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A cDU, monstro pré-histérico das classificagées?* ‘MANUEL MonrENEGRO Resumo A Classificagao Decimal Universal ¢ 4 centenaria. Extremamente ‘itil durante todo o perfodo da sua vida, conseguiu sobreviver & pas- sagem do tempo e ao imenso rol das criticas que desde cedo lhe foram sendo feitas. No entanto, cada vez mais ela nos aparece como um sistema desactualizado e sobretudo desadequado face as neces- sidades actuais do tratamento documental. presente artigo procura, através de uma andlise da cov e das, suas condicionantes histéricas e mesmo ideolégicas, mostrar as imperfeigdes de que esta classificagao padece, tanto mais evidentes quanto o mundo e o conhecimento avancam. Comecamos por anali- sar as classificagdes bibliogréficas anteriores & CDU e depois esta propria classifieagdo, continuamos com o estudo dos pressupostos filos6ficos e ideologicos em que a cbv radica e finalmente analisa- ‘mos as possibilidades de sobrevivéncia da cov face aos avancos cientificos e ao novo paradigma da ciéncia. Abstract ‘The Universal Decimal Classification is already centenary. As it has been extremely useful during its lifetime, it has managed to survive the passing of time and all the criticism it has been subjec- ted to since its appearance. Nevertheless, it is more and more seen “= Este artigo constitui uma adaptagio de um trabalho apresentado para avaliagio a disciplina de-Indexagdo por Assuntos II, do Curso de Especializacdo em Ciencias Documentais da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em 1995. Phaixas a&b (4) 2000, p. 71.92 a ‘ManveL MonreNcRo as an old-fashioned system, disajusted to the present needs of docu- ment treatment. ‘This article studies the upc and the historic and ideological situations that have determined its course, in order to show the faults this classification suffers from, all the more evident since the world and knowledge progress. First, bibliographic classifications prior to the upc and the UDC itself are reviewed. Then, philosophi- cal and ideological circumstances that embody Uvc’s structure are studied. Finally, uoc’s chances of survival in view of scientific pro- gress and the new scientific paradigm are analysed. 1. Contextualizacao: estudo genérico das classificacées bi- bliografieas anteriores & cov A.cDU nao nos vai surgir a partir do nada, nao é uma total inova- sao, antes radica numa longa historia de classificagdes bibliogréficas que vem ja do século xvii, quando comecam a surgir, nas grandes bibliotecas, sistemas de classificagdo com 0 objectivo basico de orde- nar 05 documentos em grandes nicleos de assuntos, para melhor, mais rapida ¢ eficientemente os localizar. Embora nao seja indispensavel, no ambito deste trabalho, fazer uma abordagem histérica detalhada deste assunto, ndo deixa de ser oportuno comecar por fornecer algumas informagées sobre a hist6- ria das classificagdes bibliograficas do século xix, particularmente a Decimal Classification de Dewey, classificagao & qual a CDU vai bus- car muitissimas referéncias, mas igualmente mencionando outras: a classificacao de Brunet, a classificagio de Harris e a Library of Congress Classification. 1.1 A classificagao de Brunet A primeira classificacio bibliogréfica que interessa aqui desta- car € a do francés Brunet, a qual nos aparece em 1804. Herdeira do ‘Systeme des Libraires de Paris, esta classificacdo apresenta-nos cinco classes de base (teologia, jurisprudéncia, histéria, filosofia e literatura), subdivididas cada uma delas em subclasses sucessivas, atingindo um total préximo das onze mil subdivisdes. Durante todo 0 século xix, a classificado de Brunet vai conhecer um grande sucesso, tanto no que se refere & classificagao das obras dos fundos das grandes bibliotecas e mesmo de fundos privados, quanto no estabelecimento de catélogos bibliogréficos organizados 72 ‘A cou, monstro pré-histério das elassificagdes? por assuntcs. Porém, ela vai progressivamente caindo em desuso, sobretudo a partir do momento em que comeca a sofrer a concor- réncia de outros sistemas de classificagdo. Por um lado, por ser pouco hospitaleira e em consequéncia pouco evolutiva; por outro lado porque, como refere Jacques Maniez, «la notation y était encore artisanale, compliquée et peu rationnelles! 1.2 elassificagao de Harris Em 1870, a classificacao de William Harris, predecessor de Melvil Dewey no Amherst College, no Massachusetts, vai trazer inovagdes tanto ao nivel da concepgao intelectual dos sistemas de classificagio quanto no que se refere & propria nota Nesta classificacdo, adopta-se ja uma divisdo de base dez e uma notag&o decimal, ideia que sera seguida na classificacao de Dewey e na cov. No entanto, contrariamente a estas duas tltimas classi- ficagdes, Harris evitou a reparticao uniforme das classes pelas diferentes disciplinas, revelando uma sensibilidade precoce para 0 problema do desenvolvimento desigual de cada uma delas. Assim, no total das mil classes que constituem os trés primeiros niveis de subdivisdo, vemos, por exemplo, que a filosofia ocupa 20, e as cién- cias puras 180. Na classificacdo de Dewey, porém, esta ideia nao foi seguida, ocupando cada uma das disciplinas de base uniformemente cem lugares, ideia que vai ser reproduzida na cov (o que constituiu uma espécie de pecado original de que a cDU nunca se conseguir libertar). 13 A «Decimal Classification» de Dewey A Decimal Classification, de Dewey, estruturada em 1873, 6 publicada pela primeira vez em 1876, com o titulo «Decimal Classi- fication and Relative Index». E uma classificagdo enumerativa, con- tendo num esquema mono-hierarquico o conjunto das diversas areas do conhecimento, ou seja, 6 uma classificacdo universal. Vale a pena consagrar algum tempo a esta classificagio, n&o sé pela grande divulgagao e celebridade que veio a conhecer ¢ ainda hoje mantém, mas também pela prépria influéncia directa que veio a exercer na elaboracao da cov. ‘Uma das caracteristicas importantes da D¢ é a utilizagao de um esquema de subdivisao decimal para estabelecer as classes e sub- classes e para a notacdo, cuja extensao se faz. assim corresponder a0 73 ‘MaxveL Mostenecro nivel de subdivisio do assunto. Esta subdivisdo, como vimos, tinha Ja sido experimentada por Harris, mas deve-se a Dewey a inovagao ‘que consiste em conferir a cada disciplina considerada de base o mesmo espaco no esquema (0 que apresenta 0 inconveniente de, & partida, conferir diferentes graus de desenvolvimento a diferentes partes do esquema, mas possui vantagens como a de tornar mais fécil detectar, a partir da extensio da notagdo, a especificidade do assunto que representa) Outra inovagao da Dc € o facto de, juntamente com o esquema de classificagao, ser apresentado um indice relativo desenvolvido, ordenado alfabeticamente e remetendo para a notagao, 0 que per- mite localizar com facilidade um assunto dentro do esquema de classificacao, Ac é também considerada como a primeira classificagao a pre- ‘ocupar-se com a indexacao do conteitdo dos livros e nao apenas com ‘a sua arrumagao, embora nao deixe de permitir a colocagao relativa des volumes nas estantes. Assim, 6 com Dewey que passa a existir classificagao bibliografica no sentido proprio do termo. 1.4 A «Library of Congress Classification» Nos finais do século xrx, a Library of Congress tinha-se tornado una das maiores e mais importantes bibliotecas do mundo, contan- do ja o seu fundo cerca de um milhao de volumes. A concepgao de un sistema de classificagao detalhado foi levada a efeito por uma equipa de bibliotecdrios que, tendo inicialmente pensado tomar como ponto de partida a Expansive Classification de Charles Cutter, acaba por desenvolver um sistema totalmente novo, feito a medida do fundo documental da Library of Congress. De facto, contrariamente & DC ou propria cDv, a Library of Congress Classification (1c) nao pretende uma organizagao siste- mitica do saber, mas apenas conseguir uma classificagao pratica que se aplique as obras presentes no fundo da Library of Congress. A organizagao geral do esquema evidencia alias este empirismo: ¢ ‘importaneia relativa do nimero de obras de uma disciplina que determina 0 seu lugar no esquema. Além disso, hé poucos niveis hierdrquicos e longas enumeragies de classes colaterais, néo ha subdivisdes comuns, a notacdo deixa de ser expressiva, pelo menos a partir do segundo dos seus earacteres, ‘Segundo Maniez, «la Lc demeure un schéma monohiérarchique énumératif souvent comparé & un pigeonnier ot un nombre deter- miné de logis sont prevus pour chaque catégorie de pigeons-2, 74 ‘cou, monstro préchistérico das classifcacies? Apesar dos seus defeitos e das suas fraquezas internas, a LC 6, a par da Dc, um modelo de referéncia nos Estados Unidos, estando também muito divulgada na Gra-Bretanha e Australia. No entanto, fora do mundo anglo-saxénico, é pouco utilizada e pouco conhecida 2. A Classificagao Decimal Universal 2.1 Hist6ria da cov ‘No final do século xrx, fundou-se em Bruxelas o Institut Interna tional de Bibliographie (18), depois tornado Fédération Internatio: nale de Documentation (rt). Numa época fortemente marcada pelo movimento mundialista, um dos primeiros objectivos do 118 foi o de conceber um catalogo universal em forma de classificagao, com 0 fim de recensear contetido dos documentos do mundo inteiro. Antes de mais, era preciso caracterizar os livros em funcao do assun- to que tratavam, independentemente da area do conhecimento em que esse assunto se situasse, ¢ isso tornava necesséria uma classi- ficacdo universal. Essa tarefa, sem diivida ambiciosa, foi levada a termo no pri- meiro quartel do século xX, gracas ao entusiasmo de dois belgas, ardentes mundialistas, os advogados Paul Otlet (1869-1944) ¢ Henry La Fontaine (1854-1943), que tinham participado activa- mente na criagéo do 118 e que assim desenvolveram a CDv, Conscientes dos méritos apresentados pela Dc, cujo esquema de base decimal pensavam ser 0 mais adaptado as necessidades de ‘uma classificaeio moderna, mas conscientes também dos seus limi- tes e insuficiéncias — lembremo-nos que a DC estava, & partida, des- tinada A pequena biblioteca do Amherst College -, obtiveram de Dewey, em 1895, a autorizagao para trabalhar a partir do seu esquema, intreduzindo-lhe miltiplas transformagdes e pormenores, adaptando-o e modificando-o livremente em fungao do seu projecto. Assim surge 0 Manuel du Répertoire Bibliographique Universel, publicado em 1910 j4 com 10 000 subdivisédes, isto é, mais do que qualquer das edigdes do esquema que Ihe dera origem. Depois dessa data, o 1B prosseguit os seus esforgos de cooperagao no dominio da informacao, apesar dos entraves causados por duas guerras mundiais. E verdade que se abandonou o projecto de cat- logo universal, mas em compensagao a CDU foi constantemente desenvolvida em edigbes sucessivas: uma segunda edic&o, publicada entre os anos de 1927 e 1933, tomava jé a designagio de Classification Décimale Universelle, ¢ 0 facto de a terceira edicao ser publicada em 6 ‘MaxvL MoxreNEciR0 Iingua alema, com 0 nome de Dezimal Klassiftkation (iniciada em 1934 mas s6 terminada em 1952/1953, devido a Segunda Guerra Mundial), atesta bem a sua natureza internacional. A cou deve-se também a Frits Donker Duyvis, funcionério do Servico Holandés de Patentes (e secretrio do 1 entre 1929 e 1959), que tinha jé assumido, aquando da segunda edigdo da obra, a res- ponsabilidade pela supervisao das tabelas consagradas as Ciéncias Naturais, enquanto Otlet e La Fontaine se ocupavam das tabelas de Humanidades e Ciéncias Sociais. Em 1931, 018 procedeu a uma alteragdo da sua designagao para Institut International de Documentation (1p) e, de novo, em 1937, para Fédération Internationale de Documentation (Fi), «marquant par la ses distances par rapport au classement des livres et sa volonté de créer un outil d’analyse universel adapté a toutes sortes de documents-3. A rip, cuja sede passou a situar-se em Haia, con- fiou 0 cuidado de revisdo constante da cov a um Comité Central de Classificacdo (Ccc), organismo supremo composto pelos editores oficiais das diversas versdes e representantes dos cerca de trinta paises filiados. Na Gra-Bretanha, 8. C. Bradford, bibliotecério da Science Mu- seum Library, foi o grande entusiasta da cbv. Foi obra de Bradford a primeira edicao em inglés da cov, publicada sob 0 titulo Classifi- cation for Works on Pure and Applied Science in The Science Museum Library. 2.2.A estrutura da cov A estrutura basica da cbv, que vai copiar a da Dc, é a seguintet: 0—Generalidades. Cigncia econhecimento. Organizaglo.Informagio. Documen- tagéo. Biblioteconomia Instituigbs. Publicagées, 1 Filosofia. Psicologia. 2 Religito, Teologia 3~Citncias Sociais. Bstatistica. Politics. Eeanomia. Comérci, Direta. Adminis- ‘ragio Publica. Forgas Armadas.Asistncia Social. Seguro. Eucago,Folelore 5 ~Matemdtica e Ciencias Naturais. 6 ~Ciéncias Aplicadas. Medicina. Tecnologia. 17 Artes. Reereagfo, Entretenimento. Desporto. 8 Linguagem. Linguistica. Literatura’ 9~ Geografia. Biografa. Hiséria, Cada uma destas classes se subdivide até dez subclasses, ¢ assim sucessivamente, numa estrutura mono-hierérquica. Por exemplo: 6 A CU, monstro pré-histérieo das elassificagdes? 5 ~ Matematica e Ciéneias Naturais 51-Matemética 517 ~ Anglise matematica 517.5 ~ Teoria das Fungies 6517.61 — Fungbes de uma variével real. Fungées reais 517.518 ~ Teoria métrica das fungéee 517.518.2 ~ Classes de fungtes 517,518.25 — Pungoes quasi-analiticas A.cu € pouco inovadora em relagdo a Dc no que se refere as suas tabelas principais, sendo mesmo quase idéntica até ao tercciro digito da notagao. De facto, como afirma A. C. Foskett, «se tivéssemos de Julgar a cbU unicamente pelas suas tabelas principais, teriamos de admitir que ela sairia perdendo da comparagao»® com a DC. Tolavia, a cov torna-se vantajosa, por uma lado devido a introdu- ‘sao de divisses analiticas no inicio dos capitulos com que se relacio- nam (auxiliares especiais que tém diferentes siguificados conforme © contexto em que se encontrem), por outro lado devido a existéncia de tabelas auxiliares comuns, que podem ser usadas em qualquer lugar das tabelas principais. E claro que ja na primeira edicao da Dc se encontravam padres repetidos de algarismos onde a mesma caracteristica de divisio era aplicada, s6 que agora, com a CbU, deu-se um passo em frente, com 4 reunido destes algarismos em tabelas de mimeros auxiliares que poderiam ser acrescentados onde se considerasse necessério. Este Principio de sintese significa que se poderia alcancar um nivel muito maior de detalhe e maior preciso, para além de uma economia de apresentacao. Para Foskett, os auxiliares funcionam do mesmo modo que «um conjunto de facetas comuns ¢ indicadores de facetas que nos permi- tem livremente fazer a sintese onde a notagio mais restrita da cD nio 0 permite»”. Também para Maniez, «importance accordée aux indices sécondaires et les facilités de synthése aboutissent & une construction mixte, monohiérarchique pour Pessentiel, et utilisant les facettes pour les divisions analytiques et les subdivisions com- munes, 3. Contingéncias da cpu ACU move-se num espaco marcado por mais de dois milénios de tradigves filoséficas ocidentais, por uma ideia de ciéncia ainda concekida como acumulacao empirica de conhecimentos, e lida mal 7 Maxvet. Mosreneano com as novas concepgdes relativistas do conhecimento cientifico com um mundo que é cada vez menos Europa. 3.1 Os prinetpios filosoficos estudo das influéncias de diversos fildsofos e sistemas filos6fi- cos na cov reveste-se de particular importéncia para a compreenséo de algumas das caracteristicas essenciais deste sistema de classifi- cacao. Isto porque estas influéncias, ao determinarem a estrutura da cov, acabaram muitas vezes por determinar também os seus limites eos préprios espartilhos & sua adaptacdo a novas realidades ea novas necessidades. 3.1.10 Platonismo O sistema filoséfico de Plato (428? a.C.-340 a.C.) «professava a imperiosa necessidade de esclarecer a total impossibilidade da exis- téncia de um conhecimento seguro sobre objectos mutveis. 0 conhe- cimento 86 era possivel no reino da imutabilidade.*. Platao estabelece a existéncia de dois mundos: 0 mundo sensivel, mundo imutavel e exposto a continuas alteragdes; 0 mundo inte- ligivel, mundo inalterdvel, imutavel. Esta corrente de pensamento, a0 mesmo tempo que distingue o mundo inteligivel (mundo da teoria, do pensamento) do mundo sensivel (mundo da actividade pratica), afirma o primado do primeiro sobre o segundo. As decorréncias do platonismo em toda a cultura ocidental sao da mais variada ordem, podendo destacar-se entre elas a divisio entre trabalho manual e trabalho intelectual, ¢ a diferente valori- zagao de cada um deles ao longo da Historia. De facto, radica em Platao o desprezo que ainda hoje se verifica pelas actividades do trabalho manual, ou mais propriamente fisico, «consideradas em bloco como indignas do homem de qualidade destinado a intelec- ‘tualidade, a direccao dos problemas politicos e religiosos, a gestao dos bens fundiarios e eventualmente de capitais importantes: acti- vidades que no eram consideradas como trabalhow'®, A divisdo entre teoria e pratica estabelecida por Platao vai ser transporcada, através da DC, para a CbU, na divisdo das classes principais, designadamente na divisao que se estabelece entre as cincias puras (classe 5) e as ciéncias aplicadas (classe 6), ainda com 0 pormenor curioso e nao dispiciendo de as ciéneias puras pre- cederem as aplicadas na ordenagao das classes, 18 A.cou, monstro pré-histérico das classficagses? De Platao reteremos também «a importancia atribuida as mate- maticas e a geometria como degrau imprescindivel para o acesso & verdades1!, preocupacao que veremos novamente na moderna cién- cia do século xvr, que avanga na matematizagéio do real fisico, e na obra de Francis Bacon. 3.1.2 A légica dedutiva aristotélica E comum fazer remontar as classificagdes até A Antiguidade Classica, mais propriamente até a filosofia grega, ¢ Aristételes ‘surge-nos como o primeiro pensador que normalmente é referido na histéria da classificacao. Embora nao se tenha debrucado directa- mente sobre o tema da classificagao documental, Aristételes é «0 grande instaurador do plano de classificagao légico-dedutivo para as ciéncias\!2, defendendo uma «viséo universalista do conheci- mento com 05 seus conceitos de unicidade e imutabilidade»!3, no que diverge do seu mestre Platao. ‘A importancia de Aristételes deve-se aos seus tratados sobre légica, em eujos prineipios continuam a basear-se as linguagens categoriais modernas. A propria terminologia aristotélica exerce ainda hoje, na classificagto de qualquer campo do conhecimento, uma grande influéncia, embora obviamente nao cubra todas as relagies hoje identificadas. A construcao légica aristotélica 6 dedutiva por exceléncia, con- sistindo em tomar 0 todo (o summum genus) e proceder progressi- vamente a sua subdivisdo em dreas cada vez menores, descendo a assuntos caila vez mais especificos, até atingir a infima species. A dedugao (apodeixis) «vale como prova e explicagao, porque a me- lhor prova consiste em mostrar como o fendmeno particular deriva de uma causa universal", ‘Também o fil6sofo grego Porfirio (233/234 d.C.-304/305 4.C.), Aiscfpulo de Plotino e comentador da obra de Aristoteles, teve, com a sua drvore dicotémica, uma grande influéncia na determinacao dos princfpios da classificacdo. A «Arvore de Porfirio propde um meétodo dicormico (divisto de uma classe em duas subclasses) em que podemos ver um primeiro esboco das estruturas arborescentes!5, A arvore de Porfirio 6, ainda hoje, citada como modelo de classi- ficagao racional. ‘Au prenir niveau, la substance (genre), dont Ia caractéristique est 'xisten ‘ce, se trans‘orme par adjonction de Ia caractristique corporalité (aifférence) en substance corporelle ou corps (espéce). La naissance de Tesptce substance corpo- relle erée automatiquement une autre espéce: la substance non corporelle. Ainsi 79 MaxveL. MorentaRo la classe des corpe, on devenant & son tour genre, par adjonetion de la earacté- Fistique vie, se divise en corps animes et corps inanimés (nature morte); en ajou- tant la caractéristique des sens au genre des corps animés on obtient, a troisib- re niveau, les corps sensibles (animaux, hommes) et insensibles (végétau). AU ‘quatridme niveau, la caractéristique raison ajoutée aux corps sensibles donnera tune division de cette classe en corps sensibles raisonnables et corps sensibles privés de la raison, & savoir les animaux. Au einguitme niveau, enfin, Porphyre divise les hommes en individus)®, Acbv assenta na operac&o mais elementar da légica formal aris- totélica que também Porfirio segue: a dicotomia, isto 6, a escolha de ‘uma caracteristica e a distincao dos objectos a classificar, de acor- do com a posse ou nao dessa caracteristica, com a incluso ou a nao inclusdo de uma qualidade postulada. A cbv foi também criada e desenvolve-se por dedugao, com a par- ticularidade da infima species ser, ela propria, considerada como um género que pode ser mais divididol’. Desce-se assim a uma rubrica individual através de um processo de especificagdo com limites indefinidos, numa estrutura arborescente. Assim, a CDU constitui-se como um esquema linear, extrema- mente hierarquizado. Esta estrutura hierdrquica ¢ rigida: existe obviamente a possibilidade de estabelecer novas subdivisdes, mesmo de deixar espacos vazios, mas nao é possivel alterar a estrutura, isto é, as relagdes existentes nao podem ser modificadas sem que isso implique a revisdo dos documentos jé classificados. 3.1.3 A indugao de Bacon A indugao de Francis Bacon, que constitui a primeira tentativa moderna para formular uma doutrina do método cientifico, foi expressa na obra Novum Organum, de 1620. Como o proprio titulo sugere, esta obra foi escrita por oposi¢ao a Aristételes, cujos escritos compilados pelos escolisticos eram co- nhecidos por Organum. Bacon comprendeu que a légica formal nao ‘era um instrumento de descoberta cientifica, como Aristételes tinha suposto, e tentou estabelecer as regras pelas quais a produgao de descobertas cientificas poderia ser reduzida a uma tarefa simples, baseada no princfpio indutivo. A abordagem indutiva consiste em comecar com os elementos isolados, formando progressivamente grupos maiores, num sentido inverso ao que era tomado pela abor- dagem dedutiva. ‘Jé em 1605, na sua obra Avango do Saber, Bacon tinha langado as bases do sistema filos6fico que mais marcou os eriadores dos pri- meiros sistemas de linguagens classificatorias. 80 A-cDU, monstro pré-histérico das elassificagdes? Para Bacon, todo o saber humano tem por base trés faculdades: ‘+ a meméria, que produz a histéria; ‘« a imaginagao, que produz a poesia e as artes; «a razdo, que produz a filosofia e a ciéncial, 0 sistema filos6fico de Bacon veio exercer influéncia em varios pensadores (como Leibniz, Diderot e d’Alembert, 0 préprio Auguste Comte), mas sobretudo influenciou varios sistemas de classificagao, nomeadamente no mundo anglo-sax6nico. As cinco classes que, como jé referimos, constituem a base da lassificacdo de Brunet (teologia, jurisprudéncia, historia, filosofia, literatura) -reprennent, en Vinversant, la énumération de Bacon»'®, ‘Também a classificacao criada em 1815 pelo presidente Thomas Jefferson para a Biblioteca do Congreso, e que vai permanecer em 1uso até a elaboracao da Library of Congress Classification, se ins- pira largamente no esquema de Bacon”®, A classificacao de Harris «inverte de facon significative Yordre du classement de Bacon»?!: a ordem Histéria-Poesia-Filosofia aqui substitufia pela sequéncia Ciéncia-Artes-Historia, A concepeao da Decimal Classification vai aproveitar este arranjo da classificagao de Haris, completando a sequéncia, depois herdada pela cou, de Filosofia-Ciéncias-Artes-Historia. préprio Dewey credita 0 seu arranjo das classes principais a0 -arranjo baconiano invertido da biblioteca de St. Louis», indicando porém que «em todas as partes a teoria e a exactidao filoséficas cederam lugar a utilidade prética»22, Para Maniez, o sistema de Bacon esta jé em crise quando é adap- tado para a cDU, fazendo com que esta classificagao surgisse, logo na altura da sua criagdo, como um «monstro pré-histérico-23 das classificagdes. 3.1.4 O positivismo de Comte © positivismo defende que o conhecimento pode ser atingido de forma objectiva e definitiva e a ciéncia é a simples acumulacao de ‘conhecimentos assim ordenados e acumulados. Nesse sentido, 0 positivismo aparece-nos como um truismo, onde nao cabem desac- ‘tualizagdes nem rupturas com conhecimentos anteriormente con- quistados. ‘A cDU vai desenvolver-se de acordo com os principios do positi- vismo. Sem grande esforco, podemos ver na CDU as nogoes de desen- volvimento e de progresso, presentes em toda a obra filoséfica de Comte, e que culminam e se resumem na divisa positivista «Ordem 81 Maus. Mostenpano € Progresso»: a ordenacao dos ramos cientificos e o progresso que se consegue através da especificacao dentro dessa ordem (mas nunca recorrendo a subversio dessa ordem ou a sua rectificagao). B, alis, uma época fortemente marcada pelo positivism que vé surgir os grandes esquemas classificatérios enumerativos, mono-hierérquicos ¢ universais. rositivismo é, em si, francamente classificatério, aplicando 0 conceito de classificacao em primeiro lugar &s cidncias naturais e depois também as linguas*. O préprio Comte estabeleceu uma sescala enciclopédica», que mais nao é do que um esbogo de classi- ficagac?®, No positivismo de Comte, teoria e prética aparecem nitidamen- te seperadas. Como ele afirma no seu Cours de Philosophie Positive, «qualquer confuso, ou mesmo s6 a adesao da teoria a pratica, ¢ igualmente funesta a ambas, sufocando o impulso da primeira, e deixando a segunda no estado de quem se agita sem objectivos?8. E novemente Platao quem aqui se agita... 3.208 constrangimentos ideolégicos Se 6 certo que os homens pensam ¢ falam, no é menos verdade que, muni- 4dos embora de mecanismos peicoldgicos de conhecimento homélogos, fazem em moles diferentes, quando nao contraditérios. Nao hi um pensamento universal f abstracto, remetendo para uma pretensa natureza humana, bé, isso sim, for- mas de inteligibilidade historicamente detorminades e, portanto, descoincidet tes: no hé uma ligin absoluta intemporal, liga (ideolgteas) soci diversas 0 indexador serve de intermedidrio entre os autores ¢ os usuaris. (Justifea- -sel que entre uns e outros le interponka as suas prépriasidéias preconceitos? ‘A resposta imediata ser4 no, mas, na pritica, iso raramente acontece. ‘Uma linguagem de indexacio inevitavelmente reflecte, em certa medida, a {formagao social e cultural do seu autor, e, enquanto ela serve a usuarios de con- ‘vegies semelhantes, isso ndo é necessariamente um mal. Seré quando procura- ‘mos impor determinada cultura a usuarios pertencentes a uma outra. Poderio ‘surgirdiversostipos de problemas. ..| Mesmo certos esquemas, como a CDU, que {muna politica internacional definida, nfo esto inteiramente ientos dessa tendincia ‘Um dos primeiros exemplos que ¢ usual referir quando se pre- tende mostrar a parcialidade da cDU 6 o da religiao (classe 2), onde a notardo «est répartie d’une maniére trés inégale [et] marque un certain parti pris en faveur de l'Occidents2®. De facto, a cDv privi- legia claramente a religido crista (classes 22 a 28) e, mesmo dentro desta, as diferentes formas do cristianismo sao tratadas de forma desigual. 82 A.co0, monstro préchistérico das classificapées? Ao passarmos para as restantes religides, torna-se mais eviden- te o que acabémos de dizer. As «religides nao-cristas» (note-se, como pormenor nao pouco significativo, a sua caracterizagao pela negati- va) ocupam apenas a classe 29: 0 budismo e as religides indianas ‘como 0 vedismo figuram na classe 294, a religiao judaica na classe 296, o islamismo na classe 297, enquanto o confucionismo, o taois- mo e 0 xintofsmo devem partilhar entre si a classe 299. E indis- cutivel que esta reparticao denota uma grande falta de proporgao. ‘Como refere Barbara Kyle, «seule une répartition entidrement nouvelle de ces questions pourrait permettre une classification de ces questions»30, Nas tabelas auxiliares ¢ possivel encontrar também alguns bons exemplos de desigualdade. Na tabela dos « ou «corte epistemoldgico», segundo a qual a evolugao cientifica se produz por uma ruptura com um conhe- cimento anterior, isto 6, através de revolugies e no por mera evo- lugao numa linha de continuidade e de acumulacao. Na perspectiva de Bachelard, «o conhecimento cientifico é a rectificagao de um conhe- cimento primério que se reconhece mais tarde nao ser senéo um erro primério-s", Bachelard apresenta a pratica cientifica como devendo satisfa- zer as exigéncias de uma ruptura com todas as imagens primeiras ou perceptivas do sujeito, devendo ser a ciéncia a destruir os seus préprios factos. B. C. Viekery*® cita dois autores Otto Blith e Herbert Dingle — que, usando 0 exemplo da fisica, nos mostram até que ponto a divisdo segundo as categorias da percepedo sensorial, ainda hoje utilizadas nas classificagées, se encontra desajustada. Segundo Otto Bluh, «la classification de la physique [...] a commencé par s‘appuyer sur les catégories de la perception sensorielle (mécani- que, acoustique, optique, termique, etc.)... Mais cette méthode n'est plus valable aujourd’hui-. Herbert Dingle vai mais longe: «Jadis, la physique se scindait naturellement en plusieures branches selon ‘un schéma traditionnel ~ mécanique, thermodynamique, optique, ete. Il s'agissait la de sciences distinctes ayant atteint des degrés de dévellopement trés divers, et dont chacune progressait indépen- demment des autres; mais aujord’hui les lignes de démarcation qui les séparaient ont a peu prés disparu». Ora, na cDU, a subdivisao da Fisica obedece exactamente a esta separacio segundo as categorias da percepgio sensorial, a velha teoria dos cinco sentidos, ou seja, ‘nao é mais do que uma divisdo baseada nas tais «imagens percepti- vas do sujeito», para retomarmos a expressao de Bachelard. 3.8.9 A distingdo entre ciéncias puras e ciéncias aplicadas Critica-se constantemente as tabelas da cbU por separarem as ciéncias puras das ciéncias aplicadas. Uma das consequéncias mais, flagrantes desta separagao é 0 facto de as mesmas matérias se 86 A cou, monstro pré-histrico das classificagdes? encontrarem nas rubrieas consagradas & ciéncia e & tecnologia, facto que, para além de provocar intmeras redundancias, faz.correr orisco de confundir o utilizador c mesmo, algumas vezes, 0 classifi- cador. Por outro lado, nem sempre as divisdes estabelecidas no dominio das ciéncias puras se aplicam & tecnologia, e vice-versa. ‘Vickery considera mal fundamentada a separacdo estabelecida entre as classes 54 (Quimica) e 66 (Industrias quimicas. Tecnologia quimica), fazendo notar em defesa da sua tese que, por exemplo, esta divisdo nao encontra uma divisdo anéloga para a tecnologia fisica%®, Assim, Vickery defende a fusao das classes 54 e 66, ja que «les substances chimiques, leurs propriétés et leur comportement, les procédés et les appareils utilisés sont essentiellement les mémes au laboratoire et dans l'industrie»*®. Vickery vai defender mesmo que deveria ser realizado um «remaniement général des sections consacrées & la physique et a la chimie physique, a la lumiére de la conception actuelle de ces sciences-*1, Deveria acontecer 0 mesmo com as classes 57/59 (Biologia, Boténica, Zoologia) e 63 (Agricul- tura, ete.}2, Nao ¢ dificil apercebermo-nos de que as propostas de Vickery, a serem aceites, acarretariam uma total subversio da DU, tornando-a irreconhecivel. Mas este autor tem razdo quando diz, sobre a CDU, que «son ampleur et son universalité ne la sauveront pas si elle est incapable de s‘adapter aux progrés de la science et de la technolo- gie»43. Com Vickery concorda Barbara Kyle, para quem «pour rem- plir convenablerient son réle, la cDU aurait besoin de modifications telles qu'elle s’en trouvait presque complétement transformée-* 3.3.4 A dificuldade na classificagao das ciéncias integradas Le monde de Ia connaissance, au cours de ces dernigres années, est devent. ron seulement plus vaste, mais aussi infiniment plus complexe. Chaque déco. ‘verte nouvelle provoque des réactions en chaine dans les domaines voisins.*7 ‘Na cov, as classes principais representam, como jé vimos, as disciplinas tradicionais, tal como eram entendidas no século XIX. Novas divisées feitas a partir daf seriam por especificagao de novas cigncias, que se tornavam independentes ou se autonomizavam dentro de uma érea de origem. ‘Na filosofia da ciéncia tradicional (aristotélico-escoléstica), 0 si tema das ciéncias funcionava como um todo, como uma hierarquia em que as ciéncias gerais e as ciéncias particulares que Ihes eram consideradas subalternas encaixavam perfeitamente. Com 0 adven- to da modernidade, assistimos a emancipacdo das ciéncias particu- 87 ‘MaxueL MoxreneaRo lares da sua subsidiaridade, mas continua a admitir-se que elas so Aistintas, funcionam em compartimentos estanques e os seus objec- tos de estudo so absolutamente proprios e diversos. E a crise do positivismo légico que faz retomar consciéneia da conexao entre as ciéncias: essa wconsciéneia de interdisciplinari- dade», actualmente cada vez mais presente. De facto, reconhece-se actualmente que os progressos mais recentes em todas as areas do conhecimento tendem a atravessar as fronteiras entre as discipli- nas, muitas vezes transversalmente, ou seja, 08 «novos t6picos desenvolvem-se nao por simples fissao — a divisio de assuntos esta- belecidos - mas também por fusdo, que ¢ a amélgama de assuntos antes diferenciados»*®. Torna-se, deste modo, «muito dificil acomo- dar assuntos interdisciplinares num esquema de classificagao con- vencional, do mesmo modo que ¢ dificil levar em conta as mudangas nas relagées entre assuntos existentes»*7, Quando acima falamos de interdisciplinaridade, no nos quise- mos referir apenas a mera abordagem pluridisciplinar, que consiste basicamente em estudar um fenémeno do ponto de vista de uma dada ciéncia e acrescenté-lo aos demais. A interdisciplinaridade implica um trabalho de conjunto desde a definigao do fendmeno, passando pela elaboracao de hipsteses de trabalho, até A elaboracio do relatorio final. ‘A abordagem interdisciplinar tem o seu ponto alto com o desen- volvimento das chamadas «ciéncias integradas» ou «ciéncias de sin- teser. De facto, ha determinados «problemas-fronteira» que parecem particularmente vocacionades para por & prova as disponibilidades dos cientistas e tornar mais densa a rede de disciplinas que se tocam nos seus objectos. ‘Vejamos, como ilustragio do que acaba de ser dito, o caso de uma ciéncia como a ecologia. Ciéncia cujo aparecimento como area inde- pendente do conhecimento se verificou em data relativamente recen- te, a ccologia nao poderia estar prevista no esquema inicial da cou como ciéneia auténoma. Assim, ela apenas surge claramente em 591.5 (Habitos dos animais. Comportamento animal. Ecologia. Etologia. Animal e meio ambiente. Bionomia) e em 504 (Ciéneias do meio ambiente), mais precisamente em 504.75 (Beologia humana e meio ambiente), mas pode ainda ser classificada em 577.1 (com a quimica e a quimica biol6gica em geral) e em 631.95 (dentro da agri- cultura), e isto para mostrarmos apenas os casos mais evidentes. Joso Joanaz de Melo e Carlos Pimenta referem que a ecologia srecorre a informagao e apresenta interfaces com outros ramos das ciéncias da vida (biologia, biequimica, genética), bem como com as 88 A.cDU, monstro pré-histéreo das elassificagdes? diferentes especialidades texonémicas (zoologia, botdnica, micro: biologia e suas subdivisdes). O seu objecto de estudo é, no entanto, mais abrangente: a Ecologia estuda o sistema constituido pelo con- jjunto dos seres vivos e das diferentes componentes do scu ambiente fisico (4gua, atmosfera, solo), bem como as suas inter-relagies. Apresenta, portanto, uma ligagdo importante as ciéncias da Terra (geologia, climatologia, hidrologia, oceanografia)»*. Neste texto, encontramos referéncia a nada menos que dez cién- cias, que a CDU distribui pelos correspondentes dez pontos de acesso dentro das classes 5 e 6. Parece-nos dbvio que qualquer tentativa de reduzir esta complexidade a um ponto de acesso tinico, além de pecar por excessivo simplismo, estaria A partida condenada ao fra- casso, ¢ assim tentamos compreender a situacao do miiltiplo acesso que a ecologia inevitavelmente tem na CbU. Mas nao ¢ verdade que o objectivo de uma classificagao mono-hierdrquica seria 0 de colocar cada ramo cientifico no seu lugar e s6 ai? ‘Notemos que o caso da ecologia nfo 6 um exemplo isolado, antes 6 um entre varios que nos revelam a desadequacao da estrutura geral da cDU, objecto de criticas persistentes, nomeadamente por Vickery, que nos alerta para o facto de que, hoje em dia, «il est deve- nu difficile de répartir les connaissances scientifiques entre les dis- ciplines traditionneles auxquelles correspondent les catégories principales de la cou» 3.4 A unidimensionalidade eas tentativas da sua superacao A unidimensionalidade na indexagao dos documentos 6 uma caracteristica das classificagdes mono-hierérquicas. Se o documento refere mais do que um assunto, terd de ser indexado pelo assunto principal, omitindo-se os restantes. A DU contém processos para combater essa unidimensionalidade, dotando de alguma flexibilidade a indexacao, designadamente socorrendo-se de sinais de relacio, ‘mas isso acarreta também consigo algumas consequéncias negativas, entre as quais a complexidade das notagies dai resultantes. ‘De facto, se atentarmos apenas nas tabelas principais, a notagiio da cbv apresenta-se-nos com uma elevada simplicidade. Mas deve estar claro que, na pratica, a notagao da cov tende a ser muito com- plicada. O exemplo dado por Foskett para sublinhar este aspecto é ‘bem elucidativo: para o assunto «Fornecimento de energia para os electromagnetos de um sineroton proténico» a notagdo é: Mave Movrenano 621,384.61 : 539.185 : 621.318.3 : 621.311.6 Conforme conclui Foskett: «Ninguém afirmara que isto é simples ou memorizdvel, além de repetir trés vezes 621.3», Aceitemos, no entanto, que, se nao é simples, nem memorizével, 6 pelo menos espeeifico, e a CDU € 0 tinico esquema de classificagéio que dispse de suficiente minticia para tratar este e outros assuntos igualmeate especificos.

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