estou convicto de que a ontogénese das perspectivas do falante edo mundo, que leva a uma compreensao descentrada do mundo, s6 poderd ser esclarecida em conexao com 0 desenvolvimento das correspondentes estruturas da interagao. Se partimos, com Piaget, do agir, isto é, confronto ativo de um sujeito que aprende constru- tivamente com seu mundo ambiente, & natural supor, primeiro, que ‘© complexo sistema de perspectivas se desenvolve a partir de duas raizes: por um lado, a partir da perspectiva do observador, que a crianga adquire através de um relacionamento perceptivo-ma pulador com seu mundo-ambiente fisico, bem como, por outro la- do, a partir das perspectivas eu-tu relacionadas uma a outra reci- procamente, que a crianga exercita através do relacionamento sim- bolicamente mediatizado com pessoas de referéncias (no quadro da interagao socializadora). A perspectiva do observador consolida-se mais tarde numa atitude objetivante em face da natureza externa (©u do mundo dos estados de coisas existentes), a0 passo que as perspectivas eu-tu se perenizam naquelas atitudes da primeira e se- ‘gunda pessoas que esto associadas aos papéis comunicacionais do falante e do ouvinte. Elas conquistam essa estabilizagio gragas a uma transformagao e diferenciaco das perspectivas originais: a perspectiva do observador é encaixada no sistema de perspectiva do mundo; e as perspectivas eu-tu completam-se no sistema das pers- pectivas do falante. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento das ¢s- 170 truturas de interaco pode servir como fio condutor para a recons- trugao desses processos. Desenvolverei, em segundo lugar, a hipStese de que o sistema de perspectivas do falante se completa em duas grandes etapas do proceso de desenvolvimento. O estédio pré-convencional da inte- ragio deixa-se compreender de um ponto de vista estratural como ‘a implementagao em tipos de a¢ao das perspectivas eu-tu exercita- das através dos papéis de falante e ouvinte. A introducio da pers- pectiva do observador no dominio da interacao e a vinculacao da perspectiva do observador com as perspectivas eu-tu possibilitam entio a transposigio da coordenacao das ages para um novo ni- vel. Dessas duas transformagées resulta 0 sistema completo das perspectivas do falante: os papéis comunicacionais da primeira, gunda e terceira pessoas s6 s¢ conjugam apés a primeira transicao para o estidio convencional da interagio. E de outra maneira que o sistema das perspectivas do mundo se completa. Para reconstruir esse processo, podemos nos referir & observacao de que, no estédio convencional da interago, dois no- vos tipos de acdo se defrontam: o agir estratégico ¢ a interacdo guiada por normas. Visto que a crianga aprende, com a integracao da perspectiva do observador no dominio da interagao, a perceber as interagdes — ¢ sua participagao nelas — como processos no mundo objetivo, um tipo do agir puramente orientado para 0 su- ‘cesso pode se desenvolver na linha de um comportamento de con- fito, governado por interesses. Com o exercicio do agir estraté co, porém, surge no horizonte, ao mesmo tempo, a alternativa do agir nio-estratégico. E, a partir do momento em que a percep¢ao de interagées sociais se diferencia nesse sentido, a crianga nao pode mais se furtar ao imperativo de também reorganizar, no plano convencional os tipos, por assim dizer, atrasados, do agir nio- estratégico. Com isso, um mundo social de interagées guiadas por normas, passiveis de tematizagao, desprende-se do pano de fundo do mundo da vida. Por isso, quero, em terceiro lugar, estudar a hipétese de que a introducdo da perspectiva do observador no domfnio da interagao também dé o impulso para constituir um mundo social — ¢ para considerar as ages do ponto de vista do cumprimento ¢ da infra- ‘cdo de normas socialmente reconhecidas. Para as pessoas que per- *tencem a cle, um mundo social constitui-se exatamente das normas que estabelecem quais as interagGes que, em cata caso, pertencem im 8 totalidade das relagées interpessoais legitimas; os atores para os quais vale semelhante conjunto de normas pertencem, todos eles, a0 mesmo mundo social. Fao conceito do mundo social também estd Vinculada a atitude conforme a normas, isto é, a perspectiva na qual um falante se refere a normas reconhecidas” Os conceitos sécio-cognitivos fundamentais do mundo social e dda interacao guiada por normas formam-se, pois, no quadro de uma compreensao descentrada do mundo, que se deve a diferenciagao das perspectivas do falante € do mundo. Esses pressupostos muito complexos das perspectivas sociais de Kohlberg devem, por fim, fornecer-nos 0 fio condutor para reconduzir os estiidios do juizo moral a estidios da interagao. No que se segue, nosso objetivo 6 pode ser o de tornar plausi- veis as suposigées que acabamos de desenvolver sobre a ontogé- nese das perspectivas do falante do mundo, apoiando-nos sobre as investigacdes empiricas existentes. Semelhante reconstrugao hi- potética pode, no melhor dos casos, servir de guia para ulteriores investigagées. Todavia, as nossas hipdteses exigem uma distingao ‘que nao é facil de operacionalizar entre: (2) papéis comunicacionais € perspectivas do falante, (b) a implementagao dessas perspectivas do falante em diferentes tipos de interagdo e (c) a estrutura de perspectivas de uma compreenséo do mundo que admita a escolha entre as altitudes fundamentais em face do mundo objetivo, social e subjetivo. Estou cénscio da dificuldade que resulta da necessidade de aproximar exteriormente a0 material encontrado nas investiga- Ges feitas até agora os pontos de vista analiticos de (a) a (c). IIL. A Integracao das Perspectivas do Participante e do Observador e a Transformacao dos Tipos de Agéo Pré Convencionais. ‘Vou, primeiramente, interpretar os estidios da adogao de pers- pectivas distinguidos por R. Selman, considerando a maneira pela qual se constr6i gradualmente um sistema de perspectivas do fa. lante completamente reversivel(!). Em seguida, descreverei quatre vasre0-tf, para mostrar entao, com base na transformagao em agit estratégico do or niosdasinteragao@p. Finalmente m reconstruirei a transforma em (1) — Na exposigao em que resume 0 seu pensamento, Selman ca- racteriza trés estidios da adogéo de perspectivas, com base nas ‘maneiras de conceber as pessoas ¢ as relagdes"), ‘Tabela 3: As perspectivas de acdo segundo Selman Level I: Differentiated and Subjective Perspective Taking (about ‘Ages 5 to 9) Concepts of Persons: Differentiated. At Level I, the key concep- tual advance is the clear differentiation of physical and psychologi- cal characteristics of persons. As a result, intentional and uninten- tional acts are differentiated and a new awareness is generated that each person has a unique subjective covert psychological life. ‘Thought, opinion, or feeling states within an individual, however, are seen as unitary, not mixed. Concepts of Relations: Subjetive. The subjective perspectives of self and other are clearly differentiated and recognized as poten- tially different. However, another's subjective state is still thought to be legible by simple physical observation. Relating of perspecti- ves is conceived of in one-way, unilateral terms, in terms of the perspective of and impact on one actor. For example, in this sim- ple one-way conception of relating of perspectives and interperso- nal causality, a gift makes someone happy. Where there is any un- derstanding of two-way reciprocity, it is limited to the physical — the hit child hits back. Individuals are seen to respond to action with like action. Level 2: Self-reflective/Second-person and Reciprocal Perspective ‘Taking (about Ages 7 to 12) Concepts of Persons: Self-reflective|Second-person. Key concep- tual advances at level 2 are the growing child’s ability to step men- tally outside himself or herself and take a self-reflective or second-person perspective on his or her own thoughts and actions and on the realization that others can do so as well. Persons’ thought or feeling states are seen as potentially multiple, for exam- 173 ple, curious, frightened, and happy, but still as groupings of mu- tually isolated and sequential or weighted aspects, for example, mostly curious and happy and a little scared. Both selves and « others are thereby understood to be capable of doing things (overt actions) they may not want (intend) to do. And persons are unders- tood to have a dual, laysered social orientation: visible appearance, possibly put on for show, and the truer hidden reality. Concepts of Relations: Reciprocal. Differences among perspecti- ves are seen relativistically because of the Leyel 2 child’s recogni- tion of the uniqueness of each person's ordered set of values and purposes. A new two-way reciprocity is the hallmark of Level 2 concepts of relations. It is a reciprocity of thoughts and feelings, not merely actions. The child puts himself or herself in another's shoes and realizes the other will do the same. In strictly mechanical-togical terms, the child now sees the infinite regress possibility of perspective taking (I know that she knows that I know that she knows... etc.). The child also recognizes that the ou- ter appearance-inner reality distinction means selves can deceive others as to their inner states, which places accuracy limits on ta- ing another’s inner perspective. In essence, the two-way recipro- city of this level has the practical result of detente, wherein both parties are satisfied, but in relative isolation: two single individuals seeing self and other, but not the relationship system between them. Level 3: Third-person and Mutual Perspective Taking (about Ages 10 to 15) Concepts of Persons: Third-person. Persons are seen by the young adolescent thinking at Level 3 as systems of attitudes and values fairly consistent over the long haul, as opposed to randomly chan- seable assortments of states as at Level 2. The critical conceptual advance is toward ability to take a true third-person perspective, to step outside not only one's own immediate perspective, but outside the self as a system a totality. There are generated notions of what ‘We might call an “observing ego,” such that adolescents do (and perceive other persons to) simultaneously see themselves as both actors and objects, simultaneously acting and reflecting upon the ‘effects of action on themselves, reflecting upon the self in interae- tion with the self. 174 Concepts of Relations: Mutual. The third-person perspective per- mits more than the taking of another's perspective on the self; the truly thirdperson perspective on relations which is characteristic of Level 3 simultaneously includes and coordinates the perspectives of self and other(s), and thus the system or situation and all parties fare scen from the third-person or generalized other perspective. Whereas at Level 2, the logic of infinite regress, chaining back and forth, was indeed apparent, its implications were not. At Level 3, the limitations and ultimate futility of attempts to understand inte- ractions on the basis of the infinite regress model become apparent and the third-person perspective of this level allows the adolescent to abstractly step outside an interpersonal interaction and simulta- neously and mutually coordinate and consider the perspectives (and their interactions) of self and other(s). Subjects thinking at this level see the need to coordinate reciprocal perspectives, and be- lieve social satisfaction, understanding, or resolution must be mu- tual and coordinated to be genuine and effective. Relations are viewed more as ongoing systems in which thoughts and experien- ces are mutually shared.” Nivel 1: Adogdo de perspectiva diferenciada e subjetiva (cerca de 5 a 9 anos de idade) Conceitos de Pessoas: Diferenciados. No nivel 1, 0 avango con- ceptual decisivo € a clara diferenciagao das caracteristicas psicol6gicas das pessoas. Resulta dai a diferenciagao de atos inten- cionais e atos nao-intencionais € a formagao de uma nova cons- jéncia de que cada pessoa tem uma vida psicolégica tnica, subj va € oculta. Contudo, os estados de pensamento, opiniao ou sen- imento no interior de um individuo sao vistos como unitdrios, nao como misturados. Conceitos de Relagdes: Subjetivos. As perspectivas subjetivas proprias e do outro sao claramente diferenciadas ¢ reconhecidas como potencialmente diferentes. Contudo, ainda se pensa que a simples observacio fisica basta para ler o estado subjetivo de ou- trem. O relacionamento das perspectivas € concebido em termos unilaterais, de mao tinica, em termos da perspectiva de um ator € do impacto sobre o mesmo. Por exemplo, nessa concepeao simples ¢ unidirecional do relacionamento das perspectivas € da causali- dade interpessoal, um presente toma alguém feliz. Onde h uma 175 a compreensio qualquer da’reciprocidade de mo dupla, ela esta li- mitada ao fisico — a crianga em que se bate, bate de volta. Os in- dividuos sie vistos como respondendo & agao com ago similar, Nivel 2: Adocdo de Perspectiva Auto-reflexiva/na Segunda Pessoa ¢ Reefproca (cerca de 7a 12 anos de idade) Conceitos de Pessoas: Auto-reflexivosina Segunda Pessoa, Os avangos conceptuais decisivos no nivel 2 so a.crescente habili- dade da crianga para sair mentalmente fora de si mesma e adotar uma perspectiva auto-reflexiva ou na segunda pessoa — sobre 08 seus préprio pensamentos e agées bem como sobre a percepcao de ue 08 outros podem fazer © mesmo, Os estados de pensamento ou do sentimento das pessoas sao vistos como potencialmente milti- plos, por exemplo, curiosos, assustados e felizes, mas ainda como agrupamentos de aspectos mutuamente isolados e seqienciais ou ponderados, por exemplo, sobretudo curiosos e felizes e um pouco amedrontados. Desie modo, os préprios ¢ 08 outros sao interpre- tados como capazes de fazer coisas (agées manifestas) que podem nao querer (ter a intengéo de) fazer. E as pessoas sao interpretadas como tendo uma orientagéo dual, clivada: a aparéncia visivel, pos- sivelmente encenada para cxibir-se e a realidade oculta mais ver- dadeira Conceitos de relagdes: reciprocos. As diferencas das perspectivas entre si s4o vistas numa éptica relativistica por causa do reconhe- cimento, por parte da crianca no nivel 2, da singularidade do con- junto ordenado de valores e objetivos de cada pessoa. Uma nova reciprocidade nos dois sentidos € o simbolo distintivo dos concei- tos de relagoes de nivel 2, E uma reciprocidade de pensamentos sentimentos e mio meramente — de ages. A crianca coloca-se na Pele de outrem e percebe que o outro fara o mesmo. Em termos cs- tritamente l6gico-mecinicos, a crianca vé agora a possibilidade do regresso infinito na adocio de perspectiva (eu sei que ela sabe que cu sei que ela sabe... etc.). A crianca também reconhece que a dis- tingao aparéncia externa-realidade interna significa que os préprios podem iludir os outros quanto a seus estados internos, 0 que pée limites de exatidao para a adogao da perspectiva — interna de ou- trem. Essencialmente, a reciprocidade nos dois sentidos desse ni- vel tem o resultado pratico da distensio, — com 0 que ambas as 176 partes ficam satisfeitas, mas em relativo isolamento; dois indi duos particulares vendo a si mesmo e 0 outro, mas néo o sistema de relagdes entre cles. Nivel 3: Adogéo da Perspectiva da Terceira Pessoa e Miitua (Cerca de 10 a 15 anos de idade) Conceitos de Pessoas: Terceira Pessoa. O jovem adolescente — ppensando no Nivel 3 vé as pessoas como sistemas de atitudes va- lores razoavelmente consistentes a longo prazo, por oposigéo a grupos de estados aleatoriamente variéveis como no Nivel 2. O avanco conceptual eritico se faz em diregao a habilidade de assu- mir uma verdadeira perspectiva da terceira — pessoa, de sair no apenas de sua propria perspectiva imediata, mas fora do si-préprio como um sistema, uma totalidade. Ai sao geradas nogées do que poderfamos chamar de “‘ego observador” de tal modo que os ado- lescentes efetivamente se véem a si préprios (e percebem as outras pessoas como vendo a si préprias) ao mesmo tempo como atores como objetos, simultaneamente agindo e refletindo sobre os efeitos da ago sobre si préprios, refletindo sobre si-proprios em interagio com 0 si-préprio. Conceitos de relagées: mituos. A perspectiva da terceira pessoa permite mais do que assumir a perspectiva de outrem sobre o si- préprio; a verdadeira perspectiva da terceira pessoa sobre as rela- ges que € caracteristica do Nivel 3 inclui e coordena simultanea- ‘mente as perspectivas do si-préprio e do(s) outro(s) e, assim, 0 sis- {ema ou situagao e todas as partes sao vistos da perspectiva da ter- ceira pessoa ou do outro generalizado. Enquanto que, no Nivel 2, a I6gica do regresso infinito, encadeando para frente e para tras, era de fato aparente, suas implicagées nao eram. No Nivel 3, as limi. tages e futilidade ultima das tentativas de compreender as intera- es com base no modelo do regresso infinito tornam-se aparentes € & perspectiva da terceira pessoa desse nivel permite a0 adoles- cemte sair fora abstratamente de uma interagdo — interpessoal, bem como simultinea ¢ mutuamente coordenar e considerar as perspectivas (e suas interagdes) do si-proprio e do(s) outros(s). Os sujeitos pensando nesse nivel véem a necessidade de coordenar Perspectivas reciprocas ¢ acreditam que a satisfacao social, a com- reensio ou a resolucao devem ser miituas e coordenadas para se- 17 rem genuuinas e eficazes. AS relacdes so vistas mais como siste- ‘mas em funcionamento nos quais os pensamentos ¢ as experieficias séo mutuamente compartidos.” No grupo etério de 5a 9 anos”, 0 proceso de aquisieao da lin- guagem esta concluido. A adogao incompleta de perspectivas, que é caracteristica do estédio 1, ja est assentada no pedestal estdvel de uma intersubjetividade mediatizada lingbisticamente, Se parti- mos com G. H. Mead do fato que a crianga adquire a compreensio de signiticados idénticos, isto é, de convencées seménticas objetiva- mente vilidas, adotando repetidamente, no contexto interacional, ‘as perspectivas € atitudes de uma pessoa de referéncia, entdo 0 de- senvolvimento, investigado por Selman, das perspectivas de agao vem suceder a uma histéria jé concluida de adogdes de perspecti- vas no dominio das perspectivas do falante. A crianga que ja con- segue falar jé aprendeu a enderecar um proferimento a um ouvinte numa inten¢do comunicativa e, inversamente, a se compreender como destinatério de semelhante proferimento. Ela passa a domi- nar uma relago eu-tu reciproca entre falantes € ouvintes logo que consegue distinguir entre dizer e fazer. Ela distingue, entao, os atos do entendimento miituo com um ouvinte, logo 0s atos de fala seus equivalentes, dos atos pelos quais agimos sobre um objeto fisico ou social. Assim, a situagao inicial com que nossas reflexoes comecaram esti caracterizada pelo fato que a relagao recfproca en- tre falante ¢ ouvinte esta estabelecida no plano da comunicacdo, mas nao ainda no plano do agir. A crianga entende o que Alter quer dizer com emunciados, solicitagées, avisos © desejos © sabe como Alter entende os proferimentos de Ego. Mas essa reciproci- dade entre as perspectivas do falante e do ouvinte, que se refere a0 gue € dito, nao significa ainda uma reciprocidade das orientacdes das acdes e, de qualquer modo, nao se estende automaticamente & estrutura de expectativa de um agente, as perspectivas a partir das uais os atores projetam e perseguem seus planos de acao. A coor- denacao dos planos de agdo exige, indo além da reciprocidade das perspectivas do falante, um entrelacamento das perspectivas de ‘agdo. Sob esse ponto de vista, os estidios de Selman podem ser in- terpretados da seguinte maneira” Para o primeiro estédio Selman postula que a crianga de fato distingue entre as perspectivas de interpretagao e as perspectivas de agao dos diferentes participantes da interacéo, mas ainda é in- 178 capaz, a0 avaliar as ages dos outros, de conservar o seu proprio ponto de vista e, ao mesmo tempo, colocar-se na situagao do ou- {ro. Por isso, ela também nao consegue avaliar suas prdprias ages do ponto de vista dos outros”. A crianga comeca a diferenciar en- re 0 mundo externo e 0 mundo interno de acesso privilegiado; fal- tam, porém, os conceitos bésicos sécio-cognitivos perfeitamente definidos para 0 mundo do normativo, que Kohlberg postula para 0 estadio convencional das perspectivas sociais. A crianca faz nesse estidio um emprego correto de frases exprimindo enunciados, soli- citagdes, desejos ¢ intenedes. Ela ainda ndo associa nenhum sen- tido claro as frases normativas; os imperativos nao séo ainda dife- renciados conforme © falante associa a cles uma pretensio de po- der subjetivo ou uma pretensio de validez normativa, logo impes- soat”. primeiro passo para a coordenacao dos planos de agao dos diferentes participantes da interagdo com base numa definigao co- letiva da situagio consiste, pois, em estender a relacdo reciproca falante-ouvinte d relagdo entre os atores, que interpretam a situa ‘Go de acdo que compartitham & luz. de seus respectivos planos ¢ a partir de diferentes perspectivas. Nao é por acaso que Selman ca- racteriza esse estédio da adocao de perspectivas pela perspectiva la ‘segunda pessoa”. Pois, com a transicao para o segundo esta- dio, 0 adolescente aprende a vincular de maneira reversivel as orientagdes de acdo do falante ¢ do ouvinte. Ele pode se colocar na perspectiva de acio do outro e sabe que 0 outro também pode se colocar em sua perspectiva de agio, do Ego; Ego e Alter podem assumir, em face da prdpria orientagao de ago, a respectiva ati- tude do outro. Desse modo, os papéis comunicacionais da primeira fe da segunda pessoa tornam-se eficazes para a coordenagao da acdo. A estrutura de perspectiva embutida na atitude performativa de um falante néo é determinante para o entendimento mituo ape- ‘nas, mas para a propria interacéo. Dessa maneira, as perspectivas eu-tu do falante e do ouvinte sao implementadas no agir de maneira ceficaz. para a coordenagao, Essa estrutura de perspectivas modifica-se de novo com a passa~ gem para 0 ferceiro estadio, com a introducdo da perspectiva do observador no dominio da interacdo. Naturalmente, as criangas ia fazem ha muito tempo uso correto dos pronomes da terceira pes- soa, na medida em que se entendem sobre outras pessoas, seus proferimentos, relagdes de posse, etc. Elas jé conseguem também 179 assumir uma atitude objetivinte em face de coisas e eventos per- ceptiveis e manipulveis. Mas, agora, os adolescentes aprendem a voltar-se, a partir dessa perspectiva do observador, para a relagao interpessoal que estabelecem numa atitude performativa com o participante da interagao. Essa atitude, eles ligam-na a atitude neu- tra de uma pessoa presente mas nao envolvida, que assiste a0 pro- cess0 de interagao no papel do ouvinte ou do espectador. Nessas condicées, a reciprocidade das orientacdes da acdo, instaurada no estidio precedente, pode ser objetualizada ¢ trazida & consciéncia ‘em seu contexto sistémico. ‘O completamento do sistema das perspectivas de acao significa, ‘a mesmo tempo, a atualizacao do sistema completo das perspecti- vas do falante, bascado na gramatica dos pronomes pessoais e pos- sibilitando um nivel novo da organizagio do diélogo”. A nova es- trutura consiste em que o entrelacamento reciproco das orienta- goes de ago da primeira ¢ da segunda pessoa pode ser compreen- dido enquanto tal a partir da perspectiva de uma terceira pessoa. Logo que a interagao é reestruturada nesse sentido, os envolvidos podem nao apenas asswmir reciprocamente suas perspectivas de ago, mas também trocar as perspectivas de participante pela perspectiva de observador c transformé-las uma na outra. FE nesse {erceiro estédio da adocdo de perspectivas que se leva a cabo a construgao do “‘mundo social”, que se preparou no segundo esté- dio. Antes de mostré-lo, preciso primeiro caracterizar os tipos de interagdo que se transformam, por ocasido da passagem do se- gundo para o terceiro estadio, em agir estratégico ou, conforme 0 caso, guiado por normas. (2) — Selman desenvolveu originariamente sua teoria com base em entrevistas clinicas, que se seguiam a exibicao de duas hi \Grias filmadas. No centro de um desses curta-metragens, esté Holly, uma menina de oito anos; o dilema em que ela se envolve espelha 0 conflito entre uma promessa que o pai conseguiu dela e a relagao com uma amiga, a quem deve ajudar''. A historia é cons- trufda de tal modo que venham a entrar em choque, neste conflito, 8 dois principais sistemas de ago aos quais pertencem as criangas dos grupos etirios relevantes: a familia e 0 grupo de amigos. J. ‘Youniss comparou entre si, sob pontos de vista estruturais, as re- lagdes sociais que tipicamente subsistem entre adultos e criancas, por um lado, ¢ entre coetineos, por outro lado”. Ele caracteriza-as com base em diferentes formas da reciprocidade. A forma na¢ 180 métrica da reciprocidade, a saber, uma complementaridade entre tipos diferentes de expectativas de comportamento produz-se s0- bretudo em condigdes de desnivel de autoridade, logo na familia, 20 passo que, nas condicdes de uma relacao de amizade igualitéria, é antes a simetria entre expectativas de comportamento do mesmo tipo que se aprende na prética. Para a coordenago das agées, uma complementaridade governada por autoridade tem por conse- qiiéncia 0 fato de que um controla a contribuicao do outro para a interacao; uma reciprocidade governada por interesses significa, a0 contrario, que os envolvidos controlam mutuamente seus contribu- tos & interagao. Manifestamente, as relagdes sociais complementares governa- das por autoridade e as relaces sociais simétricas governadas por interesses determinam diferentes tipos de interacao, que podem concretizar a mesma estrutura de perspectivas, no caso, aquela re- iprocidade das perspectivas de agio que caracteriza 0 segundo es- tédio da adogao de perspectivas, de que fala Selman. Em ambos os tipos de agao estéo implementadas as perspectivas eu-tu, que fa- fante ¢ ouvinte adotam um com relagio a0 outro. De acordo com Selman, as criancas dispdem neste nivel também de conceitos es- truturalmente anélogos, quais sejam os da expectativa de compor- tamento, da autoridade, do motivo da ago e da capacidade de agir. Esse equipamento s6cio-cognitivo permite uma diferenciagao entre ‘© mundo extemo e a interioridade de uma pessoa, a atribuicao de intengdes ¢ orientagdes em vista das necessidades, bem como a istingao entre ages intencionais ¢ nao-intencionais. As criangas adquirem dessa maneira também a capacidade de governar as inte- rages, se necessirio, mediante manobras para enganar. Nas relagées cooperativas, 0s envolvidos renunciam aos meios de enganar. Nas relacSes governadas por autoridade, a parte de- pendente também nao pode recorrer, em caso de conflito, a mano- bras para enganar. A opcio de influenciar por meio do logro 0 comportamento de Alter 56 existe sob a condicso de que Ego(a) interprete a relagéo social como simétrica ¢ (b) interprete a situa- cao de acéo do ponto de vista de necessidades contlitantes. Esse comportamento concorrencial exige a atuacdo reciproca de Ego de Alter um sobre 0 outro, Naturalmente, essa espécie de concor- réncia também tem lugar no quadro institucional da familia, logo sob a condicao de um desnivel de autoridade objetivamente exis- tente entre as geragdes; mas, entao, a crianga comporta-se em face dos familiares da geracdo mais velha como se houvesse uma rela- ‘ao simétrica entre eles. Convém, pois, distinguir os tipos de ago pré-convencionais nio segundo os sistemas de ago, mas, sim, a partir dos pontos de vista mais abstratos das formas de reciproci- dade: Tabela 4. Os tipos de Acao Pré-Convencionais Cooperagio lde reciprocidade ‘omplementaridade overnada pela uutoridade [Simetria governada Jpor interesses 0s conflitos so resolvidos nos casos 2 ¢ 4 por meio de estraté- gias diferentes. Caso perceba a dependéncia, a crianga tentara re- solver 0 conflito entre suas préprias necessidades e as imposigdes imperativas do parceiro procurando evitar as sangdes ameacadas; ela orientaré suas ages por consideragdes que se assemelham, em sua estrutura, aos juizos no primeiro estédio moral de Kohlberg (Tabela 1). Ao contrrio, no caso de perceber uma distribuigao igualitéria do poder, a crianga tentaré valer-se das possibilidades de enganar que existem nas relagées simétricas. Esse caso foi simulado por J. H. Flavell com a sua experiéncia com moedas O estudo psicolégico da adogao de perspectivas foi empreen- dido a partir desse caso particular, isto é, a partir de um dos quatro tipos de interagdo. Como se sabe, Flavell planejou sua experiéncia da seguinte maneira: esconde-se debaixo de cada uma de duas xi caras Viradas para baixo uma quantia em dinheiro (um ou dois ni queis), que esta claramente assinalada no fundo, virado para cima, das xicaras. Demonstra-se aos sujeitos testados que, entre a inscri- ‘sao e a quantia de fato escondida, hé uma relagao que se pode mo- Aificar arbitrariamente. A tarefa consiste em distribuir as quantias 4s escondidas, de tal sorte que uma pessoa, que se chamou de fora 182 € a quem se solicita escolher a xicara com a quantia presumivel mente maior, seja induzida em erro € saia com as maos vazias, A experiéncia é definida de tal modo que os sujeitos aceitem o quadra de um comportamento competitivo elementar e tentem influenciar indiretamente as decisées de um parceiro. Neste quadro, os envol- vidos partem das seguintes suposicoes: (a) — cada qual esta perseguindo seus préprios interesses — pe- cuniérios ou de outra natureza; (b) — cada um conhece o interesse do outro; (©) — est excluida a possibilidade de um entendimento miituo di- reto — cada qual tem que inferir hipoteticamente como é que 0 outro se comportara; (@) — manobras destinadas a enganar o parceiro sao necessérias dos dois lados, e, em todo caso, permitidas; (©) — as pretensées de validez normativas, que poderiam estar ‘gadas as regras do jogo elas préprias, nao intervém no inte- rior do jogo. sentido do jogo é claro: Alter tentaré alcancar um ganho ma- ximo e Ego deve impedi-lo. Se os sujeitos da experiéncia dispdem dda estrutura de perspectivas que Selman correlaciona com 0 se- gundo estidio, eles escolhero a estratégia B de Flavell. A crianga presume que Alter se deixa guiar por consideragdes pecuniérias ue vai procurar os dois niqueis debaixo da xicara de um niquel com a seguinte justificagao: Alter parte da suposic¢ao de que eu gostaria de induzi-lo em erro e por isso ndo vou colocar os dois ni- ‘queis debaixo da xicara com o rétulo correspondente. Eis af um exemplo experimental produzido para um comporta- mento competitivo, no qual se encontram materializadas as pers- pectivas eu-tu reciprocas (caso 4, tabela 4). & facil acompanhar, na linha desse tipo de ago, a transformacao do estadio pré-conven- cional da interagao. Logo que 0s sujeitos da experiéncia dispuse- rem de uma estrutura de perspectivas que Selman correlaciona com 0 terceiro estédio, eles escolherdo a estratégia C de Flavell Pois eles continvario a torcer a espiral da reflexio levarao em consideracao que Alter também adivinha a estratégia B de Ego (ea reciprocidade das perspectivas de ago a ela subjacentes). O ado- lescente chega a esse discernimento tao logo consegue objetualizar as relagées reciprocas entre Ego Alter a partir da perspectiva de tum observador e consideré-las como um sistema. Em principio, ele ji estd até mesmo em condigoes de reconhecer a estrutura desse 183 {jogo a dois: pressupondo que ambos os participantes se comportam racionalmente, as probabilidades de ganho ¢ perda esto igual- mente distribufdas, de tal modo que Ego pode tomar tanto uma quanto a outra deciséo. A estratégia C caracteriza, pois, um modo de agir que 86 € pos- sivel no estadio convencional da interagdo, desde que, como se propés, a complexa estrutura de perspectivas do terceiro estadio 0 ‘Orient em neo ee de Selman seja necessaria para este estadio™. Desse ponto de vis- ta, a transformagao do comportamento de competi¢ao pré-conven cional no agir estratégico deixa-se caracterizar pela coordenagao das perspectivas do observador e do participante. Ao mesmo tempo, também o conceito do sujeito agente se mo- difica na medida em que Ego est, de agora em diante, em condi- des de atribuir a Alter um padrio de atitudes ou preferéncias es- tayel ao longo do tempo. Alter, que até entdo parecia se orientar de Conceito de autoridade] Conceito de motivagi] “Arbiioexternamente pessoas ‘anclonado das se reerene uma maneira quicé inteligente em funcao de suas necessidades ou interesses variaveis, € agora percebido como um sujeito que segue intuitivamente as regras da escolha racional. Mas, além disso, nao & preciso nenhuma modificacao estrutural do equipamento s6- cio-cognitivo. Em todos os outros aspectos, o inventirio pré-con- vencional também € suficiente para quem age estrategicamente; para este basta derivar expectativas de comportamento a partir das intengées atribuidas, compreender motivos em termos de uma isso Iatentes expectativa de omportamento Pari de comportamento particulary atibs Ee intengoee Entrutura da oricntagao em fungao da recompensa ¢ do castigo, bem como in- terpretar a autoridade como uma faculdade de prometer ou ame- ‘agar sangGes positivas ou negativas (Tabela 5). Diferentemente do comportamento competitivo elementar (caso 4, Tabela 4), nio se pode transpor os dois outros tipos de agao i pré-convencionais (casos 1-3, Tabela 4) com igual parciménia de ‘meios para 0 estidio convencional da interacao. G) — Estudei até aqui a maneira pela qual o tipo de agao estra- ‘égica se diferenciou na linha do.comportamento de compet Pré-Convencional ao Agir Estratégico jor ede ‘Conenio recproca de perspectivas de agée Flavell estrategia B Selman Estadio 3 Flavell: etratéia C) (Selman: esiéaio 3, 4 H iB participante sraturas de Perspectivas erspe Sheer De acordo com a hipétese que favoreci, a passagem para 0 estadio convencional da interagao efetua-se pelo fato de que a perspectiva do observador coalesce com as perspectivas eu-tu de modo a cons- tiuir um sistema de perspectivas de aco transformaveis uma na ‘outta. Ao mesmo tempo, o sistema das perspectivas do falante completa-se, com o que a organiza¢ao do dislogo atinge um novo nivel. © desenvolvimento das capacidades comunic: tanto, nao precisa nos interessar. ie Sécie- Cognit Tabela 5. Passage a0 Estédio de Interagio Convencional (1): Do Comportamento de Competici Pr ae Comnportameato de presonvencinal [agi eratégeo 184 Eu gostaria, ao contririo, de investigar a maneira pela qual os ‘outros tipos de aco pré-convencionais (os casos 1-3 na tabela 4) se ‘modificam com a passagem para o estdio convencional. Ao fazer isso, limito-me mais uma vez 4s caracteristicas estru- turais ¢ deixo em suspenso a questo de como explicar a dinmica da reestruturagio das perspectivas de acao. Gostaria tao-somente de separar analiticamente as vias de desenvolvimento do agir regu- lado por normas ¢ do agir estratégico, Caracterizemos a situagio problemética inicial pelas seguintes suposigoes: — que a forea reguladora da aco da autoridade das pessoas de re- feréncia ou a forga da orientagao imediata em fungéo de suas prdprias necessidades nao é mais suficiente para cobrir a even- tual caréncia de coordenagio; — que 0 comportamento de competigéo j4 se transformou em agir estratégico e esta assim desacoplado da orientacio imediata em fungao de suas proprias necessidades; —e que surge assim uma polarizagao entre altitudes orientadas ara 0 sucesso e para o entendimento miituo, que forca ¢, a0 mesmo tempo, normaliza a escotha entre tipos de ago com e sem possibilidade de lograr 0 outro. _Nesta situagio, os modos pré-convencionais da coordenaciio de ages véem-se pressionados nos dominios do comportamento nao determinados pela concorréncia. O equipamento ognitivo tem que ser reestruturado de tal sorte que se possa introduzir um mecanismo de eoordenagdo de agdes nao-estratégicas, orientada Para o entendimento mituo, mecanismo esse independente dos dois lados — tanto da relagao de autoridade com pessoas de refe réncia coneretas quanto da relacio direta com os interesses pro- prios. O estidio dese agir convencional, mas nao-estratégico, exige conceitos sécio-cognitivos basicos, centrados no conceito do arbitrio supra-pessoal. Pois 0 conceito da expectativa de compor- lamento satisfeita por uma autoridade supra-pessoal (isto é, do pa- pel social) aplaina a diferenga entre imperativos alheios e as inten- ‘¢0es proprias e transforma de igual mancira tanto 0 conceito da au- loridade quanto 0 do interesse. Selman (1980) ¢ Damon’® descreveram de maneira concordante no essencial o desenvolvimento dos conceitos de amizade, pesso- as, grupos € autoridades durante a média inffncia. Como mostram 186 ‘as observag6es humano-etol6gicas das primeiras interagdes mi Iho, 0 desenvolvimento desses conceitos basicos tém uma histéria extremamente complexa, que remonta aos primeiros meses de vi- da." Manifestamente, as capacidades s6cio-cognitivas, que se dife- renciam gradualmente até a inffncia média, a partir desse fundo constituido pelos mais antigos lagos sociais e relagées intersubjeti- ‘vas, so exploradas no dominio do comportamento competitive de maneira apenas seletiva; pois 0 comportamento competitive pré- convencional pode ser transformado no agir estratégico, sem que a introdugo da perspectiva do observador no dominio da interagao alcance 0 equipamento sécio-cognitivo em toda sua amplitude. Ao contrario, uma reestruturacao global, que Selman estuda em quatro dimensées”, € necesséria para a passagem ao agir regulado por rnormas. 1ss0 pode estar relacionado com o fato de que a reorgat zacio nessa linha de desenvolvimento comeca com aqueles tr8s ti pos de acéo pré-convencionais que excluem o logro permitido no ‘comportamento competitive e que dependem do consenso. As in- vestigacées relativas a elaboragio dos problemas de distribui¢ao dos conflitos de agao em grupos de pares pertencentes a diferentes faixas etérias™ proporcionam um acesso empitico as formas primi- tivas do agir regulado por normas. A capacidade de resolver con- sensualmente problemas interpessoais com criangas da mesma idade cresce de maneira regular com 0 aumento da idade ¢ da ma- turidade cognitiva. Essa capacidade € um bom indicador para os mecanismos da coordenacao de agdes disponiveis nos diferentes estadios de desenvolvimento. Limitar-me-ei no que se segue aos conceitos da autoridade su- pra-pessoal ¢ da norma de agdo, porque estes so constitutivos para 0 conceito estrito do mundo social como totalidade de rela- (Goes interpessoais legitimamente reguladas, Enquanto que na pers- pectiva da crianga as relagdes, por exemplo, de autoridade © de amizade se apresentam no nivel pré-convencional como relacoes de troca (por exemplo, como troca de obediéncia por orientagao ou seguranga, de pretensdes por recompensas, de desempenhos por desempenhos ou prova de confianca), a categoria da troca nao é mais apropriada para as relagdes reorganizadas no esto conven cional.”” As representagées dos lagos sociais, da autoridade, da le- aldade desprendem-se dos contextos e pessoas de referéncia part: culares e transformam-se nos conceitos normativos da obrigacao 187 moral, da legitimidade de regras, da validez deontol6gica de ordens autorizadas. ‘Semelhante passo ja esté sendo preparado no segundo estidio de interagées, isto €, com base no entrelagamento recfproco das perspectivas de ago, quando a crianca (A) aprende, na interagao com uma determinada pessoa de referéneia (B), padroes de com- portamento de feitio particular” Para a reconstrugao dessa passa- gem, fiz alhures uma proposta que, todavia, serve apenas para a anélise conceitual “! ‘Visto que, por tras das expectativas de comportamento particu- lares dos pais, s6 ha para a crianca a autoridade de um parceiro que a impressiona e esté fortemente investido de afetos, a tarcfa da assagem para 0 estédio convencional da interagio deve ser vista como consistindo na transformagao do arbitrio imperativo de uma pessoa superior na autoridade de um arbitrio supra-pessoal, desli- gado dessa pessoa determinada. Como se sabe, Freud e Mead su- useram ambos, de maneira concordante, que os padrées de com. portamento particulares se desvinculam das intengdes e atos de fala contextualizados de pessoas particulares e assumem a figura externa de normas sociais, na medida em que as sangdes a eles as- sociadas sao internalizadas isto é, integradas na personalidade da Pessoa em crescimento e, assim, tornadas independentes do poder de sangao das pessoas de referéncia concretas. Com isso, 0 sentido imperativo de uma “‘expectativa’’ desloca-se de tal maneira que A ¢ B subordinam a vontade individual de cada um a um arbitrio combinado, por assim dizer delegado & expectativa de comporta- mento socialmente generalizada. E por essa via que surge para A 0 imperativo de ordem superior de um padrao generalizado para to- dos os membros de um grupo social, padrio esse a que ambos, Ae B, recorrem ao proferir 0 imperativo ‘q' ou 0 desejo *r’ Enquanto Freud esclarece 0 lado psicodinémico desse proces- so, Mead interessa-se pelas condicdes sdcio-cognitivas da interna. lizagao. Ele explica por que os padrées de comportamento particu- lares 86 podem ser generalizados, depois que A aprendeu a assumir luma atitude objetivante em face de sua propria ado e, assim, a destacar o sistema das perspectivas de ago entrelagadas entre Ae B dos contextos particulares nos quais se da em cada caso o encon- {fo dessas duas pessoas. E s6 quando A, em suas interagdes com B, se apropria ao mesmo tempo da atitude que um membro de seu grupo social assumiria em face de ambos, como ‘uma pessoa nio- 188 envolvida, que ele pode se tomar consciente da permutabilidade das posigdes tomadas por A e B. Ai, A pode reconhecer também que aquilo que aparecerd a ele como um padrao de comportamento concreto, talhado a medida dessa crianga e desses pais, jé resultara desde sempre para B de uma compreensio intutiva das normas que regulam as relagdes entre filhos ¢ pais em geral. Com a interio- rizagao de expectativas concretas, A forma o conceito de um pa- dio de comportamento generalizado socialmente, ou seja, para todos os membros do grupo, © cujos lugares nao estao reservados para Ego ¢ Alter, mas podem em principio ser tomados por todos (os membros de seu grupo social O sentido imperativo associado a0 padrio de comportamento nic sai incélume de sua generalizacao social. De agora em diante, ‘A compreende as interagdes nas quais A, B, C, D... proferem ou seguem imperativos ou ages como uma realizagio da vontade co- letiva do grupo, & qual Ae B subordinam em comum seu arbitrio, Por tras do papel social esté a autoridade de um imperativo genera lizado segundo a especificidade do grupo, o poder unificado de um supo concreto que exige € a0 qual se demonstra lealdade. Com {sso também se transformam as formas de reciprocidade inerentes as relagdes sociais. Ao desempenhar seus papéis sociais na cons- cigneia de que, enquanto membros de um grupo social, tém 0 di- reito em situagdes especificadas de esperar uns dos outros deter- minadas agbes e, de que ao mesmo tempo, estio obrigados a pre- encher as expectativas de comportamento legitimas dos demais, os envolvidos apéiam-se numa forma simétrica da reciprocidade, muito embora os conteddos dos papéis ainda estejam, como dan- tes, distribuidos complementarmente por diferentes destinatitios. (0 poder de sangao, por trés dos papéis sociais, que pertence ao grupo social s6 perde 0 cardter de um imperative de ordem supe- rior na medida, € verdade, em que a crianga interioriza mais uma ver a violéncia das instituicoes, violencia esta que inicialmente se defronta com ela factualmente, e na medida em que ela a ancora em seu eu como um sistema de controles internos do comporta- mento. E s6 quando A considera as sangées do grupo como suas préprias sangoes, aplicadas por si mesmo contra si mesmo, que ele tem que pressupor seu assentimento a uma norma cuja transgres- so ele pune dessa maneira. Diferentemente dos imperativos so- cialmente generalizados, as instituigdes possuem uma validez que remonta a0 reconhecimento intersubjetivo, ao assentimento dos 189

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