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PARTE I Historia e lingiiistica P. DIAGNE Aada koy demnga woni (julfulde) Lammii ay dekkal demb (wolof) Ea fala que dé forma ao passado. O negro africano estabelece uma ligacdo entre histéria e lingua. Essa visio é comum ao bantu, ao ioruba e ao mandinga. Mas nao é af que reside a originalidade. Na verdade, 0 arabe ou o grego anteriores a Tucidides concor- darao em afirmar, com os Fulbe, que “a narrativa 6 0 lugar onde se encontra © passado”: Hanki koy daarol awratee. O que favorece a ligacio entre histéria e linguagem na tradi¢io dos povos da Africa negra é a concepgiio que esta em geral conservou dos dois fendmenos. Tal concepeao identifica, espontancamente, pensamento e lingua- gem e encara a hist6ria ndo como uma ciéncia, mas como um saber, uma arte de viver. A histéria visa ao conhecimento do passado. A lingiiistica é a ciéncia da linguagem e da fala. A narrativa e a obra hist6rica sio conteidos e formas de pensamento. A lingua é, em si mesma, o lugar desse pensamento, o seu suporte. Evidentemente, a lingiiistica ¢ a histéria tem cada uma o seu dominio, seu objeto préprio e seus métodos. Nao obstante, as duas ciéncias intera- gem, pelo menos em dois aspectos. Primeiramente, a lingua como sistema instrumento de comunicagéo é um fendémeno histérico. Ela tem a sua propria historia. Em segundo lugar, como alicerce do pensamento e, portanto, do passado e do conhecimento deste, ela é o lugar. e a fonte privilegiada do documento histérico. Assim, a lingiiistica, entendida aqui em seu sentido mais amplo, abrange um campo de pesquisa que fornece a historia pelo menos dois tipos de dados: por um lado, uma informacao propriamente lingiifstica; por_ outro, um documento que se poderia chamar supralingiifstico. Gragas aos fatos de pensamento, aos elementos conceptuais utilizados numa lingua € aos textos orais e escritos, ela permite que se leia a histéria dos homens e de suas civilizacdes. Estando a problematica assim definida, fica mais facil perceber a drea comum ao historiador e ao lingilista que trabalham com a Africa. 248 Metodologia e pré- istoria da Africa Ciéncias lingiiisticas e historia Todas as ciéncias que tém por objeto a lingua e o pensamento podem contri- buir para a pesquisa histérica. Algumas, porém, apresentam uma conexao mais direta com a histéria. Essa é uma tradicgéo muito bem estabelecida, embora possa ser contestada a luz de uma reflexio mais profunda. Assim, é comum dizer que 0 estudo do parentesco das linguas situa-se no ponto de encontro entre a lingiifstica e a hist6ria, mais do que na anélise da evolugao do material fornecido pelos textos escritos ou orais e pelos voca- bulos de um idioma. Mas os dois tipos de pesquisa se referem a fatos de lingua ou pensamento e, portanto, de histéria. A esse respeito, a historiografia européia sugeriu uma separacao entre ciéncia historica propriamente dita ¢ hist6ria literdria ou histéria das idéias. Mas essa distingdo s6 se justifica em determinados contextos. Os Bakongo de civilizagao bantu, os Ibo de Benin ou os Susu de cultura sudanesa deixaram poucos textos (ou mesmo nenhum) que correspondem as normas de uma ciéncia histérica moderna. Em contrapartida, produziram, como fonte de informagao, uma abundante literatura oral com géneros dis- tintos de modo relativamente nitido e obras que hoje serfamos tentados a classificar como contos, novelas, narrativas, crénicas de epopéias histéricas, lendas, mitos, obras filosdficas ou cosmogénicas, reflexdes técnicas, religiosas ou sagradas. Nelas se mesclam o verdadeiramente vivido e a ficgao, 0 evento que pode ser datado € o mito puramente imagindrio. A teconstrucio da histéria dos Bakongo, dos Ibo ou dos Susu passa pela andlise critica dessas literaturas e tradicdes orais. Também nado pode negligenciar a andlise dos seus discursos, técnicas e conhecimentos, a deci fracéo das linguagens, dos conceitos ¢ do vocabuldrio que tais grupos utili- zaram e que continuam a revelar a histéria de cada um deles. As ciéncias e os métodos aos quais nos referimos aqui, como suscetfveis de esclarecerem o historiador da Africa, nado esgotam a lista. Talvez isso nao seja um mal, do ponto de vista da clareza. Fixando limites razoaveis para suas pesquisas, 0 especialista em linguagem poder4 aprofundar melhor deter- minados setores. Assim, tendo em vista a dimensio lingilistica de suas inves- tigagGes, deixa a outros pesquisadores, historiadores das idéias, especialistas em ciéncias, economia ou literatura o cuidado desses setores. Ciéncia classificatéria e a histéria dos povos africanos Classificar as linguas j4 é revelar o parentesco e a histéria dos povos que as falam. Podem-se distinguir diversos tipos de classificaga Classificacao genética Fstabelece 0 parentesco e os vinculos de filiagao no interior de uma familia lingiiistica, Em conseqiiéncia, ajuda a restabelecer, ao menos em parte, a uni- dade hist6rica de povos e culturas que utilizam linguas da mesma origem. Historia ¢ lingitistica 249 Classificacao tipolégica Reagrupa as linguas que apresentam semelhangas ou afinidades evidentes em suas estruturas € sistemas. Linguas de origem idéntica ou totalmente diferente podem utilizar os mesmos modos de formacdo lexical, nominal, verbal ou pronominal, ainda que sejam muito distantes umas das outras do ponto de vista genético, hist6- ico ou geogrdfico. A tendéncia a utilizar a mesma forma nominal e verbal é encontrada tanto em wolof como em inglés: liggeey, trabalhar; liggeey bi, 0 trabalho to work, trabalhar; the work, o trabalho No entanto, apesar dessa semelhanca tipoldgica, os dois idiomas estao ge- nética ¢ geograficamente muito afastados um do outro. Pode acontecer, por outro lado, de as linguas pertencerem a mesma familia e serem de tipos diferen- tes. Seu parentesco é estabelecido a partir de um vocabuldério comum convin- cente, mesmo que tenham evolufdo em bases estruturais divergentes. As vezes, devido ao empréstimo e ao abandono de vocabulério, a diferenga pode aparecer mesmo no plano do léxico. As classificagées elaboradas para as linguas afri- canas nao -agrupam, por exemplo, certos elementos das familias chadica senegalés-guineense. Contudo, a consideragao dos sistemas fonoldgicos, da morfologia e da estrutura sintatica impde o reagrupamento tipolégico de pelo menos a maior parte dessas linguas. Classificacgao geografica Reflete sobretudo uma tendéncia instintiva para comparar e reagrupar linguas que coexistem numa drea. Quase sempre é resultado de informagao insu- ficiente. As classificacdes propostas para a Africa sio muito freqiientemente geo- gréficas em setores essenciais. Por esse motivo, elas deixam de lado alguns fenémenos como a migracao ¢ a imbricagéo dos povos. Koelle, M. Delafosse, D. Westermann e J. Greenberg fazem referéncia principalmente a denomina- des © agrupamentos topolégicos € geograficos. Eles estabelecem categorias tais como “oeste-atldntico”, “nfger-congo”, “senegalés-guineense”, “nigero- chadico”, ete. Uma classificagdo rigorosa das linguas africanas requer procedimentos que demonstrem que as formas, o yocabuldrio e as estruturas lingilisticas Propostas como elementos de comparagéo sao nao apenas representativos, mas fazem parte do patrim6nio original das linguas comparadas. A seme- Ihanga nao deve ser, portanto, resultado de empréstimos ou de contatos anti. gos ou recentes. Sabemos que, por motivos histéricos, o drabe e as linguas semitas, como também o francés, o portugués, o africdner e o inglés depositaram, por varios séculos e mesmo alguns milénios, uma quantidade considerdvel de vocabu- lério em muitas Ifnguas africanas. Algumas variantes do kiswahili, que é uma lingua bantu, contém mais de 60% de empréstimos lexicais do drabe. Dai a 250 Metodologia e pré-histéria da Africa concluir — por paixdo religiosa ou falta de precaucio cientifica — que o Kiswahili pertence ao grupo semito-drabe, hd apenas um passo. Algumas ve- zes, chegou-se realmente a essa conclusdo. Com o tempo, as formas originalmente comuns a mais de uma lingua podem ter sofrido transformagdes de ordem fonética, morfolégica ou estru- tural. Essa evolugao, que obedece a certas leis, € um fenémeno conhecido e analisdvel. O significado dessas formas, 0 significado das palavras que fazem parte do vocabulario a ser comparado, pode ter variado dentro dos limites de um campo semantico passivel de ser mais ou menos apreendido. Em sua forma moderna, por exemplo, 0 wolof mostra um emudecimento da vogal final depois de uma consoante dupla: Bopp ou fatt em vez de Boppa ou fatta, como ainda dizem os gambianos e os Lebu. A forma neds do egfpcio antigo transformou-se em neddo em fulfulde moderno e nit. em wolof. O bantu diz mutumuntu; 0 haussa, mutu; 0 mandinga, mixi ou moxo; o fon, gbeto; 0 mina, agbeto, etc. A palavra egipcia kemit j4 significou “queimado” ou “preto”. Hoje significa cinzas, queimaduras, etc. A reconstrucao de uma lingua A reconstrucao histérica de uma lingua Como técnica de redescoberta do vocabulario e do patriménio estrutural co- mum, a reconstrugao histérica de uma lingua leva em conta as mudangas descritas acima. Como procedimento, permite retracar a historia de uma lingua ou de uma familia lingiifstica, ajudando a estabelecer a protolinguagem origi- nal e a datar os periodos de separacéo dos diversos ramos. Nesse sentido, a reconstrugdo constitui uma ajuda valiosa para a ciéncia classificatéria pro- priamente dita. Varios critérios e técnicas sao utilizados para reconstruir uma lingua e reinventar seus dados originais, A correspondéncia de sons desempenha papel primordial na reconstrugao de uma protolinguagem ou no estabelecimento de um parentesco. Quando se diz, por exemplo, que o p se torna f numa variante € que noutra o u se transforma em 9, é possivel, fazendo Fa = Pa, Lu = Lo, reconstruir 0 sistema fonético e as formas originais. Reconstrucao fonologica Esta técnica é uma etapa para a reconstrugao do repertério léxico ¢ do voca- bulario original. Os fonemas nao sao os unicos elementos a mudar: a morfo- logia © as estruturas também evoluem. A fungéo sujeito em latim é marcada por um fonema chamado nominativo; nas linguas de origem latina ou de influéncia latina, essa fungdo é determinada principalmente pela sintaxe de posicao: Homo vidit = vidit homo = o homem viu. No estabelecimento das protolinguas (protobantu, protochddico, etc.), sempre se faz referéncia ao vocabuldrio, ao repertério lexical comum. Podem-se assim estabelecer “porcentagens” de palavras comuns, elaborando quadros de Historia ¢ lingiiistica 251 “contagem lexical” ou lexical count.’A classificagao de J. H. Greenberg ! recorre freqiientemente a essa técnica. Em seu trabalho sobre 0 grupo oeste-atlantico, D. Sapir também a utiliza*. Ele indica que o seereer ¢ o pulaar, colocados no mesmo grupo, tem 37% de palavras em comum; o baga koba e © temne, 79%; 0 temne e o seereer, apenas 5%; 0 basari e o safeen, também 5%. Esses idiomas s4o todos agrupados na mesma famflia, mas 0 vocabulario comum (que pode ser abundantemente emprestado) nao é suficiente para negar ou afirmar uma relacdo histérica. Tem-se recorrido também @ simila- ridade de “tracos tipoldgicos” ou a identidade de estrutura (comparagao dos Sistemas pronominal, verbal ou nominal, etc.). O componente tipolégico, associado aos dados fornecidos pela anilise lexical ¢ fonolégica, possibilita atingir resultados que se tornam tanto mais comprobatérios quanto forem consideradas a histéria e as influéncias. A re- construcao também visa a datar a época em que essa heranca comum foi dividida no interior de uma protolingua e depois empregada por linguas aparentadas © que estavam diferenciando-se progressivamente. Além disso, preocupa-se em identificar a natureza da lingua primitiva que deu origem aos varios falares que podem ser ligados a uma mesma protolingua. Reconstrucao e datacao Permitem determinar a idade dos materiais léxicos € estruturais coligidos du- rante o estudo das linguas, com o objetivo de, por comparagao, precisar com maior ou menor certeza o nivel em que se situa 0 parentesco lingiiistico. Portanto, essas técnicas oferecem pontos de referéncia precisos a historia da separacdo dos povos que pertenciam ao mesmo universo cultural ¢ lingiiistico. Ao mesmo tempo, iluminam de forma abrangente a histéria das etnias e das civilizagdes multinacionais e multiétnicas. No contexto de uma pesquisa sobre uma época recente €.a propésito de Iinguas escritas, 0 esforgo é relativamente menor. Em contrapartida, a rari- dade dos documentos posteriores ao TV milénio antes da Era Crista geral- mente dificulta a tarefa. Nesse caso, entretanto, trata-se de elucidar a historia de periodos decisivos de mutacio lingiifstica. Os processos de mudanga do vocabuldrio ou das estruturas examinados com esse propdsito sao, como vere- mos mais tarde, muito lentos e diffceis de determinar. Para atenuar essa escassez de informacao, é necessdrio recorrer a técnicas mais ou menos eficientes. A glotocronologia Essa técnica, que foi aplicada na Africa, é uma das mais recentes no campo dos estudos lingiiisticos. Seu principio basico ¢ a datagao da evolucao lexical de uma lingua, tomando como referéncia o ritmo das mudancas no yocabu- ldtio: vocabulario cultural (conceitos filosoficos, técnicos, etc.) e vocabulario basico (nomes das partes do corpo humano, numeros de um a cinco, vocé- 1 GREENBERG, J. H., 1963 2Sapm, D., 1973. 252 Metodologia ¢ pré-histéria da Africu bulos que designam os fenémenos naturais, etc.). A glotocronologia visa, portanto, a dar informagées sobre a idade, as etapas e o estado de evolugio dos termos e das formas do léxico. A evolugaéo do vocabuldrio fundamental ou basico é relativamente lenta nas sociedades antigas, pelo menos quando nao ha mudangas siibitas causadas por acontecimentos decisivos. Particular- mente na Africa negra, gracas aos trabalhos de Delafosse, foi possivel formar uma idéia desse ritmo de cvolucao, através do levantamento de palavras regis- tradas por escrito desde o século XI. O trabalho de Delafosse trata do voca- buldrio das linguas sudanesas, recolhido nos textos arabes. Esses termos nao sofreram quase nenhuma mudanga depois de um milénio de historia, Mas os defensores do método vao ainda mais longe: a evolucdo do vocabulario basico ndo sé seria lenta, mas também constante em todas as linguas. Tal é a opiniao de E. Swadesh, que tentou aplicar essa teoria a linguas africanas. Em alguns casos precisos, os testes efetuados parecem ser comprobatorios. A glotocronologia postula um ritmo de transformagao dos elementos do vocabulario basico, que pode ser medido em porcentagem. A taxa de retengio do vocabulario estaria entre 81 + 2 e 85 + 0,4% por um periodo de 1000 anos. Baseando-se nisso, a glotocronologia chegou a algumas conclusdes, reu- nidas na célebre férmula: loge 1,4 logr onde ft representa a duracio, c a porcentagem de termos comuns 4s linguas comparadas e r a taxa de retencio. Diante dos resultados obtidos, pode-se considerar a glotocronologia como uma medida temporal valida, uma espécie de relégio histérico? As descobertas ficam aquém das expectativas por uma raz4o simples: num contexto de im- bricagao lingilistica e de interferéncia de léxicos cuja extensdo é mal conhe- cida e sem documentos precisos, escritos ou nao, nao é facil, no estado atual das pesquisas, seriar os dados e distinguir, por exemplo, entre mudancas nor- mais e mudangas causadas por empréstimo, mesmo no léxico basico. No entanto, uma ciéncia classificatéria que empregasse todas essas téc- nicas forneceria a chave da relagao étnica e lingiifstica. Classificagées lingiisticas e parentescos etnoculturais Apesar de alguns trabalhos notaveis, 0 problema do parentesco lingiifs- tico e étnico esta longe de ser resolvido na Africa. Em muitas reas, a intuigdo de que existe essa relago ainda sobrepuja a prova estabelecida cientificamente. A idéia ¢ a nogdo de uma comunidade bantu reunindo a grande maioria dos povos da Africa central ¢ meridional nasceram no século XIX com os trabalhos de W. Bleek. Numa obra célebre publicada em 1862, ele estabeleceu © parentesco das Iinguas e das variantes dialetais faladas numa 4rea muito vasta, habitada por numerosos grupos étnicos, usando falares com maior ou me- nor grau de intercompreensdo. Evidentemente, 0 parentesco de lingua e de cultura é muito mais perceptfvel a primeira vista para as etnias que vivem lado a lado. E 0 que ocorre com os Bantu. Historia © lingiiistica 253 Em alguns casos, a distancia no espago ¢ no tempo cria problemas. Os Fulbe sio um bom exemplo. Da bacia do Senegal a bacia do Nilo, eles cons- tituem comunidades freqiientemente isoladas, em meio a 4reas habitadas por etnias As vezes muito diferentes. Os Duala do Camarées falam uma lingua bantu; na pratica, o duala pode ser considerado uma variante desse grupo, da mesma natureza que o lingala, tal como os falares de Mbandaka ou Kinshasa, apesar da distancia e do isolamento relativo que existem entre os Duala e as comunidades que falam estes dois tiltimos idiomas. O egipcio faradnico, que era falado hd 5 000 anos atrds, apresenta seme- Ihangas espantosas com 0 haussa, 0 wolof ou o songhai. * Ocorrem ainda fendmenos de imbricagao. Grandes linguas de unificagao continuam, por motivos diversos (polfticos, econémicos, culturais, etc.), a servir de suporte a integragéo de ctnias diferentes. Elas apagam, por meio da pressio social e do peso histérico, os falares e as culturas, dos quais restam freqiientemente apenas alguns. vestigios. O lingala, 0 haussa, o kiswahili, 0 ioruba, 0 twi, o ibo, o bambarajula, 0 fulfulde, o drabe ou o wolof sao falados por milhOes, talvez até por dezenas de milhGes de pessoas de origens diferentes. Como veiculos de comunicacao, ultrapassaram largamente seu contexto étnico e¢ geografico original, para se tornarem linguas de civilizagéo comuns a povos inicialmente muito diferentes. Os Peul e os Seereer constituem, no Senegal, a imensa maioria dos falantes de wolof. O wolof era originariamente a lingua de uma etnia lebu, cujos tragos foram encontrados na fronteira entre o Senegal ¢ a Mauritania. Hoje em dia, os Lebu constituem apenas uma pequena minoria, confinada na pe- ninsula do Cabo Verde. No entanto, com a urbanizagao do Senegal, a cultura ea lingua wolof esto fazendo muitas Ifnguas e dialetos desaparecerem sob nossos olhos: 0 seereer, o lebu, o fulfulde, o diula, o noon, etc. Esses idiomas, porém, pertencentes a povos diversos, desempenharam hé apenas alguns sé- culos importante papel na histéria da regiao. Esta evolucao é geral. O kiswahili, falado por dezenas de milhdes de pessoas de fala bantu, nasceu de uma variante zanzibarita usada inicialmente em algumas aldeias. Expandiu-se depois com muita facilidade por uma drea lingiiistica bantu relativamente homogénea, para constituir hoje, juntamente com o lingala, o principal vefculo de comunicagéo na Africa central e meri- dional. Cingiienta ou sessenta milhGes de pessoas falam uma dessas duas linguas, ou uma variante proxima, nos seguintes pases: Zaire, Republica Popular do Congo, Republica Centro-Africana, Uganda, TanzAnia, Quénia, Zambia, Malavi, Africa do Sul, Sudio e Etidpia. O pensamento africano tradicional tem-se mostrado com freqiléncia bas- tante consciente, nao sé dessa imbricagéo, mas também do papel explicativo que o fenémeno lingiiistico pode representar na elucidacdo da historia. Nas tradi¢des africanas, ha numerosas anedotas sobre o parentesco entre as linguas # A esse respeito, podemos citar os trabalhos da Srta. HomMBuRGER, os capitulos deste livro escritos pelos professores GREENBERG e OBENGA e 0 relatério do Simpésio do Cairo (volume I) 254 Metodologia e pré-histéria da Africa ou sobre a origem mais ou menos mitica de sua diferenciagado. Freqiienté- mente trata-se de observagGes justas. E o caso das aproximagdes que os Peul e os Seereer fazem, afirmando quase intuitivamente seu parentesco étnico e lingiifstico. Os Mandinga, os Bantu, os Akan e os Peul, que se apresentam como falantes da mesma lingua, tém as vezes, enquanto grupos e subgrupos, a intuigao de formar uma grande familia comum. Na maior parte dos casos, contudo, 0 parentesco afirmado nasce apenas da necessidade de integrar a historia de uma comunidade que “deve” aparecer de um modo ou de outro no universo de uma certa etnia, ou ainda de coexistir com ela. Para a cocrén- de uma saga tradicional, é indispensavel que os grupos que hoje povoam um habitat comum tenham ligacées verdadeiras ou miticas uns com os outros. No entanto, o saber lingiifstico tradicional das sociedades africanas nao fornece indicagGes precisas que permitam evocar a existéncia de uma ciéncia antiga ou de uma reflexdo sistemdtica sobre tais parentescos, ao contrario do que se pode notar em outras areas, como, por exemplo, na ciéncia etimoldgica, na propria andlise da lingua, ou ainda nos fenémenos lexicais. O mestre da palavra e da elogiiéncia peul, bantu ou wolof possui em geral um interesse muito consciente e uma boa informagao sobre a origem das palavras. O histo- tiador de Cayor, por exemplo, tera prazer em descobrir as palavras empres- tadas ou decompor um vocdbulo para revelar sua origem: Barjal, diz 0 guar- dido da tradigéo de Cayor, vem de Baar e Jall. E explica ao mesmo tempo a contracao formal sofrida pelos componentes do termo, 0 contexto ¢ 0 sen= tido da palavra. Em um artigo de A. Tall*, ha alguns exemplos desse tipo de trabalho, feito por etimologistas tradicionais entre os Mossi e os Gurmanche. O inicio da ciéncia classificatéria em lingiiistica ocorre com S. Koelle, W. Bleck © a pesquisa curopéia. Esta inaugura-a no século XTX com os trabalhos dos comparatistas indo-europeus de quem os pesquisadores da lin- giiistica africana foram discipulos. W. H. Bleek ® foi um dos primeiros que se props a estabelecer o paren- tesco das linguas bantu, precedendo nessa area autores como Meinhof ou H. Johnston. A contribui¢éo de Delafosse * as linguas africanas do oeste é bem conhecida. O mesmo pode ser dito sobre os trabalhos de C. R. Lepsius‘, A. N. Tucker® e G. W. Murray ® para as linguas niléticas e de Basset para as linguas berberes. O estudo do egipcio antigo, essencial 4 pesquisa negro-afri- cana, o das linguas semiticas ou indo-européias da Africa do Norte e até mesmo o de linguas pinicas e greco-latinas tiveram também notavel valor. Como enfatiza J. H. Greenberg", autor da classificagdo das Iinguas africanas mais recente ¢ atualmente mais discutida, os trabalhos modernos de ‘Cf. Tradition Orale. Centre Régional de Documentation pour la Tradition Orale de Niamey, 1972. 5 Beek, W. H. 1., 1862-1869. ®Detarosse, M. In: MEILLET, A. e COHEN, 1924; HOMBURGER, L., 1941. Dentre os autores que propuseram classificages, devemos citar A. WERNER, 1925 e 1930. 7 Lepsius, C. R., 1888. 8 Tucker, A. N., 1940. 9 Murray, G. W., v. 44. 10 GreennerG, J. H., 1957. Principalmente a anilise critica feita em “Nilotic hamitic- -semito-hamitic”. In: Africa, 1958 e também The Languages of Africa, The Hague, 1963. Histéria e lingiitstica 255 maior interesse para o continente como um todo saéo os de Drexel ‘* e Mei- nhof '*. Mas estes nao sao os primeiros nem os tnicos. Koelle '*, a partir de 1854, e Migeod 4, em 1911, propuseram métodos ¢ modos de classifi- cacao, enquanto Bauman e Westermann !° apresentaram, em 1940, um siste- ma interessante sobre o mesmo tema. Entretanto, esses trabalhos continuam discutiveis ¢ discutidos por muitas razdes. A primeira é que a lingiiistica da Africa nao escapou a ideologia etnocentrista. Sob esse aspecto, as criticas recentes do préprio J. H. Greenberg concordam perfeitamente com as que Cheikh Anta Diop exprimia ha 20 anos, em Nations Négres et Cultures, e que T. Obenga retomou, acrescentando-lhes novas informagGes em sua conferéncia no Festival de Lagos, em 1977. A segunda razio é de ordem puramente cientifica. Quase todos os lingiiistas consideram prematuras as tentativas de classificagio. Nao sfo tomadas as precaugdes metodoldégicas indispensdveis e ainda nao se reuniu material devi- damente analisado e preparado para uma comparacdo genética ou mesmo tipolégica das linguas africanas. Insuficiéncia dos trabalhos Até mesmo a simples enumeracdo das linguas africanas encontra obstaculos, ja que o levantamento desses idiomas ainda nao atingiu resultados muito preci- sos. Estima-se que existam no continente de 1300 a 1500 idiomas classificados como linguas. As monografias existentes sobre tais falares resumem-se as ve- zes a coleta de uma vintena de palavras mais ou menos bem transcritas. A auséncia de uma anilise profunda da estrutura, do léxico ¢ da possivel inter- compreenséo é um fato corrente no estudo da imensa maioria dos falares africanos. Assim, as classificagGes propostas periodicamente tornam-se cadu- cas muito depressa. Diversos falares classificados como “linguas” sio apenas variantes dialetais de um mesmo idioma. A partir de testemunhos vagos, que apoiam conclusbes de autores ou informantes desavisados, as variantes foram rapidamente classificadas néo apenas como linguas diferentes, mas como ele- mentos de familias diferentes. E como afirmar que o bambara é uma lingua diferente do mandinga de Casamance ou que o ioruba de Benin é diferente do de Ife. Em ambos os casos, trata-se de variantes. Meinhof tornou-se conhecido pelos erros dessa gravidade que cometeu no estudo das linguas de Kordofan. E certo que alguns progressos se verificaram recentemente. Contudo, nao existe contexto favoravel a um trabalho de sfntese rigoroso. De fato, nao é possivel classificar linguas que ainda nao foram identificadas com exatiddo e analisadas precisamente. Alguns exemplos concretos ilustram a amplidao das controvérsias e © grau das incertezas. Os dois primeiros referem-se aos falares da fronteira geografica atual entre a familia camito-semitica ¢ 1 Ci. Greensers, J. H. 12MEINHOF, C., 1904, 1906, 1912 ¢ 1932. ' Koette, S. W., 1854. ‘4 Mrcrop, F. W., 1911, 15 Bauman, H. ¢ WESTERMANN, D. 256 Metodologia e pré-histéria da Africa a familia negro-africana. © terceiro refere-se ao grupo “oeste-atlantico”, ou ainda “senegalés-guineense”. Dos trabalhos de C. Meinhof (1912) '°, M. Delafosse (1924) 1%, C. Meek (1931) 38, J. Lukas (1936) *® e M. Cohen (1947) °° aos de J. H. Greenberg, cm 1948, ou de A. Tucker e A. Bryan, em 1966 ?!, ¢ as criticas recentes de T. Obenga *8, nao h4 perfeita concordancia sobre os dados nem sobre o método, os componentes dos grupos ou a génese e a natureza das relagdes entre os falares. O contato e sobretudo a geografia realmente unem, de modo indis- cutivel, as linguas faladas do Nilo 4 bacia do Chade. A coexisténcia milenar do negro-africano e do semitico abriga ai um fundo comum de empréstimo mituo consideravel. Essas contribuicées reciprocas dificultam a separagio entre os dados originais e a aquisi¢io exterior. O problema é saber em que medida o vocabulario préprio do egipcio antigo, do haussa, do copta, do baguirmiano, do sara ¢ das linguas chadicas, que pode ser encontrado no berbere e nas linguas semiticas tais como o 4rabe © o amirico, atesta parentesco entre tais idiomas ou siniples influéncia de uns sobre outros. As informagées sobre o egipcio antigo remontam a 4000 anos e sobre © semitico a 2500 anos. O chadico, 0 berbere e o cuxita, analisados no mesmo contexto, s6 fornecem informagoes consistentes nos séculos XIX e XX da Era Crista. Em 1947, M. Cohen publica seu Essai Comparatif sur le Vocabulaire et la Phonétique du Chamito-Sémitique, em que compara 0 egipcio, o berbere, © semitico, o cuxita € 0 haussa, que evoca esporadicamente. Desde 1949, Leslau ** e Hintze ** questionam as conclusées de Cohen e até mesmo seus métodos. J. H. Greenberg, considerando que é contestado o préprio principio de um dominio “camito-semitico”, aumenta os componentes do grupo, sugerindo um quinto elemento distinto, 0 chadico. Ele dé ao grupo todo o nome de “camitico” e, depois, de “afro-asidtico”. Essas conclus6es sio objeto de con- trovérsia a partir de sua publicagdo. Polotsky ** pde em divida que, no esti- gio atual, seja possivel afirmar a existéncia de cinco ramificag6es. Note-se que Greenberg repete, embora de modo nao convincente, a tese predominantemente geografica a respeito do chédico e de suas ligagdes contida em Languages of the World. Basta consultar as classificagdes divergentes de Greenberg, Tucker e Bryan, constantemente questionadas até pelos proprios autores, para ter uma idéia do cardter provisério das conclusées. Os trabalhos recentes j4 dao consisténcia 4 nogdo de uma realidade chadica, cujas fronteiras se mostram bem mais distantes que as margens do 16 Meinuor, C., 1912. 17 DeLarosse, M., 1924. 18 Meek, C., 1931 19 Lukas, J., 1936. 20 ConEN, M., 1947; GREENBERG, J. H., 1948, “Hamito-Semitic.” STA 6.47.63. 21 TUCKER, A. ¢ BRYAN, A., 1966. 22 Openca, T., 1977. Comunicacio no Festival de Lagos. 23 LesLau, W., 1949. 24 HINIZE, F., 1951 25 PoLorsky, H., 1964 Historia € lingiistica 257 lago. Newman ¢ Ma *", em 1966, ¢ Illie Svityé *", em 1967, aprofundaram o conhecimento do protochadiano. Os trabalhos de Y. P. Caprille ** limitaram sua extensio ao proprio Chade. Com base em cbservacées sistemiticas, pode- -se sugerir um lago genético entre o grupo sara, o grupo chadiano e varias linguas classificadas como oeste-atlanticas (seereer, pulaar, wolof, safeen, etc.) °°. Em si mesmas, essas contribuigdes langam dtvidas sobre todos os esforcos de classificagdéo, destaca C. T. Hodge num excelente artigo ™. © principal problema, a natureza das relagGes entre as linguas da fron- teira negro-africana e indo-européia, ainda nao esta resolvido. O peso dos trabalhos que assimilam o mundo cultural africano ao semitico permanece como problema. E verdade que a questao da identidade ¢ dos componentes do negro- -africano continua a existir. Ela ¢ enfatizada no simpésio sobre Le Peuplement de l'Egypie Ancienne, organizado pela Unesco em 1974, no Cairo. Nessa ocasiao, $. Sauneron lembrava, para ilustrar tais incertezas, que “a lingua egipcia, por exemplo, nao pode ser isolada de seu contexto africano e que o semitico nao pode explicar seu nascimento”. cuxita é outro exemplo que ilustra a atual incerteza da pesquisa e das classificacdes. Greenberg, Tucker e Bryan e 0 soviético Dolgopoljskij pro- pem atualmente trés classificacdes diversas, se nao contraditrias, para o mesmo complexo de linguas chamado cuxita (somali, galla, sidamo, mbugu, etc.). A classificacao de Dolgopoljskij articula-se sobre uma reconstrugdo de ordem fonoldgica a partir de exemplos limitados. Ele compara, particular- mente, as labiais (p, b, f) e as dentais (t, d) das linguas que analisa e clas- sifica numa dezena de subgrupos, enquanto seus colegas identificam de trés a cinco. J. H. Greenberg, por sua vez, negligencia os dados fonolégicos, morfolégi- cos e gramaticais, concentrando-se principalmente na comparagao do voca- bulario. Mas aqui os empréstimos representam um papel considerdvel. A clas- sificagao de A. Tucker e A. Bryan, que fazem criticas ao método de Greenberg, baseia-se numa comparagao do sistema pronominal e da estrutura verbal. Eles proprios consideram “ambiguos” alguns dos idiomas que reagrupam e enfa- tizam que seu esforgo tem o carater de pura tentativa. Pode-se constatar que as conclusées adiantadas aqui valem principal- mente por seu aspecto provisorio. Reencontramos as mesmas dificuldades no que diz respeito as linguas geograficamente delimitadas pelo oeste atlintico, localizadas na costa que vai do sul da Mauritania 4 Serra Leoa. Em 1854, Koelle as classifica em seu Polyglotta Africana sob a rubrica “‘oeste-atlantico” e baseia sua identificagao nas mudangas de prefixos ou na inflexdo inicial ou final que apresentam. Esse é um traco tipico do bantu, mas nao é suficiente para definir um grupo. 26 NEWMAN, P. e Ma, R. “Comparative Chadic.” JWAL 5.2.18.25. 27 Svivk, Illie. The History of Chadi Consonantism. Cf. Honcr, C., 1968. 28 CAPRILLE, Y. P., 1972. 29 Cf, DiAGNE, P., 1976. 80 Hopae, C. 1968. 258 Metodologia e pré-historia da Africa De resto, Koelle vai considerar mais tarde 0 conjunto dessas linguas como “nao classificadas”. M. Delafosse em 1924%1 e D. Westermann em 1928 afirmam que se trata de um grupo genético. Em 1963, Greenberg ® adota © mesmo ponto de vista, considerando-as 0 grupo mais ocidental da familia niger-congo. No mesmo ano, contudo, Wilson * e D. A. Dalby **, embora notando as semelhangas tipolégicas no interior do conjunto, negam qualquer possibili- dade de o encarar como um grupo lingiifstico homogéneo e aparentado. Em detalhes de morfologia, sintaxe e vocabulario, escreve Wilson, 0 grupo oeste- -atlantico ou senegalés-guineense est longe de representar uma unidade. De fato, os trabalhos recentes publicados em 1974 por D. Sapir * mostram que nao ha mais de 5 a 10% de vocabulério comum entre a grande maioria dessas linguas, parecendo ser a geografia 0 tinico fator que as unifica na maior parte dos casos, como foi dito antes. O processo de migragao misturou aqui, como na rea nilo-chddica, povos de origens diferentes; 0 parentesco entre eles é estabelecido talvez depressa demais, na auséncia de informagées mais precisas que esclaregam a histéria e 0 historiador. E nesse plano, alids, que sao amplos os atuais limites da lingiiistica como instrumento de investigacdo histérica. O pesquisador se confronta aqui com o duplo obstéculo mencionado acima. A pesquisa nao atingiu seus obje- tivos porque se conserva parcial e embriondria. Além disso, seus resultados provisorios sio freqiientemente inexploraveis porque falsificados pela ideolo- gia e por perspectivas deformantes. A ideologia deformante A historia é por exceléncia o lugar da ideologia. Os primeiros trabalhos sobre as linguas e 0 passado da Africa coincidiram com a expansao colonial euro- péia. Assim, foram fortemente marcados pelas visdes hegemonistas da época. discurso etnocentrista exprime a preocupagao instintiva de julgar valo- res de civilizagGes com referéncia a si mesmo. Ele levou a apropriacaéo dos fatos de civilizagio mais marcantes para legitimar-se como pensamento e po- der dominantes no mundo. As teses sobre a primazia do indo-enropeu, do ariano ou do branco civilizadores testemunham um excesso cujos ecos pro- fundos séo encontrados ainda hoje em muitas obras de histéria e de lin- gilistica da Africa *, E por isso que 0 Egito foi por muito tempo colocado entre parénteses com relag&io ao resto do continente. Com base em especulagées feitas ao acaso, continua-se 4s vezes a atribuir-Ihe menos idade, em beneficio da Meso- potémia ou de outros centros supostamente indo-europeus ou semitas. Fre- qiientemente, foram procurados imagindrios iniciadores da arte do Benin. 31 Drtaross, M., 1924, 82 GrrenpERG, J. H., 1963. 23 Witson, W., 1966, * Dacpy, D. A., 1965. 5 Sapir, D., 1974. 59 Ver adiante J. H. GREENBERG sobre essa questio. Historia ¢ lingitistica 259 Montou-se uma teoria “camitica”", peca por peca, com a finalidade de explicar, através de influéncias externas, qualquer fendmeno cultural positivo na Africa negra. Procurando promover uma metodologia rigorosa e cientifica, J. H. Green- berg — cuja contribuicao, embora discutivel em parte, ainda continua nova e importante — torna-se algumas yezes eco desse impacto negativo da ideo- logia etnocentrista Seligman, Meinhof e, depois deles, autores importantes como Delafosse, Bauman, Westermann ou Miiller, desenvolvem argumentos de uma fragilidade cientifica consternadora, pois baseiam-se em preconceitos do tipo que Meinhot exprime na seguinte formula: “No curso da histéria, repete-se constantemente 0 fato de que os povos camitas tém subjugado e governado os povos de pele negra”. Essas constatacdes fundamentam a prudéncia com que deve ser utilizado © material que os trabalhos lingiifsticos oferecem aos historiadores ou aos especialistas das ciéncias humanas em geral. Segundo Greenberg, ““o emprego vago do termo camita como categoria lingiiistica e sua utilizagéo na classificagaéo das ragas para designar um tipo considerado fundamentalmente caucasdide, conduziram a uma teoria racial. Ela vé, na maioria das populagdes origindrias da Africa negra, o resultado de uma mistura entre camitas e negros”. Assim, a denominagao de “povos de lingua nilo-camitica refere-se 4 obra de C. G. Seligman, Races of Africa. “Esses povos sao considerados racialmente meio-camitas.” Os Bantu constituiriam também uma outra variedade de negros camitizados. E isso, comenta ainda Greenberg, “tomando por base as especulagdes de Meinhof, para as quais, aliés, ele nunca forneceu a menor prova, pela simples razdo de que nao ha prova possivel para que o bantu, como diz Seligman, seja uma lingua mista e 0 homem bantu, por assim dizer, descendente de pai camita e mae negra”. De fato, conclui J. H. Greenberg, essa ideologia falseia totalmente, ainda hoje, a elaboragéo de uma ciéncia lingiiistica capaz de esclarecer as verdadeiras relacdes entre linguas e civilizagdes na Africa. A migracao dos povos africanos no sentido leste-oeste e norte-sul tornou confuso 0 quadro étnico, racial e€ lingiifstico do continente. Isso é indicado, como se pode ver em muitos trabalhos, pelos nomes de pessoas e lugares ¢ pelos fatos de lingiiistica pura relativos ao proprio vocabuldrio essencial. As linguas do Senegal, como o wolof, o diula, o fulfulde ou o seereer, atestam semelhangas mais profundas com as linguas bantu da Africa do Sul, da Tanzania, de Camardes e do Zaire do que com as linguas da familia man- 87 As palavras “camita” e “camitico” foram largamente utilizadas no mundo ocidental durante varios séculos, tanto no vocabulario erudito como no cotidiano. Procedem de leituras deformantes e tendenciosas da Biblia, das quais se originou o mito da maldigio dos descendentes negros de Ca, Esses termos adquiriram uma significagao aparentemente menos negativa (pelo menos sem conotacdo religiosa) gracas & pesquisa de lingitistas ¢ etndlogos no século XIX, mas nem por isso deixaram de funcionar como critério de discriminagao enire certos negros considerados superiores ¢ 0s outros. Em todo caso, 0 comit® cicntifico internacional estimula os estudos criticos em andamento, que tratam dos usos hist6ricos desse vocabulério que s6 deve ser utilizado com reservas expressas. 260 Metodologia e pré-histéria da Africa dinga no interior das quais séo geograficamente inseridas. O léxico, a estru- tura e mesmo os principios da escrita egipcia antiga, como veremos mais tarde, estao mais préximos da realidade de linguas como o wolof e o haussa ou da tradicao grafica daomeana que das estruturas lingiifsticas semiticas ou indo-européias as quais sao anexadas sem critério. A antiga lingua egipcia, o haussa, as linguas dos pastores ruandenses, dos abissinios, dos Peul e dos niibios sdo naturalizadas semitas ou indo- -européias sobre bases de evidente fragilidade ou a partir de uma metodologia e de uma escolha de critérios muito pouco convincentes. Os Peul talvez sejam mestigos, do mesmo modo que os Baluba, os Susu, os Songhai e muitos povos negros que mantiveram, em seu habitat antigo ou atual, contatos com populacdes brancas. Essa hipdtese de mesti- cagem, contudo, é hoje bastante questionada a partir de descobertas recentes a respeito dos processos de mutagio da pigmentacao. Por sua fonologia, seu léxico e sua estrutura, o fulfulde apresenta seme- Ihancas com o seereer, mais do que com qualquer outra lingua conhecida, a tal ponto que os proprios Seereer ¢ Peul sugerem haver entre eles um paren- tesco nao apenas lingiiistico mas também étnico. Isso nao impediu pesquisa- dores como F. Miiller, W. Jeffreys, Meinhof, Delafosse e Westermann de tentar estabelecer uma origem branca para os Peul, afirmando que o fulfulde é protocamitico **. W. Taylor chega mesmo a escrever: “Pela riqueza de seu vocabulario, a sonoridade de sua dicgao e as delicadas nuances de significagao que & capaz de expressar, 0 peul néo pode pertencer a familia negra sudanesa”. Todas essas observagdes nos mostram até que ponto esta generalizada a con- fusdo entre categorias tao diferentes como a lingua, 0 modo de vida e a “raga”, sem contar 0 conceito de etnia, que é utilizado, conforme o caso, com refe- réncia a uma ou varias dessas categorias. Como nota J. H. Greenberg, a relacdo simplista estabelecida entre gado grosso, conquista e lingua camitica se mostra falsa em todo o continente africano. “No Sudao ocidental”, escreve ele, “é uma ironia constatar que os agricultores de linguas camiticas estéo submetidos a autoridade dos pastores peul que falam uma lingua sudanesa ocidental (ou niger-congo). Teria sido outra ironia, se seguissemos os clichés estabelecidos, constatar a antigiiidade e a permanéncia das hegemonias mandinga ou wolof, de familia lingiifstica sudanesa, sobre povos tao rapidamente assimilados a0 ‘camitico’ como os assim chamados Peul pré-cam{ticos ou os Berberes”. Nenhuma das classificagdes estabelecidas no plano continental ou re- gional oferece, até agora, garantias cientificas inquestiondveis. O etnocen- trismo tem contribuido bastante para distorcer a andlise do material. Em muitos casos, s6 nos restam conjecturas, peticGes de principio e abordagens superficiais. H4 um certo nimero de condig6es necessérias para o estudo das linguz africanas de acordo com principios estritamente cientificos que ajudem a esclarecer a histéria dos povos e civilizagdes do continente. Em primeiro 88 GREENBERG, J. H. Op. cil. Historia ¢ lingitistica 261 Iugar, esse trabalho deve estar livre das obsessdes de um pré-julgamento a partir do semita ou do indo-europeu, ou seja, a partir do passado histérico do homem curopeu. Além disso, para estabelecer o parentesco entre as linguas africanas, seré necessdrio fazer referéncia ao material lingiiistico antigo e nao aos dados geogrdficos atuais, as influéncias antigas ou tardias, aos esquemas explicativos escolhidos a priori ou aos tracos lingiifsticos marginais em rela- ¢ao aos fatos dominantes dos sistemas. Ciéncias auxiliares A anilise aculturalista A anflise aculturalista ou “topolégica” **, na terminologia inglesa, releva de uma ciéncia que tem por objeto o estudo da origem e dos processos de difu- sao dos tracos culturais (idéias, técnicas, etc.). Os pesquisadores alemacs foram os primeiros a aplicar esse método na pratica, com o estudo dos “ci- clos culturais” de Frobenius, Westermann-Baumann, etc. Esses estudos muitas vezes tomaram por objeto a difusdo das técnicas © produgGes agricolas, os métodos pastoris, a invengéo e¢ a difusio das técnicas de trabalho com o ferro e outros metais, 0 uso do cavalo e a elabo- ragio de nogGes ontolégicas, do panteo dos deuses ou das formas artisticas. Entretanto, a topologia muitas vezes foi além de seu dominio. Particular- mente, introduziu muitos erros no Ambito da ciéncia classificatéria. Com cfeito, varios autores incautos pensaram poder inferir um parentesco lingiifs- tico a partir de uma simples constatagdo de tragos culturais, quando esses fatos geralmente se devem a fendmenos de empréstimo, contato ou con- vergéncia. A ciéncia onomastica Onomistica ¢ a ciéncia dos nomes de lugares (top6nimos), de pessoas (antro- ponimos) ou de cursos de gua (hidrénimos). A onomastica esta intimamente relacionada ao Iéxico das linguas. As comunidades étnicas que se ttm mantido relativamente homogéneas por um periodo de tempo, assim como os grupos etnolingiiisticos mais heterogéneos mas que falam um idioma comum, criam seus nomes principalmente em teferéncia as realidades de suas linguas. Eles povoam o universo territorial e geografico que Ihes serviu ou serve de habi‘at com nomes que constroem mas mesmas perspectivas. Assim, seguindo a pista dos nomes de pessoas, identificam-se ao mesmo tempo os elementos étnicos que constituem uma comunidade. Em geral, os Seereer sao chamados Jonn, Juuf, Seen, etc.; os 89 GuTHRIE, M.. 1969. 262 Metodologia e pré-histéria da Africa Peul, Sow, Jallo, Ba, Ka, etc.; os Mandinga, Keita, Touré, Jara, etc. Os Berberes e os Bantu tém familias de nomes que lhes séo proprios. A antroponimia desempenha um papel importante no estudo da histéria das etnias e das comunidades politicas ou culturais. O estudo dos nomes em uso entre os Tuculero do Senegal mostra, por exemplo, que estamos diante de uma comunidade etnolingiifstica bastante heterogénea. Entretanto, do pon- to de vista cultural, esse grupo de fala fulfulde que se fixou no Senegal, ao longo do rio, na fronteira entre o Mali e a Mauritania, é muito homogéneo. Dai um sentimento “nacional” bem desenvolvido. De fato, a comunidade forjou-se a partir de elementos peul (cuja lingua se impés), mandinga, seereer, lebu-wolof ¢ berberes. A toponimia ¢ a hidronimia constituem também ciéncias indispensdveis ao estudo das migragGes dos povos. A partir dos nomes de cidades desapareci- das ou que ainda existem, podem-se elaborar mapas precisos mostrando os movimentos dos Mandinga, cujas cidades tem nomes que foram compostos a partir de Dugu. Da mesma maneira, pode-se estabelecer 0 mapa topont- mico dos habitat antigos ou atuais dos Peul, que usam o termo Saare para nomear seus povoados, dos Wolof, que usam o termo Kér, dos arabe-berberes, que utilizam o termo Daaru, dos Haussa, e assim por diante. Antropologia semantica A antropologia semantica ou etnolingiifstica constitui uma nova abordagem que tenta revelar a cultura do homem através de sua lingua. Baseia-se numa andlise global do conjunto de dados fornecidos pela lingua de uma etnia ou de uma comunidade heterogénea que tem um falar comum, para evidenciar ao mesmo tempo sua cultura, seu pensamento e sua historia. O método vai além da mera coleta de tradi¢des e literaturas escritas ou orais. Implica o recurso a uma reconstrugdo da totalidade das idéias que uma lingua traz consigo e que nao depende necessariamente de uma obra ou de um discurso sistematico. Nesse plano, a pesquisa opera nos niveis infra e supralingiifstico. Decifra, a partir do vocabulério e da divisdo do pensamento, 0s processos de formalizacéo, conceptualizacao ¢ estruturagéo de uma lingua, as diferentes formas de conhecimento dentro das quais se cristalizam a visio de mundo e a histéria prépria 4 comunidade que pratica um certo falar. A etnolingiiistica acaba por revelar sistemas: concepcao metafisica, ética, onto- logia, estética, légica, religidio, técnicas, etc. Assim, a literatura escrita ou oral sobre o passado dos Haussa, com seus documentos religiosos, fébulas e prdticas juridicas, médicas, metaltr- gicas e educacionais, fornece indicacdes nao apenas sobre a evolucio do conteido do pensamento dos Haussa mas também sobre sua histéria e sua cultura. Nas civilizacdes predominantemente orais, em que os textos de referén- cia sao raros, a interpretagao diacrénica baseada na comparagao de textos de épocas diferentes praticamente nao existe, A lingiiistica torna-se, entao, um meio privilegiado de redescobrir 0 patriménio intelectual, uma escala para retroceder no tempo. Historia e lingiiistica 263 As culturas de expressio oral localizadas pela antropologia seméntica apresentam nao apenas obras a serem coletadas ¢ registradas, mas também autores © as respectivas areas de especializag’o. Toda cultura africana — oral ou escrita — deixou, como a dos Wolof, seu fildsofo, como Ndaamal Gosaas, seu politic6logo, como Saa Basi ou Koco Barma, seu mestre da palavra e da elogiiéncia, seu mestre da epopéia ou do conto, como bn Mbeng *”, mas também seus inventores de técnicas em matéria de farma- copéia, medicina, agricultura ou astronomia *', Esses trabalhos © seus autores constituem excelentes fontes de andlise do dinamismo eyolutivo da cultura numa sociedade sob suas diversas formas. A ontologia bantu pode ser decifrada ¢ até mesmo interpretada ¢ siste- matizada por referéncia aos vocabulos bantu sobre o estar no mundo, a partir do trabalho de elaboracdo e conceptualizagao que, através das palavras e enunciados do bantu, dé forma as concepcdes que essa lingua tem acerca de tais fendmenos. Como a lingua € o lugar de cristalizagéo de todos os instrumentos mentais ou materiais construidos pelas geragGes sucessivas, pode-se dizer que a experiéncia hi ‘a de um povo esté depositada em camadas consecutivas no proprio tecido da lingua. Suporte do documento e do pensamento histérico A importancia da tradico oral na historia da Africa é hoje aceita por todos. Chega-se mesmo a solicitar a presenga de griots tradicionalistas nos con- gressos. Ha sugestoes para que hes sejam criadas cadeiras nas universidades @ mesmo para que eles se incumbam da pesquisa e do ensino de histéria. De modo geral, a primazia da fala sobre a escrita é ainda hoje uma realidade em culturas tradicionais com predominancia rural, tanto na Africa como em outros lugares. A oralidade como meio de elaborar e fixar os produtos do pensamento tem suas préprias técnicas. Embora as formas de pensamento escritas ou orais abranjam a mesma Area, os meios e os métodos de sua concep¢ao e transmissao nem sempre sao os mesmos *, Devemos notar simplesmente que 0 pensamento escrito, ou seja, a lite- ratura no sentido etimolégico, ao se fixar tende, com mais facilidade, a crista- lizar-se sob uma forma permanente. Desse modo, rompe com uma tradigéo verbal que oferece um campo mais vasto a invencao e a criagdo de mitos. No nivel da linguagem, a palavra falada tem também um potencial maior de dialetizagéo porque ha menos controle de seu desenvolvimento. Uma lingua de expressao predominantemente oral permanece mais popular, mais sensivel 40 Todos célebres personagens histéricos da cultura wolof. 41 As obras de S. JOHNSTON sobre os loruba, de Tempels sobre os Bantu, de M. GRIAULE sobre os Dogon, de TRaore sobre medicina africana, de M. GUTHRIE sobre a metalurgia, efc., constituem, com os “classics literarios registrados”, importantes contribuigdes a antropologia semantica. Cf. Diane, P., 1972. #2Cf, Diane, P.. 1972. 264 Metodologia e pré-histéria da Africa as distorgdes impostas pela pratica no plano de sua estrutura, dos sons que utiliza e até mesmo das formas que toma de empréstimo. Uma lingua literaria, ao contrério, é mais trabalhada no sentido da unifi- cacdo. Alid4s, apresenta maior dimensdo visual ¢ integra, como elementos expressivos, dados graficos que Ihe conferem certa especificidade: ortografia em ruptura com a fonologia, pontuacao, etc. J4 a linguagem oral utiliza maiS o elemento sonoro. Transmite significagdéo através da cadéncia, dos ritmos, das assonancias ou dissonancias, das evidéncias do discurso. A impor- tincia do papel desempenhado pela meméria, para suprir a auséncia de um suporte grafico, também afeta o cardter da oralidade em suas formas de expresso. Chega mesmo a ser imprescindivel, com as técnicas de memori- zagao, uma ciéncia especifica para a retengio de textos. Assim, 0 documento escrito ¢ a tradicéo oral passam a ser complementares, conjugando suas res- pectivas qualidades **, Além disso, os relatos orais, uma yez transcritos, tor- nam-se textos literdrios *4. Tradicao grafica — as escritas africanas A invengao da escrita atende a necessidades cuja natureza e origem, conforme Os contextos, nem sempre se soube evidenciar. A escrita, instrumento do comércio e da administragdo, sustenta normalmente as civilizagGes_urbanas; mas as motivag6es iniciais podem variar notavelmente. Na Africa, tanto na época dos farads como durante o reinado dos soberanos do Daomé ou dos Mansa Mandinga, 0 uso da escrita atendeu principalmente a necessidades de ordem nao material. A escrita egipcia, a dos baixos-relevos daomeanos ¢ ainda os ideogramas bambara ou dogon tiveram, em seu contexto original, uma dupla funcao: primeiramente, materializar 0 pensamento e, através disso, realizar uma agao de carater religioso ou sagrado. A escrita egipcia, inventada segundo a lenda pelo deus Thot, ficou por muito tempo confinada sobretudo nos templos, nas maos dos sacerdotes; encerrava segredos e servia como instrumento de agao para um pensamento percebido como substancia agente e materializdvel em forma de verbo ou de grafia. A segunda grande funcao atribuida a escrita nas civilizagGes africanas coincide com a necessidade de perpetuacao histérica. A escrita egipcia, como a dos paldcios de Abomey, é uma glorificagao de soberanos e de povos preocupados em deixar atras de sia lembranca de seus grandes feitos. Os Bambara ou os Dogon, a0 inscreverem seus signos ideograficos nas muralhas de Bandiagara, visam ao mesmo objetivo. Entre a Récade do rei Glélé, machado de ceriménia que traz em si uma mensagem, e a Palette de Narmer, hé mais do que simples afinidades. Nao 48Cf, DscNe, P. Op. cit. 44Cf. as numerosas publicagdes a esse respeito: trabalhos de A. HAMPATE Bi, A. Ibrahim Sow, Muruta, E. de DaMpierRe, K. MOEENE, F, LACROIX, M. GRIAULE, G. DIETERLEN, Warrtev, E. Norris, L. Kestevoor, D. T. NiaNe, M. Diasate, J, Marri, etc. Estes autores publicaram obras classicas sobre o assunto nas colegdes de Oxford, Julliard, Gallimard, no Centro de Niamey, etc. Histria ¢ lingi ica 265 apenas © espirito ¢ © mesmo, mas também os principios e as técnicas de escrita + A escrita egipcia é atribuida ao deus Thot, que também é o inventor da magia e das ciéncias, a exemplo do deus com cabega de chacal dos Dogon, ele proprio depositario do yerbo, do conhecimento e da fala eficaz. Qs raros especialistas que se debrugaram, fregiientemente com notdyel minticia, sobre os sistemas de escrita originarios da Africa, em geral nao se interessaram pelo vinculo aparentemente dbvio e tecnicamente demonstrdvel entre os hier6glifos ¢ as escritas mais conhecidas na Africa negra. O hieréglifo egipeio permaneceu fundamentalmente pictografico em sua funcao original de instrumento dos templos e, como seu homélogo daomeano, faz referéncia a imagem tanto quanto possivel. Trata-se de uma escrita voluntariamente realista, preocupada em materializar os seres, os objetos e as idéias, 0 que faz da maneira mais concreta e substancial, em parte para restituir-Ihes ou conservar suas qualidades naturais. Nao ¢ por acaso que a deformacdo da escrita pictografica pelo uso do cursivo, que altera e desfigura os elementos representados, s6 é permitida fora dos templos. A escrita hierdtica, usada sobretudo com finalidades laicas (ao contrario do que sugere a etimologia grega da palavra), e 0 demotico “popular”, ainda mais simplificado em seu tragado, sio as grafias nao-sa- gradas ¢ utilitérias. No espirito do sacerdote egipcio, 0 hieréglifo encerra “um poder magico de evocacdo”, como tio bem demonstra M. Cohen. Em sua opiniao, isso explica o fato de “que as representagdes de seres nefastos sao evitadas ou mutiladas”. Aqui, estamos diante de uma concepcdo ontolégica que se enraiza ¢ mergulha profundamente na tradicio negro-africana. Por milhares de anos, essa tradicao nao foi capaz de dessacralizar — como 0 fizeram os indo-europeus, particularmente os gregos — 0 pensamento e seus suportes orais e graficos. Os Bambara, os Ioruba, os Nsibidi e os sacerdotes dogon tém uma viséo idéntica dos sistemas graficos que utilizam em seus templos ou em suas sessoes de adivinha¢ao. A unidade das grafias inventadas na Africa nao reside apenas nos pres- supostos ideolégicos que conferem a esses sistemas suas funcdes e sua natu- reza, mas também na propria técnica de transcrigao. Encontra-se, na historia das escritas africanas, uma referéncia constante a trés técnicas de fixagao gréfica do pensamento: 0 recurso 4 imagem do ser ou do objeto, copiada através de pictogramas; 0 recurso ao simbolo para representar uma realidade através de ideogramas, que sao signos sem relacao imediata de semelhanca fisica com a nogdo que simbolizam; finalmente, 0 uso do fonograma para representar todos os homéfonos, ou seja, todas as realidades designadas pelo mesmo som ou grupo de sons; é 0 principio da escrita pictofonografica. A comparacao entre a Palette de Narmer e as Récades de Glélé ou de Dakodonu ¢ reveladora. Elas transcrevem o discurso segundo os mesmos prineipios. Na Palette de Narmer, temos a imagem de um rei. Ele segura pelos cabelos um inimigo vencido ¢ o golpeia, enquanto o exército derrotado foge, sob os pés do gigantesco farad. Os pictogramas sao claros e elogiientes. Os 4° GLELE, M., 1974. 266 Metodologia e pré-histéria da Afriea outros signos sao ideogramas. Distingue-se um “ta” oval simbolizando a terra. Em cima, ha um grupo de signos e um quadrado para emoldurar o nome do faraé, Horus. Um peixe e um pdssaro formam o nome “farad”. Essas duas imagens sao pictofonogramas. A Récade de Gezo mostra o soberano do Daomé sob a forma de um bufalo (assim como o farad é simbolizado por um falcio) que mostra os denies, significando 0 terror que semeia entre seus inimigos. Trata-se, neste caso, de uma aproximacdo simbélica. Mas ha outros mais importantes. A Récade do rei Dakodonu ou Dokodunu, mais antiga (1625-1650) e descrita por Le Hérissé, mostra com mais clareza ainda o principio do “hierd- glifo” daomeano. O texto da lamina do machado pode ser lido da seguinte maneira: ha um simbolo pictogrdfico que representa um silex, “da”, e em- baixo o desenho da terra, “ko”, com um furo no meio, “donon”. Esses signos sao pictogramas, utilizados aqui como pictofonogramas. Juntando-os, como no caso do nome do faraé na Palette de Narmer, pode-se ler 0 nome do rei daomeano, Dakodonu. A escrita daomeana assemelha-se aos hierdéglifos farad- nicos em seus préprios prinefpios e em seu espirito, revelando as trés técnicas usadas pela grafia egipcia: a imagem pictografica, o simbolo ideografico e © signo pictofonografico *°. Num notavel artigo de sintese 0 soviético Dmitri A. Olderogge aponta, como ja o tinha feito Cheikh Anta Diop, o fato de que o sistema hieroglifico sobreviveu na Africa negra até uma época tardia. Em sua Description Historique des Trois Royaumes du Congo, du Ma- tamba et de l’Angola, publicada em 1687, Gavassi de Motocculuo afirma que a escrita hieroglifica era utilizada nessas regides. Em 1896 foi descoberta uma inscrigao hieroglifica nos rochedos de Tete, em Mocambique, ao longo do rio Zambeze, cujo texto foi publicado na época. Cheikh Anta Diop nota, em outro trabalho, o uso de uma grafia pictografica tardia no Baol, onde secentemente foram descobertos tragados hieroglificos em baobas muito antigos. Os Vai da Libéria utilizaram, durante muito tempo, uma escrita pictografica em tiras de casca de Arvores. A escrita meroftica, que nasceu na periferia meridional do Egito antigo, dé continuagdo A escrita faradnica, na qual se inspirava, a menos que a tenha originado ou que partilhe com ela a mesma origem. Os sistemas de escrita ideografica, contudo, parecem ter resistido melhor que os hieréglifos em solo negro-africano ocidental. Na pratica, a grande maioria dos povos negros da Africa est4 familiarizada com o ideograma, seja através das técnicas divinatorias, seja pelo uso que delas fizeram os sacer- dotes do culto, os gravadores de obras de arte, etc. A geomancia dos Gurmanche é muito elaborada. O tambipwalo (geo- mante) desenha signos na areia € os interpreta. Depois administra uma espécie de “receita”, que consiste em signos grayados a faca num pedaco de cabaca, Esses signos abstratos designam os altares, os lugares aos quais é preciso ir para realizar os sacrificios, o tipo de animal que deve ser imolado, quantas vezes, e assim por diante. Trata-se, de fato, de uma “escrita codificada”. 4°Ver capitulo 4. Estela do rei serpente (foro Museu do Louvre) 1. Récade representando uma cabaga, simbolo de poder (foto Nubia). 2. Récade dedicada a Dako- donu (foto Nubia) 3.4. Ledo semeando 0 terror (foto M.A. Glélé, Nubia). Pictogramas egipcios (por volta de 4000 antes da Era Crista) + - 1 OR Wwe A homem correndo com um brago estendido; inw = mensageiro ventre de mamifero; h.t. =ven- tre, corpo lagarto; 53 = numeroso, rico verme ou serpente (h f wi: verme (dd ft) sol brithando; won: aparecer lua crescente; ih = lua Pictogramas nsibidi Dayrell, =, homem correndo com um brago estendido Macgregor (p. 212), um mensa- eeiro Dayrell, _. simbolo que contém tum peixe Talbot... lagarto Macgregor (p. 212), serpente Dayrell,,,. sexpente muito longa; uuruk — ikot, cobra em Efik shaw, em Uyanga Talbot,,, sol brilhando: utinn, sol em Efik ¢ duawng, em Uyanga pm Talbot,,, lua crescente: eb) = lua, em Uyanga * \Teart ™ Quanto aos signos nsibidi, cf. principalmente: J. K, MACOREGOR, Op. cif, p. 215, 217 ¢ 219: os signos so numerados de 1'a 98; E. DAYRELt Op. pranchas LXV — LXVIT: 20 todo, 363 signos: P. A, TALBOY. Op. cit. Apéndice G: “Nsibidi signs”, p. 448-61: 77 signos © 8 textos, Pictogramas egipcios e nsibidi (extraido de L’Afrique dans VAntiquité: a nota 34 remete a J. K. MACGREGOR, 1909; E. Dayret, 1911; ‘TaLBor, 1923). . Paletie de Narmer (extraido de C. A. Dior, 1955) Frente Vai 149) (1962) Mende Loma Kpelle Bass Bamum (1906) (1918) Obert heim Djuka Mandings Wolof Fula Dita Fula (Ba) Bete ke ke ke oe 4) sg He oH 7 n> m He Jd ot eX AE KW bu ke vi 2 > WO AE OK ws a ad He a Sue wt ye Ane Ef Bem i me © ® 6 oO 7 7 u HH a 44 AZ AM 8 3 ré x AS AS z x YH wel Na Sue Fe. a yi 4 a) ae be » raat 5 re 8 SOY nN 0 e HW Ao AS Sy AR AD P ad sd wSoue oll rr 7A 4o mee FE As escritas bagam e guro (nenhum registro disponivel), a escrita “sagrada” ioruba e a escrita gola (ambas indecifradas) sho exclufdas deste quadro. Amostras de varias escritas africanas antigas (extraido de D. Datay, 1970. p. 110- 11) Le Pk Uw olbRE KU CALS HH PHO’CY »# 2RVECOKun ST OR VE © trre¢ te »# BS RUECHREGD H EH Tr 5 + AmTHuUYeT?ET PAST “U clo How 5. Hh OIE IC! ~~ Ie @ = © Ile & tire vee awunt Lie w COHYRTEKrTEHEDTKADTS DrPO~Httrnole eis ~ TREPHAPHETVPEVH SF oO + ole Ys Re TL Primeira pdgina do primci- ro capitulo do Alcorio em vai (extraido de L’Afrique dans U'Antiquité. OBENGA, T. Présence Africaine) 1 1 | | 1 | Signos gréficos vai @ [eae |e Is tn i |e “vy | oe pie ie [ee lh ow iH [eg | we oO ele jee ih! jie jy wilt x sp oft im fee ols NE | wi 6 go | ilo |e 10 | wo a é | oe go | 4 “Io 4 15 ie wd afte |eie [efe impels 9 [oe] tr [ho ge | mal gp fsa fey | yo me jbl my | he 4 me] ttn = pe Ee v 2 be | he [im ; mb ae | st | Be ys P| bt | He he jcc | mut /22 al fe | yl S fbi fro te | mo wy | so 3 E bo |. ho O35 wi 1 2 ba jte= | ha op mit 4) 1 1 4 wae Ke | dal A it bina | 4 “| dé | ae ## Ine) 1B as | 3 Ce rn) J aim |i | % jor“ Ir jaolt |jo fm | ns t do | 8 joit [no 6 uw da! tb Via |e | oa 3 2 fu ka | ps | 8 2 fé | mm ke | pe | 2 6 fet | ke 3 pe if [a fl i o ki ie pl \é vi + few | ko} S po i vo A we ko | jp |e vo 4 fi ka |SEAR | pi oe | va (extraido de L’Afrique dans 'Antiquité, OseNca, T. Présence Africaine) E FeeTHESs Se Sp gleptemde [sagan ‘Heo P 4p aha = 5 ee & oO mbe Tat mbt mbd mbd mba | te Howe Pe D | Fm $e eR Ww ERO SE s | nde 1 ngl nda nié ndt ndo | ndo | ndit nga ugé ngs ngo ngd ngii | ty ja njé njé njl njo “ajo na nkps | okpé akps nkpt nkpd nkpo Pw wad | PMS Lb alt okp a tha wha whé wht whi! whd who wha 8 | zha m™ | czhé E | zhe 30 | zhi 8: | zho £ zho zhi ! | Miscelénea ‘| | | ¥F | faa i | % | hn @® | kpna “pf | nwa d€ | nwo Oo | whew w | ahn Pontuagao © outros sinais | taves- sio A | virgula ; interro- HO | acto @ | pom ea | excl magio we | acento | simi- auigao 7 | mst | conti- nuacao de som Signo coletado em | Signo coletado em Palavra Mum | Signiticaeao | DOS (Ghenot) 1907 (Géhring) Pe Noz de cola Ge) 4 Fom rei Bsa Nyad boi Roe sre 1. Sistema grafico mum (extraido de L’Afrique dans l'Antiquité. OBENGA, T. Présence Africaine). 2. Sistema pictogratico 3. Sistema ideogrifico e fo- nético-silabico == pwen ou pourin, as pessoas = hgou ou hgwémé, pais = ndya, hoje nsyé, @ terra = you — voit, comida = pot, nés = gbét, fazer 0 bE ot = me, mim = ja, dar psd pwam ou mbwem, admirar = sflaba ba, de iba, que significa: dois = ben, de ben: danca (tipo de —) = Dé, de bydt: circuncidar, ou de bye: segurar Roy l = cha, de neha: peixe Histdria e lingiiistica 275 A adivinhagao através dos signos do Fa também apresenta uma riqueza admirdvel. O adivinho joga nozes de palma de uma mao para outta oito yezes ¢, de acordo com o ntimero de nozes que ficam em sua mao esquerda a cada vez, faz uma inscrigao no solo ou numa bandeja polvilhada com areia. Sio assim formados os quadros (hé 256 possiveis), dos quais os 16 mais importantes sao os du, que constituem os “fios” ou as palavras dos deuses governados por Fa, o destino. Todos devem cultuar o seu du mas, ao mesmo tempo, ter em conta os de seus parentes e ancestrais, os de sua regido, e assim por diante. Como existe uma quantidade enorme de arranjos, os du s40 combinados num tipo de estratégia mitolégica que ¢ também uma técnica grafoldgica. Pratica-se a adivinhagéo do Fa em toda a costa do Benin. A coleta dos sistemas ideogrdficos +? foi abundante, principalmente nos paises de savana que mantiveram suas tradicdes e nao foram muito afetados pela islamizagao. Nao é por acaso que isso ocorre. Os especialistas, dentre 0s quais F. W. Migeod foi um dos primeiros a revelarem alguns desses siste- mas. A escrita ideografica dogon foi apresentada por M. Griaule e G. Dieter- len, responsaveis pela andlise do sistema bambara e por uma boa sintese das grafias da regido. A ideografia nsibidi, usada entre os Ibo do sul da Nigéria, foi descoberta pelos europeus no fim do século passado. Baseia-se em prin- cipios de transcrig¢ao largamente difundidos em toda a costa da Guiné. As escritas fonéticas ** sistematizam o uso de fonogramas representando sons simples ou complexos através de signos regulares; em nossa opiniao, o aparecimento de tais escritas na Africa resulta de uma evolugao tardia. Os hierdglifos do antigo Egito, como os do Daomé, representam muitos sons através de signos. Mas os sistemas puramente fonéticos baseados na palayra, na silaba ou no fonema simples — transcrigdo alfabética — marcam uma nova ctapa “". A escrita berbere, usada entre os Tuaregue do Saara e conhecida tam- bém pelo nome de tifinar, poderia ter-se desenvolvido sob influéncia pinica, pelo contato com Cartago. O sistema de escrita ntibio formou-se no século X, através do contato com a grafia copta que, por sua yez, nasceu sob a influéncia grega. A grafia etfope de Tigrina e de Amhara é derivada da escrita sabeana da Arabia ‘idional. As escritas sildbicas e alfabéticas da Africa ocidental, muito difundidas desde o fim do século XVIII nas costas da Guiné € nas regidces sudancsas, podem ter nascido de uma evolucdo interna ou ter tomado sua forma defi- nitiva sob a influéncia mais ou menos distante de uma contribuigéo externa, de origem drabe ou européia *”. 47 Cf. BouaH, Niangoran. “Recherches sur les poids & peser "or chez les Akan.” Tese de doutoramento PhD defendida em 1972. 48D, A. Day propée, a esse respeito, uma atualizacao interessante em Language and History in Africa, Londres, 1970. 49 Hav, E., 1959. 40 As grafias sudanesas associam pictogramas (imagens realistas) a ideogramas (signos e significagdes simbélicas). Cf. GrisuLe, M. e DIETERLEN, G. A combinagao desses signos permite a transeri¢io ¢ a fixagio de um discurso, decifravel pelo iniciado na eserita e no saber que ela contém. 276 Metodologia ¢ pré-historia da Africw A escrita vai, divulgada na Europa em 1834 gracas aos trabalhos do americano Eric Bates, ¢ aos de Koelle em 1849, desenvolveu-se numa area onde foram descobertos tragados do sistema hieroglifico. Momolu Masakwa, consul da Libéria na Inglaterra no século XIX, descreveu os principios do sistema hieroglifico usado naquela época em sua regiao *', De acordo com os informes de Momolu, para expressar a vit6ria sobre 0 inimigo os Vai desenham, numa casca de rvore que Ihes serve de papiro, a silhueta de um homem correndo com as maos na cabeca. Ao lado da imagem do fugitivo junta-se um ponto, para indicar que se trata de um grande néamero de fugitivos, de um exército derrotado. Nessa utilizagao do ponto para denotar © plural, em lugar dos tracos empregados no antigo vale do Nilo, encontramos elementos da escrita faradnica. Assim, os Vai conseguiram alterar seu antigo sistema no sentido de uma transcrigao fonética. Hoje existem modelos andlo- gos a escrita vai entre muitos povos da Africa ocidental: Malinke, Mande, Basa, Guerze, Kpele, Toma, etc. Os Wolof e os Seereer também adotaram, recentemente, uma grafia inspirada nesses principios. Ao contrério do que em geral se acredita, a existéncia da escrita é um elemento permanente na histéria e no pensamento africanos, da Palette de Narmer & Récade de Glélé. A abundancia de sistemas graficos e de evidéncias de seu uso comprova esse fato. Por diversas raz6es, as escritas africanas pés-faraénicas seguiram um curso normal de evolugao. Esse curso simplesmente se adaptou ao contexto e as exigéncias da historia de uma sociedade e de uma economia rurais de auto-suficiéncia. Os membros de: sociedade n&o foram impelidos a conso- lidar, em sua época, suas conquistas materiais ou intelectuais, j4 que estas nao estavam permanentemente ameacadas. Um bom equilfbrio ecolégico, uma proporgao adequada entre recursos e populacéo assegurou, durante muito tempo, a maior parte das civilizagdes africanas e a seus fatos culturais, 0 poder de ampliar-se e retrair-se formalmente no espaco, conservando apenas © essencial: seus principios. No plano do equilibrio interno, 0 risco nao era muito grande. Mas em face do exterior e do actimulo do progresso, essa fragilidade era prejudicial. Conclusado A lingiiistica é indispensdvel a elaboragéio de uma ciéncia histérica africana. Contudo, sé chegard a desempenhar tal papel se for empreendido um grande esforco em sua area de pesquisa. Até agora, sua contribuicéo foi pequena €, muitas vezes, bastante insegura no plano cient{fico. Pesquisas ainda estdo em andamento. Os métodos ganharam maior precisio e 0 campo de investi- gacéo ampliou-se notavelmente. Nesse contexto, podemos esperar que a and- lise das linguas africanas contribua, num futuro proximo, para elucidar aspec- tos importantes da histéria do continente. *Cf. o excelente artigo de sintese de D. OupeRoGcE “Ecritures méconnues de l'Afrique noire”. Tn: Courrier de Unesco, marco de 1966

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