Você está na página 1de 12
ESTUDOS SOBRE ICMS — SUBSTITUIGAO TRIBUTARIA E VENDA SOB CLAUSULA FOB Flavia de Vasconcelos Lanari * Sumério. 1. O instituto da substituigaio tributéria. 2. Venda sob clausulaFOB. 3. ICMS relativo ao transporte. 4, Circulacao interestadual de mer- cadorias e icms pago a menor — Responsabilidade pela infragio.5. Conclusées.6. Bibliografia 1 OINSTITUTO DA SUBSTITUICAO TRIBUTARIA O sujeito passivo da obrigaco tributiria é, em regra, a pessoa que, expl{- cita ou implicitamente, for referida pelo texto constitucional como destinatéria legal do tributo, Ble é a pessoa que esté diretamente ligado ao fato gerador, do qual tira ou aufere vantagem (art. 121 do Cédigo Tributério Nacional). 1ss0 6 to verdad que a Carta Constitucional vigente adotou oprincfpio da capacidade contributiva como prinefpio geral do sistema tributario, Ora, na ligio de Geraldo Atalibae Aires F. Barreto, “esse preceito esté impondo que o legisla- dor escolha como pressuposto dos impostos um fato, ligado ao contribuinte, que revele sua capacidade contributiva. Esse fato deve ser um/ato signo presuntivo * Mestte em Direito Comercial pela UFMG; doutorands em Direito Tributirio na mesma Faculdade 105 FLAVIADE VASCONCELOS LANARI de riqueza (Alfredo Becker) do contsibuinte ¢ nio de terceiro. Logo, a pessoa que deve ter scu patriménio diminufdo em raziio do acontecimento desse fato hé de ser a que o provoca ou causa e que dele extrai proveito ou vantagem (Rubens Gomes de Souza)” ‘Assim sendo, sujeito passivo do imposto de renda s6 pode ser a pessoa que aufere renda; do imposto de importagao, aquele que importa; ¢ assim por diante, Entender de outra forma é desprestigiar a Constituigao Federal como lei suprema, que eiva de inconstitucionalidade toda ¢ qualquer norma que a contra- rie, auferida via controle concentrado ou difuso. Portanto, nao hd que se negar que 0 legislador infraconstitucional esta reso em erigir como sujeito passivo de imposto aquele que revele capacidade contributiva pela participacao, provocagao ou produgao de fatos tributdveis, cextraindo proveito econdmico de sua ago ou, nos casos de tributos vinculados, daquele a que a atuacdo estatal se refira de alguma maneira, ‘Quando a situago-base ostenta natureza de fato econémico, elucida Zelmo Denari, como € 0 caso de industrializagiio ¢ fornecimentos de bens ou servigos, por exemplo, o legislador néo tem alternativas, pois s6 pode qualificar como contribuinte 0 operador econdmico que realiza 0 pressuposto tributério. Por ‘outro lado, tratando-se de situago-base cuja natureza é de ato juridico, como se 46 com os impostos que gravam as transmissdes imobilidrias e as transagdes mobilidrias, o legislador ordinério poderé qualificar como contribuinte qualquer as partes envolvidas na relagdo juridica, pois ambas sio participes do ato juri- dico bilateral? Conforme ligtio de Paulo de Barros Carvalho, 0 sujeito passivo jé esté na “regra matria” do tributo, tal como plasmada na Constituicao, Seé certo que existem técnicas de tributagao, como a substituigao tribu- tiria, pela qual erige-se como sujeito passivo tributirio pessoa diversa daquela que realiza o fato gerador, nfo é menos certo que deve existir alguma vinculagdo, entre substituto e substitufdo, sendo de extremo arbitrio supor que a Adminis: 1. Substituigdo e responsabilidade tibutéria, Revista de Direito Tributdrio n. 49, et. seg jubiset, 1989. 2. Ver sujeito ativo © passivo da relagdo juriiea uibutiria, dn: MARTINS, {ves Gandra da Silva (Coord). Curso de direto tribuidrio. 4, ey ¥. 106 REVISTA DOCAAP trago poderia cobrar de um dos moradores de um edificio o IPTU devido por todos os moradores. ‘A figura da substituigao tributéria implica a existéncia de substituto ¢ substituido. O encargo tributério € do substitufdo, de quem se verifica a capacida- de tribularia, mas quem comparece e paga o tributo € o substituto: paga tributo alheio em nome proprio, pois foi erigido em sujeito passivo da relacio tributiia, caso dorecolhimento do imposto de renda na fonte ou do ICMS sobre bebidas. Naligio de Alfredo Augusto Becker; a disseminacio do uso da substitu ‘do tributdria atende & necessidade de reduc0 e simplificagao do trabalho dos érgios administrativos incumbidos de arrecadagao e fiscalizacao tributéria, “O sujeito passivo da relagio juridica tributéria, normalmente, deveria ser aquela determinada pessoa de cuja renda ou capital a hipétese de incidéncia é um fato-signo presuntivo, Entretanto, freqiientemente, col caresta pessoa no pélo negativo da relagao juridica tibutaria é impratic vel ou simplesmente criard maiores ou menores dificuldades para nasci- mento, vidae extineZo destas relages. Por isto, nestas oportunidades, 0 legislador como solugdo emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda vez. que utiliza esta outra pessoa, cria o substituto legal tributario™* Eo mesmo autor adverte: “A utilizagao pelo legislador do indivéduo humano como instrumento para atingir um objetivo que é estranho aeste individuo humano é procedimento normal e freqilente. Por isso, J. Haesaert inicia 0 capitulo onde analisa a relagdo juridica com a seguinte observacao: ‘Les hommes poursuivent leurs fins de trois maniéres: par leurs seuls moyens, par l'emploi de choses, par Vemploi d’autrui. Le juridique reléve de ce dernier usage. La réduction de I’homme au rang de moyen en vue d’une fin étrangére est évidente dans les relations de droit public’. 3. Veja-se a propétito, sua argumentagio em Teoria geral do direito ributtrio. 2. ed. p. S01- 502, 4 biden, p. S08. 107 } | FLAVIADEVASCONCELLOSLANARI E depois de demonstrar e exemplificar seu pensamento, J. Haesaert ter- ‘mina o capitulo da relagdo juridica com a seguinte conclusto: "Nous sommes amené ainsi la conception du juridique comme une fagon particuligre de réaliser des fins sociales parle moyen d’ activités humaines considérées comme instruments par ceus que les emploient dans ce but.’ ‘Todo o mistério que a doutrina tradicional imagina circundar o substituto legal tributério desaparece quando, com mentalidade cientifico-juridica, o estu- dioso reflete: a) sobre a Iticida observagio de J. Haesaert acima transcrita; 'b) sobre a fiogdio como processo técnico da Arte legislativa. O substituto legal tributdtio é um exemplo tipico do processo técnico que utiliza a ficedo ‘como elemento estruturador da regra juridica” $ Ainda na esteira das ligdes de Alfredo Becker, faz-se necessério alguns esclarecimentos acerca da substituigao tributéria, Em primeiro lugar, o substituto legal tributdrio é uma espécie do género contribuinte de jure. A outra espécie do genero seria a pessoa de quem se veri fica a capacidade contributiva, a que pratica o fato gerador da relagio jurfdica tributéria, O fendmeno da substituigo ocorre no momento politico em que 0 legislador cria a regra juridica, transferindo ao substituto a sujeigdo passiva tributiria devida pelo substitufdo. Nao ha alteragao, note-se, da hipdtese de incidéncia wibutéria, Na seqiiéncia desse raciocinio, tem-se que substituto substitui um contri- buinte de jure, nao um contribuinte de fato, mesmo porque verificar quem efe- tivamente arca coma carga tributéria est4 além da tradicional classificagdo dos tributos em diretos e indiretos.* 5. Op. cit, p. 504-505. 6 Sobre o assunto, ver Alfredo Augusto Becker (ibidem. n. 142 ¢ 143, p. 488-495: Classifieaglo e tibutos em diretose indirets e falsa eimpraticavelerepercussio econémien ca simplicidade a ignorincia. 108 REVISTA DOCAAP. Ainda a titulo de esclarecimento, observe-se que o fato de o legisladorter optado pelo regime da substituigao tributéria nfo implica desoneragiio total e absoluta do substitufdo. A propésito, as disposigdes do art. 128 do Cédigo Tri- butdrio Nacional, verbis: “A lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tri- butério a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obriga- <¢éo, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atibuindo-aa esteem carter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigagdo.” Entre 0 Estado ¢ 0 substitufdo nio existe, em principio, qualquer relagao juridica, pois esta se forma entre o substituto e o Estado. A relacio juridica entre substituto e substituido, por sua vez, pela qual a Iei outorga ao substituto 0 direito de reembolso ou retengao na fonte contra o substituldo, € de natureza privada e nfo de natureza tributdria, E essa figurada repercussio juridica (reembolso ou retengZo na fonte) s6 € de criagao obrigat6- ria nos paises em que se juridicizou o prinejpio da capacidade contributiva. Vejamos, entiio, 0 que caracteriza a substituigao tributéria. Preliminarmente, como ja se viu neste trabalho, o regime jurfdico aplicé- vel & tributagao ser o regime do substituido e nao o regime do substituto, O substituto esté pagando tributo alheio, em nome proprio, é certo, mas tributo de terceiro. A hipétese de incidéncia diz.respeito a fato gerador praticado por outrem, anorma tributaria atende & capacidade tributdria desta pessoa. Em segundo lugar, a lei aplicavel € aquela que estiver em vigor data das ‘operagdes substitufdas e nfo a data da operagao do substituto; caso contrario, hhaveria até mesmo inviabilizacdo da substituicao progressiva. Nesse sentido, 0 art. 144 do do Cédigo Tributério Nacional dispée. ‘Também de se ressaltar que a substituicdo tributiria s6 é estabelecida viade Jei, tendo em vista as disposigées do art. 121, If, do Cédigo Tributério Nacional “Sujeito passivo da obrigagao tributéria principal & a pessoa obrigada ao. pagamento de tributo ou penalidade pecuniria. Pardgrafo tinico. O sujeito passivo da obrigacao principal diz-se: 109 FLAVIA DE VASCONCELOS LANARE Ii —responsével, quando, sem revestir a condigao de contribuinte, sua obrigagiio decorra de disposigao expressa de lei.”” 7 Desse modo, percebe-se que em hipétese alguma pode 0 Executive, via decreto, imputar aos contribuintes 0 sistema da substiuigdo tibutéria, A obrigagio do cesponsével decorre de lei tem sentido formal, 1, portanto,evidente inconstitucioalidade nas leis estaduais (entre clas fa Lei mineira — Let n. 6,763/75), que, néo institindo a sujeigSo passiva por substiuiglo, delegam 20 Executivo 0 poder de fazé-lo. Nesse sentido, assim decidia 0 Pleno do STE, no jplgamento da liminar da ADIn 1.296-7, relator Min. Celso de Mello “Agio Diteta de Inconstitucionalidade ~ Lei estadual que outorga a0 Poder Executivo a pre rogatve de dispor sobre matéria tibutdria ~ Delegacio legislativa externa ~ Matéria de Dire. to estrto ~ Postulado da separagio dos Poderes ~ Principio da reserva absoluta de Lei em sentido formal ~ Plausbilidade juridica ~ Convenineia da suspensio da eficacia das normas legais impugnadas ~ Medida cautelar defer ~ A esséncia do direltowibutirio vespeitados ‘0s postulados fixados pela prépria Constitugio reside na integral submissio do poder estatal rule of law. {A lei, enquanto manifestagio estatal estritamente ajustada aos postulados subocdinantes do texto consubstanciado na Carta da Repdblica, qualifica-se como decisivo instrumento de ga rantiaconstiucional dos conribuintes conta eventuaisexcessos do Poder Executivo em max ‘dria tibutéria. Consideragdes em torno das dimensbes em que se projeta 0 principio da reser- va consitucional da lei ‘A nova Consttuiglo da Replica revelou-se exteemamente fie! ao postulado da separaeto dos Poderes,disciplinando, mediante regime de direito esti, a possibildade, sempre exoepcional {de 0 Parlamesto proceder i delegagdo legisativa externa em favor do Poder Executivo, ‘A dclegagio legislative extema, nos casos em que se apresente possvel, sé pode sor veiculada mediante resolugdo, que consttui 0 meio formalmente iddneo para consubstancies, em nosso sistema consttucional, 0 ato de outorga parlamentar de fungOes normativas ao Poder Execut- +yo. A resolugdo aio pode ser validamente substtuida, em tema de delegagio lesislativa, por Tei comum, eujo processo de formaglo nao se ajusta & disciplina legal fixada pelo at. 68 da Constituigio. ‘A vortade do legisdor, que substitu abierariamente a lei delegada pela figura ds let ordindria bjetivando, com esse procedimento, transfers ao Poder Executvo o execici de competncia normativa pera, revea-se irila e desvestida de qualquer eficcia jridica no plano consti: ional. O Etecusivo néo pode, fundando-se em mera permissao legislativa constante de bi ‘comu, valerse do regulamento delegado ou autorizado como sucedineo da it delegada para (0 «feito de disciplinay, normativamente, temas suits & reserva constitucional de tei [Nao basta, para que se legitime atividade estatal, que o Poder Paiblico tena promulgado ut ‘ato legislative. Impoe-se, antes de mais nada, que o legislador, abstendo-se de agit ulra vires 110 REVISTADOCAAP. Por iltimo, a Constituigao requer que a lei estabeleca mecanismos expe- ditos, dgeis, prontos e eficazes de ressarcimento do substituto, sob pena de com- prometera validade da substituigao. Essa regra nao € explicita, mas decorréncia ‘de quatro prinefpios constitucionais: o da igualdade de todos perante a lei, o da capacidade contributiva, o da vedagao ao confisco ¢ 0 da designagéo implicita do sujeito passivo do tributo. E sobre os referidos principios constitucionais Geraldo Ataliba ressalt “Se no houver ressarcimento do substituto, pelo substitufdo, de modo gil, eficaz, imediato ¢ expedito, o substituto estaré pagando o tributo cujo destinatério € outrem. Estaré arcando com carga tributéria corres- pondente a uma capacidade econdmica (revelada pelo fato imponivel) gue foi juridicamente imputada a outrem.” Entéo, conclui-se, a substituigao tributéria pode existr, é legal e constitu- cional, desde que se respeitem os quatro requisitos retrolistados, decorra de lei io haja excedido os limites que condicionam, no plano constituciona, 0 exereicio de soa indisponivel prerogativa de fazer instaurar, em carter inaugural, aordem juridico-normativa. Isso significa dizer que 0 legislador nio pode abdicar de sua competéncia institucional para permitr que outros 680s do Esiadas ~ como o Poder Exeeutivo —produzam anorms que, por feito de expressa reserva consitucional, sé pode derivar de fonte parlamentar. © legislador, em conseqiéncia, ndo pode deslocar para a esfera institucional de atuagdo do Poder Enecutivo ~ que constiuiinstinci juridicamente inadequada ~0 exexcicio de poder de repulagao estat incidente sobre determinadas categorias teméticas: a) a outorga de isengéo fiscal; b) a reduc da base de cdlculo tributiis; €) a eoncessao de crédito presumido; ed) a prorrogagio dos prazos de recolhimento dos tributos ~ as quals se acham necessariamente submetidas, em razdo de sua prépria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal. ‘Tradus sitwagio configuradora deiicto constitucional a outorga partamentar ao Poder Execu- tivo de prerrogaiva juridica cuja sedes materiae ~ tendo em vista o sistema constivucional de jpoderes limitados vigente no Brasil ~ 36 pode resid em atos estatas primaros editados pelo Poder Legislativa” (DJU de 10/8095, p. 23.554-555 (Revista Dialética de Direito Tributdrio 1.1, p. 174, out, 1995. 0 grifo no é do original). ut FLAVIADE VASCONCELLOS LANARI (art. 121, 1, CTN) eseja expressa,¢ € porisso que o art. 128 do Cédigo Tributarig Nacional é tao claro em suas disposigdes, inclusive ao exigir a vinculagao do substituto ao fato imponivel. ‘Nao obstante, a Emenda Constitucional n. 3/93 acrescentou ao art. 150) da CF/88 um sétimo pardgrafo, verbis: “§ 7° A lei poderd atribuir a sujeito passivo de obrigagdo tributéria a con digdo de responsdvel pelo pagamento de imposto ou contribuigo, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e prefe- rencial restituigo da quantia paga, caso nao se realize o fato gerador presumido.” Justifica-se tal acréscimo na necessidade de se juridicizar a substituicéo tributéria progressive, “para a frente”, jd mencionada neste trabalho, mas des- conhecida até entio do direito brasileiro, que traballiava sob regime da substi tuigio regressiva, Por fimn, de se registrar que nao se confundem a responsabilidade tributé- riaea substituigao legal tibutéria. Como assinala Berliri, a diferenga fundamental entre o responsavel € 0 substituto esta em que, no primeiro caso, o legislador acrescenta a relagéo jurf- dica tributéria preexistente uma terceira pessoa, que assume, solidaria € subsidiariamente, a responsabilidade pelo pagamento do tributo, enquanto que, na substituigdo, 0 legislador substitui a pessoa do contribuinte originério pela pessoa do substituto, que assume, dessa forma, a posigao de contribuinte.” ‘Se é verdade que o Cédigo tem a substituigao tributéria como espécie de responsabilidade, o que se vé na dicgdo do art. 121 e no fato de o art, 128 estar situado no capitulo da “Responsabilidade Tributéria”, a verdade € que sio figu- ras inconfundiveis, relacionadas & sujei¢do passiva indireta. Poder-se-ia falar, entao, em responsabilidade direta (que seria a hipstese de substituigao tributé- 8 Apud DENARI, Zelmo. Op. cit, p. 204. Registre-se que, no sistema tributtio brasileiro, ‘como jé se viu alhures, a substiuiglo pode se operar de duas mapeiras: com exclusio da responsabilidade do contribuinte ou com manutencio dessa responsabilidade, em cardter supletivo. Isso por forga do comentado dispositive do art. 128, do CTN, 2 REVISTA DOCAAP sia) ¢ responsabilidade indircta (sujeico passiva por transferéncia, que engloba gsmodslidades solidariedade e responsabilidadc), a fim de nfo caracterizar a denominagio do Cédigo de errénea, ‘A responsabilidade propriamente dita, espécie do género responsabilida- ‘de indircta, faz-se presente quando se esta diante de prestagio fiduciria, vale dizer, hd uma relagao juridica de natureza tributéria néio adimplida, e, em razio dessa inadimpléncia, uma outra regra juridica incide, pela qual o responsével Jegaltributdrio torna-se devedor do Estado. Por outro lado, nao obstante 0 Cédigo falar em solidariedade, no art. 134 hipétese é de verdadeira responsabilidade subsididria e de natureza fiduciéria ‘A substituigdo, por sua vez, no tem lugar na inadimpléncia de uma pres- tagdo tributéria anterior, fazendo nascer uma segunda relagao juridica, de natu- tera fiducidria, A substituicdo tributéria pressupée uma tinica e mesma hipote- sede incidéncia servindo 2 estrutura I6gica da tributagio. Ressalte-se entao que corre 0 fato gerador do tributo, e a lei j4 coloca como sujeito passivo débito préprio, portanto, uma pessoa distinta daquela que pratica 0 ato juridico ou fato ‘econdimico. 2 VENDA SOB CLAUSULA FOB ‘A.comprae venda reputa-se mercantil, na conformidade do art. 191 do Cédigo Comercial, quando estio presentes as seguintes condigdes: a) 0 objeto da avenca é um bem mével ou semovente (requisito objetivo); b) pelomenos 0 ‘comprador & comerciante (requisito subjetivo); © ) a compra € feita com 0 intuito de revender ou alugar 0 bern adquirido (requisito finalfstico).” Importa observar que em tema de substituigdo tributiria interessa perquirir tGo-somente a compra ¢ venda bilateralmente mercantil, eis que o instituto diz respeito ao pagamento de tributo relativo a fatos geradores futuros e s6 se pode falarna existéncia de fatos geradores posteriores & operagio que se aplica a subs- tituigio tributdria seo comprador tiver a intengio de revender a mereadoria 9 COELHO, Fabio Uthoa, Manual de direito comercial, p. 408. 113 | | FLAVIADE VASCONCELOS LANAI caracterizago da mora, que, tratando-se de negécio mercantil, néo se caracter za.com o simples inadimplemento (CC, art. 960), dependentemente de interpe lagio judicial (CCom., art. 205); e a0 prazo decadencial para a reclamacdo po vicios, que a legislagio mercantil fixou em dez dias (CCom., art, 211) € acyl, em quinze dias para os bens méveis (CC, art, 178, § 2°) seis meses para og iméveis (CC, art. 178, § 5°, IV), sempre contados da entrega do bem vendido,. Como jd se mencionou acerca da responsabilidad pelo transporte da mer. cadoria transacionada, na compra e venda mercantil a regra atribui ao comprador. as despesas com a tradigéo (CCom., art. 196). Como esta se opera no lugar em {que se encontra o bem vendido, na falta de estipulagio diversa, cabe, em prin: ‘pio, 20 comprador providenciar a sua retirada do estabelecimento comercial do vendedor, contratando os servigos de transporte por sua conta erisco. ’ Essa regra, obviamente, nfo impede que seja acertado, no contrato d compra e venda mercantil, outro critério, pelo qual as despesas com o transpor. te sejam, por exemplo, rateadas ou assumnidas integralmente pelo vendedor. Para uniformizar essa distribuicdo de encargos entre comprador e vende dor, principalmente para o contrato internacional, a International Chamber ¢ Commerce — ICC (Camara de Comercio Internacional), 6rgdo mundialmente reconhecido como encarregado de orientar os negécios internacionais, bem coma dicimir e resolver eventuais conflitos, controvérsias ¢ litfgios, convencionowal- Buns termos padrio, os Incoterms (International Commercial Terms). ‘ (Os Incoterms constituem uma espécie de stimula dos costumes intemacio. nais em matéria de compra e venda. A primeira edigdo dos Incoterms foi publicada em 1936 e encerrava apenas sete termos de comércio, Esses termos 46 passaram por sucessivas revisdes (1953, 1967, 1976 € 1980). Vigora hojes edigdo de 1990, que atualizou as condigdes de venda existentes e encerra 13 termos. 4 ‘A cliusula FOB consta do Grupo F, que retine cldusulas determinando | “contrato de transporte principal nao pago”, isto é, pagivel no destino, Esta (livre ou franco a bordo). Neste tipo, 0 vendedor arca com todas as despesas, como riscos, embalagens, transporte ferrovidrio, rodoviirio ou aéreo, taxas do 14 _ fronteiras do Pafs, no comércio interno brasileiro, portanto. E sendo assirm ut REVISTADOCAAP eas, etc, alé entregar a mercadoria a bordo, no porto de embarque. A tradigao ‘efetuada no navio, correndo as despesas com 0 fete, o seguro € os riscos, a stir da entrega, por conta do comprador. Dai indicar-se junto a expresso top o local em que a mercadoria deve ser entregue: o local de embarque. ~ Osincoterms eespecialmente a cléusula FOB tem sido utilizados nao ape- _pasem comércio internacional, mas também em avengas que ndo ultrapassam as, za ‘das, obviamente que as cléusulas ganham outro matiz, eis que nfo hé de se falar femtransporte maritimo e entrega das mercadorias a bordo de navio. ‘A tradigdio do transporte brasileiro € rodoviério, principalmente em tema demercadorias sujeitas & substituigao tributéria, como cigarros, bebidas ¢ vef- culos automotores. Entao a cldusula FOB, para nés, significa que o vendedor entrega as mercadorias ao transportador designado pelo comprador, quando entio ocorre a ‘radigdo; nesse momento, nfo sendo ele responsével pelo transporte, desliga-se ‘dos destinos da mercadoria e os riscos correm por conta do comprador. E importante observar que a cléusula FOB nao altera a situagao de subs- iuto tributdrio do vendedor, e nem com ela tal se pretends. A cléusula FOB, “eniflo, ndo é contrato entre particulares visando alterar a responsabilidade pelo jpagamento de tributo (art, 123, CTN). 3. ICMS RELATIVO AO TRANSPORTE ‘Como se viu anteriormente, na venda sob cléusula FOB 0 comprador & que se responsabiliza pela contratagao do transporte e, portanto, nenhuma rela- 40 existe entre o vendedor da mercadoria e o transportador. Por outro lado, também como jé se deixou registrado, a instituigao da substituigdo tributiria depende de um vinculo entre substituto ¢ 0 fato gerador da obrigagao tributéria (art. 128, CTN). Tal se justifica a medida que a relago entre substituto e substituido é que vai garantir ao primeiro o ressarcimento pelo pagamento de tributo nascido de fato gerador alheio, de suprema importancia em sistemas tributarios que, como 0 nosso, estéo baseados no principio da ca- pacidade contributiva ¢ vedam 0 confisco. 15 FLAVIADE VASCONCELOS LANARL Nesse sentido, a ligo de Ruy Barbosa Nogueira “Se pensarmos no aspecto econdmico da tributagao, é fécil compreendep. mos a razio ou a necessidade desta vinculagao do contribuinte ou respon. sdvel ao fato econ6mico tributado, ndo sé porquea vantagem ou resulta. do dele decortente € que vai possibilitar 0 pagamento do tributo 20 fisep, ais ainda porque assim a lei atenderé ao prinefpio fundamental de Justi. a Tributéria, segundo o qual se deve atingir a capacidade econdmica da contribuinte ~ capacidade contributiva”."” Dessa forma, afigura-se ofensivo ao art. 128, do Cédigo Tributario Nacio. nal, que, note-se, € dispositive de lei complementar, disposig&o de lei que vendedor em substituto tributdrio do ICMS sobre transporte nas operagGes sob clusula FOB. F que nessa hipstese o vendedor no possui qualquer vinculagag. com 0 fato gerador da obrigagZo tributéria; é terceiro estranho ao servigo de transporte de mercadorias, nao possuindo qualquer relagao econémica para com. 0 transporte/transportador, pois no contratou o servigo, nao esta pagando por ele eno assume os riscos do transporte. Com a simples entrega das mercadorias 10 transportador, indicado pelo comprador, se desvincula totalmente do destino delas. Nessa hipétese, tendo antes 0 comprador contratado 0 transporte, € a0) mesmo tempo remetente € destinatério das mercadorias transportadas, configurando um novo fato gerador de tributo, Por oportuno, veja-se o posicionamento do Tribunal de Impostos e Taxas- de Sdo Paulo (Processo DRT n. 2-3711/90, rel. Juiz José Augusto Sundfeld. ‘Silva, j, em 2/9/92, a.u):"" “Solidariedade ~ Acusago de falta de recolhimento de ICMS atribuida ao tomador de servigos de transporte intermunicipal — Clausula FOB =~ ‘Auséncia de vinculago ao fato gerador da respectiva obrigagio ~Recur: | so provido para julgar insubsistente 0 AIIM — Decisio unfinime.” 10 Extraido da Agio Anulatéeia do Debito Fiscal n, 024971091343 proposta em face do Estado de Minas Gerais, MW. Boletim TIT de 17/893, p.8. 116 REVISTADOCAAP. Destaque-se a seguinte passagem do voto do Relator: “O art. 59, I, do Decreto n. 30.042/89, que alterou o Decreto n. 29.859/89, que é indicado pela fiscalizagio estadual, diz que: “Art, 59, Na prestagio de servigos de transportes de carga, iniciadas no territério paulista, realizada por transportador auténomo, qualquer que seja seu domicilio, ou por empresa transportadora estabelecida fora do territério paulista e nao inscrita no cadastro do Estado, fica atribuida a responsabilidade pelo pagamento do imposto (Lei n. 6.734, art. 8°, X1,€ Convénio 50/89, eliusula primeira): 1- : i eee TI Remetente da carga, quando contribuinte do imposto neste Estado, na hipotese de 0 tomador de servigo nfo ser Esta norma, porém, nfo pode aleangar aqueles contribuintes que realiza- ram a operagao mercantil sob o regime de cléusula FOB. Nesse sentido no se pode ver relacao direta e pessoal do contribuinte com 0 fato gera- dor da prestagdo de servigos de transporte. A empresa basta a por a ‘mercadoria & disposigao do adquirente, ficando ao comprador a obriga- do pelo frete e seguro, necessérios para a sua retirada. Em caso de operagao de venda e compra, realizada sob o sistema FOB, € Claro que nao hi relacao da recorrente que a vincule ao fato gerador da presta- do de servigos de transporte no municipal que € 0 fulero da questio. Por outro lado, o art. 124 do Cédigo Tributrio Nacional diz.que a solida- riedade esté vinculada a previsao da lei, enquanto que 0 art, 128 do mesmo, Cédigo, acrescenta que a atribuicdo desta responsabilidade pode ser atribui- da a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigagao. Ausentes estes requisitos, nas operagdes de que se cuida nestes autos, tenho que a exigéncia fiscal improcede.” No mesmo sentido a jurisprudéncia da 3* Camara do Tribunal de Impos- 0s ¢ Taxas de Santo André (Proceso DRT n. 12-707/93): 17 FLAVIA DE VASCONCELLOSLANARI do art. 128 do do Codigo Tributario Nacional, por nao estar o vended, emtal hip6tese, vinculado ao fato gerador da respectiva obrigagio,” 4 CIRCULACAO INTERESTADUAL DE MERCADORIAS E ICMS PAGO _ ‘A MENOR — RESPONSABILIDADE PELA INFRACAO_ A questiio a ser debatida diz respeito & responsabilidad pelo pagamento de ICMS a menor em operagées tributadas pelo regime da substituicdo tributatia, ‘Num caso concreto, ter-se-ia uma nota fiscal emitida em razdo de compry e venda mercantil, indicando o destino das mercadorias Estado da federagag com regime privilegiado (aliquota reduzida) ou mesmo qualquer outro Estado da federagao (as alfquotas interestaduais sfo, em regra, inferiores &s aliquota internas ~ CF/88 art. 155, § 2°, VI), sendo que, em verdade, essas mercadoriag foram enviadas, respectivamente, para Estado da federagao nao beneficiério de regime privilegiado ou, no segundo caso, para o mesmo Estado da federagi Note-se que em ambos os casos 0 destino real das mercadorias implicaria um ICMS maior do que o efetivamente pago. j A conduta, em si, amolda-se ao tipo do art. 2°, I, da Lei n, 8.137/90, verbis: “Agt. 2° Constitui crime da mesma natureza: 1 fazer declaragao falsa ou omitir declaracao sobre rendas, bens ou fa- tos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, dé pagamento de tributo; Pena —detengao de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, € multa.”” Conforme o art. 137, I, do Cédigo Tributério Nacional, a responsabilida- de pela infragio, na espécie, é pessoal. O dolo espectfico do agente é elementat a definigiio da infragiio: querer com sua conduta reduzir tributo, o fazendo pot meio de fraude, 3 iB REVISTADOCAAP ‘Como justificar a responsabilidade administrativa, pela sna conduta, sob a 6tica objetiva (art. 136, CTN)? O fato € o mesmo: ~ eqnprogar fraude como intuito de reduzir tributo, declarar falsamente (ato ma- - jicinso), apresentando documentos idéneos, destino diverso daquele a que as jnescadorias sao enviadas, com o fim de reduzir tributo.”” Para essa conduta hé uma sangao penal outra administrativa, a sabe:r _ getengdo de seis meses a dois anos, ¢ multa (sango penal), ¢ pagamento da dife- renga com corregao monetéria mais multa de revalidasao (sangéio administrativa). ‘Como entio a multa fiscal pode recair em terceiro, o substituto tributério, se ele nfo provocou a infragio? ‘A substituigao tributéria, em primeiro lugar, nao se presta isso e tampouco ‘comporta a soluclo, Veja-se, « propésito, o que se falou acerca do impacto finan- ceiro do tributo: o substituto tributirio paga tributo de alguém,calculado segundo acapacidade tributaria do substituido, e deve ser expeditamente ressarcido. O ressarcimento pronto e eficaz afigura-se como uma das barreiras jntranspontveis & responsabilizagto do substituto tributério quanto a infragao administrativa. Nao havendo como exercer a retengio ou o reembolso, pois a operagao é pretérita, o negécio juridico € perfeito e acabado, a exigéncia— tribu- 0, correo monetiria e multa ~ afigura-se confiscat6ria. “Se nao houver ressarcimento do substituto, pelo substitufdo, de modo gil, eficaz, imediato e expedito, o substituto estara pagando o tributo cujo destinatério é outrem. Estaré arcando com carga tributaria corres pondente a uma capacidade econdmica (revelada pelo fato imponivel) ‘que foi juridicamente imputada a outrem”."* 12 “An. 136 Salvo disposigao de lei em contévio, a responsabilidade por infragdes da lepislagio Leibutiria independe da intengao do agente ou do responsivel e da efetividade, atureza € textensio dos efeitos do ato”. Registe-se que ndo se compreende a responsabilidade do dispo- sitivo do art. 136 como abjetiva, como se veri tratando-se de etapa de argumentag. 13. Notese que se diversa a circunstincia da apresentaglo de documentos idGneos, 0 entendi meno se esvaziaria. A partir do momento em que @ hipdtese é de coniuio,o substtuto tribu- tirio pode ser responsabilizado & vista dos mesmos dispositives legas: ants, 136 € 137. 14 ATALIBA, Geraldo ¢ BARRETO, Aires F. Op. cit. . 7. 119 FLAVIADE VASCONCELOS LANARI Por outro lado, o dispositive do art. 136 do Cédigo Tributario Nacion no socorre aos que entendem que a responsabilidade por infracfo, na espéqj do substituto: “Salvo disposigao de lei em contrério, a responsabilidade pg infrages da legislacdo tributaria independe da intengio do agente ou do resp sével e da efetividade, natureza e extensdo dos efeitos do ato.” ( artigo retrocolacionado nao alberga a responsabilidade objetiva, co écomumente propagado. Impée-se que seja interpretado em harmonia com disposto no art. 112, II, do mesmo diploma legal, verbis: % “Art. 112. A lei tributéria que define infragdes, ou Ihe comina penalida. 20DF, Rel. Juiz Vicente Leal. 3° Turma. Decisio 10/12/90)!" Por fim, hd que se mencionar ainda, como pedra decal @ responsabilizagio destino final das mercadorias, o principio da seguranga juridica. ‘A seguranga € proclamada, em nossa Carta Constitucional, tanto no pre-_ Ambulo como no caput do art. 5°, Essa observacao € relevante & medida que as constitucionalistas brasileiros (Celso Ribeiro Bastos, Pinto Ferreira e Manoel Gongalves Ferreira Filho, dentre outros), diversamente da tendéncia doutrind ria francesa, asseveram em unissono que os dizeres do preambulo da Constitui-

Você também pode gostar