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Revista Critica de Ciéneias Socials Nad Dezembro 1995 IMMANUEL WALLERSTEIN State University of New York Binghantom Mudang¢a Social? «A mudanga é eterna. Nada muda, nunca»* Propde-se um modelo para a andlise io sistemas hotereod egpoothoos 2 amir co conceito Ge mudlanca social jlustrando as quesiées em presenca através do uma analise do moderna sistema-mundo. Quando um sistema historico se oncontra na sua faso do genese ou de axtingad (Sando que 2 Bxiingdo € sempre a génese de um ou de vanos outios sisiemas), podemos designé-la por mudanca social sem- rico antes existente seja substituida por uma catogoria do cictoma hicts rico diferente. Mas 4 ndo se tataré de mudanca social se a substituicao comida for pelo mesmo tipo de Sis- tema historico. Neste preciso momen- to atravossamos um proceso idén- fico de transformacao sisiémica no mademo sistema-mundo, e nao sabe~ ‘mos ainda se isso ira implicar uma mudanga social fundamenial ou nao. pre que a categoria do sistema histo- NCLU/ no meu titulo as frases de abertura de The Modern World System: «A mudanga é eterna, Nada muda, nunca» (Wallerstein, 1990). Trata-se de um tema que me parece cen- tral ao esforgo intelectual que modernamente empreende- mos. Que a mudanga 6 eterna, eis a crenga basica que define o mundo modero Que nada muda, nunca, @ 0 lamento recorrente de todos quantos se acham desengana- dos do chamado progresso dos tempos modemos. Mas trata- se também de um tema recorrente do universalizante ethos cientifico. Em qualquer dos casos, ambas as afirmagées pre- tendem ser asserges sobre a realidade empirica. E muitas vezes — se nao a maior parte das vezes — resulta ébvio que tanto uma como outra mais nao fazem do que reflectir prefe- réncias normativas. As provas empiricas disponiveis séo muito incompletas e, em ultima analise, nada convincentes. Antes de mais, 0 tipo * Conteréncia proferida na Sessao Solene de Abertura do Ml Congreso Portugués de Sociotogia, realizado em Lisboa em Fevereiro de 1996 e dedi- cado a0 tema «Pralicas e Processos da Mudanca Social». Immanuel Wallerstein de prova que é possivel avangar e as conclusées que dela se podem retirar parecem depender dos periodos temporais tomados em consideragao. Tomar periodos de tempo curtos pode, de alguma maneira, constituir a melhor forma de captar a verdadeira extenso da mudanga social quando ela 6 acen- tuada. Quem € que nao acha que em 1996 o mundo esta diferente daquilo que era em 1966? E mais diferente ainda do que era em 1936, ja para nao dizer em 1906? Basta olhar para Portugal — para o seu sistema politico, as suas activida- des econémicas, as suas normas culturais. E, no entanto, 6 ébvio que, em muitos aspectos, Portugal mudou muito pouco. As suas especificidades culturais ainda sao reconheciveis. As suas hierarquias sociais apresentam apenas diferengas muito marginais. As suas aliangas geopoliticas continuam a espe- Ihar as mesmas preocupagdes estratégicas fundamentais de sempre. E assinalavel 0 modo como a sua posigao relativa nas redes economicas mundiais se manteve constante no século XX. E é dbvio que os portugueses ainda falam portu- gués — 0 que nao é pouco importante. Em que ficamos, entao? A mudang¢a é¢ eterna. Ou ent&o, nada muda, nunca. Mas tomemos um periodo de tempo mais longo — diga- mos de 500 anos, que é a duragdo do modemo sistema- -mundo. De certo modo, as mudangas afiguram-se-nos ainda mais flagrantes. Neste periodo, assistimos & emergéncia de um sistema capitalista @ escala mundial e, paralelamente a ele, a mudangas tecnolégicas verdadeiramente extraordina- tias. Actualmente os avides cruzam os ares em todas as direcgdes enquanto muitos de nds, sentados em nossas casas, podemos contactar no mesmo instante, através da Internet, com pessoas situadas do outro lado do planeta & descatreyat nus nossus compuladores us mais variadus textos e graficos. Em Janeiro de 1996 os astronomos anun- ciaram ser capazes de «ver» muito para além do que antes era possivel, a ponto de a sua estimativa do tamanho do uni- verso ter quintuplicado. Hoje fala-se na possibilidade de exis- tirem milhares de milhdes de galaxias, cada uma delas com milhares de milhdes de estrelas, a uma distancia em anos- -luz que para mim 6 de todo inimaginavel. Ao mesmo tempo, esses astrénomos acabam de descobrir em torno de duas dessas estrelas planetas semelhantes 4 Terra. Trata-se dos primeiros planetas do género a ser descobertos, ¢ que esses mesmos astrénomos afirmam possuirem condigées clima- ticas capazes de sustentar estruturas biolégicas complexas, ‘ou seja, a possibilidade de vida. Quantos mais iremos des- cobrir a curto prazo? Ha quinhentos anos achou-se notavel 0 feito de Bartolomeu Dias ao chegar & India pelo oceano Indico, mas nem mesmo ele alguma vez sonhou com as pos- sibilidades mirabolantes que agora se nos deparam, Ao mesmo tempo, porém, ouvimos de muitos lados, e inclusiva- mente da boca de muitos cientistas sociais, que chegamos ao fim da modernidade, que o mundo moderno se encontra numa ctise terminal e que dentro em breve nos poderemes vir a achar num mundo que mais se assemelhara ao século XIV do que ao século XX. Os mais pessimistas de entre nés prevéem a possibilidade de a infra-estrutura da economia- -mundo, em que investimos cinco séculos de trabalho e de capital, vir a conhecer o meamo destino que tivoram os aquo dutos romanos. Mas alarguemos agora mais ainda os nossos horizontes, até um periodo de cerca de 10.000 anos. Recuamos, assim, a um momento na historia em que nem Portugal, nem qual- quer outra entidade politico-cultural contemporanea existia ainda, a um momento no tempo situado quase para la da nossa capacidade de reconstrucao histérica, a um momento no tempo em que a agricultura nao constituia ainda uma acti- vidade humana significativa. Ha aqueles que, olhando para os miltiplos bandos de cagadores e colectores que entao proliteravam, os véem como estruturas em que, comparativa- mente com o que sucede actualmente, os seres humanos tra- balhavam muito menos horas por dia @ por ano para assegu- rar a subsisténcia, as relagdes sociais eram infinitamente mais igualitarias, e 0 ambiente em que funcionavam era muito menos poluido e menos perigoso. Para alguns analis- tas, 0 chamado progresso dos ultimos 10.000 anos pode, antes, dizer-se que constituiu uma longa regressao. E para alguns, ainda, existe a expectativa e mesmo a esperanca de que esse longo ciclo esteja perto do seu termo e que possa- mos regressar as condigées «mais saudaveis» de outrora. Como ajuizar estas perspectivas tao contrastantes? E como lidar com as questées aqui em causa, tanto do ponto de vista cientifico como do ponto de vista filosdfico? Essa parece-me ser a questdo-chave com que hoje em dia se defrontam nao s6 os cientistas sociais em geral, como tam- bém todos os responsdveis pela transmissao ¢ criagdo de conhecimento. Nao é esta uma questo, no entanto, que um Unico estudo empirico consiga resolver, por mais ambicioso que seja. Nao obstante, podemos dizer que é muito dificil for- mular de maneira inteligente estudos empiricos sobre qual- Mudanga Social? Immanuel Wallerstein quer questao concreta, sem que antes tenhamos criado para nés préprios a base sdlida de um quadro intelectual que nos permita situar as nossas anélises de uma forma inteligente nesse quadro mais amplo. HA muito tempo, ou seja, desde ha ja dois séoulos, que vimos recusando fazé-lo, com 0 argu- mento de que esse quadro mais amplo constituiria uma arma- dilha da

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