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Anais do XII Seminário Nacional de História da

Matemática

ISSN: 2236-4102
Diretoria SBHMat (2015-2019)

Presidente: Iran Abreu Mendes


Vice-Presidente: Marcos Vieira Teixeira
Secretário Geral: Carlos Roberto Moraes
1º. Secretário: Ligia Arantes Sad
Tesoureiro: Mariana Feiteiro Cavalari
Conselheiros: Wagner Rodrigues Valente e Maria Célia Leme da Silva
Conselho Fiscal: Ana Carolina Costa Pereira, Miguel Chaquiam e Moysés Gonçalves
Siqueira
Comissões

Comissão científica
Ana Carolina da Costa Pereira – UECE/CE
Antonio Vicente Garnica – UNESP/Bauru
Carlos Roberto de Moraes – UNIARARAS/ Araras - SP
Fabio Maia Bertato - UNICAMP
Fumikkazu Saito – PUC/São Paulo
Iran Abreu Mendes - UFRN
Lígia Arantes Sad – IFES/Vitória
Marcos Lubeck – UNIOESTE/ Foz do Iguaçú
Marcos Vieira Teixeira – UNESP/Rio Claro (Coordenador Científico)
Maria Célia Leme da Silva – UNIFESP/SP
Mariana Feiteiro Cavalari - UNIFEI
Miguel Chaquiam -UEPA/PA
Moysés Gonçalves Siqueira Filho - UFES
Sabrina Helena Bonfim – UFMS/Paranaíba-MS
Sergio Roberto Nobre – UNESP/Rio Claro
Tatiana Roque - UFRJ
Wagner Rodrigues Valente – UNIFESP/SP

Comissão local
Agenor Pina da Silva
Camila Cardoso Moreira
Eliane Matesco Cristóvão
Hévilla Nobre Cézar
João Ricardo Neves da Silva
Luciano Fernandes Silva
Mariana Feiteiro Cavalari (Coordenadora Local)
Thiago Costa Caetano
Apoio Científico/Institucional
Instituto de Matemática e Computação (UNIFEI)
Instituto de Física e Química (UNIFEI)
Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências (UNIFEI)
SBHMat

Apoio Financeiro
CNPq
Capes
UNIFEI
Livraria da Física
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................................................................................................1

CONFERÊNCIAS ........................................................................................................................................................5

O INÍCIO DA HISTORIOGRAFIA EM RUSSO SOBRE A MATEMÁTICA ISLÂMICA..........................................6

O USO DO REPOSITÓRIO DE CONTEÚDO DIGITAL NAS PESQUISAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA............................................................................................................................................................16

A MATEMÁTICA NO PARMÊNIDES DE PLATÃO: UM EXEMPLO DE COMO A FILOSOFIA PODE

AUXILIAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA ANTIGA..........................................................................................22

TESE APRESENTADA EM CONCURSO DA CÁTEDRA DE GEOMETRIA PRELIMINAR E

TRIGONOMETRIA RECTILÍNEA, PERANTE O GYMNASIO ESPIRITO-SANTENSE 1918...............................34

CARTAS DE MATEMÁTICOS ESTRANGEIROS SOBRE A ATMOSFERA BRASILEIRA NO INÍCIO DA

DÉCADA DE 1970....................................................................................................................................... ................36

HISTÓRIA DAS ENCICLOPÉDIAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTORIOGRAFIA DA

MATEMÁTICA............................................................................................................................................................40

DISCUSSÕES TEMÁTICAS ....................................................................................................................................41

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: PASSADO, PRESENTE E

FUTURO.................................................................................................................................................... ...................42

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA................................................................44

PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: PROBLEMAS E CONCEITOS DE MATEMÁTICA.................46

MESAS REDONDAS.................................................................................................................................................56

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.....................................................................................................................................57

CAMINHOS PARA A UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO

MATEMÁTICA............................................................................................................................................................59

COMUNICAÇÕES ORAIS ......................................................................................................................................61

HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA COM O MÉTODO DA FALSA

POSIÇÃO......................................................................................................................................................................62
EXPERIÊNCIAS COM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA..............................................71

ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS: UM ESTUDO NOS

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL......................................................................................................80

NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA.......................................................................89

CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO

BRASIL: PRIMEIRAS PERCEPÇÕES........................................................................................................................97

A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A SUA

CONSTITUIÇÃO.......................................................................................................................................................105

GUILHERME DE LA PENHA EM ITAJUBÁ (MG).................................................................................................112

GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY: ASTRONÔMIA, FÍSICA E MATEMÁTICA

DESFAZENDO MITOS E CRENDICES...................................................................................................................118

REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: UM ESTUDO SOBRE

OS LIVROS DIDÁTICOS DE ANDRÉ PEREZ Y MARIN.......................................................................................128

REVISTA EDUCAÇÃO (1929): INFLUÊNCIA DA PROPOSTA CENTROS DE INTERESSE NO ENSINO DE

MATEMÁTICA DO ENSINO PRIMÁRIO...............................................................................................................135

A PRÁTICA DA MATEMÁTICA SOB UMA DITADURA: A VINDA DE MAURICE FRÉCHET A PORTUGAL

EM 1942............................................................................................................................. .........................................136

HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES.....................................137

LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA: UM ESTUDO DO INTERIOR PAULISTA, A PARTIR

DE DEPOIMENTOS DE PROFESSORES QUE ENSINARAM MATEMÁTICA...................................................138

ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO

LOGOS II....................................................................................................................................................................148

LIBELLUS DE QUINQUE CORPORIBUS REGULARIBUS: UMA ANÁLISE GEOMÉTRICA DE PIERO DELLA

FRANCESCA.............................................................................................................................................................157

JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS....................................................................158

UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO

E FORMAÇÃO DE PROFESSORES.........................................................................................................................165

A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900).........................................................173


O USO DE EPISÓDIOS DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM UMA TAREFA DIDÁTICA VISANDO A

PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO..............................................................................................................................181

A HISTÓRIA DA EQUAÇÃO DE SEGUNDO GRAU: O QUE PENSAM OS ALUNOS OS ALUNOS DO ENSINO

MÉDIO........................................................................................................................................................................182

A MATEMÁTICA ISLÂMICA NA IDADE MÉDIA: A ÁLGEBRA DE SHARAF AL-DīN AL-TūSī....................191

UMA VISÃO DOS LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA ACERCA DA BALESTILHA COMO RECURSO

DIDÁTICO PARA O ESTUDO DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E TRIGONOMÉTRICOS.............................197

CONTADORES E SEUS LIVROS DE MATEMÁTICA COMERCIAL E FINANCEIRA NO BRASIL DO INÍCIO

DO SÉCULO XX........................................................................................................................................................206

NOÇÕES DE ARITMÉTICA EM MANUAIS PEDAGÓGICOS: ORIENTAÇÕES AO PROFESSORADO (1880-

1910)............................................................................................................................. ..............................................215

HISTÓRIA EM SALA DE AULA: RESOLUÇÃO DE EQUAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU....................................216

APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE EUGÊNIO DE BARROS RAJA GABAGLIA

PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL...........................................................................................217

ESTUDANDO O CONCEITO PIRÂMIDES A PARTIR DO PROBLEMA 56 DO PAPIRO DE RHIND: UM

RELATO DE EXPERIÊNCIA DO USO DE FONTES PARA INSERIR ASPECTOS HISTÓRICOS EM SALA DE

AULA..........................................................................................................................................................................224

BUSCANDO IDEIAS GEOMÉTRICAS NA REVISTA AL-KARISMI (1946-1951): UM LEVANTAMENTO

HISTÓRICO NO DISCURSO DE MALBA TAHAN................................................................................................232

A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS.....241

UM HISTÓRICO EPISTEMOLÓGICO DAS MATRIZES.......................................................................................248

SOBRE O CHRISTOPHORI CLAVII EPITOME ARITHMETICAE PRACTICAE (1614).....................................249

MEDIDAS LINEARES NA HISTÓRIA, MEDIDAS LINEARES NOS LIVROS DA ARITMÉTICA ESCOLAR NO

BRASIL......................................................................................................................................................................250

DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS MATEMÁTICAS ENTRE ADRIAAN VAN ROOMEN E FRANÇOIS

VIÈTE.........................................................................................................................................................................258

SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX..........259

SUPERFÍCIES MÍNIMAS: DE DIDO ÀS PESQUISAS NO BRASIL......................................................................264


ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA PUBLICADOS

NO CONTEXTO DO “SABER-FAZER” MATEMÁTICO QUINHENTISTA.........................................................271

ESCOLA KERALA DE MATEMÁTICA E ASTRONOMIA: CONTRIBUIÇÕES AO DESENVOLVIMENTO DO

CÁLCULO..................................................................................................................................................................278

AS REDUÇÕES AO IMPOSSÍVEL NOS ELEMENTOS DE EUCLIDES: CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS,

TEXTUAIS E EPISTEMOLÓGICAS........................................................................................................................285

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO FONTE DE SENTIDOS.......................................................................286

O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: JOÃO BAPTISTA DE CASTRO

MORAES ANTAS......................................................................................................................................................287

O MANUSCRITO SOBRE GEOMETRIA DIFERENCIAL LOCALIZADO NA BIBLIOTECA DA SOCIEDADE

LITERÁRIA E BENEFICENTE 5 DE AGOSTO NO MUNICÍPIO DE VIGIA (PA)................................................395

TEOREMA DE TALES EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA APOIADA NA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

E EM ATIVIDADES INVESTIGATÓRIAS..............................................................................................................303

AS MATEMÁTICAS NA ENCYCLOPÉDIE E O CASO DA MÚSICA...................................................................309

UMA HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: DE NICOLAS CHUQUET A CARL FRIEDRICH

GAUSS........................................................................................................................................................................310

INTERCÂMBIOS DE ESTUDANTES E PROFESSORES: RELAÇÕES MATEMÁTICAS ENTRE BRASIL E A

UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA – BERKELEY...............................................................................................319

COMPREENSÕES HISTÓRICAS SOBRE A INSERÇÃO DA ÁLGEBRA LINEAR COMO DISCIPLINA NA

FORMAÇÃO SUPERIOR EM MATEMÁTICA NO ESPÍRITO SANTO................................................................324

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: REFLEXÕES

SOBRE REGRAS METADISCURSIVAS RELACIONADAS A MATRIZES E

DETERMINANTES...................................................................................................................................................333

O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE

UM DE SEUS PRECURSORES.................................................................................................................................341

POR QUE UTILIZAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA? CONCEPÇÕES DE

PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ-MG........................348

PROGRAMAÇÃO ...................................................................................................................................................355
APRESENTAÇÃO

A realização do Seminário Nacional de História da Matemática (SNHM) é resultante da dinâmica acadêmica


e científica, originada há duas décadas por um grupo de pesquisadores que já desenvolviam seus estudos em História
da Matemática. O SNHM tornou-se o momento maior, em nível nacional, para a congregação desses interessados que
passaram a poder discutir e divulgar para a comunidade as distintas investigações científicas inerentes à História da
Matemática.

Em virtude da intensificação do movimento em torno dessa área de pesquisa, em 1999 foi criada a Sociedade
Brasileira de História da Matemática- SBHMat, durante a realização da quarta edição do Seminário. A partir de então,
a organização dos SNHM passou a ser de responsabilidade da Sociedade, assim como as publicações “Revista
Brasileira de História da Matemática”, “Revista de História da Matemática para Professores" e recentemente a
“Revista de História da Educação Matemática”.

O SNHM é, portanto, um evento que prioriza a divulgação de estudos e pesquisas sobre História da
Matemática a professores dos vários níveis educacionais, alunos de graduação e pós-graduação, bem como a todos os
interessados nessa temática.

O SNHM é realizado em anos ímpares, de domingo de Ramos a quarta-feira da Semana Santa. Caracteriza-
se por uma vasta programação de cunho científico e pedagógico no qual são apresentadas as novas produções do
conhecimento na área, debatem-se grandes temas, são expostos problemas em busca de soluções, divulgam-se
experiências, realizam-se minicursos e apresentam-se bibliografias e materiais instrucionais, com o objetivo de
promover o desenvolvimento e a difusão das experiências, estudos e reflexões na área da História da Matemática.

A primeira edição deste evento foi realizada em 1995 em Recife (PE), o II SNHM ocorreu em 1997 em Águas
de São Pedro (SP), o III SNHM foi realizado no ano 1999 em Vitória (ES), o IV SNHM aconteceu em 2001 em Natal
(RN), o V SNHM foi realizado em 2003 em Rio Claro (SP), o VI SNHM ocorreu em 2005 em Brasília (DF), o VII
SNHM foi organizado em Guarapuava (PR) em 2007, o VIII SNHM foi realizado em Belém (PA) em 2009, o IX
SNHM ocorreu em 2011 em Aracaju (SE), o X SNHM foi organizado em Campinas (SP) em 2013 e o XI SNHM foi
realizado em Natal (RN) em 2015. Já este XII SNHM foi realizado na Universidade Federal de Itajubá, campus Itajubá,
no período de 09 a 12 de abril de 2017.

Foram quatro as categorias de atividades realizadas: Conferências; Mesas Redondas; Discussões Temáticas;
Minicursos, Comunicações Orais e Pôsteres.

Conferências – Houve seis conferências proferidas por especialistas convidados, dois dos quais são jovens
pesquisadores, abordando temas relativos à História da Matemática e da Educação Matemática, Filosofia da
Matemática e Historiografia da Matemática. As conferências de abertura e encerramento foram plenárias e as outras
quatro foram conferências paralelas. Foram as seguintes as conferências apresentadas:

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Anais do XII SNHM -2017
1. O Início da Historiografia em Russo sobre a Matemática Islâmica (conferência de abertura).

Profa. Dra. Bernadete Morey (UFRN)

2. O Uso do Repositório de Conteúdo Digital nas Pesquisas em História da Educação Matemática.

Prof. Dr. David Costa (UFSC)

3. A Matemática no Parmênides de Platão: Um Exemplo de como a Filosofia pode auxiliar a História da


Matemática Antiga.

Prof. Dr. Gustavo Barbosa (UNESP).

4. Tese Apresentada em Concurso da Cátedra de Geometria Preliminar e Trigonometria Rectilínea, perante o


Gymnasio Espirito-Santense 1918.

Prof. Dr. Moysés Gonçalves Siqueira Filho (UFES).

5. Cartas de Matemáticos Estrangeiros Sobre a Atmosfera Brasileira no Início da Década de 1970.

Profa. Dra. Lucieli Maria Trivizoli (UEM).

6. História das Enciclopédias e suas contribuições para a Historiografia da Matemática (conferência de


encerramento).

Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre (UNESP).

Mesas Redondas – Duas foram as mesas redondas realizadas durante o XII SNHM.

1. A Internacionalização da Pesquisa em História da Matemática e História da Educação Matemática.

Wagner Rodrigues Valente (UNIFESP) (organizador), Luis Manuel R. Saraiva (Faculdade de Ciências de
Lisboa), Barbara Diesel Novaes (UFTPR).

2. Caminhos para a Utilização da História da Matemática na Educação Matemática.

Iran Abreu Mendes (Organizador), Fumikazu Saito (PUC-SP), Miguel Chaquiam (UFPA).

Discussões Temáticas – As discussões temáticas diferem-se das mesas redondas por terem uma maior interatividade
com o público presente. Inicialmente os membros da mesa fazem uma breve apresentação a respeito do tema e então
se passa a uma discussão com o público presente.

1. História da Educação Matemática e Formação de Professores: passado, presente e futuro.

Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP – Diadema) (organizadora), Maria Ednéia Martins

Salandim (UNESP – Bauru), Carlos Miguel Silva Ribeiro (UNICAMP – Campinas)

2
Anais do XII SNHM -2017
2. História da Matemática para a Educação Matemática.

Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – (Organizador), Cristiane Borges Ângelo (UFPB), Edilene Simões
Costa (UFMS).

3. Pesquisa em História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática.

Gérard Émile Grimberg (UFRJ) (Organizador), Marcos Vieira Teixeira (UNESP ), Manoel de Campos
Almeida (Emérito PUC-PR e UFPR).

Minicursos – Das diversas atividades que ocorreram nos SNHM realizados até agora, os minicursos sempre foram de
grande importância, pois permitem aos professores em geral e aos alunos de graduação e pós-graduação o contato com
materiais que contém conteúdos de história da matemática, especialmente desenhados para uso em sala de aula dos
diversos níveis de ensino. São ministrados por pessoas intimamente ligadas à pesquisa em história da matemática,
sejam como docentes pesquisadores ou como pesquisadores em formação pelos programas de pós-graduação. Os
professores ministrantes escrevem o texto de seus minicursos, os quais são impressos e entregue a cada um dos alunos
do respectivo minicurso. Esses textos são publicados na Coleção História da Matemática para Professores. Os
minicursos apresentados foram os seguintes:

1. O Cálculo Diferencial e Integral de Newton e Leibniz : aproximações e distanciamentos na descoberta.


Angélica Raiz Calabria (UNIARARAS) e Sabrina Helena Bonfim (UFMS)

2. História da Matemática na Formação de Professores: Sistemas de Numeração Antigos. Bernadete Barbosa


Morey (UFRN) e Gesivaldo dos Santos Silva (IFPI).

3. Uma História da Integral: de Arquimedes a Lebesgue. João Cláudio Brandemberg (UFPA)

(cancelado por motivo de saúde do proponente)

4. O Ensino de Aritmética por Meio de Instrumentos: Uma Abordagem utilizando a obra Rabdologiae, seu
numerationis per virgula. Ana Carolina Costa Pereira (UECE), Eugeniano Brito Martins (IFCE - Campus
Jaguaribe)

5. Pesos e Medidas do Brasil Colonial, Tradição e Cultura nos dias atuais: um novo tema para as aulas de
matemática no ensino básico. Elenice de Souza Lodron Zuin (PUC Minas) e Nádia Aparecida dos Santos
Sant’Ana (PUC Minas)

6. História da Matemática em livros didáticos de Matemática do Ensino Médio. Mariana Feiteiro Cavalari
(UNIFEI)

7. Construções da Geometria do Compasso de Lorenzo Macheroni (1750-1800) em atividades com software de


matemática dinâmica. José Damião Souza de Oliveira (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

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Anais do XII SNHM -2017
8. A Regressão Linear de Francis Galton (1822-1911) sendo reconstruída por meio das TIC para estudar Função
Afim de padrões de medidas. Juliana M. Schivani Alves (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

9. Boole, Cayley e Sylvester: o uso de seus métodos para o cálculo de Invariantes de polinômios homogêneos.
Kleyton Vinicyus Godoy – Doutorando do PPEM da UNESP-Rio Claro e Douglas Gonçalves Leite
(mestrando do PPGEMda UNESP-Rio Claro).

10. A Matemática a Ensinar e a Matemática para Ensinar: novos estudos sobre a formação de professores.
Luciane de Fatima Bertini e Wagner Rodrigues Valente – (UNIFESP)

Comunicações Orais – As comunicações orais apresentadas, num total de 49, estão distribuídas em duas modalidades
Relatos de Experiências e Resultado de Pesquisa Científica.

O XII SNHM teve 139 participantes inscritos, subdivididos nas seguintes categorias: 38 alunos de graduação,
28 alunos de pós-graduação, 16 docentes do Ensino Básico e 57 Professores do Ensino Superior.
Alguns trabalhos apresentados não tiveram seu texto completo enviados, pelos autores, para a publicação
nestes anais, para esses encontrarão, aqui, apenas o resumo inicialmente enviado para o caderno de resumos. Os
pôsteres também não estão publicados nestes anais.
Embora seja da responsabilidade de cada autor a elaboração, a apresentação e a revisão de cada texto, gostaria
de agradecer ao professores Sérgio Candido de Gouveia Neto e Maria Maroni Lopes pela revisão feita em cada uma
das comunicações aqui publicada. Agradeço também ao Prof. Kleyton Vinicyus Godoy pela editoração gráfica deste
livro.
A diretoria da SBHat decidiu que o XIII SNHM será sediado pela Universidade Estadual do Ceará – UECE,
terá a Profa. Dra. Ana Carolina Costa Pereira como coordenadora local e o Prof. Dr. Miguel Chaquiam (UEPA) como
coordenador científico.

Marcos Vieira Teixeira – Coordenador Científico do XII SNHM

Mariana Feiteiro Cavalari – Coordenadora Local do XII SNHM

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Anais do XII SNHM -2017
CONFERÊNCIAS

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

O INÍCIO DA HISTORIOGRAFIA EM RUSSO SOBRE A MATEMÁTICA ISLÂMICA

Bernadete Morey
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil

Resumo

O trabalho constitui-se num relato de como a descoberta de novos documentos originais no Observatório de Ulugh
Beg no Uzbequistão veio preencher uma lacuna na historiografia matemática medieval. O objetivo do artigo é
familiarizar o leitor com as publicações, fontes e autores da historiografia sobre o período islâmica veiculada em
língua russa.

Palavras-chave: Matemática, História, Historiografia, Matemática islâmica medieval.

The Russian Historiography on Islamic Mathematics

Abstract

The paper is an account of how the discovery of new original documents at the Ulugh Beg Observatory in Uzbekistan
has filled a gap in medieval mathematical historiography. The aim of the article is to familiarize the reader with the
publications, sources and authors of historiography about the Islamic period written in Russian.

Keywords: Mathematics, History, Historiography, Medieval Islamic Mathematics.

Introdução

Alguns períodos da História da Matemática não são muito bem historiados devido à escassez de documentos. É o
caso, por exemplo, da história da matemática medieval no Oriente Próximo e no Médio. Para desenvolver alguns
aspectos desta questão partiremos de duas notas de rodapé escritas por Dirk Struik em A Concise History of
Mathematics referentes à matemática do período islâmico. A primeira nota, na edição de 1954 diz que:

Todos os textos sobre a matemática “árabe” são tediosas repetições de relatos de segunda e terceira
mão, uma vez que apenas algumas obras, como as de Al-Khwarizmi e Khayyam estão disponíveis
em tradução. Uma história da matemática “árabe” escrita por um acadêmico competente ainda

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Anais do XII SNHM -2017
Bernadete Morey.

não existe. O livro de Suter foi uma mera introdução1. (STRUIK, 1954, p. 89, tradução nossa).

O livro a que Struik (1954) se refere, pelo que pudemos averiguar, é o Die Mathematiker und Astronomie
der Araber und ihre Werke, de autoria de Heinrich Suter, publicado em Leipzig em 1900 e Nachträge em 1902. No
entanto, em 1987, na quarta edição revisada do livro de Struik acima citado, a nota de rodapé sofre uma alteração. Ela
nos informa que:
Ao tomar conhecimento das discrepâncias nas notas de rodapé acima citadas, fomos movidos pela curiosidade
e supusemos que algo acontecera entre 1954 e 1987 na historiografia da matemática. Todavia, as ideias permaneceram
latentes e, finalmente, quando surgiu oportunidade de examinar a questão, a busca por respostas nos levou a caminhos
previamente desconhecidos e resultados apenas parciais. O presente artigo é um relato no qual pretendemos dividir
com o leitor o que até agora encontramos relativo à historiografia da matemática islâmica no período em questão.
O objetivo principal do artigo é familiarizar o leitor com os elementos e os atores da historiografia da
matemática islâmica medieval veiculada em língua russa: os eventos que levaram ao seu surgimento, os pesquisadores
que atuam neste campo, as obras que publicaram e até mesmo repercussão dessas publicações no Ocidente.
O artigo está divido em cinco partes excluindo a presente introdução e as considerações finais. Na primeira
parte, num esforço para situar o leitor geograficamente, exploramos a região de Khorezm e seus arredores na Ásia
Central, palco de nossa narrativa. A segunda seção denominada Timur, Ulugh Beg e seu observatório é dedicada a um
relato histórico e político da região, procurando apresentar ao leitor a figura de Ulugh Beg, responsável pela criação e
manutenção do observatório astronômico em Samarkanda. A terceira parte Arqueologia e publicações em russo no
século XX fala sobre a descoberta das ruínas do observatório e as primeiras publicações decorrentes dos documentos
originais encontrados. Na quarta parte Matemáticos islâmicos medievais e seus historiadores no século XX
procuramos caracterizar melhor o campo de pesquisa descrevendo as publicações (livros e revistas) mais relevantes,
os historiadores e também autores islâmicos, cuja vida e obra foram objeto de estudo e publicações. Discorremos
também sobre quais autores russos (ou melhor, soviéticos) tiveram papel fundamental na historiografia em questão.
Na finalização do artigo damos destaque a Adolf Pavlovitch Yushkiévitch, figura central na organização e incentivo
da comunidade de pesquisadores soviéticos na temática em questão e autor de História da Matemática na Idade
Média, obra que reúne os avanços alcançados pela historiografia islâmica medieval.

1 Khorezm

Urguêntch é uma pequena cidade localizada logo ao sul do Mar de Aral (ou do que resta dele) e a leste do Mar Cáspio.
Essa cidade, situada no sudoeste da República do Uzbequistão, tem uma população em torno de 150.000 habitantes e
fica às margens do Rio Amu Darya como é conhecido regionalmente o Rio Oxus, nome dado pelos romanos na
Antiguidade. A ligação de Urguêntch com nosso tema é fato de ela ser a capital da região de Khorezm que a literatura
ocidental se acostumou a grafar como Khwarizm.
Examinando o mapa do Uzbequistão, a região de Khorezm é a curvatura convexa que se vê na fronteira entre
Uzbequistão e o Turquemenistão. E, se olharmos o Google Earth2, veremos que a região é praticamente um oásis em
meio a regiões áridas.

2 Timur, Ulugh Beg e seu observatório

Deixemos, por enquanto, Urguêntch para focar nossa atenção em outra cidade do Uzbequistão: Samarkanda. Ela foi
a capital da República Soviética do Uzbequistão de 1925 a 1930. Situada no sudeste do país, perto da fronteira com o
Tadjiquistão, Samarkanda3 é uma cidade muito antiga, fundada no século VIII a. C. e foi, por muito tempo, um ponto

1
All accounts of “Arabic” mathematics must remain tedious repetition of second hand and third hand information as long as only some works such
as Al-Khwarizmi and Khayyam are available in translation. A history of “Arabic” mathematics by a competent “Arabic” scholar does not exist.
Suter’s book was a mere beginning. (STRUIK, 1954, p. 89)
2
Urguênch: 41.539999°N, 60.635110°E
3
Samarkanda: 39.6270° N, 66.9750° E.

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Anais do XII SNHM -2017
A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

chave na Rota da Seda entre a China e a Europa.


Como era de se esperar, uma cidade tão antiga e tão estrategicamente localizada não poderia ter tido uma
existência tranquila. Para citar apenas os fatos mais relevantes, diremos que em 712 foi conquistada pelos árabes.
Experimentou conquistas, mudanças políticas e conheceu períodos de esplendor e declínio. Fez parte de distintos
impérios. Em 1220 foi pilhada e quase destruída por Gêngis Khan. Porém, o período que mais nos interessa de
Samarkanda é o período dos Timuridas (1370-1499), dinastia iniciada com o conquistador Timur também conhecido
como Tamerlão. De fato, o ponto de nosso interesse aqui é o observatório criado e mantido por Ulugh Beg, astrônomo,
matemático, neto de Timur e governante de Samarkanda. No entanto, a história do observatório está entrelaçada com
o desenrolar dos eventos conturbados da época e da região e, portanto, convém determo-nos num relato histórico mais
minucioso.
Timur (ou Tamerlão), líder de tribos turco-mongóis unificadas, conquistou, com seu exército de arqueiros
montados, uma grande área agora ocupada hoje pelo Irã, Iraque e Turquia oriental. O próprio Timur era da tribo dos
Barlas, que era uma tribo mongol que habitavam a Transoxiana, região situada entre os rios Amu Darya e Sri Darya4.
Timur fez de Samarkanda a capital de seu império e com isto a cidade viveu seu momento de esplendor.
Pouco depois do nascimento de seu neto Ulugh Beg, Timur invadiu a Índia e, em 1399, assumiu o controle
de Délhi. Até o ano de 1402 continuou suas conquistas expandindo seu império na direção oeste obtendo, com isto,
vitórias sobre os mamelucos egípcios na Síria e os otomanos perto de Ancara. Timur morreu em 1405 em uma
campanha em que conduzia seus exércitos para a China.
Após a morte de Timur, seu império foi disputado entre seus filhos. O pai de Ulugh Beg, Shah Rukh, quarto
filho de Timur obteve, em 1407, o controle geral da maior parte do império, o que incluía o Irã e o Turquemenistão;
ganhou assim o controle de Samarkanda. Quando Timur não estava em uma de suas campanhas militares, ele se
mudava com seu exército de um lugar para outro e sua corte, incluindo seu neto, Ulugh Beg, viajava com ele. Deste
modo, mesmo sendo Samarkanda a capital imperial de Timur, Ulugh Beg raramente estava ali.
Em 1409 (passados 4 anos da morte de Timur), Shah Rukh decidiu fazer de Herat em Khoraçan (hoje no
oeste do Afeganistão), sua nova capital, transformando-a, durante seu governo, em um grande centro cultural e
comercial. Fundou uma biblioteca e tornou-se um patrono das artes.
Shah Rukh entregou a administração de Samarkanda a seu filho Ulugh Beg, que estava mais interessado em
transformar a cidade num centro cultural do que estava em política ou conquista militar. Embora Ulugh Beg tivesse
apenas dezesseis anos quando seu pai o colocou no controle de Samarkanda, ele se tornou seu representante e
governante da região da Transoxiana (ou Mawaraunnahr).
Ulugh Beg era principalmente um estudioso, e em particular, um matemático e astrônomo. Apreciava também
as artes, escrevendo poesia, história e estudando o Corão. Em 1417, para avançar o estudo da astronomia, começou a
construir uma madraça (Ver a Figura 4), um centro de educação superior. A madraça, que se encontrava na Praça
Registan em Samarkanda, foi concluída em 1420 e Ulugh Beg então começou a nomear para ensinar na madraça os
melhores cientistas que conseguia encontrar. Foi nesse processo que ele convidou Al-Kashi (1380-1429) para se juntar
à sua madraça em Samarkanda, bem como cerca de sessenta outros cientistas, incluindo Qadi Zada (1364-1436). Não
há dúvida de que, além de Ulugh Beg, Al-Kashi foi o principal astrônomo e matemático de Samarkanda. Testemunhos
importantes da vida científica em Samarkanda são as cartas de Al-Kashi a seu pai que, felizmente, sobreviveram.
Além da madraça, Ulugh Beg construiu um observatório em Samarkanda. Iniciado em 1428, ele tinha forma
circular, possuía três níveis, mais de 50 metros de diâmetro e 35 metros de altura. Al-Kashi e outros matemáticos e
astrônomos nomeados para a madraça também trabalharam nesse observatório. Depois da morte de Ulugh Beg em
1449, o observatório entrou em seu ocaso e no século XVI já estava em ruínas. Apenas em 1908 o arqueólogo uzbeco-
russo V. L. Vyatkin5 encontrou as ruínas do observatório a partir de um documento do século XVII que dava
indicações sobre a localização dele. (KARI-NIYÁZOV, 1950).
Alguns países prestaram sua homenagem a Ulugh Beg na forma de emissão de selos postais. Um destes países
foi a União Soviética em 1987 como mostra a figura 1. No selo, além da figura de Ulugh Beg, traz também um

4
A área foi conhecida pelos romanos como Transoxiana (Terra além do Oxus) e pelos árabes como Mawarannahr (Terra além do rio).
5
As fontes até agora consultadas fornecem apenas as iniciais de seu nome.

8
Anais do XII SNHM -2017
Bernadete Morey.

esquema do observatório astronômico.

Figura 1. Selo com a imagem de Ulugh Beg e o observatório astronômico

Fonte: Jeff Miller Web Pages, s/d.

3 Arqueologia e publicações em russo no século XX

Sirajdínov e Matviévskaya (1976) nos contam que os estudos em história das ciências exatas se iniciaram no
Uzbequistão ainda antes da II Guerra (anos – início e fim) quando arqueólogos e astrônomos que investigavam as
ruínas do observatório de Ulugh Beg em Samarkanda se puseram a estudar os trabalhos científicos do citado
observatório.
Entre os membros desta expedição às ruínas do observatório estava Kari-Nyázov (1950) que publicou a monografia
A escola astronômica de Ulugh Beg. Nesta obra, que se tornou referência no tema, o autor fez uma análise das tabelas
astronômicas de Ulugh Beg, além de dar as características dos astrônomos e matemáticos que trabalharam no círculo
próximo deste sábio do século XV.
A partir de então figuras importantes como Adolph Pavlovich Yushkiévitch (1906-1993) e Boris
Abramovitch Rosenfeld (1917-2008) se envolveram nos trabalhos não apenas escrevendo e publicando, mas também
traduzindo documentos originais e organizando e incentivando a comunidade de pesquisadores soviéticos. Em
decorrência disso, a partir da década de cinquenta do séc. XX vem à luz uma série de publicações cujo foco são as
obras dos matemáticos e astrônomos da Ásia Central. Vários trabalhos fundamentais tomam corpo, e entres eles, o
livro de Yushkiévitch em Matemática na Idade Média (YUSHKIÉVITCH, 1961) do qual falaremos mais tarde neste
artigo.
No que se refere aos estudos no Uzbequistão propriamente dito, os estudos se intensificaram só a partir de
1960. Um relato dos trabalhos desenvolvidos no decorrer de 15 anos no Instituto de Matemática Romanovsky da
Academia de Ciências da República Soviética do Uzbequistão é dado por Sirajdínov e Matviévskaya (1976). Ali
ficamos sabendo que foi elaborado o projeto História da Matemática no Oriente Próximo e Médio na Idade Média, a
ser realizado em duas etapas. A primeira etapa consistia no estudo preliminar da bibliografia publicada sobre o tema
(dentro e fora da União Soviética), sua organização cronológica e conceitual. A descrição da literatura em história da
matemática na Ásia Central em russo e em outras línguas permitiria “generalizar” fatos já conhecidos e determinar
quais questões eram as menos esclarecidas e exigiam atenção imediata. A segunda planejada previa a resolução de um
problema mais árduo: a escolha, tradução, estudo e publicação dos textos matemáticos até então desconhecidos ou
pouco estudados. A partir daí o artigo continua e termina com uma breve exposição dos resultados, ou seja, estudos
publicados no decorrer de 15 anos (o artigo é de 1976).
Na seção seguinte do presente artigo voltaremos a discutir as publicações na temática em pauta. No entanto,
antes de seguir adiante, exporemos um ponto que nos parece relevante e que pode ser colocado em forma de perguntas:
O que tem a Rússia a ver com tudo isto? A língua falada no Uzbequistão é o russo? Porque estamos falando de uma

9
Anais do XII SNHM -2017
A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

historiografia em russo se os eventos que fala o artigo se passaram no Uzbequistão?


Não podemos perder de vista que no decorrer de quase todo o século XX o país denominado União Soviética 6
era constituído por 15 repúblicas7 federativas sendo o Uzbequistão uma delas. Moscou era ao mesmo tempo, capital
do país União Soviética e capital da República Federativa da Rússia. Sendo assim, os estudos e pesquisas, mesmo que
localizados numa dada república, era de interesse nacional e veiculados, antes de mais nada, na linguagem acadêmica
da comunidade de pesquisadores do país, ou seja, em russo. Um dos primeiros artigos publicados em russo sobre a
matemática islâmica foi o intitulado O matemátike naródov Srédnei Ázii v IX-XV viéka (Sobre a matemática dos povos
da Ásia Central nos séculos IX-XV) de autoria de Adolf Pavlovitch Yushkiévitch (1951). Depois de uma introdução
na qual o autor contradiz a posição até então dominante que atribuía à ciência islâmica o papel secundário no
desenvolvimento da ciência ocidental, o autor faz uma convocação à comunidade acadêmica de seu país para se
engajar no estudo da matemática islâmica medieval apoiando-se no seguinte argumento:

Apesar da língua árabe ter se tornado (e permanecido por muito tempo) a língua oficial da ciência,
o papel dos próprios árabes no progresso da ciência em geral e da matemática em particular foi
insignificante. Ao se deparar com a cultura mais desenvolvida de um país conquistado, os árabes
participavam de alguma maneira em seu desenvolvimento posterior – particularmente nos estados
mauritanos da península dos Pirineus. No entanto, a eles nunca coube a liderança neste sentido. Os
dados históricos mostram que no período que vai do século IX ao XV o papel de líder na produção
de ciências e matemática coube aos sábios da Ásia Central e Transcaucásia – sábios de Khorezm,
Tadjiquistão, Uzbequistão, Azerbaidjão e outros. A chamada matemática árabe foi desenvolvida
antes de mais nada e mais que tudo pelos povos da Ásia Central e da Transcaucásia: khorezmianos,
tadjiques, uzbecos, azerbaidjanos e outros8 (YUSHKIÉVITCH, 1951, Tradução nossa)

Para sustentar seu argumento, Yushkiévitch (1951) faz uma lista com os nomes dos matemáticos originários
na Ásia Central no período em questão (séc. IX-XV), anos em que viveram e lugares de origem ou atuação:
Mohammed ben Musa Al-Khorezmi (c. 830), de Khorezm; Al-Khodjendi (? – c. 1000) de Khodjenta; Abul-Wafa (940
– c. 997) do Kukhistão ao sul de Nishapur; Al-Kukhi (c. 990) do Tabaristão, sudoeste do Mar Cáspio; Al-Biruni (973
– 1048) de Khorezm; Al-Karkhi ou Al-Karagui (? – c. 1025) de um lugarejo cerca de Bagdá; An-Naçavi (c. 1030) de
Khoraçan; Omar al-Khayyam (c. 1048 – c.1122) de Khoraçan; Guiacendi Djemshid (c. 1427) de Kashan, entre
Teheran e Isfahan; Ulugh Beg (1434 – 1449); Nacireddin al-Tusi (1201 – 1274) de Khoraçan era advindo do
Azerbaidjão.
Yushkiévitch (1951) diz ainda que na listagem fornecida faltam apenas dois ou três dos grandes matemáticos,
como, por exemplo, o sírio Al-Haitan (c. 965 - 1039) e que os matemáticos da Península dos Pirineus foram muito
menos significantes para a matemática. Yushkiévitch conclui de forma bastante relevante para nosso tema:

Os alcances dos matemáticos da Ásia Central nos séculos IX-XV, portanto, pertencem, em sua maior
parte ao nosso país e por isto devem chamar a atenção dos historiadores da ciência soviética. Uma
avaliação justa (dos alcances matemáticos) é nossa obrigação direta. Mesmo porque, como foi dito

6
Nome completo: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
7
As 15 repúblicas eram: Rússia, Ucrânia, Bielorrússia, Estônia, Lituânia, Letônia, Moldávia, Geórgia, Armênia, Azerbaidjão, Kazaquistão,
Turkmenistão, Kirguízia, Tadjiquistão e Uzbequistão
8
Но, между тем как арабский язык стал и долго оставался официальным языком науки, роль самих арабов в прогрессе науки вообще, и,
в частности, математики, была весьма незначительной. Приобщаясь к более высокой культуре завоеванных стран, арабы приняли участие
в ее дальнейшем развитии, - особенно в мавританских государствах Пиренейского полуострова. Ведущая роль в этом отношении им,
однако, никогда ни предлежала. Неоспоримые исторические данные показывают, что первое место в продвижении математики и других
наук на протяжении более чем полутысячелетия с IX по XV в. неизменно занимали ученые народов Средней Азии и Закавказья –
хорезмийцы, таджики, узбеки, азербайджанцы и др. (YUSHKIÉVITCH, 1951)

10
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Bernadete Morey.

acima, a visão até agora dominante sobre tais alcances é radicalmente equivocada 9.
(YUSHKIÉVITCH, 1951, tradução nossa)

Em seu artigo acima comentado, Yushkiévitch caracteriza os estudos no Uzbequistão como sendo de interesse
de toda a comunidade científica nacional. Sendo ele um acadêmico influente, de grande projeção nacional e
internacional e seu chamado à comunidade acadêmica feita no artigo de 1951 não ficou sem resposta, a julgar pelo
grande número de publicações a partir de então.
Resta observar, porém, que o Uzbequistão mesmo sendo parte da União Soviética conservava e conserva sua
língua e identidade nacional. Assim, a bibliografia destinada à comunidade científica nacional, era veiculada em russo;
já as publicações destinadas ao ensino e aos leitores da região, estas sim, eram em uzbeco.
Do que foi exposto até aqui vimos que na primeira metade do século XX, durante a escavação das ruínas do
Observatório de Ulugh Beg em Samarkanda, República do Uzbequistão na Ásia Central, uma equipe de arqueólogos
se deparou com manuscritos medievais em línguas orientais árabe e farsi (persa). Em vista disso, Yushkiévitch,
historiador das ciências e matemática de renome, chama a atenção dos pesquisadores de seu país, a União Soviética,
para a importância das pesquisas dos documentos encontrados. Nos anos a seguir deu-se início aos trabalhos no acervo
de manuscritos que consistia da catalogação, descrição e estudo dos documentos e sua tradução para línguas moderna
(russo, na maioria dos documentos), iniciando-se uma nova fase na historiografia da ciência islâmica. Na seção
seguinte vamos nos deter nos detalhes que podem dar uma ideia mais clara sobre os estudos e as pesquisas realizadas.

4 Matemáticos islâmicos medievais e seus historiadores no século XX

A partir dos anos cinquenta do século XX, surgiu um grande número de publicações em russo sobre a matemática
islâmica em formato de livros, de monografias e de artigos. Aqui vamos listar apenas algumas delas, aquelas
publicadas no periódico Istóriko-Matematítcheskie Issledovâniya (Investigações Histórico-Matemáticas) que é o
periódico de referência em língua russa em História da Matemática. A revista é publicada uma vez por ano desde
1948. Em 2011 saiu um número especial cuja finalidade era catalogar os artigos publicados nos números anteriores e
teve como editor responsável Vitcheslav Evguenievitch Pyrkov. Uma busca neste número especial nos diz que até
2011 foram publicados 84 artigos sobre a matemática islâmica medieval, sendo que os trabalhos de 27 autores
islâmicos medievais foram retratados nestes artigos. Além disso, o periódico publicou neste mesmo período três
artigos de interesse geral (historiografia) e 14 artigos de conteúdo diversificado. (PYRKOV, 2011).

Os matemáticos islâmicos cuja obra foi objeto de publicação foram:

1. Abu Abd Allah Muhammad ibn Muadh (Al-Jayyani)


2. Abu Abdallah Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi al-Madjuci
3. Abu Ali al-Hasan ibn al-Haytham, (Lat. Alhazem)
4. Abu Ali al-Hassan ibn Ali ibn Omar al-Marakich
5. Abu Ali al-Hussein ibn Abdalla ibn Sina
6. Abu Kamil Shuja ibn Muhammad al-Hacib al-Misri
7. Abu Nacir Samawal ibn Yahia ibn Abbas al-Magribi
8. Abu Rayhan Muhammad ibn Ahmad al-Biruni
9. Abū Sahl Wayjan ibn Rustam al-Qūhī conferido
10. Abu Said Ahmad ibn Muhammad ibn Abd al-Jalil al-Sijzi
11. Abu Zakariya Muhammad ibn Abdalla al-Khassar
12. Abu-al-Fath Abd ar-Rahman al-Khazini al-Marwazi
13. Abu-l-Abbas Ahmed ibn Muhammad ibn al-Bana al-Marrakichi
14. Abu-l-Abbas al-Fadl ibn Hatim an-Nairizi

9
Достижения среднеазиатских математиков IX-XV вв. принадлежат, таким образом, в подавляющей своей части народам нашей страны
и поэтому должны привлечь особое внимание советских историков науки. Правильная их оценка – прямая наша обязанность. Между тем,
как было сказано, прежняя концепция среднеазиатской математики являлась в корне ошибочной. (YUSHKIÉVITCH, 1951)

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Anais do XII SNHM -2017
A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

15. Abu-l-Hassan Ali ibn Ahmad an-Nasavi


16. Abu-l-Hassan Ali ibn Mahammad al-Kalassadi
17. Abu-l-Hassan Thabit ibn Qurra ac-Sabi al-Harrani
18. Abu-l-Wafa Muhammad ibn Muhammad al-Buzjani
19. Ghiyath al-Din Abu'l-Fath Umar ibn Ibrahim Al-Nisaburi al-Khayyami (Omar Khayyam)
20. Ghiyath al-Din Jamshid Mas'ud al-Kashi
21. Hussan ad-Din as-Salar Ali ibn Fadlallah
22. Ibrahim ibn Sinan ibn Thabit ibn Qurra
23. Kutb ad-Din ash-Shirazi
24. Muhammad ibn Muhammad ibn al-Hasan al-Tusi
25. Muhammad, al-Hassan, Ahmad Banu Musa ibn Shakir
26. Salah ad-Din Musa ibn Muhammad Kazi-zade al-Rumi
27. Shams al-Din ibn Ashraf Al-Samarqandi

Sabemos das dificuldades da grafia dos nomes quando se passa para um alfabeto distinto. No caso da lista
acima, fiz uma transliteração do russo e a seguir comparei com os nomes que aparecem no MacTutor for History of
Mathematics10 na tentativa de manter os nomes numa grafia familiar ao leitor. No entanto, alguns nomes que aparecem
na lista não foram encontrados no MacTutor, talvez por não ser de matemáticos islâmicos dos mais conhecidos. Espero
que isto não cause maiores dificuldades futuras na identificação dos matemáticos islâmicos.
Dentre os nomes que mais frequentemente aparecem ligados à produção historiográfica, encontramos os de
Tashmuhammed Kari-Niyázov, Galina Matviévskaya, Mariam Rojanskaya, Boris Rosenfeld, Izabela Bashmakova,
Sagdy Sirajdínov, e, obviamente, Adolf Yushkiévitch. Seguem algumas de suas publicações, ressaltando que os
trabalhos aqui listados de modo algum esgotam a totalidade do que foi publicado por estes autores.
Kari-Niyázov produziu a monografia A escola astronômica de Ulugh Beg (KARI-NIYÁZOV, 1950) que se
tornou referência no assunto. Além disso, publicou ainda mais dois trabalhos sobre Ulugh Beg: Ulugh Beg – Grande
astrônomo do século XV (KARI-NIYÁZOV, 1965) e mais tarde, Ulugh Beg e Savay Djay Singh (KARI-NIYÁZOV,
1966).
As publicações de Matviévskaya, seja como único autor, seja em parceria, relatam o andamento e os
resultados das pesquisas efetuadas no Uzbequistão. Mencionaremos aqui três dos trabalhos: Sobre os manuscritos
matemáticos da coleção do Instituto Oriental da AN UzSSR (MATVIÉVSKAYA, 1965); Manuscritos matemáticos
e astronômicos do Instituto Oriental da AN UzSSR (MATVIÉVSKAYA. 1972); e Sobre o estudo da história da
matemática na Ásia Central (Ob izutchênii istórii matemátiki v Srédnei Ázii) (SIRAJDÍNOV; MATVIÉVSKAYA,
1976)
Mas o historiador que se destaca é Youshkiévitch. São de sua autoria os estudos
1. O tratado aritmético de Mohammed ben Musa Al-Khorezmi (Al-Khwarizmi), publicado na coletânea Trudi
Instituta istorii iestestveznania e tekhniki Akademii Nauk URSS em 1954; e
2. Omar Kayyam e sua álgebra. In: Trudi Instituta istorii iestestveznania e tekhniki Akademii Nauk URSS, v. 2,
Moscou, 1948
3. Sobre a quadratura da parábola de Thabit ibn Qurra. In: Istoria i metodológuia iestiéstvennikh Naúk. n. 5.
Moscou: MGU, 1965, p.118-125.

Em co-autoria com Rosenfeld ele publicou:

1. ROSENFELD, B. A.; YUSHKIÉVITCH, A. P. Omar Kayyam. Moscou: Naúka,1965.


2. YUSHKIÉVITCH, A. P.; ROSENFELD, B. A. Djemshid Guiyacendi Al-Kashi. Chave para a Aritmética.
Tratado sobre o círculo. Trad. B. A. Rozenfeld. Moscou: Gostekhisdat,1956.

10
O arquivo MacTutor História da Matemática é um website dedicado à história da matemática. A iniciativa foi concebida e promovida por seus
curadores, John J. O'Connor e Edmund F. Robertson. O conteúdo da Website é hospedado pela Universidade de St. Andrews, perto de Dundee, na
Escócia. Ele recebe as contribuições editoriais de vários historiadores da matemática em diferentes países. (O'CONNOR; ROBERTSON, s/d)

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Bernadete Morey.

3. ROSENFELD, B. A.; YUSHKIÉVITCH, A. P. Sobre o tratado de Nasir al-Din al-Tusi sobre as linhas
paralelas. Istóriko-matematítcheskie Issledoványa, n. 13, 1960, p. 475-482.
4. ROSENFELD, B. A.; YUSHKIÉVITCH, A. P. Sobre o tratado de Qadi Zada al-Rumi sobre a determinação
do seno de um grau. Istóriko-matematítcheskie Issledoványa, N. 13, 1960, p. 533-538.

O trabalho de Youshkiévitch, foi fundamental em uma outra direção: juntamente com Arnost Kolman (1892-
1979) ele produziu a obra História da Matemática até o Renascimento em dois volumes, escrita para ser um manual
em História da Matemática. O primeiro volume, dedicado à matemática na Antiguidade, é de autoria de Kolman. O
segundo volume da obra, intitulado História da Matemática na Idade Média (Ver figura 2), é de autoria de
Yushkiévitch e tem quatro capítulos: 1. Matemática na China; 2. Matemática na Índia; 3. Matemática dos Países do
Islã; 4. Matemática na Europa Medieval.
O foco de nosso interesse é o terceiro capítulo. Nele, em 146 páginas de texto denso, o autor incorpora os
resultados de pesquisas recentes referente à história da matemática no Islã, que não apenas expõe novos fatos, mas
também leva a uma nova concepção da história da matemática no Oriente Médio e Próximo Medieval. Yushkiévitch
adotou uma abordagem temática ao assunto que o permitiu discorrer sobre unidades conceituais completas.
Inicialmente faz um breve apanhado histórico e logo a seguir se debruça em cada um dos tópicos dedicando uma seção
a cada um deles: sistema decimal posicional; frações; álgebra, (de al-Kwarizmi, al-Karaji, Abu Kamil e Omar
Khayyam); teoria dos números; frações decimais; álgebra geométrica; fundamentos da geometria e o postulado das
paralelas; matemática infinitesimal; trigonometria; técnicas computacionais aplicadas às tabelas trigonométricas;
cálculo de irracionais como π. Fecha o capítulo com uma seção sobre a influência da matemática islâmica no Ocidente
Medieval.
Figura 2. Página de rosto do segundo volume da
História da Matemática até o Renascimento

Fonte: (Yushkiévitch, 1961)

Este terceiro capítulo foi traduzido para o alemão e publicado como livro independente Leipzig em 1964. A
segunda edição alemã serviu de base para a tradução francesa publicada em Paris em 1976. Foram publicadas duas
resenhas sobre a tradução francesa: uma por Hugonnard-Roche na Revue D’Histoire des Sciences (HUGONNARD-
ROCHE, 1977) e outra por George Saliba no periódico Historia Mathematica em 1979 (SALIBA, 1979). Ambas as
resenhas são positivas em saudar o aparecimento da obra, porém, vamos nos deter em trechos da resenha de Saliba,
pois, sua análise tem ligação mais direta com o tema do presente artigo.
Saliba começa o texto de uma página de resenha dizendo que “esta é uma das raras ocasiões na qual o único

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A historiografia em russo sobre a matemática islâmica

livro existente é também um livro excelente.” 11 (SALIBA, 1979). Outra fala do autor na resenha diz que “não há
dúvidas sobre que este livro permanecerá a única referência em matemática árabe por um longo tempo vindouro.” 12
(SALIBA, 1979). Teremos de concordar com a avaliação de Saliba se levarmos em consideração que a obra de
Yushkiévitch sobre a matemática islâmica é resultante de fatores combinados: a) a localização das ruínas do
Observatório de Ulugh Beg, até há pouco tempo perdidas; b) a descoberta, nestas ruínas, de boa quantidade de
documentos originais; c) a existência, naquele momento, de um historiador e medievalista de peso, como
Yushkiévitch, capaz de mobilizar uma comunidade de pesquisadores em torno de uma tarefa complexa; d) a
combinação de fatores políticos e ideológicos que levaram o Estado Soviético a custear os recursos humanos e
financeiros necessários para o desenvolvimento das pesquisas; e) a presença de um medievalista competente (outra
vez Yushkiévitch) capaz de reunir os resultados recentemente obtidos e incorporá-los em um único relato
histórico/capítulo de livro de 146 páginas (em russo). Se pensarmos em tudo isto, de fato, este livro provavelmente
será a referência por um bom tempo.
Convém notarmos ainda outra observação do resenhista: ele diz que “deve-se notar com pesar que este livro
não foi ainda traduzido para o inglês.” 13 (SALIBA, 1979). De fato, uma tradução para o inglês não existia em 1979,
ano em que Saliba escreveu sua resenha. Porém, já se passaram 38 anos e o fluxo de informações entre a Rússia e o
Ocidente aumentou. Minhas buscas até agora resultaram infrutíferas e inconclusivas. Nada posso afirmar sobre a
existência ou não de uma tradução da obra em questão para o inglês.

Considerações finais

De fato, pelo que vimos até agora, as primeiras publicações impulsionadas pelos resultados da expedição arqueológica
ao recentemente encontrado observatório de Ulugh Beg vieram à luz não muito antes de 1950. Por exemplo, o trabalho
monográfico e fundamental de Kari-Niyázov sobre a escola astronômica de Ulugh Beg foi publicado em 1950 (KARI-
NIYÁZOV, 1950). O artigo de Yushkiévitch no qual ele chama os pesquisadores para se debruçarem sobre os textos
encontrados no observatório é de 1951 (YUSHKIÉVITCH, 1951). Daí em diante as publicações sobre o tema (em
russo) foram se avolumando e em 1961 Yushkiévitch publica o seu livro História da Matemática na Idade Média em
quatro capítulos, sendo o terceiro capítulo dedicado à matemática islâmica (YUSHKIÉVITCH, 1961). Esse capítulo
foi traduzido primeiramente para o alemão e publicada como um livro independente em Leipzig em 1964. A edição
alemã serviu para a tradução francesa que foi publicada em 1976. Creio não ser exagero ou otimismo demasiado dizer
que temos, sim, usando as palavras de Struik (1954, p. 89) uma história da matemática “árabe” escrita por um
acadêmico competente.

Bibliografia
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KARI-NIYÁZOV T. N. 1950. Astronomítcheskaya Shkola Ulugh Beka. Moscou: Izdátelstvo Akademya Naúk URSS,
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Vostoka. Moscou: Naúka. p. 247-255. (Em russo)

11
This is one of the rare instance where the only book on a subject is also an excellent book. (SALIBA, 1979)
12
There is no doubt that this book will remain the only reference to Arabic mathematics for a long time to come. (SALIBA, 1979)
13
Finally, one should note with regret that this book has not yet been translated into English. (SALIBA, 1979)

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Anais do XII SNHM -2017
Bernadete Morey.

MATVIEVSKAYA, G. P. 1965. Sobre os manuscritos matemáticos da coleção do Instituto Oriental da A N UzSSR.


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STRUIK, D. J. 1954. A Concise History of Mathematics. London: G. Bell & Sons Ltd.
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YUSHKEVITCH, A. P. 1951. O matemátiki naródov Srédnei Ázii v IX-VX viéki. Istóriko-matematítcheskie
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Goçudárstvennoie Izdátelstvo Físiko-matematítcheskoy Literatúri. Moskvá. (Em russo)

Bernadete Morey
Departamento de Matemática – UFRN – campus de
Natal - Brasil

E-mail: bernadetemorey@gmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

DO REPOSITÓRIO DE CONTEÚDO DIGITAL NAS PESQUISAS EM HISTÓRIA DA


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

David Antonio da Costa


Universidade Federal de Santa Catarinas – UFSC – Brasil

Resumo

A constituição e o uso do Repositório de Conteúdo Digital utilizado pelo GHEMAT - Grupo de Pesquisa de História
da Educação Matemática para o desenvolvimento de projetos temáticos é o tema desta conferência paralela. Acolhido
nos servidores da Universidade Federal de Santa Catarina, este espaço virtual se estrutura em forma de pastas: textos
normativos, impressos pedagógicos, livros didáticos e manuais pedagógicos e, mais recentemente cadernos escolares,
compõem parte do acervo digitalizad. Estes documentos procedentes de diversas localidades são caracterizados por
metadados e inseridos no Repositório (https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769) com acesso aberto à
comunidade para desenvolvimento das pesquisas em História da Educação Matemática.

Palavras-chave: Matemática, História, Repositório de Conteúdo Digital, GHEMAT.

USING DIGITAL CONTENT REPOSITORY IN RESEARCH OF THE HISTORY OF MATHEMATICAL


EDUCATION

Abstract

The constitution and use of the Digital Content Repository used by the GHEMAT - Mathematical Education History
Research Group for the development of thematic projects is the theme of this parallel conference. Accepted in the
servers of the Federal University of Santa Catarina, this virtual space is structured in the form of folders: normative
texts, pedagogical forms, textbooks and pedagogical manuals and, more recently, school notebooks, compose part of
the digitized collection. These documents from several localities are characterized by metadata and inserted in the
Repository (https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769) with open access to the community for the
development of research in History of Mathematics Education.

Keywords: Mathematics, History, Digital Content Repository, GHEMAT.

Introdução

O Repositório constitui-se de um espaço virtual no qual têm sido alocadas as fontes digitalizadas dos projetos coletivos
de pesquisa do GHEMAT. Dessa forma o Repositório assume como objetivo, por exemplo, a disponibilização das
imagens digitalizadas de fontes primárias para a comunidade científica. É “uma forma de armazenamento de objetos
digitais que tem a capacidade de manter e gerenciar material por longos períodos de tempo e prover o acesso
apropriado” (VIANA et al, 2005).

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Anais do XII SNHM -2017
David Antonio da Costa

Os repositórios digitais se filiam a uma área na qual se aplicam as tradicionais expertises da biblioteconomia
em uma ambiência virtual. Fundamentalmente, o trabalho é semelhante aquele realizado numa biblioteca: catalogar,
aspectos da curadoria, disseminação e preservação da informação. Mas na prática, o trabalho cotidiano é muito
diferente, com implicações tanto nos recursos materiais quanto nos recursos humanos. Isso será melhor detalhado
posteriormente.
O Repositório que acolhe as fontes digitalizadas para pesquisas em História da Educação da Educação
Matemática encontra-se “fisicamente” sediado na Universidade Federal de Santa Catarina 1, uma das diversas
instituições de ensino e pesquisa na qual alguns membros do GHEMAT filiam-se. Baseado na estrutura do DSpace2 ,
com arquitetura simples e eficiente, o Repositório utiliza-se de tecnologia de ponta e está direcionado ao acesso aberto,
intencionalmente criado para esta finalidade.
A estrutura do Repositório constitui-se na forma de subunidades naturais e “comunidades” onde cada
comunidade tem suas “coleções” que, por sua vez, contém “itens” que representam os conteúdos digitais. Todas estas
informações são alimentadas por metadados que têm como finalidade facilitar a localização e recuperação das
informações. Ou seja, todos os registros podem ser acessados por palavras-chave ou qualquer outro sistema de busca
mais avançado (CAFÉ et al., 2003).

A pesquisa histórica – uma operação

Toda a pesquisa em história se articula a partir de um lugar. Para aqueles que desejam transitar em pesquisas na área
da história, este é um dos ensinamentos de Michel de Certeau. O lugar de onde o pesquisador fala é onde ele se
encontra, de onde partem suas ideias, seus argumentos. Não há pesquisador que esteja isento das questões de sua área
de pesquisa ou neutro quanto às suas experiências com o conhecimento e com a vida.
Sendo assim, toda interpretação histórica depende de um sistema de referência que dará sentido a um
determinado documento, que estando a parte deste sistema não ganha significado relevante (CERTEAU, 2013).
O lugar do pesquisador não é um lugar qualquer, é um lugar social ao qual o pesquisador pertence e
compartilha das mesmas referências. Assim, há uma estreita ligação entre a instituição social vivenciada pelo
pesquisador e a definição do saber, sendo que tal saber é tido como “a lei de um grupo e a lei de uma pesquisa
científica” e seria impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função do qual ele se
organiza (CERTEAU, 2013).
Para Certeau (2013), uma obra de valor em história é,

“(...) aquela que é reconhecida como tal pelos seus pares. Aquela que pode ser situada num conjunto
operatório. Aquela que representa um progresso com relação ao estatuto atual dos “objetos” e dos
métodos históricos e, que, ligada ao meio no qual se elabora, torna possível, por sua vez, novas
pesquisas. (...) é, ao mesmo tempo, resultado e um sintoma do grupo que funciona como um
laboratório” (CERTEAU, 2013, p. 57).

A palavra “operação” é bastante propícia para identificar o trabalho de construção do objeto histórico, pois é
assim que os pesquisadores do GHEMAT compreendem uma pesquisa histórica: como uma produção. A história como
uma produção, concebida por Michel de Certeau (2013, p. 64), aponta a construção do objeto por meio de uma
operação. Nota-se que o uso de palavras como “operação” e “construção” demanda um sentido de ação, especificando
que “fazer história é uma prática”.
E “operar” para que se constitua em história, requer uma prática científica. Com relação a uma operação
específica de um objeto histórico, Certeau (2013, p. 65) argumenta que “a história é mediatizada pela técnica”. Sendo

1
Tal atividade é coordenada pelo Prof. Dr. David Antonio da Costa, professor credenciado do Programa de Pós Graduação em Educação Científica
e Tecnológica da UFSC.
2
DSpace é um software livre desenvolvido em parceria com MIT – Massachusetts Institute of Technology e a Hewlett Packard Corporation. Para
maiores detalhes ver: Costa, D.A.; Arruda, J.P. (2012)

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Anais do XII SNHM -2017
O uso do Repositório de Conteúdo Digital nas pesquisas em história da educação matemática

assim, ao operar com o objeto histórico há todo um trabalho “sobre um material para transformá-lo em história”. Mas,
pode-se perguntar: que material?
Certeau (2013, p. 67) responde a pergunta apontando que o pesquisador “trabalha, de acordo com os seus
métodos, os objetos físicos (papéis, pedras, imagens, sons, etc.)”, que se fizeram perceber como pertinentes a seus
questionamentos, sua problematização. Esses objetos, considerados como fontes de pesquisa pelo pesquisador,
necessitam ser separados e redistribuídos conforme o sistema de referência que acompanha a pesquisa.
Para Certeau (2013, p. 69):

“Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em ‘documentos’
certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho.
Na realidade ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever
ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto”. (CERTEAU,
2013, p. 69)

Essa transformação que o pesquisador realiza com os documentos transforma-o na condição de um ator na
“cadeia de uma história por fazer (ou por refazer)”. O trabalho dos pesquisadores do GHEMAT ao garimpar, analisar
suas respectivas fontes e inseri-las no Repositório, constroem coletivamente uma coleção. “Dessa maneira, a coleção,
produzindo uma transformação dos instrumentos de trabalho, redistribui as coisas, redefine unidades de saber, instaura
um lugar de recomeço (...)” (CERTEAU, 2013, p.71).
Estes documentos assumem o estatuto de fontes de pesquisa, a partir das problematizações dos pesquisadores,
motivados pelas temáticas dos projetos coletivos. O estabelecimento das fontes a partir de novos aparatos tecnológicos
proporcionados pelo uso do Repositório, principia “uma redistribuição epistemológica dos momentos da pesquisa
científica (CERTEAU, 2013, p.75). Ir aos arquivos ganha gradualmente outros significados uma vez que a instituição
técnica organiza o lugar onde circula a pesquisa científica.
A pesquisa histórica ao lançar mão de ferramentas computacionais, segundo Certeau (2013) leva o historiador
a separar aquilo que esteve ligado ao seu trabalho até hoje: a construção de objetos de pesquisa e das unidades de
compreensão; a acumulação dos dados e sua arrumação/deslocamentos para classificação; e a exploração viabilizada
por estas operações precedentes. Pela possibilidade do uso computacional, o trabalho teórico se desempenha na relação
entre os polos extremos da operação inteira: a construção dos modelos e a atribuição de uma significabilidade aos
resultados obtidos ao final de combinações informáticas.

O Repositório em ação

Os primeiros documentos inseridos no Repositório foram os itens que compunham o conteúdo do DVD “A Educação
Matemática na Escola de Primeiras Letras 1850-1960: um inventário de fontes” (2010). Esta mídia foi um dos produtos
técnicos do projeto de mesmo nome, organizado pelo Prof. Wagner Rodrigues Valente. Na ocasião trabalharam seis
pesquisadores do GHEMAT que digitalizaram um conjunto de documentos utilizados nas suas respectivas pesquisas:
revistas pedagógicas, livros didáticos, manuais de ensino, provas de alunos e legislação escolar. Um dos aspectos
coletivos do trabalho do GHEMAT diz respeito à elaboração de bancos de dados que venham a constituir fontes para
os projetos em desenvolvimento e interessados em investigar a história da educação matemática no Brasil.
A potencialidade do uso do Repositório para as pesquisas em história da educação matemática tem se
demonstrado muito fértil. E esta afirmação é resultado da possibilidade da estruturação do seu espaço virtual,
dimensionado nas comunidades e coleções, em direta correlação com os tipos de fontes que se deseja arquivar. Isto é,
para inserir os documentos digitalizados que estavam no DVD mencionado, estruturaram-se as coleções do
Repositório em pastas e subpastas cujos nomes seguiam a natureza das fontes. As primeiras pastas nominadas no
Repositório foram: LEGISLAÇÃO ESCOLAR, LIVROS DIDÁTICOS E MANUAIS PEDAGÓGICOS, REVISTAS
PEDAGÓGICAS.
Este movimento da criação, desenvolvimento da estrutura do Repositório e das inserções dos documentos

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Anais do XII SNHM -2017
David Antonio da Costa

(chamados de itens) cresceu demasiadamente motivado por um dos projetos temáticos, de âmbito nacional, de grande
envergadura empreendido pelo GHEMAT: A constituição dos saberes elementares matemáticos: a Aritmética, a
Geometria e o Desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-19703. Acompanhando o
desenvolvimento do projeto, foram criadas pastas no Repositório que receberam documentos procedentes de todos os
pesquisadores dos mais diferentes estados da federação.
Muitas ações foram criadas e desenvolvidas especialmente para atender as necessidades das inserções das
digitalizações das fontes. Trânsito de arquivos entre os pesquisadores de outros estados com o coordenador do
Repositório em Florianópolis, normatização de dados suficientemente claros e precisos para a categorização das
fontes, são alguns dos exemplos dos desafios que pouco a pouco foram vencidos.

Fig. 1 – Tela do Repositório

Fonte: < https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769>. Acesso em 01 abr. 2017.

Atualmente temos pastas de documentos digitalizados dos estados Alagoas, Amazonas, Bahia, Distrito
Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Paraná,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo. Em síntese,
dezenove estados brasileiros mais o Distrito Federal constituem coleções do Repositório.
A concepção do projeto financiado pelo CNPq permitiu a coordenação dos trabalhos nos diversos estados
graças a sua realização em etapas, levando-se em conta a especificidade das fontes a serem utilizadas. Assim, no
primeiro ano de realização do projeto foram privilegiados os documentos oficiais para o ensino de matemática. Em
fase posterior foram os impressos pedagógicos, seguidos pelos livros e manuais pedagógicos. Contemporaneamente
os cadernos escolares passaram a receber a atenção dos pesquisadores do grupo.
Livros didáticos e manuais escolares4 compõe uma das coleções do Repositório com mais de quatro centenas

3
Projeto com auxílio a pesquisa, Edital Universal Faixa C. Processo CNPq 470400/2012-9
4
Para maiores detalhes ver em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1772>. Acesso em: 01 abr. 2017.

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O uso do Repositório de Conteúdo Digital nas pesquisas em história da educação matemática

de títulos. Os cadernos escolares5 também estão presentes e são as fontes privilegiadas nos diversos subprojetos
desenvolvidos nos estados no primeiro semestre de 2017. Vale ainda considerar a importância da realização dos
Seminários Temáticos no âmbito do projeto nacional, espaço no qual para além da troca e debate das pesquisas em
desenvolvimento, tem permitido a capacitação de novos alunos e professores para digitalização e divulgação dos
documentos nos diferentes estados, a partir da realização de oficinas de digitalização coordenada pela equipe de São
Paulo, ocorrida durante o XIV e no próximo XV seminários 6.
Como apresentado no início deste texto, os itens inseridos no Repositório estão disponíveis por acesso aberto
a qualquer usuário da internet. E é por meio desse acesso, pela internet, que todas as ações de inserção/manutenção
do Repositório são realizadas. A coordenação está presente na UFSC – Campus Florianópolis, mas por meio de
diferentes níveis de acesso, são estabelecidas e delegadas tarefas aos usuários intitulados como administradores locais.
Nos estados onde há um número maior de pesquisadores, foram nomeados administradores locais que organizam e
gerenciam diretamente as inserções nas respectivas pastas. Cabe, desta forma, ao coordenador geral a moderação
destas ações, assim como a determinação das normativas, como a criação de tutoriais que visam o aprimoramento e
adequações dos processos envolvidos com as inserções das fontes.
São Paulo e Rio Grande do Sul são exemplos de estados que possuem administradores locais do Repositório,
isto é, desde as instituições de pesquisas paulistas e gaúchas são realizadas diretamente inserções dos documentos.
Este procedimento garante agilidade e precisão dos dados que se desdobra na maior quantidade de documentos
inseridos procedentes destes estados. Mestrandos e doutorandos participam e colaboram nos trabalhos técnicos de
preparação das fontes: digitalização, catalogação e descrição dos chamados metadados. Estas são algumas das tarefas
coordenadas diretamente nestas localidades.
Na medida que em São Paulo e Rio Grande do Sul se delegam tarefas mais complexas com o Repositório,
potencializa-se a formação dos pesquisadores em novas dimensões. A preparação dos itens para serem inseridos no
Repositório passa por uma reflexão crítica para a boa caracterização das fontes. Será por meio desta caracterização,
pela construção dos metadados, que as ferramentas computacionais identificarão no banco de dados estes itens a partir
dos mecanismos de busca.
Compreende-se que a elaboração dos metadados a partir das fontes permitem um olhar mais crítico para a
própria fonte. Ou seja, o procedimento descrito acima revela um salto qualitativo no paradigma do fazer pesquisa em
história da educação matemática com uso do Repositório em pelo menos dois pontos: para inserir um item, este deve
ser exaustivamente estudado e categorizado – o que implica um trabalho intenso de análise sobre a fonte de pesquisa,
deixando um grande legado de conhecimento acerca deste item para quem as depositou. Por outro lado, por meio da
boa caracterização, o documento passa a ser acessado facilmente por outros pesquisadores que se apropriam do item
contextualizado pelos seus respectivos metadados.
Pesquisadores de outros estados que não possuem administradores locais encaminham arquivos da
digitalização dos documentos por meio eletrônico, seja email, compartilhamento por drives em nuvem, etc, para o
coordenador na UFSC. Todos os processos de inserção para os demais pesquisadores do GHEMAT não vinculados a
SP ou RS são realizados em Florianópolis.
Como dito, o esforço coletivo dos diferentes estados, com situações diferenciadas,
permitiu chegarmos o número total de mais de 3400 documentos digitalizados no Repositório.

Bibliografia
CAFÉ, L. et al. 2003. Repositórios institucionais: nova estratégia para publicação científica na Rede Anais do 26
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Belo Horizonte.
CERTEAU, Michel de. 2013 (3ª Ed.). A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes, Rio de Janeiro:
Forense Universitária.

5
Para maiores detalhes ver em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/160300>. Acesso em: 01 abr. 2017.
6
Para maiores detalhes, seguem os sitios dos seminários temáticos em suas versões XIV e XV ocorrido em Natal/RN e brevemente em Pelotas/RS,
respectivamente. Ver em: <http://xivseminariotematico.paginas.ufsc.br/>. Acesso em 01 abr. 2017 e
<http://xvseminariotematico.paginas.ufsc.br/>. Acesso em 01 abr. 2017.

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Anais do XII SNHM -2017
David Antonio da Costa

COSTA, David Antonio da. ARRUDA, Joseane Pinto de. 2012. Repositório institucional de fontes para a história da
educação matemática na Universidade Federal de Santa Catarina. Anais do 1 Encontro Nacional de Pesquisa em
História da Educação Matemática. Vitória da Conquista.
VIANA, Cassandra Lúcia de Maya; MÁRDERO ARELLANO, Miguel Ángel; SHINTAKU, Milton. 2005.
Repositórios institucionais em ciência e tecnologia: uma experiência de customização do DSpace. Anais do 3º
Simposio Internacional de Bibliotecas Digitais. São Paulo.

David Antonio da Costa


Departamento de Metodologia de Ensino –
MEN/CED/UFSC – campus de Florianópolis - Brasil

E-mail: david.costa@ufsc.br

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

A MATEMÁTICA NO PARMÊNIDES DE PLATÃO: UM EXEMPLO DE COMO A FILOSOFIA


PODE AUXILIAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA ANTIGA*.

Gustavo Barbosa
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Brasil

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo analisar o diálogo Parmênides de Platão sob a ótica da História e da Filosofia
da Matemática. A questão diz respeito às contribuições de obras de filosofia e outras manifestações culturais, como a
medicina e a história, à contextualização da matemática na Grécia no período pré-euclidiano. A natureza bibliográfica
da pesquisa tem como fonte primária diversas traduções do texto de Platão, em línguas diferentes. Os comentários e
edições críticas auxiliam na compreensão das possibilidades hermenêuticas do Parmênides, bem como do fundo
conceitual sobre o qual a matemática é projetada. Do mesmo modo, são considerados elementos filológicos do
desenvolvimento científico na Grécia antiga.

Palavras-chave: Matemática, História, Platão, Parmênides.

THE MATHEMATICS IN THE PLATO’S PARMENIDES: AN EXAMPLE OF HOW PHILOSOPHY CAN HELP THE HISTORY OF
MATHEMATICS

Abstract

The present paper aims to analyze the dialog Parmenides of Plato from the point of view of the History and Philosophy
of Mathematics. The issue concerns the contributions of works of philosophy and other cultural manifestations, such
as medicine and history, to the contextualization of mathematics in Greece in the pre-Euclidean period. The
bibliographical nature of the research has as its primary source several translations of Plato's text, in different
languages. The commentaries and critical editions assist us to understand the hermeneutic possibilities of the
Parmenides, as well as the conceptual background upon which mathematics is projected. In the same way, philological
elements of scientific development in ancient Greece are considered.
Keywords: Mathematics, History, Plato, Parmenides.

Uma breve observação hermenêutica

Iniciamos essa apresentação com uma breve observação a respeito das dificuldades hermenêuticas que o
Parmênides de Platão apresenta. Se há um único ponto de concordância na longa tradição hermenêutica deste diálogo,
é que não há concordância unânime com relação à sua interpretação.
Não é o nosso propósito fazer um estudo da multitude de interpretações da obra de Platão, embora precisamos
estar atentos a elas quando cotejamos o Parmênides com a sua literatura crítica. As tendências hermenêuticas tornam-
se terreno de interesse para a História da Matemática se consideramos o modo como a matemática aparece em cada
uma de suas possibilidades. Por exemplo, para aqueles que consideram o Parmênides como uma espécie de exercício
lógico-crítico, a matemática que aparece diversas vezes no texto deve contribuir para esta perspectiva, isto é,

*Este trabalho apresenta resultados parciais de dois estágios de pós-doutoramento subsidiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP - Processo nº 2014/05437-0, e Processo BEPE nº 2016/26690-6).

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Gustavo Barbosa

manifestando-se mais como um jogo e afastando-se, portanto, da metafísica. Por outro lado, os que nele veem uma
mensagem metafísico-positiva, ou seja, uma renovação do pensamento de Platão, a matemática torna-se carregada de
significados, e tem um valor maior na doutrina de Platão. Em ambos os casos, a matemática que encontramos no
diálogo remete, ora a antigas doutrinas, como o Pitagorismo, ora a novos campos de investigação.
No Parmênides, Platão incorpora as ciências matemáticas aos problemas filosóficos, assim como o faz também
em outros diálogos, como o Mênon, A República, o Teeteto, o Filebo e o Timeu, por exemplo. Aos números, formas
geométricas e movimentos (astronomia e harmonia) recai um importante papel epistemológico. Além disso, Platão
recorre a um conjunto de ciências bem conhecidas e consolidadas em sua época, concomitante a métodos que poderiam
estar em fase de ajustes, e por isso, discutidos e praticados na Academia. O texto homogeneíza descobertas que
remetem ao Pitagorismo com a pesquisa das proporções, de Eudoxo, por exemplo. Nosso propósito é esboçar, de
forma tão precisa quanto possível, um quadro desta matemática que vem chamada em causa no Parmênides.

Acerca do molde dramático

A tradição considera uma divisão do diálogo em duas partes. A primeira, a saber, que vai de 127a até 137c 1,
apresenta-nos o argumento de Zenão de Eléia contra a multiplicidade, seguido pela introdução da doutrina das Ideias,
por Sócrates, e pelas observações de Parmênides quanto a esta. Na segunda parte, entre 137c e 166c, encontramos
uma exibição do método hipotético-dedutivo, que Parmênides recomenda a Sócrates se exercitar. Tomando como
interlocutor um jovem chamado Aristóteles – “pois é quem menos ergueria dificuldades, e o que mais responderia
aquilo que pensa” (PLATÃO, 2005, p. 53) –, Parmênides disseca um conjunto de hipóteses relativas ao ser.
Sobre Parmênides é dito que ele “já era bem idoso, de cabelos bastante grisalhos, mas de nobre e bela
aparência, de idade por volta de sessenta e cinco anos”2. A respeito de Zenão, é dito que “estava perto de seus quarenta
anos, de belo porte e de aspecto agradável”3. E de Sócrates, por fim, que “era nessa época bastante jovem”4. Os eleatas
Parmênides e Zenão encontravam-se em Atenas em virtude das Grandes Panatenéias, festividades que mobilizavam
visitantes de todas as partes da Grécia. Zenão havia trazido consigo os seus escritos e estava fazendo a leitura deles
na casa de Pitodoro, que por sua vez estava do lado de fora do recinto, junto com Parmênides e o jovem Aristóteles.
Pitodoro é o narrador, que nos conta que ele e seus companheiros adentraram no local quando Zenão estava no final
de seu texto, e por isso o leitor do Parmênides fica sem saber o seu conteúdo.

A estrutura dos argumentos de Zenão

Terminada a leitura do escrito de Zenão, Sócrates pede-lhe que leia novamente a primeira hipótese do
primeiro argumento (127d). Uma hipótese (hypothesis) tem o significado de base, fundamento, literalmente o que está
por baixo, tendo sido assimilada pelo vocabulário científico para indicar o ponto de partida, o princípio (arche) de
uma pesquisa. A hipótese é, portanto, uma afirmação sem valor conclusivo imediato, cuja verdade ou falsidade
dependerá das consequências que dela derivam e da força dessas conexões. Após tê-la ouvido, Sócrates questiona:

“Que queres dizer com isso, Zenão? Que, se os seres são múltiplos, então é preciso que eles sejam
tanto semelhantes quanto dessemelhantes, mas que isso é impossível, pois nem as coisas
dessemelhantes podem ser semelhantes nem as semelhantes, dessemelhantes. [...] Então, se é
impossível as coisas dessemelhantes serem semelhantes e as semelhantes, dessemelhantes, é

1
Ao longo deste trabalho, utilizaremos por vezes a numeração das páginas das obras de Platão segundo a fundamental edição de Henry Estienne,
também conhecido por Stephanus. Esse sistema é composto por um número que corresponde a uma página, e por uma letra, que corresponde a um
parágrafo. Pode-se eventualmente acrescentar um número, que indica a linha em questão. Essa numeração consta em todas as edições em formato
bilíngue, e, portanto, não se restringe a um exemplar em particular.
2
Ibid., p. 23.
3
Ibid., p. 23.
4
Ibid., p. 23.

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A matemática no Parmênides de Platão ...

também impossível haver múltiplas coisas, não é? Pois, se houvesse múltiplas coisas, seriam
afetadas pelo que é impossível”. (PLATÃO, 2005, p. 25)
Um esquema dessa argumentação pode ser feito da seguinte forma:

Segundo Proclus, em seu comentário ao Parmênides (1987, p. 72), os argumentos de Zenão eram quarenta
ao todo. Alguns deles chegaram a nós por meio de Aristóteles em sua Física, outro por Simplício no seu comentário
à mesma obra. Pode-se afirmar que, apesar de diferirem quanto às premissas, os argumentos de Zenão tinham todos
uma mesma estrutura paradoxal que resultava na impossibilidade da multiplicidade.
O cerne da argumentação de Zenão são as consequências conflitantes obtidas de uma hipótese formulada a
partir dados empíricos. O procedimento empregado é a refutação (elenchos), cuja origem encontra-se no poema de
seu mestre Parmênides, Da Natureza (2002). Nesta obra, a deusa adverte o poeta a tomar decisões mediante a razão,
ao argumento (logos), à faculdade racional; em oposição aos costumes, aos sentidos, à opinião (doxa). Ainda sobre a
representação feita acima do argumento de Zenão, destacam-se dois princípios lógico-argumentativos que
conhecemos como princípio de não contradição e princípio do terceiro excluído.
No caldo cultural da Grécia dos séculos VI a III a.C, o elenchos se alastra e é absorvido por outros saberes,
como a medicina e as ciências matemáticas. O método de demonstração indireta por antonomásia na matemática é a
redução ao absurdo, técnica esta que se encontra bem consolidada nos Elementos de Euclides, e que tem se mostrado
indispensável para a prática da matemática desde então.

Duas naturezas de demonstração

Sócrates questiona Zenão a respeito de seus argumentos:

“Crês ser prova [tekmerion] para ti cada um dos argumentos [logoi], de sorte que também acreditas
apresentar tantas provas [tekmeria] de que não há múltiplas coisas quantos argumentos
escrevestes?”. (PLATÃO, 2005, p. 25)

Depois da confirmação de Zenão, Sócrates se dirige a Parmênides e lhe diz que as provas de Zenão não
afirmam outra coisa senão o mesmo que sua tese em seu poema:

“Pois tu, em teus versos, afirmas o todo ser um, e disso apresenta belas e boas provas [tekmeria].
Ele, por sua vez, afirma não ser múltiplas coisas, e também ele apresenta provas [tekmeria]
numerosas e de muito peso”. (PLATÃO, 2005, p. 25)

Como destacado nas passagens, o termo empregado por Platão para se referir às provas eleáticas é o

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Gustavo Barbosa

substantivo tekmerion, derivado de tekmar, que Homero utiliza como sinal, emblema, para designar um prenúncio dos
deuses. O tekmerion possui a acepção geral de símbolo, característica, evidência, algo possível de ser determinado5.
Os rastros do uso desta palavra nos mostram como ela se tornou terminus technicus no âmbito da história e da medicina
antiga.
Dois dos maiores historiadores da Antiguidade, Heródoto (484 – 407 aprox.) e Tucídides (460/455 – 404
aprox.), recorreram a tekmerion em suas obras como fundamento para os seus discursos. Quanto ao primeiro, há três
ocorrências significativas de tekmerion em sua História (2.13.1, 3.38.10 e 7.238.4). Em todos os casos a acepção geral
é de evidência, testemunho, algo verificável de acordo com os relatos ou sentidos. Com relação ao segundo, há também
três empregos de tekmerion em sua Guerra do Peloponeso (1.1.3, 2.39.2 e 3.104.6). Neles, consta o mesmo significado
empírico, factual e verificável6. Os relatos se constituem como fatos apresentados sob forma de provas retóricas, a
fim de persuadir os seus leitores e ouvintes, e versam sobre descrições de batalhas, testemunhos de acontecimentos,
detalhamentos geográficos. Servindo de fundamentação à credibilidade do historiador.
Na segunda metade do século V a. C., o mundo grego testemunhou o surgimento de obras que definiram os
preceitos de variadas disciplinas, ofícios ou artes – todas elas englobadas pela denominação mais geral, technai. Os
textos que delineiam a techne médica como um âmbito profissional bem definido competem a Hipócrates de Cós (460
aprox. – 370 aprox.), considerado o médico mais famoso de sua época. O seu estilo é crítico e rigoroso, com uma
cuidadosa descrição de enfermidades e sintomas, associando a eles os devidos tratamentos. Na escrita de Hipócrates
encontramos o tekmerion utilizado como sinal, indicando um sintoma decorrente de um comportamento ou
anormalidade, e também como evidência que comprova ou reforça alguma afirmação do médico7. O termo serve tanto
para auxiliar a determinação de um diagnóstico, quanto para legitimar a eficácia de um tratamento.
Os textos de Hipócrates contribuíram ainda para a consolidação de uma epistemologia, dado que em muitos
deles verifica-se um debate contra possíveis detratores da ciência médica. A afirmação da medicina ocorre, portanto,
seja pelos exemplos – as provas, evidências, indícios, pela identificação das causas dos males e seus respectivos
tratamentos –, como pela refutação teórica de seus adversários. Uma comparação entre Hipócrates e Zenão de Eléia
não seria descabida, no sentido da diligência de um espírito polêmico que almeja legitimar a sua doutrina, tornando
evidente o quão absurdas seriam as consequências de sua negação. A defesa hipocrática de sua techne mediante o
elenchos é, por isso, um exemplo significativo de como a metodologia eleática desloca-se da esfera da filosofia para
outras áreas do saber.
O léxico de Platão8 aponta setenta e duas ocorrências de tekmerion ao longo de todo o seu corpus. Mesmo
considerando-se que Platão evita fixações terminológicas, a aplicação que ele faz de tekmerion não se desvencilha de
um significado geral de evidência, ou prova argumentativa, isto é, como conformação do que está sendo falado com
os fatos que se apresentam. Portanto, ao designar as provas eleáticas por tekmerion, Platão enfatiza com este termo
os aspectos empíricos desta doutrina. De fato, os paradoxos lógicos de Parmênides e Zenão decorrem de situações do
mundo sensível. Para Sócrates, nada há de espantoso (thaumastos) em ver que as coisas sensíveis participam tanto da
semelhança quanto da dessemelhança (129b1). Um homem, por exemplo, é semelhante a si mesmo, entretanto, o seu
lado esquerdo é dessemelhante do direito, assim como sua parte da frente é dessemelhante da de trás, e do mesmo
modo com relação à parte inferior e posterior.
“Mas se aquilo que é realmente um, alguém demonstrar [apodeixei] que isso mesmo é múltiplas coisas, e, de
outra parte, que o múltiplo é um, já disso me espantarei” (PLATÃO, 2005, p. 29)9, afirma Sócrates. Ele está se
referindo às Ideias (eidos) mesmas em si mesmas, ou seja, à própria semelhança e dessemelhança, e todos os outros
contrários, como a grandeza e a pequenez, o repouso e o movimento, etc. Nesse contexto, ao longo de todo o trecho
em que trata da filosofia platônica, Sócrates se refere à demonstração por meio do substantivo apodeixis e do verbo
apodeiknymi. É significativo que o vocabulário do filósofo mude conforme ele se afasta de um referencial sensível

5
Segundo o dicionário de Liddell-Scott-Jones, cuja versão online pode ser acessada em:
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tekmh%2Frion&la=greek&can=tekmh%2Frion0&prior=soi&d=Perseus:text:1999.01.0173:text=P
arm.:section=127e&i=1#lexicon.
6
Cf. FELDHERR; HARDY, 2011.
7
Cf. JOUANNA, 1999.
8
RADICE, 2003, versão digital sem paginação.
9
Os grifos em um são do autor; em demonstrar, nosso.

25
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A matemática no Parmênides de Platão ...

como recurso para compreender a realidade.


A atividade filosófica no pensamento de Platão trata de coisas superiores às do mundo em que vivemos. O
seu objeto são as coisas apreendidas pelo pensamento em detrimento dos sentidos, dedicando-se às causas de as coisas
sensíveis serem como são, contraditórias. Desse modo, a superioridade da proposta ontológica de Platão corresponde
ainda ao âmbito epistemológico10, o que se pode depreender da fala de Sócrates a Zenão:

“Quanto àquelas coisas [i. e., as coisas sensíveis], acredito terem sido tratadas por ti com muita
coragem. Entretanto, eu, como digo, me encantaria muito mais se alguém pudesse, essa mesma
aporia, da maneira como a expuseste no caso das coisas que se vêem, exibi-la, dessa mesma
maneira, também no caso das coisas apreendidas pelo raciocínio, entrelaçada de todos os modos
nas formas mesmas”. (PLATÃO, 2005, p. 31)11

Quanto ao uso da apodeixis na tradição antiga, encontramo-la em um famoso fragmento atribuído a Árquitas
de Tarento (DK 47 B 4)12, em que ele defende a superioridade da ciência do cálculo (logistikos) e da geometria sobre
as outras artes (technai), quando tratando-se de questões de sabedoria (sophia). Para Arquitas: “onde a geometria se
dá por vencida, a ciência do cálculo lhe fornece a demonstração [apodeixias]” (REALE, 2012, p. 890-891)13. Segundo
Mugler (1958, p. 74), a apodeixis foi posteriormente consolidada como sinônimo de demonstração matemática por
Arquimedes, Apolônio de Perga, Pappus e Proclus. Assim, já no tempo de Platão, pode-se afirmar que os termos
tekmerion e apodeixis não eram exatamente sinônimos, pois mesmo referindo-se a uma evidência, o segundo sugeria
algo mais do que uma apreensão sensitiva, uma compreensão. O exame das propriedades de uma figura geométrica
exige competências distintas daquelas usadas para confirmar uma experiência, sem, contudo, renunciar a elas.

A matemática nas hipóteses – uma visão geral

A consequência que decorre da primeira hipótese de Parmênides é que o um não seria múltiplas coisas, pois
se o fosse, a sua multiplicidade indicaria partes de um todo. Ao mesmo tempo, se o um fosse uma totalidade, seria
uma soma de partes. A dicotomia todo-partes leva à próxima consequência, a saber, a de que o um não tem forma
geométrica. Escrita de maneira concisa, a sequência argumentativa de Parmênides é a seguinte:

i. “Se não tem nenhuma parte, não teria nem princípio, nem fim nem meio” (PLATÃO, 2005, p. 53)14;
ii. o princípio e o fim são limites (peras) de cada coisa;
iii. e o um será ilimitado (apeiron);
iv. logo, sem forma/figura (schema);
v. e, portanto, não participa nem do redondo (strongylos) nem do reto (euthys);
vi. “redondo é, penso, aquilo cujas extremidades, em todos os pontos, distem igualmente do meio”15,
“e reto, por sua vez, aquilo cujo meio está entre ambas as extremidades” 16.

A concepção de figura (i) para os gregos antigos não se tratava de uma simples representação geométrica de
um determinado objeto. Mais do que isso, as figuras traziam em si todas as possibilidades de divisões e intervenções,
pois era por meio delas que se efetuavam as demonstrações. Do mesmo modo como um escultor vê a estátua de um
deus em um bloco de mármore, um geômetra via a demonstração em uma figura. O trabalho de ambos era transformar

10
Tanto o mito da caverna quanto a metáfora da linha dividida, ambos na República, são representados por uma linguagem que indica uma
verticalidade, uma ascensão, uma dinâmica das sombras à luz, da noite ao dia, da ignorância ao conhecimento gradual das sombras, passando depois
para os objetos sensíveis, até transcende-los, por intermédio do conhecimento matemático, para então chegar às Ideias.
11
Tradução com modificações.
12
Utilizamos aqui a referência padrão da coletânea de fragmentos e testemunhos dos pré-socráticos feita por Herman Diels e Walther Kranz. O
texto consultado é a versão italiana, de Giovanni Reale, cuja referência completa encontra-se na bibliografia.
13
Tradução nossa.
14
Grifo nosso.
15
Ibid., p. 55.
16
Ibid., p. 55, tradução com modificações, grifo nosso.

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Anais do XII SNHM -2017
Gustavo Barbosa

aquela potência em ato. O papel das figuras na geometria grega era o de possibilitar a realização de operações gráficas,
de onde se obtinha novas propriedades mediante as relações estabelecidas. Por isso, figuras eram consideradas um
todo formado por partes.
A noção metafísica de figura, que Platão herda e transmite, considera os limites como sendo mais do que uma
mera restrição espacial que constitui identidade. Nas Leis (IV, 715e-716a), o Ateniense diz que “como ensina uma
antiga doutrina”, o deus determina o princípio, o meio e o fim de todos os seres (REALE, 2010, p 1535)17. Quanto a
estes três elementos, Aristóteles declara no De Caelo (I 1, 268a) que: “como dizem os Pitagóricos, o universo e tudo
o que há nele é determinado pelo número três, uma vez que o início e o meio e o fim dão o número do universo, e este
número é a tríade” (BARNES, 1995, p. 911)18. Uma conjectura é que a tríade guardaria o segredo da geração de
triângulos retos por meio dos números inteiros básicos (3, 4 e 5) codificados na tetraktys19.

“Parece haver certa indicação disso na designação pitagórica do número 5 como


“casamento”, o qual é explicado como a união que liga o número 3 (que é ímpar,
portanto, macho) ao número 4 (que é par e, portanto, fêmea). Dessa maneira, pode-se
considerar que a fórmula numérica mais simples para o triângulo reto (32 + 42 = 52)
significa uma combinação harmoniosa (“casamento” dos princípios básicos do cosmos,
o Limitante (ímpar) e o Ilimitado (par)”. (KAHN, 2007, p. 53)

Três eram também os acordes musicais fundamentais, representados pelos elementos da tetraktys: a oitava
(que corresponde à razão 2 : 1); a quinta (que corresponde à razão 3 : 2); e a quarta (que corresponde à razão 4 : 3).
Ainda sobre a tetraktys, Kahn (2007 p. 50-55) explica que o número quatro representa os três lados de um
triângulo equilátero, onde cada linha representa um de seus elementos, 1, 2, 3 e 4.

Todas as três razões musicais formam pares sucessivos de linhas que começam em qualquer vértice:

17
Tradução nossa.
18
Tradução nossa.
19
A unidade (1) – que não era considerada pelos gregos um número – e os três primeiros números (2, 3 e 4), que somados resultam no número 10,
segundo Aristóteles (Metafísica, A 5, 986a23-b12), o dez representava a perfeição para os “assim chamados pitagóricos”, e compreendia toda a
realidade dos números.

27
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A matemática no Parmênides de Platão ...

A oitava (2 : 1) A quinta (3 : 2) A quarta (4 : 3)


na representação na representação na representação
da tetraktys da tetraktys da tetraktys
como um número como um número como um número
figurado figurado figurado
O redondo e o reto (vi) aparecem no Parmênides como paradigmas de figura (iv). Em outro diálogo, o Mênon,
estas duas mesmas formas compõem a dupla de contrários do gênero figura: “o redondo não é absolutamente mais
figura que o reto, nem este mais figura que aquele”, é o que diz Sócrates (PLATÃO, 2009, p. 31).
Por um lado, a definição da forma redondo como “aquilo cujas extremidades, em todos os pontos, distem
igualmente do meio” (PLATÃO, 2005, p. 55) assemelha-se àquela que Euclides dá de círculo em I.15:

“uma figura plana contida por uma linha [que é chamada circunferência], em relação à qual todas
as retas que a encontram [até a circunferência do círculo], a partir de um ponto dos postos no
interior da figura, são iguais entre si”. (EUCLIDES, 2009, p. 97)

Por outro lado, dificuldades se manifestam quando se tenta encontrar correspondente semelhança a partir da
definição platônica de reto. De fato, “aquilo cujo meio está entre ambas as extremidades” (PLATÃO, 2005, p. 55)20,
não se coaduna com as figuras fechadas descritas por Euclides.
A definição de reto encontrada no Parmênides é tão pouco perspícua quanto à de linha reta fornecida por
Euclides como “a que está posta por igual com os pontos sobre si mesma” (EUCLIDES, 2009, p. 97). Contudo, o que
mostraremos a seguir é que uma análise etimológica da primeira leva à compreensão de ambas.
Na definição platônica de reto, traduzimos o advérbio epiprosthen (137e4), relacionado ao substantivo mesos
(meio), como “está entre”. Uma vez que o termo prosthe(n), que entra na sua composição, indica uma posição anterior
a outra no espaço ou no tempo21, como em adiante, à/em frente ou antes de, o significado de epiprosthen então tem a
ver com ofuscar, obscurecer, cobrir de sombra22. O seu uso remete à astronomia antiga, para indicar a passagem de
um corpo celeste por sobre outro no céu, ou a projeção de sua sombra sobre outro. De modo geral, o epiprosthein diz
de algo que intercepta a linha de visão. Assim concebido, o meio é o que é obstruído pelos extremos. Ora, em um
eclipse solar, por exemplo, o termo viria utilizado para descrever como a Lua se interpõe entre a Terra e o Sol, de
modo que um observador os vê sobrepostos. Quando se encontram perfeitamente alinhados os corpos em um eclipse,
a linha reta em que estão dispostos é vista como um ponto. Disso deriva a definição pré-euclidiana de linha reta. Nota-
se que a sua representação em uma superfície plana é incompatível com a definição. Melhor seria, para representar o
reto que Platão descreve, uma perspectiva de profundidade.
O mesmo se pode afirmar com relação à linha reta definida por Euclides. Uma pessoa que traça uma linha
em uma folha de papel, utilizando um lápis e uma régua, deverá experimentar alguma suspeita quanto à
compatibilidade do objeto representado e a sua definição. Novamente, se escolhemos um referencial que não é
longitudinal para caracterizar a reta, mas que, ao invés disso, considera a perspectiva de profundidade, a definição se
esclarece. Imaginando a linha reta de Euclides, do mesmo modo como fizemos na interpretação do reto no
Parmênides, torna-se compreensível o que o geômetra determinou.

20
Tradução com modificações.
21
Cf. BEEKES, 2010, p. 1239; CHANTRAINE, 1999, p. 941.
22
Cf. MUGLER, 1948, p. 194-195.

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Outra consequência da ausência de forma a ser examinada no Parmênides é que o um não pode ser
semelhante, nem dessemelhante; não pode ser igual nem desigual, seja em relação a si mesmo, como em relação aos
outros. Aqui entram em cena conceitos que serão aprimorados por Euclides – o que leva a crer tratar-se de uma teoria
das proporções23. O igual vem definido como o que tem “mesmas medidas [ton auton metron]” (PLATÃO, 2005, p.
61). O que possui conotação ampla, servindo tanto para números quanto para magnitudes, mas sem mencionar os
primeiros, como no Livro V dos Elementos24. Outro ponto importante da terminologia é a distinção entre comensurável
(symmetros, 140c1) e incomensurável (me symmetros, 140c3). “Mas, sendo maior ou menor terá, com relação às
coisas com as quais for comensurável, mais medida que as menores, e menos que as maiores”25. E sobre os
incomensuráveis, Parmênides diz que “é impossível que aquilo que não participa do mesmo tenha mesma medida, ou
tenha outras mesmas coisas qualquer”26. Ou seja, o que não participa da comensurabilidade não pode ter mesma
medida, uma medida comum.
As traduções do Parmênides, tanto em Língua Portuguesa, quanto as estrangeiras, em geral, interpolam a
expressão “unidade de” quando Platão escreve simplesmente medida (metron), e com isso, a nosso ver, tornam o texto
redundante justamente quando deveríamos admirá-lo pela concisão. Para os antigos gregos, ser comensurável
implicava ter mesma medida, era implícito para eles que a expressão significa ter uma medida comum, não havia
necessidade de se referir a um terceiro (a “unidade de”). Portanto, devemos entender a noção de comensurável como
o que é medido pelo mesmo, e não que magnitudes, quaisquer que sejam, medem o mesmo. Podemos contemplar esse
cuidado refletido na linguagem concisa de Euclides, na primeira definição do Livro X dos Elementos: “Magnitudes
são ditas comensuráveis as que são medidas pela mesma medida, e incomensuráveis, aquelas das quais nenhuma
medida comum é possível produzir-se” (EUCLIDES, 2009, p. 353).

Em virtude de não participar da essência (ousia), o um não pode ser cognoscível, e dele não há nome (onoma),
definição/enunciado (logos), ciência/conhecimento (episteme), percepção/sensação (aisthesis) e opinião (doxa).
Temos aqui um paralelo com uma famosa passagem da Carta VII (342a7-343b6), onde Platão aborda os estágios do
conhecimento, e dá como exemplo o círculo:

“o círculo [kyklos] é o que é dito, que tem esse mesmo nome que agora enunciamos; a sua definição
é o segundo elemento, composta de nomes e de verbos: aquilo que mantém das extremidades ao
meio igual distância em toda parte. A definição valeria para o mesmo que tenha esse nome “redondo
e circular e círculo”. Terceiro é o que é desenhado e o que é apagado, o que é torneado e o que se
perde. Mas o círculo em si, o mesmo em relação com tudo isso, em nada é afetado, porque é diferente
deles. O quarto é o saber, a inteligência e opinião verdadeira sobre ele”. (PLATÃO, 2008. p. 90-
93)

Passando à segunda hipótese, a de que o um é um todo, Parmênides deduz que ele deve ter infinitas partes, é
“ilimitado em quantidade” ou tem “multiplicidade ilimitada” (apeiron plethos, 143a2). Para exemplificar o que está
sendo dito, Parmênides recorre à geração da série infinita dos números a partir da divisão fundamental entre pares e
ímpares. Uma vez definidos, “haveria pares vezes pares, e ímpares vezes ímpares, e pares vezes ímpares, e ímpares
vezes pares” (PLATÃO, 2005, p. 71). Contemplando toda a série dos números: “se então as coisas se passam assim,
crês sobrar algum número que não seja de modo necessário?”27, questiona Parmênides “De maneira alguma”,
reconhece o jovem Aristóteles. De uma perspectiva estritamente aritmética a resposta não é correta, uma vez que o
procedimento platônico de geração da série numérica pela multiplicação entre pares e ímpares não abrange os
chamados números primos. Por outro lado, pode-se traçar um paralelo entre a geração dos números no Parmênides
com algumas definições do Livro VII dos Elementos, a saber:

23
Cf. PLATONE, 2005, p. 254-255, n. 104; SAYRE, 1996, p. 149-153.
24
E ainda levantando a suspeita de que no fundo as palavras de Platão ressoam uma doutrina aritmo-geométrica de matriz pitagórica. Cf.
MIGLIORI, 2000, p. 210-211.
25
Ibid., grifo nosso, com modificações.
26
Ibid.
27
Ibid.

29
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A matemática no Parmênides de Platão ...

“6. Um número par é o que é dividido em dois.


7. E um número ímpar é o que não é dividido em dois, ou [o] que difere de um número par por uma
unidade.
8. Um número de par, um número par de vezes, é o medido por um número par, segundo um número
par.
9. E um número ímpar, um número par de vezes, é o medido por um número par, segundo um número
ímpar.
[10. Um par, um número ímpar de vezes, é o medido por um número ímpar, segundo um número
par].
11. E um número ímpar, um número ímpar de vezes, é o medido por um número ímpar, segundo um
número ímpar.” (EUCLIDES, 2009, p. 269).

Pode-se interpretar a ausência dos números primos no texto de Platão como uma preocupação na geração das
qualidades dos números, e não de todas as quantidades28. O par e ímpar têm significados específicos no interior do
pitagorismo antigo, e é este o fator a se ponderar quando contemplamos a aritmética geratriz no Parmênides. É o que
se deve ponderar no lugar de uma restrição a uma aritmética vazia de conteúdos metafísicos, que muito pouco teria a
ver com aquela praticada em período anterior a Euclides.
Julgamos válido esclarecer que o modo como os gregos se referiam aos números indica mais do que a
sequência cardinal 1, 2, 3, .... Concomitante a este uso, os números representavam sequências como: dueto, trio,
quarteto, ... ou ainda, uma vez, duas vezes, três vezes, ... ou ainda, simples, duplo, triplo, quadruplo, e assim por
diante29. Nenhum número é jamais citado nos “livros aritméticos” de Euclides, nem mesmo a título de exemplo 30, mas
são usados para representar quantidades de partes ou uma multiplicação como uma soma (Livro VII, Def. 16).
Ainda sobre a sequência numérica apreciada no Parmênides, há estudos que refletem sobre a possibilidade
do diálogo conter o que se poderia chamar de uma “proto indução completa” 31. É óbvio que não se deve procurar no
texto de Platão a formalidade do princípio matemático da indução, como estabelecido desde a sua enunciação por
Blaise Pascal (1623–1662), em seu Traité du triangle arithmétique – escrito em 1653, mas publicado apenas em 1665.
A sequência do Parmênides que inspira a conjectura da “proto indução” é a seguinte:

1. “Logo, é preciso que haja no mínimo dois se deve haver contato”;


2. “Mas, se aos dois termos em seguida se acrescentar um terceiro, eles mesmos serão três, mas os
contatos, dois”;
3. “E assim, sempre que se acrescenta um termo, também se acrescenta um contato, ...”
4. “... e resulta serem os contatos um a menos que a quantidade numérica de termos”;
5. “Pois, em quanto os dois primeiros termos excederem os contatos, para serem mais numerosos que
os contatos, ...”
6. “... nesse igual tanto também todo número subsequente de termos excede o total de contatos”;
7. “Pois, daí em diante, simultaneamente um termo se acrescenta ao número de termos, e um contato
aos contatos”;
8. “Logo, quanto sejam os seres, em número, sempre os contatos serão um a menos que eles”
(PLATÃO, 2005, p. 85).

Nota-se ainda que a relação entre elementos e contatos determina a ocorrência regular da dupla par-ímpar:
quando houver elementos em quantidade ímpar, os contatos entre eles serão em número par; e, inversamente, quando
a quantidade de elementos for par, os contatos entre eles serão ímpares. E, novamente, toda a série numérica pode ser
expressa mediante essa dicotomia.

Quando considera a ação do tempo sobre as coisas, Parmênides emprega ora um vocabulário associado às

28
Cf. HÖSLE, 1994, p. 55-58.
29
Cf. FOWLER, 1987, p. 14-16.
30
Cf. NETZ, 2001.
31
Esta é a tese de ACERBI, 2000.

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ciências dos números, ora à geometria. O tempo é univocamente ordenado, “pois, [...] em avançando do outrora em
direção ao depois, não poderá passar por cima do agora”32. Com efeito, a constância dessa ação resulta na efemeridade
do presente, “pois, progredindo, jamais será apanhado pelo agora”33. Oprimido entre o antes e o depois, um momento
nunca será desconexo destes, “pois aquilo que progride comporta-se de modo a tocar ambos, [...] estando a tornar-se
no intervalo entre ambos”34. Para Parmênides: “ainda que uma coisa seja mais velha que outra, não poderá tornar-se
ainda mais velha que o quanto diferia em idade no começo, no momento preciso em que veio a ser” (154b2-4). O mais
velho e o mais novo o são em relação recíproca por uma quantidade determinada de tempo. Dito de outra forma, a
diferença de idade do mais velho para o mais novo é a mesma do que a do mais novo para o mais velho. A passagem
do tempo é a mesma para todas as coisas que por ele avançam, e por isso a diferença de idade entre eles permanece
constante.

“Pois iguais, sendo acrescentados a desiguais, tanto com respeito ao tempo, quanto a qualquer
outra coisa, fazem com que os desiguais continuem a diferir por um tanto igual àquele pelo qual
precisamente diferiam no começo”. (PLATÃO, 2005, p. 97-99)

O que Platão transmite nesta passagem, porém de modo diverso, é o mesmo que a quarta Noção Comum de
Euclides I: “E caso iguais sejam adicionados a desiguais, os todos são desiguais” (EUCLIDES, 2009, p. 99).
Em termos matemáticos temos o seguinte:

Se a > b, então a + m > b + m, e (a + m) – (b + m) = a – b, onde a e b são idades e m é um período de tempo


qualquer35.

Contudo, Platão introduz uma outra interpretação da passagem do tempo. Quando Parmênides diz que “se a
um tempo maior ou a um tempo menor acrescentarmos um tempo igual, o maior diferirá do menor por uma fração de
tempo igual ou por uma menor”, a interpretação que se dá nesse caso não deve ser a mesma de anteriormente. A
relação agora admitida compara a diferença de idades com o passar do tempo, tratando-se de uma progressão
geométrica36, como segue:
Considerando-se duas pessoas com diferença de idade de 10 anos, por exemplo, quando a mais velha tiver
30 anos, a mais nova terá 20. Assim, a proporção entre as idades será de 3 para 2, (3 : 2). Quando a pessoa mais velha
tiver 50 anos, a mais nova terá 40, e a proporção entre as idades passa a ser de 5 para 4, (5 : 4). Por fim, quando a mais
velha estiver nos seus 70, a mais nova estará com 60, e a proporção será de 7 para 6, (7 : 6). Como (7 : 6) é menor que
(5 : 4), que, por sua vez é menor que (3 : 2), tem-se que com o passar do tempo a proporção entre as idades diminui,
aproximando-se cada vez mais da unidade. A progressão pode ser formalizada da seguinte forma:

Se a > b, então (a + m) : (b + m) < (a : b), onde a e b são idades e m é um período de tempo arbitrário. A
relação entre as idades aproxima-se da unidade com o passar do tempo.

Assim sendo, “por sempre diferirem uma da outra por uma quantidade numérica igual” (PLATÃO, 2005, p.
101), nenhuma coisa pode ser tornar mais velha do que outra mais nova, nem a mais nova pode se tornar ainda mais
jovem que a mais velha. Ao mesmo tempo, é necessário que as coisas difiram “por uma fração diferente” 37 conforme
o passar do tempo. O tempo, enquanto grandeza contínua, não apenas é “aritmetizado”, mas é também fracionado.

32
Ibid., p. 93.
33
Ibid., p. 93.
34
Ibid., p. 93.
35
Cf. PLATO, 1997, p. 303-304.
36
SAYRE, 1996, p. 234-235; MIGLIORI, 1990, p. 284-285; PLATONE, 2015, p. 313-315; PLATON, 2011, p. 199, 273; PLATO, 1997, 304-
305; PLATO, 2003, p. 131.
37
Ibid.

31
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A matemática no Parmênides de Platão ...

Conclusão

Até o final do diálogo, verificam-se outros usos de argumentos matemáticos como recurso explicativo para a
teoria eleata, segundo a exposição que Platão faz dela. Chamamos “passagens matemáticas” ou “argumentos
matemáticos”, os trechos do Parmênides que remetem ou aos métodos, ou aos atributos dos objetos dessa família de
ciências. Seja de maneira direta, como indireta. Em ambos os casos, a literatura crítica é de enorme valia para expandir
e aprofundar as ramificações contextuais. Por diversas vezes, Platão recorre à matemática como metáfora no
tratamento preciso e rigoroso da natureza, como na busca por uma definição de episteme, no Teeteto, que seja precisa
como a divisão dos números em duas categorias, apresentada pelo jovem matemático. Em outras ocasiões Platão
enfatiza nos aspectos epistemológicos da matemática, como no Mênon, em favor de sua teoria da anamnese. No Timeu,
ordem e beleza unem-se, explicando em linguagem matemática a constituição do universo. Na República,
encontramos as “ciências irmãs” como parte de um currículo de saberes superiores, essenciais aos futuros filósofos
governantes. Neste mesmo diálogo, Platão adverte os matemáticos quanto ao cuidado com a linguagem, uma vez que
eles fazem suas operações sobre objetos sensíveis, ao mesmo tempo em que falam de objetos inteligíveis. Por isso,
reforçamos a importância de uma análise etimológica como instrumento para iluminar essa parte da História da
Matemática. Uma filologia matemática que conecta as práticas científicas com a literatura, com as techne, com os
mitos e até com a organização política, nos parece indispensável se desejamos compreender melhor o que distinguiu
os Gregos dos outros povos, em observância à matemática. Por fim, manifestamos o nosso agradecimento para com
os questionamentos e comentários feitos ao final dessa conferência, na ocasião de sua apresentação, o que nos
possibilitou melhorar a versão final do texto.

Bibliografia

ACERBI, Fabio. 2000. Plato: Parmenides 149a7-c3. A Proof by Complete Induction? In: Archives of History of the
Exact Sciences. n. 55, p. 57–76. Springer-Verlag.
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Gustavo Barbosa

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SAYRE, Kenneth. 1996. Parmenides’ lesson: translation and explication of Plato’s Parmenides. Notre Dame:
University of Notre Dame Press.

Gustavo Barbosa
Departamento de Educação Matemática – IGCE –
campus de Rio Claro - Brasil

E-mail: gvbarbosa@gmail.com

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ISSN 2236-4102

THESE APRESENTADA EM CONCURSO DA CÁTEDRA DE GEOMETRIA PRELIMINAR E


TRIGONOMETRIA RECTILÍNEA, PERANTE O GYMNASIO ESPÍRITO-SANTENSE -1918.

Prof. Dr. Moysés Gonçalves Siqueira Filho (UFES)

Em 24 de outubro de 1906, por meio da Lei estadual N. 460, fora criado um instituto de ensino equiparado ao
Gymnasio Nacional, com a denominação de Gymnasio Espirito-Santense, no governo de Henrique da Silva Coutinho
(1904-1908). Em seu Art. 5º, todos os professores da Escola Normal integrariam o corpo docente da instituição e por
meio de concurso, aconteceria o provimento das demais cátedras (ESPÍRITO SANTO, 1906, p. 44). E, para atender
as exigências dos editais, de diferentes anos, os candidatos deveriam elaborar um “trabalho original de valor”
(ALMEIDA, 1918, p. 57) com um tema de sua livre escolha. Dentre as quatro Theses[1] que, até o momento, tive
acesso - Minimo Mutiplo Commum pelo Maximo Commum Divisor e Logarithmos additivos (1917, 31 páginas), de
Francisco Clímaco Feu Rosa, à Cathedra de Arithmetica e Álgebra; O ponto, a linha e as superfícies. Taxonomia
geométrica. Medida da recta, da circumferencia e do circulo (1918, 58 páginas), de Ceciliano Abel de Almeida, à
Cadeira de Geometria Preliminar e Trigonometria Rectilinea; Estudo Elementar dos Graphicos (1930, 15 páginas),
de Lauro G. Paiva, para a Cathedra de Mathematica Elementar (todas essas para o concurso do Gymnasio); Potencias
e Raizes (1923, 81 páginas), de Eduardo d’Andrade e Silva, para a Cadeira de Mathematica Elementar (para o concurso
da Escola Normal) - destacarei, para esse momento, a de Almeida (1918), cujo sumário segue, acrescido de uma
conclusão, o título de seu trabalho.A justificativa para tal escolha recai na trajetória por ele desempenhada em terras
capixabas, ao longo dos seus 86 anos. Ceciliano Abel de Almeida, filho do casal de lavradores José Abel de Almeida
e Deolinda Francisca Medeiros de Almeida, nasceu no dia 25 de novembro de 1878, no município de São Mateus,
norte do Espírito Santo, local em que fez o curso primário e, posteriormente, em Petrópolis, Rio de Janeiro, o ensino
secundário e, em seguida, o curso de Engenharia, na Escola Central (Politécnica). Exerceu a função de Prefeito de
Vitória por dois mandatos (09.02.1909 a 01.09.1909; 01.04.1947 a 12.10.1948); ingressou como professor,
concursado, de Trigonometria no Gymnasio Espírito-Santense, atualmente, Colégio Estadual do Espírito Santo
(1919); assumiu o cargo de reitor da Universidade do Espírito Santo, em 1954, ano de sua criação, a convite do, então,
governador Jones dos Santos Neves (GURGEL, 2005). Retomando a These apresentada, nota-se uma grande pesquisa
de cunho histórico para conceituar, definir e demonstrar os conhecimentos do domínio matemático, não sendo raro,
em sua exposição, dialogar com Euclides, Clairaut, Descartes ou mesmo narrar fatos referentes às civilizações
egípcias, chinesas, babilônicas, por exemplo. Com relação ao processo ensino-aprendizagem, cria que, em um ensino
moderno, o professor deveria tornar acessível à inteligência de todos os seus alunos, bem como enfatizava que “O
professor de Geometria Preliminar percebe continuamente que, em geral, os seus alumnos estudam as diversas theorias
dessa sciencia sem meditarem sobre a dependência e ligação íntima de todas as suas partes” (ALMEIDA, 1988, p.19),
e para contrapor esse obstáculo, incluiu em seu texto alguns quadros com esquemas que denotam o encadeamento
natural da matéria ministrada, os quais, para ele, não eram privilegiados em livros disponíveis à época. Considerando
os contextos político e educacional entre às décadas de 1910 e 1920, terei por objetivos discutir acerca das concepções
e métodos colocados por Almeida em sua These e identificar a aderência do tema proposto com o Programa atribuído
à cátedra a que se dispusera concorrer no Gymnasio Espirito-Santense.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Ceciliano Abel de. O ponto, a linha e as superfícies. Taxonomia geométrica. Medida da recta, da
circumferencia e do circulo. These apresentada em concurso da cadeira de Geometria Preliminar e Trigonometria
Rectilinea, perante o Gymnasio Espirito-Santense. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1918. ESPÍRITO
SANTO. Lei nº. 460, de 24 de outubro de 1906. Leis do Congresso Legislativo do Estado do Espírito Santo votadas
nas sessões ordinárias de 1906. Victória: Papelaria e Typographia Nelson Costa & C., 1907.

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Anais do XII SNHM -2017
GURGEL, Antonio de Pádua. Biografia de Ceciliano Abel de Almeida. Coleção de livros “Grandes Nomes do
Espírito Santo”. Vitória: Contexto Jornalismo & Assessoria Ltda/Núcleo de Projetos Culturais e Ecológicos, 2005.

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CARTAS DE MATEMÁTICOS ESTRANGEIROS SOBRE A ATMOSFERA BRASILEIRA NO


INÍCIO DA DÉCADA DE 1970.

Lucieli M. Trivizoli
Universidade Estadual de Maringá – UEM – Brasil

Resumo

Em 1971, foi realizado o Simpósio Internacional de Sistemas Dinâmicos em Salvador, com a participação de
matemáticos brasileiros e estrangeiros. Steve Smale, renomado matemático e ganhador da Medalha Fields, foi um dos
palestrantes destacado no evento. Neste texto são apresentadas descrições sobre a carta que Paul Koosis escreveu a
Steve Smale criticando sua ida ao Brasil naquele momento político, a carta de Smale com sua resposta justificando a
sua participação no evento e a carta em que Mike Shub descreve suas impressões sobre a atmosfera no Brasil durante
o regime militar. Todas as cartas foram divulgadas no boletim informativo Mother Functor, no Departamento de
Matemática da UC-Berkeley. A partir das cartas, são levantados aspectos dos contextos político e social do
desenvolvimento científico matemático no Brasil em meados das décadas de 1960 e 1970.

Palavras-chave: História da Matemática no Brasil, Regime Militar, Desenvolvimento Científico.

LETTERS OF FOREIGN MATHEMATICIANS ABOUT THE BRAZILIAN ATMOSPHERE AT THE BEGINNING OF THE
1970S

Abstract

The International Symposium on Dynamical Systems was held in Salvador in 1971 with the participation of Brazilian
and foreign mathematicians. Steve Smale, renowned mathematician and winner of the Fields Medal, was one of the
highlighted speakers at the event. In this paper, there will be given descriptions of the letter that Paul Koosis wrote to
Steve Smale criticizing his trip to Brazil at that political moment, the military regime Smale's letter with his answer
justifying his participation in the event and the letter Mike Shub in which he describes his impressions about the
atmosphere in Brazil during that period. All letters were published in the Mother Functor newsletter at UC-Berkeley's
Department of Mathematics. In the end, aspects of the political and social contexts of mathematical scientific
development in Brazil in the mid-1960s and 1970s are raised from the letters.

Keywords: History of Mathematics in Brazil, Military Regime, Scientific Development.

Apresentação

Atualmente pesquisas e estudos históricos têm sido publicados no sentido de rememorar e avaliar o conjunto de fatos
e circunstâncias que impactaram a vida nacional durante o período da ditadura, instalada com o golpe de 1964 no
Brasil. Alguns desses trabalhos buscam verificar como o Brasil incorporou o fomento e o desenvolvimento de medidas
voltadas para o progresso tecnológico e científico no país durante o Regime Civil-Militar (1964-1985). Outros
trabalhos buscam a identificação de pesquisadores e professores universitários que tiveram suas carreiras e vidas
afetadas pela ditadura militar, outros ainda trazem uma compreensão do alcance e letalidade da política repressiva no
cenário científico brasileiro daquele período.

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Lucieli M. Trivizoli

Este texto busca recuperar algumas informações no sentido de propiciar um contexto mais amplo das relações
da comunidade científica com o regime implantado em 1964, olhando em particular essas relações no âmbito da (ainda
pequena) comunidade Matemática brasileira no início da década de 1970.
A informações apresentadas aqui vem basicamente da exposição de três cartas de matemáticos estrangeiros
sobre a atmosferas política, científica e social daquele momento no Brasil.
Em 1971 foi realizado o Simpósio Internacional de Sistemas Dinâmicos em Salvador, com a participação de
matemáticos brasileiros e estrangeiros. Steve Smale, renomado matemático e ganhador da Medalha Fields, foi um dos
palestrantes destacado no evento. Os documentos destacados são: a carta que Paul Koosis escreveu a Steve Smale
criticando sua ida ao Brasil naquele momento político, a carta de Smale com sua resposta justificando a sua
participação no evento e a carta em que Mike Shub descreve suas impressões sobre a atmosfera no Brasil durante sua
visita ao país. A partir das cartas, pretende-se levantar aspectos dos contextos político e social do desenvolvimento
científico matemático no Brasil em meados das décadas de 1960 e 1970.

Alguns contextos a mencionar

Todas as cartas que descrevemos aqui foram divulgadas no boletim informativo Mother Functor, no Departamento de
Matemática da UC-Berkeley. Berkeley surgiu pela primeira vez entre um dos mais importantes Departamentos de
Matemática nos EUA na década de 1950, ao lado de Harvard, Princeton e Chicago. No período de 1960 o
Departamento de Matemática cresceu rapidamente, mas também foi um período com mudanças, com marcadas
atuações políticas e turbulência social na universidade, como os movimentos que defendiam o free-speech, direitos
civis, representação de mulheres e minorias no corpo discente, docente e na faculdade, atos contra a participação dos
Estados Unidos na Guerra do Vietnã, e vários outros protestos estudantis.
No contexto do movimento de liberdade de expressão, foi criado um o boletim Mother Functor, publicado
no Departamento de Matemática e Steve Smale era um dos editores, juntamente com outros colegas e alunos. O
boletim Mother Functor teve apenas nove números publicados nos anos 1971-1972, teve como objetivo organizar os
cientistas que se envolviam politicamente nos movimentos daquele período e a desafiar as autoridades da universidade.
Esses movimentos não eram específicos de Berkeley: nesse período há várias discussões internacionais contra
a guerra do Vietnã, movimentos pela paz e discussões sobre a ligação entre ciência e exército, e discussões que
levantavam questões sobre a responsabilidade dos cientistas naqueles contextos.
No Brasil, tivemos o Conselho Nacional de Pesquisas criado em 1951, um órgão que ajudou a criação de
vários institutos de pesquisa e fomentou as investigações científicas fora do eixo Rio de Janeiro e São Paulo,
expandindo as pesquisas pelo país. O Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) foi um deles. As atividades do
IMPA começaram em 1953.
Segundo Silva (2004), o fomento ao IMPA, que inicialmente provinha praticamente só do CNPq, mudou nas
décadas de 1960 e 1970. Nesse período O IMPA passou a receber recursos financeiros não apenas de instituições
governamentais brasileiras, como o CNPq, mas também de fundações estrangeiras que colocavam recursos para
viabilizar a presença de um número significativo de matemáticos estrangeiros no Instituto. É possível verificar que,
nessa década de 1960, o número de professores estrangeiros visitantes do IMPA cresceu visivelmente.
Foi nesse ambiente efervescente do IMPA que o instituto organizou e preparou um congresso internacional
de Sistemas Dinâmicos que se realizou em Salvador Bahia em julho de 1971, com a participação de sessenta
matemáticos nacionais e quarenta estrangeiros. O evento foi coordenado por Elon Lima, Jacob Palis e Maurício
Peixoto.

As Cartas

A primeira carta a ser comentada é a carta de Steve Smale com sua justificativa sobre sua ida ao Brasil para o
Simpósio. Em seguida a carta de Paul Koosis que critica a sua ida e então, por último, a carta de Mike Shub com suas
impressões sobre o país, depois de sua visita ao IMPA e participação no Simpósio.

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Cartas de Matemáticos Estrangeiros sobre a Atmosfera Brasileira...

Steve Smale justifica sua ida principalmente pela sua proximidade com os professores e pesquisadores
brasileiros, além dos atrativos turísticos (como as praias do Rio e de Salvador). Ele enfatiza, ainda, que suas decisões
não eram baseadas apenas em suas consequências políticas. Entretanto, ele relata que buscou saber sobre a situação
no Brasil. De fato, ele não seguiria as indicações de Koosis de não participar do evento, por considerar que isso seria
de certa forma hipócrita pois, ele era norte-americano, vivendo nos EUA em um momento que os EUA estavam
cometendo as mais terríveis atrocidades na Indochina (e aqui é uma referencia às guerras que os EUA estavam
envolvidos e que eram foco de críticas de Smale em suas atuações em Berkeley).
Ele diz que, enquanto alguns americanos e europeus sugeriram que ele recusasse a participar do evento,
nenhum brasileiro sugeriu. Ele diz ter perguntado a pelo menos algumas dúzias de brasileiros que estavam dentro e
fora do Brasil, de diferentes pontos de vista políticos, especialmente da esquerda. Ele ainda indica que ninguém deveria
ignorar as torturas de qualquer lugar. Relata que enquanto estavam no Brasil muitos dos matemáticos estrangeiros
iniciaram algumas ações de apoio a duas vítimas da repressão.
Para Smale, a agitação dessas ações desenvolveu significativamente a consciência sobre a realidade do Brasil,
não somente entre os estrangeiros, mas também entre os estudantes e professores matemáticos brasileiros que
participaram do Simpósio. Ele ainda arrisca a dizer que a sua ausência teria causado muito menos efeitos nesse caso.
A carta de Paul Koosis é mais longa, enfática e detalhada em suas justificativas. Logo no início ele declara
que considera a participação de Smale numa conferência no Brasil, naquele momento, politicamente incorreta. Ele
elenca seus argumentos em torno de duas ideias centrais: 1º) a participação de Smale em uma conferência era um ato
político, com certeza, um importante ato político. E 2º) este ato político era perigoso.
A primeira ideia é relacionada a três pontos:

a)a situação no país


b)fortalecimento do regime brasileiro
c)como ele via essas conferências (eventos como o Simpósio) como um movimento político para
fortalecer o regime brasileiro.

Em sua carta, Koosis foi bastante incisivo: alguém que ajudava o programa daquele regime (especialmente
naquele momento que era um começo de uma etapa), estava ajudando para que fosse consolidado o regime fascista
no Brasil. Se alguém quisesse a derrota daquele sistema, teria que boicotar.
A última carta é a de Mike Shub que descreve suas impressões de sua visita ao Brasil (para o IMPA e para o
Simpósio). Ele inicia descrevendo a conjuntura do país com uma palavra: “desenvolvimento”, com a frequente
possibilidade de ver cartazes pelas ruas com os dizeres “Ontem, hoje, amanhã, Brasil”, “Brasil – ame-o ou deixe-o” e
“Brasil – ninguém pode parar esse país”, sempre na tentativa de conectar o nacionalismo ao desenvolvimento do país.
Shub entendia que o principal fato que dava legitimidade ao governo brasileiro era o relativo rápido crescimento que
a economia havia atingido naqueles últimos anos.
Em outro trecho, ele descreve a paisagem da cidade do Rio como “ainda bonita, mesmo com a fumaça em suas
ruas”. Para ele havia um clima de medo, mas que as pessoas não admitiam. Os jornais censurados nunca publicavam
uma palavra sobre as torturas ou prisioneiros políticos. Ele percebia que nenhuma instituição, família ou indivíduo
estava isento de destruição arbitrária que vinha sendo praticada pelos atos administrativos, pela polícia militar ou
mesmo pelo esquadrão da morte. Shub, então, dá alguns exemplos como as pessoas eram conscientes ou
inconscientemente cautelosas e cooperativas em suas políticas, segundo sua perspectiva.

Considerações

O conjunto dessas cartas, dos contextos e de possíveis outros depoimentos mostram que a comunidade científica
também foi um dos setores atingidos pelo regime militar. E no caso da comunidade matemática não foi diferente. A
ciência e a tecnologia passaram a ter vínculo com o nacionalismo. Ou seja, os militares manifestavam em ações o
entendimento de que a autonomia tecnológica e científica tinha também uma dimensão estratégica dentro do regime.

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Lucieli M. Trivizoli

Essa dimensão foi percebida, inclusive, nas falas de Koosis.


Essa ‘política’ de valorização da ciência acabou beneficiando também a área de pesquisa em matemática no
Brasil. Esse contexto permitiu que algumas áreas se articulassem para aproveitar a grande disponibilidade de recursos
financeiros daquele período. E esse foi o caso da própria área de Sistemas Dinâmicos que aproveitou a chance para a
realização de um Simpósio Internacional.
Outro aspecto deve-se destacar é que há também um paradoxo: enquanto o regime repassava recursos para o
desenvolvimento da ciência e apoiava a pesquisa em uma escala nunca vista no país, havia perseguições violentas a
cientistas, professores e estudantes. Muitos foram cassados, aposentados compulsoriamente, presos ou mortos pelo
regime.

Bibliografia

MOORE, Calvin C. 2007. Mathematics at Berkeley: A history. A K Peters: CRC Press.


SILVA, Circe Mary Silva. 2004. A Construção de um instituto de pesquisas matemáticas nos trópicos: o Impa. Revista
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MOTHER FUNCTOR – UC Mathematics Dept Newsletter. 1971. Vol. 1, nº 2, October 25.
MOTHER FUNCTOR – UC Mathematics Dept Newsletter.1972. Vol. 1, Nº 7, February 1.

Lucieli M. Trivizoli
Departamento de Matemática – UEM – campus de
Maringá - Brasil

E-mail: lmtrivizoli@uem.br

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HISTÓRIA DAS ENCICLOPÉDIAS E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTORIOGRAFIA


DA MATEMÁTICA

Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre (UNESP – Rio Claro)

Nesta apresentação será apresentado um resumo histórico a partir do surgimento das primeiras Enciclopédias até o
século XVIII, quando foi publicada na França a Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des
métiers, organizada por Jean le Rond d'Alembert e Denis Diderot, considerada uma das principais obras enciclopédicas
de todos os tempos. Será ressaltado também a importância destas obras por apresentarem elementos sobre a História
Científica, sendo que, alguns desses elementos ‘desaparecem’, com o passar dos tempos, do ambiente historiográfico.

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Discussões Temáticas

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Discussão Temática 1: HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E FORMAÇÃO DE


PROFESSORES: PASSADO, PRESENTE E FUTURO.
Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP – Diadema) - Organizadora
Maria Ednéia Martins Salandim (UNESP – Bauru)
Carlos Miguel Silva Ribeiro (UNICAMP – Campinas)

OS SABERES DE REFERÊNCIA E A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES QUE


ENSINAM MATEMÁTICA.

Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP - Diadema) - mcelialeme@gmail.com

Há pelo menos duas décadas, observa-se no Brasil, um movimento de pesquisadores que se debruçam sobre a história
da educação matemática, num processo de constituição de um campo disciplinar. Paralelamente, discute-se como os
saberes sistematizados pela história da educação matemática podem contribuir na formação de futuros professores,
assim como nos profissionais em exercício. A partir de alguns exemplos, toma-se os conceitos de saberes a ensinar e
saberes para ensinar (Hofstetter e Schneuwly, 2009) e problematiza-se a diferenciação entre as formações do
professor primário e do professor de matemática historicamente, tendo em vista as ciências de referência que
certificam os saberes em seus campos disciplinares. A discussão tem por objetivo instigar aproximações entre a
história da educação matemática e a formação de professores.

HISTÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA NO BRASIL

Maria Ednéia Martins Salandim (UNESP – BAURU) - edsalandim@fc.unesp.br

Tomando como referência pesquisas desenvolvidas junto a um amplo projeto do GHOEM – Grupo História Oral e
Educação Matemática – que trata de um mapeamento da formação de professores de Matemática no Brasil – e outras
pesquisas que tematizam essa formação por uma perspectiva historiográfica, nosso objetivo é debater como pesquisas
em História da Educação Matemática têm contribuído para compreensões sobre este processo de formação.
Destacamos que esta formação tem se dado de forma diversificada ao longo do tempo e nos diferentes espaços
geográficos do país, seja via cursos de formação aligeirados para certificação de profissionais em exercício e/ou para
ingresso na carreira seja em cursos de graduação específicos como as Licenciaturas. Estas Licenciaturas foram
institucionalizadas como modalidade de formação específica no início da década de 1960, no entanto, muitas regiões
só implantaram seus primeiros cursos 40 anos depois. Mesmo contando com esta instância de formação profissional
nem sempre ela é assumida efetivamente, revelando-se ora como decorrência de uma formação em nível superior, ora
como apêndice do bacharelado, ora como mero resultado de uma série de experiências práticas do cotidiano. Nascidas
sem estrutura própria, vitimadas por legislações que nunca tiveram como central a necessidade de atender
adequadamente a demanda da escola, as licenciaturas vão se constituindo nos desvãos das práticas, das teorias, das
legislações, dos interesses políticos e econômicos. Na história da formação de professores no Brasil os verbos
“graduar”, “certificar” e “formar” são frequentemente mobilizados, o que no mínimo denota a flexibilidade que
caracteriza essa formação e a inexistência de uma identidade mais estável dos cursos de Licenciatura (MARTINS-
SALANDIM, 2012).

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HISTÓRIA DA (EDUCAÇÃO) MATEMÁTICA E CONHECIMENTO ESPECIALIZADO DO
PROFESSOR QUE ENSINA(RÁ) MATEMÁTICA - NECESSIDADES E POTENCIALIDADES
DE UM DESENVOLVIMENTO

Miguel Ribeiro (Faculdade de Educação da UNICAMP) - cmribas78@gmail.com

A busca por a melhoria da prática do professor passa (não só, mas também) pela melhoria da formação facultada e,
nesse sentido, o saber/conhecer de onde vimos permitir-nos-á perspectivar (de modo informado) para onde vamos ou
poderíamos/deveríamos ir. Ainda que seja uma preocupação relativamente recente (em termos das especificidades do
conhecimento do professor que ensina(rá) matemática), efetivar essa melhoria da formação e da prática requererá do
professor também um conhecimento matemático especializado de diversas dimensões da História da Matemática, da
História da Educação Matemática, da Matemática em si bem como associado a tarefas que permitam articular todas
essas dimensões. Este conhecimento matemático especializado contempla, aqui, aspetos do conhecimento matemático
bem como do conhecimento didático-pedagógico, expandindo e concretizando a noção “ainda comum” de
especialização associada à componente pedagógica. Nesta mesa pretendo contribuir para promover uma discussão
provocativa centrada na necessidade e potencialidade de desenvolver o conhecimento matemático especializado do
professor que ensina(rá) matemática (em particular no que denominamos de conhecimento interpretativo) para a
melhoria da prática, onde as Histórias da (Educação) Matemática correspondem ao ambiente em que esse
desenvolvimento ocorre – sendo consideradas, portanto, simultaneamente uma ferramenta e um contexto.

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Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

Discussão Temática 2: HISTÓRIA DA MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA


Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – Organizador.
Cristiane Borges Ângelo (UFPB)
Edilene Simões Costa (UFMS)

PESQUISA EM HISTÓRIA PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA: O QUE EMERGE NAS


DISSERTAÇÕES E TESES DEFENDIDAS NO BRASIL ENTRE 1990-2015.

Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – Organizador.

A partir de uma pesquisa intitulada Cartografias da produção em História da Matemática no Brasil: um estudo
centrado nas dissertações e teses defendidas entre 1990-2010, financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa –
CNPq, na modalidade produtividade em pesquisa, desenvolvida no período de 2011 a 2013, ampliamos o estudos
sobre o tema por mais dois anos com a intenção de catalogar a produção científica na área de História para o ensino
da Matemática nos programas de pós-graduação stricto sensu do país, das áreas de Educação, Educação Matemática,
Ensino de Ciências Naturais e Matemática e áreas afins, e traçar uma cartografia desses estudos no Brasil entre 1990
e 2015. Nesta sessão de discussão temática, apresento as principais informações acerca de uma pesquisa sobre a
produção científica nos estudos relacionados à História no Ensino da Matemática nos programas de pós-graduação
stricto sensu do país, das áreas de Educação, Educação Matemática, Ensino de Ciências Naturais e Matemática e áreas
afins, com vistas a lançar elementos para uma discussão ampliada sobre essa temática da pesquisa em História da
Matemática no Brasil, nos últimos 20 anos. O foco central da apresentação será nos estudos e pesquisas em História
para o ensino da Matemática abordados nas dissertações e teses investigadas, de modo a descrever o cenário da
pesquisa nesta área no país. A apresentação tem como base uma pesquisa financiada pelo CNPq, realizada entre 2011
e 2015, operacionalizada por meio de uma investigação documental em arquivos da CAPES e dos programas de Pós-
graduação existentes no país, que focam seus estudos no tema objeto desta pesquisa, e complementada pelas
informações encontradas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (www.bdtd.ibict.br). Para
caracterizar o objeto de estudo da pesquisa, destaco os conteúdos focalizados, os fundamentos teóricos e
metodológicos sustentadores nas pesquisas, bem como as tendências da pesquisa em história no ensino da Matemática,
que nos levaram a classificar as dissertações e teses pesquisadas visando estabelecer possíveis relações e implicações
existentes entre essas pesquisas e suas contribuições para o Ensino de Matemática no Brasil.

Palavras-chave: História no ensino da Matemática; Ensino de Matemática; Educação Matemática.

ANÁLISE REFLEXIVA DAS TESES E DISSERTAÇÕES EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


NO ENSINO DE MATEMÁTICA PRODUZIDAS NO PERÍODO DE 1990 A 2010.

Cristiane Borges Ângelo (UFPB)

No intuito de somar às discussões no grupo de trabalho responsável pela temática História na Educação Matemática,
iremos apresentar algumas reflexões acerca de nossa pesquisa de doutorado, que teve como objetivo analisar
reflexivamente a produção acadêmica gerada nos programas de pós-graduação stricto sensu do país, produzidos no
período de 1990 a 2010, no campo da História da Matemática, especificamente os trabalhos que versam sobre História
da Matemática no ensino de Matemática e que apresentam propostas didáticas de uso da História da Matemática.
Nosso interesse em debruçarmo-nos no tema supracitado deveu-se ao fato de que importantes mudanças vêm

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Anais do XII SNHM -2017
ocorrendo na área da História da Matemática, especialmente nas últimas duas décadas e que têm contribuído,
sobremodo, para o aumento da produção acadêmica nessa área. Esse tipo de estudo, de caráter analítico, se reveste de
singular importância, na medida em que tenta capturar os progressos e as lacunas que porventura possam se apresentar
em uma determinada área do conhecimento, sinalizando os rumos que a investigação científica tem seguido em
determinada área. Nossa escolha por refletir sobre as pesquisas inseridas na tendência História da Matemática no
ensino da Matemática baseia-se na relevância que essa tendência de pesquisa possui ao servir de parâmetro para a
possível utilização da história da matemática em sala de aula e pela contribuição que esse tipo de pesquisa pretende
dar às práticas realizadas no âmbito educacional. São pesquisas que, além de ter como princípios a reflexão sobre o
processo educacional, trazem elementos que coadunam para um aprofundamento do conteúdo histórico da
matemática. Entendemos que se tornam cada vez mais necessárias análises de cunho epistemológico da pesquisa
produzida no âmbito da História da Matemática no ensino de Matemática, tendo em vista que é uma área em constante
expansão.

Palavras-chave: História na Educação Matemática; Análise epistemológica; Produção acadêmica.

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO

Edilene Simões Costa (UFMS)

Queremos refletir, dentre as potencialidades da história da matemática na Educação Matemática, a de elemento


norteador de decisão quanto aos procedimentos pedagógicos a serem utilizados na construção do conceito pelo aluno,
um instrumento que permeia todo o processo de ensino e de aprendizagem de determinado conteúdo. Tivemos uma
experiência com essa questão na nossa tese de doutorado, na qual trabalhamos a construção de conceito de área no
quinto ano do ensino fundamental. Utilizamos a história da matemática para problematização de situações que
permitissem aos alunos apropriação significativa das ideias matemáticas. Verificamos que a utilização da história da
matemática representa possibilidades para a elaboração de condições que favoreçam a aprendizagem de conteúdos
matemáticos, que atividades didáticas elaboradas a partir de textos da história da matemática, transformam as aulas
em um espaço gerador de inquietação, curiosidade, criatividade, e de construção e apropriação de conceitos
matemáticos, especificamente, de área e sua medida. Percebemos que a história da matemática pode ser um espaço no
qual o aluno conhece, aplica, analisa, julga, constrói e ressignifica o conhecimento; estabelece relações com outros
conhecimentos promovendo, assim, aprendizagens. Após esse trabalho muitas questões surgiram, como: (1) Quem,
no Brasil, está se dedicando a estudar o uso da história da matemática em sala de aula? Não defendendo
potencialidades, mas elaborando material, ou viabilizando de outra forma esse uso para professores do ensino
fundamental e médio. (2) O uso da história como instrumento pedagógico, realmente, acontece no dia a dia escolar ou
ainda está em termos de pesquisas? (3) Quem é o professor que trabalha com a história da matemática na educação
básica, principalmente nos anos finais do ensino fundamental? (4) Como esse professor trabalha? (5) Que material ele
utiliza? (6) Quais são suas concepções a respeito da história da matemática como instrumento pedagógico? (7) Nas
pesquisas, a história da matemática como instrumento metodológico tem sido vinculada a teorias relacionadas à
construção de conceitos matemáticos? Quais? De que maneira? Penso que o estudo dessa vinculação é importante,
uma vez que historiador, a partir de um conjunto de fontes primárias, elabora uma história. A depender de seu interesse
o professor faz uso dessa história para tomar decisões pedagógicas relativas ao ensino de determinado conteúdo.
Ainda, não temos respostas a todas essas inquietações, e as que temos não são definitivas, por enquanto ou talvez nem
sejam, mas são pontos que considero importantes e que merecem atenção.

Palavras-chave: História da matemática; Instrumento metodológico; Ensino e aprendizagem.

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

Discussão Temática 3: PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: PROBLEMAS E


CONCEITOS DE MATEMÁTICA.
Gérard Émile Grimberg (UFRJ) – Organizador.
Marcos Vieira Teixeira (UNESP – Rio Claro)
Manoel de Campos Almeida (Emérito PUC-PR e UFPR)

GEOMETRIA, ÁLGEBRA E ANÁLISE, TRÊS EXEMPLOS DAS NOVAS RELAÇÕES ENTRE


ESSES DOMÍNIOS NO SÉCULO XIX.

Gérard Emile Grimberg (IM-UFRJ)

Pesquisa em história da matemática em qualquer época requer num primeiro momento uma visão global do período
que será abordado por ela e, num segundo momento um quadro específico que permita desenvolver a pesquisa,
destacando alguns aspectos locais desta visão global. A elaboração das geometrias euclidianas e não euclidianas
seguem dois processos paralelos no decorrer do século XIX. O primeiro é a lenta elaboração de uma axiomática que
torna explícita a noção de ordem sobre a reta e sobre plano, a distinção entre as propriedades de incidência e as
propriedades métricas, que aparecem também através das propriedades projetivas. O segundo processo é a construção
de diferentes modelos analíticos das diferentes geometrias, em particular, o modelo do plano projetivo em
coordenadas homogêneas, assim como versões analíticas dos planos hiperbólico, elíptico, e euclidiano. Neste último
processo, a visualização geométrica dos conceitos algébricos e analíticos desempenham um papel crucial. Queremos
analisar tal papel através de três exemplos, o conceito de ponto imaginário em Poncelet, os quatérnios de Hamilton, e
o surgimento das álgebras de Clifford.

A PESQUISA EM HISTÓRIA DE PROBLEMAS E CONCEITOS DE MATEMÁTICA.

Marcos Vieira Teixeira - UNESP

A partir da questão “Por quais razões o Brasil possui muito pouco pesquisadores no tema História de Problemas e
Conceitos de Matemática?”, discutirei as dificuldades encontradas na pesquisa e na formação de pesquisadores em
História de Problemas e Conceitos, dando ênfase na necessidade da formação de novos pesquisadores nesse tema e
no perfil daqueles que se aventuram a realizar esse tipo de pesquisa.

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ISSN 2236-4102

PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

Manoel de Campos Almeida


PUCPR - UFPR (Emérito)

Resumo
São apresentadas e discutidas novas visões, rumos e conselhos para pesquisas em Pré-história e História da
Matemática. É defendida uma visão holística, sistêmica, histórica, a qual permitiria uma melhor compreensão das
origens e das naturezas das ciências. É introduzida uma nova visão para orientar pesquisas, que conjuga a
Weltanschauung, a concepção de mundo dos matemáticos, com uma Uranschauung, a visão das origens, dos
primórdios da Matemática. Exemplos de pesquisas, atuais e futuras, tanto em História como em pré-história da
Matemática são discutidos.

Palavras-chave: História da Matemática; Historia da Ciência; Etnomatemática.

Abstract

Are presented and discussed new visions, directions and advices for researches in Prehistory and History of
mathematics. Is advocated a holistic, systemic, historic, which would allow a better understanding of the origins and
the nature of science. Is introduced a new vision to guide researches, which combines the Weltanschauung, designing
world of mathematicians, with a Uranschauung, the vision of the origins of Mathematics. Examples of current and
future researches, both in History as in Prehistory of Mathematics are discussed.
Keywords: History of Mathematics; History of Science; Etnomathematics

Pesquisa em História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática


Inicialmente, quero agradecer ao honroso e gentil convite para participar da discussão sobre Pesquisa em
História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática, no XII Seminário Nacional de História da Matemática.
Vou me limitar ao que venho desenvolvendo há décadas, ou seja, ao estudo das Origens da Matemática, à sua Pré-
história. As origens das coisas, das ciências, como surgiram, em que contexto despontaram e como evoluiram, sempre
me intrigaram. Pretendia preencher uma importante lacuna nos textos tradicionais sobre História da Matemática, os
quais, em sua imensa maioria, dedicavam apenas alguns meros parágrafos sobre as origens desta ciência, isso quando
eventualmente o faziam. O nome, Pré-história da Matemática, para meus estudos, me foi sugerido pelo insigne Dr.
Ubiratan D’Ambrosio, pois até então esse caudal era inominado.
É costume estabelecer a distinção entre História e Pré-história, encarando-se a história como a descrição dos
fatos ocorridos após a invenção da escrita e mediante esta. Fatos históricos seriam, portanto, fatos registrados por
escrito. Este modo de se estabelecer a dicotomia História / Pré-história, embora tradicional, encerra deficiências, que
geram mal-entendidos. Um dos problemas é que não estabelece linha divisória temporal. A descoberta da escrita,
segundo opinião amplamente aceita pela comunidade erudita, foi obra dos sumérios, pouco antes de 3000 a.C.. Por
exemplo, se definirmos como 3000 a.C. essa fronteira no tempo, válida em todo o globo, fatos ocorridos antes desta
data seriam pré-históricos; depois históricos. Como essa divisória não existe na realidade, embora vivamos hoje em
plena era da informatização, das missões espaciais, dos engenhos nucleares, portanto na era histórica, coexistimos
com povos pré-históricos, como os silvícolas da floresta amazônica, os aborígines da Austrália e Nova-Zelândia, entre
outros. Logo, História e Pré-história, nesta acepção, podem ser contemporâneas e mesmo hoje é possível fazer
pesquisas sobre a Pré-história, particularmente da Matemática, no Brasil. Daí o título da minha participação nesta
discussão: novas visões e novos rumos para pesquisas em Pré-história da Matemática.
A espécie humana começou a se preocupar com formas e números, elementos fundamentais da geometria e
da aritmética, provavelmente no Paleolítico. Isso suscita uma série de questões, às quais denomino de ur-questões,
interrogações sobre as origens das coisas.
Entre essas ur-questões seleciono inicialmente algumas, que nortearam meu trabalho. Quando o homem
começou a pensar simbolicamente? E a se interessar pelas formas? E pelos números? Ou, em outras palavras, quando
surgiu a geometria? E a aritmética? Quem surgiu primeiro? Quando? Por quê? Como surgiu e se desenvolveu o
raciocínio lógico? Quais os fatores condicionantes que influíram em suas concepções? Foram unicamente biológicos,
produto da evolução da espécie? Fatores culturais também contribuíram? Quais? E inúmeras outras.

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Manoel de Campos Almeida

Sempre entendi em que somente um tratamento sistêmico, holístico e histórico nos propiciaria os meios para
compreender suas origens, provido de um sustentáculo pandisciplinar proporcionado por diversas ciências, tais como
a arqueologia, a genética, a antropologia, a neurofisiologia, a linguística, a climatologia, a filosofia, a epistemologia,
a paleantropologia, a psicologia do desenvolvimento, a demografia, a odontologia e inúmeras mais.
A neurofisiologia moderna vem mostrando que conceitos matemáticos são parcialmente estruturantes do
cérebro humano. Tenho a convicção de que somente com a compreensão desses mecanismos cognitivos biológicos,
associada ao estudo da evolução histórica dessa ciência, bem como a análise do contexto que possibilitou aos seus
artífices, os matemáticos, sobreviver e transcender, é que seria possível principiar a compreender o que é a Matemática,
suas origens, seu desenvolvimento, sua estupenda capacidade descritiva, explanatória, heurística e criadora.
Antes de mais nada, cumpre notar que a Matemática, em suas origens, abrangia um conceito muito mais
amplo do que como ela é entendida no presente. Inicialmente, debruçar-me-ei sobre a etimologia do substantivo
“Matemática” (singular). Surgiu nos fins do século XIV, sendo substituído nos princípios do XVII por
“Matemáticas” (plural). Proveio, por meio do latim mathematica (plural), originalmente do grego mathema, que
significava algo como: ciência, conhecimento, uma lição, algo que é aprendido; literalmente era entendido como:
“aquilo que é aprendido” (cf. Onlyne Etymology Dictionary). “Mathematike tekhne ", significava ciência/técnica
Matemática, e era empregada como a forma feminina de mathematikos (adjetivo) que, por sua vez, significava: algo
relativo à Matemática, à Astronomia, disposto a aprender.
Essas formas estavam relacionadas com o grego manthanein, “aprender”, que tem suas raízes primitivas no
proto-indoeuropeu *mendh, “aprender”, o qual foi fonte do grego menthere, “cuidar”; do lituano mandras, “estar
inteiramente acordado”; do Eslavo Antigo da Igreja madru, “sábio”; do Gótico mundonensis, “olhar para”; do Alemão
munter, “acordado”.
Portanto, mesmo em suas raízes mais remotas, o vocábulo Matemática estava correlacionado com: aprender,
estar acordado para algo. É interessante notar que a Matemática, em suas mais remotas origens do vocábulo, merecia
uma conotação muito mais abrangente do que hoje é entendida, um mero jogo simbólico formalizado, disciplinado
por regras lógicas. Ela estava aberta a aprender, a estar acordado a aprender qualquer tipo de coisa, arte, matéria ou
mesmo religião. Modernamente, o Programa Etnomatemática, criado por Ubiratan D´Ambrosio, em 1.985, é o
movimento que mais se assemelha a essa interpretação.
D’Ambrosio, denomina de “Etnomatemática” à matemática a qual é praticada por grupos culturais
identificáveis”. Propõe um amplo entendimento do conceito de ethnos, de modo a incluir os jargões, códigos,
símbolos, mitos e mesmo modos específicos de raciocínios e inferências desses grupos no estudo de sua
etnomatemática. Abrange, portanto, um conceito ampliado da matemática, de modo a incluir processos como
contagem, localização geográfica (mapas), medições, jogos, explicações etno-racionais, ou mesmo processos
divinatórios. Etnomatemáticos chamam a atenção para que a Matemática, com suas técnicas e verdades, é um produto
cultural, desse modo todo povo, toda cultura ou sub-cultura, desenvolve sua própria Matemática.
No primeiro volume da minha obra Origens da Matemática, questionei: “O que é Matemática ?”. Embora
seja a ciência das definições exatas, não há uma definição cabal, precisa, satisfatória do que seja. Esse é um exemplo
do que denominaria de uma meta-questão. Para respondê-la teria de me colocar externamente à essa ciência e
empregar termos extra-(ou meta)-matemáticos, além de seus próprios termos. Toda a ciência tem suas metas-questões.
“O que é Realidade?”, é a meta-questão primordial da física. “O que é Vida?”, a da biologia.
Para compreender melhor esses meandros farei uso da “metáfora da gaiola”, elaborada por D’Ambrosio.
Toda a ciência pode ser comparada individualmente a uma gaiola, onde seus cientistas habitam, convivem e fazem
suas descobertas empregando linguagem e conceitos próprios. Essas gaiolas têm suas paredes espelhadas, com
espelhos que permitem quem está fora ver para dentro, mas não a quem está dentro olhar para fora.
Para responder a meta-questões como, por exemplo, “O que é Matemática ?”, o seus cientistas procuram
argumentos na linguagem convencionada da gaiola. Mas isso por si só não é suficiente para compreendermos a
essência dessa ciência. Os matemáticos, por exemplo, quando não sabem algo, costumam encobri-lo sob o guarda-
chuva de “conceito primitivo”, ou “axioma” aceito sem demonstração. Não só eles, mas os físicos empregam o mesmo
ardil para conceitos como “tempo, massa, força, gravidade, etc.”
Como muito bem observa D’Ambrosio, as ciências individuais ficaram tão “engaioladas”,
compartimentalizadas em suas epistemologias e métodos, que nem se permitem saber de que cores essas gaiolas são
pintadas por fora. Além dessas meta-questões há também toda a classe de ur-questões, para as quais o pesquisador em
busca de conhecimento atenta.
Bastante conhecido é o conceito de Weltanschauung, que significa visão do mundo, cosmovisão. É o olhar
com que um determinado grupo social encara sua realidade. Anschauung, em alemão, tem o sentido de contemplação,
visão, concepção, experiência própria, Welt significa mundo. Permitir-me-ei propor outro neologismo: o de
Uranschauung, ou seja, visão das origens, dos primórdios, do nascimento das coisas.

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PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

A Weltanschauung de um matemático seria a contemplação de sua ciência de dentro de sua gaiola, já a


Uranschauung seria a compreensão de como a gaiola e seu conteúdo foi erigida, o que exige uma postura externa à
mesma. Como Saramago apontou “é necessário sair da ilha para ver a ilha” (Conto da ilha desconhecida). As duas
visões se complementam, questionando-se mutuamente. Essa conjunção propicia uma visão holística, sistêmica,
histórica, que permitiria, na minha opinião, uma melhor compreensão das origens e da natureza das ciências, sendo
esta a nova visão que propugno para as pesquisas tanto em História como na Pré-história da Matemática.
Mencionarei agora alguns novos rumos que podem direcionar futuras pesquisas, tanto em História como em
Pré-história da Matemática. Toda pesquisa de ponta na atualidade deve primordialmente ser interdisciplinar e recorrer
às melhores e mais atuais tecnologias disponíveis. Entre inúmeras possibilidades pinçarei apenas alguns exemplos de
como temas de pesquisas nesses campos podem ser estudados, principalmente no Brasil. Nosso país, por conviver
tanto com a História como com a Pré-história, apresenta notáveis oportunidades para estudos originais nesses campos.
Nossos silvícolas são talvez os melhores exemplos globalmente disponíveis para estudos da Pré-história das Ciências,
seja tanto da Matemática como de outras Ciências, dentro da visão holística aqui propugnada.
Uma das chaves para a escolha de projetos de pesquisa realmente originais está no conselho de Alexander
Graham Bell, multiplamente citado por eminentes pesquisadores, do calibre de um Einstein: “Nunca ande pelo
caminho já trilhado, pois ele conduz somente até onde os outros foram". Do mesmo modo, vertentes de pesquisa
absolutamente originais somente podem ser descobertas seguindo a recomendação de Isaac Newton: “Nenhuma
grande descoberta foi feita jamais sem um palpite ousado”. Igualmente importante é o ensinamento de Linus Pauling:
“The best way to have a good idea is to have lots of ideas”.
Paralelamente, becos sem saída, obstáculos aparentemente incontornáveis, proliferam na pesquisa científica.
Não devem ser desestimulantes, mas sim desafiadores. Já foi dito que, quando encontramos um paradoxo, devemos
nos rejubilar, pois aí então temos uma verdadeira oportunidade de ver a Matemática progredir. Recordemo-nos da
declaração de Thomas Alva Edison, acerca do seu extenuante esforço dispendido na procura de um filamento para a
lâmpada elétrica: “I have not failed, I’ve just found 10.000 ways that doesn’t work”, à qual acrescentava: “ The fastest
way to suceed is to double your failure rate”.
Tecnologias recentes, como a aerofotogrametria e a fotografia por satélite, associadas a ciências auxiliares,
tais como a arqueologia e a etnologia, podem impulsionar estudos originais sobre a Pré-história da Matemática no
Brasil, com verei no exemplo a seguir.
Com a devastação da floresta amazônica, amplas áreas ficaram sem sua cobertura florestal, permitindo assim
que voos a baixa altitude identificassem estruturas antes desconhecidas, posteriormente mapeadas por meio de
satélites, ou de aplicativos facilmente disponíveis como o Google Earth. Hoje mais de 490 dessas estruturas,
conhecidas como geoglifos, foram reconhecidas, suspeita-se que este número é apenas uma pequena fração das
mesmas. Na realidade são verdadeiros henges megalíticos, por serem lugares de encontro circundados por valas e
paredes de terra. Henges como Stonehenge ou Woodhenge são mundialmente famosos, mas os nossos geoglifos são
praticamente desconhecidos.
Foram descobertas em uma área que se estende do norte da Bolívia ao sul do Estado do Amazonas,
compreendendo a parte oriental do Estado do Acre. Esses henges são círculos perfeitos, quadrados, retângulos, ovais,
poligonais ou figuras compostas inscritas e circunscritas, escavadas no solo amazônico, parecendo ser estruturas
defensivas ou enclaves cerimoniais. Seus diâmetros variam entre 90 a 300m.
Sua função permanece um mistério. São formados em geral por valas com 1 a 5 m de profundidade, com
bancos de terra adjacentes de 0,5 a 1m de altura. Em geral situam-se a 2/5 km de rios permanentes, mas a maioria tem
fontes de água perto.

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Anais do XII SNHM -2017
Manoel de Campos Almeida

Fig. 1 Formas geométricas dos geoglifos: na sequência, da esquerda para a direita: círculo perfeito; círculos
inscritos e circunscrito, levemente achatados; poligonal; quadrados inscrito e circunscrito; quadrado com
círculo inscrito; ovóide tipo II (?); ovóide tipo I (?); poligonal irregular. Fotos diversas. Fonte: Almeida,
2017.

Podemos facilmente reconhecer as várias formas geométricas empregadas na edificação desses henges
(Fig.1), contudo, praticamente nada se sabe sobre os conhecimentos geométricos subjacentes, ou sobre as técnicas
construtivas empregadas, ou sobre a função dessas construções, ou sobre os povos que as executaram. Vêm atraindo
a atenção de pesquisadores de outros países, mas esta geometria pré-histórica dos nossos silvícolas pouco vem sendo
pesquisada pelos nossos historiadores/pré-historiadores da Matemática.
Outro exemplo de pesquisa fundamental em Pré-história da Matemática, dentro da visão holística,
multidisciplinar, que defendo, diz respeito a uma importante sugestão feita a mim pelo eminente lógico brasileiro
Newton Carneiro Affonso da Costa. Ele me sugeriu o estudo da Etnológica dos nossos índios, sua lógica intrínseca,
seu modo de resolver problemas, não somente numéricos ou geométricos, mas sua heurística em geral. Seria ela
bivalente ou multivalente? Sua Weltanschauung seria paraconsistente? Praticamente nada foi investigado sobre isso.
Em virtude da infortunada velocidade de extinção desses povos, da sua aculturação infelizmente acelerada, esta é uma
herança cultural extremamente rica, que gradualmente perdemos sem ao menos registrá-la, um tesouro desperdiçado.

O exemplo que selecionei a seguir mostra a tendência atual, o rumo moderno das pesquisas em História/Pré-
história da Matemática. Um recente artigo publicado em novembro de 2016, por Andreas Nieder, ilustra como as
modernas investigações sobre conceitos como o do “zero matemático” associam ciências tais como neurofisiologia e
a psicologia desenvolvimentista com a História da Matemática.
O “zero” é entendido usualmente como o “vazio” ou o “nada”, mesmo assim é considerado como um das
maiores conquistas da humanidade. Antes de tudo, devo recordar que o zero indo-arábico “0” é um numeral, ou seja,

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PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

um signo que representa um número, o qual corresponde a uma abstração de uma quantidade que, no caso, é uma
quantidade nula. Na aritmética moderna, dotada do sistema numérico indo-arábico, o zero desempenha um papel
posicional, conforme esteja em posições intermediárias, como 103, 203049, ou terminal, como 10, 16400. Em posições
iniciais geralmente é descartado, exceto quando desempenha um papel posicional, por exemplo, para demarcar
posições em números de contas bancárias: 0000234056, as quais, por eventuais necessidades operacionais, devem ter
dez dígitos. O primeiro papel histórico do zero foi de representar um espaço vazio, posteriormente evoluiu para o seu
significado verdadeiramente numérico, significando uma quantidade nula. Já na moderna teoria dos conjuntos um
conjunto que não contém algum elemento é denominado de conjunto vazio e denotado por ϕ. O número cardinal de
um conjunto denota o número de elementos que ele contém. O zero matemático corresponde ao número cardinal do
conjunto vazio.
O conceito de “zero” na realidade incorpora várias instâncias, segundo Nieder: 1) na representação perceptiva,
sensorial, zero corresponde a uma ausência de estímulos; 2) na representação categórica, zero manifesta a oposição
entre “nada” (zero) e “alguma coisa”; 3) na representação quantitativa, zero corresponde a uma quantidade nula; 4) na
matemática moderna, zero é um número abstrato, seja ele solução de uma equação ou número cardinal de um conjunto.
Na Idade da Pedra, partir de quando um hominídeo dispusesse de palavras para números, ele não teria
necessidade de empregar o “zero” em processos de contagem, pois nenhum deles contaria: “zero” lobos, um lobo,
dois lobos,... Nessa era apenas entalhes ou calculi eram empregados como registros de contagens, e ninguém
executaria “zero” entalhes, ou separaria “zero” calculi, para registrar quantidades nulas. Se entendermos como
números naturais os números empregados em processos de contagem, então historicamente o zero não é um número
natural. Contudo, modernamente, a partir de quando o emprego de números negativos se tornou costumeiro,
convencionou-se, por conveniência, como um número natural, o único que não é nem negativo nem positivo. Vou
esquematizar a evolução histórica desse conceito.
Os mesopotâmios não tinham um símbolo especial para o zero. Isso ocasionava problemas, pois deixavam um
espaço em branco para indicar uma posição vazia, o que implica em que muitas vezes o valor do número deve ser
adivinhado pelo contexto do problema. Somente no período selêucida, apenas em textos astronômicos e nunca em
posição terminal ou inicial, empregavam um símbolo (duas cunhas inclinadas) para denotar uma posição vazia. A
notação posicional foi inventada na terceira dinastia de Ur, c. 2500 a.C., provavelmente inspirada no uso do ábaco em
contas. As colunas do ábaco correspondem às potências da base empregada; deixar uma coluna em branco significaria
um “zero” nesta posição. Desse modo, o primeiro papel histórico do “zero” foi de representar um espaço vazio.
Os maias conheciam a numeração com valor posicional e o conceito de zero. O símbolo para o zero era uma
concha.
Os gregos, no século VI a.C., desenvolveram um sistema de numeração empregando letras alfabéticas,
conhecido como sistema ático, baseado no princípio acrofônico, segundo o qual a letra inicial da palavra para o número
era seu numeral. Para as potências positivas da base dez, empregava as letras iniciais das palavras correspondentes:
Δ, para deka, dez; H, para hekaton, cem; X, para khilioi, mil; M, para myrioi, dez, mil. Dessa forma, podiam
desenvolver sua matemática sem um símbolo para o zero. Outros povos, como os egípcios, os hebreus, os romanos e
os chineses também dispensavam um símbolo especial para o zero em suas matemáticas. Isso significa que suas
etnomatemáticas foram desenvolvidas mediante sistemas de numeração que prescindiam de símbolos para o zero.
Os hindus foram os primeiros a entenderem o conceito do zero, devido a possuírem avançadas noções
filosóficas acerca de “vacuidade”, nihilismo, nulidade, não-ser, ausência e insignificância, provavelmente concebidas
no princípio da era cristã. O shûnyatâ era o principal conceito da shûnyatâvadâ, a filosofia da vacuidade, que pregava
que tudo feito coisa (samskrita) é vazio, impessoal, e sem natureza original.
Esta visão não distingue entre a realidade e a não-realidade das coisas, reduz todas as coisas à total
insubstancialidade. Em sânscrito a designação do zero é shûnya, vazio. Esta filosofia pode ser resumida na seguinte
resposta que, acredita-se, Buda deu ao seu discípulo Shariputra, o qual erradamente confundiu o vazio (shûnya) com
forma (rûpa):

Isto não é certo”, disse Buda, “no shûnya não há forma (rûpa), nem sensação, não há idéias, nem
volições, e nem consciência. No shûnya não há orelhas, narizes, língua, corpo ou mente. No shûnya
não há cor, barulhos, cheiros, gostos, 51éfiro51s ou elementos. No shûnya não há ignorância, nem
conhecimento, ou mesmo o fim da ignorância. No shûnya não há envelhecimento ou morte. No
shûnya não há conhecimento, ou mesmo a aquisição de conhecimento (cf. Ifrah, 2000, p.425).

Esta filosofia chega a distinguir vinte e cinco tipos de shûnya, expressando nuances como: o vazio da não
existência, do não-ser, do não-nascido, do não-criado ou não presente, o vazio da não-substância, do não-pensado, da
imaterialidade ou insubstancialidade, o vazio do não-valor, do ausente, do nada, etc. Outro termo do sânscrito para o

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Manoel de Campos Almeida

zero é bindu, que significa “ponto”, e é a figura geométrica mais elementar que há, constituindo-se de um círculo
reduzido ao seu centro.
Para os hindus bindu simboliza o universo em sua forma não manifesta, antes de sua transformação no mundo
das aparências. Este universo não-criado é dotado de uma energia criativa capaz de engendrar tudo. Assim surge a
associação natural destas ideias com a figura geométrica do ponto, a mais básica de todas, mas que é capaz de gerar
todas as linhas e formas possíveis. É o símbolo perfeito para o zero, a mais negligenciável quantidade que há, embora
o conceito mais básico de toda matemática abstrata.
As regras que regem o uso do zero aparecem pela primeira vez no livro de Brahmagupta (598 – 670), o
Brahmasputha Siddhanta (A Abertura do Universo), escrito em 628. Ali Brahmagupta considera não somente o zero,
mas números negativos e as regras algébricas para as operações aritméticas elementares com esses números.
O primeiro europeu a advogar o uso do zero na Europa foi Abraham bem Meir ibn Ezra (1092-1167), que
escreveu Sfer H Mispar (O Livro do Número), no qual usou o círculo para representar o zero. Preferiu empregar as
primeiras nove letras do alfabeto hebreu ao invés dos nove algarismos indo-arábicos. Denominou o zero de Galgal
(hebreu para roda) ou Sifra (apud o árabe Sifr, certamente). Também mudou o antigo sistema de numeração alfabética
hebraico para um sistema decimal como o nosso.
Quando os árabes adotaram os numerais hindus e o zero, denominaram o último de sifr, tradução literal do
sânscrito shûnya, vazio. Quando o conceito do zero chegou na Europa, sifr foi traduzida pela palavra quase homófona
em latim zephyrus, que significava “vento oeste”, uma leve brisa, quase nada. No seu Liber Abaci, Fibonacci
(Leonardo de Pisa) usou o termo zephirum, e este termo continuou em uso nesta forma até o século XV. Foi o termo
zephirum de Fibonacci que deu origem ao nome moderno de zero, através do italiano zéfiro. Zero é apenas uma
contração de zéfiro, do dialeto vêneto.
É importante notar que o “zero matemático” não tem a mesma conotação do “zero físico”, o nada, associado
ao vácuo. Mesmo admitindo-se que o vácuo interestelar não contenha nenhuma partícula material, radiação ou
qualquer forma de energia, ele contém ao menos uma coisa: o espaço, ou melhor, o contínuo espaço-tempo, se
quisermos empregar a nomenclatura da teoria da relatividade geral de Einstein. Atuais teorias da física propõem que
o Universo foi criado a partir da polarização do vácuo (físico), por meio de um processo denominado de inflação. O
“zero físico” tem, portanto, substancialidade.
O “zero matemático” moderno, de certa forma, reassume as suas concepções originais provenientes da filosofia
hindu, contudo esta era muito mais abrangente em sua concepção do shûnya. Ela associava a não existência, a não
substancialidade, à doutrina do shûnya, algo extremamente difícil para a mentalidade moderna contemplar.
A representação categórica do “zero”, quando manifesta a oposição entre o “nada” (zero) e “alguma coisa”, é
talvez a mais difícil questão filosófica para a mentalidade moderna, quando esta procura entender a shûnyatâvadâ, a
filosofia hindu da vacuidade.
Até recentemente, as origens biológicas que fundamentam o conceito do zero eram desconhecidas. Somente
com a disponibilização de tecnologias modernas de neuroimagens, encontradiças em qualquer hospital atual decente,
é possível investigar como o cérebro humano realmente opera conceitos como o do “zero matemático”. O cérebro
deixa de ser uma “caixa preta” inescrutável.
Segundo Nieder (2016), estudos atuais sobre psicologia desenvolvimentista, cognição animal e neurofisiologia,
associados a estudos da História da Matemática, permitem admitir que a emergência do zero matemático passa por
quatro estágios. No primeiro, a ausência de estímulos (nada) corresponde a um mental/neural estado de repouso, no
qual faltam assinaturas especificas. No segundo estágio, a ausência de estímulos é reconhecida como uma categoria
comportamental específica, mas sua representação é ainda vazia de relevância quantitativa. No terceiro estágio o nada
adquire um significado quantitativo e é representado como um conjunto vazio no extremo inferior de um contínuum
numérico, ou linha dos números. Finalmente, a representação do conjunto vazio é estendida para se torna o zero
matemático. Para Nieder, esses diferentes estágios do conceito de zero refletem progressivos níveis de abstração
mental.
Verei agora como conceitos semelhantes ao do zero se desenvolvem em crianças. Crianças com cinco meses
já tem a capacidade de apreciar o número de itens em um conjunto; podem mesmo efetuar operações básicas de adição
e subtração, quando objetos aparecem ou desaparecem, como em um teatro de marionetes. De um modo surpreendente,
crianças com oito meses não diferenciam operações de 1 – 1 = 1 ou 0 + 1 =1, o que tem sido interpretado como a
inabilidade de crianças com esta idade entenderem uma quantidade nula, embora possam já representar um pequeno
número de itens.
Crianças com 3 a 4 anos começam a entender que, quando um último objeto é retirado de um cenário, a
condição que subsiste é chamada de “nada” e pode ser denominada com o nome especial de “zero”, este então assume
como um indicador de “ausência”. Contudo, ela ainda não integrou esse “zero” com o conhecimento quantitativo de
outros pequenos números inteiros; por exemplo, quando perguntada “o que é menor, zero ou um?”, ela muitas vezes

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Anais do XII SNHM -2017
PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

insiste que “um” é menor. Ao redor dos quatro anos a criança começa a incluir, de modo ainda não quantitativo, a
representação do “nada” como um conjunto vazio em sua linha numérica mental.
O próximo estágio de seu desenvolvimento é quando ela compreende que zero é uma quantidade e coloca-o
em um continuum numérico, junto com outros números. Isso ocorre aproximadamente aos seis anos, quando lhe são
apresentadas notações simbólicas do zero e dos números inteiros, sejam elas palavras para números ou numerais. A
partir dos sete anos, crianças tipicamente compreendem operações elementares com o zero, tais como 0 < n, n + 0 =
n, n – 0 = n.
Mesmo entre adultos a representação do zero tem um status diferenciado dos outros números inteiros. Estudos
psico-físicos mostram que, quando adultos ocidentais leem números em linha, o tempo que leva o zero em sua leitura
é consistentemente maior que o esperado, o que sugere que ele não deve ser considerado como parte natural da linha
mental dos números.
Vários estudos com animais, tais como chimpanzés, papagaios, etc., mostraram que a sua capacidade de
entender as várias facetas do zero é muito limitada. Aparentemente, não pode ser excluído que animais associem o
signo “0” com nada mais que a ausência, o nada, ao invés da quantidade nula. Para animais transcenderem da
representação do conjunto vazio para uma representação do número zero, que satisfaça a teoria dos números, teriam
que compreender todo um sistema simbólico, o que, aparentemente, está além do seu alcance.
Para o cérebro humano, a representação do zero, seja como representando o nada, ou conjuntos vazios, ou
mesmo números abstratos, é um desafio, como acertadamente afirma Nieder. Seus neurônios sensórios se
desenvolveram para representar “alguma coisa”, na ausência de estímulos perceptuais os neurônios estão inativos,
gerando apenas sinais potenciais de atividade como assinaturas de estado de repouso ou default.
Para animais simples, com limitado repertório comportamental, uma representação ativa do “nada” está fora
de seu alcance. Contudo, para animais cognitivamente mais avançados, a ausência de estímulos pode se tornar uma
categoria comportamental relevante e consequentemente ser codificada por neurônios.
Passarei agora a mostrar como o cérebro opera as diversas instâncias do zero, conforme descrito por Nieder
(op. cit.). Para que se tenha uma representação quantitativa, espera-se que os neurônios não somente denotem a
ausência de estímulos como também sejam capazes de colocar conjuntos vazios no extremo inferior de um continuum
numérico. Para uma ordenação sistemática de magnitudes, a distância entre os números que as representam é
fundamental. Neurônios numéricos encontrados na rede parieto-frontal de primatas são sintonizados para
numerosidades escolhidas, onde apresentam atividade máxima, quanto mais distantes eles estão da numerosidade alvo
escolhida, menor a sua atividade neuronal, devido ao efeito distância. Quando há um input na rede neuronal, neurônios
na área ventral intraparietal (AVI) não exibem um forte efeito distância, contudo codificam conjuntos vazios como
uma categoria distinta das outras numerosidades, a o status de presença versus ausência de itens. Dessa forma, os
neurônios da área ventral intraparietal são capazes de denotar, de uma forma não numérica, o zero mediante uma
representação categórica.

Fig.2 Áreas codificadoras do zero. Adaptado pelo autor, ap. Nieder 2016.
Fonte: Almeida, 2017.

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Anais do XII SNHM -2017
Manoel de Campos Almeida

Já os neurônios do córtex pré-frontal representam conjuntos vazios abstratamente. Esses resultados sugerem
que há uma hierarquia no processamento pelo cérebro de conjuntos vazios, da área ventral intraparietal para o córtex
pré-frontal lateral (CPL), ao longo da qual conjuntos vazios são gradualmente destacados de suas propriedade visuais
e colocados em um contínuo numérico. Desse modo, o cérebro transforma a ausência de itens contábeis (nada),
representada no cérebro pelas categorias mais baixas na hierarquia, como na AVI, em uma categoria quantitativamente
abstrata (zero) nas áreas mais altas dessa hierarquia, como no CPL. Como o CPL está também engajado na
representação de regras quantitativas básicas, ele provavelmente fornece a base para o raciocínio simbólico em
crianças.
No primeiro estágio de Nieder a ausência de estímulos (nada) corresponde a um mental/neural estado de
repouso, no qual faltam assinaturas especificas. Esse estágio equivale ao do coma profundo, onde o cérebro está em
estado vegetativo, anestesiado. Não há percepções, nenhum contato sensorial com o mundo exterior persiste, a caverna
de Platão está escura, nenhuma sombra tremula. Ele apenas vive. Nesse estágio não há o que se convencionou chamar
de consciência, assim não há Matemática, ou qualquer outra coisa que seja produto da mente. Os animais, humanos
inclusive, nesse estágio não se diferenciam dos vegetais.
No seu segundo estágio, a ausência de estímulos é reconhecida como uma categoria comportamental específica,
mas sua representação é ainda vazia de relevância quantitativa. Nesse estágio surge a consciência, a mente consegue
reconhecer a ausência de estímulos; o homem se diferencia dos vegetais. Corresponde ao estágio onde numerosidades
são reconhecidas, mas ainda não há percepção ou hierarquização do conceito do zero. Como Nieder observou, a
evolução das representações da ausência de estímulos para a de conjuntos vazios requer a transformação de um evento
não sensorialmente reconhecido para uma atividade cerebral gerada categoricamente. Isso exige que a consciência
desencadeie redes neurais capazes de executar essas tarefas, contudo, os mecanismos fisiológicos envolvidos ainda
permanecem desconhecidos.
No seu terceiro estágio, afirma, o nada adquire um significado quantitativo e é representado como um
conjunto vazio no extremo inferior de um contínuum numérico, ou linha dos números. A ausência de itens contábeis
(nada) é representada no cérebro na área ventral intraparietal.
No quarto e último estágio de Nieder a representação do conjunto vazio é estendida para se tornar o zero
matemático. O cérebro então transforma a ausência de itens contábeis (nada), representada no cérebro pelas categorias
mais baixas na hierarquia numérica neuronal, na AVI, em uma categoria quantitativamente abstrata (zero) nas áreas
mais altas da hierarquia, no CPL.
Para Nieder, esses diferentes estágios do conceito de zero refletem progressivos níveis de abstração mental.
Observa então, magistralmente, que a sequência desse processo cerebral espelha a linha do tempo dos avanços
culturais e ontogenéticos da evolução do conceito do zero.
Isso fundamenta a importância do estudo tanto da Pré-história como da História da Matemática, da visão de
suas origens, dos seus primórdios, da sua evolução, ou seja, de suas Uranschauung e Weltanschaauung. A Matemática,
como a conhecemos modernamente, é um produto cultural, historicamente construído, enraizado na neurofisiologia
do cérebro humano.
O “zero matemático” é um mentefacto, para empregar um termo introduzido pelo biólogo Julian Huxley (1887-
1975) como base de sua teoria da cultura. Os mentefactos incluem os símbolos e códigos de uma cultura. Dessa forma,
cultura mental pode ser entendida como um conjunto de símbolos e códigos. Ele somente adquiriu sua importância
com os hindus, principalmente pela obra de Brahmagupta (598 – 670), cuja aritmética sistematizou o emprego do zero
e dos números negativos. Povos antigos, como os egípcios, os gregos, os mesopotâmios não necessitavam de um
símbolo para o zero matemático no desenvolvimento de sua etnomatemática.
A codificação da ausência de estímulos e da quantidade nula requer treinamento específico, observa Nieder,
aparentemente não é uma propriedade inata, transmitida geneticamente. As representações equivalentes ao zero,
consideradas como categorias comportamentais relevantes, se desenvolvem ao longo do tempo, como resultados de
tentativas e erros, e necessitam de reforço de aprendizado. Quando um sujeito aprende a responder apropriadamente
a ausência de estímulos ou a conjuntos vazios recebe uma recompensa, este mecanismo é suficiente para tornar
neurônios sintonizados, alterando assim o seu estado inicial de repouso, default, ou seja, de não sintonizados, gerando
uma rede neural adequada ao tratamento dessa questão.
As capacidades cognitivas da mente humana se originam do trabalho de neurônios, de sua organização em
redes neuronais. A luta histórica e ontogenética da humanidade para chegar ao conceito do zero matemático, pode, ao
menos parcialmente, ser um reflexo desse desafio neurobiológico, e talvez vice-versa.
Esse exemplo, adicionado aos demais, mostra como os rumos atuais de pesquisas, interdisciplinares
necessariamente, abrangendo várias ciências e empregando tecnologias modernas, se alinham com a visão para novas
pesquisas em História e Pré-história da Matemática que defendo.

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Anais do XII SNHM -2017
PESQUISAS EM PRÉ-HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: NOVAS VISÕES E NOVOS RUMOS.

Bibliografia

ALMEIDA, Manoel de Campos. Origens da Matemática – A Pré-História da Matemática. Vol. I – A Matemática


Paleolítica. Curitiba: Progressiva, 2009. 306p.

ALMEIDA, Manoel de Campos. Origens da Matemática – A Pré-História da Matemática. Vol. II – O Neolítico e o


Alvorecer da História. Curitiba: Progressiva, 2011. 366 p.
ALMEIDA, Manoel de Campos. O Nascimento da Matemática – A neurofisiologia e a pré-história da Matemática.
São Paulo: Editora Livraria da Física. (2013). 291 p.

ALMEIDA, Manoel de Campos. A Matemática na Idade da Pedra: Filosofia, Epistemologia, Neurofisiologia e Pré-
história da Matemática. São Paulo: Livraria da Física, 2017. 641 p.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1993. 88p.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Etnomatemática – Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica,
2002. 110p.

D’AMBROSIO, Ubiratan; ALMEIDA, Manoel de Campos. Etnomathematics and the emergence of mathematics. In:
The Nature and Development of Mathematics. Oxford: Routledge, 2017. 244 p.

IFRAH, Georges. Histoire universelle des chiffres. Paris, Seghers, 1981.567 p.

IFRAH, Georges. The Universal History of Numbers. New York, John Wiley & Sons, 2000. 633 p.

NIEDER, Andreas. Representing Something Out of Nothing: The Dawning of Zero. In: Trends in Cognitive Sciences,
November 2016, Vol. 20, No. 11 http://dx.doi.org/10.1016/j.tics.2016.08.008

Manoel de Campos Almeida


Departamento de Matemática – PUCPR-UFPR
Emeritus
Curitiba-Paraná
Brasil
Mesas Redondas
manoel1748@gmail.com
E-mail: autor@domínio.com

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MESAS REDONDAS

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

Mesa Redonda 1 (Auditório da Elétrica): A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM


HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.
Wagner Rodrigues Valente (UNIFESP) (organizador)
Luis Manuel R. Saraiva (CIUHCT e Faculdade de Ciências de Lisboa)
Barbara Diesel Novaes (UFTPR)

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO


MATEMÁTICA: MOVIMENTOS DE CRIAÇÃO DE UM NOVO CAMPO DISCIPLINAR

Wagner Rodrigues Valente (GHEMAT- UNIFESP) - ghemat.contato@gmail.com

O tema da internacionalização da pesquisa em história da educação matemática remete ao próprio processo de


constituição do campo de pesquisa História da Educação Matemática. E, para tal discussão, os últimos anos revelam
um movimento acelerado de organização dessa nova seara de produção de conhecimentos. Assim sendo, este texto
intenta explicitar o processo de criação de um novo campo de pesquisa e o papel desempenhado pela
internacionalização nesse processo. Em seguida, analisa a possibilidade de existência do campo História da Educação
Matemática. Segue-se na análise, as discussões sobre modelos de internacionalização das pesquisas. A partir desses
objetivos iniciais, aponta o que poderia ser considerado como um modelo de cooperação para a produção de
conhecimentos, forma mais avançada da internacionalização da pesquisa. Tal modelo implica na busca de temáticas
de pesquisa comuns a grupos de diferentes países. Com elas, a articulação de projetos coletivos de investigação que
permitam a participação o mais simétrica possível entre equipes do Brasil e aquelas de outros países.

A INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM


PORTUGAL

Luis Saraiva (CMAFCIO, Universidade de Lisboa) - lmsaraiva@fc.ul.pt

A internacionalização na pesquisa em matemática só verdadeiramente se institucionalizou em Portugal a partir da


década de 70 do século XX, antes apenas houve períodos breves em que as ligações internacionais funcionaram com
alguma vitalidade. No período 1850-1970 foi relevante principalmente a acção de dois matemáticos: Primeiro a
actividade de Francisco Gomes Teixeira (1851-1933), o matemático português de maior prestígio de fins de século
XIX e início do século XX. Com o objectivo de integração da comunidade matemática portuguesa na rede
internacional de matemáticos, criou o Jornal de Sciencias Mathemáticas e Astronómicas (1877-1905), seguido pelos
Annaes Scientificos da Academia Polytecnica do Porto (1905-1915), mais tarde renomeados Anais da Faculdade de
Sciências do Porto (1927- ), primeiros jornais matemáticos onde se promoveu a participação regular de matemáticos
de outros países. Não tendo desaparecido a componente internacional, com a morte do seu promotor ela foi
esmorecendo no século XX. Igualmente com o objectivo de integração na comunidade científica internacional, Gomes
Teixeira foi um dos principais promotores da realização dos Congressos Luso-Espanhóis das Associações Portuguesa
e Espanhola para o Progresso das Ciências, iniciados com o Congresso do Porto em 1921 e continuados depois com
alguma periodicidade até ao fim dos anos 70. O outro matemático relevante nesta internacionalização foi António
Aniceto Monteiro (1907-1980), elemento da chamada geração matemática de 40, que fundou a Portugaliae
Mathematica em 1937, igualmente com o intuito de criação de um fórum internacional de pesquisa matemática. Com
a repressão da ditadura, a saída de Monteiro de Portugal em 1945, bem como a expulsão da Universidade Portuguesa
da maioria dos elementos dessa geração matemática em 1946/47, o movimento, não deixando de existir, perdeu a
vitalidade com que tinha começado. Na história da matemática não houve nada de comparável a nível institucional,
apenas a actuação um pouco isolada de figuras como Gomes Teixeira, Rodolfo Guimarães (1866-1918), Pedro José

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Anais do XII SNHM -2017
da Cunha (1867-1945) e José Vicente Gonçalves (1896-1985). Na nossa exposição falaremos dos desenvolvimentos
recentes, essencialmente através da acção do Seminário Nacional de História da Matemática, fundado em 1988 e com
acção constante até à actualidade, indo ter o seu 30º Encontro Nacional no fim de Junho deste ano. Falaremos dos
Encontros Luso-Brasileiros, iniciados em 1993, dos Encontros Ibéricos, iniciados em 2013, e ainda da série de
Encontros “História das Ciências Matemáticas: Portugal e o Oriente”, iniciados em 1995.

EXPERIÊNCIAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA EM HISTÓRIA DA


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Barbara Winiarski Diesel Novaes (UTFPR – Câmpus Toledo) – barbaraw@utfpr.edu.br

Experiências de Internacionalização fazem parte da vida acadêmica desde a criação das primeiras universidades
europeias que contavam “com professores e estudantes de diferentes regiões e países, apresentando, em sua
constituição, comunidades internacionais que se reuniam em busca de um objetivo comum: o conhecimento”
(STALLIVIERI, 2004, p.15). Recentemente, nas recomendações do Plano Nacional de Pós-Graduação (2011 – 2020),
a internacionalização aparece no sentido da busca da excelência, de conhecimentos novos e para evitar a endogenia.
Uma recomendação do documento é: “dar incentivos ao estabelecimento de acordos de duplo-diploma e de cooperação
de largo escopo e longo prazo em projetos internacionais de pesquisa” (BRASIL, 2010, p.28). Dentre as modalidades
de cooperação acadêmica internacional, pretendemos relatar experiências de Internalização da Pesquisa em História
da Educação Matemática ocorridas durante o período de doutoramento sanduíche em Portugal na Universidade Nova
de Lisboa e vinculado ao projeto de cooperação internacional CAPES-GRICES (Brasil-Portugal) (2006-2009) “A
Matemática Moderna nas Escolas do Brasil e de Portugal: estudos históricos comparativos”, coordenados pelos
professores Wagner Rodrigues Valente e José Manuel Matos. Como observou Matos (2007, p.17): “Na
impossibilidade de cada indivíduo se tornar especialista em múltiplas áreas do saber, é fundamental a constituição de
equipes fortes, contando com múltiplas competências, e com programas de investigação bem determinados”. Conhecer
os efeitos do MMM em outros contextos permitiu que pudéssemos viver a experiência dos estudos comparativos e
constatar que compreendendo o outro, estamos mais capacitados a enxergar a nossa realidade de forma mais crítica e
fundamentada. Valente (2013) afirma que os estudos históricos comparativos colocam a questão do trânsito entre
países, entre culturas, permitindo que determinados problemas sejam compreendidos para além do que poderiam ser
os seus determinantes regionais. Permitem a compreensão da reorganização do espaço mundial e a compreensão
histórica de problemas presentes em âmbito transnacional, sempre articulando os trabalhos locais com a global para
que haja contribuições para a história da educação matemática. Conectadas aos acontecimentos internacionais, essas
histórias também têm dado visibilidade do sentido que representantes de diferentes países deram às suas ações ao
investirem esforços em busca de uma educação matemática de melhor qualidade. Ainda segundo Valente (2013) os
recentes projetos de cooperação internacional têm possibilitado abertura de fronteiras, destacando espaços dinâmicos
de circulação de ideias marcados por diferenças e convergências entre a educação local e transnacional.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Plano
Nacional de Pós-Graduação – PNPG 2011-2020. Brasília: CAPES, 2010.
MATOS, José Manuel. História do Ensino da Matemática em Portugal – A constituição de um campo de
investigação. In: VALENTE, Wagner Rodrigues; MATOS, José Manuel. A Matemática Moderna do Brasil e de
Portugal: Primeiros Estudos. São Paulo: Da Vinci, 2007, p. 8-20.
STALLIVIERI, Luciane. Estratégias de internacionalização das universidades brasileiras. Caxias do Sul: Educs,
2004. 143p.
VALENTE, Wagner Rodrigues. Oito temas sobre história da educação matemática. Rematec, ano 8, n.12, jan-jun,
2013.

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

Mesa Redonda 2: CAMINHOS PARA A UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA


EDUCAÇÃO MATEMÁTICA.
Lígia Arantes Sad (IFES) (organizadora)
Fumikazu Saito (PUC-SP).
Miguel Chaquiam (UFPA).

IDEIAS MATEMÁTICAS HISTÓRICAS EM CAMINHOS DE EXPLORAÇÃO CRIATIVA, NA


VIA DE RECURSOS DIDÁTICOS COLETIVOS OU NO ÂMBITO DA
INTERDISCIPLINARIDADE

Lígia Arantes Sad (IFES) (organizadora)

As mudanças e transformações nesta era de abundantes informações e tecnologias causam impactos crescentes para a
educação. Nesse meio, novas possibilidades e desafios podem ser agregados aos caminhos para a utilização da história
da matemática na educação matemática. Portanto, embora existam variadas discussões já realizadas entre
pesquisadores e educadores sobre caminhos da História da Matemática na Educação Matemática, em diversos âmbitos
e níveis, outras articulações pesquisadas e trabalhadas são passíveis de serem apresentadas e apreciadas em termos
educacionais. O educador, ao se colocar em diálogo com o contexto cultural escolar e científico, incorpora formas de
comunicação ao seu modo de inserir e escolher caminhos para a utilização da história da matemática no ensino e
aprendizagem da matemática. Sob essas considerações, elegemos a exploração criativa como uma escolha a ser
destacada em nosso trabalho com professores-pesquisadores e seus alunos da educação básica. Entendemos
exploração criativa como ação múltipla que propicia em determinado contexto uma atitude e atividade que permite a
interação do estudante ou grupo de estudantes e professor na elaboração de um produto ou processo que traz
relacionamentos novos e úteis entre a história da matemática e o ensino e aprendizagem da matemática. Neste sentido,
apresentamos para reflexão e discussão dois procedimentos de exploração criativa de elementos da história da
matemática, sendo um via recurso didático coletivo pela utilização do software geogebra e, outro, via
interdisciplinaridade em um caso de ensino e aprendizagem de matemática a um aluno de atendimento educacional
especializado. Observamos que a constituição e utilização da história da matemática pela via potencial da exploração
criativa prescreve a necessidade de instituição teórica relacionando seus passos constituintes, com bases na análise do
contexto educacional (pessoas envolvidas e recursos didáticos), investigação histórica, procedimentos e/ou recursos
motivadores.

Palavras-chave: História da Matemática; Educação Matemática; Exploração criativa.

A INCORPORAÇÃO DE QUESTÕES HISTÓRICAS NAS DISCUSSÕES SOBRE O ENSINO DE


MATEMÁTICA POR MEIO DE ANTIGOS INSTRUMENTOS MATEMÁTICOS

Fumikazu Saito (PUC-SP).

Diferentes propostas que procuram articular história da matemática e ensino de matemática têm sido apresentadas e
apreciadas, já há algum tempo, por educadores não só brasileiros, mas também estrangeiros. Muitas dessas propostas
têm fornecido subsídios para a compreensão do papel da história no ensino e pontuado diferentes vertentes didáticas
(e também pedagógicas) com o objetivo de propor novos caminhos de abordagem para o ensino e a aprendizagem de
matemática. Embora a história da matemática tenha se demonstrado bastante promissora a esse respeito, a articulação
entre história e ensino carece ainda de bases teóricas mais sólidas, visto que os estudos com intuito de avaliar e trazer
novas contribuições ao ensino e à aprendizagem de matemática resumem-se em sua maior parte apenas a ensaios e
relatos de aplicação. Tendo isso em vista, procuramos apresentar neste trabalho algumas reflexões e iniciativas do

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Anais do XII SNHM -2017
grupo HEEMa/PUCSP (História e Epistemologia na Educação Matemática) nessa direção, com vistas a repensar sobre
o papel da história da matemática no ensino de matemática. Diferentemente de uma abordagem centrada somente em
conteúdos e resultados matemáticos, o grupo tem investido nos processos que conduzem à elaboração das condições
que conduziram à construção e ao desenvolvimento desses mesmos conteúdos e resultados. Sem a pretensão de indicar
“o que” e “como” ensinar matemática por meio da história da matemática, este trabalho procura tecer algumas
considerações de ordem teórica com o objetivo de delinear algumas condições que contribuam para a incorporação de
questões de ordem histórica (aquelas que emergem da malha histórica, tais como questões de ordem epistemológica,
axiológica, ontológica e estética) nas discussões sobre o ensino de matemática. Para tanto, delimitaremos a nossa
apresentação a uma única via de análise, dando especial ênfase a um conjunto de estudos e de reflexões que estão na
base de uma proposta que busca explorar antigos “instrumentos matemáticos”. Os diferentes aparatos, máquinas,
instrumentos e outros recursos manipulativos, que se encontravam bastante disseminados nas origens da ciência e da
matemática modernas, têm se demonstrado muito rico do ponto de vista epistemológico e matemático, uma vez que
sua construção e uso requer a articulação de procedimentos racionais e mecânicos. A exploração de antigos artefatos,
devidamente contextualizados na malha histórica, dá acesso ao “saber-fazer” matemático de uma época e, dessa
maneira, abre novas vias de investigação que podem contribuir para fundamentar teoricamente a articulação entre
história e ensino de matemática.

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NAS AULAS DE MATEMÁTICA: UMA PROPOSTA PARA


PROFESSORES

Miguel Chaquiam (UFPA).

Este artigo foi escrito com o objetivo de fomentar os debates e proposições em torno de uma das mesas do XII SNHM,
intitulada Caminhos para utilização da História da Matemática na Educação Matemática. Início com ponderações
a respeito dos desafios relacionados à Educação e, em particular, os desafios que enfrentamos na escolha dos conteúdos
matemáticos curriculares e métodos de ensino, perpassando pela formação inicial dos professores e discutindo as
interrelações entre passado e presente. A partir das considerações sobre os desafios da formação de professores de
matemática, traço observações a respeito do que se espera de um curso de história da matemática num curso de
licenciatura, tendo em vista os questionamentos Para quem? e Para que serve?, provenientes de professores e alunos
das licenciaturas. As ponderações apresentadas nessa primeira parte estão fundamentadas nos trabalhos de Bicudo &
Borba (2004); Campos (2005); D’Ambrosio (2011, 2012, 2013); Gómez (1994); Le Goff (1990); Pecharromán (2012)
e Valente (2008, 2013). A seguir, enveredo por caminhos que entrelaçam a história da matemática e os processos de
ensino e de aprendizagem da matemática, apontando encontros e desencontros quanto à participação da história nesses
processos e possíveis potencialidades quanto ao uso da história da matemática na formação de professSESSores de
matemática, tomando por base os trabalhos de Anacona (2003); Barbosa & Silva (2013); Baroni, Teixeira & Nobre
(2011); D”ambrósio (2006); D’Ambrosio (1999); Dinnikov & Sad (2005); Mendes (2013, 2015); Miguel & Brito
(1996); Miguel (1997); Miguel & Miorin (2004); Rodriguez & Vásquez (2012) e Vianna (2010). Por fim,
considerando as proposições constantes em Chaquiam (2015) e Mendes & Chaquiam (2016), proponho como um dos
caminhos a elaboração de textos envolvendo história da matemática e conteúdos matemáticos para uso em sala de
aula, preferencialmente na Educação Básica, a partir de um diagrama metodológico, onde é possível observar, de certa
forma, a evolução de um dado conteúdo matemático, bem como, uma melhor caracterização em relação a tempo e
espaço com a associação de fatos socioculturais e técnico-científicos e, como exemplo, apresento um diagrama que
reflete uma história do desenvolvimento dos números complexos.
Palavras-chave: Matemática; História da Matemática; Educação Matemática.

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Anais do XII SNHM -2017
COMUNICAÇÕES ORAIS

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

Daniele Aparecida de Oliveira


Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Edilson Expedito da Silva Lima


Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Eliane Matesco Cristovão


Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Karine Reis Pereira


Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Resumo

Este trabalho tem como objetivo relatar a experiência de um grupo de alunos do curso de Licenciatura em Matemática
da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), vivenciada a partir da proposta da disciplina de Prática de Ensino de
Matemática V de elaborar e aplicar uma sequência de atividades voltada para alguma série da Educação Básica. O
tema escolhido por nós baseia-se em uma articulação entre o conteúdo de equações do 1º grau e uma fase histórica do
desenvolvimento desse conceito, já que a Matemática geralmente é apresentada de forma historicamente
descontextualizada e caracterizada apenas como um conjunto de fórmulas raramente justificadas e cálculos maçantes,
além de se distanciar da concepção de que ela é uma construção humana. Assim, com este trabalho visamos possibilitar
aos alunos a exploração de outra forma de resolução de equações, buscando mostrar o caráter humano e mutável da
Matemática. O processo de aplicação da sequência se deu por meio da apresentação de um minicurso aos alunos dos
cursos de graduação em Matemática da própria universidade, com o propósito de não somente executar o plano de
aula como simulação de uma aplicação na Educação Básica, mas sim trocar ideias e experiências, bem como apontar
possíveis dificuldades e falhas da sequência elaborada, possibilitando que posteriormente fizéssemos uma reflexão
sobre a nossa própria prática. A abordagem histórica explorada baseia-se no método da falsa posição, utilizado para
resolver problemas que podem ser traduzidos hoje pelo que chamamos de equação de 1º grau, e que consiste em um
processo de tentativa e erro, seguido de um ajuste para chegar à resposta correta por meio de proporção. Assim, além
da possibilidade de aprender um novo método para resolver tais equações, conceitos de proporção e regra de três
também são retomados, favorecendo a compreensão da importância de se possibilitar a interconexão entre diferentes
conceitos matemáticos. Constatamos que mesmo sendo alunos de cursos de graduação em matemática, os participantes
apresentaram dificuldades em estabelecer estas interconexões, mas todos foram capazes de utilizar o método da falsa
posição e, inclusive, apreciá-lo. Ministrantes e participantes, juntos, vivenciaram um momento rico de aprendizagem
e reflexão sobre a prática docente.

Palavras-chave: História da Matemática, Equações do 1º grau, Método da Falsa Posição.

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Anais do XII SNHM -2017
Daniele Aparecida de Oliveira & Edilson Expedito da Silva Lima & Eliane Matesco Cristovão & Karine Reis Pereira

HISTORY AND MATHEMATICAL EDUCATION: An experiment with the false position method

Abstract

This work aims to report the experience of a group of students of the Mathematics Degree course of the Universidade
Federal de Itajubá (UNIFEI), experienced from the proposal of the Mathematics Teaching Practice V discipline to
elaborate and apply a sequence of activities aimed at some series of Basic Education. The theme chosen by us is based
on an articulation between the content of first-degree equations and a historical phase of the development of this
concept, since mathematics is usually presented in a historically decontextualized way and characterized only as a set
of formulas rarely justified and tiresome calculations, in addition to distancing itself from the conception that it is a
human construction. Thus, with this work we aim to enable students to explore another way of solving equations,
seeking to show the changing and human character of Mathematics. The process of applying the sequence was done
through the presentation of a mini-course to the students of the undergraduate courses in Mathematics of the university
itself, with the purpose of not only executing the lesson plan as a simulation of an application in Basic Education, but
to exchange ideas and experiences, as well as pointing out possible difficulties and failures on the elaborated sequence,
enabling us to later reflect on our own practice. The historical approach explored is based on the false position method,
used to solve problems that can be translated today by what we call a 1st degree equation, which consists of a process
of trial and error, followed by an adjustment to arrive at the correct answer by using proportion. Thus, in addition to
the possibility of learning a new method to solve such equations, concepts of proportion and rule of three are also
taken up, favoring the understanding of the importance of making possible the interconnection between different
mathematical concepts. We found that even though they were undergraduates in mathematics, the participants
presented difficulties in establishing these interconnections, but all were able to use the false position method and
even to appreciate it. Ministers and participants, together, experienced a rich moment of learning and reflection on
teaching practice.

Keywords: History of Mathematics, First Grade Equations, False Position Method.

INTRODUÇÃO

Sabendo que normalmente ensina-se a resolver equações de 1º grau pelo método da inversa ou da balança,
surgiu em uma das práticas de ensino do curso de Licenciatura em Matemática a oportunidade da elaboração de uma
sequência de atividades que relacionasse esse conteúdo ao seu contexto histórico. Ministrada pela professora Dr.ª
Eliane Matesco Cristovão, a disciplina de Prática de Ensino de Matemática V teve o propósito de ilustrar para nós,
futuros licenciados, como o professor pode se desenvolver profissionalmente a partir da pesquisa de sua própria
prática, abordagem que tem ganhado força no campo da Educação Matemática. Nesse sentido, a proposta da disciplina
era totalmente diferente das práticas de ensino anteriores e consistia na elaboração e aplicação de uma sequência
didática e essa experiência seria utilizada como base para o desenvolvimento de um relato de experiência ou narrativa.
Desse modo, a disciplina foi programada de forma que permitisse o encadeamento lógico de uma possível
forma de desenvolver esse tipo de pesquisa. Inicialmente foram trabalhadas comparações entre propostas curriculares
dos estados de São Paulo e Minas Gerais, a fim de que pudéssemos conhecer os dois materiais e o que eles indicam
que deve ser feito em cada nível escolar. Este seria o primeiro recurso utilizado na elaboração da nossa sequência. É
importante mencionar que no contexto desse trabalho, consideramos que uma sequência didática constitui um grupo
de atividades guiadas por um tema, um objetivo geral ou uma produção de texto final e que, consequentemente, gere

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

construção de determinado conceito pelos alunos (MACHADO; CRISTOVÃO, 2006).


Outros materiais que tivemos contato nessa disciplina foram artigos e livros do campo da Educação
Matemática sugeridos pela professora e que foram escritos por autores conhecidos dessa área como Ubiratan e Beatriz
D’Ambrósio. Além disso, após a escolha do conteúdo e da abordagem a serem utilizados, fizemos uma pesquisa com
obras nessa mesma perspectiva ou similares. Esse contato nos possibilitou referenciar o nosso trabalho em teorias e
estudos de pessoas com conhecimento mais amplo, tornando-o mais rico teoricamente.
O próximo passo da disciplina foi a escolha do conteúdo especifico e da série que trabalharíamos a nossa
sequência didática. Assim, com base no que apresentam as propostas curriculares, foi escolhido o conteúdo de equação
do 1º grau, destinado aos alunos do 7º ano do Ensino Fundamental II, e a partir do nosso interesse e das leituras feitas,
definimos que abordaríamos historicamente este conteúdo.

PESQUISA E ELABORAÇÃO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Em nossos estágios temos observado que, comumente, a Matemática é ensinada de forma historicamente
descontextualizada e, portanto, nos pareceu uma boa ideia utilizar de uma versão histórica de resolução de equações
do 1º grau com a finalidade de que os alunos, além de conhecerem outra forma de resolução de tais equações, pudessem
ter uma visão da Matemática que vai além das fórmulas comumente decoradas e dos cálculos maçantes apresentados
em sala de aula. Assim, a proposta visava apresentar o desenvolvimento histórico do conteúdo para que os alunos
percebessem as condições que possibilitaram esse desenvolvimento e as relacionassem à visão da matemática como
uma construção humana, bem como desconstruíssem a ideia de que ela é simplesmente criada por “grandes gênios”
(D’AMBRÓSIO, 1989).
A versão histórica de um método de resolução de equação de 1º grau escolhida para essa sequência didática
foi o método da falsa posição, cujas origens remontam ao Antigo Egito e a primórdios de algumas civilizações chinesas
(MEDEIROS, C.; MEDEIROS A., 2004). Esse método consiste em um processo de tentativa e erro, seguido de um
ajuste para obtenção do resultado correto (KATZ, 2009). Inicialmente supõe-se um valor falso para a incógnita e a
equação é resolvida em termos desse valor. O resultado verdadeiro é obtido por meio de uma proporção entre os dados
da equação inicial e o valor resultante da equação para o valor falso. Nessa perspectiva, percebe-se que além de ser
outra forma que os alunos podem utilizar para resolver equações, o método da falsa posição também pode auxiliar a
ressignificação do conteúdo de proporção e regra de três.
A sequência elaborada divide-se em três momentos principais. No primeiro deles nos preocupamos em
elaborar alguns exercícios que retomassem conceitos de proporção direta e indireta. Inicialmente, sugerimos que sejam
feitas indagações aos alunos sobre as recordações e compreensões que eles têm sobre esse conteúdo, e só em seguida
esses exercícios deveriam ser resolvidos e discutidos. Um exemplo de atividade está representado a seguir.
Atividade 1: Em uma casa com 4 pessoas gasta-se 800 reais por mês com compras no supermercado. Em outra casa
com 7 pessoas gasta-se 1400 reais por mês também com compras no supermercado. Existe algum tipo de proporção
entre os gastos dessas famílias?
O segundo momento consiste na recordação do conteúdo de regra de três simples. A ideia é utilizar da
recordação sobre proporção e retomar o teorema fundamental da proporcionalidade, que justifica os procedimentos

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da regra de três. Desse modo, um exemplo de atividade está descrito abaixo.


Atividade 2: A) Para se construir um muro de 17m² são necessários 3 trabalhadores. Quantos trabalhadores serão
necessários para construir um muro de 51m²?
B) Inês trabalhou 40 dias para receber R$ 20 000,00. Quantos dias ela terá de trabalhar para receber R$ 15 000,00?
Por fim, o momento mais importante da sequência que nós elaboramos é sobre o método da falsa posição.
Dessa forma, após a contextualização histórica, procedeu-se com alguns exercícios, dentre eles os problemas 24 e 26
do papiro Rhind, para serem resolvidos usando tal método. Além desses dois problemas, também são propostos
exercícios que envolvem situações do cotidiano dos alunos. Um exemplo de atividade está apresentado a seguir.
Atividade 3: Uma caixa de água estava totalmente cheia. Inicialmente, esvaziou-se a metade da capacidade dessa
caixa e, em seguida, foi acrescentado um quinto do volume total da caixa, totalizando 700 litros. Quantos litros de
água cabem nessa caixa?
Com a sequência didática elaborada, procedemos com a sua aplicação realizada por meio de um minicurso.
Essa experiência é o tema da próxima seção.
EXPERIÊNCIA VIVIDA NO MINICURSO

Como os quatro autores desse trabalho são de diferentes cidades, foi inviável a aplicação da sequência em
uma escola com alunos do 7º ano da Educação Básica. Assim, uma alternativa proposta pela professora Eliane foi a
elaboração de um minicurso que pudesse ser apresentado aos colegas de outra turma de prática de ensino. Como na
disciplina de Prática de Ensino de Matemática III trabalha-se a articulação entre História da Matemática e Ensino de
Matemática, convidamos os alunos que estavam cursando esse componente curricular para participar do minicurso, já
que seria uma boa oportunidade para que eles vissem de forma prática os conhecimentos teóricos da disciplina. Outros
colegas também foram convidados, entre eles ingressantes do curso de licenciatura e até mesmo colegas do curso de
bacharelado, ambos em Matemática.
Estávamos animados com essa experiência nova, então preparamos uma apresentação para o minicurso,
imprimimos roteiros de atividades e reservamos o espaço do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) para uma
terça-feira à tarde. No entanto, um dia antes fomos verificar a disponibilidade de carteiras do laboratório e ao
chegarmos lá nos deparamos com o piso recém-pintado e, dessa forma, não poderíamos usá-lo no dia seguinte.
Sabendo da necessidade que as reservas de ambientes da universidade sejam previamente agendadas, um leve
desespero tomou conta de nós. Ao contatar a professora sobre a impossibilidade de utilizar o LEM, ela nos reservou
outro laboratório, o Laboratório de Formação Docente (LABFOR).
Na terça-feira da apresentação, alguns minutos antes da hora marcada, tivemos a infeliz notícia da queda de
energia no campus. Apesar do contratempo, dispusemos de um computador em uma mesa à frente dos alunos e demos
início à apresentação. Embora tivéssemos levado as atividades impressas em folhas individuais, gostaríamos de ter
projetado a apresentação que preparamos, visto que os alunos presentes tinham dificuldade de enxergar os slides
apenas no notebook.
Nossa apresentação do minicurso foi estruturada de modo que contextualizasse a todos os presentes a ideia
principal do nosso trabalho. Devido à heterogeneidade de turmas e de cursos, notamos que era necessária uma breve
descrição do que se tratava uma sequência didática, o que era um plano de aula e quais seus elementos, para

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

posteriormente apresentar a sequência que nós elaboramos.


Não era nossa intenção oferecer aos colegas de curso, ali presentes, a simulação de uma aula do 7º ano, pois
pouco ganharíamos com essa experiência. O objetivo principal era ouvir opiniões, sugestões, dificuldades e não
entendimentos de alunos do curso de Matemática. Assim, poderíamos projetar as possíveis dificuldades que os alunos
da Educação Básica teriam. Nesse sentido, podemos dizer que estávamos mais interessados em uma experiência de
professor-professor do que professor-aluno.
Após a apresentação dos tópicos do plano de aula, foram mostrados alguns conteúdos que nós consideramos
importantes para a compreensão do método da falsa posição pelo aluno. Desse modo, elaboramos algumas atividades
de recordação sobre os conteúdos de proporção e regra de três, e apresentamos a seguir algumas delas, bem como as
respostas dadas pelos participantes do minicurso.
Atividade 4: Se 5 operários levantam um muro em 10 dias, quantos operários serão necessários para levantar o mesmo
muro em 2 dias?
Ao analisar as respostas dos alunos, verificamos que além de misturar as grandezas envolvidas no problema
(operários e dias), alguns deles não conseguiram perceber a necessidade de inversão de uma das frações.
Como exemplo, um aluno escreveu a proporção da seguinte maneira:

Nesse caso, os alunos apontaram que a resposta correta seria 1, o que além de não condizer com o contexto
do problema, denota uma falta de senso crítico em relação a uma estimativa de resultado e, ao mesmo tempo, falta de
familiaridade com o processo de resolução desse tipo de problema. Por meio da socialização das soluções,
conversamos com a turma até chegarmos em 25, que era o valor esperado, e aproveitamos para discutir também o
quanto este tipo de erro é bastante comum em sala de aula, explicitando a importância de se revisar de forma a
ressignificar a aprendizagem deste conteúdo. É interessante notar que um dos alunos recordou a maneira como sua
professora resolvia este tipo de exercício, a qual elaborava uma tabela de grandezas com os dados coletados, e alertava
sobre a importância de separar as grandezas nesse processo.
Quando revisamos o conteúdo de regra de três simples, os alunos não apresentaram dúvidas sobre como
resolver os problemas. Um dos exercícios aplicado está apresentado a seguir.
Atividade 2: Para se construir um muro de 17m² são necessários 3 trabalhadores. Quantos trabalhadores serão
necessários para construir um muro de 51m²?
Assim, os alunos obtiveram 9 trabalhadores como resposta, o que corresponde ao valor correto. Ao
realizarmos essas recordações na nossa sequência didática deveríamos ter trabalhado dentro do conteúdo de proporção
o Teorema Fundamental da Proporcionalidade, que justifica os passos da regra de três. Achávamos que isto não seria
necessário, pois essas atividades são apenas para recordação de conteúdos que os alunos estudaram nesse mesmo ano
escolar, porém, durante a apresentação do minicurso notamos a importância de retomar tal propriedade, pois essa seria
uma ótima chance para os alunos que ainda não tinham compreendido esse conceito, tivessem uma nova oportunidade
para entendê-lo.
Após essas recordações, iniciamos a explicação acerca do método da falsa posição. Para tal, iniciamos com

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algumas indagações remetendo ao contexto histórico do desenvolvimento desse método, e também sobre a forma de
registro da matemática da época, com certa ênfase no papiro Rhind, já que trabalharíamos com alguns problemas
representados nele. Após esse momento de contextualização, apresentamos o passo a passo de como proceder para se
resolver uma equação do 1º grau. O primeiro exercício que foi dado para ser resolvido usando o referido método
consiste no problema 26 do papiro Rhind 1.
Atividade 5: Aha e seu quarto totalizam 15. Qual é o valor de aha?
Nesse momento, a maioria dos alunos não conseguiu entender imediatamente como deveriam resolver a
equação pelo método proposto, visto que os passos descritos nos slides não puderam ser projetados devido à queda de
energia e, portanto, alguns alunos começaram a resolver o exercício pelo método tradicional. Ao checarmos a
resolução de cada um deles, conseguimos perceber quais eram suas dificuldades e fomos capazes de ajudá-los a
resolver a equação pelo Método da Falsa Posição. Dessa forma, é importante se atentar para tal situação em sala de
aula.
Conforme os alunos foram resolvendo os exemplos, demonstraram satisfação por tal forma de resolução, e
um deles até exclamou “Nossa! Funciona mesmo! É quase melhor que o nosso!”, fazendo referência aos métodos
usuais utilizados para resolução de equações. Nesse momento ficamos muito felizes com tais comentários, uma vez
que percebemos que sequência atingiu um dos seus objetivos, que era mostrar aos alunos que é possível resolver
equações sem estarmos presos aos métodos tradicionais.
Um fato interessante observado nas resoluções dos alunos foi o “desapego” em relação à simbolização.
Alguns deles mantiveram a expressão “aha” para denotar o valor desconhecido, principalmente na resolução dos
problemas do papiro Rhind. Enquanto isso, a maioria dos alunos utilizava o nome das grandezas mencionadas nos
problemas, como “figurinhas”, “caixa” ou ainda, símbolos como um quadrado. Isso mostra outro aspecto que pode
ser explorado com os alunos da Educação Básica, já que muitas vezes eles se prendem a notação frequentemente
utilizada, na qual a letra “x” sempre representa uma incógnita, e que quando essa letra é mudada em um exercício os
alunos acham que não aprenderam a resolver tal atividade.
Por fim, começamos a explicar geometricamente o porquê de tal método funcionar. Iniciamos essa etapa
indagando os alunos de que forma eram as equações que eles tinham resolvido, bem como a generalidade da resolução.
Inicialmente, esperávamos que eles conseguissem responder a tais indagações pontuando que apenas as equações da
forma ax = b possuíam solução, contudo, não conseguimos realizar tal discussão e, portanto, oferecemos uma equação
que não possuía resposta pelo método da falsa posição. É importante notar que nosso plano já previa tal situação, uma
vez que ele foi elaborado visando a compreensão e as respostas dos alunos. É necessário dizer que como todos os
alunos presentes eram graduandos, esperávamos que eles nos oferecessem algum comentário acerca da linearidade
existente por trás desse método.
Tendo em vista que alguns alunos já estavam nos questionando se o método possuía alguma relação com
semelhança de triângulos (nesse momento os alunos falavam sobre as propriedades e faziam gestos com as mãos, mas
não se lembravam do termo em si), então nós construímos um eixo coordenado e marcamos quatro pontos na lousa.

1
Problema 26 do Papiro Rhind. Retirado de MARTINS (2015).

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Assim, explicamos que o método da falsa posição funciona porque existe proporção entre os lados dos triângulos
formados pela origem e pelos pontos sobre os eixos coordenados, ou seja, ocorre uma semelhança de triângulos. Tal
interpretação teve ajuda da professora Eliane, uma vez que iniciamos o desenho com uma reta que não partia da
origem, o que gerou algumas dúvidas. Após a dica da professora, redesenhamos os triângulos da maneira correta e os
alunos disseram que haviam entendido a explicação.
Após esta etapa, entregamos um questionário de avaliação a respeito do minicurso e da sequência didática
desenvolvida. Explicamos que eles poderiam opinar sobre as dificuldades encontradas nas atividades, o que poderia
ser modificado no plano e também se eles utilizariam nossa proposta com suas turmas. Posteriormente, quando
analisamos as respostas, obtivemos algumas muito favoráveis à aplicação da nossa sequência didática em sala de aula.
Dentre os argumentos apresentados foram citados, por exemplo, que esta sequência “é um método muito dinâmico e
divertido, mostra qual era a utilização das equações do primeiro grau, dando um sentido geométrico, além de mostrar
que foi uma invenção humana, não surgiu do nada”. Outro aluno respondeu essa mesma questão da seguinte forma:
“Alunos do 7º ano teriam uma noção melhor da proporcionalidade e um conhecimento da história”.
Entretanto, como já havíamos considerado, não foi possível agradar a todos. Isso pode ser evidenciado em
um argumento dado por um terceiro aluno na sua resposta ao dizer que não utilizaria essa sequência didática em suas
aulas porque há “[...] muita bagunça e desinteresse nessa faixa etária para dar algo com tanta interpretação.” Ao
lermos este comentário, sabendo que ele veio de um futuro professor, pudemos notar a necessidade de refletir, na
prática, sobre a variedade de metodologias e recursos que são trabalhados durante a graduação em licenciatura, para
que estas sejam incorporadas ao processo de ensino-aprendizagem.
Apesar de todo estudo e preparação, não estávamos isentos do risco de uma grande rejeição por parte dos
alunos do minicurso, por conta do plano articular um conteúdo de matemática com o contexto histórico, visto que nem
todos gostam de história. Entretanto, ficamos surpreendidos com o envolvimento e a participação dos que estavam
presentes.
Ainda falando sobre as respostas dos alunos ao questionário, foi citado por grande parte dos presentes que
uma possível dificuldade dos alunos do 7º ano seria a interpretação dos passos do método da falsa posição. Já com
relação às vantagens dessa sequência didática foram apresentados comentários como: “auxilia no desenvolvimento da
percepção geométrica e algébrica dos alunos” e também “facilita o entendimento da matéria, de modo divertido e
dinâmico”. Ainda, ao pedirmos para que eles relatassem possíveis desvantagens, eles apontaram que a utilização da
História da Matemática poderia fazer com que alguns alunos perdessem o interesse logo de início.
Após responderem ao questionário, os alunos foram indagados pela professora Eliane sobre a importância e
a validade dessa experiência, já que o minicurso foi realizado fora do horário de aula dos cursos noturnos. Para nossa
satisfação, as respostas foram positivas e a professora comentou que seria uma boa ideia dispor dessa experiência em
outras práticas de ensino.

SOCIALIZAÇÃO COM OS COLEGAS DE PRÁTICA V

Na mesma semana da apresentação do minicurso mostramos aos colegas da disciplina de Prática de Ensino
de Matemática V a sequência didática desenvolvida, bem como algumas considerações sobre o desenvolvimento do

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minicurso. Para essa socialização levamos os materiais que nós elaboramos e também os que foram produzidos pelos
graduandos, ainda sem tratamento analítico.
Como nós já tínhamos feito uma apresentação que trazia a explicação do que é o método da falsa posição
com os colegas de Prática V, achamos que seria desinteressante trazê-los novamente para discussão. Desse modo, o
enfoque foi dado às atividades de recordação sobre o conteúdo de proporção que mais geraram discussão durante o
minicurso. É interessante pontuar que a mesma atividade de proporção, que foi discutida na seção anterior, em um
primeiro momento gerou dúvidas em uma colega que também respondeu erroneamente, porém, ela logo percebeu que
sua resposta não fazia sentido no contexto do problema.
Além disso, os colegas de Prática V sugeriram que a proposta fosse realizada em menor tempo, visto que os
alunos já viram esses conceitos anteriormente. Outro ponto levantado foi o método de avaliação sugerido no plano de
aula, que não deixava muito claro como os alunos seriam avaliados mediante a sua participação na realização das
atividades em sala de aula.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do nosso envolvimento em outras disciplinas, nós sempre acreditamos que a História da Matemática
pode fornecer interessantes discussões que podem ser utilizadas tanto para a construção do conhecimento matemático,
quanto para torná-lo significativo. Nesse contexto, ao utilizarmos o método da falsa posição, acreditamos que os alunos
poderiam desenvolver outras habilidades na resolução de equações do 1º grau e, além disso, desenvolveriam uma
concepção da Matemática como construção humana, que surge mediante necessidades e problemas de determinadas
civilizações. Estas expectativas se confirmaram neste trabalho, agora de forma mais prática.
Nesse sentido, desenvolvemos uma sequência didática que buscava atender as necessidades dos alunos e, ao
apresentá-la no minicurso, notamos que alguns tópicos devem ser analisados antes de levarmos tal plano para o 7º
ano. Isto é importante, visto que os alunos poderiam se confundir durante a resolução do método e, portanto, a proposta
de consolidar o aprendizado acerca das equações de 1º grau não seria cumprida.
Além disso, acreditamos que a sequência didática elaborada pode contribuir para que os alunos tenham
contato com outras maneiras de pensar e desenvolvam novas percepções acerca de tal conhecimento matemático,
compreendendo os porquês de sua utilização nas civilizações egípcias antigas e como poderiam utilizar esse novo
método para resolver alguns tipos de equações.
De maneira geral, podemos aperfeiçoar as etapas de recordação e a transição para a explicação geométrica e,
nesse contexto, acreditamos que aplicar nossa proposta com alunos do Ensino Superior nos ajudou muito, visto que
pudemos verificar quais partes de nossa sequência eram deficientes, quais foram exitosas e, consequentemente,
podemos projetar novos estudos para que nossas aulas possam melhorar.

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HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: Uma experiência com o método da falsa posição

REFERÊNCIAS

D’AMBROSIO, Beatriz S. Como ensinar matemática hoje? Temas e Debates. Sociedade Brasileira de Educação
Matemática (SBEM). Ano II. n.2. Brasilia. 1989. P. 15-19.

KATZ, V.. J. A History of Mathematics: an Introduction. 3 rd Ed. Columbia, USA: Editora Pearson Education,
Inc., 2009.

MACHADO, A. R.; CRISTOVÃO, V. L. L. A construção de modelos didáticos de gênero: aportes e


questionamentos para o ensino de gêneros. Revista Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 6, n. 3, p. 547-
573, set./dez. 2006

MARTINS, J. O livro que divulgou o Papiro Rhind no Brasil. 2015. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação
Matemática). Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” - UNESP, Rio Claro, 2015.

MEDEIROS, C. F; MEDEIROS, A. O método da falsa posição na história e na educação matemática. Ciência &
Educação, Bauru, v. 10, n. 3, p. 545-557, 2004.

Daniele Aparecida de Oliveira


Instituto de Matemática e Computação – IMC –
campus de Itajubá - Brasil

E-mail: oliveiraapdaniele@gmail.com

Edilson Expedito da Silva Lima


Instituto de Matemática e Computação – IMC –
campus de Itajubá - Brasil

E-mail: edilsonlima95@hotmail.com

Eliane Matesco Cristovão


Instituto de Matemática e Computação – IMC –
campus de Itajubá - Brasil

E-mail: limatesco@unifei.edu.br

Karine Reis Pereira


Instituto de Matemática e Computação – IMC –
campus de Itajubá - Brasil

E-mail: karinereisp@hotmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

EXPERIÊNCIAS COM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo – Ifes – Brasil

Resumo

Este texto é produto de reflexões de uma mesa-redonda na V Semat-Ifes que teve como tema A escola como espaço
de transformação social. Se a Matemática é vista como uma ciência para poucos, perfeitamente encadeada, pronta e
acabada, então a matemática escolar tem somente um papel contemplativo e de repetição frente a um saber já
estabelecido e legitimado e, consequentemente, o tema proposto para a ocasião não procede. Entretanto, se tomamos
diante da Matemática a segunda das duas atitudes em face da Ciência apontada por Bento Caraça (1901-1948), qual
seja, a de tentar compreender a forma como vem sendo elaborada, conhecendo hesitações, dúvidas e contradições na
construção e no desenvolvimento de suas ideias e problemas, então a matemática escolar se aproxima de um “fazer
matemática” no sentido de resolver problemas, de construir indagações e tentar respondê-las. O que vai ao encontro
da ideia de escola como espaço de transformação social. Com o presente artigo, propõe-se que, por meio de atividades
de pesquisa em História da Matemática já na Educação Básica, seja possível explorar a Matemática na segunda
perspectiva sinalizada por Caraça, tendo, assim, professor e estudantes atuantes como sujeitos no processo de
construção de conhecimento. Ao longo do texto, apresentam-se três experiências em que a pesquisa em história esteve
associada à matemática escolar. As atividades relatadas são categorizadas como possibilidades de se “perguntar à
história”, “construir a partir da história” e “contar sua história”. A primeira experiência trata de uma atividade
extracurricular a respeito de números reais a partir da Espiral de Teodoro (c. 425 a.C.) com uma turma de 1º ano de
Ensino Médio para apresentação em uma Feira de Matemática; a segunda, também desenvolvida com estudantes de
1º ano de Ensino Médio, é uma proposta de introdução do conceito de logaritmo a partir de uma tabela de logaritmos
atribuída a Henry Briggs (1561-1631) e a última é o resultado de um trabalho de pesquisa desenvolvido por professores
e estudantes de 1° o 5° ano do Ensino Fundamental numa comunidade guarani no Espírito Santo. Com as experiências
relatadas, foi possível a realização de atividades de aprendizagem dentro e fora da escola; o desenvolvimento de
pesquisas sob a orientação de um professor e o aprendizado de estudantes e professor em diferentes ambientes. Tais
aspectos podem ser identificados com um “fazer matemática”, uma vez que proporcionam uma relação com a
Matemática para além de uma lista de conteúdos.

Palavras-chave: Matemática, História, Espiral de Teodoro, Logaritmo, Povo Guarani.

EXPERIENCES WITH HISTORY OF MATHEMATICS IN BASIC EDUCATION

Abstract

This paper is the product of reflections of a round table held at the V Semat-Ifes (Week of mathematics at the Federal
Institute of Education, Science and Technology of Espírito Santo - Ifes) whose object of discussion was the school as
a social transformation space. If mathematics is seen as a science for few people, perfectly linked, ready and
terminated, then school mathematics has only a contemplative and repetitive role in the face of an already established
and legitimized knowledge and, thus, would turn the theme into a fruitless discussion for the occasion. However, if
we see mathematics under the second of the two perspectives to science pointed out by Bento Caraça (1901-1948),

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Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

that is, to try to understand the way in which it has been elaborated, to know the hesitations, doubts and contradictions
in the construction and development of its ideas and problems, then school mathematics approaches a perspective of
"doing maths" in order to solve problems, inquiries, and try to answer them, which then meets the idea of school as a
social transformation space. The present article suggests, through research activities in the History of mathematics
and starting from Basic Education, that mathematics be explored under the second perspective signaled by Caraça,
having teacher and students acting as subjects in the knowledge construction process. The paper presents three
experiences in which the research in history is associated with school mathematics. These activities are categorized as
possibilities of "asking history," "building from history," and "telling their story." The first experience is an
extracurricular activity for first-year-students of High School involving real numbers from the Spiral of Theodorus
(c.425 B.C.) for a presentation at a Mathematics Fair; the second, also developed with first year students of High
School, is a proposal to introduce the concept of logarithm from a logarithmic table attributed to Henry Briggs (1561-
1631) and the last one is the result of a research work developed by teachers and 1st to 5th year students of Elementary
school in a Guarani community in Espírito Santo state, Brazil. The experiences confirm that it is possible to carry out
learning activities inside and outside the school, and the development of research under a teacher’s guidance and the
learning of students and teachers in different environments. Such aspects match with the perspective of “doing maths"
as they provide a relationship with maths which goes beyond a mere list of contents.

Key words: Mathematics, History, Spiral of Theodorus, Logarithm, Guarani people.

1. História da Matemática por um “fazer matemática” na escola

Em 2016, a V Semana de Matemática do Ifes (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito
Santo) teve como eixo temático a Matemática e transformações sociais. Trago neste texto reflexões a partir da minha
participação em uma das mesas-redondas do evento, intitulada A escola como espaço de transformação social. A
escolha do tema para a mesa pressupõe uma visão da Matemática não como uma ciência perfeitamente encadeada,
pronta e acabada, mas sim, como uma criação humana. A Matemática, vista dessa forma, está sujeita a influências do
meio em que se desenvolve e, reciprocamente, é capaz de formar pessoas que interagem, questionam e contribuem
com seu contexto social, histórico, cultural, etc. Para Bento de Jesus Caraça (1901-1948), a Ciência pode ser encarada
de duas formas diferentes: ou se olha para ela como um todo harmonioso, de capítulos que se encadeiam em ordem,
sem contradições, ou

“(...) se procura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneira como foi
sendo elaborada, e o aspecto é totalmente diferente – descobrem-se hesitações, dúvidas,
contradições, que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo
surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições”. (CARAÇA, 1951, p.XIII)

Portanto, tomando diante da Matemática a segunda das duas atitudes apontadas pelo autor, a escola, sendo
espaço de formação, pode ser entendida também como espaço de transformação social. Ao reconhecer hesitações,
dúvidas e contradições ao longo da História da Matemática, a matemática escolar toma o sentido de construir
indagações e tentar respondê-las. O presente artigo propõe que, por meio de atividades com História da Matemática
na Educação Básica, seja possível explorar a Matemática na segunda perspectiva sinalizada por Caraça, tendo, assim,
professor e estudantes atuantes no processo de construção de conhecimento.
Arcavi e Isoda (2007) apontam contribuições do trabalho com História da Matemática na formação do
professor de matemática. Eles se fundamentam, entre outros aspectos, no fato de que a História da Matemática
pode apresentar soluções de problemas de uma forma diferente da usualmente adotada; além disso, o contato
com uma fonte histórica inicialmente obscura requer que se desenvolvam ferramentas para dar sentido a ela e o
ato de decifrá-la pode apoiar tanto o desenvolvimento do hábito de não descartar soluções diferentes da esperada

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Anais do XII SNHM -2017
Experiências com história da matemática na educação básica

quanto o de buscar compreender uma abordagem matemática característica. Para os auto res, a vivência de tais
experiências com a História da Matemática por parte do professor estimula sua habilidade de escuta com relação
aos estudantes, no sentido de dar atenção ao que eles dizem, tentar entender o que fazem e criar oportunidades
para que expressem livremente suas ideias matemáticas, na sua perspectiva.
Os mesmos fundamentos de Arcavi e Isoda podem ser considerados na formação do estudante. A
História da Matemática favorece uma relação dinâmica com a Matemática na medida que demanda formular e
testar hipóteses para interpretar documentos, fatos e resultados, construídos, muitas vezes, sob um outro ponto
de vista.

2. Três experiências com história da matemática

A experiência com o saber matemático, com sua linguagem, suas motivações, seus problemas, passa pela
investigação em História da Matemática. O recurso à história deve fazer parte, na verdade, de uma rotina na educação
escolar, quer seja para conhecer problemas geradores de um campo da matemática ou para justificar a escolha de
denominações, notações, despertar curiosidade, estimular novas perguntas, novos problemas, entre outras
possibilidades.
A seguir, apresento algumas experiências que tenho vivenciado com a História da Matemática na minha
prática de professora de Matemática da Educação Básica. Com o primeiro exemplo, quero ilustrar como é possível
“perguntar à história”. O relato trata de uma atividade a respeito de números reais a partir da Espiral de Teodoro (c.
425 a.C.) em que a História serviu como fonte de curiosidade e aprofundamento de questões para além da sala aula.
A segunda atividade buscou “construir a partir da história”, introduzindo o conceito de logaritmo tomando como
referência uma tabela de logaritmos atribuída a Henry Briggs (1561-1631). A terceira atividade é o resultado de um
trabalho de pesquisa desenvolvido por uma comunidade guarani no Espírito Santo em que a Matemática ajuda a
“contar a própria história”.

2.1. Perguntar à história

Ao trabalhar o tema de conjuntos numéricos numa turma de 1º ano de Ensino Médio, propus aos alunos a
construção da Espiral de Teodoro de Cirene (c.425 a.C.) (Figura 1), com o objetivo de ilustrar a construção de
segmentos com medida irracional.

Figura 1 - Espiral de Teodoro. Fonte: A autora.

A espiral, também conhecida como Espiral Pitagórica, é uma figura obtida de uma sequência de triângulos
retângulos com um vértice comum, em que o primeiro é isósceles de catetos unitários e em cada triângulo retângulo
sucessivo um cateto é a hipotenusa do triângulo anterior e o outro cateto (oposto ao vértice comum) tem comprimento
unitário (EVES, 1997, p.126). Teodoro fez 16 iterações na construção da espiral, mas o processo pode se estender

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Anais do XII SNHM -2017
Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

indefinidamente.
O objetivo da atividade proposta foi alcançado em duas aulas geminadas. Cada aluno desenhou a espiral e,
juntos, avaliamos a medida dos segmentos da espiral de modo aproximado (por meio do uso de régua) e de modo
exato (com a aplicação do Teorema de Pitágoras). De fato, medindo-se um comprimento com auxílio de uma régua
graduada não é provável encontrar como medida um número como 2 . Experimentos como o uso da régua podem
dar a impressão de que não é possível se obter um segmento cuja medida seja um número irracional. Junte-se a isso o
fato de que na sua forma decimal, um número irracional possui infinitas casas decimais não-periódicas. Assim, da
aplicação do Teorema de Pitágoras, concluímos que, com a espiral, partindo da construção da 2 , é possível obter

segmentos de comprimento 3, 4, 5 , e assim sucessivamente, obtendo-se a construção de segmentos de


comprimento n , para qualquer n natural maior que 1.
A experiência em sala serviu de estímulo para que um grupo de cinco alunos seguisse num pequeno trabalho
de pesquisa sob minha orientação com duração de um mês a fim de expor na Feira de Matemática da V Semat - Ifes
(LORENZONI et al., 2016). Como meio de pesquisa e socialização dos resultados, foram realizados encontros
presenciais e discussões num grupo de WhatsApp. Os estudos partiram da Espiral de Teodoro, observando-se que

entre os números 2, 3, 4, 5 ,..., 17 existem números inteiros (raízes quadradas de números quadrados
perfeitos) e números irracionais (os demais). Com base na demonstração da irracionalidade de 2 referida a
Aristóteles (Quadro 1), foi feita uma generalização para o caso da irracionalidade da raiz quadrada de qualquer número
primo, como mostra o comentário de um dos alunos (Quadro 1).

Irracionalidade da raiz quadrada de números primos


Sobre a irracionalidade de 2 Sobre a irracionalidade da raiz quadrada
de números primos
Suponha que 2 é racional.
Então,
p
 2 para p e q primos entre si.
q
Elevando os membros ao quadrado, temos:
2
 p
   2.
q
Então, p² = 2q². Ah, professora, sobre a demonstração da
Assim, p² é par e então, p também é par. irracionalidade das raízes de números
Logo, p = 2k para algum inteiro k. primos, no final a contradição é que, com
Substituindo p = 2k em p² = 2q², vem que: os testes, é visto que p e q são múltiplos
( 2k )² = 2q². daquele número primo, contradizendo a
Ou seja, 4k² = 2q² e então em 2k² = q², afirmação de que a fração p/q seria
mostrando que q² é par e irredutível, certo?
consequentemente q também é par. Como com a raiz de 2 que p e q são
Mas isso é uma contradição, pois, por múltiplos/divisíveis por 2.
hipótese, p e q são primos entre si, mas
possuem o 2 como fator comum. Testando outros primos vai dar sempre que
p e q são divisíveis pelo número primo
Concluímos, portanto, que 2 é irracional.
testado, não sendo a fração p/q irredutível.
Fonte: A autora. Fonte: A autora.
Quadro 1

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Anais do XII SNHM -2017
Experiências com história da matemática na educação básica

De fato, supondo-se n racional para n primo, chega-se à contradição de que existem dois números primos
entre si p e q que possuem n como fator comum.

Mais ainda, “a raiz quadrada do número natural n, n , é um número natural se e somente se n é um quadrado. Em
todos os outros casos, n é um número irracional” (CARVALHO, 2010), resultado que foi também explorado pelo
grupo, embora de forma intuitiva, em função do tempo.
Os trabalhos do grupo tiveram também um viés experimental. Inspirados pelos origamis de Tomoko Fuse1,
a cujos diagramas não tivemos acesso, criamos uma Fita de Teodoro, a versão da Espiral em forma de dobradura, que
se tornou um elemento de destaque na exposição do grupo durante a Feira de Matemática (Figura 2).

Figura 2 - Fita de Teodoro. Fonte: A autora.

A confecção da Fita parte de uma tira retangular de papel sobre a qual se dobra um quadrado em uma de suas
extremidades. A partir do passo 5, ilustrado no diagrama (Figura 3), a tira de papel deve ser dobrada de modo que um
dos vértices na linha de dobra deve tocar o lado oposto da tira, determinando um novo ponto sobre o qual a tira deve
ser dobrada a 90°. O processo pode ser repetido indefinidamente.

Figura 3 - Confecção da Espiral de Teodoro por dobradura. Fonte: A autora.

A dobradura da Fita por si já leva à pergunta:

1
Disponível em: http://www.happyfolding.com/gallery-pythagorean_spiral. Acesso em: 09 mai., 2017.

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Anais do XII SNHM -2017
Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

Para uma tira de 1cm de largura, por exemplo, qual deve ser seu comprimento a fim de se obter uma Espiral como a
de Teodoro de Cirene?

 
A resposta é 2  1  2  3  4  5  6  7  ...  17 . Ou seja, construímos um segmento de reta
com medida igual a um número irracional e que é a soma de números racionais e irracionais.
Com essa experiência com a Espiral de Teodoro, quis mostrar como o trabalho por meio da história da
matemática pode integrar de modo dinâmico perguntas de naturezas tão distintas, no caso, a irracionalidade da raiz de
um número natural e técnicas de Origami.

2.2. Construir a partir da história

Muitos exemplos poderiam ser citados sobre o uso da História da Matemática na introdução de um novo
conceito. Ilustro aqui com um conjunto simples de atividades sobre a ideia de logaritmo, elaboradas a partir de uma
tabela de logaritmos atribuída a Henry Briggs (1561-1631) (Figura 4). O objetivo delas foi colocar o aluno na posição
de um decifrador, tentando extrair informações dos dados registrados.

Figura 4 - Trecho de página da obra Logarithmorum Chilias Prima (1617)2 de Henry Briggs.

Inicialmente, por meio da observação, e pelo título da tabela, pode-se supor que o logaritmo de 1 é 0 e o
logaritmo de 10 é 1. Com alguns cálculos é possível ainda fazer outras inferências, por exemplo, que o logaritmo de
4 é o dobro (aproximado) do logaritmo de 2 e que o logaritmo de 50 é a soma dos logaritmos de 5 e de 10.
De fato, dada a definição de logaritmo de a na base b ( log b a ), como

log b a  x  a  b x , para a  0, b  0 e b  1 ,

2
Disponível em:
http://www.cbi.umn.edu/hostedpublications/Tomash/Images%20web%20site/Image%20files/B%20Images/pages/Briggs.first%20chilliad%20of
%20logarithms.1626.table%20page.htm. Acesso em: 25 mai., 2017.

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Anais do XII SNHM -2017
Experiências com história da matemática na educação básica

uma nova consulta à tabela permite concluir que a base dos logaritmos em questão é 10, pois 10 0  1 . Do que se
constata que a tabela é uma tábua de logaritmos de base 10. Mais ainda, com o auxílio de uma calculadora, pode-se
verificar que uma das subdivisões das colunas separa a parte inteira da parte fracionária dos logaritmos, já que
2  100,30102999566398 , 3  100, 47712125471966e, assim, sucessivamente. Briggs publicou na obra citada os logaritmos
de base 10 de 1 a 1000 com 14 casas decimais!
Por fim, pode-se dizer que o logaritmo de 1 na base 10 é 0, o logaritmo de 10 na base 10 é 1, o logaritmo de
4 na base 10 é o dobro (aproximado) do logaritmo de 2 na base 10 e o logaritmo de 50 na base 10 é a soma dos
logaritmos de 5 e de 10 na base 10, o que se escreve como log10 1  0 , log10 10  1 , log10 4  2 log10 2 e

log10 50  log10 5  log10 10 .


Com esse pequeno extrato do trabalho de Briggs é possível explorar também as propriedades de logaritmos,
como tentei sinalizar com alguns exemplos acima. Com o auxílio da tabela, os alunos podem testar e encontrar
subsídios para uma justificativa mais formal, por exemplo, das propriedades relativas ao produto de dois números e à
mudança de base.
Na minha experiência com o material, busquei explorar com os alunos o significado da tabela, a descoberta
da base adotada por Briggs, a obtenção do logaritmo de números fracionários ou múltiplos dos fornecidos pela tabela,
a obtenção do logaritmo de números da tabela porém em outra base, a identificação de limitações da tabela (por
exemplo, não determina o logaritmo de números cuja fatoração dependa de algum número primo não contemplado na
tabela), chegando até a representação dos dados por meio de um gráfico no plano cartesiano para a construção da ideia
de função logarítmica. Os alunos foram receptivos ao material, mostrando mais segurança no uso da definição de
logaritmo na sua relação com a função exponencial e interagindo por meio de perguntas.

2.3. Contar sua história


Em 2015, professores e alunos guarani de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental iniciaram uma pesquisa sobre
o Guatá, a caminhada desse povo em busca da “Terra que nunca acaba”, como uma das atividades da Ação Saberes
Indígenas na Escola, do Ministério da Educação e Cultura (MEC) 3, na qual atuo como formadora. Parte da pesquisa,
abordando o cultivo da terra, foi registrada num vídeo de cerca de 30 minutos, intitulado de Ma’etỹ regwa4, que é
acompanhado de um caderno de atividades, ambos em via de publicação. O Quadro 2 é um extrato do material e
descreve a organização de uma roça de milho.

3
Instituída pela Portaria Nº 1.061, de 30 de outubro de 2013 do MEC.
4
EDUCADORES INDÍGENAS DOS POVOS TUPINIQUIM E GUARANI (Ed.). Ma’etỹ Regwa. MEC, UFES. (mimeo).

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Anais do XII SNHM -2017
Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

Como fazer sua própria roça de milho

Como fazer sua própria roça de milho

5. Passada uma lua, quando as mudas já


tiverem brotado e estiverem
1. Prepare a terra durante o Ara ymã
crescidinhas, é preciso fazer uma
2. Faça a coivara para assegurar que a
limpeza da roça.
terra estará limpa antes de plantar
6. Quando já for quase tempo de
3. Espere o tempo de Djatxy pytũ para
colheita é preciso limpar a roça
plantar
novamente.
4. Use uma vara pontiaguda de madeira
7. Lembre-se que toda colheita é feita
para cavar a terra a fim de plantar as
sempre antes da chuva.
sementes. Nesse caso costumam-se
8. Uma vez que já se tiver colhido todos
colocar 3 ou 4 sementes em cada
os novos milhos de sua roça, é tempo
cova.
de levá-los até a casa de reza para o
Nhemongarai.
Quadro 2 – Atividade proposta no caderno Ma’etỹ regwa.
Foto: Maynon Cunha da Silva.

Em Lorenzoni (2016), são apontadas experiências de medida do tempo pelos Guarani que são retomados aqui
para ilustrar as contribuições da matemática escolar na construção de uma história contada pelos próprios Guarani.
Segundo o calendário guarani, o ano é dividido em “tempo novo” (ara pyau, em guarani), que corresponde
às estações de primavera e verão do calendário cristão, e “tempo velho” (ara ymã) que corresponde às estações de
outono e inverno. O tempo novo se inicia quando “tudo na natureza começa a se renovar, como os plantios, o
florescimento das árvores, os animais das matas acasalam, os passarinhos botam seus ovinhos, e o sol aparece mais
cedo” e, no tempo velho, “a mãe natureza descansa, adormece” (RODRIGUES, 2016, p.554). Assim, o cultivo da
terra mantém estreita relação com a observação da natureza e a medida do tempo. Os Guarani realizam essa medida
ao longo do dia ou do ano, em função do movimento do Sol ou do movimento da Lua. No texto do Quadro 2, unidades
de tempo como o Ara ymã, “uma lua” e Djatxy pytũ (Lua escura) se misturam a outros elementos, por exemplo, rituais,
como o batismo das crianças, celebrado no nhemongarai.
Essas e outras informações a cerca da medida do tempo, quando exploradas em atividades pedagógicas
(realização e registro de pesquisas sobre formas de medir o tempo, confecção de calendário, preparo coletivo de roça
na escola, etc.), destacam os saberes tradicionais como fonte de conhecimento e de pesquisa, contando e fortalecendo
a história local.
Essa capacidade que a matemática escolar tem de contar e construir uma história da comunidade não se
restringe ao universo guarani. Os saberes tradicionais de um grupo respondem a seus desejos e necessidades e, de
maneira própria, são produzidos, aplicados, organizados, formalizados e transmitidos, conforme a compreensão que
se tem do seu meio. De uma forma geral, a Educação Matemática pode reforçar esse processo.

3 Considerações finais

Experiências com História da Matemática na Educação Básica podem estimular, já nesse período escolar,

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Anais do XII SNHM -2017
Experiências com história da matemática na educação básica

uma relação investigativa com a Matemática para além de uma lista de conteúdos. O trabalho com a História da
Matemática proporciona o desenvolvimento de pesquisas (orientadas ou não por um professor) e situações de
aprendizagem para estudantes e professor em diferentes ambientes, dentro e fora da escola. Tais aspectos podem ser
identificados com um “fazer matemática”, uma vez que promovem professor e estudantes como sujeitos atuantes no
processo de construção de conhecimento. Essa pode ser uma das grandes contribuições da História da Matemática na
educação escolar: conhecer diferentes ângulos da Matemática e, consequentemente, da Ciência, e construir outros
olhares sobre elas.

Bibliografia
ARCAVI, Abraham. ISODA, Masami. Learning to listen: from historical sources to classroom practice.
Educational Studies in Mathematics. n. 66. p. 111-129. 2007.
CARAÇA, Bento de Jesus. Conceitos Fundamentais da Matemática. Lisboa: Tipografia Matemática, 1951.
CARVALHO, João Bosco Pitombeira de. A raiz quadrada ao longo dos séculos. In: BIENAL DA SBM, 5., 2010,
João Pessoa. João Pessoa: UFPB, 2010. v. 1. p. 1-44.
EDUCADORES INDÍGENAS DOS POVOS TUPINIQUIM E GUARANI (Ed.). Ma’etỹ Regwa. MEC, UFES.
(mimeo).
EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Campinas: Editora da Unicamp, 1997.
LORENZONI, Claudia A. C. de Araujo. Educação Matemática e o cultivo da terra pelos Guarani no Espírito Santo
– Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 12., 2016, São Paulo. Anais... São
Paulo: SBEM, 2016.
LORENZONI, Claudia Araujo. et al. Números racionais e irracionais construtíveis na Espiral de Teodoro. In:
SEMANA DA MATEMÁTICA DO IFES, 5., 2016, Vitória. Caderno de resumos... Vitória: Ifes-Vitória, 2016. p.
81-82.
RODRIGUES, Nilza Maria. Nhaderé kó há: Calendário do tempo. In: ENCONTRO DE DIÁLOGOS
LITERÁRIOS, 2., 2013, Campo Mourão. Anais... Campo Mourão: UNESPAR, 2013. p. 554-562. Acesso em: 22
mar. 2016.

Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni


Coordenadoria de Matemática – Ifes – campus
Vitória - Brasil

E-mail: claudia.araujo@ifes.edu.br

79
Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS:


UM ESTUDO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Eliane Siviero da Silva


Colégio Integrado de Campo Mourão – Brasil

Lucieli Maria Trivizoli


Universidade Estadual de Maringá – UEM - Brasil

Resumo

O trabalho trata-se de um relato de experiência da aplicação de uma atividade sobre sistemas de numeração
desenvolvida para constituição da dissertação de mestrado que se encontra em processo de conclusão. A pesquisa de
mestrado teve como problemática: Que contribuições a História da Matemática pode trazer ao processo de ensino e
aprendizagem do sistema de numeração decimal nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental? Para responder à questão
proposta buscamos investigar as potencialidades da História da Matemática para os Anos Iniciais do Ensino
Fundamental a partir de uma proposta de ensino de sistemas de numeração fundamentada nos aspectos da História da
Matemática. Para isso, foi elaborada uma atividade envolvendo propriedades dos sistemas de numeração maia, chinês
e o indo-arábico que foi implementada com alunos do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada
no município de Moreira Sales – Paraná. Os alunos trabalharam com as características de cada um dos sistemas por
meio de materiais manipuláveis: para o sistema maia foram utilizados gravetos, pedras e conchinhas, para o sistema
chinês foram utilizados palitos de sorvetes e botões e para o sistema indo-arábico foi utilizado o material dourado. Por
meio dessa aplicação buscamos identificar quais potencialidades pedagógicas da História da Matemática apresentadas
por Miguel e Miorim (2011) no livro “História na Educação Matemática: propostas e desafios”, se evidenciaram na
realização da atividade, para isso, foram criadas três categorias de análises relacionadas ao potencial do material
aplicado em sala de aula para o professor, para o aluno e para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática.
Neste trabalho indicamos a análise das potencialidades identificadas com relação ao potencial do material para o
professor, que foi constituída a partir da junção das seguintes potencialidades: a história como fonte de seleção e
constituição de sequências adequadas de tópicos de ensino; fonte de seleção de métodos adequados de ensino para
diferentes tópicos da Matemática escolar; fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino-aprendizagem da
Matemática escolar; fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem epistemológica para se enfrentar
certas dificuldades que se manifestam entre os estudantes no processo de ensino-aprendizagem da Matemática escolar;
fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de passagem a serem levados em consideração nos
processos de investigação em Educação Matemática e no processo de ensino-aprendizagem da Matemática escolar.

Palavras-chave: Matemática, História, Anos Iniciais, Sistema de Numeração Decimal.

TEACHING OF NUMBERING SYSTEMS BASED ON HISTORICAL INFORMATION: A STUDY IN THE


INITIAL YEARS OF FUNDAMENTAL EDUCATION

Abstract

80
Anais do XII SNHM -2017
Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

The paper is an experience report of the application of an activity on numbering systems developed for the composition
of the master's thesis that is in the process of completion. The master's research had as problematic: What contributions
to the History of Mathematics can bring to the process of teaching and learning the system of decimal numbering in
the Early Years of Elementary School? To answer the proposed question we seek to investigate the potentialities of
the History of Mathematics for the Initial Years of Elementary Education from a proposal of teaching of numbering
systems based on aspects of the History of Mathematics. For this, an activity involving the properties of the Maya,
Chinese and Indo-Arabic numeration systems was elaborated, which was implemented with students of the 4th year
of elementary school in a public school located in the municipality of Moreira Sales - Paraná. The students worked
with the characteristics of each of the systems by means of manipulable materials: for the Mayan system were used
twigs, stones and shells, for the Chinese system ice cream sticks and buttons were used and for the arabic system was
used the Golden material. Through this application we seek to identify which pedagogical potentialities of the History
of Mathematics presented by Miguel and Miorim (2011) in the book "History in Mathematical Education: proposals
and challenges", were evidenced in the accomplishment of the activity, for that, three categories of analysis were
created Related to the potential of the material applied in the classroom for the teacher, for the student and for the
teaching and learning process of Mathematics. In this work we indicate the analysis of the potentialities identified in
relation to the potential of the material for the teacher, which was constituted from the junction of the following
potentialities: history as source of selection and constitution of appropriate sequences of teaching topics; Source of
selection of appropriate teaching methods for different topics in school mathematics; Source of selection of suitable
objectives for the teaching-learning of school mathematics; Source of identification of epistemological obstacles of
epistemological origin to face certain difficulties that are manifested among students in the teaching-learning process
of school mathematics; Source of identification of cognitive operative mechanisms of passage to be taken into account
in the processes of investigation in Mathematical Education and in the teaching-learning process of school
mathematics.

Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

Introdução

O presente trabalho trata-se de um relato de experiência da aplicação de uma atividade sobre sistemas de
numeração realizada para a constituição da dissertação de mestrado que se encontra em processo de conclusão no
âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática, da Universidade Estadual de
Maringá.
Decidimos abordar a temática sobre o sistema de numeração decimal por ser um conteúdo de grande
importância nos Anos Iniciais e por se tratar de um tema que os alunos do nível especificado ainda apresentam
dificuldades de compreensão (BRASIL, 1997).
Essas dificuldades estão relacionadas às características que compõem o sistema indo-arábico e que são
essenciais para que as crianças realizem a leitura e escritas dos números, a saber: o agrupamento de 10, a troca entre
ordens, a dupla função do zero (indicar a ausência de unidade de uma determinada ordem, unidade, dezena, centena,
etc., e “guardar a posição” de uma ordem vazia, por exemplo, na escrita do número 103) e o valor posicional
(MORETTI; SOUZA 2015).
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) o recurso à história da numeração pode
contribuir para um trabalho interessante com o sistema de numeração. Dessa forma, pensando numa atividade voltada
para o trabalho com as características do sistema de numeração decimal optamos por incorporar à nossa proposta de
ensino os sistemas de numeração maia, chinês e indo-arábico.
A escolha desses sistemas de numeração se deu por conta de suas características: os três sistemas são
posicionais; apenas o sistema chinês não possui uma representação para o zero, o que nos permitiu mostrar a
importância do zero no nosso sistema; o sistema chinês e o indo-arábico empregam a base dez e o sistema maia a base

81
Anais do XII SNHM -2017
ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

vinte, o que nos possibilitou mostrar aos alunos que existem outras bases utilizadas por outros sistemas e também
possibilitou aos alunos trabalharem com outras formas de agrupamentos sem ser de dez em dez.
A atividade foi implementada com uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública
localizada no município de Moreira Sales-Paraná.
Por meio dessa aplicação buscamos identificar quais potencialidades pedagógicas da História da Matemática
apresentadas por Miguel e Miorim (2011) no livro “História na Educação Matemática: propostas e desafios”, se
evidenciaram na realização da atividade, para isso, foram criadas três categorias de análises relacionadas ao potencial
do material aplicado em sala de aula para o professor, para o aluno e para o processo de ensino e aprendizagem da
Matemática.

História na Educação Matemática

Atualmente diversos estudiosos vêm se dedicando a construir argumentos e a propor ações sobre a utilização
da História da Matemática no ensino de Matemática, dentre eles Mendes (2009), Miguel (1997), Miguel e Miorim
(2011); (2002), Miguel et al (2009).
Segundo Miguel e Miorim (2011) as preocupações em torno das questões históricas relativas ao ensino e a
aprendizagem da Matemática, ganharam força na década de 80, no plano internacional, por meio da criação do
International Study Goup on the Relations between the History and Pegagogy of Mathematics (HPM), grupo filiado
à Comissão Internacional de Ensino de Matemática (ICMI). No Brasil foi em 1999 que o movimento em torno da
História da Matemática se intensificou visivelmente, especialmente a partir da criação da Sociedade Brasileira de
História da Matemática (SBHMat) no III Seminário Nacional de História da Matemática, ocorrido na cidade de Vitória
(ES).
Segundo esses autores o movimento em torno da História da Matemática já é tão amplo e diversificado que
podemos distinguir diferentes campos de pesquisas autônomos que constituem a própria História da Matemática, em
suas palavras

“[...] o movimento em torno da História da Matemática já é tão amplo e diversificado que


poderíamos acusar a constituição, em seu interior, de vários campos de pesquisa autônomos, que,
no entanto, mantêm, em comum, a preocupação de natureza histórica incidindo em uma das
múltiplas relações que poderiam ser estabelecidas entre a História, a Matemática, a Educação.
Dentre tais campos de investigação, três deles se destacam: o da História da Matemática
propriamente dito, o da História da Educação Matemática e o da História na Educação
Matemática” (MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 11).

Nosso trabalho se insere neste último campo, o da História na Educação Matemática, que inclui todos os
estudos que tomam como objeto de investigação “os problemas relativos às inserções efetivas da história na formação
inicial ou continuada de professores de Matemática; na formação matemática de estudantes de quaisquer níveis”
(MIGUEL; MIORIM, 2011, p. 11) no nosso caso nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, além desses também são
considerados os estudos “em livros de Matemática destinados ao ensino em qualquer nível e época; em programas ou
propostas curriculares oficiais de ensino da Matemática; na investigação em Educação Matemática, etc” (idem, p. 11).
Miguel e Miorim (2011) realizaram uma análise acerca da participação do discurso histórico em produções
brasileiras destinadas à Matemática escolar e de diferentes pontos de vista de autores que põem em destaque e/ ou
operacionalizam formas de participação da história no âmbito da educação matemática, e identificaram os seguintes
argumentos utilizados para justificar a participação da História da Matemática no processo de ensino e aprendizagem
da Matemática:

 fonte de seleção e constituição de sequências adequadas de tópicos de ensino;


 fonte de seleção de métodos adequados de ensino para diferentes tópicos da Matemática
escolar;

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Anais do XII SNHM -2017
Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

 fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino aprendizagem da Matemática


escolar;
 fonte de seleção de tópicos, problemas ou episódios considerados motivadores da
aprendizagem da Matemática escolar;
 fonte de busca de compreensão e de significados para o ensino-aprendizagem da
Matemática escolar na atualidade;
 fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem epistemológica para se
enfrentar certas dificuldades que se manifestam entre os estudantes no processo de ensino-
aprendizagem da Matemática escolar;
 fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de passagem a serem levados
em consideração nos processos de investigação em Educação Matemática e no processo de ensino-
aprendizagem da Matemática escolar;
 fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido de uma tomada de consciência da
unidade da Matemática;
 fonte para a compreensão da natureza e das características distintivas e específicas do
pensamento matemático em relação a outros tipos de conhecimento;
 fonte que possibilita a desmistificação da Matemática e a desalienação do seu ensino;
 fonte que possibilita a construção de atitudes academicamente valorizadas;
 fonte que possibilita uma conscientização epistemológica;
 fonte que possibilita um trabalho pedagógico no sentido da conquista da autonomia
intelectual;
 fonte que possibilita o desenvolvimento de um pensamento crítico, de uma qualificação
como cidadão e de uma tomada de consciência e de avaliação de diferentes usos sociais da
Matemática;
 fonte que possibilita uma apreciação da beleza da Matemática e da estética inerente a seus
métodos de produção e validação do conhecimento;
 fonte que possibilita a promoção da inclusão social, via resgate da identidade cultural de
grupos sociais discriminados no (ou excluídos do) contexto escolar (MIGUEL; MIORIM, 2011, p.
61-62).

Em nossa pesquisa buscamos investigar quais destes argumentos reforçadores do uso pedagógico da História
da Matemática se evidenciaram na aplicação da atividade.

Aspectos metodológicos da pesquisa

A pesquisa teve uma abordagem qualitativa, que segundo D’Ambrosio (2013) “[...] tem como foco entender
e interpretar dados e discursos” (p. 12).
Como instrumentos de coleta de dados utilizamos a observação participante, o diário de campo, as gravações
em áudio, os registros escritos dos alunos e uma entrevista semiestruturada realizada com a professora da turma.
Para realizar as análises construímos três categorias relacionadas às potencialidades de Miguel e Miorim
(2011). Essa construção das categorias se deu por conta de que algumas das potencialidades possuem características
semelhantes quanto aos seus argumentos, sendo que uma complementa a outra, dessa forma em uma mesma situação
poderiam aparecer mais de uma potencialidade. Assim, com o intuito de facilitar nossas análises optamos por construir
categorias de análises mais gerais. Para construir essas categorias agrupamos as potencialidades de acordo com suas
referências: uma com as potencialidades que se referem ao professor, outra com as potencialidades que se referem ao
aluno e outra com as potencialidades que se referem ao processo de ensino e aprendizagem da Matemática, sendo que
os critérios utilizados para esses agrupamentos foram nosso entendimento sobre essas potencialidades.

83
Anais do XII SNHM -2017
ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

Aplicação da atividade

Elaboramos uma atividade envolvendo os sistemas de numeração maia, chinês e indo-arábico. Decidimos
por utilizar alguns materiais manipuláveis para representar cada um dos sistemas.
O sistema maia era representado por pontos que valiam uma unidade, traços que valiam cinco unidades e
uma concha que representava o zero.

Figura 1: Sistema de numeração maia.

Fonte: EVES, 2011, p. 37.

Para nossa atividade utilizamos pedras para representar as unidades, os gravetos para representar cinco
unidades e conchinhas para representar o zero.

Figura 25: Materiais utilizados para a representação do sistema maia.

Já o sistema chinês era representado por traços verticais e horizontais.

Figura 3: Números Chineses.

Fonte: IFRAH, 1989, p. 244-245.

Para nossa atividade utilizamos palitinhos de sorvetes cortados ao meio e optamos por utilizar uma
representação para o zero que nesse caso foi por meio de botões.

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Anais do XII SNHM -2017
Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

Figura 4: Materiais utilizados para representar o sistema chinês.

E para representar o sistema indo-arábico utilizamos o material dourado.

Figura 5: Material Dourado

Também confeccionamos um suporte de isopor no qual pudéssemos trabalhar com os sistemas por meio de
materiais manipuláveis. De um lado do suporte fizemos uma divisão para a numeração maia e do outro uma divisão
para o sistema chinês e o indo-arábico.
Para o sistema maia decidimos trabalhar com três ordens, as das unidades simples, as das vintenas e a terceira
ordem optamos por trabalhar com as quatro centenas ao contrário da terceira ordem utilizada no sistema maia
correspondente a 360.

Figura 6: Base de isopor confeccionada para trabalhar com os sistemas.

O trabalho foi desenvolvido com uma turma do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública
localizada no município de Moreira Sales – Paraná, no período matutino, contando com a participação de 14 alunos
com a faixa etária de 9 a 10 anos.
A realização da atividade ocorreu no período normal de aula com um total de quatro horas-aula, sendo
trabalhadas duas horas-aula por dia em dois dias de aplicação.
O encaminhamento em sala de aula se deu da seguinte forma: primeiramente dividimos os alunos em duplas.
Começamos a falar sobre uma das primeiras formas de contagem que era a correspondência um a um feita, por
exemplo, pelo pastor de ovelhas que representava cada ovelha por uma pedra. Para cada um dos sistemas apresentamos
seu nome e suas características no quadro para depois distribuirmos os materiais. Cada dupla além de receber os
materiais para representar os sistemas também recebeu uma folha contendo algumas explicações e outra folha para

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Anais do XII SNHM -2017
ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

fazerem anotações. Foi passado um envelope contendo alguns valores, cada dupla deveria retirar um valor por vez e
representá-lo na base de isopor, além de representar eles também tiveram que conferir os valores representados pelos
colegas. Depois de retirarem dois valores eles realizaram a soma e representaram novamente. Ao trabalhar cada um
dos sistemas era questionado aos alunos o que eles acharam daquele sistema, se era difícil ou fácil de compreender e
relembrávamos as suas características e as comparávamos com o nosso sistema decimal. Ao fim da aplicação os alunos
foram questionados sobre quem eles achavam que produzia e praticava a Matemática, em quais lugares eles utilizam
a Matemática e se esse conhecimento sempre foi da forma como conhecemos hoje.

Algumas potencialidades identificadas

A partir da aplicação da atividade procuramos identificar as potencialidades da História da Matemática


elencadas por Miguel e Miorim (2011) que se evidenciaram na aplicação da atividade. Para isso, na dissertação
construímos três categorias de análise: uma relacionada ao professor, outra relacionada ao aluno e outra relacionada
ao processo de ensino e aprendizagem. A construção dessas categorias se deu por meio de agrupamentos das
potencialidades que consideramos ser relacionadas a cada um dos objetos mencionados. Neste trabalho, apresentamos
as potencialidades relacionadas ao professor.

Potencialidades relacionadas ao professor.

Nessa categoria incluem-se as potencialidades de História da Matemática que auxiliam o professor em sala
de aula tanto na preparação da aula quanto na identificação das dificuldades que os alunos apresentam, são elas: fonte
de seleção e constituição de sequências adequadas de tópicos de ensino; fonte de seleção de métodos adequados de
ensino para diferentes tópicos da Matemática escolar; fonte de seleção de objetivos adequados para o ensino-
aprendizagem da Matemática escolar; fonte de identificação de obstáculos epistemológicos de origem epistemológica
para se enfrentar certas dificuldades que se manifestam entre os estudantes no processo de ensino-aprendizagem da
Matemática escolar; fonte de identificação de mecanismos operatórios cognitivos de passagem a serem levados em
consideração nos processos de investigação em Educação Matemática e no processo de ensino-aprendizagem da
Matemática escolar.
Os defensores da história como fonte de seleção de métodos adequados de ensino para diferentes tópicos da
Matemática escolar acreditam que podemos buscar apoio na História da Matemática para escolhermos métodos
pedagogicamente adequados e interessantes para a abordagem de tópicos matemáticos (MIGUEL; MIORIM, 2011).
Em nossa aplicação consideramos que a atividade elaborada utilizando aspectos históricos dos sistemas de
numeração se constitui de uma sequência adequada para se trabalhar com as características dos sistemas de numeração,
uma vez que os alunos tiveram a oportunidade de conhecer outros sistemas além do SND e trabalhar com suas
características por meio dos materiais manipuláveis (base de isopor, pedras, gravetos, conchas, botões, palitos de
sorvete e material dourado) que proporcionou aos alunos realizar e visualizar os agrupamentos e as trocas entre esses
objetos.
A utilização de aspectos históricos na pesquisa Pedroso (2008) também se mostrou como um método
adequado para abordagem em sala de aula. Em sua pesquisa foram trabalhados com os alunos alguns métodos
históricos de multiplicação.
Na pesquisa de Leite (2014) é orientado que seja realizado um trabalho com os agrupamentos em outras bases
numéricas e análise de outros sistemas numéricos diferentes do nosso.
Dessa forma, acreditamos que a atividade realizada é uma possibilidade adequada de trabalho a ser realizado
pelo professor em sala de aula.
Também por meio da atividade foi possível identificar algumas dificuldades apresentadas pelos alunos, como
na hora de realizar os agrupamentos e as trocas entre ordens.
No caso do sistema maia como os gravetos podiam ser utilizados até três vezes, na hora de realizar a troca
entre ordens os alunos não estavam realizando o agrupamento de forma correta, ao invés de agrupar quatro gravetos
que estaria equivalendo a 20 unidades e substituir por uma vintena os alunos estavam deixando a quantidade máxima

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Anais do XII SNHM -2017
Eliane Siviero da Silva & Lucieli M. Trivizoli

de gravetos que era três e representando o restante por uma vintena. No exemplo abaixo a dupla havia cometido esse
equívoco.
Pesquisadora: Vamos juntar todas as pedrinhas e todos os gravetos. As pedrinhas podem ser utilizadas até
quantas vezes?
Dupla 1: Quatro.
Pesquisadora: Quantas pedrinhas temos aqui?
Dupla 1: Uma.
Pesquisadora: Preciso fazer alguma troca?
Dupla 1: Não.
Pesquisadora: E os gravetos até quantas vezes podemos utilizar?
Dupla 1: Três.
Pesquisadora: Até três vezes né!
Pesquisadora: Então vamos somar os gravetos. Nós temos um, dois, três, quatro, cinco gravetos. Então como
passou de quatro gravetos nós vamos retirar quantos?
Dupla 1: Dois.
Pesquisadora: Mas se eu retirar dois gravetos não tem outra forma de representá-los a não ser por dois
gravetos mesmo. Não é porque eles podem ser utilizados até três vezes que eu tenho que deixar sempre três e retirar
todos os outros. Se eu retirar dois gravetos e representar com uma pedra na casa seguinte eu vou estar retirando dez
e representando por vinte. O que temos que fazer é um agrupamento e representá-lo de outra forma, mas sem alterar
o seu valor, a sua quantidade.
A própria professora da turma relatou durante a realização da entrevista algumas das dificuldades
apresentadas pelos alunos, como é possível observar em sua fala:
Professora: Eu não sei se não foi bem trabalhado no primeiro ano ou se já vem com a dificuldade porque
não tem ajuda em casa mesmo, mas essa turma tem muita dificuldade ainda, em Matemática inclusive. O maior
problema é com a interpretação, é interpretar uma situação problema, eles também têm dificuldades na adição,
mesmo na adição simples na subtração, na hora de emprestar meu Deus.
Portanto, a partir da atividade foi possível identificar a dificuldade dos alunos em realizarem os agrupamentos
e as troca entre ordens.

Bibliografia
BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática. Brasília: MEC; SEB,
1997.
D’Ambrosio. Ubiratan. Prefácio. In: BORBA, Marcelo de Carvalho; ARAÚJO, Jussara de Loiola (Orgs.). Pesquisa
Qualitativa em Educação Matemática. 5. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
IFRAH, Georges. Os números: a história de uma grande invenção. 3. ed. São Paulo: Globo, 1989.
LEITE, Claudécio Gonçalvez. A Construção Histórica dos Sistemas de Numeração como recurso didático para o
Ensino Fundamental I. 2014. 52 f. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em Matemática em Rede
Nacional, Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, 2014.
MENDES, Iran Abreu. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes cognitivas na aprendizagem. São
Paulo: Editora Livraria da Física, 2009.
MIGUEL, Antonio. As potencialidades pedagógicas da história da matemática em questão: argumentos reforçadores
e questionadores. Zetetiké – Cempem – Fe/Unicamp, v. 5, n. 8, p.73-105, 1997.
MIGUEL, Antonio; MIORIM, Maria Ângela. História da Matemática: uma prática social de investigação em
construção. Educação em Revista, Belo Horizonte, n. 36, dez. 2002.
MIGUEL, Antonio et al. História da Matemática em atividades didáticas. 2. ed. São Paulo: Editora Livraria da Física,
2009.
MIGUEL, Antônio; MIORIM, Maria Ângela. História na Educação Matemática: propostas e desafios. 2 ed. Belo

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Anais do XII SNHM -2017
ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS...

Horizonte: Autêntica Editora, 2011.


MORETTI, Vanessa Dias.; SOUZA, Neusa Maria Marques. Educação matemática nos anos iniciais do Ensino
Fundamental Princípios e práticas pedagógicas. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2015.
PEDROSO, André Pereira. Os algoritmos no contexto da História: uma experiência na formação de professores
pedagogos. 2008. 174 f. Dissertação (Mestrado)-Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

Eliane Siviero da Silva


Colégio Integrado – Campo Mourão - Brasil
E-mail: elianesivierosilva@gmail.com
Lucieli M. Trivizoli
Universidade Estadual de Maringá – UEM – Maringá –
Brasil
E-mail: lmtrivizoli@uem.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA

Viviane de Oliveira Santos


Universidade Federal de Alagoas – UFAL – Brasil

Resumo

Durante o 7º Colóquio Brasileiro de Matemática, realizado em julho de 1969, em Poços de Caldas, Minas Gerais, foi
fundada a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) como uma entidade civil, de caráter cultural e sem fins
lucrativos, voltada principalmente a estimular o desenvolvimento da pesquisa e do ensino da Matemática no Brasil.
Os periódicos da SBM tiveram grande impacto para a literatura de matemática brasileira. Vamos ressaltar aqui o
periódico “Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática”, o qual funcionou muito bem com informações
relevantes durante as primeiras atividades da SBM. O mesmo divulgava notícias que pudessem interessar à
comunidade matemática e foi uma continuação de um noticiário que o Instituto de Matemática Pura e Aplicada
(IMPA) publicava, chamado “Noticiário Brasileiro de Matemática”. O Noticiário Brasileiro de Matemática existiu
entre 1959 e 1968, publicado pelo IMPA, depois a direção do IMPA concluiu que uma publicação deste tipo deveria
continuar e consultou a SBM para saber se a mesma poderia assumir esta publicação. A diretoria da SBM aceitou o
encargo, em junho de 1972 foi autorizado a indicação de um responsável pela publicação do Noticiário da SBM, em
setembro de 1975 foi constituída a Comissão Editorial do Noticiário da SBM e a primeira publicação do Noticiário da
Sociedade Brasileira de Matemática foi de julho de 1976. Inicialmente, no Noticiário da SBM apresentavam as seções
“Debate”, “Congressos e Reuniões”, informações sobre o prêmio Moinho Santista em Matemática, Reunião Regional,
Colóquio Brasileiro de Matemática, Mestrados nas Universidades Brasileiras, Aviso, Notas Pessoais, Professores
visitantes nas Universidades Brasileiras, Cursos de Verão etc. Depois foram incluídos artigos, seção de resenhas, seção
de problemas e assim por diante. Este texto apresenta informações parciais da tese de doutorado da autora, intitulada
Uma história da Sociedade Brasileira de Matemática durante o período de 1969 a 1989: criação e desenvolvimento,
realizada sob a orientação do Professor Sergio Roberto Nobre, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus
Rio Claro/SP.

Palavras-chave: Noticiário, Periódicos, Sociedade Brasileira de Matemática.

THE NEWSCAST OF BRAZILIAN SOCIETY OF MATHEMATICS

Abstract

During the 7th Brazilian Colloquium on Mathematics, held in July 1969 in Poços de Caldas, Minas Gerais, the
Brazilian Society of Mathematics (SBM) was founded as a civil, non-profit cultural entity, aimed mainly at stimulating
the development of research and of mathematics teaching in Brazil. The periodicals of SBM had a great impact on
Brazilian mathematical literature. We will highlight here the newscast of Brazilian Society of Mathematics, which
worked very well with relevant information during SBM's first activities. The same one published news that could
interest to the mathematical community and was a continuation of a newscast that the Institute of Pure and Applied
Mathematics (IMPA) published, called newscast Brazilian of Mathematics. The newscast Brazilian of Mathematics
existed between 1959 and 1968, published by IMPA, and then IMPA's management concluded that a publication of

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Anais do XII SNHM -2017
Viviane de Oliveira Santos

this type should continue and consulted the SBM to see if it could take over this publication. The directorship of SBM
accepted the responsibility, in June 1972 it was authorized the appointment of a person responsible for the publication
of the newscast, in September 1975 the Editorial Committee of the newscast was formed and the first publication of
the newscast of SBM was in July 1976. Initially, the newscast presented the sections “Debate”, “Congresses and
Meetings”, information about the Moinho Santista in Mathematics, Regional Meeting, Brazilian Colloquium on
Mathematics, Masters in Brazilian Universities, Personal notes, Visiting Professors in Brazilian Universities, Courses
of Summer etc. Then included articles, reviews section, problems section, and so on. This text presents partial
information of the author’s doctoral thesis entitled “A history of the Brazilian Society of Mathematics during the
period from 1969 to 1989: creation and development”, carried out under the guidance of Professor Sergio Roberto
Nobre, at the State University of São Paulo (UNESP), Campus Rio Claro / SP.

Keywords: Newscast, Periodicals, Brazilian Society of Mathematics.

O Noticiário

A primeira publicação do Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática é de julho de 1976. Este periódico iniciou
com a finalidade de “estabelecer um maior contato com seus associados e de divulgar notícias que possam interessar
aos membros da comunidade matemática brasileira” (NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE
MATEMÁTICA, Julho de 1976, p. 1).
Na Apresentação do Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática (Julho de 1976, pp. 1-2), o professor
Lindolpho de Carvalho Dias, editor do antigo Noticiário Brasileiro de Matemática, escreveu informações sobre o
Noticiário Brasileiro de Matemática, publicação esta iniciada em 1959 e finalizada em 1968 pelo Instituto de
Matemática Pura e Aplicada, “cuja característica básica era de ser um periódico informativo capaz de levar às
instituições brasileiras de Matemática dados sobre os trabalhos de pesquisa e ensino que estavam desenvolvendo”.
Além desse caráter informativo, pretendia-se também que “pudesse servir de orientação aos professores localizados
em centros menores”, contendo também “resenhas de livros, artigos de caráter geral, etc.” Inicialmente foi organizado
pelos professores Chaim Samuel Hönig, Elon Lages Lima e Paulo Ribenboim. A Direção do IMPA concluiu que uma
publicação deste tipo deveria continuar e consultou a Sociedade Brasileira de Matemática para saber se a mesma
poderia assumir esta publicação.

A diretoria da SBM aceitou o encargo, decidindo imediatamente reiniciar a publicação do


periódico, agora com o título de Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática. Assim é que,
com este número, se inicia a publicação do Noticiário da SBM, revivendo ao mesmo tempo o antigo
Noticiário, que tão bons serviços prestou, no sentido de ampliar a comunicação entre os membros
da comunidade matemática brasileira.
(NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA, Julho de 1976, p. 2)

Apesar do primeiro do Noticiário ter sido publicado em 1976, em junho de 1972 já foi autorizado ao
Presidente da SBM, pelo seu Conselho Diretor, a indicação de um responsável pela publicação do Noticiário da
Sociedade Brasileira de Matemática. Mas somente em setembro de 1975 foram sugeridos e aprovados os nomes de
Flávio Wagner Rodrigues, Lindolpho de Carvalho Dias e Geraldo Severo de Souza Ávila para constituir a Comissão
Editorial do Noticiário da SBM.
No primeiro número do Noticiário da SBM, apresentavam as seções “DEBATE” e “CONGRESSOS E
REUNIÕES”. Já no segundo número, foram incluídas também informações sobre o Prêmio Moinho Santista em
Matemática, Reunião Regional, Colóquio Brasileiro de Matemática, Mestrados nas Universidades Brasileiras (relação
parcial), Aviso, Notas Pessoais, Professores visitantes nas Universidades Brasileiras e Cursos de Verão. Os dois
primeiros números foram enviados a todos os sócios, independente do pagamento da anuidade

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Anais do XII SNHM -2017
Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática

Figura 1: Noticiários – Ano de 1976

Fonte: Autora, 2015

Em julho de 1977, o Presidente da SBM, professor Djairo Guedes de Figueiredo, mencionou em reunião do
Conselho Diretor que no Noticiário poderia conter listas de publicações e artigos sobre o ensino em vários níveis.
Neste mesmo mês, decidiu-se que a publicação do Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática ficaria a cargo
da Diretoria, e nele seriam incluídos resumos das atas das reuniões do Conselho Diretor.

A própria Diretoria da SBM vai agir como Comitê Editorial do Noticiário, e é para ela que os
senhores sócios devem encaminhar suas sugestões sobre assuntos que poderiam ser apresentados
nesta publicação. Na preparação do presente número contamos com informações que solicitamos -
e agradecemos a presteza com que fomos atendidos - de várias Instituições de Ensino Superior.
Gostaríamos de salientar que o Noticiário está aberto a notícias provenientes de outras Instituições
além das apresentadas no presente número. Esperamos portanto receber a colaboração de todos os
interessados em aumentar o grau de informação do Noticiário.
(NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA, Outubro de 1977,
Apresentação).

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Anais do XII SNHM -2017
Viviane de Oliveira Santos

Figura 2: Noticiário – Ano de 1977

Fonte: Autora, 2015

Em novembro de 1977, o Conselho Diretor achou interessante a ideia da inclusão de um Seção que contivesse
artigos escritos por alguns professores. Os nomes sugeridos durante a reunião e que seriam oportunamente
consultados, foram: J. C. Portinari, A. Gonçalves e O. Gandulfo. Com relação aos artigos do Noticiário, estes deverão
ser artigos de divulgação.
Figura 3: Noticiário – Maio de 1978

Fonte: Autora, 2015

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Anais do XII SNHM -2017
Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática

No mês de setembro de 1979, em reunião do Conselho Diretor ficou decidido que a parte da redação e
recolhimento de informações referentes ao Noticiário ficariam a cargo do Secretário-Geral, professor Paul Schweitzer.
Quanto as modificações a serem introduzidas nesse manual de informações, o professor Elon Lages Lima opinou que
deveria conter crítica a livros. Essa crítica deveria ser feita dirigindo-se cartas a diversos professores solicitando-se
críticas e sugestões sobre livros publicados. Decidiu-se também que tal matéria poderia vir a ser incluída, porém, no
próximo ano. Foi solicitado um artigo ao professor Sotomayor. O Noticiário deveria também conter um relatório
completo sobre as Olimpíadas.

Figura 4: Noticiário – Outubro de 1979

Fonte: Autora, 2015

Em agosto de 1981, decidiu-se que o Noticiário teria uma Seção de Resenhas de livros, cuja coordenação
ficaria a cargo do professor Chaim Samuel Hönig. Seriam feitos esforços no sentido de organizar uma Seção de
Problemas no Noticiário, na qual seriam publicados também as melhores soluções recebidas para os problemas
propostos. Em seguida foi aprovado o nome do Antonio Conde para coordenar a publicação do Noticiário até julho
de 1983.

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Anais do XII SNHM -2017
Viviane de Oliveira Santos

Figura 5: Noticiário – Outubro de 1981

Fonte: Autora, 2015

Em janeiro de 1986, em reunião, levantou-se a questão de aprovar despesas administrativas. Houve cortes no
Noticiário, Reuniões de Diretoria e despesas de Secretaria. Entretanto, quando foi para Departamento conclui-se destes
cortes o Noticiário foi o mais prejudicado, dada a penetração desta publicação, e então foi novamente levado o Projeto
à FINEP sob a ressalva que embora negado deveria ser mais uma vez analisado.
Tivemos publicações dos Noticiários em abril e outubro de 1986, sendo o último número publicado referente
ao ano de 1987. Neste Noticiário de 1987 contém informações sobre as atividades de pós-graduação em Matemática
no Brasil referente ao período de outubro de 1986 a setembro de 1987.

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Anais do XII SNHM -2017
Noticiário da Sociedade Brasileira de Matemática

Figura 6: Noticiário – Ano de 1987

Fonte: Autora, 2015

O prof. César Leopoldo Camacho Manco 1 afirma que

[...] a partir de um certo momento notamos que o Noticiário dava uma trabalheira infernal e era
um público muito limitado, então ele morreu de morte natural, foi sendo ressuscitado várias vezes
ao longo dos anos, agora com as vias eletrônicas ele fica mais sustentável, ele fica mais natural,
mas naquela época o Noticiário ia pelos Correios, então você tinha que pagar o Correio, então não
era fácil sustentar isso e tinha que editar, era como fazer um paper, então era mais complicado.
(Informação verbal).

Considerações Finais

O Noticiário foi extremamente importante no sentido de disponibilizar informações sobre o que estava acontecendo
em relação à Matemática, ainda mais em uma época em que não havia meios mais rápidos para se ter conhecimento
sobre eventos, oportunidades, bolsas, doutorados, mestrados etc. Vale ressaltar que nos dias atuais temos o Noticiário
Eletrônico da Sociedade Brasileira de Matemática, o qual é enviado por e-mail aos membros da SBM.

1
Em entrevista concedida a nós em 2012.

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Anais do XII SNHM -2017
Viviane de Oliveira Santos

Bibliografia

ATAS DO CONSELHO DIRETOR DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA. 1969 – 1989.


MANCO, C. L. C. 2012. Entrevista realizada por Viviane de Oliveira Santos no IMPA em 21 de agosto de 2012.
Duração aproximada de 44 minutos.
NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA. 1976-1987.
SANTOS, V. de O. 2016. Uma história da Sociedade Brasileira de Matemática durante o período de 1969 a 1989:
criação e desenvolvimento. Tese de doutorado. UNESP – Rio Claro.

Viviane de Oliveira Santos


Instituto de Matemática – IM – Campus A. C.
Simões – Maceió – AL – Brasil

E-mail: viviane.santos@im.ufal.br

96
Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA


MATEMÁTICA DO BRASIL: PRIMEIRAS PERCEPÇÕES

Bruna Lima Ramos


Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – Brasil

Resumo

Esse trabalho é uma primeira interlocução entre o projeto de pesquisa de doutorado e algumas análises iniciais com a
fonte a ser estudada: os cadernos escolares. Considerando que sejam documentos raros, a partir de uma busca nacional,
o GHEMAT tem digitalizado e inserido cadernos escolares antigos de alunos ou professores, em uma base de dados
que vem sendo muito utilizada: o Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática, que já possui
cerca de 240 cadernos datados entre 1915 e 1992. O problema de pesquisa proposto, a princípio, é: Como os
professores se relacionam com a matemática a ensinar nos primeiros anos escolares? Para responder a essa questão,
analisaremos cadernos escolares de alunos do ensino primário e de professores que atuaram nesses anos iniciais, entre
1920 e 1970, relacionando os conteúdos ali abordados com o que estava sendo proposto em cursos de formação. A
referência bibliográfica gira em torno das noções da História Cultural. Neste trabalho em questão, tem-se uma análise
inicial de três cadernos escolares de alunos do ensino primário de décadas distintas: um de 1937, outro de 1953 e mais
um de 1964. Os três cadernos pertenciam a alunos dos primeiros anos iniciais escolares, porém permeiam entre a saída
do método intuitivo, o movimento da Escola Nova e a entrada do Movimento da Matemática Moderna. Olhando para
esses cadernos, pretende-se identificar diferenças e/ou semelhanças na estruturação (ou ensino) dos conteúdos que
envolvam os saberes matemáticos. Ao final, é possível perceber que os saberes matemáticos nos três cadernos estão
apresentados em forma de rudimentos, ou seja, visam um ensino prático-utilitário.

Palavras-chave: Cadernos escolares, Saberes elementares matemáticos, Ensino primário.

SCHOOL NOTEBOOKS AS SOURCES OF STUDY FOR THE HISTORY OF MATHEMATICS OF BRAZIL: FIRST
PERCEPTIONS

Abstract

This work is a first interlocution between the project of doctoral research and some initial analyzes with the source to
be studied: the school notebooks. Considering that they are rare documents, from a national search, the GHEMAT has
digitized and inserted old school notebooks of students or teachers, in a database that has being very used: the Digital
Content Repository of the History of Mathematics Education, that Already has about 240 notebooks dating from 1915
to 1992. The proposed research problem at first is: How do teachers relate to mathematics to teach in the early school?
To answer this question, we will analyze school notebooks of primary school students and teachers who worked in
those initial years, between 1920 and 1970, relating the content addressed there with what was being proposed in
training courses. The bibliographical reference revolves around the notions of Cultural History. In this paper, we
present an initial analysis of three school notebooks of primary school students from different decades: one from 1937,
one from 1953 and one from 1964. The three notebooks belonged to students from the primary school, Permeate
between the exit of the Intuitive Method, the movement of the New School and the entrance of the Movement of
Modern Mathematics. Looking at these notebooks, it is intended to identify differences and / or similarities in the
structuring (or teaching) of contents involving mathematical knowledge. In the end, it is possible to perceive that the
mathematical knowledge in the three notebooks is presented in the form of rudiments, that is, they aim at a practical-
utilitarian teaching.

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Bruna Lima Ramos

Keywords: School notebook, Mathematical Elementary Knowledge, Elementary school.

Introdução

O presente trabalho incorpora um projeto inicial de doutorado que pertence às pesquisas do Grupo de História
de Educação Matemática do Brasil (GHEMAT), cujas análises têm foco nos saberes elementares matemáticos em
fontes históricas. O projeto de doutorado em questão visa privilegiar cadernos escolares datados entre as décadas de
1920 e 1970, pois acredita-se que esses cadernos sejam documentos férteis, porém raros, para o estudo dos saberes
matemáticos presentes no ensino primário ao longo do século XX. Para isso contamos com uma base de dados muito
utilizada por pesquisadores da história da educação matemática, que possui a capacidade de armazenamento e de
consulta de documentos/materiais relevantes para quem pesquisa nessa área: o Repositório de Conteúdo Digital da
História da Educação Matemáticai . A busca por cadernos escolares é constante e feita através de trabalho coletivo,
por isso em poucos meses já foram inseridos aproximadamente cerca de duzentos e quarenta ii cadernos nessa base de
dados, entre os anos de 1915 e 1992.
Em busca das primeiras análises para o projeto formulamos a seguinte questão: Como os professores se
relacionam com a matemática a ensinar nos primeiros anos escolares? Pois, os cadernos escolares poderão permitir
reflexões sobre o meio escolar e a relação com o saber matemático do professor. Para isso, além da análise em cadernos
de alunos, será necessário considerar cadernos de professores em formação, os manuais utilizados e também
programas de ensino propostos ao período.
Como afirmou Viñao (2008, p.16), os cadernos escolares podem proporcionar “pistas” de quais manuais eram
utilizados na sala de aula, tanto pelo professor como pelo aluno. Dessa forma, esse trabalho apresenta uma análise
inicial com três cadernos escolares de alunos do ensino primário, de época diferentes, visando observar os saberes
matemáticos.

Cadernos: produto da cultura escolar

Os cadernos começam a fazer parte do universo das escolas no século XX, substituindo a ardósia, ou lousa,
que foi usada por muitos anos (BARRA, 2013). Segundo Fernandes (2008), a ardósia tinha a vantagem de ser
econômica e possuir duração infinita, porém logo se apagava e perdia o que havia escrito, enquanto que os cadernos
podiam preservar registros feitos na escola e em casa.
Segundo Viñao (2008), não se deve dizer que os cadernos escolares nos últimos anos vêm sendo apenas uma
fonte especial para estudos da história da educação. Vai além, pois, os historiadores acreditam ter encontrado
“vantagens indubitáveis frente ao livro de texto (...) para conhecer e estudar essa “caixa preta” da história da
educação – que eram, e seguem em boa parte sendo, a realidade e as práticas escolares, a vida cotidiana nas salas
de aula e nas instituições educativas” (idem, p.16). Ou seja, os cadernos, então, não são somente um produto do que
é realizado em sala de aula e da cultura escolar, são uma importante fonte que podem fornecer informações da realidade
da escola e do que acontece ou se faz nela (VIÑAO, 2008, p.16).
Há algum tempo os cadernos escolares têm sido objeto de estudo de pesquisadores e historiadores exatamente
por serem ricos nessas informações. A partir de cruzamento de fontes (cadernos de alunos e/ou professores, livros e
manuais didáticos, programas de ensino, entre outros) tornar-se-á possível abrir caminhos para a compreensão da
cultura escolar da época pretendida. Essa pesquisa tem um aporte teórico baseado na História Cultural, ou seja, ao
longo do doutorado será necessário articular conceitos como cultura escolar, apropriação, história das disciplinas
escolares, finalidades, estratégias, táticas etc – alguns desses conceitos serão tratados no item a seguir.
Muitos autores já possuem pesquisas que articulem com os cadernos escolares, tem-se por exemplo, o livro
organizado por Ana Chrystina Venancio Mignot, “Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita”, publicado em
2008, que reúne uma série de pesquisas, históricas ou não, que falam sobre os cadernos escolares ou que os utilizam
na análise. Nesse livro que se insere o texto de Viñao (2008), o qual ainda nos faz lembrar que os cadernos não refletem

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CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO BRASIL...

toda a atividade escolar de forma fiel.


“Nem tudo está nos cadernos. Eles silenciam, não dizem nada sobre as intervenções orais ou
gestuais do professor e dos alunos, sobre seu peso e o modo como ocorrem e se manifestam, sobre
o ambiente ou clima da sala de aula, sobre as atividades que não deixam pistas escritas ou de outro
tipo, como os exercícios de leitura (a leitura em voz alta, por exemplo) e todo o mundo oral”.
(VIÑAO, 2008, p.25)
Esse autor ainda nos chama a atenção para recordar que normalmente os cadernos guardados são aqueles que
foram passados a limpo, ou seja, que possuem uma perfeita organização, sem nos mostrar o caminho que foi trilhado
pelo aluno até chegar ao acerto (idem, p.26). Por isso é cabível afirmar que após os cadernos adentrarem nas escolas,
há uma mudança no conceito da cultura escolar, já que muda a dinâmica da sala de aula e da posição do professor e
do próprio aluno. Mas os cadernos são fontes, e não a exatidão dos fatos.

Referencial teórico para discussão

Como já foi mencionado no item acima, os cadernos podem ser considerados produto de uma nova cultura
escolar. Baseando-se nos conceitos da História Cultural, a noção de cultura escolar é importante e relevante para se
compreender o contexto escolar instituído em cada período, no século XX. Definida como “normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas”, sejam elas religiosas, sociopolíticas ou de
socialização, conforme Julia (2001, p.10, grifos meus), a cultura escolar nos ajudará a permear e compreender os
saberes matemáticos em cada movimento pedagógico, pois ela vai se modificando ao longo dessas décadas.
Como afirma Valente (2016a, p.278), “a pesquisa histórica dos saberes matemáticos nos primeiros aos
escolares precisa considerar, a cada tempo, como estão postas as finalidades da escola”, e segundo Chervel (1990) o
estudo das finalidades do ensino escolar depende da história das disciplinas. Acreditamos que a história das disciplinas
escolares se faz relevante para ser aprofundada, pois Chervel (1990) define que a pedagogia não é apenas um
“lubrificante” sobre os ensinos e que os métodos pedagógicos influenciam diretamente na forma de ensinar. Como
afirmou Valente (2016b), esses métodos e movimentos pedagógicos interferem nos próprios saberes elementares
(matemáticos ou não), ou seja, nos conteúdos de ensino que se alteram conforme o tempo. A nós cabe compreender a
possibilidade desses métodos impactar nos conteúdos escolares, sobretudo naqueles que envolvem os saberes
elementares matemáticos.
Para analisar os cadernos escolares ainda é preciso compreender algumas noções já definidas por Chartier
(2002). Segundo esse autor, as representações são construídas pelo mundo social e sempre são determinadas pelos
interesses dos grupos que as produzem. Não podemos considerar as percepções do social como discursos neutros, pois
estas produzem estratégias e táticas, sejam elas sociais, escolares ou políticas (CHARTIER, 2002, p.17, grifos meus).
Essas percepções são criadas com base no mais forte sobre o mais fraco, como por exemplo as leis que deveriam ser
adotadas e colocadas em prática versus o ensino nas escolas que sempre está em mudança e adaptação.
Definidas pelo historiador Michel de Certeau (2014, p.93), a estratégia seria a “manipulação das relações de
força” e a tática uma “ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio”, ou seja, “a arte do fraco” (DE
CERTEAU, 2014, p.94-95). Tem-se também as apropriações, que segundo Chartier (2002, p.26), “tem por objetivo
uma história social das interpretações, remetida para as suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas
específicas que as produzem”. Ou seja, pretende-se mobilizar esses conceitos com as práticas pedagógicas utilizadas
ao longo do século XX e articular com o que poderá ser visto nos cadernos escolares.
Há algum tempo o GHEMAT vem se aproximando de alguns conceitos trabalhados por um grupo de pesquisa
suíço – ERHISEiii. Hofstetter e Schneuwly (2009)iv tratam de uma teoria que se refere aos saberes envolvidos na
formação de professores, como os saberes a ensinar e os saberes para ensinar, que serão conceitos também utilizados
nesse estudo.
Em artigo recente, Valente (2016b, p.7) se preocupa em tratar de um tema que norteia suas investigações:
“Que matemática para a formação do professor que ensina matemática?”. Note que aqui não estamos nos referindo
ao professor de matemática em si, e sim de um professor multifuncional, que atua em diversas matérias, pois trata-se
do professor que atua no ensino primário, hoje conhecido como ensino fundamental I.

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Bruna Lima Ramos

Motivado a articular essa teoria com os saberes matemáticos, Valente (2016b, p.11) definiu a matemática a
ensinar e a matemática para ensinar como saberes objetivados da formação do professor que ensina matemática.
Segundo Valente (2016b) a matemática a ensinar tem por referência a própria matemática como campo disciplinar e
é vista com um objeto de ensino; a matemática para ensinar foi constituída em articulação com o campo disciplinar
matemático, mas deve muito às ciências da educação e é considerada uma ferramenta para o ensino.
“A matemática, a matemática a ensinar, neste caso pode ser tratada como um saber de cultura geral.
Todas as profissões dela têm necessidade e, de modo o mais variado, incluem a “sua” matemática
a ensinar nos processos de formação profissional. No entanto, especificamente para o ofício do
ensino, cabe a capacitação do futuro professor dada pela matemática para ensinar, atributo da
profissão docente. Esse saber, distintivo do ensinar, vem sendo construído e institucionalizado, ao
longo do tempo, a partir da criação de escolas normais. A matemática para ensinar, bem como
demais saberes para ensinar, foram sendo elaborados a partir dessas escolas que, ao início, pouco
ou quase nada se distinguiam dos cursos secundários. Assim, a princípio, a formação de professores
e a formação do professor que ensina matemática ficou dada tão somente pela matemática do curso
secundário, sem qualquer preocupação com o ofício docente, com a tarefa de ensinar”.
(VALENTE, 2016b, p.11, grifos no original)
Esse autor ainda afirma que a especialidade do professor dos primeiros anos escolares, ou seja, do professor
primário, refere-se diretamente aos saberes para ensinar. No caso desse professor que ensina matemática, sua
expertisev se dá pela “posse de um saber para ensinar cálculo e as demais matérias para as crianças” (2016b, p.13).
Tendo isso em vista, será a partir desses conceitos e noções que pretendemos basear nossas análises e buscar
nos cadernos rubricas referentes aos saberes matemáticos, tanto nesse trabalho, quanto no projeto de doutoramento.
Caberá, ainda, estudar como a transformação da cultura escolar, entre 1920 a 1970, esteve sedimentada nas práticas
pedagógicas dos professores primários, bem como compreender as mudanças no ensino dos saberes matemáticos nesse
período, a partir da análise dos cadernos escolares.

Análise inicial com os cadernos escolares

Para esse trabalho, escolhemos analisar três cadernos de alunos dos anos iniciais do ensino primário, entre o
período proposto pelo projeto, 1920 a 1970, que envolvessem aritmética e problemas, sendo cada um de uma década
diferente, conforme quadro a seguir.

Quadro 1 – Cadernos em análise inicial


AUTOR ANO NÍVEL Caderno de Localidade
José Antunes Vieira 1937 3º ano do primário Problemas Sorocaba, SP
Geraldo Fernandes 1953 Primário Aritmética São Paulo
Moraes
Gisela Hornburg 1964 3º ano do primário Matemática Rio da Luz, SC
Fonte: elaborado pela autora

Esses três cadernos estão disponíveis no Repositório de Conteúdo Digital de História em Educação
Matemática. Ao observar para o quadro 1, podemos notar que cada caderno está inserido em um contexto pedagógico
diferente. Pois, em 1937 está no auge o movimento escolanovista, porém há resquícios do método intuitivo nas práticas
pedagógicas. Em 1953, a Escola Nova já não tem tanta força e é um período de transformações. Em 1960 surge o
Movimento da Matemática Moderna, e com isso o caderno de 1964 provavelmente seria baseado nos programas deste
período pedagógico.
No caderno de aritmética de Geraldo Moraes encontram-se muitos exercícios de divisão e de tabuada. Quanto à
tabuada, observemos a figura a seguir:

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Figura 1 – Tabuadas no caderno do aluno

Fonte: MORAES (1953)

No lado esquerdo da figura acima, podemos ver que aluno repete incansavelmente a tabuada do 9, como se
tivesse o objetivo de decorar os resultados. Ao lado direito da figura, temos as tabuadas do 8 e do 9, repetidas duas
vezes cada. Porém, notamos que ela não é feita em ordem crescente, o que pode representar que o aluno já saiba os
resultados mentalmente.
Neste caderno de aluno paulista, além de atividade de matemática, havia também atividades de português,
com histórias que possuíam alguma lição de moral no final. Também algumas atividades para passar palavras para
aumentativo, diminutivo, feminino, plural etc. Porém encontra-se apenas as respostas, o que pode representar que a
professora falava as palavras em classe e depois corrigia os cadernos. Não foi possível saber qual ano do ensino
primário o caderno do aluno pertencia.
Os outros dois cadernos são de épocas diferentes (1937 e 1964), porém ambos são alunos do 3º ano do ensino
primário. O caderno de problemas do aluno José Antunes de Vieira, de 1937, possuía folhas datadas e assinadas em
cada aula. Pode-se perceber que o aluno tinha aula relacionada a problemas matemáticos uma vez na semana, sendo
feito em torno de três problemas por aula.
Os problemas matemáticos do caderno de Vieira (1937) eram no formato de perguntas e respostas e
envolviam as quatro operações básicas, tabuada, transformações etc.

Figura 2 – Problema a ser resolvido

Fonte: VIEIRA (1937)

O problema acima diz: Um cento de ovos custa 8$500, quanto uma doceira deveria pagar por 6 dúzias e 9?
O aluno monta a conta: 8500÷100×81 e depois arma a conta de multiplicação 85×81=6885. Porém, não há em nenhum
local como o aluno descobriu que seis dúzias mais nove era 81, também não tem a divisão de 8500 por 100.
Esse é um exemplo do que ocorre repetidamente no caderno de Vieira (1937), em várias resoluções dos
problemas este aluno monta a conta que o problema sugere, e alguns cálculos são desprezados. Algumas das possíveis
respostas para isso é que o aluno deveria possuir um caderno de rascunho para fazer essas contas, ou que os cálculos
eram feitos junto com a professora ou em classe.
Já no caderno de matemática de Gisela Hornburg (1964), notamos que os conteúdos abordados são: números
primos de 0 a 100, problemas aritméticos que envolvem as quatro operações básicas, problemas com frações, escrever

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Bruna Lima Ramos

algarismos de dois em dois. Quando usado frações ou números com vírgula, também se faz contas de divisão ou
multiplicação, ainda não se trabalha com as propriedades de frações, como no exemplo a seguir.

Figura 3 – Problemas com fração

Fonte: HORNBURG (1964)

Notamos que a aluna multiplica 78,50 por 8 e em seguida multiplica o resultado obtido aos 2,90 para descobrir
quanto custa essa quantidade de seda. Porém, observe que é o mesmo que fazer uma regra de três simples: “⅛ está
para 7,85, assim como 1 está para x”. O resultado disso é: ⅛ × x = 78,50, logo, x = 78,50 ÷ ⅛, que é o mesmo que
78,50 vezes oito, resultando em 628, que equivale ao valor de um metro de seda. Ao que nos parece, a aluna não
chegou a essa compreensão. Isso se repete em vários outros problemas. A montagem da conta fica subentendida ou a
aluna vai direto na multiplicação com o denominador da fração.
Para nós, seria relevante para a criança compreender como achar o valor de um metro de seda, para depois
calcular qualquer quantidade, neste caso, 290 metros de seda. Ainda não foi possível encontrar algum programa após
1950 de Santa Catarina que se referisse ao ensino primário, em tempos do Movimento da Matemática Moderna, para
comparar o que devia ser dado aos alunos.

Considerações finais

Em Valente (2016b, p.8), o autor possui como um dos objetivos “destacar a importância do uso de cadernos
com aulas de matemática como documentos para as pesquisas que intentam relacionar os saberes de formação de
professores que ensinam matemática e a docência em matemática nos primeiros anos escolares”. As análises, como
se disse, são iniciais e ainda precisam ser melhor exploradas.
Neste trabalho optou por apresentar o projeto inicial do doutorado e trazer breves considerações de três
cadernos de décadas diferentes, 1937, 1953 e 1964. Ainda não foi possível articular os cadernos de alunos com as
propostas dos programas do ensino primário de cada época. Sabe-se que há três movimentos que permeiam nesses
cadernos: método intuitivo, movimento da Escola Nova e o Movimento da Matemática Moderna.
Quais as diferenças e semelhanças nesses três cadernos de décadas diferentes? Foi possível ver semelhanças
na forma de resolver alguns problemas matemáticos entre os cadernos de 1937 e 1964. Fica claro, nestes três cadernos,
a importância do cálculo mental rápido e o “decorar”. Decorar tanto a tabuada como alguns processos para resolver
exercícios. Percebe-se muitos problemas que tratam da vida prática, que envolvem vendas, dinheiro, metro de tecido
etc, ou seja, contextos e problemas que utilizam as quatros operações básicas.
O ensino não tem interesse na sua continuidade, é um ensino prático-utilitarista (VALENTE, 2016a). Então
podemos afirmar que nos exemplos dados acima, a princípio, os saberes matemáticos apresentados estão na forma de
rudimentos, conforme Valente (2016a). Para próximos estudos pretende-se apresentar análises mais aprofundadas,
confrontando os cadernos com outras fontes, principalmente cadernos de professor e programas de ensino.

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CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO BRASIL...

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Bruna Lima Ramos


Doutoranda no programa de Educação e
Saúde na Infância e Adolescência –
UNIFESP – campus de Guarulhos – Brasil

E-mail: bruna.lima@unifesp.br
_________________________________________
1
Criado no ano de 2012, junto com o projeto nacional financiado pelo CNPq “A constituição dos saberes elementares
matemáticos: a Aritmética, a Geometria e o Desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-
1970”, coordenado pelo Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente, este Repositório está alocado no sítio do Repositório da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e está sob a coordenação do Prof. Dr. David Antonio da Costa,
docente da UFSC. O Repositório de Conteúdo Digital da História da Educação Matemática possui objetivo de
solidificar a perspectiva de pesquisas de trabalho coletivo, em nível nacional, através de inserções contínuas dos
pesquisadores do GHEMAT, porém possui acesso livre para qualquer pesquisador que se interesse por essa área de
conhecimento. Nele podemos encontrar documentos como: programas de ensino, leis e decretos voltados para
educação primária; impressos pedagógicos para professores, revistas com orientações didáticas para o ensino, livros
e manuais didáticos matemáticos, fotografias, relatórios de instrução pública, cadernos de alunos, anais de alguns
eventos, teses, dissertações, além de alguns artigos de referências históricas (RAMOS, FRIZZARINI, TRINDADE,

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Anais do XII SNHM -2017
Bruna Lima Ramos

2016). Pode ser acessado em: <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769>.


2
Dados referente à consulta feita em junho de 2017.
3
A ERHISE – Equipe de Pesquisa em História das Ciências da Educação – é um grupo de pesquisa vinculado à
Universidade de Genebra, Suíça, o qual é coordenado pela profa. Rita Hofstetter. Outras informações em
<https://www.unige.ch/fapse/recherche/groupes/ssed/culture-organisation/erhise/>.
4
Esse texto possui uma tradução para o português no prelo feita por Viviane Barros Maciel e Wagner Rodrigues
Valente.
5
Termo usado pelo autor, mas que se referencia ao capítulo escrito por Rita Hofstetter, Bernard Schneuwly, Matilde
de Freymond e François Bos do livro intitulado “La Fabrique des savoirs – figures et pratiques d’experts” publicado
em 2013 por Éditions Médicine et Hygiène – Georg, Suíça. O texto original – “Pénétrer dans la vérité de l’école pour
la juger pièces en main” – L’irrésistible institutionnalisation de l’expertise dans le champ pédagogique (XIXe. – XX
siècles) – possui uma tradução para o português no prelo feita por Marcos Denilson Guimarães e Wagner Rodrigues
Valente.

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES


SOBRE A SUA CONSTITUIÇÃO

Dulcyene Maria Ribeiro


Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste - Brasil
Jean Sebastian Toillier
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Brasil

Resumo

Esse texto tem por objetivo apresentar o início da trajetória da composição e alguns dos processos que têm sido
realizados com os livros didáticos antigos de Matemática existentes no Laboratório de Ensino de Matemática (LEM),
do curso de Matemática do campus de Cascavel. O acervo de livros antigos do LEM é constituído por obras que já
existiam nesse local, como por outras recebidas de doações da biblioteca do campus de Cascavel, de professores da
Universidade e de colégios da cidade. Nesse texto são mencionados o processo de higienização dos livros, algumas
formas utilizadas para o reparo dos exemplares que apresentam problemas nas capas ou miolo, bem como o modo
como foram catalogados e classificados, de acordo com os níveis e séries de ensino, com os conteúdos abordados,
com as diferentes épocas e denominações do ensino brasileiro, entre outros aspectos julgados importantes para essa
classificação. O acervo é formado por 474 obras que, em sua grande maioria, tratam de Matemática, além de livros
didáticos de outras disciplinas e outros livros relacionados ou não com temáticas de educação. Dessa forma, buscamos
ressaltar o papel do livro para compreender aspectos relativos à História da Educação e História da Educação
Matemática, tomando-o como uma forma simbólica (OLIVEIRA, 2008), carregado de significações e que pode nos
ajudar entender alguns movimentos relacionados à educação na região Oeste paranaense, uma vez que a maioria das
obras são oriundas dessa região. Por fim são apresentadas algumas perspectivas para os trabalhos futuros com os
materiais do acervo, bem como algumas análises prévias, por exemplo, o fato de várias obras do acervo serem
publicadas entre 1970 e 1990, o que nos mostra como a educação foi tardia na região se comparada com outros lugares
do país, uma vez que a criação de Cascavel é na década de 1950 e a grande maioria das obras é oriunda de escolas da
cidade e da Biblioteca da Unioeste do campus de Cascavel.

Palavras-chave: História do livro didático; Levantamento e classificação de livros; História da Educação


Matemática.

THE TRAJECTORY OF A HERITAGE OF ANTIQUE BOOKS: SOME CONSIDERATIONS ABOUT ITS


COMPOSITION

Abstract

This paper aims to study the beginning of the trajectory of the book heritage of the Laboratory of Mathematics
Teaching – Laboratório de Ensino de Matemática (LEM) – Course of Mathematics at the campus of the city of
Cascavel, state of Paraná, Brazil, by presenting the composition of its heritage and some of the procedures developed
at the laboratory for the maintenance of antique didactic books about Mathematics. LEM’s heritage is mainly formed
by donations from the library of the campus of Cascavel, or donations given by professors from the University and
teachers from schools of the city. This study explains the procedures for cleaning the books and repairing damaged

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copies; also, the procedures for cataloging and classifying them, according to their teaching levels and target grades,
their contents, and the different stages and denominations of Brazilian teaching nomenclature, as well as other aspects
considered relevant. This book heritage is composed by 474 titles. Most of them are related to Mathematics, but there
are also didactic books about other subjects and copies related or not to educational topics. Thus, we aim to highlight
books as a symbol for understanding aspects related to the History of Education and the History of Mathematic
Education (OLIVEIRA, 2008) and their role as tools that help us learn some movements related to education in the
west region of the state of Paraná, once most copies come from the region. Finally, we present some perspectives
about papers to be developed by using data about this heritage and some prior analyses. For example, several of its
titles were published from 1970 to 1990, showing the educational development of the region – led by the foundation
of the city of Cascavel in the 1950s – was tardy if compared to other Brazilian regions, once most of the titles of the
heritage come from schools of the city and from Unioeste’s Library of Campus Cascavel.
Keywords: History of didactic book; Investigation and classification of books, History of Mathematic Education.

Introdução

Ao longo dos anos de 2015 e 2016 desenvolvemos a ideia da criação de um acervo de livros antigos junto ao
Laboratório do Ensino de Matemática (LEM) do curso de Matemática da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Unioeste), campus de Cascavel.
O LEM possui uma grande quantidade de livros que estão relacionados a várias áreas do conhecimento e que
são constantemente utilizados pelos acadêmicos do curso de Matemática. Essas obras abrangem desde livros de
literatura relacionados à Matemática, livros de temas diversos de Educação Matemática e de Matemática e livros
didáticos os quais percorrem os diferentes níveis de ensino (ensino fundamental, ensino médio e ensino superior) e de
diferentes disciplinas, porém em sua grande maioria livros didáticos de Matemática.
De todas essas obras um grupo em especial nos chamava atenção: eram algumas pequenas caixas que
continham um papel colado junto a elas que dizia “livros antigos”. Esses livros, a maioria didáticos, eram produções
anteriores à década de 1990 e que, naquele momento, nos motivaram a pensar em futuras pesquisas e que poderíamos
tecer considerações acerca da História da Educação Matemática brasileira.

A criação do acervo de livros antigos do Laboratório de Ensino de Matemática (LEM)

Começamos a dar os primeiros passos para a criação do acervo de livros didáticos do LEM em 2015 com o
início de um projeto de iniciação científica no qual tínhamos como intenção catalogar as obras que possuímos no LEM
e conhecer o acervo da Biblioteca da Unioeste do campus de Cascavel. Porém o projeto ganhou proporções maiores
e a busca foi expandida para a região de Cascavel, estendendo-se para as regiões Oeste e Sudoeste do Paraná1, além
de e-mails nas listas de docentes da Unioeste e uma chamada na página da instituição.
Como resultado, foi recebido um total de 367 livros, vindos do Colégio Estadual Wilson Joffre e do Colégio
Estadual Padre Pedro Canísio Henz, ambos de Cascavel, da Biblioteca Central da Unioeste, campus Cascavel e, de
doações de professores do curso de Matemática da Unioeste. Esses livros e os 76 livros antigos pré-existentes no
LEM compõem o acervo atual. Além desse momento inicial, outras doações foram feitas a partir de pesquisas em
sebos e em bibliotecas pessoais, totalizando 474 obras até o momento.
Os livros recebidos precisavam passar por um processo de higienização, para isso, fomos instruídos pelo
pessoal do departamento de Restauração na biblioteca da Unioeste sobre como manusear os livros corretamente, como
higienizá-los e os materiais necessários para tal.

1
Essa disseminação se deu por meio dos Núcleos Regionais de Educação de Cascavel, Assis Chateubriand, Foz do Iguaçu e Toledo os
quais foram contatados via e-mail e pedido para divulgar o projeto a todas as escolas da região.

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Concluída a fase de limpeza dos livros, as obras com mais de um exemplar foram destinadas à doação para
o uso dos alunos do curso de Matemática e as que se estavam em estado mais delicado foram separados para reparação.
Após a etapa de higienização, iniciamos o processo de reparação dos livros que apresentavam algum dano,
que, possivelmente, foram causados por estocagem ou manuseio inadequado. Além disso, a ação do tempo, também,
fragiliza a estrutura do livro e pode levar à necessidade de recuperação 2.
O objetivo de reparar um livro é prolongar a sua vida útil. Nesse contexto, busca-se conservar as condições
de uso do exemplar, assim pode-se dizer que o processo de reparação é um

“(...) conjunto de medidas destinadas à correção de danos causados às obras. Na Biblioteca


Nacional, a conservação é entendida como um conjunto de procedimentos que tem por objetivo
melhorar o estado físico do suporte, aumentar sua permanência e prolongar-lhe a vida útil,
possibilitando, desta forma, o seu acesso por parte das futuras gerações” (ANTUNES, 2010, p. 16).

Ainda sobre o significado de reparar um livro, segundo Milevsky (2001, p. 45) reparar é uma maneira de
remediar dano feito a um item, normalmente acrescentando novo material para substituir o material estragado ou
deteriorado.
Assim, conclui-se que o processo de reparação visa manter o máximo possível da originalidade do livro,
permitindo a substituição de algumas de suas partes, como a lombada e as folhas de guardas, por novos materiais,
preservando a obra e possibilitando seu manuseio. Esse processo é recomendado para livros que serão manuseados
com alguma frequência.
Já o processo de restauração é muito mais complexo, pois necessita de um especialista em restauração de
papel e exige tempo superior ao procedimento anterior e, além disso, é mais custoso. Esse procedimento é
recomendado para obras raras com valor histórico insubstituível. As obras que passam por processos de restauração
devem ser armazenadas em locais específicos e o manuseio deve ser controlado. Nesse sentido, Antunes (2010, p.16)
afirma que restauração é o conjunto de intervenções, em obras que sofreram danos, para recuperar seu estado original,
o máximo possível.
O trabalho envolvendo reparação de livros exige inicialmente a seleção dos exemplares a serem consertados,
sendo possível a partir de então organizar as obras de acordo com os processos que serão realizados posteriormente,
visto que, há livros apenas com as capas danificadas e outros exemplares com a capa e o corpo com algum dano.
Após a classificação dos livros a serem reparados, por ordem de complexidade do trabalho a ser efetuado, foi
iniciado o processo de reparação. Para esse processo são utilizados diferentes tipos de ferramentas, como estilete,
bisturi e pincéis, bem como diferentes tipos de materiais, como variados tipos de cola e de papeis.
No processo de reparação, primeiramente são desmontados os livros, utilizando estilete e bisturi, para separar
a capa e contracapa do corpo do livro. Assim é possível verificar se o lombo/dorso do livro está em boas condições
para ser reutilizado, visto que em alguns livros devido ao estado de conservação não foi possível reutilizar. Contudo
as capas e contracapas foram reutilizadas com o intuito de manter o máximo possível a originalidade do livro.
De modo geral, os passos descritos anteriormente são utilizados para a todos os livros que foram, estão sendo
ou serão reparados, uma vez que durante a separação dos exemplares, a serem consertados, busca-se não desmontar
livros com poucos danos. Para essas obras menos danificadas, muitas vezes, basta apenas o procedimento de colagem
de algumas de suas partes. Um livro só deve passar pelo processo de reparação, ou em caso extremo, de restauração,
se esse for o último caso, ou seja, não tiver outra solução.
Outro processo utilizado para a constituição do acervo de livros antigos foi a catalogação dessas obras. Para
isso, o trabalho de Hirata (2009) Catalogação de Livros Antigos: Um Exercício em Educação Matemática foi no qual
nos baseamos para adotarmos os princípios de catalogação. Segundo Hirata, o acervo do Grupo de História Oral e

2
Essa etapa do processo foi conduzida pelo acadêmico Edevaldo das Neves Marques, a partir dos seus conhecimentos e experiências
anteriores com reparação e restauração de livros. Mais informações sobre esse processo e outros relativos à recuperação de livros podem ser vistos
em Machado, Nascimento e Neves (2016).

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Educação Matemática (GHOEM3) se baseou no método Classificação Decimal de Dewel (CDD), o qual associa os
livros às categorias de acordo com os conteúdos neles abordados. Mas eles não adotaram esse método em sua forma
original, o qual foi adequado de acordo com as necessidades do material que o grupo tinha na época. Logo, partimos
do modelo desenvolvido pelo GHOEM e acrescentamos categorias que consideramos pertinentes, por causa de
quantidade de livros que tínhamos dessas áreas que não apareciam na classificação do GHOEM. As categorias
acrescentadas são: Trigonometria, Matemática Financeira, Estatística e a subcategoria “Outros” dentro dos
“Diversos”.
Portanto, os livros foram separados por área, sendo elas: Conteúdo Matemático (contempla mais de um
conteúdo, por exemplo: álgebra e geometria, geometria e aritmética, etc.); Teoria dos Conjuntos e Lógica; Álgebra;
Aritmética; Topologia; Análise; Geometria; Probabilidade; Trigonometria; Matemática Financeira; Estatística;
Diversos (que contempla Anais, Atas e Relatórios, Curiosidades, Paradidáticos e de Apoio Pedagógico, História da
Matemática, Dicionários, Exemplares “para o ensino”, Preparatórios e Outros); Didáticos de outras Disciplinas e
Literatura de Referência.
Levando em consideração essas áreas, foi elaborado um formulário online para possibilitar a catalogação dos
livros. Tal formulário especifica o assunto abordado pelo livro (categoria da obra de acordo com a classificação acima),
o nível de destinação da obra (que contempla o ginasial; colegial; técnico; normal; Primeiro Grau; Segundo Grau;
Ensino Fundamental; Ensino Médio e Ensino Superior); Numeração da obra (de acordo com o método de catalogação
adotado); Numeração do autor (de acordo com a tabela P.H.A); Tombo (Sequênciação do acervo); Autor(es) da obra;
Título da obra; Edição do exemplar; Local da edição; Editora da obra; Local de impressão; Impressor da obra; Tradutor
da obra; Número de páginas; Volume do exemplar; Observações (exemplos: dedicatórias, anotações, local da doação);
Ex-libris; Coleção a qual a obra pertence; Idioma da obra; Gênero (exemplos: livro do professor, manual); e Preço do
exemplar.

Alguns dados sobre o acervo

A catalogação foi concluída e obtivemos 201 exemplares (42,4%) pertencentes à categoria de Conteúdo
Matemático, 60 exemplares (12,7%) pertencentes aos Diversos, 53 exemplares (11,2%) pertencentes à Análise, 40
exemplares (8,4%) pertencentes à Álgebra, 33 exemplares (7%) pertencentes à Geometria, 23 exemplares (4,9%)
pertencentes à Matemática Financeira, 15 exemplares (3,2%) à Estatística, 19 exemplares (4%) pertencentes à
Didáticos de Outras Disciplinas, 9 exemplares (1,9%) pertencentes à Aritmética, 7 exemplares (1,5%) pertencentes à
Trigonometria, 7 exemplares (1,5%) pertencentes à Literatura de Referência, 3 exemplares (0,6%) pertencentes à
Topologia, 2 exemplares (0,4%) pertencentes à Teoria dos Conjuntos e Lógica e 2 exemplar (0,4%) pertencente à
Probabilidade. Então geramos uma etiqueta para cada exemplar.
Para as categorias “Conteúdo Matemático”, “Álgebra”, “Aritmética” e “Geometria” organizou-se uma
subcategoria chamada “Nível de destinação da obra”. Dessa categoria, 11 exemplares (3,9%) são pertencentes ao
Ensino Primário, 56 exemplares (19,8%) ao Ensino Secundário, 79 exemplares (27,9%) ao Primeiro Grau, 57
exemplares (20,1%) ao Segundo Grau, 19 exemplares (6,7%) ao Ensino Fundamental, 5 exemplares (1,8%) ao Ensino
Médio e 56 exemplares (19,8%) ao Ensino Superior. Dos exemplares que entraram em ensino secundário obtivemos
o “Subnível de destinação da obra” no qual 6 exemplares (10,7%) pertencem ao Secundário (contemplam conteúdos
matemáticos tanto para os cursos ginasiais quanto para os cursos colegiais), 33 exemplares (58,9%) ao Ginasial, 14
exemplares (25%) ao Colegial, nenhum exemplar (0%) pertence ao Técnico e 3 exemplares (5,4%) pertencem ao
Normal.
Podemos observar que a maior parte dos livros do acervo foram publicados entre os anos de 1970 e 1990.
Dos 234 livros com essa característica, 103 se enquadram nas categorias “Conteúdo Matemático”, “Álgebra”,
“Aritmética” e “Geometria”, com sua subcategoria entre ensino primário, ensino secundário, primeiro e segundo

3
O Grupo “História Oral e Educação Matemática” – GHOEM foi criado no ano de 2002. Sua intenção inicial foi reunir pesquisadores
em Educação Matemática interessados na possibilidade de usar a História Oral como recurso metodológico. Desde então, essa configuração foi
alterada, ampliando-se, de modo a incorporar discussões sobre outros temas e outras abordagens teórico-metodológicas. Pode-se dizer, hoje, que o
interesse central do grupo é o estudo da cultura escolar e o papel da Educação Matemática nessa cultura.

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graus.
Incluídos na categoria “Diversos” há 4 exemplares (6,7%) pertencentes à subcategoria Anais, Atas e
Relatórios; 20 exemplares (33,3%) à Curiosidades, Paradidáticos e de Apoio Pedagógico; 4 exemplares (6,7%) à
História da Matemática; 2 exemplares (3,3%) à Dicionários; 15 exemplares (25%) à Exemplares “para o ensino”; 9
exemplares (15%) à Preparatórios (Admissão); e 6 exemplares (10%) à Outros.
Muitos exemplares não possuíam respostas para todas as perguntas do formulário. Dos livros que têm data
de publicação o mais antigo é Díe Turnftunde ín der Rnabenfchule, de Dr. Edmund Neuendorff, publicado em 1927.

Os livros didáticos como objeto de pesquisa

Com a intenção de constituir um acervo de livros que seja representativo da História da Educação Matemática
do oeste paranaense, buscamos apoio em leituras que consideram que os livros carregam em si muito mais do que
apenas o conteúdo didático.
Entendemos que os livros trazem aspectos que nos ajudam a estudar e compreender sobre a história do
período de sua publicação, seu autor, editora, além de fazer parte e contribuir para a história do próprio local onde se
encontravam. Dessa forma, alinha-se com Carvalho:

“O livro-texto tem história e o papel que desempenha e sua influência estão sempre ligados à
sociedade de sua época, talvez até para tentar modificar alguns de seus aspectos, à maneira como
essa sociedade, e não somente o autor do livro, vê a ciência, a cultura e o ensino” (CARVALHO,
2003, p. 1-2).

Sob a mesma óptica temos a interpretação de Oliveira:

“Concebemos, portanto, o livro didático de matemática como uma forma simbólica que exerce
grande influência nas salas de aula de matemática, mas, como toda forma simbólica, se abre a uma
pluralidade incontrolável de interpretações e possibilidades de usos, conforme nossas próprias
concepções de Educação Matemática Escolar, o que nos orienta, por exemplo, na análise dessas
obras, a verificar, na medida do possível, alguns desses usos” (OLIVEIRA, 2008, p. 60).

O livro didático pode ser carregado de significados, produzidos tanto pelo seu autor como para o seu leitor.
Dessa forma, é possível classificá-lo como uma forma simbólica.
As formas simbólicas são construções humanas intencionais. Veja o exemplo:

“(...) uma obra de arte ou um poema podem ser considerados como formas simbólicas, visto que
ambas as “representações” possuem uma determinada e particular intenção, se inserem em um
determinado contexto social, foram construídas por um produtor que, ao construí-las, teve como
objetivo transmitir uma mensagem para um sujeito ou conjunto de sujeitos receptor, que, por sua
vez, apropriando-se de tal “mensagem”, pode lhe atribuir um determinado significado, ou vários,
numa trama interpretativa” (ANDRADE, 2012, p. 29).

A partir destas ideias acerca das formas simbólicas, Andrade (2012) caracteriza que qualquer livro didático
é uma forma simbólica, uma vez que se trata de uma produção humana carregada de intenções, com uma determinada
estrutura específica, que segue determinadas convenções e refere-se ao seu objeto por meio de uma maneira
contextualizada, perpassando por diversas cercanias, no caso dos livros didáticos de Matemática pela Educação, pelo
ensino e aprendizagem de Matemática, pelas políticas e períodos educacionais entre outros.
Uma vez que as formas simbólicas têm esse caráter elas se tornam passíveis de interpretação. Com isso,
almejamos com a constituição de um acervo de livros um exercício de atribuição de alguns dos possíveis significados
plausíveis aos livros didáticos antigos de Matemática que compõe o nosso acervo, uma vez que os livros didáticos são

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detentores de muita informação acerca do ensino de Matemática de uma determinada época.


Além disso, essa interpretação possível não é a única:

“Concebemos, portanto, o livro didático de matemática como uma forma simbólica que exerce
grande influência nas salas de aula de matemática, mas, como toda forma simbólica, se abre a uma
pluralidade incontrolável de interpretações e possibilidades de usos, conforme nossas próprias
concepções de Educação Matemática Escolar, o que nos orienta, por exemplo, na análise dessas
obras, a verificar, na medida do possível, alguns desses usos” (OLIVEIRA, 2008, p. 60).

Conforme ressaltado por Antonio Vicente Marafioti Garnica em uma entrevista que compõe o trabalho de
Hirata (2009), esse olhar para os livros didáticos é um dos elementos que compõe uma forma de se escrever a História
da Educação Matemática no Brasil. Assim, não apenas a formação do professor, as políticas educacionais, o
comportamento dos alunos, a origem das famílias e a infraestrutura da escola servem como elementos de elaboração
dessa história possível.

Considerações finais

Ao longo do período de constituição do acervo do LEM podemos compreender vários aspectos relacionados
ao tratamento que podemos dar a um livro e as suas possibilidades para estudos futuros.
Estamos no momento final de composição do acervo com todas as obras que possuímos cadastradas,
embora esperamos que o recebimento de outras obras seja um processo contínuo. Várias das obras do acervo
necessitam de reparos e este processo está em fase de desenvolvimento, assim estamos conhecendo as obras do acervo
aos poucos, especialmente as que são reparadas, o que não deixa de ser um movimento prévio de pesquisa, uma vez
que podemos já conhecer algumas características de coleções, nomenclaturas e metodologias utilizadas. Trata-se de
um conhecimento superficial sobre as obras e que caracterizam descobertas por parte dos acadêmicos vinculados aos
três projetos de iniciação científica que estão sendo desenvolvidos com os materiais do acervo.
Além de revelarem parte da história do ensino de Matemática, os livros ainda nos contam a história de seus
antigos donos pelas observações e Ex-libris encontrados. É surpreendente o que se pode encontrar dentro de livros
antigos, como convites, poemas, declarações amorosas, fotos, desenhos, cartas, recibos, avaliações escolares, cartões,
entre outros”. Esse tipo de comentário revelam as surpresas e aprendizados dos envolvidos nos projetos.
As pesquisas decorrentes das obras que compõe o acervo estão em fase inicial de desenvolvimento. Estamos
conhecendo os livros que temos4 e analisando o potencial das pesquisas decorrentes do acervo.
Buscamos elaborar considerações acerca de um pouco da História da Educação (Matemática) na região
Oeste paranaense e acreditamos que os livros didáticos do nosso acervo possam a nos ajudar a entender um pouco
sobre isso. A grande quantidade de obras com anos de publicação entre 1970 e 1990 já nos apontam que é a partir
desse momento que a educação se desenvolveu em Cascavel, uma vez que a cidade é criada em 1951 e a partir da
década de 1970 o ensino superior se desenvolve com a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras de
Cascavel – Fecivel.
Outra categoria de obras que destacamos é a de Matemática Financeira, uma vez que boa parte dos
exemplares que fazem parte do acervo são oriundos de colégios estaduais ou da Biblioteca da Unioeste – campus
Cascavel – uma vez que havia uma grande quantidade de cursos técnicos em contabilidade em Cascavel ou eram obras
utilizadas no ensino superior em cursos de graduação.
Com isso desejamos obter mais considerações sobre os aspectos da História da Educação Matemática e
acreditamos que olhar para os livros do nosso acervo pode ser uma boa maneira para tecer interpretações sobre esses
momentos. Assim, acreditamos que novas pesquisas poderão ter como base esse acervo.

4
Com o projeto de iniciação científica voluntária da acadêmica Jaqueline do Nascimento buscamos conhecer mais sobre as obras que,
segundo nossos critérios, julgamos mais notáveis do nosso acervo.

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Bibliografia
ANDRADE, Mirian Maria. 2012. Ensaios sobre o Ensino em Geral e o de Matemática em Particular, de Lacroix:
Análise de uma forma simbólica à luz do referencial metodológico da Hermenêutica de Profundidade. Tese
(Doutorado em Educação Matemática). Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE). UNESP, Rio Claro.
ANTUNES, Margaret Alves. 2010. Pequenos Reparos em Material Bibliográfico: Notas de biblioteca 2. São Paulo,
Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.
CARVALHO, João Bosco Pitombeira de. Apresentação. 2003. In: SCHUBRING, G. Análise histórica de livros de
matemática: notas de aula. Trad. Maria Laura Magalhães Gomes. Campinas, Autores Associados.
HIRATA, Vinicius. 2009. Catalogação de livros antigos: um exercício em educação matemática. Monografia
(Iniciação Científica). Universidade Estadual “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Bauru.
MACHADO, Brenda Rex; NASCIMENTO, Jaqueline do; MARQUES, Edevaldo das Neves. 2016. Trabalho de
reparação e catalogação dos livros existentes no Laboratório de Ensino de Matemática. Anais da XXX Semana
Acadêmica da Matemática. Cascavel – PR.
MILEVSKY, Robert J. 2001 (2ª Ed.) Manual de pequenos reparos em livros, Rio de Janeiro: Projeto Conservação
Preventiva em Bibliotecas: Arquivo Nacional. 49p.(Conservação Preventiva em Bibliotecas e Arquivos, 13.
Conservação). Disponível em: <http://www.portalan.arquivonacional.gov.br
/media/CPBA%2013%20Manual%20Peq%20Reparos%20Livros.pdf > Acesso em: 02set. 2016.
OLIVEIRA, Fábio Donizeti. 2008. Análise de textos didáticos: três estudos. Dissertação (Mestrado em Educação
Matemática). Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE). UNESP, Rio Claro.

Dulcyene Maria Ribeiro


Colegiado de Matemática – Unioeste – campus de
Cascavel - Brasil

E-mail: dulcyenemr@yahoo.com.br

Jean Sebastian Toillier


Colegiado de Matemática – Unioeste – campus de
Cascavel - Brasil

E-mail: jeant3000@yahoo.com.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

GUILHERME DE LA PENHA EM ITAJUBÁ (MG)

Miguel Chaquiam
Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Resumo

Esse texto é resultado de recortes da tese de doutorado, defendida em 2012, acrescido de fatos decorrentes da releitura
de artigos e entrevistas e de novas pesquisas que estão em desenvolvimento com objetivo de caracterizar o trabalho
do cientista paraense Guilherme de La Penha, com destaque para o trabalho apresentado em Itajubá (MG) em 1960.
Objetivamente, neste trabalho apresento traços biográficos de Guilherme de La Penha e discuto o artigo As Escolas
de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial (1960) apresentado por ele durante um evento científico realizado
em Itajubá (MG). Apresento por primeiro traços biográficos de Guilherme de La Penha com o intuito de construir
suscintamente um perfil acadêmico e desenhar os caminhos percorridos por ele em sua trajetória como gestor
acadêmico e administrador público. Apresento o artigo As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial
que considero como o primeiro ensaio elaborado por Guilherme de La Penha que apresenta cunho científico-
tecnológico e que estabelece relações entre ciência e técnica, apoiado em fundamentos filosóficos e matemáticos que
visam apontar suas ponderações com relação à contribuição da ciência para a formação técnica voltada à indústria.
Finalizo traçando considerações gerais sobre La Penha e assegurando que sua formação não foi trivial, foi composta
por uma multiplicidade extrema de conexões entre as áreas de conhecimento nas quais transitou e buscou
embasamento para explicar os fenômenos que investigou, além de ter um domínio amplo de sua área de estudos,
discute e conecta suas ideias específicas com as de outras áreas, de modo a dar sentido à multiplicidade do
conhecimento, fato muito bem estabelecido em suas obras, com indícios no artigo abordado neste trabalho.

Palavras-chave: Matemática, História, Cientista Paraense, Guilherme de La Penha.

[GUILHERME DE LA PENHA IN ITAJUBÁ (MG)]

Abstract

This text is a result of cuts in the doctoral thesis defended in 2012, plus facts resulting from the re-reading of articles
and interviews and new researches that are under development with the goal of characterizing the work of the scientist
from Guilherme de La Penha, The work presented in Itajubá (MG) in 1960. Objectively, in this paper I present
biographical features of Guilherme de La Penha and discuss the article The Schools of Engineering for Industrial
Development (1960) presented by him during a scientific event held in Itajubá (MG ). I present for the first
biographical traits of Guilherme de La Penha in order to build an academic profile and draw the paths he has taken in
his career as an academic manager and public administrator. I present the article The Schools of Engineering for
Industrial Development, which I consider to be the first essay elaborated by Guilherme de La Penha, which presents
a scientific-technological framework and establishes relations between science and technology, supported by
philosophical and mathematical foundations that aim to connect the contribution of science to the technical training
aimed at industry. I conclude by outlining general considerations about La Penha and assuring that his formation was
not trivial, it was composed of an extreme multiplicity of connections between the areas of knowledge in which he
traveled and sought basis to explain the phenomenon he investigated, besides having a broad domain of his area of
studies, discusses and connects his specific ideas with those of other areas, in order to give meaning to the multiplicity
of knowledge, a fact very well established in his works, with indications in the article addressed in this work.

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Miguel Chaquiam

Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

Introdução

Esse texto é resultado de recortes da tese de doutorado, defendida em 2012, acrescido de fatos decorrentes da releitura
de artigos e entrevistas e de novas pesquisas que estão em desenvolvimento com objetivo de caracterizar o trabalho
do cientista paraense Guilherme de La Penha, com destaque para o trabalho apresentado em Itajubá (MG) em 1960.
Como surgiu Guilherme de La Penha? É importante ressaltar que o interesse pelos trabalhos desenvolvidos
por Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha, ou simplesmente Guilherme de La Penha, decorreu da leitura
dos trabalhos direcionados à história da ciência e da tecnologia no Pará de autoria do físico e historiador das ciências
José Maria Filardo Bassalo, aonde destaca aspectos intelectuais e culturais de Guilherme de La Penha.
Decidi revisitar os trabalhos de Guilherme de La Penha após a Diretoria da Sociedade Brasileira de História
da Matemática (SBHMat) informar ao final do XI Seminário Nacional de História da Matemática (XI SNHM), em
2015, que o XII SNHM seria realizado em Itajubá (MG), em 2017. Além disso, a releitura do artigo de Bassalo (1997)
proporcionou novas reflexões a respeito da produção acadêmica deste matemático-físico, membro de diversas
sociedades científicas, principalmente no que tange sua dedicação, seriedade e visão de futuro como educador.
Objetivamente, neste trabalho apresento traços biográficos de Guilherme de La Penha e discuto o artigo As
Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial (1960) apresentado por ele durante um evento científico
realizado em Itajubá (MG).

Traços Biográficos

Guilherme de La Penha cursou o primário no extinto Instituto Suíço Brasileiro no período de 1949 a 1952. Ao final
de 1952 ingressou no Colégio Nossa Senhora de Nazaré onde cursou o 1º Ciclo Secundário, e o Curso Ginasial, no
período de 1953 a 1956.
No período de 1957 a 1959 fez o curso de Agrimensura na extinta Escola Técnica de Agrimensura do Pará.
Durante esse período de formação técnica em nível de ensino secundário, foi instrutor da Escola de Agrimensura do
Pará e da Escola de Agronomia da Amazônia, além disso, segundo depoimento 1 dos professores José Maria Filardo
Bassalo e Rui dos Santos Barbosa, La Penha mantinha correspondência com Elon Lages Lima à respeito de questões
envolvendo cálculo e análise matemática.
No início do ano de 1960 prestou vestibular e foi aprovado para o Curso de Engenharia Mecânica da
Universidade do Estado do Pará (UFPA). Neste mesmo ano solicita transferência para a Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, atual PUC-Rio, vindo a concluí-lo em 1964. Durante a realização do curso de graduação,
no período de 1961 a 1963, também fez o curso de Aperfeiçoamento em Matemática no Instituto de Matemática Pura
e Aplicada (IMPA).
De 1964 a 1965 fez mestrado em Engenharia Mecânica na EPUC / PUC-Rio na área de Mecânica Aplicada,
obtendo o primeiro diploma de Mestre em Ciências outorgado por aquele curso de Engenharia Mecânica com a
dissertação Exact Solution for Reynold’s Equation in the Hidrodynamical Theory of Berings of Finite Width (Solução
Exata para Equação de Reynold na Teoria Hidrodinâmica de Berings sobre a largura finita). No período de 1965 à
1966 concluiu um novo curso, tornando-se agora Bachelor of Arts (B. A.) em Matemática Aplicada e Mecânica dos
Sólidos pelo Department of Applied Mathematics and Theoretical Physics da Universidade de Cambridge, na
Inglaterra.
Este Cursou doutorado na Universidade de Houston no período de 1966 a 1968, na área de Matemática
Aplicada e Mecânica dos Sólidos, defendeu a tese The end problem for a Torsionless Hollow Circular Elastic Cylinder
(O problema final para pequena torção do cilindro oco circular elástico) e obteve o título de Doctor of Philosophy.
Após a conclusão do doutorado iniciou o pós-doutoramento em Matemática Aplicada na University Carnegie-

1 Entrevista concedida ao autor entre os meses de maio e junho de 2009.

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Guilherme de La Penha em Itajubá (MG)

Mellon, no período de 1968 a 1969, e cursos em Mecânica do Contínuo na Brows University e Virgínia Polytechnic
Institute, em 1967, e, na Johns Hopkins University, em 1969, além disso, foi professor nessas duas instituiçõesRetorna
ao Brasil em 1969 e passa a ocupar diversos cargos na gestão acadêmica e pública, conforme exposto no quadro a
seguir.

Quadro I: Atividades desenvolvidas por La Penha – 1969 a 1996.


PERÍODO ATIVIDADE
1969 – 1977 Ingressou na UFRJ e foi Diretor do IM da UFRJ
1977 – 1978 Diretor de Desenvolvimento Científico da FINEP
1979 – 1980 Secretário de Educação Superior do MEC
1980 – 1982 Vice-Presidente do CNPq – Gestão de Lynaldo Cavalcanti
1983 Assessor Especial do CNPq para Assuntos da Amazônia (MPEG)
1984 – 1985 Assistente Especial do Departamento de Ciência e Tecnologia da OEA
(EUA)
1985 – 1986 Consultor do BID (EUA), Diretor do MPEG e Secretário de Estado
Cultura
1987 – 1991 Diretor do MPEG e Secretário de Ciência e Tecnologia e Meio
Ambiente
1991 – 1994 Diretor do MPEG e Secretário de Estado de Cultura
1995 – 1996 Diretor de Programas Espaciais da Secretária de Assuntos Estratégicos
da Agência Espacial Brasileira
Fonte: Elaborado pelo autor

Bassalo (BASSALO, 1996, p. 4) entende que, quando La Penha mudou para Brasília (DF) e passou a ocupar
o cargo de Diretor de Programas Espaciais da Agência Espacial Brasileira, foi “uma espécie de exílio político, visto
que o maniqueísmo político de então, não percebeu que o Pará estava deixando escapar uma de suas figuras intelectuais
mais brilhantes”.
Guilherme de La Penha faleceu no dia 6 de fevereiro de 1996, terça-feira, em Brasília (DF), antes de
completar 54 anos de idade, tornando-se uma grande perda para a vida acadêmica e para a administração da ciência
no Brasil.

As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial (1960)

Considero este trabalho como o primeiro ensaio elaborado por Guilherme de La Penha que apresenta cunho científico-
tecnológico e que estabelece relações entre ciência e técnica, apoiado em fundamentos filosóficos e matemáticos que
visam apontar suas ponderações com relação à contribuição da ciência para a formação técnica voltada à indústria.
Esta publicação é datada no ano de 1960, tem como título As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento
Industrial.
Trata-se de um trabalho datilografado, em oito páginas, que constituem o ensaio apresentado no Congresso
Nacional de Estudantes de Engenharia (CNEE), realizado no município de Itajubá (MG), no período de 9 a 16 de
outubro de 1960.
La Penha demonstra preocupação em mencionar as características da ciência e de um trabalho científico logo
na introdução, embora estivesse ainda no início de sua carreira acadêmica em nível de curso superior. Tudo indica que
sua intenção era enfatizar os tipos de conhecimentos e como se caracteriza o conhecimento dito “científico”. Em
seguida comenta sobre as características e relações entre ciência e técnica e sobre a fronteira de distinção entre a
técnica científica e as artes e ofícios tradicionais.

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Miguel Chaquiam

Figura 1: Primeiro trabalho científico de Guilherme de La Penha, 1960.

Fonte: Acervo pessoal do autor

Toma os aspectos discutidos inicialmente para incluir no artigo uma conotação filosófica sobre as visões
platônica e aristotélica de conhecimento e as relações políticas advindas dessas visões filosóficas da ciência e suas
implicações para uma educação que visa formar a mente e treinar o cidadão. Daí em diante inclui a discussão na
direção das práticas relacionadas à engenharia e a técnica científica, que para ele não se deve descuidar da formação
prática nas ciências.
Todavia, antes de enunciar o objetivo do ensaio, La Penha (1960, p. 2) questiona sobre a ilusão da igualdade,
argumentando que “não há maior absurdo do que pretender a igualdade entre os homens, posto que a natureza os fez
desiguais e toda a concepção democrática que tenta iguala-las, resulta pois, num esforço que retarda o progresso”.
Tudo indica que a igualdade a qual La Penha se refere diz respeito ao fato de que nem todas as pessoas se dispõem ou
mesmo conseguem efetuar as mesmas atividades.
Para ele, após a segunda metade do século XX a ciência havia assumido uma responsabilidade da liderança
na indústria mais do que a própria indústria. Isto porque, segundo ele, a indústria dependia da ciência pura e aplicada
para a continuação do seu avanço e prosperidade, uma vez que naquela época, quase todos os problemas de
administração e fomento envolviam fatores científicos, o que na atualidade não é diferente.

Sob as condições da atualidade, portanto, exige-se mais dos trabalhadores a serviço da ciência do
que o mero alargamento das fronteiras dos conhecimentos. Os trabalhadores de ciência deverão
aceitar a responsabilidade de controle das forças libertas, em consequência de seus trabalhos. Na
realidade, os trabalhadores científicos, ocupam uma posição privilegiada na sociedade, da mesma
maneira que na indústria e há sinais promissores de que este ato seja agora reconhecido por
todos”. (LA PENHA, 1960, p. 3)

La Penha, em 1960, argumentava que tanto ao engenheiro quanto ao cientista eram dadas as

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Guilherme de La Penha em Itajubá (MG)

responsabilidades pela geração e administração do conhecimento produzido pela sociedade e que se tornava cada vez
mais difícil comandar e controlar cientificamente a falha dos nossos sistemas educacionais. Além disso, apontava que
os cursos nas Escolas de Engenharia eram quase essencialmente teóricos, com um déficit de exercícios práticos sobre
problemas de administração, comércio, finanças, seguro ou contabilidade. Por outro lado, argumenta ainda que a
cultura geral pouco importava, assim como as qualidades físicas e morais dos indivíduos que eram formados pelas
escolas de engenharia. Esses pontos discutidos no artigo também foram debatidos no CNEE.

Figura 2: Declaração de participação no CNEE, 1960.

Fonte: Acervo Guilherme de La Penha – MPEG

Na segunda parte do ensaio, La Penha (1960, p. 3) aborda as influências das matemáticas nas engenharias,
assegurando que a Matemática tem lugar preponderante em Engenharia em relação às outras disciplinas e talvez por
isso também que ao longo dos anos as escolas não tenham priorizado “a saúde, o vigor físico, a iniciativa, a energia,
a coragem das responsabilidades, o sentimento do dever como qualidades importantes necessárias aos engenheiros
e chefes de indústria”.
Observa-se que Guilherme de La Penha assegurava que naquela época a cultura geral não era mais bem
cuidada em nossas Escolas de Engenharia, assim como a cultura física e moral e que toda a atenção dada aos alunos
estava relacionada diretamente às questões essencialmente técnicas. Cabe-nos uma questão: Após meio século, quais
as alterações nesse modelo de ensino técnico dado aos alunos das engenharias? La Penha não considerou menos
importante a instrução técnica, mas reiterou que o ensino praticado nas escolas de engenharia da época abusava das
matemáticas na suposição de que, quanto maior fosse o conhecimento na matéria, maior seria a aptidão para o governo
das indústrias e que seu estudo, mais que qualquer outro, desenvolveria e ratificaria o julgamento.

Considerações Finais

Apoiado nos resultados da tese, na releitura dos dados anteriores e no exposto neste trabalho é possível concluir que
Guilherme de La Penha foi um homem meticuloso, exigente, responsável, amigo e, acima de tudo, um excelente
gestor, preocupado com a organização, atualização e consolidação das instituições, tanto do ponto de vista da ciência,
quanto da tecnologia.
La Penha finaliza este ensaio afirmando que o ensino técnico superior poderia ser dirigido de maneira muito
mais útil às necessidades da indústria e que se deveria dar maior projeção as cadeiras de Administração, Teoria das

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Miguel Chaquiam

Indústrias e Organização Científica do Trabalho e que é uma falha indesculpável, visto que a maior parte das Escolas
de Engenharia de nosso país ainda não as possua. Salienta que a cultura excessiva de uma ciência, é nociva ao
equilíbrio físico e ao intelecto.
É possível assegurar também que sua formação não foi trivial e que foi composta por uma multiplicidade
extrema de conexões entre as áreas de conhecimento nas quais transitou e buscou embasamento para explicar os
fenômenos que investigou, uma vez que seus trabalhos mostram que ele, além de ter um domínio amplo de sua área
de estudos, discute e conecta suas ideias específicas com as de outras áreas, de modo a dar sentido à multiplicidade
do conhecimento, fato muito bem estabelecido em suas obras
A retomada da pesquisa me fez perceber e constatar conclusivamente que La Penha, muitas vezes considerado
um visionário, um poeta, detentor de uma das mentes mais brilhantes, principalmente pelos artigos publicados nas
mais diversas áreas do conhecimento, incluindo-se aí os artigos publicados sobre poesias e músicas clássicas, é um
cientista múltiplo.

Bibliografia
BASSALO, José Maria Filardo. La Penha: Gerador e Gerenciador da Ciência. Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.
Revista Ciência e Sociedade. V. 14. Rio de Janeiro, 1997.
CHAQUIAM, M. e SILVA, E. O. C. Alguns passos de Guilherme de La Penha no Brasil e no exterior. Anais do VIII
Seminário Nacional de História da Matemática. SBHMat: Belém, 2009.
CHAQUIAM, M. e MENDES, I. A. A face acadêmica de Guilherme de La Penha. Anais IV Congresso Internacional
de Pesquisa (Auto)biográfica. São Paulo (SP): USP, 2010.
CHAQUIAM, M. e MENDES, I. A. Produção Intelectual de Guilherme de La Penha. Anais do Seminário Nacional
de História da Matemática. Campinas (SP), SBHMat, 2013.
LA PENHA, G. M. S. M. As Escolas de Engenharia para o Desenvolvimento Industrial. Anais do Congresso Nacional
de Estudantes de Engenharia. Itajubá (MG), 1960.
LA PENHA, G. M. S. M. Exact Solution for Reynold’s Equation in the Hydrodynamical Theory for Bearings of Finite
Width. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PUC-RIO, 1965.
LA PENHA, G. M. S. M. The end Problem for a Torsionless Hollow Circular Elastic Cylinder. Tese de Doutorado.
Houston (EUA): University of Houston, 1968.
LA PENHA, G. M. S. M. As bases culturais e sociais para o desenvolvimento autossustentável da Amazônia. Boletim
do Museu Paraense Emílio Goeldi – Antropologia, 14. Belém: MPEG, 1998.
LA PENHA, G. M. S. M. “Com cérebro tudo é possível: sobre o Museu Emílio Goeldi”. In Faulhaber, P. & Toledo,
P. M. (Ed) Conhecimento e Fronteira: História da Ciência na Amazônia. Belém: MPEG, 2001.

Miguel Chaquiam
Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: miguelchaquiam@gmail.com

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY: ASTRONOMIA, FÍSICA E


MATEMÁTICA DESFAZENDO MITOS E CRENDICES

Alailson Silva de Lira


Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil
Miguel Chaquiam
Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Resumo

Neste trabalho apresentamos os artigos publicados por Guilherme Mauricio de Souza Marco de La Penha, ou
simplesmente, La Penha, como era conhecido no meio acadêmico, a respeito do cometa de Harlley. La Penha escreveu
em dois anos seis artigos relacionados ao cometa de Harlley sob o título central Esperando o cometa. Observa-se que
nesses artigos La Penha teve a preocupação em desmistificar crendices e o imaginário relacionado ao cometa Halley,
cujos detalhes são apresentados ao longo deste trabalho. La Penha procurou implementar nos artigos uma linguagem
que atende ao mesmo tempo um leitor de cultura mais simples, que busca informações cotidianas, quanto um leitor
com conhecimentos científicos mais apurados, que pode aprofundar seus conhecimentos a partir do exposto. Os sete
artigos identificados, escritos sob o rema central “Esperando o Cometa”, em 1985 e 1986, observado que Halley
passaria próximo a terra em 1986, foram: Esperando o cometa I: O mais importante de todos; Esperando o cometa II:
Um pouco de verdade nas crendices; Esperando o cometa III: Pendor infalível para o dramático; Esperando o cometa
IV: O terror Laputano em Swift; Esperando o cometa V: A cauda venenosa de Halley; Esperando o cometa VI:
Poluição luminosa contra o Halley e finaliza com Newton os “Principia” e Halley. Embora o artigo Newton os
“Principia” e Halley não faça parte da série Esperando o cometa, serviu para que os leitores do jornal após a passagem
de Halley tivessem uma percepção histórica de quem foi Isaac Newton e Edmond Halley e suas contribuições. Ao
longo dos os artigos, La Penha nos mostra a riqueza da matemática mesclada aos outros campos das ciências, neste
sentido, entendemos que La Penha cumpriu seu objetivo em quebrar as crendices em relação a um cometa e informar
sobre o espetáculo celestial, fazendo com que todos os seus possíveis leitores esperassem Halley com tranquilidade,
desbastados de crendices ou mitos.

Palavras-chave: Matemática, História, Guilherme de La Penha, Cometa de Halley.

[GUILHERME DE LA PENHA AND COMETA HALLEY: ASTRONOMY, PHYSICS AND MATHEMATICS


UNDOING MYTHS AND BELIEFS]

Abstract

In this paper we present the articles published by Guilherme Mauricio de Souza Marco de La Penha, or simply La
Penha, as he was known in the academic world, about Harlley's comet. La Penha wrote in two years six articles related
to Halley's comet under the central title Waiting for the comet. It is observed that in these articles La Penha had the
preoccupation to demystify popular beliefs and the imaginary related to the comet Halley, whose details are presented
throughout this work. La Penha tried to implement in the articles a language that serves at the same time a simple
reader, who seeks daily information, as a reader with more accurate scientific knowledge, that can deepen their
knowledge from the foregoing. The seven identified articles, written under the central thriller "Waiting for the Comet"

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in 1985 and 1986, noted that Halley would pass close to Earth in 1986, were: Waiting for Comet I: The Most Important
of All; Waiting for comet II: A little truth in the creeds; Waiting for Comet III: Infallible Pendant for Dramatic;
Waiting for Comet IV: The Laputan Terror in Swift; Waiting for the comet V: Halley's poisonous tail; Waiting for
comet VI: Light pollution against Halley and ends with Newton The "Principia" and Halley. Although the Newton
article "The Principia" and Halley are not part of the series Waiting for the Comet, it served to have readers of the
newspaper after the passage of Halley had a historical perception of who was Isaac Newton and Edmond Halley and
their contributions. Throughout the articles, La Penha shows us the richness of mathematics blended with other fields
of science, in this sense, we understand that La Penha fulfilled his objective in breaking the beliefs about a comet and
informing about the celestial spectacle, All of his prospective readers would have waited for Halley calmly, crushed
by beliefs or myths.

Keywords: Mathematics, History, Guilherme de La Penha, Halley's Comet.

Introdução

O universo é cercado de vários mistérios intrigantes e argumentos para cientistas, físicos e matemáticos de diversas
partes do mundo. De certo que há muitos “objetos” incompreensíveis e inimagináveis que despertam a curiosidade de
estudiosos e leigos, uma delas é em relação aos cometas. De acordo com Foschini (1986).

Os cometas, a mais modesta entidade do sistema solar, associam a uma imagem fulgurante de luz
uma tal rapidez de movimento através da abóbada celeste, que causam sempre espanto e fascínios
cometas, desde os tempos mais remotos, por possuírem essas características especiais, foram
considerados entre os mais belos ornamentos celestes e, ao mesmo tempo, frequentemente temidos
por sua reputação de premonitores de fatos desagradáveis que coincidiram com fatos
extraordinário”. (FOSCHINI, 1986)

Em vários momentos da história, foram temidos pelo povo e admirados por estudiosos. Embora no decorrer
do tempo todas as superstições e crendices que os cercavam tenham sido derrubadas, de forma alguma o interesse por
eles diminuíram. Um dos cometas mais famosos que percorre o universo e gerou no âmago do ser humano todo o tipo
de terror, foi o cometa de Halley, nome do astrônomo e matemático britânico1 que determinou sua periodicidade.
Uma forma de difundir o cometa de Halley, mais especificamente na região Norte, foi empregada pelo
cientista paraense Guilherme Mauricio de Souza Marco de La Penha, quando apresenta no ano de 1985 diversos
artigos em um jornal de grande circulação no estado do Pará e Amazônia. Nesse sentido, estabelecemos que o objetivo
deste trabalho é revelar alguns aspectos dos artigos publicados sobre o cometa por Guilherme de La Penha, ou
simplesmente La Penha, e relacioná-los à matemática. Entretanto, antes de dar prosseguimento com o tema em tela,
entendemos que é necessário apresentar traços biográficos e discorrer sobre a formação acadêmica desse cientista
paraense.
La Penha, como era conhecido no meio acadêmico, formou-se em Agrimensura em 1959 pela Escola Técnica
de Agrimensura do Pará; em Engenharia Mecânica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio); se aperfeiçoou
em Matemática no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA); na PUC-Rio foi o primeiro a obter o título de
mestre em Engenharia Mecânica, na área de Mecânica Aplicada; tornou-se também mestre em Matemática Aplicada
e Mecânica dos Sólidos pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra; tornou-se Doutor na área de Matemática
Aplicada e Mecânica dos Sólidos pela Universidade de Huston, nos Estados Unidos (EUA); fez cursos na área da
Mecânica do Contínuo nas Universidades de Brown, Instituto Virgínia Polytechnic e na Universidade de Johns

1
Edmond Halley (1656-1742) foi o primeiro astrônomo a teorizar que os cometas seriam objetos periódicos e previu que no ano de 1758
um cometa cruzaria o Sistema Solar. Logo cedo apresentou aptidão para as ciências e matemáticas e grande descobridor e estudioso na área da
astronomia e meteorologia, fiel amigo de Isaac Newton.

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Hopkins e fez pós-doutorado em Matemática Aplicada na universidade de Carnegie Mellon, Pittsburgh, EUA.
Observa-se que sua formação estava centrada tanto em Matemática quanto na Mecânica Clássica, formação
que corroborou para a apresentação de mais de 75 trabalhos em revistas nacionais e internacionais nessas duas áreas
e também em Históri da Matemática e História das Ciências. Alguns deles podem ser encontrados em Chaquiam
(2012) e também no trabalho de Lira (2013), além dos doze artigos relacionados ao matemático suíço Leonhard Euler,
escritos no durante as comemorações do bicentenário de sua morte e quatro deles encaminhados a embaixada da Suíça
no Brasil.
Reconhecido internacionalmente, embora seja ainda um quase desconhecido no Brasil, trabalhou na área
acadêmica e de gestão pública, produziu e publicou artigos da mais alta relevância sobre Mecânica dos Meios
Contínuos, Matemática, História da Matemática e parte da Física Matemática que procurou desenvolver ao retornar
ao Brasil, em 1969, como professor da COPPE, com os maiores expoentes do momento Truesdell e Gurtin.
Os textos de cunho matemático variavam de acordo com o público ao qual eram destinados, abordava
questões relativas a números e conjuntos sem se preocupar com o grau de formalismo, por outro lado, apresentava
textos com alto rigor matemático em seus artigos científicos destinados as comunidades acadêmicas e científicas as
quais fazia parte. Durante o período que foi diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi publicou diversos artigos
voltados para história das ciências e matemática, em destaque, os artigos sobre as viagens de Charles Marie de La
Condamine (1701-1774) na América do Sul, em especial, na Amazônia.
Retomando ao nosso tema em questão, a partir de 1985 o cientista paraense publica uma série de artigos no
jornal O Liberal, em Belém (PA), retratando o cometa de Halley de diversas formas e mostra sua importância para o
desenvolvimento da ciência. Os sete artigos identificados, discorrem sob o tema central “Esperando o Cometa”,
observado que Halley passaria próximo a terra no ano seguinte. Os artigos estavam organizados em:
• Esperando o cometa I: O mais importante de todos;
• Esperando o cometa II: Um pouco de verdade nas crendices;
• Esperando o cometa III: Pendor infalível para o dramático;
• Esperando o cometa IV: O terror Laputano em Swift;
• Esperando o cometa V: A cauda venenosa de Halley;
• Esperando o cometa VI: Poluição luminosa contra o Halley e, finaliza com,
• Newton os “Principia” e Halley.

Esperando o Cometa: Preâmbulo

La Penha apresenta em cada um dos artigos dados históricos, matemáticos e científicos, com o objetivo de informar,
desfazer mitos e crendices enraizados na população brasileira e na literatura de diversos países, direcionando para a
visão apropriada para Halley.
Observamos no decorrer dos textos que os contextos históricos de algumas épocas são fortemente
evidenciados como forma de relacioná-los ao cometa. A seguir, faremos breves descrições dos conteúdos de cada
artigo e em seguida daremos destaques aos valores matemáticos presentes.

Esperando o cometa I: O mais importante de todos

Nesse artigo é destacado o surgimento do cometa em um momento propício ao desenvolvimento cientifico, visto que:

“Era a época de Isaac Newton, cuja percepção revolucionaria sobre a natureza da gravidade viria
brevemente a ser publicada, com o encorajamento e assistência de Halley. Era o tempo de Robert
Boyle, o pai da química moderna, cujas pesquisas destruíram a veneranda concepção de Aristóteles,
de que toda a matéria pode ser separada em quatro categorias: terra, ar, fogo e água. Era o tempo
da poesia de John Milton, da filosofia de John Locke, das ricas harmonias apimentadas por
dissonâncias na música de Henry Purcell e, também, das maravilhosas igrejas de Christopher Wren.

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Era, enfim, a Inglaterra sem fanfarras precedendo o iluminismo do Continente, a quem passou o
cetro nas artes e ciências no século seguinte”. (LA PENHA, 1985a).

Em relação ao campo da astronomia são citados vários astrônomos, dentre eles, Copérnico, Tycho Brahe,
Kepler e Galileu que fizeram ou confirmaram descobertas e teorias a respeito do universo, destacando mais a frente
Isaac Newton e Edmond Halley quando decidem enveredar seus estudos para o campo dos cometas.
Embora Edmond Halley não tenha sido o primeiro a ter observado o cometa, mas como foi o primeiro a fazer
previsões futuras para a data provável de seu reaparecimento, o cometo foi “batizado” com seu nome, cometa de
Harlley. Tal fato foi corroborado em 1758 por Johan Palizsch, agricultor alemão e astrônomo amador, confirmando
assim, o que Edmond Harlley havia previsto, ou seja:

“Hoje muitas coisas me levam a acreditar que o cometa do ano de 1531 observado por Apian, é o
mesmo que o do ano 1607, descrito por Kepler e Longomontamus, e que eu mesmo observei quando
de seu retorno em 1682B”E após elaborar considerações sobre possíveis variações devidas as
causas físicas responsáveis por perturbações nos cálculos, conclui.... Por conseguinte, posso, com
confiança predizer seu retorno no ano de 1758. “Se tal predição se confirmar, não há razão para
dúvidas de que outros cometas retornarão”. (LA PENHA, 1985a)

O cometa Halley não só se tornou importante por ter contribuído significativamente para o desenvolvimento
da astronomia, da física e da matemática, mas também por ter sido favorecido por diversos aspectos históricos, por
exemplo, o seu aparecimento em 1682 no auge do desenvolvimento de Londres e, em 1910, próximo ao início da
primeira guerra mundial.

Esperando o cometa II: Um pouco de verdade nas crendices

Neste artigo é feito uma reapresentação do artigo anterior, dando importância ao cometa e a seu descobridor, em
seguida, mostra as prováveis passagens do cometa Halley na era medieval, além de rumores que rondavam o
imaginário da população ou:

“Talvez o mito mais importante acerca do cometa fosse o de que ele teria o poder de precipitar
grandes e frequentemente terríveis ventos. Pestes, pragas, famas, sorte, fraudes, a cólera dos
deuses, a raiva dos papas, o medo dos reis, o choro e o lamento dos povos desde as estepes da
Rússia até as ruas de Nova York, tudo tem sido associado ao Cometa de Halley”. (LA PENHA,
1985b).

Sem a explicação cientifica sobre esses “vultos” luminosos que passavam pelos céus, houve a influência
religiosa como forma de lembrar a existência de forças afora e associar o surgimento de algo que poderia ser
prenuncias teológicas de notícias não tão agradáveis. Além disso, de acordo com o artigo, alguns astrônomos
calculavam as possíveis aparições de Halley segundo o constante na Bíblia no livro de Crônicas I, capítulo 21,
versículo 16. Este fato levou ao imperador da Alemanha, Luis I, cercado de medo e temor, a construir várias igrejas e
mosteiros nos domínios de seu reino.
A aparição do cometa sempre foi cercada de crendices e medos, mas também, quando registrada na arte,
possuía significados simbólicos, ligados aos rígidos cânones tradicionais da cultura sacra medieval. De acordo com
Foschini (1986):

“O brilho do cometa, no dia 23 de março de 1066, é recordado no bordado de uma tapeçaria


conservada no Município de Bayeux, na Normandia. Esse trabalho, composto entre os anos de 1073
e 1083, foi encomendado pela Rainha Matilde para lembrar a vitória do marido, Guilherme, o
Conquistador, na Batalha de Hasting, em 14 de outubro de 1066. Numa das muitas cenas da

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GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY...

tapeçaria, nota-se uma multidão que, maravilhada, aponta a espetacular passagem do cometa”.
(FOSCHINI, 1986)

Num afresco da escola bizantina estão representados personagens do texto sagrado e também, em primeiro
plano, um cometa. Terminado em 1250, é provável que este seja a representação de Halley quando passou em 1222,
visivelmente na Ásia e na Europa.
A Epifania de Giotto na Capela Defli Scrovengni, em Pádua, na Itália, representa a adoração dos Reis Magos.
Nesse afresco, o cometa foi pintado sobre um fundo céu azul dinamicamente arrojado. Para La Penh (1985b), Giotto
muito provavelmente observou Halley em 1301 e, assim foi influenciado. Como diria T.S. Eliot:

“(...) o tempo futuro contém o tempo passado. O cometa é um dos mais perfeitos elos de ligação
entre esses tempos: A beleza, o mistério e o assombro que desperta. Combinados na profunda
experiência pessoal, religiosa e mística de alguns têm sido por si suficientes para sustentar o cometa
nos ecos da memória”. (LA PENHA, 1985b)

Esperando o cometa III: Pendor infalível para o dramático


A cada 76 anos aproximadamente, o cometa Halley aparece nos céus da terra e em cada passagem, fatos importantes
tomavam conta de várias localidades. Neste artigo são apresentados fatos importantes que ocorreram durante algumas
passagens de Halley e aborda as crendices de grandes cientistas, além de mostrar a influência do cometa em algumas
obras literárias.
De acordo com La Penha (1985c), o cometa Halley foi considerado “culpado”, embora sem base científica
de seu aparecimento, pela destruição de Jerusalém no ano de 66; pelo ataque aos Ostrogodos pelos Hunos; pela invasão
de Gália, por Atila, em 373 e pela colonização da América do Norte pelos ingleses, em 451.
Halley colaborou ainda pelo massacre de milhões de pessoas nas cidades de Herat e Samarkand pelos mongóis em
1222, pois, Gengis Khan considerava o cometa como sua estrela especial. Além disso,

“O cometa com seu pendor infalível para o dramático apareceu, também, no ano que é conhecido
por qualquer criança de língua inglesa, 1066, o ano da conquista normanda, naquele ano, o cometa
de Halley foi tomado pelos saxões. Por um lado, apontado como símbolo de derrota, por outro,
Guilherme, o Conquistador, como um “maravilhoso sinal dos céus”. O rei apontava ao cometa em
suas aparições noturnas como se fora um sinal místico que incentivava suas tropas, levando os
soldados normandos à vitória. Assim, da mesma forma que a psicologia de massa afeta os desígnios
de guerra de um povo, o cometa desempenhou um papel importante no resultado dessa guerra e,
através dela, no curso da história política”. (LA PENHA, 1985c)

Observa-se que a ciência até esse momento não havia se libertado das superstições e, os cometas, estavam
envolvidos em todas essas histórias. Na Europa medieval quando este aparecia, reis e servos se dirigiam aos astrólogos
locais para verificar suas prenuncias e como poderiam se proteger de suas causas. Kepler, que avançou no
desenvolvimento das leis do movimento planetário, leis que mais tarde vão ajudar Edmond Halley a fazer suas
predições, embora sendo um cientista, também possuía superstições, uma delas é que os cometas era presságio do mal.
Galileu também compartilhara desta superstição.
Observa-se que Kepler e Galileu não estavam sozinhos nas superstições, de acordo com La Penha (1985c),
o escritor Mark Twain2, que nasceu em 1835, mais um ano com o aparecimento do cometa Halley, disse que seu
desejo era de poder ir embora junto com o cometa em 1910. De acordo com o biógrafo Albert Pain, esse desejo foi
realizado. O cometa apareceu em 20 de abril de 1910 e o escritor morreu no dia seguinte.
Na literatura, Halley se encontra nas poesias de Paraíso Perdido3. O autor o associa a um satã enraivecido

2
Escritor Norte Americano que escreveu as aventuras de Tom Soyer.
3
Escrito por John Milton, o poema narra a rebelião de Satã contra Deus, a Criação do Mundo e a Queda do Homem pela desobediência
de Adão e Eva no Jardim do Éden.

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Anais do XII SNHM -2017
Alailson Silva de Lira & Miguel Chaquiam

que despejava a peste e a guerra, provavelmente estaria rememorando o aparecimento do cometa da sua juventude de
1618. De acordo com La Penha (1985c), Julio Cesar de Shakespeare vê um lado mais exuberante quando afirma
“Quando mendigos morrem não se veem cometas. Os céus se iluminam na morte de príncipes”.
Finalizando esse artigo, La Penha (1985c) desmistifica o cometa com as afirmações de Edmond Halley sobre
os cometas quando afirma:

“(...) em sua ode dedicatória para Newton no Principia, expressou-se então com excessivo
otimismo, “... Agora que conhecemos os rumos...os cometas, outrora uma fonte de tremores, não
mais trememos diante da aparição de astros cabeludos’’, incorrendo em lamentável engano de
conceito ou “astros””. (LA PENHA, 1985c).

Esperando o cometa IV: O terror Laputano em Swift

La Penha foi por muitos um visionário, um poeta, detentor de uma das mentes mais brilhantes, principalmente pelos
artigos publicados nas mais diversas áreas do conhecimento, incluindo-se aí, os artigos publicados sobre poesias,
músicas clássicas, etc. Em algum de seus trabalhos, percebe-se que o cientista paraense aborda três literaturas de
grande significado pessoal: Dom Quixote de La Mancha; Alice no País das Maravilhas e As viagens de Gulliver. Em
relação a este último, La penha faz referência ao cometa Halley em “o terror Laputano de Swift4”.
Neste apresenta Gulliver em uma ilha chamada Laputa, aonde os cidadãos possuíam grande interesse pela
matemática e música, mas não possuíam apreço pelas aplicações de ambas. Além disso, os Laputanos possuíam temor
do Sol e de um cometa, isto é:

“Ao que parece os Laputanos eram pessimistas incorrigíveis e o temor do Sol não era tudo; ainda
maior era o temor de cometas e de um cometa em particular, pois lembravam ainda “que a Terra
escapou, por um triz, de ser abalroada pela cauda do último cometa, o que a teria infalivelmente
reduzido a cinzas” conforme Gulliver aprendeu em Laputa. Não era, entretanto, o “último cometa”
que aterrorizava os Laputanos, mas sim aquele que estava por vir e que “provavelmente venha a
destruir-nos” [...] tal referência como qualquer leitor da época deve haver percebido — não visava
meramente um cometa, mas sim o “cometa de Halley” - o primeiro cometa cujo retorno havia sido
definitivamente predito, gerando grande excitamento tanto na imaginação literária quanto
científica”. (LA PENHA, 1985d).

A influência literária sofrida em Swift se deve ao fato de Edmond Halley escrever um artigo em que se
verificou o cometa bem próximo das órbitas de Vênus e Mercúrio gerando temor e misticismo. Assim, os Laputanos,
de acordo com o texto, fizeram várias observações e indagações a respeito do cometa, ao ponto de afirmar que:

“(...) se chegar em seu periélio a uma certa distância do Sol... receberá um grau de calor dez mil
vezes mais intenso que o do ferro incandescente; e, ao distanciar-se do Sol, carregará urna cauda
flamejante de 1 milhão e 14 milhas de comprimento, na qual, ainda que passe a unia distância de 1
milhão de milhas do núcleo, ou corpo principal do cometa, há de a terra inflamar-se ao atravessá-
la, convertendo- se um cinzas”. (LA PENHA, 1985d).

Observa-se neste trecho, que os Laputanos possuíam certos exageros, pois estavam certados por diversos
temores. De certa forma, tal fato era reflexo da realidade do autor e, a seguir, apresentamos alguns fatos evidenciados
da realidade de uma época não muito distante.

4
Jonathan Swift foi o escritor de As viagens de Gulliver.

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Anais do XII SNHM -2017
GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY...

Esperando o cometa V: A cauda venenosa de Halley

As notícias veiculadas em jornais impressos possuem diversos tons, o de informar, influenciar e até mesmo atemorizar.
Esse modelo tendencioso de informações existia há muito tempo, e tomou força no ano de 1910, desde quando o
cometa de Halley atingiria a posição mais próxima da terra.
Durante esse ano, diversos relatórios científicos e rumores circulavam pelo mundo afirmando que a cauda do
cometa Halley possuiria gás de cianogênio com efeitos mortais. Tais “informações” foram veiculadas na imprensa e
divulgadas em diversos jornais, incluindo o “The New York Times”. No Brasil, mais especificamente no Rio de
Janeiro, o jornal Gazeta de Notícias veiculou a seguinte informação.

Figura 1: Noticia sobre o cometa Halley

Fonte: Gazeta de Noticias

Nesse artigo são apresentados diversos temores que a população do globo manifestava, começando por:

“(...) Chicago, para não mencionar Paris, Bermuda, Johannesburg, Rio de Janeiro e muito do resto
do mundo, se preocupava. De fato, o New York “Times informava que Chicago estava aterrorizada,
especialmente a população feminina. A edição de 18 de maio dizia: O terror ocasionado pela
próxima aproximação do cometa de Halley tomou conta de grande parte da população de Chicago.
[...] Todo o resto é esquecido. Cometas, suas maneiras e hábitos têm sido o principal tópico
discutido nas ruas, nos bondes e elevadores nos dias de hoje... O medo principal é de que o cometa
atingirá a Terra, mas de que o gás que supostamente constitui sua cauda ceifará qualquer vida...
Os médicos declaram que têm tido inúmeras chamadas hoje para atendimento de mulheres atacadas
de histeria”. (LA PENHA, 1985e).

Todo esse alvoroço foi ocasionado pelo observatório de Yerkes que fez as previsões a respeito da cauda de
Halley. Além disso, um respeitado cientista chamado Camilie Flammarion corroborou com essa afirmação, levando
ao desespero o mundo.
De acordo com La Penha (1985e), o cientista Flammarion possuía vertentes voltadas para o sensacionalismo,
fato que o aproximava perfeitamente com as mídias. Embora este fosse uma das pessoas que se propunha a veicular
desastrosas, a imprensa não se preocupou em buscar opiniões fundadas nas bases das conclusões dos cientistas.
Mais tarde alguns jornais tiveram que se retratar, incluindo-se o próprio cientista que alardeou o mundo com
bases infundadas. Com o objetivo de tranquilizar os leitores do jornal, La penha apresenta a seguinte conclusão:

“Este é o ponto de vista aceito geralmente hoje em dia entre os cientistas: O cometa de Halley
contem cianogênio, dentre outros gases, em quantidade inacreditavelmente pequena. Em outras
palavras suas partículas são a tal ponto difusas que o gás cianogênio praticamente inexiste e, por
conseguinte, não oferece qualquer perigo ao homem ou planeta que o atravesse”. (LA PENHA,
1985e).

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Esperando o cometa VI: Poluição luminosa contra o Halley

Para finalizar a série de artigos relacionados ao cometa Halley, La Penha (1985f) discorre sobre as dificuldades e
detalhes de visualização do comenta que qualquer observador poderá ter ao tentar apreciar o cometa marcado para
aparecer no ano seguinte, ou seja.

“A poluição luminosa será um grande inimigo do cometa de Halley desta vez. No Brasil, o cinturão
brilhante das capitais do litoral e as pérolas isoladas das grandes cidades do oeste devem ser
evitados. Não se trata apenas de iluminação local, mas também de reflexos no horizonte Por
exemplo, a luminosidade de Belém afeta o horizonte de Icoaraci e o da Vila em Mosqueiro. Já que
a época melhor de visibilidade coincide com as férias escolares, assim, a Baía do Sol (com as luzes
das ruas desligadas), no Mosqueiro, e o extremo da praia do Atalaia, em Salinas, devem ser pontos
privilegiados de observação para quem não tiver acesso a fazendas no interior e Marajó”. (LA
PENHA, 1985f).

A partir dessas observações, La Penha (1985f) tece comentário a respeito do brilho de uma estrela e de um
cometa, pois esses detalhes poderiam afetar as observações, visto que:

“O brilho aparente se distingue do absoluto, ou intrínseco, que permanece o mesmo qualquer que
seja a posição do cometa. A escala de grandeza é inversamente proporcional ao brilho — quanto
menor o número, maior o brilho (basta lembrar o dito “Uma estrela de 1ª grandeza”). Uma estrela
de grandeza 5 é duas vezes e meia mais brilhante que uma de grandeza 6, e uma de grandeza 7 é
2,5 vezes menor brilhante que uma grandeza 6. Trata-se de uma escala logarítmica em que
diferenças de magnitude expressam quocientes entre energias. No caso de cometas, a energia que
eles irradiam é diluída pelo efeito da distância ao Sol”. (LA PENHA, 1985f).

Finaliza esse artigo com a apresentação de um calendário do cometa Halley, incluso o ano de 1986, ano de
sua nova aparição.

Newton os “Principia” e Halley

Este artigo, embora não faça parte da série sobre os cometas, serviu para que os leitores do jornal após a passagem de
Halley tivessem uma percepção histórica de quem foi Isaac Newton e Edmond Halley e suas contribuições. Além de
fazer um resgate histórico desses dois cientistas, La Penha (1986) envereda por discussões que possibilitaram
“desvendar” alguns mistérios sobre os cometas.

Os Artigos e a Matemática

Observa-se em cada um dos artigos que La Penha procurou enveredar, sem grandes pretensões, apresentar abordagens
históricas, físicas e matemáticas, de certa forma, imbricadas uma as outras. Questões como movimento planetário,
trajetórias elípticas, distância e grandezas entre estrelas foram focos físicos associados a diversos objetos matemáticos
em diversos campos, tais como, geometria analítica, geometria espacial, grandezas inversamente proporcionais,
funções logarítmicas e funções parabólicas.
Por exemplo, no artigo Esperando o cometa VI, La Penha (1985f) apresenta um quadro de Azimute em que
mostra a posição do cometa Halley projetada no céu para um observador situado no equador no período de fevereiro
a abril de 1986.

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GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY...

Figura2: – Azimute x Posição do Cometa de Harlley em 1986.

Fonte: La Penha 1985f

Considerações Finais

Observa-se nos artigos identificados de La Penha a preocupação do autor em desmistificar as crendices e o imaginário
relacionados ao cometa Halley, evidenciados ao longo deste trabalho. A linguagem utilizada nos artigos visa atender
ao mesmo tempo um leitor de cultura mais simples que busca informações cotidianas, quanto um leitor com
conhecimentos científicos mais apurados.
A riqueza de detalhes no âmbito histórico, literário, científico e matemático novos anseios sobre cometas,
principalmente quem se debruçar sobre esses artigos, e mais, aflorar a aspiração na busca de mais informações a
respeito dos astros celestiais.
Ao longo dos os artigos, La Penha nos mostra a riqueza da matemática mesclada aos outros campos das
ciências, neste sentido, entendemos que La Penha cumpriu seu objetivo de quebrar as crendices em relação ao cometa
e informar sobre o espetáculo celestial, fazendo com que todos os seus possíveis leitores esperassem Halley com
tranquilidade, desbastados de crendices ou mitos.

Bibliografia
CHAQUIAM, Miguel. Guilherme Maurício Souza Marcos de La Penha: uma história de seu itinerário intelectual em
três dimensões. 2012. 284f. Tese (Doutorado em Educação). Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Natal (RN), 2012.
FOSCHINI, Ilio. Halley 1986. Revista Marítima Brasileira, 1º Trimestre, 1986.
LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa I: O mais Importante de todos. Jornal O
Liberal, Belém, 1985a.
LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa II: um pouco de verdade nas crendices.
Jornal O Liberal, Belém, 1985b.
LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa III: Pendor Infalível para o dramático.
Jornal O Liberal, Belém, 1985c.
LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa IV: O terror Laputano de SWIFT, Belém,
1985d.
LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa V: A cauda venenosa do Halley. Jornal O
Liberal, Belém, 1985e.
LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Esperando o cometa VI: Poluição luminosa contra o Halley.
Jornal O Liberal, Belém, 1985f.
LA PENHA, Guilherme Mauricio de Souza Marco de. Newton, os “Principia” e Halley. Jornal O Liberal, Belém,
1986.

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Anais do XII SNHM -2017
Alailson Silva de Lira & Miguel Chaquiam

LIRA, Alailson Silva de. A evolução do conceito de função Segundo Guilherme de La Penha. 2013. 89f. Monografia
(Licenciatura em Matemática). Centro de Ciências Sociais e Educação, Universidade do Estado do Pará, Belém (PA),
2013.
Jornal Gazeta. O cometa de Halley: há perigo para a terra? Noticias de 20 de janeiro de 1910. Rio de Janeiro, 1910.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_04&PagFis=22073&Pesq=cometa%20halley>
Acesso em 22 de Novembro de 2016.

Alailson Silva de Lira


Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: alailson.lira@yahoo.com.br

Miguel Chaquiam
Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: miguelchaquiam@gmail.com

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: UM


ESTUDO SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS DE ANDRÉ PEREZ Y MARIN

Adriana de Bortoli
Faculdade de Tecnologia de Lins-Prof. Antonio Seabra – FATEC – Brasil
Marta Figueredo dos Anjos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil

Resumo

Este artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa que buscou entender convergências e/ou divergências das
ideias positivistas nos Livros Didáticos de André Perez y Marin, escritos em um período assumido pela literatura como
hegemonicamente positivista. Assim, nossas investigações intentam respondem à seguinte questão: André Perez y
Marin escreveu seus livros didáticos de matemática sob a ótica positivista? A fim de responder tal questão, usamos o
ferramental teórico-metodológico, vindo da história cultural que considera o livro didático como um objeto cultural e,
por essa razão estudamos também o momento político em que as obras foram produzidas. Buscamos os livros do
referido autor, dentre eles: Aritmética Teórico Prática, Elementos de Álgebra e Elementos de Geometria e, também,
a literatura que discorre sobre a influência do positivismo na História da Educação Matemática no Brasil. A análise
deu-se pela verificação da forma de organização do conhecimento empreendida nas obras. Assim, consideramos que
André Perez y Marin, em seus livros didáticos não apresentou o tratamento filosófico com o qual se preocupou Comte.
Iniciamos pela Aritmética definida por Perez y Marin como uma ciência que estuda as propriedades dos números e as
operações relativas á sua composição e decomposição. Diferentemente da acepção de Comte, não subordina esse ramo
à Álgebra. Além disso, Comte indicava a Aritmética de Condorcet obra na qual o autor eliminou elementos de
memorização das fórmulas e tabuadas de suas explicações sobre as operações fundamentais da Aritmética. Em
contrapartida, no texto referente a essa parte da Matemática, escrito por Perez y Marin, notamos algumas passagens e
trechos que remetem o leitor à necessidade de memorizar. O texto é repleto de regras e definições. Sobre o livro
Elementos de Álgebra, temos que Perez y Marin percebia esse ramo como uma generalização das operações
aritméticas, acepção essa coincidente com o que era mencionado por Comte. De qualquer forma, isso era comum à
época. Quanto à Geometria, apesar de Perez y Marin apresentá-la como a ciência de medição de extensão, conforme
a concebia Comte, verificamos no texto escrito por Perez y Marin que sua forma de abordagem não foi empírica,
diferente da postura assumida por Comte. Além disso, os ideais de Comte para o ensino de Geometria tinham uma
despreocupação com rigor ou formalismo matemático. E isso não foi observado na obra Elementos de Geometria do
autor analisado que, inclusive, era repleta de regras e de formalismo matemático.

Palavras-chave: Matemática Escolar Positivista, André Perez Marin, Ensino de Matemática.

REFLECTIONS ON POSITIVISM IN BRAZIL OF THE BEGINNING OF THE TWENTIETH CENTURY:


A STUDY ON THE ANDRÉ PEREZ Y MARIN TEXTBOOKS

Abstract

This article presents part of a research results that sought to understand convergences and/or divergences of positivist
ideas on André Perez y Marin textbooks, written on a period assumed by literature as hegemonically positivist.
Therefore, our investigations attempt to answer the following question: André Perez y Marin wrote his mathematics
textbooks under the positivist view? In order to answer it we use the theoretical-methodological tools, originated by
cultural history - that consider the didactic book as a cultural object - and leading us to study also the political moment

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Anais do XII SNHM -2017
Adriana de Bortoli &Marta Figueredo dos Anjos

in which those books were authored. We reference the own author's books, like Aritmética Teórico Prática
(Theoretical-Practical Arithmetic), Elementos de Álgebra (Algebra Elements) e Elementos de Geometria (Geometry
Elements) and, also, specific literature about influences of Positivism along the History of Mathematical Education in
Brazil. The analysis follows a verification about the form of organization of knowledge structured on works of Perez
y Marin. Thus, we consider that André Perez y Marin, in his textbooks, did not present the philosophical treatment
which Comte concerned about. We have started with Arithmetic, defined by Perez y Marin as a science of number
properties and the operations relative to its composition and decomposition, but, unlike Comte's sense, not
subordinated to Algebra. In addition, Comte recommended the Arithmetic of Condorcet, in which work the author
suppresses elements of memorization of formulas and tables from his explanations about fundamental operations of
Arithmetic. On the other hand, in the text referring to this part of Mathematic, written by Perez y Marin, we note some
passages and excerpts leading the reader to memorizing practices. The text is filled with rules and definitions. About
the book Elementos de Álgebra, is notable the Perez y Marin perception of this branch as an generalization of
arithmetical operations, concomitant to Comte's meaning. Anyway, that was a common sense at the time. Concerning
Geometry, although Perez y Marin presents it as the science of measurement of extension, consenting Comte's
conceptions, we verify in text written by Perez y Marin a way that not follows the empirical approach suggested by
Comte. In addition, the comtian ideals for Geometry teaching are unconcerned about rigor and mathematical
formalism, unlike what was observed in the work Elementos de Geometria, from the studied author, full of rules and
mathematical formalism.

Keywords: Positivist School Mathematics, André Perez y Marin, Mathematics Teaching.

Considerações iniciais

O presente texto visa apresentar uma reflexão acerca do positivismo no Brasil do início do século XX, no que tange
ao ensino de Matemática e, para tanto, empreendemos uma investigação, usando como estudo de caso os livros de
André Perez y Marin. O referido estudo relata parte dos resultados da tese de doutorado intitulada “Uma Análise Dos
Livros De André Perez y Marin: Um Momento Da História Da Matemática Escolar Brasileira No Início Do Século
XX”, bem como de algumas investigações, em andamento sobre a constituição da comunidade de matemática aplicada
no Brasil.
Ambos os estudos apoiam-se sobre um referencial teórico que propõe uma revisão acerca do impacto do
positivismo nas atividades científicas e educacionais brasileiras. Dentre esses referencias, autores como Siqueira
(2011) e Ferreira (2007) afirmam que a historiografia disponível sobre o positivismo no Brasil, em sua grande parte,
construiu uma visão de que, até 1930, não havia um desenvolvimento da atividade científica, causada pelo
“conservadorismo das ações do positivismo”, o que poderia ter retardado o desenvolvimento dos modernos métodos
matemáticos no Brasil (CASTRO, 1955; HÖNIG & GOMIDE, 1979).
Dessa maneira, Siqueira (2011) ao reavaliar as discussões ocorridas em torno do positivismo no Brasil traz a
reflexão sobre os embates internos e os diferentes meios científicos e políticos que determinam a constituição de um
campo científico.
Corroborando as ideias defendidas pelo referido autor, consideramos, por meio do exercício investigativo
proposto nesta comunicação evidenciar as particularidades e regularidades constitutivas do positivismo na escrita dos
livros didáticos de André Perez y Marin (1858- 1928), próprias do movimento de constituição do campo científico
brasileiro.

Faz-se necessário pontuar que o momento que envolve a vida do autor e a publicação dos livros, por nós
escolhidos, foi marcado por mudanças que, para muitos estudiosos da história da ciência no Brasil, como Stepan
(1976), consideram um divisor de águas da ciência brasileira e da pesquisa tecnológica no país.
O período da República Velha (1889 - 1930), caracterizou-se pela substituição do poder monárquico pelo

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Anais do XII SNHM -2017
REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX...

poder republicano. Esse movimento político foi composto por muitas influências, dentre elas, os ideários do
positivismo e do liberalismo absorvidos e moldados pelos intelectuais e militares brasileiros (CASTRO, 1995).
Diante disso, o cenário educacional esteve fortemente envolvido com referido projeto sob a égide da filosofia
positivista. Assim, suspeitávamos que a publicação das obras de Perez y Marin tivesse ocorrido sob forte influência
do positivismo que, inclusive, recomendava a Matemática como um dos pilares da educação. Dessa maneira, temos
uma interrogação diante desse tema de pesquisa: André Perez y Marin teria escrito seus livros didáticos de matemática
sob a ótica positivista?

Sobre Perez y Marin e o positivismo

André Perez y Marin foi um professor de matemática espanhol que exerceu a docência por 52 anos, 35 deles em terra
brasileira. Desses, ressalta-se quase a totalidade dedicada ao Ginásio De Campinas (1901-1928), atual Escola Estadual
Culto à Ciência, em Campinas (SP).
Na elaboração da Tese de doutorado, intitulada “Uma Análise Dos Livros Didáticos De André Perez y Marin:
Um Momento Da História Da Matemática Escolar Brasileira No Início Do Século XX”, da primeira autora deste
artigo, foi realizada uma pesquisa biográfica do autor, e verificamos indícios de proximidades ideológicas para com a
filosofia positivista, que serão descritos a seguir, entretanto, tais características não foram suficientes para afirmar que
a matemática produzidas nessas obras possa ser considerada positivista, nos moldes proposto por Comte.
Em um manuscrito de discurso proferido pelo autor que, possivelmente, tenha sido pronunciado no Colégio
Culto à Ciência, localizado no município de Campinas, onde lecionou por cerca de 27 anos, selecionamos:

“Não se pode desconhecer que existiam épocas em que, a partir de um fato facilmente descoberto,
se realizam em série, como por geração espontânea, grandioso progressos científicos. Tal
aconteceu durante a renascença quando Descartes, Pascal, Galileu, Newton, etc. puseram em
evidência os erros dos antigos”. (ANDRÉ PEREZ Y MARIN, discurso não datado, p.4).
De fato, a defesa e a visão diante do progresso característico e molar na filosofia positivista evidenciam uma
proximidade do referido autor com a referida filosofia que tinha como lema “Ordem e Progresso” além disso, a
Matemática, na ordenação de ciências criada por Comte era considerada como ponto de partida para a educação
científica. (MOTTA; BROLEZZI, 2008).
Ademais, apresentamos outro extrato que pode ser relacionado com as intenções de Comte, cuja filosofia
tinha a crença de que a verdadeira renovação deveria ser primeiramente teórica para depois ser transformada em ações
práticas (COMTE, 1983). “A união entre a teoria e a prática seria muito mais íntima no estado positivo do que nos
anteriores [...]” (COMTE, 1983, p. XI, XII). Em um discurso de Marin, não datado, podemos verificar essa concepção.
Conforme o trecho abaixo:

“[...] Basta um pouco de critério para observar que, ali onde os princípios ou os fatos são
descobertos, brotam também depois as aplicações. Na Alemanha, na França, na Inglaterra, a
fábrica vive em íntima comunhão com o laboratório, [...] semelhantes alianças tornam-se patentes
nessas grandes fábricas de cores de anilina, que constituem um dos filões mais prósperos da
indústria francesa, suíça e particularmente alemã [...]” (ANDRÉ PEREZ Y MARIN, discurso não
datado, p.6).

Constatamos, também, que além de algumas convicções do autor, possivelmente estejam ancoradas no
Positivismo, temos que ele trabalhou em uma instituição de ensino secundário, o Colégio Culto à Ciência, cuja
fundação ocorreu na passagem Império-República, mediante os ideários republicanos.
Diante desses indícios, buscamos nas obras de Perez y Marin as possíveis relações entre o Positivismo e a
Matemática proposta em seus livros, inclusive algumas semelhanças entre os livros didáticos de Matemática que foram
recomendados por Comte.

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Sobre os livros didáticos de Matemática de Perez y Marin

Iniciamos pela Aritmética. Perez y Marin definiu esse ramo como ciência que estuda as propriedades dos números e
as operações relativas à sua composição e decomposição. Diferentemente da acepção de Comte, não subordinou esse
ramo à Álgebra. Comte (1970, p.544) apud Rocha (2006, p.170) afirmou ser Aritmética: “a ciência que tem por
objetivo determinar o valor particular de uma função explícita dada, conhecendo-se os valores particulares das
quantidades que as compõem”.
Também sabemos que Comte indicava a Aritmética de Condorcet que segundo Valente (2000), aquele autor
eliminara de suas explicações sobre as operações fundamentais da Aritmética elementos de memorização, de fórmulas
e de tabuadas. Dessa maneira, no texto de Aritmética escrito por Perez y Marin notamos algumas passagens e trechos
que remetem o leitor à necessidade de memorizar. O texto é repleto de regras e definições. Além disso, também
constato várias sequências de exercícios. Percebemos, inclusive, que há uma crença na necessidade de repetição como
método de aprendizado que não ocorre no livro de Condorcet em que, ainda segundo Valente (2000), não há exercícios
propostos.
No texto de Álgebra de André Perez y Marin a definição desse ramo, elencada pelo autor, coincide com o
que era mencionado por Comte, a saber:

“Outra grande vantagem da notação algebrica é a de podermos descobrir, com seu emprego,
principios, que nos seria difficil e mesmo impossível descobrir por meio de algarismos. Não
devemos entender, porém, que a algebra consiste unicamente no emprego das letras, assim como a
arithmetica não consiste no emprego dos algarismos. A arithmetica calcula os valores e a algebra
as funcções, quer essas relações sejam representadas por números, quer por letras”. (PEREZ Y
MARIN, 1909, p.20).

Com essa citação de Perez y Marin podemos verificar que ele percebia a Álgebra como uma generalização
das operações aritméticas. De qualquer forma, isso era comum à época, conforme mencionaram Fiorentini, Miguel e
Miorim, ao analisar diversos livros do período:

“Mas, embora a Álgebra e a Aritmética tivessem a mesma abordagem, existia, entre elas, uma
relação de complementaridade uma vez que a primeira, devido ao seu poder de generalização, era
encarada como uma ferramenta mais potente que a segunda, pois ampliava as possibilidades desta
última, especialmente no que se refere a resolução de problemas” (FIORENTINI, MIGUEL,
MIORIM, 1992, p.42-3).

Por fim, tecemos consideração quanto à Geometria. Apesar de Perez y Marin apresentá-la como a ciência de
medição de extensão, conforme a concebia Comte, verificamos no texto de Geometria de Perez y Marin que sua forma
de abordagem não foi empírica de acordo com o que sugeria Comte.
Valente (2000), ao analisar a obra de Clairaut (que foi o texto de Geometria direcionado à Matemática
elementar, indicado por Comte), mencionou que Clairaut encarnou os ideais de Comte para o ensino das matemáticas
elementares, em especial, na Geometria, pois desenvolveu sua Geometria a partir da necessidade prática de medir
terrenos. Dessa maneira, tratou a Geometria sem qualquer preocupação com rigor ou formalismo matemático.
Diferentemente, analisamos no texto de Geometria uma abordagem que não tem características empiristas,
conforme já podemos constatar desde o prefácio da obra em que Perez y Marin juntamente de Carlos Francisco de
Paula afirmou que a geometria é uma ciência de método rigoroso, baseada num pequeno número de axiomas. De outra
parte, Comte apud Rocha (2006, p.201) “A Geometria não deixa de ser uma ciência empírica, pois a ideias iniciais
vem da experiência, embora o seu desenvolvimento e a concepção de novas figuras e suas propriedades são atingidos
por meio de abstração”.

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REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX...

Considerações finais

Diante do exercício investigativo empreendido neste estudo, compreendemos que as sugestivas defesas de
pressupostos ideológicos da filosofia positivistas apresentadas nos discursos proferidos por Perez y Marin não
asseguraram a produção de uma matemática positivista nos seus livros didáticos.
Tal prerrogativa corrobora as ideias defendidas por Valente que afirma:

“A análise dos objetos culturais como o livro didático revela uma autonomia relativa da
constituição da matemática escolar diante das transformações políticas ocorridas com a República.
A marcha da constituição da disciplina matemática teve suas determinações mais diretamente
ligadas aos padrões internacionais que às ingerências e turbulências da política brasileira. [...] a
matemática escolar no Brasil parece ter permanecido imune às tentativas de sua reestruturação
positivista, levando a concluir que não houve uma matemática escolar positivista, propriamente
dita.” (VALENTE, 2000, p.210).

Corroborando essas ideias, temos a fala de José Lourenço da Rocha que, em sua Tese de doutorado intitulada
“A Educação Matemática Na Visão De Augusto Comte” terminou assim o capítulo de apontamento da concepção de
Matemática na obra de Comte:

“[...] fica claro que o conteúdo matemático na obra de Comte não traz nada de novo e, o que é mais
significativo, todo o desenvolvimento da matemática do século XIX, seguiu um percurso totalmente
diverso do previsto por ele. Isso implica dizer que o filósofo de Montpellier não teve qualquer
influência no desenvolvimento dessa ciência básica. Pelo contrário, sua visão de fim da história
[...], fez com que sua obra em relação à Matemática já nascesse, em boa parte ultrapassada. Como
a história demonstrou, ele estava absolutamente equivocado. Considerando os trabalhos de Comte
pode-se afirmar, de maneira peremptória, que nunca existiu uma Matemática Positivista!”
(ROCHA, 2006, p. 284).

Dessa maneira, percebemos que alguns Educadores Matemáticos têm apontado para novas reflexões acerca
da hegemonia positivista que outrora foi assumida para o período estudado, mas podemos verificar várias divergências
no que diz respeito á discussão acerca da existência de uma Matemática escolar positivista.
A seguir elencamos outros textos que compõem essa literatura: “A Matemática Positivista e sua difusão no
Brasil” de Circe Mary Silva da Silva (1999), “Positivismo e Matemática Escolar nos Livros Didáticos no Advento da
República” de Wagner Rodrigues Valente (2000), “História na Educação Matemática: propostas e desafios” de
Antonio Miguel e Maria Ângela Miorin de 2004, “A Educação Matemática Na Visão De Augusto Comte” de José
Lourenço da Rocha (2006) e “A Influência Do Positivismo Na História Da Educação Matemática No Brasil” de
Cristina Dalva Van Berghem Motta e Antonio Carlos Brolezzi (2008).
Ressaltamos que, mesmo com concepções divergentes, foram textos que nos forneceram elementos
importantes para a identificação dos conceitos matemáticos propostos por Comte, de sua filosofia e de seu
entendimento diante da Matemática para que pudéssemos perceber tais elementos nas obras de Perez y Marin.
Diante de tais considerações, podemos concluir que os livros didáticos de Perez y Marin não possuem o
tratamento filosófico da proposta de Comte para a Matemática. Assim, este estudo indica a necessidade de releitura
da produção da Matemática escolar brasileira, especialmente, para o período republicano, pois traz à reflexão as
particularidades imersas no processo de constituição da Matemática escolar brasileira em meio a um movimento
filosófico positivista que predominou no ideário político da República.

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REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX...

Adriana de Bortoli
Faculdade de Tecnologia de Lins-Prof. Antonio
Seabra – FATEC – campus de Cidade - Brasil
E-mail: adrianadebortoli1@hotmail.com
Marta Figueredo dos Anjos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN – Natal – Brasil.
E-mail: martafigueredo@yahoo.com.br

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REVISTA EDUCAÇÃO (1929): INFLUÊNCIA DA PROPOSTA CENTROS DE INTERESSE NO


ENSINO DE MATEMÁTICA DO ENSINO PRIMÁRIO

Juliana Chiarini Balbino Fernandes (UNIFESP/ UNIVÁS) – juliana-chiarini@hotmail.com.

Este artigo teve como objetivo analisar a proposta pedagógica Centros de Interesse presente no ensino primário, bem
como investigar como o ensino de matemática permeia essa proposta pedagógica. Esse estudo é parte do projeto maior
intitulado “Pensamento pedagógico, formação de professores e práticas do ensino de matemática nos primeiros anos
escolares, 1890‐1970: aspectos da constituição dos saberes a ensinar e para ensinar matemática”, coordenado pelo
Professor Dr. Wagner Rodrigues Valente. Esse projeto maior, analisa em um período de oitenta anos, as
transformações do ensino de matemática nos primeiros anos escolares. O marco temporal desta investigação será
1929, período que estava vigente no Brasil o movimento de renovação educacional, conhecido como Escola Nova.
Esse movimento de renovação educacional considerou a educação como o eixo da questão pedagógica do intelecto
para o sentimento, do lógico para o psicológico, da cognição para os processos pedagógicos, do esforço para o
interesse, da disciplina para a espontaneidade, da quantidade para a qualidade. Como fonte para esse estudo, foi tomada
a “Revista Educação”, volume VI, nº 3, publicada em 1929 pela Diretoria Geral de Instrução Pública e Sociedade de
Educação de São Paulo, em específico o capítulo “Prática da Escola Ativa: Ensino Primário”: Aplicação do Método
Decroly. Este capítulo foi escrito pela professora Odette Bittencourt e apresenta uma atividade prática que teve como
centro de interesse: A cidade. O estudo aqui proposto será realizado pela lente da história cultural e pela história das
apropriações. Os centros de interesse, segundo Decroly, deveriam responder as inquietações e atender as motivações
dos alunos, pois a partir da observação e associação das ideias abstratas e concretas (no espaço e no tempo) seria
possível organizar as informações em conjuntos de conhecimentos. Observou-se que a “Revista Educação” de 1929,
apresenta as três fases proposta por Decroly e o ensino de matemática está configurado nos exercícios de expressão,
responsável por possibilitar a manifestação do pensamento de modo compreensível. A palavra, a escrita, a aritmética
e o concreto podem ser consideradas formas de expressão quando estão conectados a uma ideia. Esta relação é
indispensável, pois a narração oral, escrita ou desenho são formas espontâneas de demonstrar o quanto contribuem
para a construção do pensamento.

Palavras-chave: Centros de Interesse; Revista Educação; Ensino Primário.

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A PRÁTICA DA MATEMÁTICA SOB UMA DITADURA: A VINDA DE MAURICE FRÉCHET


A PORTUGAL EM 1942

Luis Manuel Ribeiro Saraiva (CMAF/CIUHCT/Universidade de Lisboa) - lmsaraiva@fc.ul.pt

A Sociedade Portuguesa de Matemática foi fundada em Dezembro de 1940, no contexto de um país submetido a uma
ditadura de características fascistas, e no segundo ano da segunda guerra mundial. Dois grandes objectivos a
orientaram: trazer para Portugal as novas e importantes áreas de investigação matemática e revitalizar a Matemática
Portuguesa captando o interesse da juventude universitária e pré-universitária. Pretendia igualmente que a
Universidade deixasse de ser um espaço exclusivamente destinado a formar quadros quer para o aparelho de estado
quer para o ensino, e passasse a ter uma importante componente de abertura para a investigação. Maurice Fréchet
(1878-1973) foi um importante matemático do século XX que orientou o doutorado em Paris de António Aniceto
Monteiro (1907-1980), o mais importante matemático português deste período, e o grande dinamizador da matemática
portuguesa na fase inicial da Sociedade Portuguesa de Matemática. Trazer Fréchet a Portugal seria ir na direcção da
realização dos objectivos da SPM de contactar directamente um dos matemáticos importantes da sua época e contribuir
para a dinamização e divulgação da matemática em Portugal. Apesar da neutralidade de Portugal na 2ª Guerra
mundial, e das simpatias do governo português com os regimes nazi e fascista italiano, o processo da saída de um
matemático de França não poderia ser simples naquela época, uma vez que o país estava ocupado militarmente pela
Alemanha.Daremos conta do modo como o processo da vinda de Fréchet a Portugal (e a Espanha) se processou, por
meio da análise da correspondência trocada não só entre Monteiro e Fréchet, mas igualmente com outras figuras
importantes em Portugal e em França, dando conta das várias dificuldades que se depararam devido à especificidade
da situação política em Portugal e em França. Descreveremos as actividades de Fréchet em Portugal e os seus contactos
com os matemáticos portugueses, bem como o modo como a imprensa estatal da época noticiou a passagem deste
matemático por Portugal. Referiremos igualmente algumas consequências deste seu contacto com os matemáticos
portugueses, neste episódio tão singular da história matemática portuguesa.

Palavras chave: Fréchet; Monteiro; Matemática e ditadura.

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HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Romélia Mara Alves Souto (UFSJ) - romelia@ufsj.edu.br

Relatamos neste trabalho uma experiência de ensino de História da Ciência e da Matemática para professoras da rede
de educação básica, no âmbito de um Programa de Mestrado em Educação. Ministramos uma disciplina de trinta horas
para uma turma de alunas/professoras egressas de cursos de licenciatura em química, física, matemática, ciências
biológicas além de filosofia e pedagogia. A ementa da disciplina e a metodologia de trabalho foram pensadas levando-
se em conta essa diversidade de áreas de formação e atuação. No curso, foi dada ênfase ao movimento que se
convencionou chamar “Revolução Científica”, ocorrido no Ocidente, entre os séculos XVI e XVIII, procurando
mostrar que, naquela época, originou-se uma forma de conhecimento com características estruturalmente diferentes
das outras formas até então disseminadas, com suas próprias instituições e linguagens específicas. Procuramos também
apresentar a História da Ciência e da Matemática não como uma sequência de acontecimentos, mas como um
complexo percurso da razão. A dinâmica das aulas pautou-se no estudo de textos, filmes e documentários,
apresentação de seminários e debates. Ao final do curso, as alunas avaliaram a contribuição da História da Ciência e
da Matemática para o seu aprimoramento profissional como algo positivo por vários motivos, destacando-se entre
eles: a mudança na sua maneira de perceber a ciência; a percepção da ciência como produto social e como herança
cultural; a compreensão sobre a natureza da ciência e seu percurso histórico; a possibilidade de compreender melhor
o presente a partir do conhecimento do passado e a descoberta de que as ciências que nos parecem hoje desconectadas,
eram interligadas na sua origem. Acreditamos que o aspecto mais interessante dessa experiência foi a possibilidade
de discutir e refletir sobre algumas questões importantes no fazer da ciência com pedagogas e professoras de várias
áreas disciplinares. Essa diversidade de áreas de interesse e de formação das alunas/professoras favoreceu o
aprofundamento da compreensão de questões que dizem respeito à produção de todas as ciências e da matemática,
criando um ambiente de maior intercâmbio de percepções e conhecimentos. As discussões ocorridas em sala de aula
permitiram uma visão mais abrangente dos processos de produção e difusão dos conhecimentos, desvelando com
maior riqueza de detalhes as múltiplas relações ali implicadas.
Palavras-chave: História da Ciência; História da Matemática; Formação de professores.

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LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA: UM ESTUDO DO INTERIOR


PAULISTA, A PARTIR DE DEPOIMENTOS DE PROFESSORES QUE ENSINARAM
MATEMÁTICA

Zionice Garbelini Martos Rodrigues - IFSP - Brasil

Resumo

Esse artigo tem como objetivo apresentar um recorte da tese de doutorado, intitulada “O Movimento da Matemática
Moderna na Região de Ribeirão Preto: Uma Paisagem”, apresentada no ano de 2010, na Universidade Estadual de
Campinas. Busca-se discorrer sobre um grupo de professores de Matemática que fizeram parte do Movimento da
Matemática Moderna nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Esses documentos foram complementados por outros tipos
de fontes escritas. No diálogo com as fontes, diversas facetas da Matemática escolar em tempos de Matemática
Moderna se destacaram. Uma dessas facetas – os Livros Didáticos de Matemática Moderna são discutidos neste
trabalho. Desde o processo de realização e textualização das entrevistas e, ao longo de toda a investigação, estabeleceu-
se um diálogo constante entre os relatos orais dos professores e os textos de diferentes autores que discorrem sobre
aspectos mencionados pelos entrevistados. Nesse diálogo, os ricos relatos dos mesmos, permeados pela emoção de
relembrar práticas, experiências, lugares, companheiros de trabalho, apontaram diversificadas temáticas, algumas
delas ainda pouco exploradas pela literatura da área. Os Congressos Nacionais de Ensino de Matemática, ocorridos
no Brasil na década de 1950, foram os primeiros fóruns privilegiados de discussões sobre a Matemática escolar
brasileira. No primeiro desses congressos, realizado em 1955 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Bahia,
na cidade de Salvador, contou com a presença de 115 professores de sete estados brasileiros, a saber: Bahia, Distrito
Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A professora Marta Maria
Souza Dantas, em seu discurso de abertura, no referido Congresso, manifesta uma posição cautelosa com relação à
introdução de “transformações radicais” no ensino de Matemática. À luz dos depoimentos percebe-se uma motivação
para o movimento da Matemática Moderna e alguns dos depoimentos apontaram que o uso do livro didático foi
significativo para que o processo de mudanças efetivamente pudesse ocorrer. Embora muitos artigos escritos sobre o
movimento mencionem que a motivação inicial do Movimento da Matemática Moderna era a preocupação com a
preparação matemática dos jovens que chegavam à universidade. Academicamente, intenciona-se que este artigo
possa oferecer contribuições para a valorização do Ensino da Matemática e também colaborar no desencadeamento
de novas pesquisas.

Palavras-chave: História; Matemática Moderna; Livro Didático.

MODERN MATHEMATICAL BOOKS: A STUDY OF THE PAULISTA INTERIOR FROM


TESTIMONIES OF TEACHERS WHO TEACHED MATHEMATICS.

Abstract

This article aims to present a cut of the doctoral thesis, entitled "The Modern Mathematics Movement in the Ribeirão
Preto Region: A Landscape", presented at the State University of Campinas, in 2010. It is sought to discuss a group
of Mathematics teachers who were part of the Modern Mathematics Movement in the 1960s, 1970s and 1980s. These

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Zionice Garbelini Martos Rodrigues

documents were complemented by other types of written sources. In the dialogue with sources, several facets of
school mathematics in Modern Mathematics have stood out. One of these facets - the Didactic Books of Modern
Mathematics are discussed in this paper. From the process of realization and textualization of the interviews and,
throughout the investigation, a constant dialogue was established between the oral reports of the teachers and the texts
of different authors that talk about aspects mentioned by the interviewees. In this dialogue, the rich reports of the
same, permeated by the emotion of remembering practices, experiences, places, work associates, pointed out diverse
themes, some of them still little explored in the literature of the area. The National Mathematics Teaching Congresses,
held in Brazil in the 1950s, were the first privileged forums for discussions on Brazilian school mathematics. The first
of these congresses, held in 1955 at the Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of Bahia, in the city of Salvador,
was attended by 115 professors from seven Brazilian states: Bahia, Federal District, São Paulo, Rio Grande do Sul
South, Espírito Santo, Pernambuco and Rio Grande do Norte. Professor Marta Maria Souza Dantas, in her opening
address at the aforementioned Congress, expresses a cautious position regarding the introduction of "radical
transformations" in the teaching of Mathematics. In the light of the testimonies one can see a motivation for the
Modern Mathematics movement and some of the statements pointed out that the use of the didactic book was
significant so that the change process could effectively take place. Although many articles written about the movement
mention that the initial motivation of the Modern Mathematics Movement was concern for the mathematical
preparation of the young people who arrived at the university. Academically, it is intended that this article can offer
contributions for the valorization of Mathematics Teaching and also collaborate in the triggering of new researches.

Keywords: History; Modern Mathematics; Textbook

1. Introdução

Neste estudo investiga-se o momento histórico vivenciado por um grupo de professores de Matemática, num período
compreendido entre 1960 e 1980, tendo como elemento de referência o Movimento da Matemática Moderna (MMM).
Com o depoimento destes professores torna-se possível esboçar uma compreensão das relações entre eles e o MMM
na região da cidade de Ribeirão Preto, no interior paulista.
Neste contexto foi elaborada a questão problema, que é parte integrante da tese de doutoramento “O
Movimento da Matemática Moderna na Região de Ribeirão Preto: Uma Paisagem”, desta autora, defendida no ano de
2010, com vistas a compreender: como se deu o processo de apropriação de propostas do Movimento da Matemática
Moderna na região de Ribeirão Preto?
A escolha do tema, do período e da região são decorrentes de circunstâncias de vida desta
autora/pesquisadora o que, de certa forma, busca-se mostrar na sequência.

2. A Criação do Grupo de Estudos do Ensino de Matemática (GEEM).

A tese do professor Osvaldo Sangiorgi, no Segundo Congresso Nacional de Ensino de Matemática, já em


seu título, anunciava as discussões sobre o ensino de Matemática que estariam em pauta nas décadas seguintes:
“Matemática clássica ou Matemática moderna, na elaboração dos programas do ensino secundário?”.
Dois anos após a realização do Segundo Congresso, sob a direção de Osvaldo Sangiorgi, é criado o Grupo
de Estudos do Ensino de Matemática (GEEM). Foi feita ao professor Sangiorgi a seguinte pergunta: “Que é o G.E.E.M.

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LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

de São Paulo?”. E este respondeu em sua publicação “A Matemática no Ensino Secundário. Atualidades Pedagógicas”
(1962):

Trata-se do Grupo de Estudos do Ensino da Matemática que, em cooperação direta com


a Secretaria da Educação de São Paulo, objetiva principalmente coordenar e divulgar a
introdução da Matemática Moderna na Escola Secundária (SANGIORGI, 1962, p.10).

Contemplando em “seus quadros professores universitários e secundários de Matemática”, o grupo


realizava, “em convênio com os Governos Federal e Estadual, Cursos de Aperfeiçoamento (que variavam desde uma
quinzena de duração) destinados a professores secundários e que objetivavam a introdução dos novos conceitos e da
renovação da linguagem matemática” (SANGIORGI, 1962, p.12).
No primeiro ano de funcionamento, do GEEM em 1961, foram realizados cursos “nas cidades de Santos e
de Itapetininga”, que tinham em seu programa as seguintes disciplinas: “Lógica Matemática, Álgebra Moderna e
Seminários sobre tópicos de assuntos de um moderno programa de Matemática para a Escola Secundária”.
(SANGIORGI, 1962, p.12).
Desde 1962, aconteciam reuniões mensais do grupo, “destinadas a professores secundários, de trabalhos
experimentais que cerca de nove professores vêm realizando com uso de linguagem moderna em suas aulas”
(SANGIORGI, 1962, p.12).
Nos anos seguintes, os cursos oferecidos pelo GEEM foram sendo reorganizados, dando origem a três
estágios, com dois grupos distintos de disciplinas: “teóricas” e “práticas”.
No Programa para os três estágios de cursos oferecidos pelo GEEM em 1965, por exemplo, encontram-se
disciplinas de “Tópicos Matemáticos” (Teoria dos Conjuntos, Lógica Matemática, Álgebra Moderna 1 e 2, Cálculo
Infinitesimal, Vetores e Geometria Analítica Probabilidades, Topologia e Programação Linear” e “Pedagógicas”
(Seminários de Ensino, Práticas Moderna e Sessões de Estudo – Curso Normal) (LIMA, 2006).
A distinção entre os dois grupos de disciplinas, no entanto, nem sempre era perceptível. Algumas disciplinas
que pertenciam à parte pedagógica nem sempre problematizavam questões do ensino fundamental ou médio.
Em entrevista a Flainer Rosa de Lima, o professor Irineu Bicudo, responsável pela disciplina Seminários
de Ensino, afirma que esta disciplina era direcionada à “formação matemática do professor” e não tinha a intenção de
“aplicar de imediato aquilo que estava sendo ensinado”. O professor pondera que “faltava essa bagagem matemática
que pudesse servir de fundamento para ele por a prática dele sobre. E os cursos que ministrei sempre foram nesse
sentido. Não esperava que fossem aplicados em sala de aula” (LIMA, 2006, p. 67).
Ao contrário do que afirma o professor Irineu Bicudo, alguns dos entrevistados consideram que nem sempre
conteúdos matemáticos disponibilizados em cursos de Matemática Moderna foram importantes para a fundamentação
da prática escolar.

3. Cursos e Livros sobre Matemática Moderna

A professora Mirthes M. B. Alexandre, aluna do Curso de Especialização sobre Álgebra de Boole, oferecido
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Barão de Mauá” e ministrado por Osvaldo Sangiorgi, manifesta essa

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posição. Embora afirme ter gostado muito do curso, ela considera que, no início, achou meio complicada essa “Álgebra
de Boole”. Pondera que “foi um curso muito bom, uma aula diferente, com uma pessoa que admira demais” e que
gostou “da parte de socialização e do conteúdo que ele ministrou”. Entretanto, a professora Mirthes conclui afirmando
que “não foi possível aproveitar muito do que aprendi em sala de aula” (BORTOLIN ALEXANDRE, Depoente 2006
apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.100).
Para a mesma professora, o conteúdo matemático central do curso, Álgebra de Boole, não auxiliou na sua
prática docente. A professora Maria Aparecida Coelho, que frequentou o mesmo curso que Mirthes, ou seja, o de
Especialização sobre Álgebra de Boole e, assim como ela, era formada em Licenciatura em Matemática, manifesta
uma posição semelhante ao afirmar que:

[...] embora o curso tenha sido sobre Álgebra de Boole e aplicações, o forte da aula do
Sangiorgi eram histórias de contextos escolares que ele compartilhava com os alunos. As
aulas eram muito ricas nesse sentido, não no conteúdo da Álgebra de Boole, mas, no
sentido da experiência dele como professor e das experiências dele nas salas de aula
(COELHO, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p. 86).

A dificuldade de muitos professores na apropriação dos novos conteúdos da Matemática Moderna em suas
aulas, mesmo após a participação em cursos, palestras e outras atividades propostas pelo GEEM ou por outros grupos
a ele filiados, como o Centro Regional de Aperfeiçoamento e Ensino da Matemática (CRAEM) e o GEEM, muitas
vezes, levou à adoção de livros didáticos, “usados como uma bíblia”. E a bíblia era o livro de Osvaldo Sangiorgi para
o Curso Ginasial.

Usávamos os livros didáticos como uma bíblia; basicamente eu usei os livros do


Sangiorgi, mesmo porque eu fiz um curso de especialização com ele e o conhecia
pessoalmente. Usava os livros do Sangiorgi do começo ao fim, tudo o que estava proposto
ali, com poucas alterações (COELHO, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES,
2010, p. 86).

“Nós adotamos os livros do Sangiorgi na escola municipal São Luiz. Adotávamos os livros dele porque
achávamos que eram os melhores” (BORTOLIN ALEXANDRE, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES,
2010, p. 86).
Os livros do professor Sangiorgi, como várias investigações já apontaram, foram os maiores orientadores
da introdução da Matemática Moderna nas séries finais do Ensino Fundamental das escolas brasileiras. A grande
vendagem desses livros transformou a coleção em um recordista de vendas no período. A tiragem dos livros da Coleção
Matemática Moderna “chegou à casa dos quatro milhões, com exatamente 4.332.702 exemplares de 1964 a 1972”
(LAVORENTE, 2008, p.233).

4. A Matemática Moderna e a PREM Ribeirão Preto-SP

Nos depoimentos concedidos por professores de Matemática que lecionaram à luz da Matemática Moderna,

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LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

em Ribeirão Preto-SP, em vários momentos, há ênfase na importância dos livros para a formação do professor na nova
proposta.
O professor Antonio Santilli, por exemplo, afirma que a “Matemática Moderna foi introduzida em Ribeirão
Preto, com a prática dos professores”, na qual o livro didático desempenhou um papel fundamental.

[...] Não tivemos uma introdução, um preparo inicial. Baseávamos nos ensinamentos dos
livros didáticos, em especial, os livros do matemático Osvaldo Sangiorgi. Após um inicio
titubeante e pouco promissor, graças ao esforço dos professores, a troca de ideias e
algumas palestras do Sangiorgi, a Matemática Moderna teve uma aceitação muito boa e
sua aplicação ao educando foi evoluindo muito bem, em todos os níveis, especialmente
nas primeiras séries ginasiais, hoje 5ªs e 6ªs séries do Ensino Fundamental (SANTILLI,
2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p. 51).

Para a professora Maria Aparecida, os livros, naquela época, eram os principais referenciais para o trabalho
pedagógico.

[...] Não me lembro de livros paradidáticos ou de materiais. O livro didático era o único
material utilizado. A gente só trabalhava mesmo com livros didáticos; Matemática formal
e livro didático. Agora, não sei se lhe interessa diretamente este fato, mas o que veio
romper um pouco com esse formalismo foi quando tomei conhecimento do livro do
‘Polya’ (COELHO, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.67).

A Coleção Matemática Moderna de Osvaldo Sangiorgi já contempla algumas das características dos livros
didáticos que surgem com as inovações do setor editorial brasileiro, dentre as quais a introdução de cores, mudanças
de dimensões, introdução de notas, lembretes, amigos, entre outros. O volume 1 da coleção é o primeiro livro
brasileiro para o ensino ginasial, de autoria de Osvaldo Sangiorgi, já com a utilização de um título com o termo
moderno, publicado pela Companhia Editora Nacional, em 1963 (MIORIM, 2005).
Durante o período em que o Movimento da Matemática Moderna foi implantado em escolas brasileiras, a
produção de livros didáticos começou a ser efetuada de uma maneira diferente de outros momentos históricos. Neste
período, muitas obras foram escritas a partir de experiências inovadoras realizadas em diferentes tipos de escolas.
Muitos desses livros eram escritos em parceria por professores que compartilhavam experiências semelhantes ou eram
parceiros em grupos de estudo.
O professor Ruy Madsen Barbosa, membro atuante do GEEM e do CRAEM, escreveu diversos livros
didáticos de Matemática Moderna. Alguns deles relacionados a disciplinas que ministrava em cursos de
aperfeiçoamento de professores e outros para o Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Talvez o primeiro texto didático do professor Ruy Madsen Barbosa tenha sido o volume 5 da Série
Professor do GEEM, intitulado “Combinatória e Probabilidades”. Este tema era desenvolvido pelo professor Ruy em
cursos e palestras de Matemática Moderna promovidas pelo GEEM.

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Zionice Garbelini Martos Rodrigues

Figura 1 – Combinatória e Probabilidades


Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.143)

Outro livro do professor Ruy Madsen Barbosa, que se relaciona diretamente às disciplinas dos cursos
oferecidos pelo GEEM é o livro “Elementos de Lógica aplicada ao ensino secundário”, publicado em 1968, pela
Editora Nobel.

Figura 2 – Elementos de Lógica aplicada ao ensino secundário


Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.144)

A coleção de livros didáticos de Matemática Moderna para o Ensino Médio, então denominado Colegial,
foi escrita por Ruy Madsen Barbosa e Luiz Mauro Rocha, junto com os companheiros do GEEM.

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LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

Figura 3 – Curso Colegial Moderno – 3º Volume


Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.145)

Outro entrevistado, Armando Righetto, professor universitário, escreveu livros de Matemática Moderna
para o Ensino Superior. Com relação ao livro “Vetores e Geometria Analítica”, publicado em 1988, pelo Instituto
Brasileiro do Livro Cientifico (IBCL), no decorrer da entrevista, o professor folheava o livro e tecia os seguintes
comentários:

É um livro bem extenso, tem exercícios propostos e exercícios resolvidos; geralmente os


exercícios resolvidos são os exercícios mais difíceis, mas têm muitos exercícios. O
primeiro capitulo é o de Vetores, depois é que vem a Analítica e eu chego até lá nas
quádricas; todo o livro é assim e tem de cálculo também.

Figura 4 – Vetores e Geometria Analítica


Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.145)

O professor Righetto também escreveu livros de Cálculo, um deles em parceria com o professor Antonio
Sergio Ferraudo.

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Zionice Garbelini Martos Rodrigues

Figura 5 – Cálculo Diferencial e Integral


Fonte: Martos Rodrigues (2010, p.146)

Os entrevistados levantaram diferentes aspectos com relação aos livros didáticos de Matemática Moderna.
Para o professor Marcio de La Corte esses livros não apresentam uma Nova Matemática, mas, sim, uma nova
abordagem da matemática.

Estes livros didáticos apresentaram aos estudantes e professores não uma moderna
Matemática, mas uma nova abordagem da matéria, como Teoria dos Conjuntos,
Estruturas Algébricas Elementares e Estruturas de Ordem. Antigamente e, por muito
tempo, no ensino da Matemática foi feito na base de muitos cálculos, muita conta e com
ênfase na decoração, os livros quase não mudavam e passavam de uma geração para
outras (DE LA CORTE, 2005, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.146).

O professor Santilli considera que o trabalho com a teoria dos conjuntos associado a uma simbologia mais
adequada possibilitou uma articulação entre conceitos, até então trabalhados isoladamente, e uma maior compreensão
da Matemática.

Já conhecíamos a teoria dos conjuntos, porém, o enfoque dado a essa teoria pela
Matemática Moderna foi altamente positivo. A abrangência da teoria dos conjuntos nos
vários conceitos, em todos os campos da Matemática, nos trouxe uma compreensão muito
maior da cada assunto. O realce do conjunto, aliado a riqueza da simbologia, tornou
mais clara a compreensão e muito mais compreensível para o educando. Em classe, a
Matemática ficou mais fácil, ganhou mais vida e tornou-se se agradável. A Matemática,
como eu falei, foi introduzida aqui em Ribeirão Preto, mais no sentido prático, dentro das
salas de aulas, pelos próprios professores, com as matérias iniciais fornecidas por
Osvaldo Sangiorgi e sua coleção de livros. No mais, eram estudos feitos pelos próprios
professores que aplicavam; aqueles que enfim, se dedicavam. Nós trocávamos ideias, e
íamos aplicando, nós não tivemos uma orientação mais segura, vinda de fora, a não ser
a de Osvaldo Sangiorgi (DE LA CORTE, 2005, depoente apud MARTOS RODRIGUES,
2010, p.147).

O professor Ruy Madsen Barbosa também fez uma crítica aos livros didáticos de Matemática Moderna. Em

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Anais do XII SNHM -2017
LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA...

certo momento de sua entrevista ele disse: “foi uma pena que naquela época houve uma corrida para redigir textos,
livros...”. Solicitado a explicar melhor a sua afirmação, o professor Ruy faz uma avaliação pessoal sobre as produções
didáticas daquele período. Ele concorda que “os livros estavam, de certa forma, desatualizados”, mas considera que
“surgiram coisas que prejudicaram o Movimento de Modernização da Matemática, o que me parece aconteceu
também no exterior” (MADSEN BARBOSA, 2005, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010, p.147).
Relembra nesse momento o livro “O Fracasso da Matemática Moderna” de Morris Kline. Entretanto, ele
afirma não concordar com essa leitura. Para ele, o problema estava relacionado ao mercado editorial, à corrida pela
publicação de livros novos, pioneiros, o que levou ao “surgimento de textos escritos por pessoas não preparadas”.
Erros, falta de exatidão...

Livros, por exemplo, para a escola primária com gravíssimos erros e, naquela ânsia de
se fazer talvez uma coisa nova, a própria teoria dos conjuntos foi empregada em várias
séries, desde o primário até o colegial. Alguns se desculpavam por ter feito isso porque
eles precisavam dessa linguagem subjacente que eram os conjuntos, ou a lógica. A lógica,
no ensino colegial ficou, nos primeiros anos, somente em termos das tabelas verdade e
não houve desenvolvimento. Então, você veja que vários desses textos que foram
preparados, obviamente não podiam ter exatidão em tudo. Os antigos autores tinham que
se reformular ou mesmo aprender. A teoria dos conjuntos e estruturas algébricas eram
dadas nas faculdades nessa época, mas sobre outro ponto de vista. (...). Essa é a grande
verdade (MADSEN BARBOSA, 2006, depoente apud MARTOS RODRIGUES, 2010,
p.148).

A partir de uma leitura atenta às entrevistas, percebeu-se que a ênfase aos livros didáticos fora dada pelos
depoentes que se escolheu para este artigo, assim sendo, destacamos as falas mais significativas no que se refere a esta
temática.

5. Considerações Finais

Assim, buscamos neste trabalho uma interlocução com os depoentes para comprovarmos nossa intenção.
O processo de apropriação do conjunto de ideias relativas ao Movimento da Matemática Moderna por dez
professores que lecionaram na região de Ribeirão Preto representou um grande desafio que à medida que ocorriam as
entrevistas e aprofundava as temáticas sorteadas novos conhecimentos foram examinados, reformulados, ampliados,
revalorizados e transformados.
À luz dos depoimentos percebemos uma motivação para o movimento da matemática moderna, alguns dos
depoimentos apontam que o uso do livro didático foi significativo para que o processo de mudanças efetivamente
pudesse ocorrer.

Bibliografia

ALEXANDRE, Mirthes Maria Bortolini. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 09 de Agosto de
2006. Local: Bonfim Paulista – SP.
BARBOSA, Ruy Madsen. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 23 de Maio de 2006. Local: Cidade

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Zionice Garbelini Martos Rodrigues

de Campinas – SP.
COELHO, Maria Aparecida V. M. P. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 09 de Novembro de
2006. Local: Cidade de Campinas – SP.
LA CORTE, Marcio de. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 28 de Novembro de 2005. Local:
Cidade de Ribeirão Preto – SP.
LAVORENTE, Carolina R. A Matemática Moderna nos livros de Osvaldo Sangiorgi. Dissertação (Mestrado em
Educação Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: PUCSP, 2008
LIMA, F. R. Grupo de estudos do ensino da matemática e a formação de professores durante o Movimento da
Matemática Moderna no Brasil – GEEM. 2006. 131 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
MARTOS RODRIGUES, Zionice G. O Movimento da Matemática Moderna: Uma Paisagem. Tese (Doutorado em
Educação Matemática) Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas. Campinas: UNICAMP, 2010.
MIORIM, M. A. Livros didáticos de matemática do período de implantação do Movimento da Matemática Moderna
no Brasil. In: V Congresso ibero-americano de educação matemática, V CIBEM. Porto, 2005.
RIGHETTO, Armando. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 26 de setembro de 2005. Local: Cidade
de Patos de Minas – MG.
SANGIORGI, O. Introdução da Matemática Moderna no Ensino Secundário. Matemática Moderna para professores
do ensino secundário. São Paulo: GEEM, 1962.
SANTILLI, Antônio. Entrevista. Concedida à Zionice Garbeline Martos, em 26 de Novembro de 2006. Local: Cidade
de Ribeirão Preto – SP.

Profa Dra Zionice Garbelini Martos


Rodrigues
Departamento de Matemática – IFSP – campus de
Birigui - Brasil

E-mail: zionice@ifsp.edu.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO


PROJETO LOGOS II

CRISTIANE TALITA GROMANN DE GOUVEIA


Universidade Estadual Paulista – UNESP – Brasil

SÉRGIO CANDIDO DE GOUVEIA NETO


Universidade Federal de Rondônia/Universidade Estadual Paulista – UNIR/UNESP – Brasil

Resumo

Na década de 1970, o Governo Militar criou o Projeto Logos II, que tinha como objetivo a habilitação de professores,
conhecidos na época como “professores leigos”, para atuarem em sala de aula. O curso, em nível de segundo grau,
habilitava para o exercício do magistério nos quatro primeiros anos da escolaridade. A grade curricular do Logos II
era composta por 28 disciplinas (3.480h), divididas em duas categorias (Geral e Especial). A primeira parte era voltada
para a formação de 5.ª a 8.ª série do 1.º Grau e 2.º Grau, ao passo que a segunda (especial) era responsável pela
formação do Magistério. O material didático utilizado nas disciplinas eram livros em formato de brochuras, chamados
de “módulos”. A disciplina de Educação Artística tinha oito módulos e fazia parte do rol de Formação Geral Projeto
Logos. Em tempos de ditadura civil-militar, contudo, é legítima a indagação de como a arte seria ensinada aos
professores do Logos II. Como o projeto era pautado no modelo fordista-taylorista (tecnicismo), a arte era tratada
como um elemento que poderia ser produzido em massa e, desse modo, a matemática tinha um papel preponderante.
Os módulos de Educação Artística do Projeto Logos II continham muitos indícios de elementos geométricos,
principalmente linhas, pontos, retas, círculos, triângulos e quadrados. Semelhantemente, foi observada também a
presença de noções de simetria e assimetria no trabalho artístico. De uma maneira geral, foi notado que não era
ensinada uma arte-libertadora ou mesmo uma arte-protesto, mas, antes de tudo, uma arte voltada para a produção, em
sintonia com as caraceterísticas da educação da época. Resultados semelhantes foram observados por Campos e
Zanlorenzi (2009), que analisaram um livro de Educação Artística do início da década de 80. Como considerações
finais, ressaltamos que uma das consequências do tecnicismo para o ensino da arte foi a sua redução apenas ao ensino
de desenho e pintura, como se essas fossem as únicas modalidades artísticas existentes.

Palavras-chave: História, Magistério, Regime Militar.

ART AND MATHEMATICS IN THE MODULES OF THE ARTISTIC EDUCATION SUBJECT OF THE
LOGOS II PROJECT

Abstract

In the 1970s, the Military Government created the Logos II Project, which aimed at enabling teachers, known at the
time as “lay teachers”, to work in the classroom. The course, of a second level, enabled the practice of teaching in the
first four years of schooling. The curriculum of the Logos II was composed of 28 subjects (3,480 hours), divided into
two categories (General and Special). The first part focused on the 5th to 8th grades of the primary and secondary levels,
while the second (special) was responsible for teachers’ formation. The didactic material used in the subjects consisted
of books in the format of brochures, called “modules”. The subject of Artistic Education had eight modules and was
part of the roll of the Logos Project General Training. In those times of civil-military dictatorship, however, it is
legitimate to ask how Art would be taught to the teachers of the Logos II. As the project was based on the Fordist-

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Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

Taylorist model (technicism), Art was treated as an element that could be mass produced and, therefore, Mathematics
played a leading role. The Logos II Art Education modules contained many indications of geometric elements,
especially lines, dots, straight lines, circles, triangles, and squares. Likewise, the presence of notions of symmetry and
asymmetry in artistic works was also observed. In general, it was noted that notions of Art as liberation or even of Art
as a form of protest were not taught; it was, above all, a production-oriented Art that was taught, in tune with the
characteristics of the education of the time. Similar results were observed by Campos and Zanlorenzi (2009), who
analyzed an Art Education book of the early 1980s. As final considerations, we emphasize that one of the
consequences of the technicalism of the teaching of Art was its reduction only to the teaching of drawing and painting,
as if these were the only existing artistic forms.

Keywords: History, Teaching, Military Regime.

1. Introdução

Arquitetura da Destruição é um documentário de 1989, produzido e dirigido pelo cineasta sueco Peter Cohen, que
mostra como a arte foi usada como “pano de fundo” pelos nazistas, desde a estética das cidades passando pela busca
de um ideal de beleza e de homem perfeito, até chegar à justificativa para uma limpeza étnica. Para Cohen, Hitler vai
buscar na arte da Antiguidade Clássica, o ideal de homem e de beleza, em oposição à arte moderna, que os nazistas
consideravam degenerada e relacionada ao Bolchevismo e aos Judeus.
Para os nazistas, a arte moderna representava os problemas genéticos existentes na sociedade e para tanto,
em oposição a essa “arte degenerada”, era preciso uma “arte sadia”, de acordo com os ideais estéticos da raça ariana.
Além disso, o ideal de beleza representava a saúde, e assim era necessário eliminar as doenças, que poderia contaminar
o corpo social. A limpeza de todos os espaços – casas, locais de trabalho, etc. –, justificava o processo de purificação,
da raça e de toda cultura.
Mas, em tempos de crises, a arte pode usada como um meio de resistência. Como forma de resistência ao
regime nazista, em 1937, Pablo Picasso pinta “Guernica”, um quadro que tratava do bombardeio nazista na cidade
espanhola de Guernica. Pintado em preto, azul e branco e no estilo cubista, a obra demonstrava o repúdio do artista
ao horror nazista. Conta-se que numa exposição, foi perguntado a Picasso qual o papel da arte, ao que ele teria dito:
“Não, a pintura não está feita para decorar apartamentos. Ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo”.
No Brasil, em tempos de ditadura civil-militar, a arte também foi um instrumento de luta. Já nos primeiros
anos, artistas de diversos campos da arte, da música, do teatro, das artes plásticas e outros; empunhavam suas armas
– canetas, barros, vozes, pincéis – para lutar contra o regime instalado. A música, por exemplo, foi um importante
instrumento de comunicação e luta. Além de servir como um meio para registrar os acontecimentos do período
(PINHEIRO, 2010), as músicas estimularam de alguma forma, discussões sobre o regime militar, mesmo que algumas
canções não fossem criadas com objetivo de protesto, como a música “Pra não dizer que não falei das flores” de
Geraldo Vandré.
Se por um lado, artistas estavam usando as diversas linguagens da arte como forma de protesto, por outro, o
regime militar tinha seus meios para alcançar a população, como uma arte que eles consideram adequada. Os projetos
educacionais, como forma de divulgação de uma cultura dominante, constituíam um importante meio para cumprir as
demandas do regime.
Dentre os diversos projetos educacionais instituídos pelos militares, estava o Logos II, que foi um programa
de educação a distância, criado em 1975 e implantado em 1976, pelo Governo Federal, por meio do MEC (BRASIL,
1975; CETEB, 1984). Foi planejado na esfera Federal, mas foi dada aos Estados e aos Territórios Federais, autonomia
para que “elaborassem seus próprios planos de habilitação dos professores não titulados” (AMARAL, 1991, p.63). O
programa foi implantado inicialmente nos Estados da Paraíba, Piauí e no Território de Rondônia. “O critério de escolha
dessas unidades deveu-se ao alto índice de professores leigos existentes nesses locais em face das dificuldades de
comunicação, acesso à infraestrutura, o que se prestava mais propriamente para o experimento, pelas dificuldades”
(BRASIL, 1975, p.7). Posteriormente, juntaram-se ao projeto-piloto, os estados do Paraná e Rio Grande do Norte.

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Anais do XII SNHM -2017
ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

Quando o projeto foi encerrado, já abrangia um total 19 Estados da federação, sendo esses, além dos cinco já citados,
os Estados do Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do
Sul, Minas Gerais, Pará, Santa Catarina, Sergipe e Território Federal Roraima (CETEB, 1984).
O programa seguia o propósito de capacitar, em regime emergencial, os professores que eram leigos e, dessa
forma, o docente-cursista, ao concluir seus estudos, estava habilitado em nível de segundo grau para exercício do
magistério nas quatro primeiras séries do 1º Grau. O Logos II adotava os moldes do Ensino Supletivo, ou seja,
educação a distância no sistema modular, ficando, então, o Departamento de Ensino Supletivo (DSU) responsável por
sua execução. O material didático e outras responsabilidades ficaram aos cuidados do Centro de Ensino Técnico de
Brasília (CETEB).
A grade curricular do programa era composta por 28 disciplinas (3.480 h), sendo divididas em duas categorias
(Geral e Especial) mais 2.000 horas de estágio que, inicialmente, era supervisionado. A Educação geral baseava-se na
“legislação pertinente aos conteúdos relativos ao ensino de 1º e 2º graus e foi subdividido em 12 disciplinas e 106
módulos” (CETEB, 1984, p. 16), classificado em nível crescente de dificuldade. Já a parte de Educação Específica
continha “18 disciplinas, que eram estudadas em 99 módulos, igualmente sequenciados dos assuntos mais simples
para os mais complexos” (CETEB, 1984, p. 16). No total, foram elaborados “205 módulos além de uma série
introdutória denominada ‘preparação do cursista’, da qual constam as informações básicas do Projeto, sua
operacionalização e as responsabilidades do aluno participante” (CETEB, 1984, p. 16). Os módulos eram livros
em formato de brochuras, entregues aos professores-cursistas no início do curso. Eram, senão a única, uma das
principais fontes que os cursistas tinham para estudar. No rol das disciplinas da categoria geral do Logos II, figurava
a Educação Artística, com oito (8) módulos (Figura 1). Mas, em tempos de ditadura civil-militar, como e que arte era
ensinada aos professores?

Figura 1 - Capas de alguns módulos da disciplina “Educação Artística”

Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Para tentar responder essas perguntas, este artigo visa elaborar um estudo histórico, mostrando como e que
tipo de arte era ensinado aos professores-cursistas do Logos II, que estudavam por meio dos módulos da disciplina de
“Educação Artística”.
Tal estudo justifica-se pela dimensão e importância que o Projeto Logos II adquiriu, ao longo dos anos,

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Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

cobrindo diversos Estados da Federação, conforme discutido antes. Foi ainda, um projeto político-pedagógico
importante, que pode ter impactado diretamente a educação do país, uma vez que muitos professores foram formados
neste projeto.
Além dessa introdução, que tratou de um panorama educacional nos tempos do Projeto Logos II, o artigo está dividido
em fundamentos teórico-metodológicos e na discussão dos resultados. A primeira parte dos resultados e discussões
trata sobre o que se pretendia ensinar em termos de arte aos professores-cursistas. Já a segunda parte abordará as
relações entre matemática e arte, percebidos nos módulos da disciplina de Educação Artística. Por fim, serão feitas
algumas considerações e apontadas sugestões de pesquisas futuras.

2. Referencial Teórico-Metodológico

Foi utilizado como método de análise o Método Indiciário (GINZBURG, 1989). Segundo Ginzburg (2007), entre
1874 e 1876, Giovanni Morelli, sob o pseudônimo de Ivan Lermolieff, publicou uma série de artigos sobre a pintura
italiana, em que propôs um método de atribuição de autoria dos quadros antigos. Para Morelli, atribuir cada quadro
ao seu verdadeiro autor era um problema difícil: obras não assinada, repintadas ou em mau estado de conservação
complicavam ainda mais a situação. Morelli apresentou uma solução para o problema, propondo que era preciso não
se basear nas características mais vistosas, mas examinar os pormenores, aqueles pontos anteriormente negligenciados.
Associado ao método de Ginzburg, utilizamos a crítica ao documento de Marc Bloch, pois segundo esse
autor, é necessário ter um olhar mais crítico em relação ao documento e também procurar confrontar as fontes, pois
um documento é muito mais do que diz ser (BLOCH, 2001). Desse modo, teremos como fontes históricas as
legislações e módulos referente ao Projeto Logos II. Foram consideradas também artigos, dissertações e teses,
relacionados ao referido projeto e a história da arte, sendo que, nos trabalhos analisados sobre a arte, a qual era vista
como forma de arte-protesto.
Para estabelecer o processo de criticidade, conforme sugerido por Bloch, aliamos ainda a triangulação de
dados como colocada por Sandra Mathison (1988), em que utiliza-se diversas fontes de dados que são confrontadas
com o intuito de verificar se há incoerência entre os dados. O valor da triangulação está na possibilidade que o
investigador tem de construir explicações sobre os fenômenos sociais a partir do qual eles surgem. Desse modo,
utilizam-se, não apenas dos resultados convergentes, mas também de resultados inconsistentes e contraditórios
(MATHISON, 1988).
Utilizando-se do paradigma indiciário, a crítica ao documento e a triangulação de dados, a análise dos
módulos de Educação Artística do Projeto Logos II partiu de uma leitura abrangente dos módulos (fontes),
considerando os elementos presentes nos textos e imagens. A observação estendeu-se para elementos externos aos
módulos, tomando as legislações, outros textos, filmes, obras de arte, ou seja, os contextos espaço-temporais em que
se inseriam e em outros espaços-tempos. Portanto, a ideia era colocar em evidência aqueles elementos menores, os
resíduos, e a partir daí construir uma história.

3. Resultados e Discussões
3.1. As diversas linguagens artísticas presente nos módulos de Educação Artística do Projeto Logos II

A história da arte está muito presente nos módulos da disciplina de Educação Artística do Projeto Logos II (Quadro
1), desde a pré-história, passando pela arte no Egito Antigo, Grécia e chegando aos movimentos da pintura, isto nos
séculos XIX e XX. Essas diversas formas de expressão humana ao longo do tempo, denominamos de linguagens
artísticas. De um modo geral, esses são meios de expressar ideias, sentimentos, emoções, crenças ou apenas formas
de perceber e ver o mundo, com objetivo estético ou comunicativo.
Nos módulos, percebemos também uma tentativa de ligação ou a criação de paralelos entre diversos lugares
e momentos diferentes ao longo do tempo. Por exemplo, no módulo 01, ao tratar da escultura, os autores fazem um
passeio pelos modelos de esculturas da pré-história, do Egito Antigo e do nordeste brasileiro.
Conforme as informações do Quadro 1, notamos que, apesar da diversidade de linguagens artísticas nos

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Anais do XII SNHM -2017
ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

módulos, com uma abordagem histórica, não se tratou da música, do teatro, do cinema, da fotografia e outras formas
de expressão da arte. Tivemos em consideração que havia disciplinas específicas no curso, como por exemplo, a
literatura, que talvez tenha levado os elaboradores dos módulos à opção de não colocar tais linguagens no rol de
conteúdos de Educação Artística.

Quadro 1 - Conteúdos dos módulos de Educação Artística do Logos II


Módulos Conteúdos
Módulo 01 - Arte na pré-história (esculturas, pinturas rupestres);
- Diferença entre arte (estética) e artesanato (ligada a uma função);
- Arquitetura rupestre (Stonehenge);
- Arte no Egito Antigo (arte de túmulos e templos, esculturas, pinturas,
cadeiras e camas egípcias); Grécia (a.C.) (templos, esculturas, vasos) e
Roma (arcos romanos, templos, esculturas);
- Arte do povo (ligado a crenças) (esculturas em madeiras da Oceania,
Pinturas em madeiras para espantar o mal, cavaleiros africanos em
madeira, ex-votos de São Francisco do Canindé – Ceará, Vasos, Urnas
funerárias, Vasos de Cerâmica – Mato Grosso, Bahia, Pará-, Cerâmicas,
Arte indígenas);
Módulo 02 - Capacidade de criação;
- Exercícios sensoriais (tato, olfato, paladar, audição, visão);
- Exercícios motores;
Módulo 03 - Arte Lúdica (fazer arte brincando);
- Organização das formas (simetria e assimetria) (natureza, nas letras, etc.);
Módulo 04 - Linguagem verbal e não verbal;
- Arte figurativa (conteúdo expresso por meio de figuras) e Arte abstrata
(conteúdo expresso por meio da utilização de volumes e vazios);
- Arte figurativa sobre o plano [pinturas Românticas, Pintura Realista,
Impressionismo, Expressionismo (Van Gogh, Picasso), Pós-
impressionismo (Paul Cézanne), Cubismo, Futurismo, Surrealismo
(Salvador Dali, Marc Chagall, Jerome Bosch – colocado como surrealista,
Joan Miró); Arte Ingênua (Da Silva, Djanira)];
- Sua forma de expressão.
Módulo 05 - Arte não figurativa ou abstrata;
- Tendências da arte abstrata [Pintura geométrica (Piet Mondrian),
Informal (Wassily Kandinsky, Victor Vasarely)];
- O processo de impressão – reprodução da imagem (matrizes
improvisadas, matrizes montadas e talhadas), decalque;
- Xilogravura como forma de expressão [xilogravuras do Nordeste,
gravuras em outros estados do Brasil (Osvaldo Goeldi, Lazar Segal,
Calazans, Maria de Lourdes Mader Pereira, José Altino, Lívio Abramo,
Maria Bonomi)];
- Xilogravuras em várias partes do mundo [Munaka (japonês) e Wolf
(alemão)];
Módulo 06 - Atuando sobre o meio ambiente que nos cerca (retalhos, sementes, linhas,
contas, casca de ovo);
- Atuando sobre os meios de comunicação (atuação sobre jornal e revistas);
- Atuando sobre a natureza [terra seca, barro, cerâmica dos índios Carajás,
figuras de presépio do Vale do Paraíba, Cerâmica de Caruaru, Forma

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Anais do XII SNHM -2017
Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

funcional da cerâmica (vasos), fibras vegetais (linho e juta – confecção de


bolsas, toalhas, sacos e redes), vime (móveis e cestas), palha (bolsas,
cestas, sacolas, chapéus, tapetes), cestas (para carregar milho, etc.)];

Módulo 07 - Criação no espaço com materiais diversos (Madeira, Metal, Plástico,


Papelão) (Alexander Calder – esculturas de arame);
- Formas com módulos (caixa de fósforos, etc.);
- A criação artística no espaço [esculturas, escultura barrocas e modernas
(Aleijadinho, Alexander Calder – esculturas de arame, móbiles)];
- Arquitetura [arquitetura através dos tempos, arquitetura indígena,
construções religiosas e militares, arquitetura para fins diversos,
arquitetura barroca, arquitetura moderna (Oscar Niemayer, Lúcio Costa,
Reidy, Sérgio Bernardes)].
Módulo 08 - A variedade de formas na natureza;
- A circunferência e o círculo; a espiral; o cone, a pirâmide, o triângulo,
cubos e prismas e, a radial;
- Observando semelhanças e diferenças da mesma espécie (as flores, os
cristais, os insetos, os caramujos, e a árvore);
- Observando semelhanças e diferenças em espécies diferentes;
- O processo de criação (a reprodução dos vegetais, a reprodução do
homem, o ato criador do homem a partir da natureza).
Fonte: Elaborado pelos autores por meio dos módulos de Educação Artística do Projeto Logos II.
A partir desse quadro geral e seguindo o paradigma indiciário, buscamos elementos que não estavam tão
evidentes, ou seja, os sinais, os pormenores. Nesse sentido, quase imperceptível em alguns pontos, notamos a presença
de elementos matemáticos em quase todos os módulos. No próximo tópico iremos ressaltar esses pontos, colocando-
os em evidência e contrastando-os com as ideias pedagógicas da época.

3.1. Redução da arte à técnica: a presença de elementos matemáticos nos módulos de Educação Artística do
Projeto Logos II

Ao longo dos módulos da disciplina de Educação Artística do Projeto Logos II, notamos indícios de elementos da
matemática, presente desde o módulo 01 de Educação Artística do Projeto Logos II, ao tratar das pirâmides egípcias.
A existência de outros elementos geométricos, principalmente linhas, pontos, retas, círculos, triângulos, quadrados,
etc., tornam-se mais intensa nos outros módulos (Figura 2). A partir dessas noções básicas, era ensinada a combinação
desses elementos.
Foi observada a presença de noções de simetria e assimetria no módulo 03 e como estes conceitos poderiam
ser usados na composição de desenhos. Da mesma forma, foram notadas noções sobre sólidos de revolução e figuras
geométricas, tais como cubos, prismas, pirâmides e formas radiais. Qual seria a função da matemática nestes módulos
de Educação Artística? Conjecturamos que esses elementos matemáticos davam um formato técnico à arte. Nessa
época, o ensino tinha uma orientação tecnicista.
O tecnicismo foi uma tendência pedagógica existente nos anos de 1960 a 1980, inspirada na teoria
behavioristas da aprendizagem (estimulo-resposta) e no modelo Taylorista/Fordista (KUENZER & MACHADO,
1982). No Brasil, o tecnicismo foi introduzido na década de 1960, durante o regime civil-militar, por meio dos
programas de desenvolvimento social e econômico “Aliança para o Progresso” ou mesmo, por meio do Programa do
Brasileiro-americano de Auxílio ao Ensino Elementar (PABAEE) (BORBA, 2003). O marco de implantação do
modelo tecnicista deu-se com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1971 (BRASIL, 1971).

153
Anais do XII SNHM -2017
ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

Figura 2 - Elementos geométricos presentes nos módulos

Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Segundo Campos e Zanlorenzi (2009), que analisaram um livro de Educação Artística do início da década de
80, também observaram que,

[...] As primeiras páginas mostram somente os materiais como: régua, esquadro,


transferidor, compasso. Percebe-se, então, que a educação artística nada tem de
humanista, mas sim como disciplina mecanizada e adestradora e muito mais alienadora
(CAMPOS, ZANLORENZI, 2009).

A presença das concepções tecnicistas fica mais clara no módulo 01 da disciplina de “Didática da Educação
Artística” (voltada para a formação específica):

[...] A Educação Artística não visa à formação do artista, visa à formação do homem, pois
é um elemento de auto-realização. Ela ajuda a preparar o homem para a vida útil,
produtiva, criadora. Nos módulos seguintes, você vai ver como desenvolver as
potencialidades de seus alunos através da arte (CETEB, s.d.).

Como tendência pedagógica em sala de aula, o tecnicismo valorizava as informações científicas, o uso de
manuais técnicos e de instrução. Para Luckesi (1994), a escola atua no aperfeiçoamento da ordem vigente (sistema
capitalista), articulada ao sistema produtivo. E assim, uma de suas concepções era a formação do indivíduo para o
mercado de trabalho (CAMPOS, ZANLORENZI, 2009).
Nesse caso, os conteúdos de ensino eram baseados em informações, princípios científicos, leis; estabelecidos
numa sequencia lógica. Nesse caso, a matemática cumpria esse papel, ao estabelecer as sequencias lógicas necessárias.
Além disso, a matemática dava a ideia de ciência objetiva, de arte objetiva, ao tentar eliminar a subjetividade
(LUCKESI, 1994).

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Anais do XII SNHM -2017
Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto.

A função da escola na época tinha como objetivo a formação de indivíduos para o mercado de trabalho, e isto
era reforçada na LDB de 19711 (BRASIL, 1971), que em seu artigo 1º, estipulava: [...] O ensino de 1º e 2º graus tem
por objetivo geral proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como
elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e exercício consciente da cidadania (BRASIL, 1971).
Essa ligação com o sistema produtivo foi percebida também na arte como produção em larga-escala. Por
exemplo, ao abordar o processo de impressão (reprodução da imagem), que se recomenda a utilização de uma matriz,
que “pode permitir dezenas ou mesmo milhares de reproduções idênticas” (CETEB, 1981).

4. Considerações Finais

Notamos que durante a ditadura civil-militar, a arte presente nos módulos de Educação Artística do Projeto Logos II
foi utilizada na preparação dos indivíduos para o sistema produtivo. Nessas condições, a matemática dá à arte um
sentido técnico. Conforme observado por Campos e Zanlorenzi (2009), uma das consequências do tecnicismo para o
ensino da arte, foi a redução apenas ao ensino de desenho e pintura, como se essas fossem as únicas modalidades
artísticas existentes. Essa ideia está de acordo com o que observamos no item 2 em relação aos módulos da disciplina
de Educação Artística. Não há indícios sobre as outras modalidades artísticas nos módulos da disciplina de Educação
Artística do Projeto Logos II, ou mesmo referências ao que estava se produzindo em termos de arte-protesto, seja na
música, no cinema e no teatro. O método indiciário nos permitiu destacar a matemática, usada como pano de fundo
na concepção de uma arte que valorizava a técnica.
Cumpre destacar que o estudo aqui em tela apresenta limitações. Primeiro, tratou apenas da disciplina de
Educação Artística, que tinha como objetivo a formação geral do professor-cursista e não de toda a formação de artes
desse profissional que estava em sala de aula. A disciplina de “Didática de Educação Artística” poderá nos dar outras
possibilidades de discussões sobre a relação entre matemática e arte, bem como seus impactos na formação do
professor em nível de magistério nas décadas de 1970 a 1990.
Como possibilidades de estudos, indicamos a necessidade de entender a relação entre matemática e arte, ou
mesmo, o papel da arte em outros cursos de formação de professores.

5. Agradecimentos
Agradecemos à FAPESP pela bolsa de doutorado concedida à primeira autora. Processo nº 2016/00850-2, Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Agradecemos à CAPES/PNPD pela bolsa de pós-doutorado
concedido ao primeiro autor.

Bibliografia
AMARAL, M.T.M. Políticas de habilitação de professores leigos: a dissimulação da inocuidade. In: GARCIA et al.
Professor Leigo: Institucionalizar ou erradicar? São Paulo: Cortez; Brasília: SENEB, 1991. p. 37-83.
ARQUITETURA da destruição. Direção: Peter Cohen. Roteiro e Produção: Peter Cohen. Suécia. 1989 [lançamento].
Documentário, 119 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IBqGThx2Mas. Acesso em: 05 jul.2016.
BORBA, S. PABAEE (1956-1964): a americanização do ensino elementar? Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , n. 24,
p. 194-196, Dec. 2003 . Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-
24782003000300015> . Acesso em: 15 ago.2016.
BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício do Historiador. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BRASIL. Ministério da Educação e cultura. Departamento de Ensino Supletivo. Projeto Logos II, Brasília, 1975.
BRASIL. Lei nº 5.692 de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras
providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm>. Acesso em: 10 de julho de
2016.
CAMPOS, C., ZANLORENZI, C. M. P. A tendência tecnicista e o ensino da arte. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE

1
A disciplina de Educação Artística do Primeiro Grau foi introduzida na LDB de 1971 (Lei nº 5.692 de 1971).

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Anais do XII SNHM -2017
ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO PROJETO LOGOS II

ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”, 8., 2009, Campinas. História,
Educação e transformação: tendências e perspectivas. Anais... disponível:
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/HGqmRDqk.pdf. Acesso em: 09 jul.
2013.
CETEB. Logos II: Registro de uma experiência. Brasília: CETEB, 1984.
CETEB. Logos II: Educação Artística. Módulo 1, 2, 3, 4, 6 a 8. Brasília: CETEB, 1982.
CETEB. Logos II: Educação Artística. Módulo 5. Brasília: CETEB, 1981.
CETEB. Logos II: Didática da Educação Artística. Módulo 1. Brasília: CETEB, s.d.
GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989.
GINZBURG, C. O fio e os rastros: verdadeiro, falso e fictício. Tradução por Rosa Freire d’Aguiare Eduardo Brandão.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
KUENZER, A. Z. & MACHADO, L. R. S. A pedagogia tecnicista. In: MELLO, G. N. (org.) Escola nova, tecnicismo
e educação compensatória. São Paulo: Loyola, 1982, p. 29-52.
LUCKESI, C. C. Tendências pedagógicas na prática escolar. In: Filosofia da educação. 3. ed. São Paulo: Cortez,
1994. Cap. 3, p.53- 74.
MATHISON, S. Why Triangulate? Educational Researcher, v.17, n.2, p. 13-17, mar. 1988.
PINHEIRO, M. Cale-se: a MPB e a Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Editora Livros ilimitados, 2010.

Cristiane Talita Gromann de Sérgio Candido de Gouveia


Gouveia Neto
Departamento de Educação – UNESP – Departamento de Ciências Contábeis –
campus de Rio Claro – Brasil UNIR – campus de Vilhena – Brasil

E-mail: thalita_hehe@hotmail.com E-mail: sergio.gouveia@unir.br

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

LIBELLUS DE QUINQUE CORPORIBUS REGULARIBUS: UMA ANÁLISE GEOMÉTRICA


DE PIERO DELLA FRANCESCA

Vagner Moraes (PUCSP) - vvagnerr.rm@gmail.com


Maria Helena Roxo Beltran (PUCSP) - lbeltran@pucsp.br

O estudo sobre as formas geométricas regulares que aparecem em diversos quadros de Piero della Francesca, pintados
durante o século XV na região da península itálica, trouxe a necessidade de realizar-se uma análisemais profunda
sobre as influências de fontes euclidianas na composição do tratado Libellus de Quinque Corporibus Regularibus.
Piero della Francesca foi pintor e destacou-se também como teórico da arte. Além de revolucionar quanto aos
princípios estéticos, realizou investigações sobre questões pictóricas, geométricas e arquitetônicas. Dos tratados que
escreveu, conservaram-se apenas três, sobre perspectiva (De prospectiva pingendi), geometria (Libellus de quinque
corporibus regularibus) e aritmética (Trattado d’abaco). O Tratado d’Abaco descreve cálculos que deveriam ser
aprendidos pelos mercadores, ou seja, ele traz noções de aritmética comercial e mercantil, alguns comentários sobre
álgebra e ao final, também, sobre geometria. Este último tema aparecerá mais profundamente no tratado Libellus de
Quinque Corporibus Regullaribus. Disso, supõe-se que aquele tratado tenha sido escrito antes desse e que tenha sido
o primeiro deles, já que os registros de seus estudos aparecem nos primeiros anos em que esteve na Escola do Ábaco.
O tratado De Prospectiva Pingendi foi escrito entre o Trattado d’Abaco e o Libellus de Quinque Corporibus
Regullaribus e nele se encontra um estudo sobre a perspectiva e de que forma o pintor poderia usá-la para realizar
seu trabalho; este tratado foi concluído antes de 1482, já que foi dado de presente ao duque de Urbino, Federigo da
Montefeltro (1422 – 1482), para que este o colocasse em sua biblioteca. O último tratado que temos conhecimento
atualmente é o Libellus de Quinque Corporibus Regullaribus, sobre corpos geométricos regulares e irregulares, que
traz uma relação com os estudos iniciais de geometria presentes no Trattado d’Abaco, mas com maior profundidade
nos argumentos sobre suas afirmações. Para alcançar tais respostas serão usados como documentos o tratado Libellus
de Quinque Corporibus Regularibus, do autor citado, e, como bibliografia secundária, livros e artigos sobre a
sociedade na qual os tratados foram realizados, sobre os escritos euclidianos desenvolvidos e estudados no século
XV.

Palavras-chave: Renascimento; Perspectiva; Piero della Francesca.

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Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

Jansley Alves Chaves


Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ – Brasil

Gérard Emile Grimberg


Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ – Brasil

Resumo

Pretendemos abordar um período que compreende desde a direção da École Polytechnique (1848) até seus últimos
anos de vida (Poncelet, 1788-1867). Ao fim de sua carreira, Poncelet, um matemático octogenário, decide reunir em
uma coleção única todas as suas publicações relacionadas à descoberta principal de sua vida: A GEOMETRIA
PROJETIVA. Neste projeto, dois personagens são fundamentais: V. Mannheim e T. Moutard, que foram ex-alunos
da École Polytechnique e que organizaram, revisaram e corrigiram os cálculos e desenhos desta grande empreitada,
que demandou grande esforço, sobretudo quanto a reunir trabalhos como os cadernos de Saratoff, que haviam sido
escritos há mais de meio século e que não tinham sido publicados. Esta reunião dos trabalhos de Poncelet foi dividida
em quatro publicações: Applications d’Analyse et de Géométrie I (1862), Applications d’Analyse et de Géométrie II
(1864), Traité des Proprietés Projective des Figures T.I (1865) e Traité des Proprietés Projective des Figures T.II
(1866). Além disso, Mannheim e Moutard têm seus trabalhos incluídos em Applications d’Analyse et de Géométrie I
(Souvenirs, Notes et Additions, pp. 499-560) e Applications d’Analyse et de Géométrie II (Mannheim, deuxième
cahier, p.142(161)-166, Moutard, quatrième cahier, p.296(336)-364). Por esta empreitada, Mannheim e Moutard
receberam o prêmio Poncelet. Curiosamente, na publicação do Applications d’Analyse et de Géométrie II, Poncelet
incluiu um exame crítico sobre o relatório de M. Cauchy (1820): Examen critique des opinions et du jugement émis
par M. Cauchy dans son Rapport sur le Mémoire inséré au Vº Cahier (p. 553-569), onde ratifica suas ideias, quase 50
anos após o relatório de Cauchy. Aqui ficam alguns questionamentos: por que a publicação das obras após quase 50
anos? Por que os cadernos de Saratoff são publicados 50 anos depois de escritos? Qual o interesse e a necessidade de
tal publicação, após 50 anos, mesmo com todo o desenvolvimento da Geometria sintética e da analítica? Acreditamos
que ao estudarmos os auxiliares de Poncelet nesta empreitada, em particular, M.M. Mannheim, Moutard e os Editores
Mallet-Bachelier, Gauthier-Villars, teremos uma melhor clareza dos seus objetivos, que nos parecem muito simplórios
na citação do próprio Poncelet: “[...] reivindicar os pontos de doutrina ou de teoria expostas em 1822, no Tratado das
Propriedades Projetivas das Figuras, e que se habituou, a partir de uma época posterior, a atribuir a outros [...]”
[PONCELET, 1862, xij]

Palavras-chave: Jean-Victor Poncelet; Victor Amédée Mannheim; Theodore Moutard, Mallet-Bachelier, Gauthier-
Villars.

JEAN-VICTOR PONCELET AND THE EDITION OF HIS WORKS (1862 – 1866)

Abstract

This work intend to approach a period ranging from the École Polytechnique (1848) management until his last years
of life (Poncelet, 1788-1867). By the end of his career, Pocelet, an octogenarian mathematician, decides to gather in
an unique collection all his publication related to his life major dicovery: THE PROJECTIVE GEOMETRY. In this
Project, there are two central characters: V. Mannheim e T. Moutard, who were École Polytechnique former students,

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Anais do XII SNHM -2017
Jansley Alves Chaves & Gérard Emile Grimberg

and the ones that organized, reviewed and corrected bones calculations and drawings of this great undertaking, which
demanded great effort, especially to gather work as the Saratoff books, wich had been written half a century ago and
had not been published. This compilation of all Poncelet’s work was divided into four publications: Applications
d’Analyse et de Géométrie I (1862), Applications d’Analyse et de Géométrie II (1864), Traité des Proprietés Projective
des Figures T.I (1865) e Traité des Proprietés Projective des Figures T.II (1866). In addition, Mannheim and Moutard
have their work included in Applications d’Analyse et de Géométrie I (Souvenirs, Notes et Additions, pp. 499-560)
and Applications d’Analyse et de Géométrie II (Mannheim, deuxième cahier, p.142(161)-166, Moutard, quatrième
cahier, p.296(336)-364). For this endeavor, Mannheim and Moutard received the Poncelet Prize. Interestingly, at
Applications d’Analyse et de Géométrie II publication, Poncelet included a critical examination on the M. Cauchy
(1820): Examen critique des opinions et du jugement émis par M. Cauchy dans son Rapport sur le Mémoire inséré au
Vº Cahier (p. 553-569), where he ratifies his ideas, almost 50 years after the Cauchy report. Here are some questions:
Why has the work publication after almost 50 years? Why have the Saratoff notebooks been published 50 years after
the writing? What are the interesting and the need of such publication after 50 years, even with all the development
of synthetic geometry and analytics? We believe that studying Pncelet’s auxiliaries in this particular endeavor, M.M
Mannheim, Moutard and Mallet-Bachelier editors, Gauthier-Villars, we will have a better clarity of their goals, that
seem simple in Poncelet own quotation: "[...] claim the doctrine points or from exposed theories on 1822 at the Figures
Projective Properties Pact, and habituated, from a time after, has to attribute to others "[PONCELET, in 1862, xij].

Keywords: Jean-Victor Poncelet; Victor Amédée Mannheim; Theodore Moutard, Mallet-Bachelier, Gauthier-Villars.

Introdução

Muito já foi escrito sobre o nosso personagem – Jean-Victor Poncelet - e sobre suas obras. Procuramos aqui mostrar,
principalmente através de quatro personagens, Victor Amédée Mannheim, Theodore Moutard, Mallet-Bachelier,
Gauthier-Villars, os trabalhos de Poncelet editados nos últimos cinco anos de sua vida (1862-1867).
Nos anos de 1813 e 1814, Poncelet escreveu sete cadernos sobre geometria sintética, o que mais tarde ficou conhecido
como os cadernos de Saratoff - nome dado em razão da cidade na qual foi cativo após a fracassada campanha
napoleônica da Rússia. Os manuscritos de Saratoff só foram publicados em 1862, quase meio século após serem
redigidos, com o título: Applications d’Analyse et géométrie I. Nesta publicação há adições de seus colaboradores:
Mannheim e Moutard.

Retornando à França após a notificação da paz geral, concluída em Paris em 30 de maio de 1814, Poncelet
começa a restabelecer contatos com as publicações sobre o assunto do seu manuscrito de Saratoff, principalmente
através do que se é publicado nos Analles de mathématique pures et apliquées, mais conhecido como Annales de

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JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

Gergonne, seu editor. Neste período e até 1822, Poncelet publica diversos artigos que serão consolidados em sua
publicação de 1864 com o título: Applications d’Analyse et géométrie II. Diferentemente do tomo I de 1862, no qual
o material é inédito, no tomo II, Poncelet faz uma consolidação dos seus trabalhos publicados no período entre 1814
e 1822, ou seja, época de sua chegada à Paris e antes da publicação da sua principal obra: Traité des Proprietés
Projective des Figures.
Em 1865, Poncelet reedita sua maior obra: Traité des Proprietés Projective des Figures TOMO I e faz nesta
2ª edição alguns acréscimos de notas de rodapé e anotações:

O interessante é que, após quase meio século com todo avanço que sofreu a geometria e a análise neste período,
Poncelet não modifica em nada o seu Tratado de 1822 ao reeditá-lo em 1865.
Por fim, em 1866 publica o tomo II, consolidando todos os artigos após o seu Tratado de 1822.

1. Jean-Victor Poncelet

Jean-Victor Poncelet nasceu em Metz em 1º de julho de 1788 e foi admitido na École polytechnique, em novembro
de 1807. Verifica-se a predileção que Poncelet demonstra pela a geometria quando em 1809 apresenta um manuscrito
sobre "problemas relativos de tangentes a três outros círculos em um plano, e esfera tangente a quatro esferas no
espaço". Estas soluções serão impressas na correspondance.1 Quando egresso da École polytechnique, Poncelet é
nomeado à École d’application du génie de Metz.
Em 17 de junho de 1812, ele recebe ordens para ingressar a Grande Armée e juntar-se em Vitebsk. Durante
os meses de agosto, setembro e outubro de 1812, com exceção de um reconhecimento das muralhas de Smolensk sob
o fogo inimigo, ele foi o principal responsável pela construção de obras de defesa, fortes e pontes.
Poncelet não está envolvido na terrível batalha de Borodino e não vai para Moscou. Quando o exército deixou
a cidade, está em Smolensk, onde Napoleão ficou de 9 a 14 de novembro. Ele é incorporado na retaguarda, composta
por 7.000 homens comandados pelo marechal Ney. Em 18 de novembro, na cidade de Krasnoi à beira de um pequeno
rio que deságua no Dnieper duas léguas ao norte, vão enfrentar a barragem de artilharia cuidadosamente instalada pelo
general Miloradovitch. Depois de um bombardeio mortífero, o marechal Ney, graças ao nevoeiro, à neve e ao
anoitecer, consegue cruzar o Dnieper no gelo mal consolidado. No dia 20 de novembro, ele irá se juntar ao exército

1
Periódico da École polytechnique. As soluções aparecem no volume 2, 3º caderno de 1811.

160
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Jansley Alves Chaves & Gérard Emile Grimberg

em Orsha acompanhado por 1.200 sobreviventes.


Mas o tenente Poncelet pertence ao batalhão de sapadores que tenta desesperadamente neutralizar a artilharia
russa. Após várias tentativas infrutíferas, os sobreviventes encontram-se isolados e capturados no final do dia 18 de
novembro.
Poncelet é levado para o cativeiro em Saratoff, às margens do Volga, onde chegou em março 1813, permanecendo até
a notificação da paz geral, concluída em Paris em 30 de maio de 1814.
Após seu retorno à França, em setembro de 1814, só começará a publicar em 1817. Ele publica vários artigos
sobre geometria. Em 1820, submete à Académie des Science de Paris uma memória sobre as propriedades projetivas
das seções cônicas.
Em 1825, por pressão amigável de François Arago, o examinador na École d'Application de Metz, Poncelet
aceita ser professor nesta escola sobre a ciência das máquinas. Ele leva essa responsabilidade a sério e dedica-se à
preparação de suas aulas.
Desde 1827 e durante vários invernos, ele fornece, sob os auspícios da Sociedade Acadêmica de Metz, um
curso de mecânica para os trabalhadores e "artistas" desta cidade.
Em 1834, a Académie des Science de Paris o recebe na seção de mecânica.
Em 1837 foi nomeado professor de física experimental e mecânica na Faculdade de Ciências de Paris, onde
lecionou até 1848.
Em 1848, após a queda da Monarquia, os eleitores de Moselle, espontaneamente, o elegem um membro da
Assembleia Constituinte, provavelmente por causa de sua reputação de imparcialidade e competência nos domínios
da indústria e da economia local. Enquanto isso, François Arago, o ministro do governo provisório, o promove a
general de brigada e comandante da École Polytechnique, função que ocupou até sua aposentadoria em outubro de
1850.
Em 1852, como membro do júri internacional para a Exposição Universal em Londres, ele foi eleito, por seus
pares, presidente do júri encarregado das máquinas. Ele, então, passou seis anos na investigação preparatória e
escreveu um relatório extenso sobre máquinas e ferramentas utilizadas na fabricação. Para cada tipo de máquina ele
retorna o contexto histórico, descreve os processos e equipamentos e procura determinar, com o máximo rigor, a
origem exata das invenções.
Nos últimos anos de sua vida, quando sua saúde se deteriorou, ele começou a recolher e publicar o seu
trabalho, ajudado por alguns de seus ex-alunos, entre eles Mannheim e Moutard. Ele morreu em dezembro 1867, sem
ser capaz de completar esta tarefa que foi concluída por seus colaboradores.
Os livros que foram publicados ou impressos após a sua morte, graças às iniciativas de sua esposa e alguns
de seus seguidores, formam um grupo de cerca de 4000 páginas, onde encontramos demonstrações geométricas,
cálculos, reflexões sobre a natureza, o valor das provas em geometria e os comentários/críticas, que ele, Poncelet,
considerava polêmicos. É no campo da mecânica, que escreve as apresentações mais completas por causa de suas
obrigações acadêmicas.

2. Victor Mayer Amédée Mannheim

Nascido em 1831, filho de Sigismond Mannheim e Marianne Speyer; eles de descendência judaica. Desde jovem,
Amédée apresenta uma tendência à ciência exata. Apesar de ser o mais novo em sua classe, era o único que resolvia
problemas de geometria com um grau de dificuldade proposto por seu professor. Após concluir o curso no Instituto
Martelet, foi admitido, com 16 anos, na École centrale. Teve como professor no Collège de Charlemagne, Eugène
Catalan, que se mostrou importante na carreira matemática de Mannheim. Durante seus anos como estudante do
Collège de Charlemagne, iniciou suas publicações em geometria.
Em 1848, entre completar seus estudos no Collège de Charlemage e entrar na École Polytechnique, vivenciou
um período de revolução em Paris, o que, provavelmente, deve ter sido extremamente difícil para o jovem estudante
Mannheim, sobretudo porque seu professor Catalan esteve envolvido na revolução.
Mannheim iniciou a École Polytechnique em 1848 com 17 anos. Dois anos mais tarde apresentou-se à École
d’Application de Metz. Durante este período publicou texto sobre: théorème sur les axes de l’ellipse et de l’hyperbole

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Anais do XII SNHM -2017
JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

e Solution géométrique du problème sur l’axe radical.


Ao publicar nos Nouvelles Annales de mathématiques sobre a obra de Mannheim, R. Bricard diz:
Com a morte de Amédée Mannheim simplesmente desapareceu um dos matemáticos mais notáveis
que a França produziu no séc. XIX. Seu talento, profundamente original, fê-lo em um lugar na
Geometria pura.[...] ( BRICARD, 1907, p. 97-11, tradução nossa)2

Mannheim conciliava várias pesquisas, deixando momentaneamente de lado determinado assunto para revê-
lo mais tarde. A obra principal de Mannheim pode ser repartida em três grupos:
- Os trabalhos em Geometria cinemática;
- Os trabalhos de teoria das superfícies; e
- Os trabalhos sobre superfície de onda.
Mannheim faz uma modificação na régua de cálculo que permite uma maior precisão de medida, contribuindo
para o estudo dos fenômenos de interferência durante o eclipse de 1860. Estes trabalhos do início de sua carreira
testemunham um espírito inventivo e original. O primeiro trabalho geométrico de Mannheim é datado de 1851 (aos
20 anos): é relativo à transformação por polares recíprocas e a aplicação desta transformação às propriedades métricas.
Vários dos resultados obtidos ao curso de suas primeiras pesquisas foram reunidos em uma nota, que Poncelet juntou
ao deuxième cahier de ses Applications d’Analyse et de Géométrie (1864).
Uma de suas pesquisas trata um problema já resolvido por Darboux: Determinar o movimento mais geral de
uma figura de grandeza invariável cujos pontos descrevem curvas planas; cita ainda seu estudo sintético da
hipérbolóide articulada de M. Greenhill, e sua demonstração do teorema conhecido: A hiperbolóide de Poinsont não
tem pontos de inflexão.
O método cinemático conduziu Mannheim a considerar a teoria das superfícies sob novos pontos de vista.
Um primeiro trabalho concerne na generalização do teorema de Meusnier. Este teorema é relativo aos contatos de
curvas de segunda ordem. O teorema por Mannheim fica assim descrito:
Quando as curvas traçadas sobre uma superfície tem entre elas um contato da n-ésima ordem, seus
(n-1)-ésimos polos tem por eixos de curvas retas passando por um mesmo ponto. (BRICARD apud
MANNHEIM,1907, p. 97, tradução nossa)3

Este método é aplicado com pleno sucesso e o permite demonstrar facilmente os teoremas devido à Beltrami,
à Ribaucour, à Laguerre e outros e o conduz à muitas proposições novas. Como por exemplo:
Os centros de curvatura desenvolvido em todas as secções feitas numa superfície por planos que
passam através da mesma tangente a essa superfície, e que correspondem ao ponto de contato da
tangente, estão em uma cónica. (BRICARD apud MANNHEIM, 1907 p. 97, tradução nossa)4

3. Théodore Florentin Moutard

Ex-aluno da École Polytechnique (classe de 1844), e a École des Mines de Paris do Corpo de mineração.
Nascido em Soultz (Haut-Rhin) em 27 de julho de 1827. Filho de Florentin MOUTARD e Elisabeth Bernon.
Casaou em 12 de agosto de 1868. Pai de dois filhos e duas filhas.
Professor na École des Mines de Paris (1875-1887: cursos preparatórios de análise e mecânica; 1887-1900:
mecânica de curso preparatório). Examinador na École Polytechnique. Sua severidade lhe rendeu o apelido de
"Moutardus ferox". Joseph Bertrand disse deste agrimensor: "ele conseguiu em poucas páginas merecer toda a estima

2
Avec Amédée Mannheim vient de disparaître um des mathématiciens les plus remarquables que la France ait produits au XIXº siècle. Son
talento, profondément original, lui fait une place à part dans la Géométrie pure.
3
Lorsque des coubes tracées sur une surfasse ont entre eles um contact du n-ième ordre, leurs(n-1)ièmes polaires ont pour axes de coubure des
droites passant par um même point.
4
les centres de courbure développées de toutes les sections faites dans une surface par des plans passant par une même tangente à cette surface, et
qui correspondent au point de contact de cette tangente, sont sur une conique.

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Jansley Alves Chaves & Gérard Emile Grimberg

dos inspectores [...]."


Iniciou sua carreira tarde: segundo engenheiro de classe em 1852, tornou-se engenheiro-chefe em 1878 e
Cavaleiro da Legião de Honra do mesmo ano. Inspector Geral das minas de 2ª classe em 1886, 1ª classe em 1890.
Solicitou e recebeu permissão para se aposentar em 28 de julho de 1897, mas foi mantido no cargo.
Comandante da Legião de Honra (13 de julho 1899).

4. Gauthier-Villars e Mallet-Bachelier

Gauthier-Villars é uma editora francesa que remonta a 1790, que desempenhou um papel importante na publicação
científica e no desenvolvimento da ciência no século XIX e na primeira metade do século XX. Foi, particularmente
em vários períodos, a editora nomeada do Bureau des Longitudes, da Escola Politécnica e da Academia de Ciências.
A Editora já não existe como tal, após a recomposição do mercado editorial, mas o fundo ainda é operado
por várias editoras, tanto em livros como em revistas. Além disso, a empresa também realizou as atividades de
impressora e livreiro.
Em 1790, Jean-Marie Courcier fundou uma das primeiras editoras francesas, logo chamada de "biblioteca de
matemática, física, química, artesanato e ciências que dependem dela"; esta Editora é a Bachelier depois Mallet-
Bachelier.
Jean-Albert Gauthier-Villars (1828-1898), um ex-aluno da École Polytechnique a adquire em 1864 e dá seu
nome à editora, que passa a se chamar Gauthier-Villars, que publica, na sua maioria, revistas (esta foi a era emergente)
e livros científicos. Seu filho Albert Paul Gauthier-Villars (1861-1918), um ex-aluno da École Polytechnique, também
irá sucedê-lo.

Entre os autores (matemáticos e físicos), publica alguns livros ou manuais de Augustin-Louis Cauchy,
Evariste Galois (reedição) Henri Poincaré, Paulo Levy, Émile Borel, Emile Picard, Michel Chasles, Louis Bachelier,
Charles Fabry, Marcellin Berthelot ... Albert Einstein.

CONCLUSÃO

Jean-Albert Gauthier-Villars, ao adquirir a propriedade editorial, faz lançamentos de coletâneas importantes e dá


sequência a outras, dentre elas, a coleção completa e exclusiva de Poncelet. Embora a aquisição remonte a 1864 e as
publicações das obras completas iniciam-se em 1862, sua continuidade, ou seja, as publicações de 1864, 1865 e 1866
demonstram, no nosso entendimento, que havia um interesse de Gauthier-Villars em manter tais publicações. Isto nos
remete às nossas questões iniciais: por que a publicação das obras após quase 50 anos? Por que os cadernos de Saratoff
são publicados 50 anos depois de escritos? Qual o interesse e a necessidade de tal publicação, após 50 anos, mesmo
com todo o desenvolvimento da Geometria sintética e da analítica?
Mannheim e Moutard são ex-alunos da École Polytechnique, onde tiveram contato direto com Poncelet; foram
alunos de Chasles e seguramente tiveram em suas aulas contato com o Traité des Proprietés Projective des Figures.
O primeiro trabalho de Mannheim é sobre as polares recíprocas, o que conduz a um interesse próximo ao trabalho de
Poncelet. É interessante relatar que Poncelet, durante o período de estudante de Mannheim, foi comandante da École
Polytechnique. Estes fatos talvez nos respondam questionamentos sobre a colaboração de Mannheim e Moutard nas
publicações de Poncelet e desta forma explicam, em parte, a publicação das obras completas, incluindo os cadernos
de Saratoff.

163
Anais do XII SNHM -2017
JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS

Bibliografia

BRICARD, R. L’oeuvre d’Amédée Mannheim. Nouvelles analles de mathématiques, 4ª série, tome 7, 1907, p.97-
111.
CAUCHY, A.L. Rapport à l’académie royale des sciences. Annales de mathématiques pures et appliquées. Paris,
tomo 11, p. 69-83, 1820-1821.
CHASLES, M. Aperçu historique sur l’origine et le développement des Méthodes en géométrie. 1837, 3ª Ed.
Paris, Gauthier-Villares, 1889.
CHASLES, M. Rapport sur les progrès de la géométrie. Paris, 1870.
FRIEDELMEYER, J.P. L’impulsion originalle de Poncelet dans l’invention de la géométrie projective. In : GREEN,
J.B. et al. Eléments d’une biographie de l’espace projectif. Nancy : Presses Universitaires de Nancy, 2010. p. 55-
158.
PONCELET, J.V. Application d’analyse et de géométrie, tome I. Paris: Mallet-Bachellier, 1862.
PONCELET, J.V. Application d’analyse et de géométrie, tome II. Paris: Gauthier-Villares, 1864.
PONCELET, J.V. Considérations philosophiques et techniques sur le principe de continuité dans les lois
géométriques. In :______. Application d’analyse et géométrie, tome II. Paris : Gauthier-Villares, 1864. p. 296-364.
PONCELET, J.V. Essai sur les propriétés projectives des sections coniques. In :______. Application d’analyse et
géométrie, tome II. Paris : Gauthier-Villares, 1864. p. 365-454.
PONCELET, J.V. Sur la lei des signes de position en géométrie, le loi et le principe de continuité. In :______.
Application d’analyse et géométrie, tome II. Paris : Gauthier-Villares, 1864. p. 167-295.

Jansley Alves Chaves , Gérard Emile Grimberg


Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática – UFRJ-
PEMAT – campus Rio de Janeiro, Ilha do Governador – Brasil
E-mail: chavesrizo@gmail.com , gerard.emile@terra.com.br
gerard.emile@terra.com.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA,


LABORATÓRIO DE ENSINO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Severino Barros de Melo


Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE – Brasil

Robertto Brasilino Silva de Oliveira


Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE – Brasil

Resumo

O presente relato tem por objetivo socializar uma experiência vivenciada durante os anos de 2015 e 2016, por ocasião
da execução de um projeto de extensão intitulado História da Matemática em Laboratórios de Ensino, no Laboratório
Científico de Aprendizagem, Pesquisa e Ensino (LACAPE), vinculado ao departamento de Educação da Universidade
Federal Rural de Pernambuco. Tal projeto foi executado em duas linhas de ação: elaboração de materiais didáticos
fortemente relacionados com a História e oferta de minicursos para professores da educação básica e alunos de
licenciatura e pedagogia. No que concerne à primeira linha, através do estudo, confecção, aquisição e sistematização
de materiais didáticos, o projeto propiciou uma ampliação do acervo do LACAPE. Com relação à segunda linha, os
minicursos foram estruturados de modo a utilizar os materiais incorporados ao acervo do laboratório. Elegemos como
marco teórico estudos de pesquisadores que, de diversas maneiras, advogam o uso da História como recurso didático
e a adoção de laboratórios de ensino como componente da prática docente. Em 2016 foi dado continuidade ao projeto
com uma menor carga horária em função do corte de verbas para bolsistas de extensão. O ano em curso foi
caracterizado por ações que visavam ajustes e complementos de atividades iniciadas na primeira etapa do projeto.
Como conclusão vimos que o projeto foi bem avaliado pelos participantes, foi ao encontro da carência de História da
Matemática na formação dos professores, e sublinhou a importância da extensão, que dentre os três pilares que
constituem a vida da universidade, é o mais desvalorizado.

Palavras-chave: Matemática, História, História da Matemática. Laboratórios de ensino. Recursos didáticos.

AN EXTENSION PROJECT INVOLVING HISTORY OF MATHEMATICS, TEACHING AND TEACHING


TRAINING LABORATORY

Abstract

The present report aims to socialize an experience between the years of 2015 and 2016, by ocasion of the
implementation of an extension project entitled History of Mathematics in Research Laboratories, in the Scientific
Laboratory of Learning, Research and Teaching (LACAPE), of the Federal Rural University of Pernambuco Education
Department. The project was executed by means of two lines of action: elaboration of teaching materials related to
History and the offer of workshops to the teachers of the basic education and students of teaching courses and
pedagogy. In what concern to the first line, through the study, confection and systematization of teachging materials,
the project led to an expansion of the archive of the laboratory. We choose as a theoretical framework studies from
reseachers that, in many ways, defend the use of History as a teaching resourse and the laboratories as a part of the
teachging practice. In 2016, the project was continued withg a lower workload due to the cut of funds for extension

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Anais do XII SNHM -2017
Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

scholarship. The current year was characterized by actions aimed at adjustments and complements of activities
initiated in the first stage of the project. In conclusion, we saw that the project was well evaluated by the participants,
is connected to the need of History of Matematics in the teacher's education, and reaffirmed the importance of
extension, that among the three pillars that constitute the life of the university, is the most devalued.

Keywords: Mathematics, History, History of Mathematics, Educational laboratories, Didactic resources.

1. Introdução

O presente relato tem por objetivo socializar uma experiência vivenciada durante os anos de 2015 e 2016, por ocasião
da execução de um projeto de extensão intitulado História da Matemática em Laboratórios de Ensino, no Laboratório
Científico de Aprendizagem, Pesquisa e Ensino (LACAPE), vinculado ao departamento de Educação da Universidade
Federal Rural de Pernambuco. Tal projeto foi executado com a participação de dois alunos (um em cada ano) em duas
linhas de ação: elaboração de materiais didáticos fortemente relacionados com a História e oferta de minicursos para
professores da educação básica e alunos de licenciatura em Matemática, Física e Pedagogia.
No que concerne à primeira linha, através do estudo, confecção, aquisição e sistematização de materiais
didáticos, o projeto propiciou uma ampliação do acervo do LACAPE. Com relação à segunda linha, os minicursos
foram estruturados de modo a utilizar os materiais incorporados ao acervo do laboratório. Elegemos como marco
teórico estudos de pesquisadores que, de diversas maneiras, advogam o uso da História como recurso didático e a
adoção de laboratórios de ensino como componente da prática docente. Em 2016 foi dado continuidade ao projeto
com uma menor carga horária em função do corte de verbas para bolsistas de extensão. O ano em curso foi
caracterizado por ações que visavam ajustes e complementos de atividades iniciadas na primeira etapa do projeto.
As motivações para a elaboração do projeto foi amadurecendo nas reuniões periódicas com a equipe de
professores de Matemática da área de métodos e técnicas de ensino, do Departamento de Educação da UFRPE,
considerando o momento crítico do ensino em nosso país. De fato, o Brasil ocupa o quinquagésimo sétimo lugar em
Matemática segundo recente avaliação do PISA e as avaliações internas como os SAEB confirmam os resultados
internacionais.
Com o objetivo de oferecer alternativas para a dura realidade do ensino, em particular na rede pública, durante
o ano de 2015, além do presente projeto, dois outros foram executados no LACAPE. Um voltado para o uso de
materiais clássicos de manipulação, outro envolvendo ensino de Matemática em ambientes computacionais. Em
ambos, foram ofertados cursos para professores e estudantes de diversas licenciaturas. A sinergia entre os três projetos
e a integração dos bolsistas em atividades periódicas tornaram a experiência ainda mais rica.

2. Relato de experiência

2.1. Marco Teórico

Nas últimas décadas um grande número de pesquisas vem sendo feitas no Brasil e no exterior com o intuito
de entender e propor alternativas para a superação dos problemas ligados ao ensino e aprendizagem em Matemática.

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UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO...

Trabalhos como os de Dienes (1973), Kline (1976), Fischbein (1995) e dos IREM, na França apontam para abordagens
alternativas no que concerne ao ensino desta disciplina. Estudos de Psicologia Cognitiva tendo como pilares Piaget
(DOLLE, 1981) e Vygotsky (OLIVEIRA, 1993) levaram a uma melhor compreensão sobre o como se aprende. Em
particular estudos sobre fenômenos didáticos como em Brousseau (1983), Vergnaud (1990), dentre outros, trouxeram
novas contribuições para a Educação Matemática.
A resolução de problemas enquanto eixo norteador para o ensino de Matemática foi estudado sob diversos
pontos de vista por Polya (1978), Guzmán (1991), Arcavi e Schoenfeld (2010), dentre outros, lançando luzes sobre
diversos problemas enfrentados no âmbito do ensino de Matemática.
Nesse cenário, surge com grande força outro enfoque: a Matemática vista na sua perspectiva histórica. É
preciso considerar tal perspectiva ao se discutir sobre todas as possibilidades de contribuição para a melhoria do
ensino. Pesquisadores como Struik (1985), Matthews (1995), D’Ambrósio (1996), Fossa (1998), Lorenzato (2006),
Morais (2013) e Mendes & Machado (2013), dentre outros, advogam de diversas maneiras o uso da História como
recurso didático compondo uma variedade de visões que se complementam. Tais pesquisadores ajudaram a construir
um marco teórico importante para a fundamentação do projeto ora relatado. Esta posição favorável ao uso da história
da ciência em geral, e da Matemática em particular, na pratica docente não conta com a unanimidade da comunidade
científica. Como exemplos, Klein (1972) expos a história à forte ataque e Viana (1995) apresenta um rol de motivos
pelos quais professores ou especialistas em Matemática são contra o uso didático da história. Entretanto é necessário
se recorrer à história, como via não única, mas insubstituível, se quisermos atacar em várias frentes os problemas
atuais do ensino de Matemática.
No que concerne aos laboratórios de ensino Fiorentini e Lorenzatto (2006) apontam vias para a incorporação
deste equipamento nas escolas, algumas delas atuadas por Freitas e Nascimento (2007), Melo (2013) e Oliveira (2014).

2.2. Objetivos

Como objetivo geral o projeto se propôs a oportunizar para os alunos da UFRPE, em particular dos cursos
de licenciatura em Matemática, Física, Pedagogia e para os professores da rede de ensino pública e particular um
contato com a História da Matemática voltada à educação básica.
Como objetivo específico o projeto se propôs a:
(1) Estudar uma parte das “ideias-força” apresentadas por pesquisadores da Educação Matemática e
matemáticos que advogam a inserção da História no ensino de Matemática;
(2). Revisitar os conteúdos de ensino fundamental e médio que melhor se adaptam a uma abordagem
histórica;
(3). Elaborar, adquirir e sistematizar material voltado para laboratórios de ensino que de alguma maneira
remeta à relação História da Matemática e prática docente;
(4). Ofertar minicursos com carga horária de 4 horas, para um mesmo grupo de professores, das redes pública
e particular, alunos de licenciatura e pedagogia, em quatro módulos distintos, envolvendo tópicos de Matemática da
educação básica, utilizando o acervo estruturado na vigência do projeto.

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Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

(5). Avaliar as potencialidades e limitações com relação ao uso da História da Matemática na pratica docente
no que concerne aos conteúdos programáticos escolhidos.
(6). Sistematizar o material elaborado visando à produção de um livro.

2.3. Atividades Desenvolvidas

No que concerne ao desenvolvimento do projeto, foi possível executar os objetivos específicos (1), (2), (3)
(Quadro-1). Nesta etapa foi de grande valia a consulta a Bezerra (1970), Boyer (2001), Brasil (1997), Iezzi (2005),
Pappas (1995), Snijders (1993). De fato, estas obras ou apresentam de forma multifacetada possibilidades de uso da
História da Matemática na prática docente, ou servem de inspiração para a elaboração de atividades didáticas com tal
finalidade.
O objetivo específico (4) sofreu alteração. Não foi possível manter um grupo fixo de professores e alunos;
consequentemente só foi possível aprofundar um tópico de Matemática da educação básica na perspectiva da história
e prática docente. O único tema apresentado em cinco minicursos ofertados para diferentes públicos foi A longa
caminhada do um ao zero, abordando a história do ato de contar, desde as primeiras manifestações até o aparecimento
do ábaco e sua aplicação como recurso didático.
O objetivo (5) foi sendo atingido de modo informal durante a exposição dialogada por ocasião dos minicursos,
bem como nas reuniões semanais de avaliação e planejamento com o coordenador do projeto e o aluno bolsista.
O objetivo (6) não foi atingido, continua a ser trabalhado em 2016 numa continuação do projeto, desta feita
com aluno voluntário, pois o contingenciamento de verbas da universidade cortou partes das bolsas de extensão.
Todos os materiais apresentados no Quadro-1 foram estudados quanto à origem, potencial histórico e
possibilidade de uso em laboratórios de ensino. O jogo de pega-varetas, o ábaco e as barras de Cuisenaire não foram
produzidos durante a vigência do projeto, pois são encontrados com facilidade no comércio. No ano de 2016 as
atividades se concentraram na reprodução dos materiais construídos de modo a ter um número suficiente para
minicursos com trinta participantes, e sistematização de novos textos visando a elaboração de um livro com as
experiências vivenciadas no LACAPE.
Os minicursos foram oferecidos sem ônus e ofereceu certificado ao público alvo. Quanto à participação
(Quadro-2), ficou abaixo de nossas expectativas, levando-nos a reavaliar a respeito da divulgação, do período, do
local, etc.

Quadro-1. Materiais didáticos produzidos ou adquiridos

MATERIAL PRODUZIDO OU UTILIZAÇÃO DIDÁTICA


ADQUIRIDO

Jogo de pega-varetas Método de multiplicação dos Maias

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UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO...

Tabela com duas colunas Método de multiplicação dos Egípcios

Compreensão do sistema Hindu-


Ábaco
Arábico
Verificação de π (pi) por processo
Discos de madeira
experimental
Resolução geométrica da equação do 2º
Base em madeira e quadrados e retângulos de grau e
emborrachado Verificação geométrica do quadrado da
soma
Verificação experimental do Teorema
Base em madeira e barras de Cuisenaire
de Pitágoras
Figuras geométricas produzidas com
Verificação de um Teorema de Hilbert
emborrachado
Identificação dos números primos pelo
Tabela com os cem primeiros números naturais
Crivo de Erastóstenes
Transferidor fixado em base de madeira com
Medição de altura inacessível por meio
regulagem de ângulo e auxilio de lanterna a
da trigonometria.
laser.

Quadro-2. Número de participantes do minicurso.

Número de
Público alvo Ano
Participantes

Alunos do curso de Matemática da UFRPE 9


2015
Professores do ensino fundamental da Escola
19
Santa Maria (Igarassu) 2015

Alunos do curso de Pedagogia da UFRPE 13


2015
Professores da rede estadual de Pernambuco
30
(GRE-Norte) 2015
Participantes da XII SEMAT
23
(Semana de Matemática da UFRPE) 2015

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Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

Professores da rede estadual de Pernambuco


49
(GRE-Norte) 2016

Total 143

2.4. Vivências dos alunos bolsista e voluntário

Do ponto de vista da participação dos alunos como auxiliares na execução, em 2015 contamos com um aluno
bolsista e em 2016 um aluno voluntário (com carga horária revertida para atividades complementares). Num excerto
de uma página escrita por cada um, avaliando suas participações no projeto, lemos os seguintes depoimentos:
Bolsista: “durante os estudos e a confecção dos materiais pude aprender com mais profundidade conceitos que estavam
intimamente ligados à História (...) ao anexar a cada material produzido um relato histórico de como os povos antigos
desenvolviam cada método, percebia o devido sentido do projeto”.
Voluntário: “Alguns dos pontos mais relevantes foi um aprofundamento em alguns livros que dialogavam com a
História da Matemática e a Educação Matemática (...) O encontro com os professores (nos minicursos) foi bastante
enriquecedor. Pude dialogar com os professores que estão na ativa e perceber suas perspectivas em Educação
Matemática”.

3. Considerações finais

O projeto deve ser avaliado sob três aspectos: formação dos alunos colaboradores na execução, dinamização do
laboratório da UFRPE e formação dos professores e alunos por meio dos minicursos ofertados.
No que concerne à formação dos alunos colaboradores (um bolsista em 2015 e um voluntário em 2016), o
projeto propiciou um amadurecimento em relação à Educação Matemática e a História da Matemática na Prática
docente. O aluno bolsista teve a oportunidade de participar do seminário Nacional de História da Matemática em Natal
(2015) apresentando uma comunicação e o aluno voluntário auxiliou em diversos aspectos práticos dos minicursos.
Quanto à confecção dos materiais didáticos, o projeto propiciou uma ampliação do acervo do LACAPE,
abrindo um espaço voltado também para a História da Matemática.
Quanto aos minicursos ficou evidente a carência dos professores e alunos quanto ao conhecimento da História
da Matemática e seu uso como recurso didático. Chegamos a esta constatação pela análise de uma avaliação inicial
sobre conceitos prévios relativos à história da Matemática, centrada em assuntos ministrados na educação básica. Por
esta razão houve uma boa receptividade e desejo de participar de outros eventos similares.
Uma dificuldade observada foi quanto ao compromisso em participar dos minicursos. Em que pese uma boa
divulgação e um processo de inscrição, disponibilizando 40 vagas por minicurso, a participação se revelou aquém da
expectativa.
Vale destacar o apoio da Pró-Reitoria de extensão da UFRPE, pois a bolsa disponibilizada e a verba de custeio
(mesmo pouca) permitiram um trabalho regular por parte do aluno participante do projeto durante o ano de 2015,
contribuindo para a execução e êxito do mesmo. Em 2016 o corte de verbas não permitiu a renovação da bolsa.

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Anais do XII SNHM -2017
UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE ENSINO...

Ademais, o projeto sublinhou a importância da extensão, que dentre os três pilares que constituem a vida da
universidade, é o mais desvalorizado.

4. Bibliografia

ARCAVI, Abraham e SCHOENFELD, Alan. Usando o não familiar para problematizar o familiar. In: BORBA,
Marcelo de Carvalho (Org.). Tendências Internacionais em Formação de Professores de Matemática. Belo Horizonte:
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MELO, Severino Barros de. A matemática no ensino fundamental: uma abordagem didática centrada em problemas
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OLIVEIRA, Rosalba Lopes de. Da experiência a ação; o uso de artefatos históricos em cursos de formação docente.
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PAPPAS, Theoni. Le Gioie della Matemática. Padova: Franco Muzzio Editore, 1995.
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171
Anais do XII SNHM -2017
Severino Barros de Melo; Robertto Brasilino Silva de Oliveira

VIANNA, C. R. Matemática e História: algumas relações e implicações pedagógicas. Dissertação de Mestrado,


Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 1995.

Severino Barros de Melo


Departamento de Matemática – DM – Recife -
Brasil

E-mail: sbmelo55@gmail.com

Robertto Brasilino Silva de Oliveira


Departamento de Matemática – DM – campus de
Recife - Brasil

E-mail: brasilino.math@gmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

Gabriel Luís da Conceição (Universidade Federal de São Paulo)

Resumo
Nesta comunicação buscamos analisar nas revistas pedagógicas brasileiras que circularam no final do século XIX, que
geometria estava proposta “para ensinar” em tempos de trânsito da vaga pedagógica intuitiva em três estados
brasileiros, Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. A pesquisa é construída segundo os fundamentos teóricos e
metodológicos da História Cultural. As fontes estão disponíveis no Repositório Digital da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC). Para este texto analisamos artigos publicados em dois periódicos, a saber: Revista do Ensino
Primário (Bahia) e Revista Pedagógica (Rio de Janeiro) e comparamos com estudos já realizados na Revista A Eschola
Publica (São Paulo). Concluímos que as revistas estavam comprometidas em defender a proposta de ensino intuitiva,
movimento pedagógico em voga nos finais do século XIX e inicio do século XX, no entanto observamos diferentes
formas de apropriações, no sentido defendido por Chartier (1990), da mesma vaga pedagógica.
Palavras-chave: História da educação matemática. Saberes Geométricos. Revistas Pedagógicas.

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Gabriel Luís da Conceição

Introdução:
Esta comunicação científica objetiva analisar de que maneira a geometria estava sendo proposta “para
ensinar” nas revistas pedagógicas brasileiras em um momento de circulação da vaga pedagógica intuitiva 2 no Brasil.
1

Segundo Valdemarim (2004), o método intuitivo, objetivava três acontecimentos: levar o aluno a
compreender o abstrato, por meio do concreto; utilizar os cinco sentidos no processo de ensino e de aprendizagem;
utilizar a indústria e a natureza para mostrar o conhecimento na prática. A historiadora da educação ainda afirma que
o método intuitivo se caracterizou por ser um movimento de renovação do ensino e da formação de professores,
valorizando, entre outros aspectos a intuição. Neste contexto, buscamos responder: quais eram os discursos das
revistas pedagógicas brasileiras no que tange a geometria para ensinar no curso primário?
Para as nossas análises, tomamos como referência dois artigos publicados recentemente por historiadores da
educação matemática que discutem as transformações da matemática em tempos intuitivos. Esses pesquisadores
debruçam-se em uma perspectiva ainda pouco explorada por outros historiadores da educação matemática, que
originalmente atrelam o período intuitivo aos métodos analíticos e sintéticos para o ensino de aritmética 3 e dos saberes
geométricos
A investigação ampara-se nos pressupostos da História Cultural como teoria, que considera as representações
de determinada cultura em dado lugar e período, ou seja, “História Cultural é aquele campo do saber historiográfico
atravessado pela noção de cultura” (BARROS, 2003, p. 145) e “tem por principal objetivo identificar o modo como
em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é pensada e dada a ler” (CHARTIER, 1990, p.
16-17). Considera-se ainda que nossa base teórica já traz consigo a metodologia, conforme a argumentação defendida
por VALENTE (2007), no qual o pesquisador fundamenta-se em Antoine Prost.
Conectando as suas ideias com as de Prost o pesquisador nos leva a entender a “história como uma produção”
(VALENTE, 2007, p. 34), de forma que devemos construir no “lugar de uma produção didática da história, uma
história da educação matemática fabricada historicamente” (Ibidem, p. 37). E o exercício desta construção abarcará a
“reflexão sobre o tempo, sobre como caracterizamos a sua cronologia e sobre como pensamos em mudanças” (Ibidem,
p. 39).
A partir deste entendimento, de História Cultural como teoria e metodologia, construímos o nosso ferramental
teórico-metodológico, a fim de apresentar as primeiras análises, que são resultados parciais da pesquisa de doutorado4
em andamento do autor, sobre os saberes5 para ensinar geometria no primário brasileiro no período de 1890-1900.

1
Utilizamos o termo “geometria para ensinar”, tomando como base os estudos de Hofstetter e Scheneuly (2009) que exploram, dentre outras coisas,
os “saberes para ensinar”, ou, os saberes que são ferramentas para ensinar um determinado conteúdo, no nosso caso os saberes geométricos. Enfim
os saberes que qualificam o professor para ensinar. (HOFSTETTER; SCHENEUWLY, 2009, p. 17-18)
2
Tratou-se de um movimento pedagógico que foi difundido na Alemanha e preconizado por Pestalozzi nos Estados Unidos e na Europa no século
XIX. Em nosso país, teve como um dos seus principais defensores Rui Barbosa, no final do século XIX e início do século XX (VALDEMARIN,
2004)
3
VALENTE, W. R. Como ensinar matemática no curso primário? Uma questão de conteúdos e métodos, 1890-1930. Perspectivas da Educação
Matemática. Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), vol. 8,
n.7, 2015b.
4
A Geometria para ensinar proposta nas revistas pedagógicas brasileiras (1890-1970), sob orientação da Profa. Dra. Maria Célia Leme da Silva
(UNIFESP).
5
LEME DA SILVA, M. C. Saberes Geométricos e o método analítico no final do século XIX. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v.16, n.48,
p. 301-319, maio/ago, 2016. Entendemos por saberes geométricos “o conjunto de conceitos, definições, temas, propriedades e práticas pedagógicas
relacionadas a geometria que estejam presentes na cultura escolar primária”. (LEME DA SILVA, 2015).

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A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

As Fontes Históricas da Pesquisa

Compreendemos, corroborando com Miguel (2010) que os estudos históricos buscam analisar fontes de
pesquisas, de forma que elas são pontos fortes da investigação, dessa forma, um dos momentos cruciais da atividade
de investigação do historiador é o levantamento das fontes documentais.
Nosso desafio nesta pesquisa é “ler” os nossos levantamentos documentais sob a ótica da História Cultural.
Para este estudo tomamos como fonte histórica prioritária as revistas pedagógicas, que são publicações
educacionais que fazem circular uma “sinopse” dos discursos pedagógicos de um tempo, ou seja, elas representam
importantes fontes para a construção de uma história cultural.
As revistas especializadas em educação, no Brasil e em outros países, de modo geral,
constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do
campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e
o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas e a
organização dos sistemas [...] (CATANI, 1996, p.03).

Ainda podemos dizer que as revistas pedagógicas representam “fontes informativas específicas para
construção de explicações acerca da história do campo educacional, das práticas escolares, dos saberes pedagógicos,
do movimento e da luta dos professores” (CATANI, 1996, p. 116).
Além disso, elas possuem um aspecto único e insubstituível, que talvez outras fontes não possuam. Com as
revistas pedagógicas “estamos, na maior parte das vezes, perante reflexões muito próximas dos acontecimentos”
(NÓVOA, 1997, p.12). Sendo assim, elas nos permitem uma compreensão do que estava circulando no meio
educacional de seu tempo em momentos próximos as suas publicações.
Tomando as revistas pedagógicas como fonte de um estudo histórico, temos, segundo Bastos (2007) um
observatório excelente, de forma que,
é um guia prático do cotidiano educacional e escolar, permitindo ao pesquisador estudar
o pensamento pedagógico de um determinado setor ou de um grupo social a partir da
análise do discurso veiculado e da ressonância dos temas debatidos, dentro e fora do
universo escolar (BASTOS, 2007, p. 01)

Entretanto, sabemos que além das potencialidades descritas acima, e corroborando com Rezende (2005), as
revistas pedagógicas não representam em sua totalidade algo neutro e homogêneo, dessa forma, o pesquisador, deve
atentar-se para o “fato de que a imprensa está muito longe de ser homogênea. Cada veículo selecionado como
documento deve ser analisado segundo suas características específicas” (REZENDE, 2005, p. 93).
Neste estudo analisamos cinco artigos publicados nas revistas: Pedagogica 6, do Rio de Janeiro, que no final

6
A revista Pedagogica, criada em 1890, trata-se do primeiro periódico editado e financiado pelo poder republicano e circulou até 1896. Tratava-se
de um importante meio de comunicação educacional, onde seu principal dinamizador, editor e por muitas vezes autor foi o professor Joaquim José
Menezes Vieira, diretamente ligado ao Museu Pedagogium, e importante figura de seu tempo. Constitui-se em nosso país a partir do Projeto de
Educação Nacional colocado em prática a partir da República, por intermédio de Benjamin Constant, reformando o ensino primário e secundário
do Distrito Federal. (FERNANDES, 2013). Tal reforma, tinha como principais princípios “a liberdade de ensino, a laicidade, a gratuidade do ensino
primário e a ciência como fundamento da organização curricular e do ensino propriamente dito” (GONDRA, 1997, p. 376).

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do século XIX ainda se tratava do distrito federal brasileiro e na Revista do Ensino Primário7, da Bahia. Ainda fizemos
comparações com os estudos realizados por Leme da Silva (2016) em oito artigos publicados na Revista A Eschola
Publica8, de São Paulo, e assinados por Oscar Thompson e Gomes Cardim9, com intensões similares a deste texto, de
forma que assim abarcamos no estudo três importantes estados brasileiros que, cada um a sua forma, destacava-se no
cenário educacional nacional.
Vale ressaltar que todas as fontes utilizadas neste estudo estão disponíveis na íntegra para acesso publico e
gratuito no Repositório10 de Conteúdo Digital da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), espaço de
socialização de obras raras inventariadas pelo Grupo de Pesquisas em História da Educação Matemática no Brasil
(GHEMAT), com a participação de pesquisadores de 18 estados brasileiros.
A seguir construímos um quadro com uma síntese dos artigos que compõem a pesquisa.
Quadro 1 – Artigos analisados
Fonte: O autor
REVISTA/ESTADO TÍTULO DO ARTIGO AUTOR ANO
Revista do Ensino Sem Título – Trata-se de uma crítica do autor A. Cavalcante 1892
Primário / Bahia publicada na revista.
Revista Pedagogica / Curso graduado de instruccão e manual de Não Informado 1891
Rio de Janeiro methodos para uso dos mestres por H. Kiddle T.
Harrison e N. A. Calkins
Revista Pedagogica / Razão de ser do ensino manual publico Mr. Salicis 1891
Rio de Janeiro
Revista Pedagogica / Manual de Methodos por Kidle, Haririson e F. Nicolax 1893
Rio de Janeiro Calkins
Revista Pedagogica / Trabalhos Manuaes – Curso Elementar – 1 Classe Olavo Freire 1891
Rio de Janeiro – Modelo de uma lição de dobrado.
A Geometria para ensinar no final do século XIX: analítica ou sintética?

As pesquisas de Valente (2015) e Leme da Silva (2016) exploram, dentre outras coisas, os métodos de ensino
analítico e sintético para o ensino dos saberes elementares aritméticos e geométricos, respectivamente. Os
pesquisadores fundamentam-se nos estudos de Mortatti (2000) e Trouvé (2008).
Segundo os pesquisadores, o método analítico é difundido no final do século XIX, dando sequência no início
do próximo século. Este método fundamenta-se em um ensino “do todo para as partes”. Diferente do método de ensino
sintético, que propaga um ensino que parta “das partes para o todo”. Em geometria, podemos exemplificar o método

7
Periódico de publicação mensal, mantida por assinaturas semestral e anual. A revista estava empenhada na causa do professorado, da criança e do
ensino primário. Tinha como redatores os professores Leopoldo dos Reis, Luis Leal e Theotimo de Almeida. Iniciou as publicações em 1891, não
havendo informações sobre a sua extinção. (SANTANA, 2009). Segundo Assis (1923, p. 308) a revista possuía papel ativo entre os professores da
Bahia.
8
Trata-se de uma revista pedagógica que circulou em São Paulo entre 1893 e 1894, Segundo CATANI (1996, p. 125) “foi editada por iniciativa de
um grupo de professores, sofre várias interrupções e em alguns momentos conta com o apoio do Estado”. Ainda segundo a pesquisadora, o periódico
foi um marco em São Paulo. “O papel pioneiro desempenhado por este periódico e seu lugar na conjuntura do campo educacional pode ser avaliado
pelo exame da atuação dos produtores e colaboradores do mesmo. [...] Professores que desde aquele momento militam pela melhoria da qualidade
do ensino, explicitam seus discursos e articulam suas recomendações, fazendo-as circular mediante as revistas” (p. 125). A revista ainda serviu de
modelo para outras publicações pedagógicas em São Paulo. (MAGNANI, 1997)
9
“Os dois autores foram formados pela escola Normal de São Paulo, Thompson na turma de 1891, e Gomes Cardim na de 1894[...] Para a
historiadora Mortatti (2000), os dois personagens [...] integram a geração de normalistas, que após a Proclamação da República ocupam cargos na
administração educacional, lideram movimentos associativos do magistério, assessoram autoridades educacionais [..]” (LEME DA SILVA, 2016
apud MORTATTI, 2000)
10
https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769

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A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)

de ensino analítico, como um ensino que parta do espaço para o plano, depois para a reta e termine no ponto, enquanto
que no sintético, inicia-se no ponto, passa pela reta e finaliza no espaço. Mas de que forma estava sendo proposta aos
professores uma geometria para ensinar em tempos intuitivos?
Analisando oito artigos dispostos nos exemplares da revista A Eschola Publica, Leme da Silva destaca que,
“a sequencia de atividades propostas indica a todo tempo, que as crianças toquem os modelos, construam com argila
ou barro as formas em estudo, como esferas, cubos. A observação e o desenho acompanham a exploração dos
modelos”. (2016, p.313). Percebemos que as propostas intuitivas vão aparecendo. Além disso, a autora entende
posicionamentos distintos entre os dois autores do texto – Oscar Thompson e Gomes Cardim – de modo que o primeiro
destaca em seus escritos o método analítico enquanto que o segundo indica o método sintético.
De que forma visualizamos as propostas para ensinar na Bahia e no Rio de Janeiro?
Na Revista do Ensino Primário, em um artigo publicado em 1892, há uma longa crítica de A. Cavalcante
sobre a distribuição de 3000 exemplares do livro “Desenho Linear” de Maia Bittencourt. O autor classifica a obra
distribuída como “Desenho Linear não apropriado as Escholas Primarias” (1892, p. 23), ele entende que este livro não
possui uma proposta intuitiva, conforme proposto pelo regimento interno das escolas públicas baianas: “Desculpem-
nos, este livreto não deve transpor os umbrais da eschola primaria: ele não se amolda ao que prescreve o art. 1 do
regimento interno das mesmas” (1892, p. 23).
Cavalcante faz duras críticas a proposta do livro, que ele afirma ser meramente “decorativa”, onde o aluno
deve decorar as técnicas de construção, começando pelos desenhos mais simples, até conseguir realizar construções
mais avançadas. Após a crítica ele propõe aos professores uma outra forma de ensinar desenho
Lindas e variadas são as madeiras de nosso Estado; temos artistas intelligentes e peritos,
porque não mandão fazer collecções de solidos, de diversas madeiras do Estado, para
fornecer-se as escholas? Com esta indicação que fazemos duas serão as vantagens para
as crianças 1. Aprender o desenho por um modo pratico, observativo e racional de acordo
com a pedagogia e a methodologia modernas. 2. ter ao mesmo tempo conhecimento das
madeiras de seu Estado e das diversas aplicações que ellas se pode dar (CAVALCANTE,
A. 1891, p. 25)

Com as falas do professor percebemos a defesa do docente por uma apropriação do método intuitivo de
maneira analítica nas escolas primárias da Bahia, condenando a utilização de um livro de proposta sintética. No entanto
a distribuição de 3000 livros também nos conta algo. Diferentes apropriações de um mesmo movimento pedagógico
em voga, tal como foi verificado com Oscar Thompson e Gomes Cardim. Mesmo momento, e apropriações diferentes
da mesma proposta de ensino.
Agora, como foram as coisas no Rio de Janeiro?
Em 1891, no artigo intitulado “Curso graduado de instruccão e manual de methodos para uso dos mestres por
H. Kiddle T. Harrison e N. A. Calkins” há recomendações aos professores de como ensinar cada matéria escolar,
quanto ao desenho a proposta é a repetição de figuras do simples para o complexo, objetivando a construção de formas
frequentes no dia a dia do aluno, “Desenho e escripta – Nas ardósias [...] sob ditado” e ainda “Desenho de figuras
conhecidas – No papel” (REVISTA PEDAGOGICA, 1891, p. 39).
Olavo Freire, em um artigo escrito em 1891, com orientações aos professores sobre a condução em uma aula

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de trabalhos manuais, expressa a importância da observação pelos alunos da construção feita pelo mestre, primeiro
com as atividades mais fáceis, “a lição será dada no quadro preto e o mestre executará o exercício ao mesmo tempo
que seus discípulos, os quaes mais facilmente comprehenderão as explicações”. (REVISTA PEDAGOGICA, 1891,
p. 45)
A mesma proposta é feita em outro artigo, assinado por Mr. Salicis e intitulado de “Razão de ser do ensino
manual publico”, nele o autor propõe que em níveis, ou aos poucos, o aluno vá se aperfeiçoando até chegar a perfeição
em suas construções manuais, a fim de aplicar as técnicas aprendidas na futura prática profissional.
Deve procurar especialmente que os alunos sahiando da escola primaria [...] tenham em
seu espirito uma bagagem technica elementar aplicável a qualquer officio, um certo grau
de precisão no olhar ao mesmo tempo que em suas mãos a pratica inicial dos instrumentos
ou utensílios fundamentaes. (REVISTA PEDAGOGICA, 1891, p. 117)
O autor ainda responsabiliza os professores, pelo sucesso ou fracasso de seus alunos, pois a intenção é que a
cada trabalho manual construído, o próximo seja melhor que o anterior. “Deve nascer uma habilidade precoce
indispensável para a excellencia das execuções ulteriores [...] e ao professor que está confiada esta tarefa de preparar
desde a infância as gerações que devem responder a estes intuitos [...] torna-se pois responsável” (REVISTA
PEDAGOGICA, 1891, p. 116)
Na mesma revista, em um artigo assinado por F. Nicolax, em 1893, o autor destaca mais uma vez, assim
como os demais, orientações para que o professor parta das “partes para o todo” com seus alunos, sempre começando
com estimativas, para então chegar-se a exatidão,
As crianças obterão percepções claras sobre o tamanho e o comprimento si pedirmos que
julguem por si o tamanho e a largura de objetos determinados, postos ao alcance de sua
vista e meção depois esses objetos para certificarem-se da exactidão ou inexactidão de
seus juízos. Desenhar linhas de determinado comprimento no quadro negro, fazel-as
medir pelos alunos é um meio excelente para adextral-os em calcular á simples vista o
tamanho e o comprimento dos objetos. (REVISTA PEDAGOGICA, 1893, p. 102)

Com as análises dos artigos, identificamos no então distrito federal, uma inclinação para os métodos de ensino
sintéticos, nos mostrando diferentes apropriações, reconhecendo que a extração cultural é sempre dinâmica, implica
variadas formas de recepção e interpretação (CHARTIER, 1990), neste caso, do método de ensino intuitivo. Na Bahia,
no Rio de Janeiro e em São Paulo, as revistas analisadas eram lugares privilegiados de difusão da proposta intuitiva,
no entanto com diferentes recomendações aos professores.

Algumas Considerações
A construção desta pesquisa vislumbra contribuições para a Historia da educação matemática, mesmo que
de forma parcial, tomando pesquisas com temáticas próximas, de forma a reforçar a ideia de que nada é por completo
a reprodução de um método de ensino. A escola e o meio educacional são lugares dinâmicos e com influências sociais,
políticas, econômicas e etc, que uma investigação por meio da História Cultural nos permite evidenciar. Dessa forma
existem diferentes apropriações de uma mesma metodologia de ensino, e assim entendemos que nossas fontes de
pesquisa possibilitam a manifestação de rastros do que vinha acontecendo nas salas de aula do final do século XIX, e
ainda o que os professores eram orientados a fazer. Diferentes formas de ensinar e aprender geometria de forma

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intuitiva, ora de maneira analítica e ora de maneira sintética.

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O USO DE EPISÓDIOS DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM UMA TAREFA DIDÁTICA


VISANDO A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO

Benjamim Cardoso da Silva Neto (IFMA) – benjamim.neto@ifma.edu.br


Fabiana Leal Nascimento (IFMA) – fabiana.nascimento@ifma.edu.br

O presente trabalho remete a uma abordagem qualitativa e por meio de uma pesquisa de campo realizada com dois
alunos do 2º ano do Ensino Médio para os quais foi aplicada uma tarefa didática com uso de episódios de história da
matemática para o estudo do Teorema de Tales. Os episódios de história da matemática podem ser construídos pelo
professor e pelos alunos, deve possuir um contexto de alguma passagem histórica que evidencie problemas antigos de
matemática, e pode ser histórias ou estórias e reais ou fantasiosas. Objetivamos analisar a produção de significado sob
o aporte do Modelo dos Campos Semânticos, adotado como referencial epistemológico na pesquisa. Construímos um
episódio em relato tradicional sobre a estruturação do Teorema de Tales a partir do problema do cálculo da altura da
pirâmide por Tales de Mileto no Egito Antigo unindo-o a uma tarefa didática. A história da matemática enquanto
recurso metodológico é a substância que dá corpo à tarefa construída e proposta. Analisamos os registros escritos dos
alunos, as falas transcritas, e gestos evidenciando uma leitura sobre a produção de significado matemático pelos
alunos. As produções dos alunos caminharam na direção que era objetivado, ocorrendo produção de significado
matemático para a tarefa submetida à aplicação, pudemos identificar a direção em que o aluno falava, baseado em que
falava e porque falava, levando-o a conhecer novas direções. A produção de significado segundo o referencial
epistemológico adotado pode ser percebida por meio de gestos, falas, desenhos, ou seja, é tudo aquilo que alguém
pode representar sobre algo. A tarefa elaborada, para os autores, é capaz de se tornar um instrumento que se incorpore
às estratégias adotadas por professores de Matemática no uso da história da matemática na sala de aula possibilitando
a aproximação entre aluno e professor e entre aluno e aluno, uma vez que o MCS permite e vislumbra essa
aproximação entre os indivíduos.

Palavras-chave: Tarefa didática; Episódio de história da matemática;Modelo dos Campos Semânticos.

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A HISTÓRIA DA EQUAÇÃO DE SEGUNDO GRAU: O QUE PENSAM OS ALUNOS OS


ALUNOS DO ENSINO MÉDIO

Júlio César Cabral


Colégio Águia de Prata – CAP – Brasil
Alexandre Mendes Muchon
Colégio Águia de Prata – CAP – Brasil
Alan Augusto Silva Souza
Colégio Águia de Prata – CAP – Brasil

Resumo

Neste trabalho será apresentada, de forma resumida, a história do desenvolvimento da matemática e dos conceitos de
função, em especial as quadráticas. Desde a antiguidade, o homem utiliza a matemática para facilitar a vida e organizar
a sociedade. O uso dos conceitos matemáticos hoje conhecidos derivou da necessidade dos povos em evoluir
socialmente, partindo de problemas reais. Como ciência, o desenvolvimento da matemática motivou os pensadores de
suas épocas a desenvolverem métodos e técnicas que fossem possíveis para aplicar, explicar ou organizar, desde
tarefas simples até as mais complexas, como construções. A matemática ainda continua atuando como “ferramenta”
em diversos setores da sociedade contemporânea, no entanto, muitos ainda não reconhecem essa dependência. Dos
Egípcios aos Hindus, percebe-se que a equação quadrática esteve presente nas mais diversas situações e que o objetivo
era sempre o de resolver tais equações. No desenrolar da história, vários métodos foram desenvolvidos no intuito de
aprimorar as técnicas já existentes. Atualmente, no ensino médio, o que se observa em termos dessa forma de equação
é a aplicação da fórmula resolutiva de equações do segundo grau; com isso, outros métodos que serviram de alicerce
para o que hoje conhecemos, são deixados de lado. Desta forma, a história que desencadeou a formulação matemática
é também esquecida, prejudicando o desenvolvimento matemático dos estudantes em geral. A falta de uma sequência
de fatos que mostre o crescimento da matemática como ciência torna a aprendizagem do aluno limitada, pois não
disponibiliza meios para que eles percebam a beleza algébrica e geométrica contida nos outros métodos. Por meio de
um questionário, aplicado a alunos das escolas públicas e particulares da cidade de Lagoa da Prata/MG, foi possível
traçar um panorama de como a história da matemática e os vários métodos desenvolvidos ao longo dos séculos são
vistos por eles. Através deste questionário, fica evidente que apenas um método é utilizado pelos estudantes na
resolução das equações de segundo grau. Também, que a grande maioria não conhece a história da matemática, no
entanto, manifestam interesse em conhecê-la. Finalmente, o presente trabalho ainda foi utilizado como forma de
introduzir alunos do ensino médio a uma alfabetização cientifica.

Palavras-chave: Equação de segundo grau; História da matemática; Fórmula geral.

[THE STORY OF THE SECOND GRADE EQUATION: WHAT DO STUDENTS THINK OF HIGH SCHOOL STUDENTS]

Abstract

In this paper, the history of the development of mathematics and the concepts of function, in particular the quadratics
will be presented in a summarized way. From ancient times man has used mathematics to make life easier and to
organize society. The use of today's mathematical concepts derived from the need of people to evolve socially, starting
from real problems. As a science, the development of mathematics motivated thinkers of their time to develop methods
and techniques that could be applied, explained, or organized, from simple to complex tasks such as constructions.
Mathematics still continues to act as a "tool" in various sectors of contemporary society, yet many still do not recognize

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Anais do XII SNHM -2017
Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

this dependence. From the Egyptians to the Hindus, it can be seen that the quadratic equation was present in the most
diverse situations and that the objective was always to solve such equations. In the course of history, several methods
have been developed in order to improve existing techniques. Nowadays, in high school, what is observed in terms of
this form of the equation is the application of the resolutive formula of equations of the second degree; with this, other
methods that served as a foundation for what we know today are left out. In this way, the history that triggered the
mathematical formulation is also forgotten, hampering the mathematical development of students in general. The lack
of a sequence of facts that shows the growth of mathematics as science makes student learning limited because it does
not provide the means for them to perceive the algebraic and geometric beauty contained in other methods. Through
a questionnaire, applied to students of public and private schools in the city of Lagoa da Prata / MG, it was possible
to outline how the history of mathematics and the various methods developed over the centuries are seen by them.
Through this questionnaire, it is evident that only one method is used by students in solving the second-degree
equations. Also, that the great majority does not know the history of mathematics, nevertheless, they manifest interest
in knowing it. Finally, the present work was still used as a way to introduce high school students to a scientific literacy.

Keywords: Second-degree equation; History of Mathematics; General formula.

Introdução

Para muitos estudantes do ensino médio e fundamental, quando se fala em matemática, logo vem à mente um
amontado de contas, símbolos e gráficos que, para eles, em diversas situações, não tem fundamento algum. Diversas
são as situações em que o ensino de matemática é proposto sem a ligação dos conceitos estudados com o cotidiano
mais imediato do aluno.
No contexto do aluno, não se faz necessário saber ler e interpretar um gráfico, tabela ou relacionar uma
determinada grandeza com outra, pois não ocorre uma transposição dos conteúdos vistos em sala de aula para a sua
vivência diária. Na visão do professor, a matemática deve ser ensinada da forma que os livros didáticos trazem. O que
não se percebe é que a matemática está relacionada com fatos ou acontecimentos diários de uma grande parcela da
população ou ainda ligada a fenômenos naturais. Para Rodrigues (2004) exemplos que fariam a transposição entre o
conteúdo e cotidiano são comumente encontrados em jornais ou notícias envolvendo linguagem matemática, tais como
gráficos, tabelas, taxas de financiamento, pesquisas e tantas outras.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) do 5º ao 8º ano, a matemática é importante na
construção da cidadania, pois

a sobrevivência na sociedade depende cada vez mais de conhecimento, pois diante da complexidade
da organização social, a falta de recursos para obter e interpretar informações, impede a
participação efetiva e a tomada de decisões em relação aos problemas sociais. Impede, ainda, o
acesso ao conhecimento mais elaborado e dificulta o acesso às posições de trabalho (BRASIL,
1988, p. 26).

Desse modo, a matemática ensinada na escola de nível médio, deve ser tal que possibilite ao aluno transcender
a um modo de vida ativo em seu meio social e ainda proporcione uma transformação do seu ambiente social.
Contudo, o processo de ensino e aprendizagem da matemática deve valorizar o saber matemático cultural e
aproximá-lo do saber escolar em que o aluno está inserido (BRASIL, 1998. p.32) na tentativa de promover o estudante
como um cidadão atuante e solidário dentro e fora do contexto escolar.

Materiais e Métodos

O intuito deste trabalho é verificar qualitativamente como os alunos encaram a função de segundo grau, quais são os
métodos conhecidos por eles e se a história da matemática é importante no que se refere à aprendizagem deste tópico.

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Anais do XII SNHM -2017
A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

A verificação dar-se-á por meio de um questionário, que será respondido por alunos dos segundos e terceiros
anos do ensino médio da rede pública e particular da cidade de Lagoa da Prata, Minas Gerais.
O desenvolvimento deste trabalho visa ainda inserir alunos do ensino médio no campo da pesquisa, como
forma de iniciar uma alfabetização científica no âmbito desse nível de ensino.
Embora seja objetivo deste trabalho inserir os alunos ao mundo da pesquisa, não discutiremos os pormenores
da alfabetização científica, no entanto acreditamos que esta metodologia pode

ser considerada como uma das dimensões para potencializar alternativas que privilegiam uma
educação mais comprometida. É recomendável enfatizar que essa deve ser uma preocupação muito
significativa no ensino fundamental, mesmo que se advogue a necessidade de atenções quase
idênticas também para o ensino médio (CHASSOT, 2006).

A seguir apresentaremos uma breve revisão histórica do desenvolvimento da matemática e também do


conceito de função, os resultados obtidos e as considerações finais do trabalho.

O desenvolvimento histórico da matemática

O termo “Matemática” deriva da palavra grega “Matemathike”, que pode ser dividida em duas partes: “Mathema” que
significa compreensão, explicação, ciência, conhecimento ou aprendizagem; e “thike” relacionada à arte. Assim, pode-
se dizer que Matemática é a arte ou técnica de explicar, conhecer ou entender os números ou formas geométricas.
O que sabemos atualmente consiste de um agregado de conhecimentos e técnicas desenvolvidas ao longo do
tempo. Os Egípcios (4000 a.C. – 30 a.C.) usavam o método da falsa posição para resolver equações de primeiro grau
e, possivelmente, de segundo grau. No Papiro de Kahun foram encontrados exercícios envolvendo a expressão x 2+y2
= k, onde k era um número positivo. Os Babilônicos (2000 a.C.) tinham conhecimentos bem desenvolvidos de álgebra
e resolviam equações de segundo grau por meio de uma sequência de passos ou “receita matemática” ou ainda pelo
método de completar quadrados. Os Gregos (350 a.C. – 250 a.C.) utilizavam construções geométricas para o estudo
de equações e ainda conceitos de proporções. Na obra “Os Elementos”, de Euclides, é possível ter uma ideia de como
os gregos resolviam problemas envolvendo equações quadráticas. Os Árabes (825 d.C.) resolveram as equações
quadráticas por meio da álgebra (babilônicos) e da geometria (gregos). Pode-se destacar o trabalho de Al-Khowarizmi
onde é apresentada a equação polinomial e sua resolução e a comprovação geométrica do método de completar
quadrados. Para os Hindus (1000 d.C. – 1200 d.C.) a matemática era composta por problemas reais. Estes exerceram
um papel fundamental na resolução de equações quadráticas. Entre os matemáticos hindus pode-se citar Bhaskara,
que complementou os trabalhos de seus antecessores encontrando soluções gerais para algumas equações, em especial
a equação do segundo grau (fórmula Bhaskara no Brasil).
A matemática é a ciência dos números e dos cálculos. Desde a antiguidade, o homem utiliza a matemática
para facilitar a vida e organizar a sociedade. A matemática foi usada pelos egípcios na construção de pirâmides, diques,
canais de irrigação e estudos de astronomia. Os gregos antigos também desenvolveram vários conceitos matemáticos.
Atualmente, esta ciência está presente em várias áreas da sociedade como, por exemplo, arquitetura, informática,
medicina, física, química etc. Podemos dizer que em tudo que olhamos existe a matemática.
O desenvolvimento da matemática não está restrito somente aos citados anteriormente, porém o foco do
trabalho são as equações de segundo grau. Aos olhos de da grande maioria dos alunos, tais equações são vistas apenas
como algo aprendido na escola para que seja cobrado em provas e, sendo assim, nunca mais visto. Ainda, quando em
sua aplicação, se faz necessário obter as suas raízes, o método ensinado é sempre o mesmo, por meio da fórmula
resolutiva de equações do segundo grau. Dessa forma, o desenvolvimento matemático dos estudantes em geral fica
limitado, pois não percebem a beleza algébrica e geométrica contida em outros métodos.

Métodos para resolver uma equação quadrática

Quando se pensa em resolver uma equação do segundo grau, logo vem à mente a famosa fórmula Bhaskara, ou fórmula

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Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

 b  b 2  4ac
resolutiva de equações do segundo grau: x  . No entanto, devemos saber que tal método é
2a
conhecido somente no Brasil. Para Quaranta (2014) a fórmula geral tem caráter totalmente abrangente, por isso achou-
se adequado abandonar as outras formas de se apresentar e de se resolver equações do segundo grau, resumindo o
ensino atual com enfoque exclusivamente algébrico. Além da fórmula geral podem ser destacadas outras formas de
soluções, tais como: i) método geométrico; ii) complemento dos quadrados; iii) soma e produto; iv) fatoração.
A seguir será apresentado um exemplo de solução de uma equação de segundo grau.

Solução de uma equação quadrática por Viète

Somente no início da idade moderna que é introduzido o simbolismo algébrico, forma pela qual reconhecemos
atualmente as equações do segundo grau, proposta pelo francês Viète. O exemplo apresentado a seguir pode ser
utilizado como forma de solução de uma equação de segundo grau no intuito de que os alunos reconheçam elementos
já conhecidos da fórmula geral.
Dada a equação x 2  3x  4  0 o valor das raízes será x’ = -4 e x’’ = 1 quando utilizada a fórmula geral

 3  32  4.1.(4)
x . Aplicando o método de Viète, onde o objetivo é fazer uma substituição de variáveis.
2.1
Para obter as raízes seguimos os seguintes passos:
1. Fazendo x uv
2. Substituindo em x 2  3x  4  0 , temos: (u  v)2  3(u  v)  4  0
3. Resolvendo e organizando a equação, fica
u 2  2uv  v 2  3u  3v  4  0
u 2  v 2  2uv  3u  3v  4  0
4. Isolando u na expressão, temos
u 2  v2  u(2v  3)  3v  4  0
5. Fazendo 2v  3  0 temos que v   3
2
6. Substituindo na expressão do item 4, o termo u (2v  3) torna-se nulo restando então
9 9
u2   40
4 2
25
u2 
4
5
u
2
7. Finalmente substituindo os valores de u e v no item 1, chegamos aos valores
5 3
x 
2 2
x  4
x 1
Utilizando-se desse processo, os alunos podem resolver com tranquilidade outras equações de segundo grau.
Daí para chegar à fórmula geral basta aplicar o método considerando uma equação ax 2  bx  c  0 .
O método de Viète possibilita uma demonstração da fórmula resolutiva de equações do segundo grau, de fácil
compreensão e sem grandes artifícios. Com a aplicação de tal método, pode-se ainda chegar à solução de uma equação

185
Anais do XII SNHM -2017
A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

completa do 2º grau sem que seja necessário utilizarem a fórmula de maneira decorada como tantas vezes acontece.

Solução de uma equação quadrática pelo método geométrico de Descartes

Para resolver equações quadráticas, René Descartes desenvolveu um método geométrico para obtenção da raiz
positiva. Descartes consideravam três possibilidades: a) x 2  bx  c 2 ; b) x 2  c 2  bx ; c) x 2  bx  c 2 .
Considerando a equação x 2  3x  4  0 percebemos que a mesma se enquadra no item a, pois x 2  3x  22 , onde

b  3e c  2.
Aplicando o método de geométrico de Descartes, para obter a raiz positiva seguimos os passos:
1) Trace um segmento de reta MN, na horizontal, cujo tamanho será o valor de c.
b
2) A partir de M, trace um segmento de reta MP perpendicular a MN de comprimento .
2
3) Com centro em P, construa um círculo de raio MP.

Figura 1: Passos 1 e 2 do método de Descartes.

Fonte: Autor

Figura 2: Passo 3 do método de Descartes.

Fonte: Autor

4) Trace uma reta unido os ponto N e P.

186
Anais do XII SNHM -2017
Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

Figura 3: Passo 4 do método de Descartes.

Fonte: Autor

O segmento RN é a solução positiva da equação, enquanto –SN a raiz negativa.


5) Na figura 3, do triângulo retângulo MNP, conclui-se que;

( PN )2  (MP)2  (MN )2
PN  (MP)2  (MN )2
b
6) Fazendo MP  , MN  c e RN  x . De acordo com a figura 3, MP  PR pois são raios da circunferência,
2
logo:
RN  PR  PN
RN  MP  PN
b
x  PN
2
7) Substituindo na equação do item 5, temos;
2
b b
x      c2
2 2
2
b b
x      c2
2 2
8) Lembrando que b = 3 e c = 2, temos:
2
3 3 3 9
x      22   4
2 2 2 4

3 25 3 5
x   
2 4 2 2
x  4 ou x  1

187
Anais do XII SNHM -2017
A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

Por meio do método de Descartes, o aluno pode com certa facilidade relacionar os conceitos da geometria
para determinar o valor da raiz de uma equação quadrática.
O método de Descartes pode ser utilizado tanto por alunos do ensino fundamental quanto do ensino médio
fazendo uso, por exemplo, do software Geogebra na obtenção das raízes.

Figura 4: Método geométrico de Descartes, desenvolvido no Geogebra.

Fonte: Autor

Resultados

Para o desenvolvimento deste trabalho, um grupo de alunos de escolas públicas e particulares foi consultado por meio
de um questionário em que o intuito era verificar o que sabem e pensam a respeito da equação do segundo grau. O
público de pesquisados consiste de alunos do ensino médio.
Deste grupo, 61,1% são alunos da rede pública e 38,9% estudam em escola particular; 21,6% dos alunos
cursam o primeiro ano; 27,0% estão no terceiro ano, enquanto 51,4% dos estudantes estão matriculados no segundo
ano. O estudo da equação de segundo grau, seja nos livros didáticos ou apostilas adotadas pelas escolas particulares,
é componente curricular para a primeira série do ensino médio. Todos os alunos consultados afirmam já terem
estudado algo sobre o tema. Mas quando questionados sobre quais foram os métodos explicados, todos afirmaram
entre os quatro disponíveis no questionário (Bhaskara, Viète, Complementos dos quadrados e Geométrico) que 100%
estudaram a resolução por Bhaskara, 18,4% afirmaram conhecer o método de Viète e 10,8% conhecem o método de
complemento de quadrados. O quadro que se observa é o mesmo discutido anteriormente, por conveniência ou talvez
por simplicidade em se chegar às raízes da equação, os livros didáticos/professores preferem o uso da fórmula geral.
Nenhum aluno conhece o método geométrico. No entanto, 78,4% dos alunos gostariam de saber mais sobre os métodos
não conhecidos. Mesmo que outros métodos não sejam contemplados nos materiais didáticos, cabe aos professores
analisar a importância desses outros métodos e explicá-los aos alunos, uma vez que tais métodos correspondem ao
desenvolvimento da matemática.
Almeida (2006) afirma que as dificuldades de aprendizagem em Matemática podem ocorrer por diversos
fatores, sejam eles afetivos, cognitivos ou mesmo físicos. No entanto, devemos pensar na situação em que o aprendiz
não sabe de onde vêm aqueles conceitos e muito menos verificam uma relação deles para com o seu dia a dia, fato
que pode ser observado neste trabalho: apenas 29,7% dos alunos conhecem outros métodos de solução da equação de
segundo grau. Tal fato pode ser ainda comprovado quando os alunos são questionados sobre a história da matemática:
83,8% dos alunos não conhecem a história da matemática, porém 81,1% afirmam ter interesse em saber mais sobre o
seu desenvolvimento desde os primórdios até os dias atuais.
Na tentativa de minimizar tais dificuldades, iniciar os estudos propondo para os alunos por que um dado
conteúdo foi desenvolvido, por que está sendo estudado, para que serve e qual é a relação dele com o seu cotidiano,

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Anais do XII SNHM -2017
Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza

além de motivar, pode ainda despertar o interesse dos alunos em aprender. E uma forma de se fazer isso é começar
pela história ou por fatos de maior relevância que justifiquem o seu uso e desenvolvimento. Nesse sentido, os alunos,
quando perguntados sobre a relação da equação de segundo grau com seu cotidiano, 67,6% deles não a relacionam
com nada do seu dia a dia, como se verifica em uma das respostas “No meu dia a dia, são raras as vezes que eu uso a
matemática pra alguma coisa! Mais a matéria em si é bem complexa!”. O aluno em questão ainda não descobriu que
a matemática é uma ferramenta para a vida e que por mais complexa que seja, está presente em tudo o que o cerca.
Para outro aluno a matemática se concentra apenas nas operações básicas “Não percebo uso profundo da matemática
aprofundada no dia a dia, somente matemática básica (adição, subtração, multiplicação e divisão)”.
Para um grupo pequeno de alunos, a matemática não é necessária e não tem sentido em suas vidas. Outros
atribuem a falta de afinidade com a disciplina pelo fato de não entenderem as aulas do professor, ou ainda estudam
somente para fazer prova mesmo não gostando.
No entanto, alguns alunos consideram a matemática como fundamental e presente no seu dia a dia, como pode ser
percebido na seguinte resposta “A matemática hoje em dia está em tudo, precisamos dela na maioria das coisas que
fazemos no dia a dia, como comprar algo, em toda questão da vida se utiliza a matemática, ela é uma das matérias
fundamentais!”.
Na visão de outro aluno “O estudo da matemática é fundamental para vivermos na sociedade. Para realizar
desde os cálculos mais simples e cotidianos, como calcular o valor dos itens que for comprar, até os cálculos mais
complexos de alguma faculdade de engenharia. [...] A matemática está em todo lugar, para vê-la, basta deixar de
lado os pensamentos negativos sobre ela e adentrar neste mundo”.

Considerações Finais

O presente trabalho apresentou uma revisão sobre a história do desenvolvimento da matemática e também dos
conceitos de função, que, atualmente, são amplamente utilizados nos mais diversos setores da sociedade.
A história da matemática nos mostra que o que hoje conhecemos não está pronto e muito menos finalizado,
pois a necessidade é fator motivacional para novos descobrimentos e aperfeiçoamento das técnicas já existentes, como
a história nos mostra.
No ensino médio, as equações quadráticas são geralmente estudadas de forma desconectada da realidade dos
alunos e sem levar em consideração o seu desenvolvimento histórico, e estes, por vez, não conseguem ver relação
delas com aplicações práticas.
Fica evidente, de acordo com nossa pesquisa, que o método mais utilizado pelos alunos é a fórmula geral
(Bhaskara) em que os demais métodos que serviram de base para o desenvolvimento da matemática são deixados de
lado. Ficam claras as dificuldades dos alunos, quando se introduz outro método, após ter visto o método de Bhaskara,
que eles não conseguem pensar a não ser com base na facilidade gerada pela fórmula geral.
Apesar do ensino de matemática, em muitos casos, “esquecer” a história da matemática, devemos lembrar
que a mesma é primordial para o desenvolvimento tecnológico, social e humano.

Agradecimentos

Aos alunos das escolas que participaram deste trabalho respondendo ao questionário. Aos alunos do Colégio Águia
de Prata, ora designados pesquisadores juniores, Alan Augusto Silva Souza (1º ano) e Alexandre Mendes Muchon (2º
ano), pela dedicação e compromisso no desenvolvimento deste trabalho.

Bibliografia

ALMEIDA, Cínthia Soares de. 2006. Dificuldades de aprendizagem em Matemática e a percepção dos professores
em relação a fatores associados ao insucesso nesta área. Brasília: Universidade Católica de Brasília, Ucb. Trabalho
de conclusão de curso.

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Anais do XII SNHM -2017
A história da equação de segundo grau: o que pensam os alunos do ensino médio

BOYER, Carl Benjamin. 1993. História da Matemática, São Paulo, Edgard Blücher, 10a impressão.
BRASIL/MEC. 1998. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília.
CHASSOT, Attico. 2006. Alfabetização científica: uma possibilidade para a inclusão social.
FRAGOSO, Wagner da Cunha. 2000. Uma Abordagem Histórica da Equação do 2 grau. [s. L]: Revista do Professor
de Matemática, n. 43, p. 20-25.
PEDROSO, Hermes Antônio. 2010. Uma breve história da equação do 2º grau. 2. ed. [s. L.]: Revista Eletrônica de
Matemática.
QUARANTA, Francisco. 2014. Geometria e Aritmética Combinam com Equações do Segundo Grau? V. 6; [s. L.]:
Holos.
RODRIGUES, Luciano Lima. 2004. A matemática ensinada na escola e a sua relação com o cotidiano. Universidade
Católica de Brasília.
VALE, Alberton Fagno Albino do. 2013. As Diferentes Estratégias de Resolução da Equação do Segundo Grau. 76 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Matemática, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, 2013.
Disponível em: <http://bit.profmat-sbm.org.br/xmlui/>. Acesso em: 22 fev. 2017.

Júlio César Cabral


Colégio Águia de Prata – CAP – Lagoa da Prata -
Brasil

E-mail: alunosdojulio@hotmail.com

Alexandre Mendes Muchon


Colégio Águia de Prata – CAP – Lagoa da Prata -
Brasil

E-mail: alexmuchon@gmail.com

Alan Augusto Silva Souza


Colégio Águia de Prata – CAP – Lagoa da Prata -
Brasil

E-mail: alan.augustoss1@gmail.com

190
Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

A MATEMÁTICA ISLÂMICA NA IDADE MÉDIA: A ÁLGEBRA DE SHARAF AL-DīN AL-


TūSī

Severino Carlos Gomes


Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN – Brasil

Bernadete Morey
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN – Brasil

Resumo

O objetivo desse trabalho é apresentar o estudo do algebrista medieval Sharaf al-Dīn al-Tūsī sobre a existência (ou
não) das raízes de determinadas equações cúbicas. Para isso, este artigo se vale das teses de Rashed (1994) – utilizando
a derivada – e Hogendlik (1989) – utilizando elementos geométricos – sobre os possíveis argumentos utilizados,
implicitamente, por al-Tūsī para determinar seus verídicos resultados. Por fim, exibiremos os pormenores de uma
possível justificativa geométrica sobre a pesquisa de raízes positivas de uma equação cúbica particular.

Palavras-chave: Sharaf al-Dīn al-Tūsī, Álgebra Islâmica, Matemática Medieval.

MATH IN ISLAMIC MIDDLE AGES: ALGEBRA OF SHARAF AL-DIN AL-TUSI

Abstract

The purpose of this work is to present the study of the medieval algebraist Sharaf al-Dīn al-Tūsī about the existence
(or not) of the roots of certain cubic equations. For this, this article uses the thesis of Rashed (1994) - using the
differential calculus - and Hogendlik (1989) - using geometric elements - on the possible arguments implicitly used
by al-Tūsī to determine their true results. Finally, we will present the details of a possible geometric justification on
the search for positive roots of a particular cubic equation.

Keywords: Sharaf al-Dīn al-Tūsī, Islamic Algebra, Medieval Mathematics.

Introdução

A partir do séc. VII, após rápida expansão, o Islamismo se estabeleceu numa vasta área territorial que incluía o norte
da África, a Península Ibérica, o Oriente Médio e a Ásia Central. Nesta vasta região viviam povos de distintas culturas
e línguas. A religião oficial do Islamismo era a muçulmana, porém, havia certa tolerância religiosa. Os governantes
islâmicos incentivaram o estudo das ciências e da filosofia, muitas vezes, criando e mantendo instituições de cultura
e saber que abrigavam sábios convidados de regiões bem distantes.
No que se refere aos estudos em matemática, eles se iniciaram a partir das traduções e do estudo de obras
mais antigas originárias da Índia e da Grécia, principalmente. Passado algum tempo os sábios dos povos islâmicos
começaram a produzir conhecimento novo e, a partir do séc. X, em qualquer campo da ciência, as figuras mais
importantes pertenciam à comunidade islâmica sejam eles, muçulmanos, cristãos ou judeus.

191
Anais do XII SNHM -2017
Severino Carlos Gomes & Bernadete Morey.

Com efeito,

Se voltarmos nas páginas do tempo, veremos que é impossível imaginar a civilização ocidental sem
os frutos da ciência árabe: a arte da álgebra de al-Khwarizmi, os abrangentes ensinamentos médicos
e a filosofia de Avicena1, as duradouras geografia e cartografia de al-Idrisi2, o rigoroso racionalismo
de Averróis3. (LYONS, 2011, p. 19).

A tradição algébrica islâmica medieval tem seu expoente em Mulhammad ibn Musa al-Khwarizmi (c. 780-c.
850). Embora outras culturas tenham desenvolvido alguns conceitos algébricos básicos, para Brezina (2006) é a partir
da obra de al-Khwarizmi, mesmo sem usar símbolos para expressar equações, que processos algébricos são
apresentados de forma sistemática, evidenciando assim o ramo da matemática futuramente conhecido como Álgebra.
Além de expoentes como al-Khwarizmi, diversos estudiosos islâmicos contribuíram no desenvolvimento do
pensamento algébrico medieval. Entre eles, Sharaf al-Dīn al-Tūsī e sua obra sobre a Álgebra das equações cúbicas.
Neste sentido, este artigo tem como propósito apresentar alguns elementos do tratamento dado por Sharaf al-
Dīn al-Tūsī sobre a existência (ou não) das raízes de determinadas equações cúbicas. Para isto, iniciaremos
contextualizando a importância da cultura islâmica medieval na história da Álgebra. Prosseguiremos apresentado
elementos da obra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī com a interpretação funcional de Rashed (1994), também defendida por
Katz e Barton (2007) e, por fim, a interpretação geométrica de Hogendlik (1989).

A Álgebra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

Não há certeza sobre o período exato de vida de Sharaf al-Din al-Muzaffar ibn Muhammad ibn al-Muzaffar al-Tusi.
O'Connor e Robertson (1999) afirmam que Sharaf nasceu por volta de 1135 da era cristã e faleceu por volta de 1213.
Podemos certamente deduzir de seu nome que ele era filho de Muhammad, neto de Muzaffar e nasceu na região de
Tus (Khorasan – atual Iran). Esta região, no nordeste do Irã, inclui as cidades de Tus, da cidade próxima Meshed,
ambos no alto do vale do rio Kashaf, e ainda, Nixapur que está a 75 km a oeste de Tus.
Para Gregersen (2011), Sharaf está entre os astrônomos da tradição islâmica medieval como inventor do
astrolábio linear. Porém, Katz e Parshall (2014) chamam atenção para não confundi-lo com o famoso astrônomo Nasīr
al-Dīn al-Tūsī (1201-1274).
Provavelmente, Sharaf ensinou matemática e astronomia (principalmente, as obras de Euclides e Ptolomeu)
em Damasco e Alepo, na Síria e em Mosul, no Iraque. Em Mosul, Sharaf teve como aluno mais famoso Kamal al-Din
ibn Yunus. Este, por sua vez, foi professor de Nasir al-Din al-Tusi, um dos mais famosos de todos os estudiosos
islâmicos do período. (O'CONNOR; ROBERTSON, 1999).
No final de sua vida, Sharaf escreveu em Bagdá sua obra sobre Álgebra 4. Basicamente, um tratado sobre
equações cúbicas, que “representa uma contribuição essencial para uma outra álgebra que visa estudar curvas por meio
de equações, inaugurando assim o início da geometria algébrica.” (RASHED, 1994, p. 103).
Mesmo sem indicar o processo analítico, o trabalho de Sharaf al-Tūsī mostra condições sobre a existência de
raízes positivas de determinadas equações cúbicas. Em linguagem atual, na busca por soluções de determinadas
equações cúbicas, argumenta Rashed (1994), que mesmo sem apresentar estudo sistemático da derivada de uma
função5, al-Tūsī se utiliza do argumento que polinômios f(x) possuem um máximo quando sua derivada se anula (f’(x)
= 0). Enfim, por não apresentar o caminho matemático para suas conclusões, o estilo conciso de al-Tūsī se apresenta
como um excelente objeto para a pesquisa matemática na busca de argumentos válidos para a demonstração de sua
Álgebra.

1
Filósofo e médico persa reconhecido pelo seu trabalho na medicina. Seu nome árabe é Ibn Sina.
2
Geógrafo árabe diretor do projeto Mapa do Mundo do rei Rogério II da Sicília.
3
Filosófo conhecido como comentador da obra de Aristóteles. Seu nome árabe é Abu al-Walid Ibn Rushd.
4
Rashed (1994) e Gregersen (2011) apontam que sua obra sobre Álgebra surgiu por volta de 1213.
5
Para Rashed (1994) o conceito de derivada de uma função ou de um polinômio está implícito no trabalho de Sharaf al-Tūsī.

192
Anais do XII SNHM -2017
A Matemática Islâmica na Idade Média: a Álgebra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

Em linhas gerais, os matemáticos da tradição islâmica medieval somente reconheciam equações cúbicas com
coeficientes e raízes positivas. Assim, eles distinguiram 18 tipos diferentes destas equações. Omar al-Khayyam já
havia mostrado que cinco tipos sem um termo constante podem ser reduzidos a equações quadráticas, e para cada um
dos 13 tipos restantes ele havia dado uma construção geométrica de uma raiz por meio da intersecção de duas seções
cônicas, ou por meio de uma seção cônica interceptando um círculo. Oito destes treze tipos têm uma raiz positiva.
(HOGENDLIK,1989).
Ainda conforme Hogendlik (1989), na edição publicada, traduzida e comentada por Roshid Rashed (AL-
TŪSĪ, 1985), o trabalho de Sharaf al-Tūsī é dividido em duas partes. A primeira apresenta as construções geométricas
de al-Khayyam para estes oito tipos, e a segunda parte é dedicada aos cinco tipos restantes de equações cúbicas. A
saber: (1) x3 + c = ax2, (2) x3 + c = bx, (3) x3 + ax2 + c = bx, (4) x3 + bx + c = ax2 e, finalmente, (5) x3 + c = ax2 + bx,
com a, b, c positivos.
Para cada uma destas cinco equações, al-Tūsī estabeleceu condições para a existência de raízes positivas. Por
exemplo, para a equação do tipo (1) x3 + c = ax2, a condição estabelecida foi m = 2a/3. Este é exatamente o valor da
abscissa do ponto de máximo, no intervalo (0, a), da função f(x) = ax2 – x3, pois f’(m) = 0.
Para ilustrar a investigação de Sharaf al-Tūsī defendida por Rashed (1994), consideremos, em notação
algébrica atual, a análise da equação (1), conforme expõe Katz (2007). Provavelmente, al-Tūsī começou colocando a
equação na forma x2(a – x) = c e denominando f(x) = x2(a – x). Então, ele notou que a equação tem uma solução se
f(x) atinge o valor c ou não. Para determinar isso, ele precisava encontrar um valor máximo para a função f(x).
Embora Sharaf al-Tūsī não apresente argumentos funcionais, ele se utiliza do argumento que o valor máximo
ocorre quando x = 2a/3, o que na verdade dá o valor f(2a/3) = 4a 3/27. Assim, Sharaf al-Tūsī poderia agora alegar que,
se esse valor for menor que c, não há soluções (positivas); se for igual a c, há uma solução em x = 2a/3, e se for maior
que c, existem duas soluções x1 e x2, uma entre 0 e 2a/3 e uma entre 2a/3 e a (Figura 1).

Figura 1 – Estudo funcional implícito de Sharaf al-Tūsī

Fonte: Katz, V, J.; Barton, B., (2007, p. 192).

Sharaf al-Tūsī não conseguiu descobrir um algoritmo para determinar essas soluções, mas pelo menos, ele
sabia as condições básicas sobre se as soluções existiam. Com relação à disseminação do estudo de al-Tūsī,

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Anais do XII SNHM -2017
Severino Carlos Gomes & Bernadete Morey.

Unfortunately, his work was not followed up, either in Islam or later in Europe. So this attempt in
Islam to move to “functions” ultimately got nowhere. One of the reasons, perhaps, is that Sharaf
used no symbols – and dealing with functions without symbols is very difficult. (KATZ; BARTON,
2007, p. 192, grifo do autor).

Portanto, não é estranho afirmar que Sharaf al-Tūsī introduziu uma técnica para encontrar as raízes de
polinômios cúbicos por um processo usando a derivada do polinômio. Além desta tese, Rashed (1994) enfatiza o estilo
sintético do al-Tūsī, e oferece algumas interpretações e conjecturas, afirmando explicitamente que é necessária mais
pesquisa histórica para alcançar avanços na explicação de certos pontos da Álgebra de Sharaf al-Tūsī.

Um caso particular do estudo de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

Em uma elegante interpretação da Álgebra de al-Tūsī, sem utilização da derivada, Hogendlik (1989) apresenta um
entendimento geométrico para o estudo da segunda parte do livro publicado por Rashed (AL-TŪSĪ, 1995), em que
são tratados os seguintes tipos de equações cúbicas: (1) x3 + c = ax2, (2) x3 + c = bx, (3) x3 + ax2 + c = bx, (4) x3 + bx
+ c = ax2 e, finalmente, (5) x3 + c = ax2 + bx, com a, b, c positivos.
Para efeito desse trabalho, vamos considerar a equação (5) e detalhar a interpretação geométrica de Hogendlik
(1989) para o estudo de Sharaf al-Tūsī. Considere três segmentos de reta alinhados BE = x, BC = a e BA = √b e, ainda,
o caso BC = a < √b = BA, conforme Figura 2.

Figura 2 – Caso a < √b

Fonte: Hogendlik, J. P., (1989, p. 74).

Partindo da equação (5), obtem-se f(x) = ax2 + bx – x3 = c. Ou seja, c = BC.BE2 + BA2.BE – BE3 e f(BE) =
c = BC.BE2 + BE(BA2 – BE2). Porém, BE2 é a área do quadrado BEεK, designada por [Bε], e BA2 – BE2 é a área do
polígono EAαHKε, denominada por [εα]. Portanto, f(BE) = BC. [Bε] + BE.[εα], no qual denominaremos de (6).
Agora considere o ponto D, entre E e C, como na Figura 3. Utilizando raciocínio idêntico na obtenção da
expressão (6) teremos f(BD) = BC. [Bδ] + BD.[δα], denominada de expressão (7).
Porém, utilizando a notação anterior para área, obtem-se [Bε] = [Bδ] + [δε] e [δα] = [δε] + [εα] e efetuando-
se (7) – (6):
f(BD) – f(BE) = BC.[Bδ] + BD.[δα] – (BC.[Bε] + BE.[εα])
= BC.[Bδ] + BD.[δα] – BC.[Bδ] – BC.[δε] – BE.[εα]
= BD.[δε] + BD.[εα] – BC.[δε] – BE.[εα]
= BD.[δε] + BD.[εα] – BC.[δε] – BD.[εα] – DE.[εα]
= (BC + CD).[δε] – BC.[δε] – DE.[εα]
= BC.[δε] + CD.[δε] – BC.[δε] – DE.[εα]
= CD.[δε] – DE.[εα].
Utilizando-se de [δε] = DE.BD + DE.BE, obtém-se,
f(BD) – f(BE) = CD.DE.BD + CD.DE.BE – DE.[εα]
= DE.(CD.(BD + BE) – [εα]) denominada de (8).

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Anais do XII SNHM -2017
A Matemática Islâmica na Idade Média: a Álgebra de Sharaf al-Dīn al-Tūsī

Valendo-se do mesmo processo algébrico-geométrico para obtenção de (8), considerando o ponto F entre C
e D na Figura 3, obtém-se,
f(BF) – f(BD) = FD.(CF.(BF + BD) – [δα]), denominada de (9).
Agora, trata-se de encontrar D, tal que f(BD) seja máximo. Então, de (8) e (9), D deve ser um ponto tal que
para todo E entre D e A, tenha-se CD.(BD + BE) > [εα] e CF.(BF + BD) < [δα], denominadas de (10) e (11),
respectivamente.
Uma vez que CD.(BD + BE) > 2CD.BD e [δα] > [εα], a expressão (10) é verdadeira se 2CD.BD ≥ [δα]. Da
mesma forma, CF.(BF + BD) < CD.(BD + BD), então (11) é verdadeira se 2CD.BD ≤ [δα].
Portanto, se D é tal que 2CD.BD = [δα], denominada expressão (12), então f(BD) é máximo. Logo, fazendo
m = BD na Figura 3 e substituindo na expressão (12):
2CD.BD = [δα] → 2(m – BC).m = BA2 – m2 → 2m2 – 2m.BC = BA2 – m2 → 3m2 = 2m.BC + BA2 → 3m2 =
2m.a + (√b)2 → m2 = (2am/3) + b/3, que é a condição imposta por al-Tūsī para que a equação (5) x3 + c = ax2 + bx
tenha raiz positiva.
Em conclusão, se Sharaf utilizou o argumento da derivada como defende Rashed (1994) ou algum método
geométrico como o exposto neste texto e defendido por Hogendlik (1989), não se sabe ao certo. O debate por trás das
ideias dos procedimentos de al-Tūsī ainda é uma questão aberta. (SIDOLI; BRUMMELEN, 2014). O que se pode
afirmar é que tanto o trabalho de al-Tūsī como a Álgebra da Idade Média no império islâmico, ainda necessitam de
muito estudo. Um trabalho de pesquisa atraente e de longa duração.
Neste sentido, a contribuição desde trabalho específico consiste em apresentar Sharaf al-Dīn al-Tūsī e, de
forma introdutória, sua obra sobre a Álgebra das equações cúbicas, para pesquisadores brasileiros da História da
Matemática e para professores interessados no assunto. Além disso, nossa contribuição vai no sentido de exibir a tese
de Rashed (1994) sobre a utilização, implicitamente, da derivada nos resultados algébricos de al-Tūsī e, ainda, detalhar
a interpretação geométrica utilizada por Hogendlik (1989) para explicar o trabalho de Sharaf al-Tūsī, em particular, a
existência das raízes positivas da equação cúbica x3 + c = ax2 + bx. Por fim, este trabalho vai em direção ao movimento
inicial de pesquisa sobre Sharaf al-Dīn al-Tūsī e sua obra algébrica.

Bibliografia
AL-TŪSĪ, S. al-D. Oeuvres mathématiques. Edited and translated by R. Rashed. Paris: Les belles lettres, 1985.
BREZINA, C. Al-Khwarizmi: the inventor of algebra. New York: The Rosen Publishing Group, 2006.
GREGERSEN, E. (Ed.). The Britannica guide to the history of mathematics. New York: Britannica Educational
Publishing, Rosen Educational Services, 2011.
HOGENDLIK, J. P. Sharaf al-Dīn al-Tūsī: on the number of positive roots of cubic equations. Historia Mathematica,
n. 16, p. 69-85, 1989.
KATZ, V. J.; BARTON, B. Stages in the history of algebra with implications for teaching. Educational Studies in
Mathematics, v. 66, n. 2, p. 185-201, 2007.
KATZ, V. J.; PARSHALL, K. H. Taming the unknown: history of algebra from antiquity to the early twentieth
century. Princeton: Princeton University Press, 2014.
LYONS, J. A Casa da Sabedoria: como a valorização do conhecimento pelos árabes transformou a civilização
ocidental. Tradução Pedro Maia Soares. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
O'CONNOR, J. J.; ROBERTSON, E. F. Sharaf al-Din al-Muzaffar al-Tusi. 1999. Disponível em: < http://www-
history.mcs.st-andrews.ac.uk/Biographies/Al-Tusi_Sharaf.html>. Acesso em: 15/12/2016.
RASHED, R. The development of Arabic mathematics: between arithmetic and algebra. Translated by Angela
Armstrong. Boston: Springer, 1994.
SIDOLI, N.; BRUMMELEN, G. V. (Eds.). From Alexandria, Through Baghdad: Surveys and Studies in the
Ancient Greek and Medieval Islamic Mathematical Sciences. Berlin: Springer, 2014.

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Anais do XII SNHM -2017
Severino Carlos Gomes & Bernadete Morey.

Severino Carlos Gomes


Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN –
campus Natal Zona Norte – Brasil

E-mail: severocarlosgomes@gmail.com

Bernadete Morey
Departamento de Matemática – UFRN – campus de
Natal – Brasil

E-mail: bernadetemorey@gmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

UMA VISÃO DOS LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA ACERCA DA BALESTILHA COMO


RECURSO DIDÁTICO PARA O ESTUDO DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E
TRIGONOMÉTRICOS

Antonia Naiara de Sousa Batista


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE – Brasil

Resumo

Na busca por um ensino contextualizado e uma aprendizagem mais significativa, fazendo uso de recursos
disponibilizados pela história da matemática, encontramos na balestilha um recurso didático possível de ser utilizado
nas aulas de matemática. A balestilha é um instrumento náutico empregado entre os séculos XVI e XVIII e tinha por
finalidade medir a altura do astro em relação à linha que delimita o mar do horizonte, ou a distância entre duas estrelas,
sendo essa medida de caráter angular. Neste trabalho, o nosso intuito é investigar o uso de instrumentos históricos, em
particular a balestilha, como recurso didático para a abordagem de conceitos geométricos e trigonométricos, aplicados
na formação inicial de professores. Nossa pesquisa foi dividida em quatro momentos. No primeiro, fizemos uso de
uma metodologia qualitativa com um aporte bibliográfico. No segundo momento, escolhemos um instrumento, no
nosso caso a balestilha, e pesquisamos os seguintes aspectos: criadores, descrição, contextualização histórica,
conhecimento matemático inserido no instrumento, construção, graduação e utilização. No terceiro momento, foi
planejado e executado um curso de extensão, ofertado pelo Laboratório de Matemática e Ensino, na Universidade
Estadual do Ceará, com carga horária total de 36h/a, cujo objetivo do curso foi compreender a percepção dos
participantes sobre o uso da balestilha como recurso didático para o ensino de conceitos matemáticos. No quarto
momento, analisamos o material coletado durante as aulas. Examinando o material recolhido no curso, percebemos
que em relação ao ensino, através da confecção da balestilha, foi possível abordar conceitos matemáticos do tipo:
seno, cosseno e tangente; complemento de um ângulo; razões trigonométricas na circunferência; paralelismo;
perpendicularismo; secção de ângulos; dentre outros. No caso da confecção da balestilha, o instrumento oportunizou
uma maior interação entre professor/aluno/conteúdo, e ainda permitiu entrar em contato com ferramentas como,
compasso, esquadro, transferidor, que são poucos utilizados no Ensino Básico. No caso do material para a construção
do instrumento, isopor, foi ressaltado a importância de ser um material de baixo custo. E em relação à prática na sala
de aula, constamos que o professor pode tornar suas aulas mais dinâmicas e interessantes devido à inserção do
instrumento e à aplicação prática do conteúdo estudado. Assim, consideramos que é possível, a partir da construção
de instrumentos históricos de medida, melhorar a prática metodológica em sala de aula. Dando assim, suporte as aulas
de matemática, de maneira a despertar no aluno o interesse pela matemática e pela história da matemática.

Palavras-chave: História da matemática, Balestilha, Formação de professores.

A SIGHT OF THE STUDENT TEACHERS IN MATHEMATICS ABOUT THE CROSS-STAFF AS A TEACHING RESOURCE FOR
THE STUDY OF GEOMETRIC AND TRIGONOMETRIC CONCEPTS

Abstract

In the search for a contextualized teaching and a more meaningful learning, making use of resources provided by the
history of mathematics, we find in the Cross-staff a didactic resource possible to be used in mathematics classes. The

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Antonia Naiara de Sousa Batista

Cross-staff is a nautical instrument used between the 16th and 17th centuries and had as purpose measuring the height
of the star in relation to the line that delimits the sea of the horizon, or the distance between two stars, being this
measure the angular. In this work, our intention is to investigate the use of historical instruments, in particular the
Cross-staff, as didactic resource for the approach of geometric and trigonometric concepts, applied in the initial
formation of teachers. Our research was divided into four moments. In the first, we used a qualitative methodology
with a bibliographical contribution. In the second moment, we chose an instrument, in our case the Cross-staff, and
we investigated the following aspects: creators, description, historical contextualization, mathematical knowledge
inserted in the instrument, construction, graduation and use. In the third moment, we planned and applied an extension
course, offered by the Mathematics and Education Laboratory, at the State University of Ceará, with a total workload
of 36 class hours, whose objective was to understand the participants' perception about the use of Cross-staff as
didactic resource for the teaching of mathematical concepts. In the fourth moment, we analyzed the material collected
during the lessons. Examining the material collected in the course, we realized that in relation to teaching, through the
making of the Cross-staff, it was possible to approach mathematical concepts of the type: sine, cosine and tangent;
complement of an angle; trigonometric ratios in the circumference; parallelism; perpendicularity; section of angles;
among others. In the case of making the Cross-staff, the instrument facilitated a greater interaction between teacher /
student / content, and allowed to encounter tools such as compass, square, transfer, which are not very used in Primary
and Secondary Education. In the case of the material for the construction of the instrument, styrofoam, it was
highlighted the importance of being a low cost material. And in relation to the practice in the classroom, we show that
the teacher can make his classes more dynamic and interesting due to the insertion of the instrument and the practical
application of the studied content. Thus, we consider that it is possible, from the construction of historical instruments
of measurement, to improve the methodological practice in the classroom. In doing so, it supports math classes to
promote in the student the interest in mathematics and in the history of mathematics.

Keywords: History of Mathematics, Cross-staff, Teacher training.

Introdução

A utilização da história da matemática no ensino de Matemática vem a algum tempo sendo bastante discutida no
Brasil, pois, por meio dela, é possível entrar em contanto com a matemática e a cultura desenvolvida por distintas
civilizações. Além disso, podemos compreender fatos históricos que justificam, ou nos fazem compreender de maneira
mais clara, como se desenvolveram tais estruturas de cálculo produzidas em períodos passados, juntamente com os
“porquês” de sua realização daquela forma. Assim, ressalta D’Ambrosio (1996, p. 10) algumas das finalidades da
história da matemática na sua concepção:

1. para situar a matemática como uma manifestação cultural de todos os povos em todos
os tempos, como a linguagem, os costumes, os valores, as crenças e os hábitos, e
como tal diversificada nas suas origens e na sua evolução;
2. para mostrar que a matemática que se estuda nas escolas é uma das muitas formas
de matemática desenvolvidas pela humanidade;
3. para destacar que essa matemática teve sua origem nas culturas da Antiguidade
mediterrânea e se desenvolveu ao longo da Idade Média e somente a partir do século
XVII se organizou como um corpo de conhecimentos, com um estilo próprio;
4. e desde então foi incorporada aos sistemas escolares das nações colonizadas e se
tornou indispensável em todo o mundo em consequência do desenvolvimento
científico, tecnológico e econômico.

Na visão do autor a matemática não é vista apenas como um corpo de conhecimento unificado e finalizado,
mas se apresenta como um processo de desenvolvimento histórico que nos traz características de diversas sociedades,
seguida de diferentes formas de se expressar, além de possuir um processo de construção do conhecimento matemático

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Anais do XII SNHM -2017
Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

riquíssimo desenvolvido no decorrer dos anos que culminou na matemática sistematizada, presente nas escolas.
Diante da quantidade de recursos que a história da matemática disponibiliza para o ensino, encontramos nos
instrumentos históricos, mais especificamente, na balestilha, uma ferramenta para abordar conceitos matemáticos. Seu
surgimento se deu em torno do período conhecido como a Era das Grandes Navegações e Descobrimentos Marítimos,
século XV e XVI, quando portugueses e espanhóis lançaram-se nos oceanos em busca de novas rotas marítimas para
se chegar até as Índias e descobrir novas terras (FERNANDES e LONGHINI, 2011). Porém, ao longo dessas viagens
os navegantes precisavam se afastar de terra à vista e encontrar recursos que os auxiliassem em sua localização em
alto-mar (PINTO, 2010).
Foi então, que vários instrumentos náuticos passaram a ser utilizados por esses marinheiros, entre eles
destacamos, a balestilha, o astrolábio, o quadrante e a tábua da Índia. No entanto, um desses instrumentos náuticos é
pouco citado em algumas obras, sendo ele conhecido como balestilha (figura 1), de origem desconhecida, mas utilizada
entre os séculos XVI e XVIII.

Figura 1 – Balestilha

Fonte: Elaborada pela autora.

Sua primeira aparição foi constatada no Livro de Marinharia, de João de Lisboa, todavia o documento não
estava datado, mas segundo Albuquerque (1988), podemos situá-lo no primeiro quartel do século XVI, não muito
posterior a 1514. Segundo Fontoura (apud. Albuquerque, 1988), a balestilha já era conhecida no século XIV, no
entanto, era chamada por diversos nomes, um deles seria o báculo de jacob, utilizado pelos agrimensores medievais
para descobrir o comprimento de distâncias de difícil acesso.
A balestilha possui a função de medir a altura de uma estrela em relação à linha do horizonte, ou a distância
entre dois astros, sendo essa medida de caráter angular. O instrumento é composto por uma vara de madeira de secção
quadrada chamada de virote, com tamanho arbitrário (figura 2, à esquerda). Os outros componentes do instrumento
seriam as soalhas, pedaços de madeira menores que o virote e com um orifício no seu centro, onde seria introduzido
o mesmo (figura 2, à direita).

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Antonia Naiara de Sousa Batista

Figura 2 - Virote e soalhas

Fonte: Elaborada pela autora.

Segundo Pimentel (1762), as soalhas deveriam ter tamanhos na seguinte ordem: a primeira seria 1/2 do virote,
a segunda 1/4 do virote, a terceira 1/8 do virote e finalmente a quarta chamada também de martinete, teria como
medida 1/16 do mesmo. Em seguida, vem o processo de graduação do virote que segundo Pimentel (1762) poderia
ser executado de duas maneiras: geometricamente e trigonometricamente.
Na graduação geométrica, podemos abordar os conceitos de retas paralelas e perpendiculares, secção de
ângulos, além de fazer uso de esquadro, transferidor e compasso para realizar a marcação dos ângulos no virote. No
caso da graduação trigonométrica, podemos explorar os conceitos de seno, cosseno, tangente, complemento de um
ângulo, razões trigonométricas na circunferência e transformações.
Na aplicação do instrumento podemos aplicar a trigonometria no triângulo retângulo. Portanto, o intuito do
nosso trabalho é investigar o uso de instrumentos históricos, em particular a balestilha, como recurso didático para a
abordagem de conceitos geométricos e trigonométricos aplicados na formação inicial de professores.

Metodologia

Para está pesquisa, utilizamos na primeira etapa uma metodologia qualitativa com aporte bibliográfico que, segundo
Marconi e Lakatos (2010, p. 166):

A pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abrange toda bibliografia já tornada


pública em relação ao tema de estudo, dês publicações avulsas, boletins, jornais, revistas,
livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico, etc., até meios de
comunicação oral: rádio, gravações em fita magnética e audiovisuais: filmes e televisão.
Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito
ou filmado sobre determinado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que
tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas, quer gravadas.

Em outra etapa, para analisarmos os questionários iniciais e finais e o curso de uma maneira geral, fizemos
uso de uma metodologia de estudo de caso com um auxílio qualitativo, conforme cita Fiorentini e Lorenzato (2009,
p. 110):

O estudo de caso busca retratar a realidade de forma profunda e mais completa possível,
enfatizando a interpretação ou análise do objeto, no contexto em que ele se encontra,
mas não permite a manipulação das variáveis e não favorece a generalização. Por isso,
o estudo de caso tende a seguir uma abordagem qualitativa. Mas isso não significa

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Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

abandonar algumas quantificações necessárias. Essas quantificações podem ajudar a


qualificar melhor uma análise.

Para isso, dividimos nossa pesquisa em quatro momentos. No primeiro momento, realizamos uma pesquisa
pontual em livros, artigos, revistas, sites da internet, entre outros, sobre os instrumentos históricos de medida. Em
seguida, fizemos um levantamento de todos os instrumentos utilizados entre os séculos XV e XVIII. No segundo
momento, escolhemos apenas um desses instrumentos, no nosso caso a balestilha, no intuito de conhecer os seguintes
aspectos: criadores, descrição, contextualização histórica, conhecimento matemático envolvido na construção,
graduação e utilização.
No terceiro momento, foi planejado e executado um curso de extensão, intitulado, “O uso de artefatos
históricos para a exploração dos conceitos matemáticos: a balestilha como instrumento de medição”, ofertado pelo
Laboratório de Matemática e Ensino (LabMatEn), localizado na Universidade Estadual do Ceará (UECE). A carga
horária total do curso foi de 36h/a, sendo 24h/a presencias e 12h/a a distância, com duração de doze dias, no horário
EF (17h10min às 18h20min), com 25 vagas, no entanto, só 21 vagas foram preenchidas. O objetivo do curso foi
compreender a percepção dos participantes sobre o uso da balestilha como recurso didático para o ensino de conceitos
matemáticos.
Por fim, no quarto momento analisamos o material coletado durante as aulas. Todos os materiais usados no
curso para registrar a percepção dos nossos participantes foram: questionários iniciais e finais; atividades extras para
os alunos responderem usando os conteúdos ministrados nas aulas; fotos e gravações de áudio e vídeo. No entanto,
neste trabalho iremos analisar apenas os questionários iniciais e finais, juntamente com as fotos e gravações de áudio
e vídeo, parcialmente.

Resultados e discussões

Para melhor conhecer as opiniões dos nossos participantes à respeito da balestilha como um recurso didático para
ensino de conceitos matemáticos, aplicamos questionários iniciais e finais, compostos por perguntas fechadas e abertas
que, segundo Fiorentini e Lorenzato (2009) são na verdade questionários constituídos de perguntas mistas,
combinando assim, ambas as categorias citadas anteriormente.
O intuito de utilizar o questionário como instrumento de coleta de dados, se explica devido a pouca
participação dos discentes na exposição de suas opiniões acerca do assunto tratado. Desse modo, percebemos na
aplicação dos dois questionários, a possibilidade de compreender por meio de dados descritos, a opinião e a percepção
dos nossos participantes quanto ao uso da balestilha para abordagem de conceitos matemáticos em sala de aula.
Consequentemente as fotos e gravações de áudio e vídeo, oportunizaram também melhor captar os detalhes
das dificuldades, das dúvidas e as trocas de ajudas realizadas entre os discentes durante o processo de desenvolvimento
do curso de extensão. A seguir iremos expor uma breve análise e discussão dos resultados.

Analisando os questionários iniciais

Neste primeiro momento, tivemos um total de 21 questionários respondidos, ou seja, 21 participantes, entre homens
e mulheres, com idades entre 19 e 36 anos, sendo dois deles estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará e os outros pertencentes à UECE, ambos cursando o curso de Licenciatura em Matemática.
Durante a análise, percebemos que as justificativas mais citadas por oito deles em relação a sua participação
no curso, foram: a obtenção de horas extracurriculares para complementar as atividades acadêmicas. Fato
provavelmente ocorrido, devido três discentes estarem no 7o semestre, três no 8o semestre e dois licenciandos passando
do 8o semestre, ou seja, estavam próximos de concluírem a graduação, no entanto, ainda não possuíam quantidade
suficiente para dar entrada na contagem das horas extracurriculares totais. Outro motivo também mencionado por oito
desses graduandos foi a oportunidade de estar enriquecendo o seu processo de ensino-aprendizagem por meio do uso
da balestilha.
Assim, os outros diversos interesses aludidos que os levaram a estar frequentando este curso de extensão

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Antonia Naiara de Sousa Batista

foram: adquirir mais conhecimento sobre os artefatos históricos, em especial sobre a Balestilha (origem, função,...);
ampliar o conhecimento de modo geral; curiosidade pelo tema em questão; aprender a utilizar este recurso para aplicar
em sala de aula; nortear a pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Do total de graduandos matriculados no curso, aproximadamente 10 discentes (48%) relataram que nunca
entraram em contanto com professores que os incentivasse a utilizar algum recurso didático em sala de aula. No
entanto os demais, responderam “sim” e relataram vários. Ressaltamos que alguns graduandos citaram mais de um
recurso. A seguir, se encontram listados no quadro 1;

Quadro 1 – Tendências pedagógicas


Recursos Didáticos Qtd(Alunos)
Material concreto e manipulável 5
Tecnologia da informação 2
História da matemática 2
Peças teatrais 1
Data show 3
Debates 1
Jogos 5
Fonte: Questionários iniciais.

Podemos perceber que os recursos mais citados foram o material concreto e manipulável e os jogos. Isso se
deve ao fato de serem ferramentas mais conhecidas, que podem ser adquiridas prontas, e são de fácil acesso em lojas.
Entretanto, na visão de Fiorentini e Miorim (1990), trabalhar com esses instrumentos não é tarefa simples, é necessário
todo um processo de reflexão em torno da estrutura escolar, de uma proposta político-pedagógica, o tipo de aluno que
temos em sala de aula e o objetivo que pretendemos alcançar em relação ao mesmo, e por fim, qual matemática
desejamos ensinar e como queremos que eles aprendam. Assim, esses recursos são de grande valia no processo de
ensino, no entanto, não assumem o papel completo de uma aula.
Dando continuidade à análise dos questionários, nove estudantes (43%) disseram que nunca utilizaram a
história da matemática como uma tendência teórica na sala de aula, enquanto, nove (43%) responderam “sim” e
expuseram a forma como foi usada nas aulas de matemática. Destacamos que os licenciandos citaram mais de uma
maneira que a história da matemática foi utilizada na sala de aula. Ressaltamos que 3 graduandos (14%) não
responderam essa questão. Logo após, segue o gráfico 1:

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Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

Gráfico 1 - Formas de utilização da história da matemática na sala de aula

Fonte: Questionários iniciais.

Diante dessa amostra, notamos que a forma de utilização da história da matemática mais citada foi por meio
de biografias de matemáticos. Entretanto, dentro da grade curricular 1 do curso de Licenciatura em Matemática da
UECE, temos a disciplina de História da Matemática, que tem por objetivo proporcionar o conhecimento matemático,
político, econômico e social de diversas civilizações, como Babilônia, Egito, Mesopotâmia, entre outras, dando assim,
suporte para o planejamento e realização de aulas fazendo uso das outras formas de utilização da história da
matemática citada no gráfico 01.

Analisando os questionários finais

Ao final dos doze encontros, sentimos a necessidade de saber se realmente o curso de formação para professores teria
colaborado para a prática de ensino desses futuros professores. Logo, por meio da análise dos questionários finais
obtivemos um retorno de 100% dos participantes, afirmando que “sim”, sobre o enriquecimento de sua formação e
complementação da prática em sala de aula.
Em seguida, após termos discutido durante as aulas sobre diversos tipos de instrumentos náuticos que podem
ser utilizados como recursos didáticos nas aulas de matemática, por apresentarem em sua construção conceitos
geométricos ou trigonométricos, perguntamos aos nossos discentes se eles concordavam que a confecção de um
artefato histórico possibilitaria a apropriação de conhecimento matemático. Todos os alunos responderam que “sim”,
porém, as justificativas foram bem diversificadas. Segue no gráfico 02 a exposição dessas respostas:

1
http://www.uece.br/uece/index.php/graduacao/presenciais

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Anais do XII SNHM -2017
Antonia Naiara de Sousa Batista

Gráfico 02 – Justificativas dos participantes

Fonte: Questionários finais.

Diante desses dados, notamos que a resposta mais citada por 15 discentes (70%), se referiu ao fato que por
meio do instrumento, no nosso caso a balestilha, é possível haver aprendizagem de conceitos matemáticos, pois os
mesmos estão incorporados no instrumento, e, além disso, utiliza-se de ferramentas, como o compasso, esquadro,
transferidor, entre outros, que poucos são utilizados no Ensino Básico. Assim, podemos perceber que os nossos
graduandos nos deram como retorno respostas bem interessantes e relevantes que mostram que os mesmos
conseguiram identificar as possibilidades e possíveis finalidades de uso desses instrumentos nas aulas de matemática.
Posteriormente, iremos apresentar algumas observações apontadas no decorrer do curso, obtidas por meio
das análises finais dos questionários, das fotografias, e das gravações de áudio e vídeo, objetivando examinar de forma
mais detalhada as percepções dos nossos participantes acerca desse recurso didático:
 A junção entre a história da matemática e a confecção da balestilha apresenta a origem e a construção de
determinados conceitos, além de responder alguns porquês presentes nas aulas de matemática;
 A confecção do instrumento permitiu uma maior interação entre professor/aluno/conteúdo;
 A construção do instrumento permitiu entrar em contato com ferramentas, como por exemplo, compasso,
esquadro, transferidor e etc., que muitas vezes são pouco utilizados no Ensino Básico;
 O uso do instrumento é um recurso diferenciado para abordar determinados conteúdos matemáticos, como
por exemplo, a trigonometria no triângulo retângulo, conceito de seno, cosseno, tangente e complemento
de um ângulo, razões trigonométricas na circunferência e transformações;
 Utilização de um material de baixo custo, isopor, para a confecção da balestilha;
 O professor torna as aulas mais atrativas devido à inserção do instrumento e aplicação prática do conteúdo
estudado em sala de aula;
Deste modo percebemos que a utilização de instrumentos náuticos, no nosso caso a balestilha, pode ser
agregada as aulas de matemática como uma forma de estratégia de ensino diferenciada para abordagem de diversos
conteúdos relacionados à geometria e a trigonometria. Ressaltamos que esse recurso didático pode ser utilizado pelo
professor para abordar inicialmente um conteúdo ou em um momento posterior, explorando assim, um assunto já
ministrado na sala de aula.

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Anais do XII SNHM -2017
Uma visão dos licenciandos em matemática acerca da balestilha como recurso didático para o...

Considerações finais

Assim, vimos nos instrumentos náuticos, mais especificamente, na Balestilha, um recurso que nos possibilitasse
abordar conceitos geométricos e trigonométricos através da construção, graduação e aplicação desse instrumento.
Sendo assim, concordamos com Saito (2013, p. 5) quando afirma que, “compreendidos além de sua materialidade, os
instrumentos matemáticos podem, dessa maneira, revelar conhecimentos na articulação entre o saber e o fazer e, assim,
a produção de conhecimento de uma época”. Ou seja, mais do que disseminar conceitos matemáticos, esses
instrumentos apresentam questões práticas de uma época na qual estavam inseridos.
Logo, concluímos por meio dessa pesquisa, o acolhimento e satisfação pela maior parte dos alunos em relação
a esse recurso didático, que seria a balestilha. Porém, percebemos ainda a resistência de alguns deles em levarem para
sala de aula, devido ainda não estarem seguros por causa do material utilizado, pela curta duração do curso ou até
mesmo pela falta de oportunidade de estarem levando para sala de aula por meio de alguma disciplina da grade
curricular até o momento presente, no curso.

Bibliografia
ALBUQUERQUE, Luis de. Instrumentos de Navegação. Lisboa: Comissão Nacional Para As Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 1988. p. 10-29.
D’AMBROSIO, Ubiratan. História da Matemática e Educação. In: Cadernos CEDES 40. História e Educação
Matemática. 1ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1996, p.7-17.
FERNANDES, Telma Cristina Dias; LONGHINI, Marcos Daniel. A construção de um antigo instrumento para
navegação marítima e seu emprego em aulas de astronomia e matemática. Simpósio Nacional de educação em
Astronomia, 1., 2011, Rio de janeiro.
FIORENTINI, Dario; LORENZATO, Sergio. Investigação em educação matemática: Percursos teóricos e
metodológicos. 3. ed. São Paulo: Autores Associados, 2009. 228 p.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2010.
PIMENTEL, Manuel. Arte de navegar. Lisboa: na Officina de Miguel Manescal da Costa, Impressor do Santo
Officio, 1762.
PINTO, Margarida Matias. Os instrumentos náuticos de navegação e o ensino da geometria. Lisboa: Sociedade
Portuguesa de Matemática, 2010. 80 p.
SAITO, Fumikazu. Instrumentos e o "saber - fazer" matemático no século XVI. Revista Tecnologia e
Sociedade, Curitiba, v. 9, n. 18, p.1-12, dez. 2013.
MIORIM, Maria Ângela.; FIORENTINI, Dario. Uma reflexão sobre o uso de materiais concretos e jogos no Ensino
da Matemática. Boletim da SBEM-SP, São Paulo, v. 4, n. 7, p. 5-10, 1990.

Antonia Naiara de Sousa Batista


Departamento de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências e Matemática – IFCE – campus Fortaleza -
Brasil

E-mail: antonianaiarabatista@yahoo.com.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

CONTADORES E SEUS LIVROS DE MATEMÁTICA COMERCIAL E FINANCEIRA NO


BRASIL DO INÍCIO DO SÉCULO XX

SÉRGIO CANDIDO DE GOUVEIA NETO


Universidade Federal de Rondônia/Universidade Estadual Paulista – UNIR/UNESP – Brasil
CRISTIANE TALITA GROMANN DE GOUVEIA
Universidade Estadual Paulista – UNESP – Brasil

Resumo

No percurso do projeto de pesquisa de doutoramento do primeiro autor, que teve como objetivo investigar a
transformação da Matemática Contábil – de saber escolar-técnico em acadêmico –, deparamo-nos com a atuação de
contadores escrevendo livros de Matemática Comercial ou artigos sobre o tema para revistas especializadas – isso no
início do século XX. Assim, coloca-se a questão: por que e com qual objetivo esses contadores atuaram no campot da
Matemática Comercial e Financeira no início do século XX? O artigo aqui esboçado tem como objetivo geral analisar
como os contadores atuaram no campo da Matemática Comercial e Financeira. Como referencial teórico-
metodológico, utilizamos Veyne (1971) para tratar o tecido da história como intriga, o que, para esse autor, é “uma
mistura muito humana e muito pouco científica de causas materiais, de fins e de acasos, numa palavra, uma fatia de
vida, que o historiador recorta a seu bel-prazer e onde os fatos têm as suas ligações objetivas e a sua importância
relativa” (VEYNE, 1971, p. 44). Foi também utilizado como referencial teórico o conceito de “rede de
relacionamentos” proposto por Polato (2008). Por “rede”, entendemos uma ligação entre as pessoas que, de alguma
forma, tiveram um relacionamento. As fontes utilizadas foram constituídas principalmente por documentos
legislativos, revistas da área de contabilidade e livros didáticos de Matemática Comercial e Financeira. Os resultados
mostraram que contadores utilizaram o discurso da matemática para o reconhecimento e a regulamentação de sua
profissão. Em decorrência disso, escreveram livros de Matemática Comercial e Financeira, bem como publicaram
diversos artigos sobre a temática na Revista Brasileira de Contabilidade (RBC). Mais do que a utilização do discurso
da Matemática, nessa época, o positivismo, corrente filosófica criada por Auguste Comte, era a principal corrente
filosófica em circulação no Brasil. Para o positivismo, a matemática estaria na base do conhecimento científico, o que
poderia ter influenciado as ações dos contadores.

Palavras-chave: Livros, Ensino comercial, Matemática Comercial e Financeira.

ACCOUNTANTS AND THEIR COMMERCIAL AND FINANCIAL MATHEMATICS BOOKS IN BRAZIL


IN THE BEGINNING OF THE 20TH CENTURY

Abstract

In the course of the doctoral research project of the first author, whose objective was to investigate the transformation
of Accounting Mathematics – from technical knowledge into academic knowledge –, we found the performance of
accountants writing commercial mathematics books or articles on the subject for specialized magazines – this in the
beginning of the 20th century. Therefore, the following question is posed: why and for what purpose did these
accountants work in the field of Commercial and Financial Mathematics in the early 20th century? The general
objective of the article here outlined is to analyze how accountants worked in the field of Commercial and Financial
Mathematics. As a theoretical-methodological reference, we use Veyne (1971) to approach the fabric of history as
intrigue, which, according to the author, is “a very human and very unscientific mixture of material causes, ends and
accidents, in a word, a slice of life, which the historian uses according to his or her will, and where the facts have their

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Anais do XII SNHM -2017
Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

objective connections and their relative importance” (VEYNE, 1971, p. 44). The concept of “network of
relationships” proposed by Polato (2008) was also used as theoretical reference. By “network”, we understand a
connection among people who somehow had a relationship. The sources used were constituted mainly by legislative
documents, magazines of the Accounting field and textbooks of Commercial and Financial Mathematics. The results
showed that accountants used the discourse of Mathematics for the recognition and regulation of their profession. As
a result, they wrote books on Commercial and Financial Mathematics, as well as published several articles on the
subject in the Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) [Brazilian Journal of Accounting]. More than the use of the
discourse of Mathematics, at that time, positivism, philosophical current created by Auguste Comte, was the main
philosophical current in circulation in Brazil. For positivism, Mathematics would be the basis of scientific knowledge,
which may have influenced the actions of accountants.

Keywords: Books, Business education, Commercial and Financial Mathematics.

1. Introdução

No início do século XX, o ensino comercial começou a ocupar um espaço maior na agenda educacional,
principalmente a partir do Decreto nº 1.339, de 09 de janeiro de 1905, que criou os cursos gerais (formação de guarda-
livros) e superiores (formar chefes de contabilidade de bancos e grandes empresas comerciais) (BRASIL, 1905). O
decreto reconhecia apenas os diplomas de duas escolas de comércio: academia de comércio do Rio de Janeiro e Escola
Prática de Comércio de São Paulo. No seu bojo, o decreto era o resultado de uma disputa que se acirrava entre algumas
escolas do ensino comercial e os professores que ofereciam o curso comercial – na modalidade guarda-livros – em
suas casas. Era comum o anúncio desses professores nos jornais da época, sendo que alguns deles possuíam livros de
Aritmética Comercial voltados especificamente para essas aulas.
O combate às aulas de professores particulares começou a tomar porte com o apoio de um grupo de guarda-
livros do estado de São Paulo e Rio de Janeiro, que inseriram esse ponto como uma das estratégias para o
reconhecimento e posterior regulamentação da sua profissão. Além dessa ação, os guarda-livros encamparam outras,
como a mudança do nome para contadores e suas variantes (contabilidade, etc.), a eleição de pares para o congresso
nacional (Senador João de Lyra Tavares), a ocupação de postos-chave na administração pública (receita federal,
administração fazendária dos estados, etc.), bem como a criação da Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) e de
um sistema nacional de registros de contadores.
No lado do ensino, os contadores reforçam o papel da matemática como uma estratégia para o reconhecimento
da contabilidade como ciências. Nos seus discursos, adotam o tom de que a contabilidade é uma ciência apoiada no
Direito, nas Finanças e na Matemática. Nesse último caso, passam a publicar livros de matemática comercial e
financeira, bem como artigos sobre o tema na Revista Brasileira de Contabilidade.
Assim, o estudo aqui em tela tem a seguinte questão norteadora: por que e com qual objetivo esses contadores
atuaram junto à Matemática Comercial e Financeira no início do século XX? Tem-se como objetivo geral, analisar a
atuação de contadores junto à Matemática Comercial e Financeira. Utilizamos como referencial teórico-metodológico,
o trabalho de Paul Veyne (1971) para tratar o tecido da história como intriga e o conceito de rede de relacionamentos,
proposto por Polato (2008).
Além dessa introdução, o artigo está dividido em referencial teórico, discussão de resultados e considerações
finais. Na primeira parte dos resultados é feita uma discussão sobre o reconhecimento e regulamentação da profissão
de contador e as relações deles com a matemática. Já na segunda parte, é tratado da atuação deles como autores de
livros de Matemática Comercial e Financeira. Por fim, serão feitas algumas considerações e apontadas sugestões de
pesquisas futuras.

2. Referencial Teórico-Metodológico

Utilizamos como referencial teórico-metodológico, o trabalho de Paul Veyne (1971) para tratar o tecido da história
como intriga, a qual é “uma mistura muito humana e muito pouco científica de causas materiais, de fins e de acasos,

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Anais do XII SNHM -2017
Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

numa palavra, uma fatia de vida, que o historiador recorta a seu bel-prazer e onde os fatos têm as suas ligações
objetivas e a sua importância relativa” (VEYNE, 1971, p. 44).
Da mesma forma, utilizamos também o conceito de rede de relacionamentos, proposto por Polato (2008). Por
rede, estamos entendo uma ligação entre as pessoas que, de alguma forma, tiveram um relacionamento,
compartilhando o mesmo espaço, onde surgem conversas, discussões e partilha de ideias, ou seja, que se relacionam
e tem objetivos, comuns ou não.
Como fontes, foram utilizados diversos documentos, tais como as legislações do ensino comercial, livros de
matemática comercial e financeira, livros de contabilidade e artigos da RBC.

3. Resultados e Discussões
3.1. Estratégias para o reconhecimento e regulamentação da profissão de contador e as relações com a
Matemática Comercial e Financeira

Na origem da profissão de contabilidade, vamos encontrar os primeiros caixeiros que eram responsáveis pela
contabilidade das casas comerciais. Desde o século XIX, quando os primeiros caixeiros 1 portugueses vieram para o
Brasil, esses profissionais estabeleceram diversas lutas para galgar uma posição social dentro das estruturas das
organizações comerciais do país. Ainda nos oitocentos, teve-se a aprovação de estatutos da associação dos Guarda-
livros da Corte (BRASIL, 1870), bem como a criação de revistas (Revista da Associação dos Guarda-livros e a Revista
do Grêmio dos Guarda-livros). Contudo, o reconhecimento e a regulamentação da profissão só se deram no século
XX.
Já na primeira década do século XX, o Brasil adquiriu diversos empréstimos junto a bancos ingleses, alemães
e americanos, que como contrapartida, exigiu um aprimoramento das contas públicas e melhora nos demonstrativos
contábeis (ADDE, 2012). Isso de alguma forma forçava o reconhecimento e regulamentação da profissão de guarda-
livros. Internamente, os guarda-livros utilizaram outras estratégias. A primeira tratou da mudança do nome de “guarda-
livros” para “contador” e suas variantes, tais como “contabilidade”, “contábeis” e outras mais. Outras, tais como a
criação da Revista Brasileira de Contabilidade (RBC), além daquelas já citadas na introdução desse artigo.
No campo acadêmico, passaram também a adotar o discurso da matemática como uma base para as Ciências
Contábeis. Notamos isto tanto nos livros de Berlinck (1914)2, quanto no editorial da RBC:

[...] A contabilidade resume toda a série de conhecimentos indispensáveis ao comerciante,


ou de um modo geral, a qualquer pessoa que tenha de gerir e administrar,
inteligentemente, qualquer empresa industrial, comercial ou bancaria.
Assim é que exige noções seguras de mathematica elementar, especialmente da
arithmetica e álgebra, da legislação commercial e aduaneira, da geographia commercial e
industrial [...] (BERLINCK,1914, p. 35, grifo nosso).

[...] O editorial da revista de fevereiro de 1912, [...] ressalta que a contabilidade, apesar
de se servir da matemática, das finanças e do direito, é, por certo, uma ciência constituída,
tendo o seu campo de ação perfeitamente delimitado, os seus fins e os seus meios. O
campo de ação da contabilidade estaria nas administrações econômicas. O seus fins
seriam de guiar constantemente o administrador, pôr em relevo o trabalho administrativo
e o resultado econômico obtido. Os meios seriam os cálculos e registros (ADDE, 2012,
p. 77).

1
Havia uma hierarquia para os caixeiros, de acordo com as funções que desempenhavam nas lojas comerciais. Os caixeiros de fora eram
encarregados das cobranças e das vendas fora do estabelecimento, geralmente acompanhados por um escravo. Os que serviam no balcão eram
responsáveis por efetuar a venda no estabelecimento, enquanto que o Primeiro Caixeiro, também conhecido como guarda-livros cuidava do caixa,
fazia a escrituração dos negócios, além de cuidar da correspondência.
2
Horácio Berlinck (1868 1948). Contador e autor de livros de contabilidade e Matemática Comercial.

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Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

A adoção do discurso passou também pela publicação de artigos de matemática comercial e financeira na
Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) (Figura 1). Além desse texto, foram publicados outros, como por exemplo,
“valor atual das anuidades e amortização e juros dos empréstimos a juros compostos” (RBC, n. 8 e n. 9, 1915; p. 154
– 158 e p. 161 - 167) (Francisco D’Áuria) e “Simplificação do Método de Cauchy” (Francisco D’Áuria em coautoria
com Aldo Levi) (RBC, n. 1, 1919, p. 115 – 116), “Empréstimos em obrigações – debentures” (Horácio Berlinck). Esse
discurso também se estendeu também para a publicação de livros de Matemática Comercial e Financeira.

Figura 1. “Mathematica Commercial: elementos de preço de venda” de Francisco D’Áuria - Publicado na 1ª Edição
da RBC

Fonte: Acervo pessoal.

3.2. Rede de contadores e os seus livros de Matemática Comercial e Financeira

Fundada em 1912, a RBC foi também um dos pontos de uma rede que conectava pessoas, composta principalmente
por professores e ex-alunos das escolas de comércio, ex-alunos de cursos particulares, contadores da administração
fazendária, entre outros, que de alguma forma, atuaram no reconhecimento e na regulamentação da profissão de
contador. A RBC teve como primeiros diretores Carlos de Carvalho, Horácio Berlinck, José da Costa Sampaio e como
administradores, Francisco D’Áuria, Carlos Levy Magano, Raymundo Marchi e Emílio de Figueiredo.
Desse grupo, consideraremos os membros que têm elos entre si e com a matemática e principalmente, os que
formaram uma rede de relacionamentos. Por exemplo, a atuação desses diretores na RBC, mostra que, possivelmente
compartilharam o mesmo espaço, conversaram, discutiram e partilharam ideias, ou seja, relacionaram-se e tiveram
um objetivo em comum.
Sobre Carlos de Carvalho, sabemos ter nascido em Rio Claro – SP, em 1866, e falecido em São Paulo em
1920. Formado pelo curso ministrado pelo engenheiro polonês Estanislau Kruszynski, na cidade de São Carlos, em
fins do século XIX, iniciou sua carreira como Guarda-livros na casa comercial do seu irmão Benedito Rodrigues de
Carvalho na cidade de Rio Claro, São Paulo (PENTEADO, 1977). Em 1905 assumiu a diretoria de contabilidade do
Tesouro do Estado de São Paulo. Foi autor de diversos livros de Contabilidade e de Matemática Comercial
(“Arithmetica Commercial e Financeira” publicada pela Empresa Editora Brasileira, em 1917).
Já Horácio Berlinck nasceu em Brusque – SC em 1868 e faleceu em São Paulo – SP, em 1948. Contador das

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Anais do XII SNHM -2017
Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

empresas de Álvares Penteado, “proprietário, além de fazendas, de duas indústrias têxteis, uma de sacaria de juta e
outra de lã, Berlinck aprendera contabilidade com contadores escoceses que ali trabalhavam” (ADDE, 2012). Foi
também administrador do Banco União, professor de Contabilidade Geral na Escola Politécnica de São Paulo de 1895
a 1927 e um dos fundadores da FECAP, atuando na Instituição em diversos momentos. Escreveu diversos livros de
contabilidade, e na área de matemática escreveu o livro “Matemática Comercial e Financeira”, publicado pela editora
Atlas S.A. em 1946.
O terceiro personagem na nossa história foi Francisco D’Áuria. Sabemos que nasceu em São Paulo - SP em
1894 e faleceu na mesma cidade, em 1958. Formou-se em 1906, na segunda turma na Escola Prática de Comércio de
São Paulo, que passou a ser chamada “Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado” (FECAP), em 1907. Nesse
ano, iniciou a carreira de professor, mas na FECAP lecionou entre 1911-1914 e 1918-1922. Atuou como administrador
e editor da Revista Brasileira de Contabilidade (RBC) em diversos momentos. Foi Contador Geral da República, de
1922 a 1928, Diretor da Fazenda do Distrito Federal, em 1930. Em 1953 foi eleito Diretor Presidente da FECAP, onde
permaneceu até o seu falecimento. Autor de diversas obras de contabilidade, publicados ao longo de sua carreira, além
de livros de Matemática Comercial e Financeira. Escreveu também artigos para a RBC abordando a matemática
comercial.
Conjecturamos que esses contadores formaram uma rede de relacionamentos (Figura 2). Além dos
personagens acima, temos dois outros: Rodolpho Baptista de San Thiago e Coriolano M. Martins. Sobre o primeiro,
sabemos ter nascido em 1870 e falecido em 1933. Formado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica do Rio de
Janeiro em 1895, foi nomeado professor substituto da Escola Politécnica de São Paulo em 1898 e, a partir de 1901,
nomeado Lente catedrático da cadeira de Álgebra Superior e Geometria Analítica, abrangendo o cálculo infinitesimal
e suas aplicações. Em 1912, iniciou suas atividades na Escola de Comércio “Álvares Penteado” (FECAP), como
professor da cadeira de Matemática Comercial e Financeira. Contudo, há informações de que tenha atuado no período
entre 1916-1933.

Figura 2. Rede de relacionamentos dos contadores

Fonte: Gouveia Neto (2015).


De toda forma, qual a importância de Rodolpho para os contadores? Além de trabalhar junto com Berlinck
na Escola Politécnica e na FECAP, Rodolpho atuou, possivelmente, na reforma do ensino comercial de 1931, reforma
essa que, além de reconhecer a profissão de contador, organizou o Ensino Comercial (BRASIL, 1931). Isto fica
evidenciado em uma homenagem prestada a San Thiago, na Álvares Penteado:

[...] Comemorando o primeiro aniversário da morte de Rodolpho Baptista de S. Thiago,


a Escola de Comércio “Álvares Penteado”, em sessão solene, realizada em 28 de setembro
de 1934, prestou uma homenagem pública à sua memória e inaugurou, nessa data, o seu
retrato a óleo. Aberta a sessão pelo Diretor da Escola, Dr. Horácio Berlinck, este, depois

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Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

de se referir à significação da homenagem que naquela noite se prestava, deu a palavra ao


eng. Coriolano Martins, que falou, de improviso, em nome dos professores da Escola. Em
seguida, pronunciou o seu discurso, em nome da Escola de Comércio “Álvares Penteado”,
o professor Dr. Paulo de Freitas. São suas estas palavras: Aqui como lá, na “Álvares
Penteado” como na Politécnica, demonstrou aquelas qualidades excepcionais de
magnífico professor e, como em toda parte, os dotes de um grande coração e de um caráter
sem jaças. Foi ele que inaugurou, em nossa Escola, o curso de Matemática Financeira,
hoje contemplado na reforma do ensino comercial, em que colaborou na parte da
distribuição das cadeiras de Matemática (S. THIAGO e S. THIAGO, 1947, p. 24).

Como professor de Matemática Financeira, deixou um manuscrito que foi utilizado em suas aulas e publicado
postumamente na forma de livro intitulado “Matemática Comercial e Financeira”. O texto foi ampliado pelo seu filho
Luiz Gomes de S. Thiago e publicado entre 1937 e 1938 pela Editora Salesiana.
Em relação a Coriolano M. Martins sabemos ter sido engenheiro e contador, além de Lente de Matemática
Financeira, Estatística, Finanças e Economia Política do Mackenzie College. Foi autor de diversos livros, sendo os
relacionados à Matemática Contábil: “Mathematica Financeira”, editado pela Typografia Siqueira e publicado em
1927 e “Matemática Comercial e Financeira”, publicado pela Fundação Álvares Penteado, em 1949. Formado em
Engenharia na Escola Politécnica, Coriolano foi aluno de Rodolpho Baptista de San Thiago e de Horácio Berlinck.
Posteriormente, Coriolano Martins trabalhou com Francisco D’Áuria, numa segunda fase da RBC.
A partir dessa rede de relacionamentos, surgiram, ao longo dos anos, diversos livros de matemática comercial,
caracterizados pela relação com a contabilidade (Figura 3). A relação mais forte entre contabilidade e matemática está
no livro de Horácio Berlinck, que usou tópicos de revisão de seu livro de contabilidade para elaborar o livro de
Matemática Comercial e Financeira. Esses livros têm em comum o fato de, basicamente, todas tratarem de assuntos
já clássicos da cultura mercantil: juros (simples e composto), descontos (simples e composto), porcentagens, câmbio,
amortização, regra de sociedade, proporção, regra de mistura ou liga e títulos de renda e outros.
A diferença entre estes livros e as aritméticas mais antigas, está na introdução de assuntos típicos da economia
brasileira daquele período: mercados de café, caixas econômicas, de conversão e de amortização. Além dos tópicos já
clássicos das aritméticas comerciais e da inserção de assuntos típicos da economia brasileira, essas aritméticas
apresentavam inovações em relação às do século XIX, com a inclusão de novos tópicos tais como arranjos,
permutações, binômio de Newton, probabilidades, seguros, os quais constituem conhecimentos típicos de Matemática
Atuarial (seguros), utilizados por atuários em empresas de seguros e previdência.
Assim, estas aritméticas desses autores-contadores, deixaram contribuições e provocaram mudanças na
disciplina de Matemática Comercial e Financeira. Obviamente, não foram as únicas aritméticas comerciais e
financeiras que circularam no início do século XX. Para citar alguns exemplos, temos as aritméticas de Carlos F. de
Paula; Luiz Cavalheiro; Mello e Souza, Cecil Thiré e Nicanor Lemgruber, Algacyr Munhoz Maeder, Carlos Calioli e
Nicolau D‘ Ambrosio; Lucas Rodrigues Junot e; Ary Quintella.

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Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

Figura 3. Livros de matemática comercial e financeira da rede de relacionamentos de contadores

Fonte: Acervo pessoal. Obs.: A origem da seta indica a primeira edição ou o livro base, ao passo que a ponta indica a
última edição. O livro de Matemática Comercial e Financeira de Horácio teve origem no seu livro de contabilidade.

4. Considerações Finais

Apesar dessa possível utilização da matemática pelos contadores para o reconhecimento das ciências contábeis, não
se esquecer de que, no início do século XX, o positivismo, corrente filosófica criada por Augusto Comte, encontrava-
se em fase de difusão no Brasil (SILVA, 1999). Para o positivismo, o verdadeiro conhecimento é obtido por meio do
conhecimento científico, sendo que a matemática estaria na base desse edifício científico:

[...] A ciência matemática deve, pois, constituir o verdadeiro ponto de partida de toda
educação científica racional, seja geral, seja especial, o que explica o uso universal, que
se estabeleceu desde há muito a esse propósito, duma maneira empírica, embora não tenha

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Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia.

primitivamente outra causa que sua maior ancianidade relativa (COMTE, 1978, p. 38).

Nesse sentido, a utilização do discurso da matemática pelos contadores, pode ser interpretada como um meio
para o reconhecimento profissional. Contudo, parece que isto não foi uma ação isolada de um ou outro, ao contrário,
formaram uma verdadeira rede de relacionamentos. E nessa rede, deixaram contribuições para a disciplina de
Matemática Comercial e Financeira, com a publicação de diversos livros da área, e também de artigos na Revista
Brasileira de Contabilidade (RBC).
Cumpre destacar que o estudo aqui em tela apresenta limitações. Tratamos apenas dos livros de Matemática
Comercial e Financeira desses autores. A atuação deles em outros espaços, como por exemplo, revistas e em salas de
aulas – já que foram professores –, não foi tratado no artigo. Assim, como possibilidades de estudos, indicamos a
necessidade de entender a atuação destes contadores em sala de aula e a atuação em outros espaços, além dos tratados
nesse estudo.

5. Agradecimentos
Agradecemos à CAPES/PNPD pela bolsa de pós-doutorado concedido ao primeiro autor. Agradecemos à FAPESP
pela bolsa de doutorado concedida à segunda autora. Processo nº 2016/00850-2, Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP).

Bibliografia
ADDE, Tiago Villac. O fim do Império e o nascimento da República: o desenvolvimento da contabilidade brasileira
durante a Primeira República. 2012. 157 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis e Atuariais), Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
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Contadores e seus livros de Matemática Comercial e Financeira no Brasil do início do século XX

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Sérgio Candido de Gouveia Cristiane Talita Gromann de


Neto Gouveia
Departamento de Ciências Contábeis – Departamento de Educação – UNESP –
UNIR – campus de Vilhena – Brasil campus de Rio Claro – Brasil

E-mail: sergio.gouveia@unir.br E-mail: thalita_hehe@hotmail.com

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NOÇÕES DE ARITMÉTICA EM MANUAIS PEDAGÓGICOS: ORIENTAÇÕES AO


PROFESSORADO (1880-1910)

Viviane Barros Maciel (Universidade Federal de São Paulo) - barrosmaciel@gmail.com

Considerando os manuais pedagógicos, como objetos culturais e meios de circulação e produção de saberes, se
procurou, neste texto, analisar as orientações dadas aos professores para introdução das primeiras noções e definições
da aritmética no curso primário. Para tanto foram tomados para análise 10 manuais que circularam no período
compreendido entre 1880 a 1910. Toda a análise foi efetuada estabelecendo como questão central “que saberes
pedagógicos vão sendo caracterizados na análise de orientações ao ensino de aritmética de modo a configurar, ao
longo do tempo, uma aritmética para ensinar no curso primário neste período?” A análise parcial compõe uma pesquisa
de doutoramento em desenvolvimento. Inicialmente foram elencados alguns manuais que contivessem noções
introdutórias para o ensino da aritmética e fossem destinados ao uso de alunos e professores do curso primário. Numa
primeira análise, como base de dados, foram considerados os manuais de um acervo digital institucional. A princípio
adotou-se uma linha cronológica para organização dos manuais a serem analisados, o que não significa que as análises
se darão de forma também linear. Neste sentido, fichas foram elaboradas para organização dos dados: uma ficha
descritiva do manual, uma analítica e uma comparativa para análise de aproximações e distanciamentos das
orientações neles presentes, assim, um primeiro grupo de manuais já foi analisado, entre 1880 a 1900 e na sequência
se inicia o segundo grupo, de 1900 a 1910. Como se observará, os saberes são colocados no centro da profissão de
ensino e de formação, aspecto defendido pelos referenciais teóricos mobilizados neste texto. Análises preliminares
apontam que diferentemente dos saberes que são instrumentos de trabalho do professor, ou seja, que representam uma
aritmética a ensinar, praticamente estática, os saberes pedagógicos para ensinar tem uma configuração dinâmica, pois
se acham inseridos na cultura escolar, e são compostos de elementos tão sutis que somente podem ser percebidos
como uma aritmética para ensinar num período temporal mais amplo.

Palavras-chave: Saberes para ensinar; Formação de professores; História da educação matemática.

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HISTÓRIA EM SALA DE AULA: RESOLUÇÃO DE EQUAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU

Elisangela Dias Brugnera (UNEMAT) – ebrugnera@gmail.com


Circe Mary Silva da Silva Dynnikov (UFMT) – cmdynnikov@gmail.com

Este artigo integra o projeto de tese intitulado O uso da História da Matemática e do GeoGebra para o ensino e
aprendizagem da geometria analítica com ênfase no estudo de retas do doutorado da REAMEC - Rede Amazônica
de Educação em Ciências e Matemática. Procuramos apresentar uma metodologia alternativa para a resolução de
equações algébricas do segundo grau. Adotamos o livro “A Geometria” de Descartes, como fonte original aliada a
utilização da tecnologia com o software de geometria dinâmica GeoGebra. Por meio de uma pesquisa bibliográfica
em fontes históricas constatamos que o método de Descartes para a resolução de equações pode ser utilizado em sala
de aula. Nas pesquisas já realizadas sobre o uso das tecnologias como ferramentas constatamos que as investigações
buscam a construção do conhecimento, como uma maneira de buscar desenvolver o raciocínio lógico, à dedução e a
construção do conhecimento, por meio do desenvolvimento de atividades planejadas com esta finalidade. Isso indica
a necessidade de pesquisas futuras que visem explorar novos usos das Tecnologias de Informação e Comunicação -
TIC’s no ensino de geometria analítica. Como suporte teórico metodológico usamos a proposta de ecos e vozes de
Boero, Pedemonte e Robotti (1997). Essa metodologia busca uma conexão entre o passado e o presente, para que se
construa um diálogo, resignificando conceitos do passado no presente, utilizando como base nosso comportamento,
tecnologia e nossas concepções sócio-culturais. Durante a realização das atividades desenvolvidas no estudo piloto de
nossa pesquisa usamos o software de geometria dinâmica GeoGebra, como uma forma de integrar recursos
tecnológicos no ensino de matemática. O estudo piloto permitiu concluirmos sobre a viabilidade de usar essa
metodologia na pesquisa. A presente investigação aponta para a diversificação de metodologias de ensino da
Matemática, e a multiplicidade de estratégias que podem ser realizadas integrando a história da matemática e as
tecnologias.

Palavras-chave: História; Geometria Analítica; Tecnologia.

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APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE EUGÊNIO DE BARROS RAJA


GABAGLIA PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL

Juliana Martins
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”– Unesp/Rio Claro – Brasil

Resumo

Esse artigo busca apresentar apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a
escrita da história da matemática no Brasil. O texto é baseado no material encontrado para a composição da biografia
do autor e na pesquisa de mestrado concluída no início de 2015. A dissertação intitulada O livro que divulgou o papiro
Rhind no Brasil, teve o objetivo de tecer comentários sobre o livro O mais antigo documento mathematico conhecido
(papyro Rhind), escrito pelo professor Gabaglia e publicado em 1899. Após a pesquisa de mestrado e com base na
pesquisa de doutorado em desenvolvimento pode-se afirmar que a publicação do livro de Gabaglia (1899), o torna um
pioneiro na escrita de textos de história da matemática no Brasil e, em termos mundiais o coloca entre as primeiras
pessoas que estudaram o papiro Rhind, um tema de recente interesse na Europa naquela época. Por meio do estudo de
seu livro nota-se seu profundo conhecimento sobre a bibliografia (atualizada e específica) que versa sobre o papiro
Rhind e sobre a matemática egípcia antiga, isso foi inferido devido as discussões apresentadas no livro e à sua clareza
na exposição e explicação dos problemas do papiro. Tudo isso corrobora para a preciosidade e originalidade de seu
livro. Dos escritos de Gabaglia reunidos até o momento, além do livro sobre o papiro é possível observar outros textos
ligados à história da matemática, desse modo, em minha pesquisa de doutorado, além de apresentar uma biografia e
um estudo sobre a obra de Gabaglia, pretende-se investigar qual foi a contribuição do professor brasileiro na
constituição da área de história da matemática no Brasil. Tal estudo compreenderá um levantamento dos primeiros
textos de história da matemática escritos por brasileiros, na tentativa de situar Gabaglia nessa “linha do tempo” da
escrita da história da matemática no Brasil e, se possível, verificar sua influência nesse processo.

Palavras-chave: Matemática, História, Biografia, Eugênio de Barros Raja Gabaglia.

INITIAL NOTES ABOUT THE CONTRIBUTION OF EUGÊNIO OF BARROS RAJA GABAGLIA FOR
THE HISTORY OF THE MATHEMATICS IN BRAZIL

Abstract

This paper looks for presenting initial notes about the contribution of Eugênio de Barros Raja Gabaglia for the writing
of the history of the mathematics in Brazil. The text is based on the material found for the composition of the author's
biography and in the master's degree research ended in the beginning of 2015. The entitled dissertation O livro que
divulgou o papiro Rhind no Brasil, had the objective of weaving comments on the book O mais antigo documento
mathematico conhecido (papyro Rhind), written by teacher Gabaglia and published in 1899. After the master's degree
research and with base in the PhD research in development can be affirmed that the publication of the Gabaglia’s book
(1899), it turns him a pioneer in the writing of texts of history of the mathematics in Brazil and, in world terms it puts
him among the first one’s people that studied the papyrus Rhind, a theme of recent interest in Europe in that time.
Through the study of his book it is noticed his deep knowledge on the bibliography (updated and specific) that turns
on the papyrus Rhind and on the old Egyptian mathematics, that was inferred due the discussions presented in the

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Anais do XII SNHM -2017
Juliana Martins

book and to his clarity in the exhibition and explanation of the problems of the papyrus. All this corroborates for the
preciousness and originality of his book. From the Gabaglia’s written gathered until the moment, besides the book on
the papyrus, it is possible to observe other linked texts to the history of the mathematics, this way, in my PhD research,
besides presenting a biography and a study on the work of Gabaglia, I intend to investigate which was the Brazilian
teacher's contribution in the constitution of the fild of history of the mathematics in Brazil. Such a study will approach
a rising of the first texts of history of the mathematics written by Brazilians, in the attempt to place Gabaglia in that
"time line" of the writing of the history of the mathematics in Brazil and, if it is possible, to verify his influence in that
process.

Keywords: Mathematics, History, Biographies, Eugênio de Barros Raja Gabaglia.

Introdução

Durante os anos de 2013/2014 desenvolvi, em minha pesquisa de mestrado 1, um estudo sobre o livro O mais antigo
documento mathematico conhecido (papyro Rhind), escrito por Eugênio de Barros Raja Gabaglia e publicado em
1899. Essa pesquisa possibilitou um contato inicial e, de certo modo, superficial, com a biografia e obra do autor.
Da pesquisa concluída e do material encontrado até então é possível afirmar que a obra de Gabaglia é vasta
e diversificada (Quadro 1). Contudo, devido a uma série de textos que escreveu sobre temas de história da matemática
seria aceitável atribuir-lhe um lugar de destaque na área, especialmente após a publicação do livro dedicado ao papiro
Rhind.

Quadro 1: Obra de Raja Gabaglia

Tipo Tese Artigo/ Texto/ Prefácio/ Livro/ Tradução


Ano Relatório
1885 Series;
Desenvolvimento das
funcções em serie com
os recursos da analyse
directa
1893 Funcções de Nutrição Relatório sobre Juiz de
na Serie Animal Fora
1897 O homem como capital - Calculo Verbal, Calculo
Graphico, Calculo Pratico
- 1º, 2º e 3º parágrafos do
livro “O mais antigo
documento mathematico
conhecido (papyro
Rhind)”2.
1899 O mais antigo
Distincção entre os documento
logarithmos neperianos e mathematico

1
Para download do texto completo acessar o repositório institucional da Unesp http://repositorio.unesp.br/handle/11449/77087.
2
Antes da publicação do livro em 1899, os primeiros parágrafos (§), ou capítulos do livro, já haviam sido publicados na Revista do Club
de Engenharia e na Revista da Escola Polytechnica.

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Anais do XII SNHM -2017
Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a história da matemática no Brasil

naturaes conhecido
(papyro Rhind)
1902 Tabelas de Logarithmes
1914 - Prefácio do “Annuario
do Collegio Pedro II” –
Vol. I.
- O Collegio Pedro II
1915 Prefácio do “Annuario do
Collegio Pedro II” – Vol II
1917 Curso de
Navegação
interior
1919 - Prefácio do “Annuario
do Collegio Pedro II” –
Vol. III
- A evolução do conceito
do infinitesimo em
mathematica – parte
primeira – Dos Gregos a
Cavalieri
1899 - Tradução da
1919 coleção FIC

Sem data A numeraçao entre os


selvagens
Fonte: Autora (2016)

No quadro acima não foram expostos os comentários e notas publicados em jornais da época, a exemplo, o
Jornal do Commercio em 1893, no qual segundo Dassie (2010), Raja Gabaglia demonstra seus conhecimentos de
história da matemática ao fazer uma crítica às notas históricas do livro didático de matemática – Curso de Mathematica
Elementar – de Aarão e Lucano Reis (1892).
A seguir destaco parte de sua obra, elencando os textos que remetem a matemática ou a história da
matemática:
 A tese Series; Desenvolvimento das funcções em serie com os recursos da analyse directa – (1885, 88
páginas).
 Os artigos Calculo Verbal, Calculo Graphico, Calculo Pratico – (1897, 69 páginas).
 O artigo Distincção entre os lagarithmos neperianos e naturaes – (1899, 5 páginas).
 O livro O mais antigo documento mathematico conhecido (papyro Rhind) – (1899, 136 páginas).
 O trabalho Tabelas de Logarithmes – (1902).
 O artigo A evolução do conceito do infinitesimo em mathematica – parte primeira – Dos Gregos a Cavalieri
– (1919, 65 páginas).
 O texto A numeraçao entre os selvagens – (sem outras informações).

Tendo em vista a escassez de estudos sobre a vida e obra de Gabaglia, e a curiosidade sobre a sua contribuição
na escrita da história da matemática no Brasil, inicio em 2015 minha pesquisa de doutorado 3 visando aprofundar e
ampliar a investigação realizada no mestrado. Acredito que essa pesquisa de doutorado poderá contribuir para uma
valorização do autor que pouco aparece na história da História da Matemática no Brasil e na história da Educação

3
Doutorado em Educação Matemática – Unesp, Campus Rio Claro.

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Anais do XII SNHM -2017
Juliana Martins

Matemática no Brasil.
Um olhar inicial sobre a obra de Gabaglia e o estudo já realizado na pesquisa de mestrado permitem que
algumas considerações sobre a contribuição do autor na área de história da matemática sejam concluídas. O objetivo
desse artigo é justamente apresentar esses apontamentos iniciais e questionamentos futuros nessa investigação que
continua e abrange minha pesquisa de doutorado.

Nota biográfica
Eugênio de Barros Raja Gabaglia nasceu em 1862, na cidade de Niterói – Rio de Janeiro e faleceu em 1919, antes de
completar 57 anos de idade. No ano de 1880, aos 18 anos, iniciou seus estudos na Escola Politécnica do Rio de Janeiro
e forma-se bacharel engenheiro geográfico, civil e de minas em 1883 (SILVA, 1998).
Pouco tempo depois Gabaglia obteve também o título de bacharel em ciências físicas e matemáticas. Nos
anos seguintes, prestou concurso para a vaga de professor substituto de matemática no Imperial Colégio D. Pedro II,
Rio de Janeiro. Para a prova de tese o ponto sorteado foi Series; Desenvolvimento das funcções em serie com os
recursos da analyse directa - Estudo dos valores singulares das fórmulas algébricas. Segundo Dassie e Soares (2010),
os candidatos ao concurso defenderam suas teses na presença do Imperador.
As fases seguintes do concurso seriam a prova escrita e a prova oral:

“O ponto da prova escrita, Aritmetica, foi Problema das repartições. Operações sobre números
fraccionários. Uso das proporções. Uso das taboas de Logarthmos. Incomensurabilidade dos
números. Para a prova oral sobraram as matérias de Geometria e Trigonometria. O ponto
designado para Raja Gabaglia foi Quadratura das superfícies poligonaes. Rectificação do círculo.
Ângulos polyedros. Cissoide. Taboas trigonométricas. O concurso teve fim em 14 de novembro de
1885”. (DASSIE; SOARES, 2010, p. 5)

Gabaglia foi aprovado em primeiro lugar no concurso, iniciando-se assim uma carreira de mais de trinta anos
de serviços prestados ao Colégio Pedro II. Lecionou também em outras instituições de ensino do Rio de Janeiro, por
exemplo, o Lyceo de Artes e Officios, a Escola Naval de Guerra da Marinha, a Escola Polytechnica, na qual ingressou
com a tese de concurso O homem como capital, e a Escola Normal.
Em 1893 candidatou-se ao concurso para docência na Escola Militar escrevendo a tese Funcções de Nutrição
na Serie Animal, no entanto, segundo consta em M. Silva (1998) e na Revista Didactica da Escola Polythecnica, não
prestou os exames por motivos políticos, refugiando-se em Minas Gerais. “Ainda segundo dados de sua biografia
publicados nessa revista, a Escola Naval acolheu-o, dispensando o concurso. Nessa instituição Raja Gabaglia foi
professor de Cálculo e Geometria Analítica. Em 1914, foi transferido para a recém criada Escola Naval de Guerra”
(DASSIE; SOARES, 2010, p. 6)
Como engenheiro e professor atuante, Gabaglia foi membro de associações científicas como o Clube de
Engenharia, do Instituto Politécnico Brasileiro, do Conselho Superior de Ensino do Rio de Janeiro, da Sociedade de
Geografia. Foi fundador e presidente da Associação de Auxílios Mútuos dos Empregados do Colégio Pedro II, sócio
fundador da Sociedade Brasileira de Ciências e na época da Proclamação da República (1889), foi Diretor das Obras
Civis e Hidráulicas da Marinha (MARTINS, 2015).
Gabaglia foi um poliglota, fluente em latim, francês, inglês, italiano, espanhol e também em alemão. Se o
latim lhe era uma via de mão dupla, para a cultura clássica e como ferramenta ordenadora de hábitos mentais de
reflexão e lógica, com as outras línguas tinha o acesso direto ao pensamento contemporâneo internacional e às mais
modernas correntes científicas de então (BARBOSA; MALVEIRA; VIEIRA, 2009, p. XIX).

220
Anais do XII SNHM -2017
Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a história da matemática no Brasil

Figura 1: Retrato de Eugênio de Barros Raja Gabaglia

Fonte: Arquivo da autora

Gabaglia traduziu uma das principais coleções de livros didáticos utilizadas no Colégio Pedro II, a coleção
francesa F.I.C (Frères de l’Instruction Chrétienne). Foi o único membro sul americano a participar do V Congresso
Internacional de Matemática que reuniu membros da Comissão Internacional do Ensino de Matemática para discutir
questões relacionadas ao ensino e a intuição matemática. Valente (2004), comenta a participação do brasileiro no
congresso e levanta o seguinte questionamento:

“O resultado final é que, pelas mãos de Gabaglia, único brasileiro a ter tido oportunidade de
presenciar as discussões internacionais sobre a modernização do ensino da matemática, nada
parece ter sido trazido para o Brasil. Os antigos livros dos F.I.C., traduzidos por Gabaglia,
continuaram a referenciar o ensino da matemática e seus programas. Como explicar a falta de
interesse de Raja Gabaglia em trazer para o Brasil as discussões sobre a modernização do ensino
da matemática?” (VALENTE, 2004, p. 56-57)

É de meu interesse investigar com maior atenção os motivos que teriam levado Gabaglia a permanecer no
ensino tradicional da matemática naquela época. Outro aspecto que desperta interesse particular na pesquisa de
doutorado, é que em alguns textos relativos à biografia do autor discute-se sua relação com a filosofia positiva e
futuramente será discutida com maiores detalhes. Um exemplo é citado no seguinte trecho:

“Se para alguns, Raja Gabaglia teria sido o iniciador da reação à influência de Augusto Comte no
ensino de Matemática, Azevedo do Amaral, assinala, entretanto, que o nosso professor
compartilhava com aquele filósofo na questão da legitimidade do uso das séries divergentes. E
importa ressaltar que Raja Gabaglia recusava “in limine” todas as construções religiosas do autor
da Política Positiva e nem mesmo aceitava todas as suas opiniões e conceitos do domínio puramente
científico.” (BARBOSA; MALVEIRA; VIEIRA, 2009, p. XXII, grifo dos autores)

A priori a leitura do material relativo a biografia e obra do autor, aponta para os seguintes disparadores de
investigação: Será possível afirmar que Gabaglia é o primeiro historiador da matemática brasileiro? Qual é a
contribuição e consequentemente o impacto que a obra do professor brasileiro produz na escrita da história da
matemática no Brasil? Como se dá a constituição da área de história da matemática no Brasil? Em que momento Raja

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Anais do XII SNHM -2017
Juliana Martins

Gabaglia poderia ser citado nesse processo?


Quais foram os motivos políticos que levaram Raja Gabaglia a desistir do concurso da Escola Militar e
refugiar-se em Minas Gerais? Será possível identificar as causas da não implantação dos ideais de reforma como
observado por Valente (2004)? Isso de fato realmente aconteceu?
Gabaglia assumiu claramente algum tipo de posicionamento com relação ao positivismo no Brasil no final
do séc. XIX e início do séc. XX?
Esses questionamentos, e outros que podem surgir no decorrer da pesquisa, têm movimentado o trabalho de
investigação de meu doutorado.

Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Gabaglia na história da matemática no Brasil

Até o momento é possível tecer apontamentos iniciais sobre a contribuição de Gabaglia na história da matemática no
Brasil graças ao material reunido para a composição de sua biografia e do estudo feito sobre o livro que dedica ao
antigo papiro matemático Rhind, estudo esse apresentado em minha dissertação de mestrado.
Já em Silva (2001) e em Dassie e Soares (2010), encontra-se a afirmação de que Gabaglia foi autor do
primeiro livro dedicado ao estudo de um tema de história da matemática publicado no Brasil.
Além de concordar com essa afirmação em Martins (2016), vou além e destaco que a publicação do livro de
Gabaglia é um marco na história da matemática no Brasil e, em termos mundiais, o coloca entre as primeiras pessoas
que se debruçaram no estudo do papiro Rhind. Vejamos:

“Na época da publicação do livro, poucas pessoas no mundo haviam realizado estudo tão
aprofundado quanto o que Raja Gabaglia fez sobre o papiro Rhind e a matemática egípcia. Ele
havia lido o texto de Eisenlohr, em alemão, e lido também diversos artigos de egiptólogos
especializados no tema, dentre eles destacam-se Birch, Brugsh, Rodet, Revillout, Bobynin, James
Gow, Favaro, Loria e Baillet, esses por sua vez, publicavam em revistas europeias de renome na
época.” (MARTINS, 2016, p. 9)

Ou seja, é notável e deve-se destacar a participação de Gabaglia na escrita da história da matemática no Brasil,
e do seu profundo conhecimento sobre a bibliografia específica que versa sobre o Papiro Rhind e a matemática egípcia
antiga, isso devido as discussões apresentadas em seu livro e a sua clareza na exposição e explicação dos problemas
do papiro. Tudo isso corrobora para a preciosidade e originalidade de seu livro.
Em futuras investigações e como parte de minha pesquisa de doutorado, uma busca dos primeiros textos de
história da matemática escrito por autores brasileiros será feita na tentativa de situar Raja Gabaglia nessa “linha do
tempo” da escrita da história da matemática no Brasil.
Além disso busca-se compreender como se deu a constituição dessa área de pesquisa em nosso país e verificar
o papel de Gabaglia nesse processo. Seria a publicação do livro O papiro matemático de Moscou (1973), escrito pelo
professor Hélio Carvalho d’Oliveira Fontes (também do Colégio Pedro II), uma tentativa de continuação de estudos
sobre os papiros matemáticos e, de certo modo, um exemplo da tradição deixada por Gabaglia nessa instituição de
ensino?
Essas discussões e possíveis respostas aos questionamentos que movem a pesquisa atualmente em fase de
desenvolvimento irão compor a tese de doutorado da autora desse artigo.

Bibliografia
Arquivo pessoal Elizabeth Pessoa Raja Gabaglia. Rio de Janeiro: 2014.
BARBOSA, A. J. do R.; MALVEIRA, A. N.; VIEIRA, G. P. Um perfil. In: Anuário do Colégio Pedro II: primeiro
ano 1914 / Eugênio de Barros Raja Gabaglia. Rio de Janeiro: Unigraf, 2009. p. XVII – XXIII.
DASSIE, B. A; SOARES, F. dos S. Eugenio de Barros Raja Gabaglia: vida e obra de um professor de
matemática. In: V Colóquio de História e Tecnologia no Ensino da Matemática. Recife, 2010.
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222
Anais do XII SNHM -2017
Apontamentos iniciais sobre a contribuição de Eugênio de Barros Raja Gabaglia para a história da matemática no Brasil

(papyro Rhind). Rio de Janeiro: Imprensa Americana, 1899.


MARTINS, J. O livro que divulgou o papiro Rhind no Brasil. 2015. 146 p. Dissertação - (mestrado) - Universidade
Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas, 2015. Disponível em:
<http://hdl.handle.net/11449/124102>.
MARTINS, J. O livro de Gabaglia que divulgou o papiro Rhind no Brasil. In: Anais do 15º Seminário Nacional
de História da Ciência e Tecnologia. Florianópolis, 2016.
SILVA, C. M. S. A história da matemática e os cursos de formação de professores. In: CURY, H. N. Formação
de professores de matemática: uma visão multifacetada. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p. 129 - 165.
SILVA, M. R. F. da.; HARIKI, S. Raja Gabaglia. Trabalho de Iniciação Científica. São Paulo: IME-USP, 1998.
SOARES, F. dos S. O Professor de Matemática no Brasil (1759-1879): aspectos históricos. 2007. 172 p. Tese
(Doutorado em Ciências Humanas - Educação) – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro.
VALENTE, W. R. Euclides Roxo e o movimento internacional de modernização da matemática escolar. In:
Euclides Roxo e a modernização do ensino de matemática no Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2004.
p. 45 – 83.

Juliana Martins
Grupo de pesquisa em história da matemática
UNESP – Campus de Rio Claro - Brasil

E-mail: juliana.mat19@yahoo.com.br

223
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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
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ESTUDANDO O CONCEITO PIRÂMIDES A PARTIR DO PROBLEMA 56 DO PAPIRO DE


RHIND: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO USO DE FONTES PARA INSERIR ASPECTOS
HISTÓRICOS EM SALA DE AULA

Ana Carolina Costa Pereira


Universidade Estadual do Ceará – UECE – Brasil
Isabelle Coelho da Silva
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE – Brasil

Resumo

A utilização da História da Matemática em sala aula traz para o professor um caminho diferente para fazer matemática
em sala de aula, pois este recurso possibilita um retorno ao passado, em que pode-se estudar o conceito em sua forma
primitiva e a motivação inicial para seu estudo. Para inserir aspectos históricos em sala de aula, há o uso de fontes
históricas, que são qualquer artefato ou documento que possam comprovar os dados do estudo ou podem servir como
base para este estudo. Uma possibilidade do uso de fontes históricas é o Papiro de Rhind, que é um documento do
Egito antigo que contém diversos problemas matemáticos de ordem práticos. Assim, utilizamos o problema 56 do
Papiro de Rhind para investigar o uso da fonte histórica na formação inicial do professor de matemática como forma
metodológica de conduzir o ensino de matemática na Educação Básica. Para isto, aplicamos o problema nas turmas
2015.1 e 2015.2 da disciplina de História da Matemática da Universidade Estadual do Ceará. Contudo, neste trabalho
apresentaremos um relato de experiência da aplicação feita na turma do semestre 2015.2, em que os alunos receberam
instruções impressas para a realização da atividade, no qual eles deveriam traduzir o problema, explicar a matemática
egípcia, propor uma solução com a matemática atual e comparar os dois métodos. Desta forma, pode-se identificar
uma grande dificuldade dos alunos em tratar com a fonte histórica, e explicar os cálculos sem as fórmulas previamente
provadas que utilizados atualmente. Contudo, a maioria dos discentes afirmaram que utilizariam a fonte histórica
abordada em uma aula do Ensino Médio, apenas de uma forma mais simplificada. Assim, incentivamos que as fontes
históricas sejam utilizadas para aprimorar o estudo de outros conteúdos, para que os professores possam se sentir
seguros e preparados em utilizá-la em suas aulas, podendo ampliar o aprendizado dos alunos.

Palavras-chave: História da Matemática, Problema 56 do Papiro de Rhind, Educação Matemática.

STUDYING THE CONCEPTS PYRAMIDS THROUGH THE PROBLEM 56 OF THE RHIND PAPYRUS: AN EXPERIENCE
REPORT OF THE USE OF SOURCES TO INTRODUCE HISTORICAL ASPECTS IN CLASSROOM

Abstract

The use of history of mathematics in a classroom brings to the teacher a different way to study mathematics in
classroom because this resource allows a return to the past, where we it is possible to study the concept in its primary
mode, and the initial motivation for its study. To introduce historical aspects in classroom, there is the use of historical
sources, which are any artifact or document that can prove the study data or can serve as a basis to this study. A
possibility of using historical sources is the Rhind Papyrus, which is a document from the Ancient Egypt that contains
various practical mathematics problems. Therefore, we used the problem 56 from the Rhind Papyrus to investigate
the use of original sources in the initial teachers training as a methodological source to conduce the mathematics
teaching in primary and secondary education. For this, we applied this problem in the 2015.1 e 2015.2 classes of the

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Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

discipline History of Mathematics from the State University of Ceara. However, in this paper, we present an
experience report made in the class of 2015.2, where the students received printed instructions to accomplish the
activity, in which they should translate the problem, explain the Egyptian Math, propose a resolution with the current
Math, and compare both methods. This way, we were able to identify a big difficulty of the students in dealing with
historical sources, and explaining the calculations without the previously proved formulas that we use nowadays.
However, most of the students said that they would use the proposed historical source in a High School Class, but in
a simpler way. Therefore, we encourage that the historical sources would be used to improve the study of other
contents, so that the teachers would feel safe and prepared to use them in their classrooms, being able to expand the
students’ learning.

Keywords: History of Mathematics, Problem 56 of the Rhind Papyrus, Mathematics Education.

Introdução

Ensinar matemática, nos dias atuais, vai além do ato de transmitir conhecimentos, pois a maioria dos alunos têm se
mostrado indiferentes às aulas expositivas tradicionais, o que pode ocasionar uma queda no nível de aprendizagem na
sala de aula. Logo, isto acarreta uma necessidade no desenvolvimento de diferentes estratégias para o ensino, de modo
que possa haver uma melhora na educação.
Assim, a história da matemática é proposta como uma estratégia que busca este aprimoramento no ensino de
matemática. A partir do uso da história da matemática, podemos apresentar para o estudante uma forma diferenciada
de resolver alguns problemas matemáticos: o modo que era utilizado durante o período de estudos iniciais do conceito
em questão, ou seja, o método histórico. Também podemos aproveitar este recurso para identificar as dificuldades que
os matemáticos necessitaram transpor para chegar a uma conclusão sobre o tema estudado, pois muitas vezes estas
dificuldades são as mesmas que os alunos precisam enfrentar para obter uma real compreensão do conteúdo proposto
em sala de aula.
Uma das funções da história da matemática é mostrar ao aluno o processo de descobrimento e
desenvolvimento de alguns conteúdos matemáticos, evidenciando as dificuldades que o próprio matemático teve
durante este processo. Segundo Weil (1991), a primeira função da história é de permitir observar, ou manter em nossa
visão exemplos ilustres de trabalhos matemáticos de alta qualidade.
Com este intuito, vemos que dentre as possibilidades de pesquisas sobre o uso da História da Matemática
destacam-se algumas categorias, dentre elas, a utilização de fontes históricas para o ensino, que é um meio de acesso
a sociedade matemática da antiguidade, na qual foram desenvolvidos diversos conteúdos ensinados na sala de aula da
Educação Básica atualmente.
Segundo, Silva (2013, p. 34) “o uso de fontes antigas se remete ao uso de textos que trazem à tona problemas
que os sábios da antiguidade resolveram ou investigaram”. Para este estudo, nos baseamos na utilização de fontes
históricas na sala de aula de matemática, partindo do conceito de que estas são “todos os tipos de vestígios inscritos
no passado, como livros de receita, fotografias, cinema, música, enfim, uma série de elementos que auxiliariam o
historiador na busca de compreender os homens do passado e como estes se estabeleceram” (XAVIER, 2011, p. 1100).
Contudo, para que este uso seja possível, concordamos com Silva (2013, p. 41) que diz que a sala de aula
deve ser um ambiente de investigação em que os alunos “devem se posicionar como investigadores que têm como
objetivo responder questões que lhes surgem no contexto da matemática escolar e que podem ser respondidas por
meio dos aspectos históricos”.
Portanto, justificamos este estudo devido a carência de pesquisas sobre o uso da história da matemática e das
fontes históricas, em que objetivamos relatar uma experiência de uma investigação sobre o uso da fonte histórica na
formação inicial do professor de matemática, como forma metodológica de conduzir o ensino de matemática na
Educação Básica.

225
Anais do XII SNHM -2017
Estudando o conceito pirâmides a partir do problema 56 do Papiro de Rhind: um relato de...

Metodologia

Este trabalho fundamenta-se em uma pesquisa de campo, em que a primeira parte foi voltada ao estudo documental.
No primeiro momento, foi utilizada uma abordagem bibliográfica para falar do uso das fontes históricas como meio
para o Ensino de Matemática. Esta abordagem também foi utilizada para tratarmos da implicação do uso da história
da matemática na formação do professor de Matemática e na sala de aula. Ao mesmo tempo, utilizamos uma análise
documental para expor sobre os problemas do Papiro de Rhind, fonte histórica na qual foi baseado o estudo com os
discentes.
Em seguida, adentramos na pesquisa de campo que, segundo Marconi e Lakatos (2010, p. 169), tem o
“objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta,
ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles”. Dentro
da pesquisa de campo, utilizamos o exploratório-descritivo, pois descreve o “estudo de caso para o qual são realizadas
análises empíricas e teóricas” (MARCONI e LAKATOS, 2010, p. 169) e no qual os procedimentos de amostragens
são flexíveis.
Desta forma aplicamos a pesquisa com base nas turmas dos semestres 2015.1 e 2015.2 da disciplina de
História da Matemática do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual do Ceará (UECE), em que
utilizamos uma atividade para investigar a validade do uso da fonte histórica.

Investigando o uso do problema 56 do Papiro de Rhind como fonte histórica na disciplina História da
Matemática

Nas aulas da disciplina de História da Matemática na UECE é abordado, entre vários outros tópicos, a matemática na
Antiguidade, destacando a Babilônia, a Mesopotâmia, o Egito e a Grécia. Durante a aula focada na matemática egípcia,
notamos que os alunos necessitavam manipular fontes que não são próximas do seu cotidiano escolar, pois eles
mostraram dificuldades em lidar corretamente com as fontes apresentadas nesta aula.
Diante disto, propomos uma atividade com o uso de uma das fontes históricas mais importantes da
matemática egípcia: o Papiro de Rhind. A atividade consistia em discutir o problema 56 deste papiro, que trata do
estudo de pirâmides, em particular, a busca pela inclinação da face da pirâmide.
Esta investigação foi aplicada em turmas de dois semestres consecutivos, 2015.1 e 2015.2, no curso de
Licenciatura em Matemática da UECE, em que os dados e resultados da primeira aplicação serviram como base para
um aperfeiçoamento da segunda aplicação. Contudo, a atividade entregue para as turmas dos dois semestres foi a
mesma.1
A atividade foi precedida pela aula sobre a Matemática Egípcia, em que foi apresentado um panorama sobre
esta sociedade e suas contribuições para a matemática atual. Durante a explicação sobre Divisão e Multiplicação
Egípcia, foi orientado que os alunos receberiam um trabalho com um problema desta época e eles poderiam usar
apenas os métodos utilizados no antigo Egito, ou seja, apenas a matemática conhecida na data de elaboração do
problema. Por exemplo, se fosse necessário utilizar multiplicação e divisão para resolver o problema, os alunos
deveriam utilizar aquele método ensinado na sala. A mesma instrução foi dada para os cálculos envolvendo frações,
em que os egípcios apenas utilizavam frações unitárias e, portanto, os alunos deveriam procurar uma maneira
(conhecida naquela época), não abordada durante a aula de explicação, para transformar frações do problema em
frações unitárias para realizar os cálculos necessários.
Neste estudo eles deveriam traduzir o enunciado e a solução do problema, ressaltando o significado do termo
seked; compreender e explicar a solução do problema exposto no papiro, evidenciando a forma como os cálculos
foram feitos pelos egípcios; resolver a solução com a matemática atual; e comparar as duas soluções (similaridades,
diferença, entre outros). Estas instruções foram dadas aos alunos junto com uma leitura do problema proposto, em que
foram identificados alguns números na linguagem egípcia, de acordo com o que foi exposto na aula sobre a matemática
da época. Na primeira aplicação, as instruções foram dadas oralmente e na segunda aplicação, estas instruções foram

1
Os dados obtidos com a primeira aplicação podem ser vistos em Pereira et al (2016).

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Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

entregues impressas junto com o problema utilizado.


Assim, o problema 56 foi entregue na escrita hierática (Figura 01, parte superior), que é a encontrada no
original do papiro de Rhind, e na forma Hieroglífica, uma tradução da primeira (Figura 01, parte inferior).

Figura 01 – Problema 56 do Papiro de Rhind

Fonte: Maor (1998, p. 7).

Também foi fornecido a tradução do problema para o inglês (Maor, 1998, p.6-7):
“If a pyramid is 250 cubits high and the side of its base 360 cubits long, what is its seked?
Ahmes’s solution follows:
Take ½ of 360; it makes 180. Multiply 250 so as to get 180; it makes ½ 1/5 1/50 of a cubit. A cubit
is 7 palms. Multiply 7 by ½ 1/5 1/50:
1 7
1/2 3 1/2
1/5 1 1/3 1/15
1/50 1/10 1/25

The seked2 is palms”.

Explorando os resultados da segunda aplicação do problema 56 do Papiro de Rhind

Na primeira aplicação, as instruções para a realização da atividade foram dadas oralmente para os discentes. Como
muitas das duplas deixaram de realizar alguns tópicos da atividade, principalmente, no que se refere à explicação da
matemática egípcia, resolvemos entregar as instruções escritas para os alunos. Deste modo, tentamos garantir que eles
entendessem o que era necessário cumprir na atividade proposta.
As turmas foram divididas em duplas (o aluno poderia trabalhar sozinho, se desejasse), para que os alunos
pudessem discutir sobre a atividade proposta. Esta aplicação foi realizada na turma da disciplina de História da
Matemática no semestre 2015.2, turnos tarde e noite. A atividade foi entregue para 77 alunos, com a orientação que
seu cumprimento não era obrigatório. Assim, os alunos entregaram 25 atividades, sendo 22 em dupla e 3 individuais,
que foram nomeadas “Atividade 25” à “Atividade 49” para fazer referência neste texto.
Apenas uma atividade não conteve tradução do problema, todos os outros alunos fizeram a tradução correta,
tanto do problema quanto da solução apresentada no papiro. Além disso, todos os discentes evidenciaram o significado
de seked, em que 22 afirmaram que o termo significava a inclinação da face da pirâmide e 03 reconheceram a palavra
como uma referência à cotangente do angulo formado pela base e a face da pirâmide. É importante ressaltar que
nenhum dos alunos deixou de apresentar o significado de seked, mostrando que todos puderam compreender qual seria

2
Seked é uma palavra do Egito antigo. Ela é usada para medir o declive de uma superfície inclinada. O "seked da
pirâmide" era calculado como a razão da metade da base dividido pela altura.

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Estudando o conceito pirâmides a partir do problema 56 do Papiro de Rhind: um relato de...

o principal questionamento do problema.


A solução antiga foi explicada em 23 trabalhos. Contudo, apenas 14 das atividades utilizaram o método
egípcio para multiplicação e divisão, e só 8 utilizaram cálculos explicando a transformação de frações em frações
unitárias. Assim, pode-se perceber que, embora quase todos os alunos tenham mostrado compreender os cálculos
apresentados na resolução do papiro, apenas alguns deles assimilaram o método egípcio de realizar estes cálculos. As
figuras 02 e 03 mostram como alguns alunos realizaram e explicaram estes cálculos.

Figura 02 – Método egípcio para multiplicação e divisão de números

Fonte: Atividade 37.

Figura 03 – Transformação em frações unitárias

Fonte: Atividade 26.

Em uma das atividades foi utilizado a Regra da Falsa Posição para o cálculo de uma função do primeiro grau.
Este método, também utilizado pelos egípcios no Papiro de Rhind, foi explicado para os alunos na aula sobre
Matemática no Egito e apenas uma dupla visualizou sua utilização no problema 56. A figura 04 mostra como estes
alunos utilização o método.

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Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

Figura 04 – Utilização da Regra da Falsa Posição

Fonte: Atividade 25

A resolução com a matemática atual foi apresentada em 22 atividades, em que os alunos utilizaram a fórmula
da cotangente para calcular o seked, ou a inclinação da pirâmide, e fizeram uma proporção para transformar o resultado
de cúbitos para palmos, como foi estabelecido no problema.
O gráfico 01, mostra quantos alunos cumpriram cada proposição da atividade. Percebe-se que houve uma
grande diferença entre o número de alunos que entregaram a atividade e o número de alunos que fizeram a explicação
da Multiplicação e Divisão egípcia e da transformação em frações unitárias.

Gráfico 01 – Cumprimento das Proposições – Segunda Aplicação


30
25
20
15
10
5
0

Fonte: Alunos da turma 2015.2 do curso de Matemática da UECE. Elaborado pelo autor.

Finalizando a atividade, 16 trabalhos fizeram comparações entre a matemática egípcia e a matemática atual.
Muitos alunos relataram a diferença no cálculo de frações, em que os egípcios utilizavam as frações unitárias. Também
foi relatado as diferenças na forma de multiplicar e dividir e nas unidades de medida utilizadas.
Os alunos mencionaram que a solução do papiro e a solução que seria utilizada atualmente possuem o mesmo
resultado e que elas são similares em relação ao elemento a ser encontrado (o seked). Foi relatado que os egípcios já
possuíam noções dos conceitos trigonométricos, embora eles não utilizassem as fórmulas trigonométricas, e que eles
usavam a trigonometria no cotidiano, assim como o problema seria uma aplicação prática do conteúdo.
Além disso, também foi relatado que os egípcios não utilizavam sinal de adição ou um símbolo para o número
zero e não somavam inteiros com frações, fazendo uso das frações mistas. Chegando à conclusão de que a matemática

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Estudando o conceito pirâmides a partir do problema 56 do Papiro de Rhind: um relato de...

atual é mais fácil, rápida, precisa e menos complexa e que ambas as soluções utilizariam desenhos para orientar os
cálculos realizados.
Desta forma, pode-se perceber que os alunos ainda possuem grande dificuldade em resolver questões sem o
auxílio das fórmulas prontas que são ensinadas nas escolas. Eles também apresentam dificuldades em explicar a forma
como os seus cálculos foram feitos, que também decorre do hábito de utilizar apenas as fórmulas prontas. Ressaltamos
que estes alunos são futuros professores de matemática e questionamos se estes não seriam conhecimentos necessários
para um professor da Educação Básica.
Analisando esta aplicação também pode-se perceber que os alunos afirmam que a matemática atual é mais
rápida e fácil que a egípcia, mas nenhum deles comentaram que os avanços que há na matemática atual são devidos
às descobertas e desenvolvimentos que a matemática antiga proporcionou e que a agilidade e facilidade disponíveis
para os cálculos atuais seguem de estudos feitos a partir da matemática da antiguidade.

Considerações finais

A História da Matemática pode proporcionar uma grande contribuição para o ensino, pois através dela o
aluno tem a oportunidade de estudar o conteúdo na forma em que ele foi desenvolvido, podendo visualizar as
dificuldades epistemológicas da criação daquele conceito. Isto possibilita que o aluno compare as suas dúvidas com
as questões que o matemático tinha na época de desenvolvimento deste conceito, que podem ser os mesmos
questionamentos presentes nas aulas dos dias atuais.
Assim, temos as fontes históricas como um meio de inserir a história nas aulas de Matemática, que objetivam
comprovar os desenvolvimentos matemáticos da sociedade antiga à que pertenciam. Desta forma, o aluno poderá
visualizar como a matemática era feita na época desta fonte e comparar com a forma atual apresentada pelo professor
em sala de aula.
A partir de uma aplicação do problema 56, concluímos que os estudantes ainda possuem dificuldades em
tratar da matemática em uma fonte histórica. Contudo, isto ocorre porque atualmente são utilizadas várias fórmulas
para resolver questões e estas já foram previamente provadas por matemáticos do passado, dispensando a necessidade
da explicação do seu uso em todas as questões que envolvem o conteúdo. Como na sociedade egípcia antiga ainda não
existiam estas fórmulas, os cálculos realizados nas questões necessitavam de provas ou explicações para seu uso,
acarretando nesta necessidade para os alunos que resolveram a atividade proposta.
Este ainda é um estudo inicial sobre o tema, realizado apenas com as perspectivas dos licenciando em
Matemática da UECE, a partir da atividade sobre o Papiro de Rhind. Contudo, nos questionamos sobre como instigar
nos alunos o cumprimento das explicações sobre a Multiplicação e Divisão egípcia e da transformação em frações
unitárias, já que estes números foram considerados baixos em relação à quantidade de atividades entregues. Assim,
em uma investigação mais detalhada, procuraremos entender quais os obstáculos que impediram estes alunos de
compreender o método antigo.
Nosso próximo passo será fazer um estudo mais aprofundado sobre as possibilidades do uso do Papiro de
Rhind como fonte histórica no Ensino de Matemática. A partir disto, estudaremos uma melhor forma de propor uma
aplicação desta atividade para os alunos da Educação Básica, em que investigaremos a validade do uso desta fonte
histórica com estudantes do Ensino Médio.

Bibliografia
MAOR, E. Trigonometric Delights. New Jersey: Princeton University press, 1998.
MARCONI, M. de A; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 7ª ed. São Paulo: Editora Atlas.
2010.
PEREIRA, Ana Carolina Costa et al. Sobre o uso de fontes na disciplina de História da Matemática: Problema 56 do
Papiro de Rhind. Revemat: Revista Eletrônica de Educação Matemática, Florianópolis, v. 10, n. 2, p. 243-257, jan.
2016. ISSN 1981-1322. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/revemat/article/view/41457>. Acesso
em: 06 out. 2016. doi:http://dx.doi.org/10.5007/41457.
SILVA, A. P. P. do N. A leitura de fontes antigas e a formação de um corpo interdisciplinar de conhecimentos:

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Anais do XII SNHM -2017
Ana Carolina Costa Pereira & Isabelle Coelho da Silva

um exemplo a partir do Almagesto de Ptolomeu. 95 f. Dissertação (Mestrad - Curso de Mestrado em Ensino e Ciências
Naturais e Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013. Disponível em:
<http://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/16105/1/AnaPPNS_DISSERT.pdf>. Acesso em: 10 jan 2016.
WEIL, A. História da Matemática: Por que e Como. Matemática Universitária. São Paulo, v. 13, p.17-30, jun. 1991.
XAVIER, E. da S. O uso das fontes históricas como ferramentas na produção de conhecimento histórico: a
canção como mediador. Antíteses, vol. 3, n. 6, jul.-dez. de 2010, pp. 1097-1112.

Ana Carolina Costa Pereira


Departamento de Licenciatura em Matemática –
UECE – campus Itaperi – Brasil
Isabelle Coelho da Silva
Departamento de Pós-Graduação em Ensino de
Ciências e Matemática – IFCE – campus Fortaleza –
Brasil

E-mail: carolina.pereira@uece.br;
belle_da_silva@hotmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

BUSCANDO IDEIAS GEOMÉTRICAS NA REVISTA AL-KARISMI (1946-1951): UM


LEVANTAMENTO HISTÓRICO NO DISCURSO DE MALBA TAHAN

Flávia de Fatima Santos Silva


Universidade Federal de Uberlândia – UFU – Brasil
Cristiane Coppe de Oliveira
Universidade Federal de Uberlândia – UFU – Brasil

Resumo

Este trabalho refere-se à primeira etapa do projeto de pesquisa de mestrado de uma das autoras e tem como objetivo
apresentar o levantamento acerca de ideias geométricas presentes na revista Al-Karismi (1946-1951), organizada por
Malba Tahan. A presente pesquisa, com abordagem qualitativa, sugere contribuições para o processo de ensino e
aprendizagem da geometria à luz da perspectiva de Malba Tahan (1895-1974) nos oito volumes das Revistas Al-
Karismi. Tal expectativa ganha caminhos a partir dos conteúdos geométricos que foram selecionados e que irão nortear
o futuro trabalho em sala de aula na segunda etapa da investigação. Pretende-se elaborar uma ação envolvendo o
Método Eclético Moderno sugerido pelo autor na obra Didática da Matemática. Este método, segundo Tahan (1961),
tem como elemento básico, fundamental o caderno de classe também chamado de “Caderno Dirigido”. O autor propõe
que, no primeiro dia de aula, o professor peça ao aluno para adquirir um caderno especial para os trabalhos de classe,
além do livro-texto adotado pela escola. Esse caderno será elaborado pelo aluno, mas sob o controle e orientação do
professor e deverá servir para algumas atividades didáticas. A partir do estudo desse método serão elaboradas
propostas para serem trabalhadas no processo de ensino e de aprendizagem da geometria no oitavo ano de ensino
fundamental II. O levantamento inicial dos dados da pesquisa mostrou que o discurso pedagógico de Júlio César de
Mello e Souza, propõe, dentre outros aspectos, que a matemática seja abordada considerando a cultura e o momento
histórico, apoiada na busca constante pelo desenvolvimento da autonomia dos alunos em construir ideias matemáticas.
Espera-se ao final da investigação que esse levantamento histórico contribua para o processo de ensino e de
aprendizagem em Matemática na Educação Básica, e que traga reflexões sobre a importância do caderno de classe,
mesmo em tempos em que a tecnologia avança em passos largos na prática docente.

Palavras-chave: Geometria, Malba Tahan, Revista Al-Karismi, Caderno Dirigido.

LOOKING FOR GEOMETRIC IDEAS IN THE AL-KARISMI MAGAZINE (1946-1951): A HISTORICAL


SURVEY IN MALBA TAHAN'S SPEECH

Abstract

This papper refers to the first stage of the master's research project of the one of author and aims to present a survey
of geometric ideas present in the Magazine Al-Karismi (1946-1951), organized by Malba Tahan. A presented research,
with a qualitative approach, suggests contributions to the teaching and learning process of Geometry in light of the
perspective of Malba Tahan (1895-1974) in the last eigth volumes of Al-Karismi Magazine. Such expectation gains
paths from geometric contents wich were selected and will guide the future work in the classroom in the second stage
of the investigation. It is intended to elaborate an action involving the Modern Eclectic method suggested by the author
in the Didactics of Mathematics. This method, according to Tahan (1961), has as fundamental element, the classbook
also called "Notebook Directed". The author proposes that, on the first day of class, the teacher asks the student to
acquire a special notebook for the class activities, besides the textbook adopted by the school. This booklet will be

232
Anais do XII SNHM -2017
Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

prepared by the student, but under the teacher's control and guidance, and should be used for some didactic activities.
From the study of this method, proposals will be elaborated so that they can be worked in the process of teaching and
learning the process of Geometry in the eighth year of elementary school. The initial survey of the research data
showed that the pedagogical discourse of Júlio César de Mello e Souza proposes, among other aspects, that
mathematics be approached considering the culture and the historical moment, supported by constant search for the
development of students' autonomy In constructing mathematical ideas. It is hoped at the end of the research that this
historical survey contributes to the process of teaching and learning in Mathematics in Basic Education, and that it
brings reflections on the importance of the class notebook, even in times when technology advances in strides teaching
practice.

Keywords: Geometry, Malba Tahan, Magazine Al-Karismi, Notebook Directed.

Malba Tahan e a revista Al-Karismi

No campo da Educação Matemática alguns pesquisadores defendem que os professores da disciplina utilizem
recursos metodológicos capazes de inovar as aulas, tendo como entendimento que podem dar subsídios para a
compreensão de um determinado assunto. No entanto, a maioria dos professores (ou futuros), não tem conhecimento
de que a História da Matemática pode ser uma ferramenta para a prática docente. Tal como aponta D´Ambrosio (2007,
p.80)

O grande desafio para a educação é pôr em prática o que vai servir para o amanhã. Pôr
em prática significa levar pressuposto teórico, isto é, um saber/fazer articulado ao longo
de tempos passados, ao presente. Os efeitos da prática de hoje vão se manifestar no
futuro. Se essa prática foi correta ou equivocada só será notado após o processo e servirá
como subsídio para uma reflexão sobre os pressupostos teóricos que ajudarão a rever,
reformular, aprimorar o saber/fazer que orienta essa prática.
(D’AMBROSIO, 2007, p. 80.)

Nesse sentido, nossa proposta teórico-metodológica será subsidiada pelo trabalho de Júlio César de Mello e
Souza de pseudônimo Malba Tahan que nasceu no Rio de Janeiro em 06 de maio de 1895 onde passou sua infância
da cidade de Queluz, às margens do rio Paraíba. No capítulo Júlio César & Malba Tahan: criador e criatura do livro
Malba Tahan e a revista Al-Karismi: diálogos e possibilidades, SALLES e NETO (2016, p.31) afirmam que,

quando Júlio Cesar de Mello e Souza cria o pseudônimo Malba Tahan, não pretendia
apenas criar um pseudônimo, mas uma mistificação literária, isto é, fazer com que ele
parecesse ser o nome de um escritor real, que tivesse realmente existido. Então, para que
pudesse inventar a biografia de Malba Tahan e para que seus contos árabes fossem
convincentes em termos de estilo, linguagem e ambientação, passou cinco anos
estudando a cultura e a língua árabes...e somente em 1924...seria a primeira vez que
Malba Tahan vinha ao público.

No período de 1946 a 1951, no Rio de Janeiro, sob a responsabilidade Malba Tahan, foram publicadas oito
edições da revista Al-Karismi, que trazia consigo uma proposta de discussão e reflexões à luz de conceitos
matemáticos. Como afirma COPPE-OLIVEIRA (2007, p.83),

233
Anais do XII SNHM -2017
Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

[...] a revista Al-Karismi, de Malba Tahan, traz em seu discurso a proposta de reflexão,
debates e discussões acerca do ensino e da aprendizagem em Matemática e de outras
tendências que surgem em meio a esse discurso.

A revista Al-Karismi foi concebida num contexto educacional diferente do atual e é possível estabelecer
algumas conexões entre o discurso pedagógico de Malba Tahan, ou seja, o discurso pedagógico do passado, com as
orientações e diretrizes curriculares do presente. COSTA, (2015, p. 47) aponta que

estudar como a História da Educação Matemática, em particular o discurso de Júlio


César de Mello e Souza e de seu autor-personagem Malba Tahan na Revista Al-Karismi
pode contribuir para o ensino e a aprendizagem da Matemática por alunos da Educação
Básica.

Pretendemos elaborar uma ação envolvendo o método Eclético Moderno sugerido por Tahan (1961), na obra
Didática da Matemática, que tem como elemento fundamental o caderno de classe também chamado de “Caderno
Dirigido”. Malba Tahan propõe que, no primeiro dia de aula, o professor peça ao aluno para adquirir um caderno
especial para os trabalhos de classe, além do livro-texto adotado pela escola. Ao longo da pesquisa, este caderno será
elaborado pelo aluno, mas sob o controle e orientação da professora-pesquisadora, e deverá servir para todas as
atividades didáticas. A partir do estudo desse método serão elaboradas propostas para serem trabalhadas no processo
de ensino e de aprendizagem da geometria no oitavo ano de ensino fundamental II. Tal proposta terá como fonte
primária os oito volumes da revista Al-Karismi (1946-1951) no que diz respeito aos conceitos geométricos
evidenciados na obra.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (PCN) afirmam que aqueles que procuram um
facilitador de processos mentais encontrarão na geometria o que precisam, prestigiando o processo de construção do
conhecimento, pois a geometria valoriza o descobrir, o conjecturar e o experimentar desenvolvendo competências e
habilidades que estejam interligadas a outras áreas do conhecimento numa tarefa interdisciplinar.
Nesse sentido, a proposta didática de trabalhar com uma revista publicada há tanto tempo nos faz refletir
sobre como a mesma possa propiciar e oferecer um ambiente favorável ao processo de ensino e aprendizagem da
geometria. Possibilitar a percepção de diversas culturas, etnias e sociedades de um período e relacioná-las a abordagem
atual pode ser vista de forma expressiva ao educando. Consideram-se importantes as contribuições da revista e, diante
de tais referências, optou-se em fazer um levantamento/ensaio histórico quanto aos conceitos da geometria presentes
na qual faremos uma abordagem mais detalhada sobre os conceitos geométricos presentes nos oito volumes da Revista
Al-Karismi.

Sobre a revista Al-Karismi

Experiências na prática docente da primeira autora evidenciaram que a geometria poderia ser trabalhada de
forma que estimulasse a curiosidade e o saber geométrico do educando considerando sua cultura e o momento
histórico.

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Anais do XII SNHM -2017
Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

Como dito anteriormente, uma das críticas de Malba Tahan aos programas era a forma indevida com a qual a geometria
era ensinada, e essa crítica pode ser melhor entendida nas palavras de TAHAN, (1961, p. 116),

Como conseguirá o professor ‘aguçar a inteligência’, despertar o interesse científico,


criar um clima de simpatia pelas belezas da Matemática, se persistir em arrastar o
educando unicamente pelo mundo nebuloso das abstrações sem finalidades?”

No capítulo A hermenêutica de profundidade como uma possibilidade de análise da revista Al-Karismi do


livro Malba Tahan e a revista Al-Karismi: diálogos e possibilidades, ANDRADE (2016, p.89), nos remete a algumas
reflexões quanto ao surgimento da revista, que teve origem devido à preocupação por parte de alguns membros da
comunidade matemática brasileira em criar revistas periódicas especializadas em matemática que possibilitassem as
publicações dos resultados das suas pesquisas com o público sempre voltado ao professor e aos estudantes. Isso foi
algo inédito para o período.

Um livro de tamanho médio, de fácil manipulação, não muito extenso (112 páginas), cuja
capa, sugere, aparentemente, o céu num início de anoitecer, num cenário árabe, (fazendo
referência à nacionalidade do personagem Malba Tahan) e apresenta símbolos
matemáticos (sinalizando que se trata de uma revista cujo conteúdo está voltado para a
matemática). Uma obra que o tempo tratou de envelhecer, mas a conservou em páginas
amareladas que registram um misto de textos direcionados para o ensino e a
aprendizagem da Matemática.

Nesse sentido, de acordo com o quadro 1, os oito volumes da revista podem ser apresentados e esse material,
apresenta de forma cronológica as publicações da Revista Al-Karismi como afirma COPPE-OLIVEIRA (2007, p.88),

QUADRO 1 – DADOS DE PUBLICAÇÃO DAS REVISTAS

Número da revista Ano de publicação Editora Mês


1 1946 Getúlio Costa Maio
2 1946 Getúlio Costa Julho
3 1946 Aurora Setembro
4 1946 Aurora Novembro
5 1947 Aurora Março
6 1947 Aurora Maio
7 1947 Aurora Julho
8 1951 Ao livro Técnico Outubro

Podemos encontrar justificativa sobre o que nos levou a escolha pela Revista Al-Karismi, além de todo
encantamento e percepção didática que o olhar de Malba Tahan traz para Matemática que nos remete ao trabalho de
COPPE-OLIVEIRA (2007, p.80), apontando a ausência de acervos nas bibliotecas nacionais e internacionais com
esse tema e mesmo com esforço intenso de grupos de pesquisa há ainda poucos periódicos vigentes.
O Método Eclético Moderno (com caderno dirigido) que abordaremos a seguir foi assim chamado por Malba

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Anais do XII SNHM -2017
Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

Tahan por ter uma visão didática diferenciada das consideradas “tradicionais” e pelo fato do aluno ser o próprio autor
do conteúdo apresentado e pela escolha de elaboração de seu caderno, esta ação será promovida privilegiando a relação
dialógica entre o professor e o aluno.

Sobre o Método Eclético Moderno com Caderno Dirigido

Malba Tahan nos leva a refletir sobre um problema vigente na época e ainda tão presente que é – Para que
ensinar matemática? No primeiro volume do livro Didática da Matemática Malba Tahan apresenta alguns
procedimentos didáticos que visam à reflexão desse questionamento. Nossa proposta é a de trabalhar apenas com O
Método Eclético Moderno com Caderno Dirigido que podemos compreender melhor de acordo com COPPE-
OLIVEIRA (2001, p.75),

No Método Moderno, o elemento básico, fundamental, é o Caderno de Classe, também


chamado Caderno Dirigido. No primeiro dia de aula, o professor recomenda que cada
aluno (além do livro-texto) adquira um caderno especial para os trabalhos de classe.
Esse caderno será elaborado pelo aluno, mas sob o controle e orientação do professor,
e deverá servir para todas as atividades didáticas.

Segundo a autora, Malba Tahan (1961, p.124-130), apresenta as seguintes vantagens do Método Eclético
Moderno com Caderno Dirigido:
1) “Facilita a motivação, a orientação e a fixação da aprendizagem.
2) Exerce ação educativa sobre os alunos.
3) Permite ao professor acompanhar, durante o curso, com a maior facilidade, os
progressos do educando.
4) Não exige acréscimo de tempo.
5) É aplicável, com eficiência, em todas as séries do 1º e 2º ciclos.
6) Estabelece e consolida laços de amizade entre o aluno e o professor.
7) Prestigia e nobilita o ensino da Matemática.
8) Não afasta o aluno do livro-texto.
9) Estimula a iniciativa e a originalidade.
10) Permite ao professor pôr em relevo (com maior frequência) as relações entre
matemática e as outras matérias.
11) Contem fortes elementos de incentivo (concursos, jogos, autocrítica, etc).
12) Permite ao diretor (ou inspetor) controlar, com maior segurança atividade do
professor, isto é, a matéria dada, os exercícios, os jogos, as provas mensais,
etc).
13) Encoraja as atividades de ensino.
14) Permite ao professor dar mais objetividade ao ensino da matemática.”

O caderno deverá ser elaborado pelo aluno e conter anotações pessoais, relatos de experiências, registro das
aulas e atividades, propostas de atividades, diferentes cores e ilustrações além dos apontamentos constantes
direcionados pela professora. Encerraremos o trabalho com o caderno dirigido com uma autocrítica e sugestão/crítica
direcionada à professora.

Ideias geométricas em Al-Karismi

Intencionamos utilizar o método Eclético Moderno – também conhecido como “Caderno Dirigido” – de

236
Anais do XII SNHM -2017
Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

Malba Tahan, tal como mencionamos anteriormente, por acreditarmos que esse método favoreça o processo de ensino
e de aprendizagem da geometria e que por meio dessa abordagem haja a possibilidade de um relação professora-
aluno(a) mais afetivo por haver espaço para o diálogo e reflexão de ambos.
Para que o levantamento geométrico dos oito volumes da revista Al-Karismi pudesse acontecer em pouco
mais de um semestre tivemos algumas contribuições relevantes de colaboradores que se pré-dispuseram a nos auxiliar.
O primeiro levantamento foi feito por intermédio do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Educação Matemática- NUPEm
da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), que disponibilizou os volumes 1 e 2 da revista Al-Karismi. O professor.
Ms. Walter José Rodrigues de Moraes, de Brasília, que dispõe de acervo pessoal, possibilitou a consulta dos volumes
3 ao 7. A professora Ms. Rosana Prado Biani, de Campinas, intermediou o acesso ao Centro de Memória da Unicamp
(CMU) com a responsável pelo Arquivo Fotográfico do CMU, Cássia Denise Gonçalves, que nos disponibilizou o
volume 8 da revista.
Partindo dessas contribuições e com o auxílio desses colaboradores e grupo de pesquisa, foi possível catalogar
todo conteúdo referente à geometria presente nos oito volumes da revista como estão disponíveis nos quadros a seguir:

QUADRO 2 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 1

Exemplar da Al-Karismi Título do artigo referente à geometria


Volume 1 O conteúdo de Itaocara
Volume 1 A sombra e a hora
Volume 1 A geometria e o amor
Volume 1 A trissecção do ângulo
Volume 1 O salto de Vera
Volume 1 Sofisma Geométrico
Volume 1 O aluno morto e a geometria à

QUADRO 3 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 2

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria


Volume 2 As sete lâmpadas da capela pitágoras
Volume 2 Pontos cêntricos no triângulo
Volume 2 O poeta e o geômetra
QUADRO 4 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 3

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria


Volume 3 Um fio e uma formiga no equador
Volume 3 A geometria e a mecânica
Volume 3 Os pitagóricos
Volume 3 Medidas de posição: A mediana
Volume 3 Retificação angular da circunferência

QUADRO 5 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 4


Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria
Volume 4 O trapézio de sua história

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Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

Volume 4 E assim nasceu a geometria


Volume 4 A lei angular de Tales e o postulado de Euclides
Volume 4 O elogio da geometria

QUADRO 6 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 5

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria


Volume 5 O espaço
Volume 5 Generalidades sobre a superfície

QUADRO 7 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 6

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria


Volume 6 Os vastos domínios da geometria
Volume 6 Algumas linhas sobre a linha
Volume 6 A topologia entre as geometrias
Volume 6 Uma nota sobre o losango

QUADRO 8 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 7

Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria


Volume 7 O euclidanismo nos polígonos regulares
Volume 7 Ainda a quadratura do círculo
Volume 7 Geometria da terra
Volume 7 Uma nota sobre o losango

QUADRO 9 – CONCEITOS GEOMÉTRICOS PRESENTES NA REVISTA DE VOLUME 8


Revista Al-Karismi Título do artigo referente à geometria
Volume 8 A geira
Volume 8 Espaço - Tempo

Podemos ver que a investigação do acervo bibliográfico das revistas Al-Karismi , no que se refere aos
conceitos geométricos, poderá possibilitar/subsidiar as propostas de atividades que serão realizadas com os alunos em
seus cadernos dirigidos. Malba Tahan fazia uma rígida crítica sobre a forma como a matemática era ensinada e a partir
desse levantamento pode-se perceber quão diferenciado foi seu olhar no que diz respeito ao ensino e aprendizagem da
matemática.
O discurso de Malba Tahan apontava para algumas atuais tendências em Educação Matemática, tal como
afirma SALLES e NETO (2016, p.45)

Júlio Cesar de Mello e Souza é considerado um dos pioneiros da etnomatemática no


Brasil. Essa área do conhecimento surgiu ... como uma resposta à necessidade de um
entendimento da matemática em diferentes contextos, povos e culturas... seu legado
agrega também os saberes do homem comum alargando a visão de matemática e de
ciência, e evitando... dicotomias de cunho muitas vezes preconceituoso e etnocêntrico,
que limitam a visão de conhecimento.

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Flávia de Fatima Santos Silva & Cristiane Coppe de Oliveira

Um caminho a percorrer...

A inquietação sobre como a geometria vem sendo utilizada na atual prática docente foi o ponto de partida
dessa pesquisa. Acredita-se que a abordagem interdisciplinar que segue a perspectiva histórica embasada no discurso
tahaniano poderá sugerir contribuições ao processo de ensino e de aprendizagem da geometria. Acreditamos que as
propostas geométricas presentes nos oitos volumes da revista Al-Karismi e O Método Eclético Moderno com Caderno
Dirigido possam subsidiar argumentos suficientes sobre a sua relevância e aplicação na sala de aula.
Seguindo essa perspectiva, pretende-se - nas próximas etapas da pesquisa - apresentar um levantamento
histórico que visa incitar o diálogo passado-presente, entre as propostas do Método Eclético Moderno com Caderno
Dirigido relacionadas aos conceitos geométricos presentes nos oito volumes da revista Al-Karismi, utilizando como
recurso didático da/na Educação Matemática à luz do discurso pedagógico de Malba Tahan e as atuais diretrizes para
o ensino da geometria na educação básica.
Temos respaldo sobre a relevância desse tipo de pesquisa com o contexto sócio Histórico em D’AMBRÓSIO,
(2007, p. 29) “conhecer, historicamente, pontos altos da Matemática de ontem poderá, na melhor das hipóteses,
e de fato faz isso, orientar no aprendizado e no desenvolvimento da Matemática de hoje”.
O olhar da Matemática sobre esse movimento passado-presente sugere possibilitar ao educando enxergar o
conhecimento matemático como criação humana mostrando necessidades e preocupações de diferentes culturas, em
diferentes momentos históricos sendo capaz de estabelecer comparações entre os conceitos e processos matemáticos
do passado com o momento atual e assim intencionamos caminhar em nossa prática docente.

Bibliografia
COSTA, L. S. Malba Tahan e a revista AL-KARISMI: Diálogos e possibilidades interdisciplinares com a História da
Educação Matemática no Ensino Fundamental, 2015. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e
Matemática) – Instituto de Física, Instituto de Química, Faculdade de Ciências Integradas do Pontal e Faculdade de
Matemática. Universidade Federal de Uberlândia.
COPPE, C; ANDRADE, M. M.; VIANA, O. A.; MARIN, V. Malba Tahan e a revista Al-Karismi (1946-1951):
diálogos e possibilidades. (Orgs). Jundiaí, Paco Editorial: 2016.
D'AMBROSIO, U. Educação Matemática: da Teoria a Prática. 14ª ed. Campinas- SP: Papirus, 2007.
OLIVEIRA, C. C. Do menino “Julinho” à “Malba Tahan”: uma viagem pelo oásis do ensino da matemática.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual paulista, UNESP, Rio Claro, SP, [s.n.], 2001.
COPPE-OLIVEIRA, C. O. A sombra do arco-íris: um estudo histórico/mitocrítico do discurso pedagógico de Malba
Tahan. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática) - Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, São Paulo, SP, [s.n.], 2007.
TAHAN, M. Didática da matemática. São Paulo: Saraiva, 1961. v.1.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 1. Rio de Janeiro: Getúlio Costa, 1946.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 2. Rio de Janeiro: Getúlio Costa, 1946.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 3. Rio de Janeiro: Aurora, 1946.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 4. Rio de Janeiro: Aurora, 1946.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 5. Rio de Janeiro: Aurora, 1947.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 6. Rio de Janeiro: Aurora, 1947.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 7. Rio de Janeiro: Aurora, 1947.
____. Revista Al-Karismi. Vol. 8. Rio de Janeiro: Ao livro técnico, 1951.

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Buscando ideias geométricas na revista Al-Karismi (1946-1951): um levantamento histórico ...

Flávia de Fatima Santos Silva


Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECM/UFU – Universidade
Federal de Uberlândia - Brasil

E-mail: flavia_fss@terra.com.br

Cristiane Coppe de Oliveira


Docente – FACIP/UFU – Universidade Federal de Uberlândia - Brasil
FEUSP – Universidade de São Paulo - Brasil
E-mail: coppedeoliveira@gmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS


ALGÉBRICAS

Késia Caroline Ramires Neves


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS - Brasil

Resumo

Apresentamos, neste trabalho, a história de um dos mais recentes conteúdos matemáticos incorporados ao nosso
Ensino Médio, o conteúdo das matrizes. Voltando aos tempos de sua criação e primeiras divulgações, busca-se
compreender a dinâmica do processo de constituição histórica das matrizes iniciado por James Joseph Sylvester e
Arthur Cayley, esperando, com isso, uma compreensão mais aprofundada sobre a Teoria Matricial e como essa pôde
ajudar na evolução da Matemática, principalmente no que tange às estruturas algébricas. Dessa forma, nosso propósito
é o de relatar por meio de uma revisão bibliográfica quais foram os caminhos traçados pelas matrizes durante os anos
de 1850 a 1930, quando essa se transforma de simples tabela, ou imagens, ou quadros de coeficientes bem organizados,
a uma importante estrutura algébrica. Para isso, recorremos aos trabalhos de Frédéric Brechenmacher (2006), ao livro
de Carl Benjamin Boyer (1999) e ao de Howard Eves (2004), ao trabalho de John J. O'Connor e Edmund F. Robertson
(1996), ao de Simone Luccas (2004) e ao de Nicholas J. Higham (2008). Para obtermos esses materiais, priorizamos
as palavras-chaves: matriz e matemática e história, matrizes e matemática e história, álgebra matricial e história, e as
traduções dessas palavras em inglês, francês e espanhol, entre o período de 2006 até 2016. Os bancos de dados
consultados foram: Banco de Teses e Dissertações da CAPES, Scielo e Google Acadêmico. O resultado dessa pesquisa
fez parte de nossa dissertação de mestrado, que ampliada com a revisão bibliográfica até os dias de hoje, conferiu ao
nosso estudo uma atualidade da pesquisa. Verificamos que entre o período de 2006 a 2016, tiveram poucas publicações
brasileiras sobre a trajetória inicial do conceito de matrizes. Então, este trabalho traz resultados ainda atuais e mostra
um pouco mais sobre a importância de se pesquisar os conteúdos hoje ensinados nas escolas e academias.

Palavras-chave: Matemática, História, Matrizes.

[The history of Matrices to the times of its creation as algebraic structures]

Abstract

We present in this work, the history of one of the most recent mathematical contents incorporated to our High School,
the content of the matrices. Going back to the times of its creation and first disclosures, it is seeking to understand the
dynamics of the process of historical constitution of the matrices initiated by James Joseph Sylvester and Arthur
Cayley, hoping with this a deepened comprehension about the Matrix Theory and how this one was able to help in the
evolution of the Mathematics, mainly with regard to algebraic structures. That way our purpose is to report by means
of a bibliographical which was the traveled paths by the matrices during the years of 1850 to 1930, when it becomes
a simple table or images or well organized coefficients charts into an important algebraic structure. For this we recurred
the work of Frédéric Brechenmacher (2006), to the book of Carl Benjamin Boyer (1999) and to the Howard Eves’
(2004), to the work of John J. O'Connor and Edmund F. Robertson (1996), to the Simone Luccas (2004) and to the
Nicholas J. Higham (2008). To attain these materials we prioritize the keywords: matrix and mathematics and history,
matrices and mathematics and history, matrix algebra and history, and the translations of these words in English,

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Anais do XII SNHM -2017
Késia Caroline Ramires Neves

French and Spanish between the period of 2006 and 2016. The databases consulted were: bank of Thesis and
Dissertations of CAPES, Scielo and Google Academic. This research result was part of our master's thesis, that
expanded with the bibliographical revision untill the present day, conferred to our study a current research. We verified
that between the period from 2006 to 2016, there were few Brazilian publications about the initial trajectory of the
matrix concept. So, this work brings results still current and shows a little more about the importance of researching
the contents taught today in schools and academies.

Keywords: Mathematics, History, Matrices.

Introdução

Em tempos de uma reorganização curricular que se propõe aos estudantes brasileiros 1, é imprescindível uma reflexão
sobre a história dos conteúdos que ainda ocupam espaços privilegiados no âmbito do ensino. Se por um lado há
relevância de aplicações desses conteúdos ao mundo atual, conhecer sua história pode ajudar-nos a compreender
porque vieram a fazer parte da estrutura curricular de ensino e porque assim permaneceram.
Dentre os conteúdos que poderíamos levantar certa reflexão, elegemos as matrizes. Sim, as matrizes são,
atualmente, importantíssimas para uma linguagem computacional, mas foram mais importantes ainda para a evolução
da Matemática que conhecemos hoje. Por meio das matrizes foi possível uma simplificação de estruturas complexas
da Álgebra Moderna e Álgebra Linear, o que permitiu um avanço considerável para a área das exatas.
Nesse contexto, é válido reconhecer a importância da teoria matricial para a era computacional, mas não
podemos nos esquecer de sua contribuição à inovação das estruturas algébricas. Particularizaremos, neste trabalho,
justamente essa contribuição. Para isso, vamos relatar alguns passos de sua história até o momento em que elas se
solidificam como estruturas algébricas (década de 1930).
A busca por trabalhos que trataram de discutir ou descrever essa história nos levou aos estudos de Frédéric
Brechenmacher (2006), “Les matrices: formes de représentation et pratiques opératoires (1850-1930)”2, ao livro de
Carl Benjamin Boyer (1999) e ao de Howard Eves (2004), ao trabalho de John J. O'Connor e Edmund F. Robertson
(1996), ao de Simone Luccas (2004) e ao de Nicholas J. Higham (2008).
Para essa busca, priorizamos as palavras-chaves: matriz e matemática e história, matrizes e matemática e
história, álgebra matricial e história, e as traduções dessas palavras em inglês, francês e espanhol, entre o período de
2006 até 2016. Os bancos de dados consultados foram: Banco de Teses e Dissertações da CAPES, Scielo e Google
Acadêmico.
O resultado desse levantamento fez parte de nossa dissertação de mestrado, que ampliada com a revisão
bibliográfica até os dias de hoje3, confere ao nosso estudo uma atualidade da pesquisa. Verificamos que entre o período
de 2006 a 2016, tiveram poucas publicações brasileiras sobre a trajetória inicial do conceito de matrizes. Assim, vamos
trazer à tona nossos resultados ainda atuais da dissertação e mostrar um pouco mais sobre essa história.

Um panorama preliminar da estrutura matricial

Não é surpresa que a noção de matrizes, como tabelas, é proveniente do estudo de determinantes e de sistemas de
equações lineares. Já na época dos babilônios estudavam-se os problemas que conduziam às equações lineares
simultâneas que deram origem à forma organizada de tabelas que registravam os dados dessas equações.
Os exemplares desses estudos foram preservados em tabuletas de argila que resistem até hoje, alguns datados

1
Aqui, estamos nos referindo à discussão da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (2016).
2
O artigo de Brechenmacher traz no corpo do texto recortes das obras originais de Cayley e Sylvester, considerados os “pais” da Teoria das
Matrizes.
3
Outros materiais foram descartados porque citavam os mesmos autores que elegemos para construção do nosso trabalho. Logo, utilizamos as
fontes primárias ao invés das secundárias.

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Anais do XII SNHM -2017
A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS

de 300 a.C..
No capítulo VIII do livro de matemática de maior influência na China, Chui-Chang Suan-Shu ou Nove
capítulos sobre a arte matemática, escrito durante a dinastia Han e datado de aproximadamente 200 anos antes de
Cristo, também temos um interessante exemplar que mostra como os chineses se aproximaram da ideia de matrizes,
mais ainda que os babilônicos. Os chineses, além de redigirem problemas mediante o registro escrito de sistemas de
equações lineares, compunham tabelas que designavam "tábua de contar", ou seja, organizavam os coeficientes do
sistema de equações na forma de linhas e colunas (LUCCAS, 2004, p.42).
Um desses problemas chineses está ilustrado em Eves (1997):
Três feixes de uma colheita de boa qualidade, dois feixes de uma de qualidade regular e
um feixe de uma de má qualidade são vendidos por 39 dou. Dois feixes de boa, três de
regular e um de má qualidade são vendidos por 34 dou. Um feixe de boa, dois de regular
e três de má são vendidos por 26 dou. Qual o preço do feixe para cada uma das
qualidades? (EVES, 1997, p.268).

A tabela que se ajustava ao dado problema era:

O próximo registro evidenciado por O'Connor e Robertson (1996) data de 1683. É um registro do matemático
japonês Takakazu Seki Kowa (1642-1708), que escreveu como resolver problemas utilizando-se de tabelas,
exatamente como os chineses o fizeram ao organizar seus dados por meio de linhas e colunas.
Tempos depois, Gauss (1801) organizou os coeficientes de formas quadráticas colocando-os em uma
disposição retangular. Com essa organização, ele realizou a multiplicação de matrizes (que ele pensava como
composição, já que não havia chegado ao conceito de álgebra matricial como temos hoje) e também a inversa de uma
matriz no contexto particular das disposições retangulares dos coeficientes das formas quadráticas. (O’CONNOR,
ROBERTSON, 1996; BOYER, 1974).
Não obstante, essa organização de coeficientes das formas quadráticas e de problemas de sistemas de
equações lineares ainda não tinha se aproximado da teoria das matrizes como a conhecemos atualmente. Foram
necessários os estudos com os determinantes para que essa organização se estruturasse melhor, se tornasse mais
consistente e evoluísse para uma teoria matricial.
Trabalhos com transformações lineares também colaboraram para a construção do conceito das matrizes.
Apareceram nos anos 1850 com Leopold Kronecker (1823-1891) e em 1860 com Karl Theodor Wilhelm Weierstrass
(1815-1897). Esses dois previram que do estudo com transformações lineares se chegaria a uma tabela bem
estruturada, assim como a teoria das matrizes se mostra hoje.
Mas somente em 1841 que dois fatos importantes contribuíram para a ideia e a notação matricial. O primeiro
foi a maneira algorítmica com que foram apresentados os determinantes nos três tratados publicados por Jacobi. Neles,
as entradas não eram especificadas como numéricas ou funcionais, elas poderiam ser qualquer um dos dois conceitos.
O segundo fato importante foi a publicação de Cayley em que determinara dois riscos verticais para delimitar o
determinante (O’CONNOR, ROBERTSON, 1996, p.5). Essa notação por meio dos riscos verticais seria designada
também às matrizes.
Segundo O'Connor e Robertson (1996, p.6), esses trabalhos de 1841 apresentavam uma importante diferença
no tratamento das matrizes. Antes disso elas eram consideradas como tabelas numéricas associadas a coeficientes de
sistemas lineares; eram estáticas. Com os trabalhos de 1841 elas foram pensadas como um novo conceito, dessa vez
dinâmico, associado ao movimento, regido por transformações lineares.
Em 1844, com Ferdinand Gotthold Max Eisentein (1823-1852), as matrizes foram tratadas pela primeira vez
com o uso de letras. Suas operações foram consideradas como as resultantes de regras operatórias usuais sobre essas

243
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Késia Caroline Ramires Neves

letras, com exceção da lei da comutatividade (O'CONNOR, ROBERTSON, 1996, p.6).


A importância desse fato esteve na abstração do tratamento de matrizes e determinantes. Se antes disso a
contextualização era tão importante a ponto de impedir a compreensão da tabela numérica como objeto matemático e
não um conjunto de números agrupados devido ao contexto, depois de Eisenstein os matemáticos poderiam perceber
o elemento matriz como um só objeto matemático, passando a estudá-lo como tal.
Adiante, evidenciaremos como esses trabalhos realizados com tabelas foram se aprimorando por meios dos
estudos de Sylvester e Cayley e chegaram ao objeto matemático revolucionário das estruturas algébricas: as matrizes.

Sylvester, Cayley e as matrizes

As Matrizes apareceram no trabalho de Sylvester no âmbito de seus estudos geométricos. Entre 1850 e 1851
ele publicou quatro memórias consagradas ao problema das interseções entre cônicas e quádricas. No entanto, as
matrizes ainda eram consideradas certos "quadros" e apareciam como resultados secundários. Somente mais tarde
tornaram-se o principal objeto de pesquisa de Sylvester e foram chamadas de matriz (BRECHENMACHER, 2006, p.
10).
A caracterização das interseções de cônicas já tinha sido tratada por Plücker em 1828. Porém, a originalidade
do trabalho de Sylvester residia, sobretudo, no recurso ao cálculo das causas determinantes em oposição ao método
analítico desenvolvido pelos cientistas franceses da Escola Politécnica, como Hachette (1802), Cauchy (1826) e Biot
(1826). Para Sylvester, o método analítico tradicional não permitia considerar equações "arbitrárias", ao contrário do
caráter intrínseco do cálculo de causas determinantes que era mais flexível a isso (BRECHENMACHER, 2006, p.10).
A fim de caracterizar os cinco tipos de interseção, Sylvester comparou as decomposições algébricas
polinomiais |U+λV| – onde U e V eram as matrizes das formas quadráticas associadas a duas cônicas, respectivamente,
e λ era uma variável qualquer –, com as decomposições do determinante |U+λV| através de "Menores" – matrizes
menores obtidas da eliminação de uma linha i e de uma coluna j pertencentes a uma dada matriz original – extraídos
de uma matriz (BRECHENMACHER, 2006, p.11). Este problema consistia basicamente em relacionar as interseções
de duas cônicas U e V com a multiplicidade das raízes da equação |U+λV| = 0.
Já a segunda memória de Sylvester, On the relations between the minor determinants of linearly equivalent
quadratic functions (1851b), é consagrada ao enunciado das propriedades dos Menores como invariantes de
transformações lineares. Neste contexto, foi definida explicitamente a noção de "matriz" como mãe dos menores de
uma causa determinante (HIGHAM, 2008; BRECHENMACHER, 2006). Neste trabalho, Sylvester observou como
uma boa notação matemática poderia transformar alguns conceitos em novos objetos matemáticos para serem
estudados.
Então, resumidamente, os estudos de Sylvester estiveram associados aos métodos de cálculo de "Matrizes
Menores" extraídas de uma dada matriz, o que facilitaria os cálculos de determinantes. Mais particularmente, seus
estudos envolveram uma prática específica que articula extrações de Menores a uma decomposição polinomial,
resolvendo o problema colocado pela ocorrência de raízes características múltiplas no processo de interseção de duas
cônicas.
A tarefa de catalogar todos os sistemas de Menores extraídos para o cálculo de determinantes suscitou, em
1855, o interesse de Cayley para a noção de matriz, o que fez com que ele publicasse três artigos sucessivos, todos em
1855.
Neste mesmo ano, Cayley adotou pela primeira vez a noção de matriz como uma "notação cômoda" (tanto
para Sylvester quanto para Cayley esta era a visão que tinham de matrizes) para representar a teoria das equações
lineares e as formas quadráticas, ou seja, Cayley notou a possibilidade de empregar a notação matricial para representar
as funções lineares que intervêm na teoria das aplicações homográficas. Consequentemente, empregar as matrizes
dessa forma, forneceu elementos para que mais tarde Cayley enunciasse o teorema que apresentaria um método para
o cálculo das funções lineares (BRECHENMACHER, 2006, p.17,18).
Em seguida, em um trabalho de 1858 intitulado Uma memória sobre a teoria das matrizes, Cayley deu um
passo para a evolução da noção de matriz. A partir desse momento, uma matriz não seria mais uma simples "notação
cômoda", elas se tornariam objeto de uma teoria, o que acarretaria uma nova visão sobre inúmeras pesquisas na
matemática.
Esse avanço da teoria das matrizes também resultou dos estudos de Cayley sobre seu considerável Teorema
Notável, o qual fomentou várias pesquisas naquela época (BRECHENMACHER, p. 17).
Depois da Memória de Cayley e da repercussão do Teorema Notável, seus trabalhos foram citados e
comentados pelos muitos matemáticos que trabalhavam no fim do século XIX.

244
Anais do XII SNHM -2017
A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS

Além disso, segundo Boyer (1999), a Memória de Cayley de 1858 foi importante para o estudo das
transformações lineares, pois mostrou que ao se inverter a ordem das transformações, obter-se-ia o seguinte resultado:

que além de mostrar a não-comutatividade da multiplicação de matrizes, também mostrava a simplicidade de


se escrever as transformações lineares por meio da linguagem matricial.
De acordo com Boyer (1999), Cayley definiu não somente a multiplicação entre matrizes, mas também a
adição entre matrizes, a multiplicação entre um escalar e uma matriz e determinou que característica teria a matriz
identidade e a matriz nula. Então, depois disso, o trabalho de Cayley (Uma memória sobre a teoria das matrizes, de
1890, o qual apresentava as "leis" de operações sobre as matrizes) foi considerado como um dos primeiros trabalhos
originais da teoria das álgebras associativas.
Com esse avanço, a teoria das matrizes permitiu que se explorasse propriedades de métodos simbólicos e que
se definisse leis operacionais que dão à matriz, mãe de menores de Sylvester, um comportamento similar ao das
quantidades algébricas comuns.
Sendo assim, Cayley foi uma peça essencial tanto no desenvolvimento de métodos simbólicos como também
construindo teorias. Todo este avanço, decorrido no período de 1855 a 1858, veio caracterizar a matriz não mais como
a mãe dos menores do determinante, mas pelas leis de um cálculo simbólico e pelo resultado do Teorema Notável.
Do período de 1858 a 1890, segundo Brechenmacher (2006), a teoria das matrizes introduzida por Cayley,
estagnou-se, sendo citada somente mais tarde quando foi novamente estudada.
Mas embora tenha havido esse período de 32 anos (1858-1890) de estagnação da pesquisa de Cayley, entre
1882 a 18854 Sylvester fez uma releitura de seus próprios trabalhos de 1851 e releituras também dos trabalhos de
Cayley, e chegou a resultados promissores. Isso quer dizer que não tivemos publicações desses matemáticos por
durante 32 anos, mas seus estudos não ficaram inertes.

As matrizes se consolidam como estruturas algébricas

Após um texto de Cayley de 1858, o qual estudara sobre a generalização de funções racionais às expressões simbólicas,
as matrizes tornaram-se um elemento básico na arquitetura do saber algébrico. Esse estatuto dados a elas dentro da
álgebra linear lhes concedeu uma identidade forte e, ao mesmo tempo, esmagou a pluralidade de sua história
(BRECHENMACHER, 2006, p.3). James Joseph Sylvester, Arthur Cayley e outros matemáticos seriam apenas
personagens ocultos em função de uma teoria que responderia por si própria, uma teoria que, consolidada, encobriria
sua própria trajetória histórica.
Segundo H.W. Turnbull e A.C. Aitken (1932 apud BRECHENMACHER, 2006, p.2), em seu tratado An
Introduction to the Theory of Canonical Matrices, de 1932, a novidade da teoria das matrizes canônicas estava na
utilização das propriedades do "idioma matricial" em oposição a uma teoria clássica (das formas bilineares).
De acordo com Turnbull e Aitken (1932), o recurso à notação matricial marcava uma ruptura em relação a
uma prática tradicional dos tratados de álgebra das gerações precedentes. Dois argumentos foram desenvolvidos para
justificar essa evolução:

 primeiro, a notação matricial era apresentada como eficaz porque permitia enunciar "teoremas gerais" em
pequeno espaço (lugar);

4
No período de 1882 a 1885, Sylvester, após reler a memória de Cayley (1858) e rever seus próprios estudos de 1851, melhorou seus resultados
sobre como escrever as "funções potências e raízes da substituição linear, associada como uma função numérica das raízes da equação det(ϕ– ) =
0". (BRECHENMACHER, 2006, p.24)

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Késia Caroline Ramires Neves

 em segundo lugar, pelo entendimento de todos os autores dos anos 1920-1930, inclusive o de Turnbull e Aitken,
a linguagem matricial se apresentava como uma estrutura "simples", com valores pedagógicos inquestionáveis
(1932 apud BRECHENMACHER, 2006, p.4).
Na introdução do seu tratado sobre a Teoria dos Grupos, publicado em 1916, Blichfeldt incentivava o estudo
das matrizes por mostrar vantagens com relação à imagem mental da forma matricial em oposição à representação
linear das formas bilineares. Contudo, no início do século XX, os partidários da representação matricial na forma de
quadros, como Autonne e Châtelet (da França) e Cullis (da Grã-Bretanha), ainda eram raros. Essa ideia de que a
representação matricial permitiria assimilar mais simplesmente "teoremas gerais" ainda seria assunto para numerosos
tratados de álgebra publicados posteriormente (BRECHENMACHER, 2006).
A ideia inicial era a de reduzir as matrizes às suas formas mais simples ou formas canônicas, ou seja, elaborar
práticas de transformações, de reduções das formas, normalizadas por um critério de "simplicidade"
(BRECHENMACHER, 2006, p.5). Assim, Turnbull e Aitken introduziram um novo termo que evidenciaria o aspecto
de "simplicidade" da linguagem matricial, o termo de Submatrizes.

Matrizes divididas em Submatrizes.


É conveniente estender o uso das leis fundamentais da combinação para
matrizes, ao passo de considerar a construção de uma matriz baseada não em elementos,
mas como a junção de submatrizes, ou matrizes menores dos elementos. Como exemplo,
a matriz

pode ser escrita

onde

(TURNBULL, AIKEN, 1932, p.5, 6 apud BRECHENMACHER, 2006, p. 6)

Conforme descreve Brechenmacher (2006), a eficácia de uma prática algébrica que recorre às formas, ou
imagens – que Picard designava ainda em 1910 como "desenhos" –, fora tão grande que, nos anos 1930, essas formas
invadiram os textos matemáticos.
Nos anos 1920-1930, por exemplo, os métodos operacionais desenvolvidos sobre a representação matricial
foram objeto de comunicações nos congressos e de publicações em todas as línguas. Isso fez com que a teoria das
Matrizes se tornasse uma teoria internacional, que participaria da reorganização do saber algébrico efetuada nessa
época com a elaboração da álgebra linear (BRECHENMACHER, 2006, p.7).
A representação matricial teve um impacto surpreendente no início do século XX, isso porque ela se destacou
numa época de estruturas baseadas em novas noções frequentemente qualificadas de abstratas e unificadoras, como
os Grupos, os Módulos e os Vetores. No entanto, o caráter unificador da teoria das matrizes nos anos 30 foi fundado
sobre práticas operacionais que, longe a ser abstraídas, foram associadas a uma forma de representação por imagens.
Por esta razão, o problema da história dos métodos matriciais frequentemente passou despercebido de
trabalhos históricos focalizados sobre as noções abstratas e estruturais da álgebra linear. A representação matricial, de
resto, frequentemente foi utilizada nos discursos históricos como uma representação inofensiva, natural, privada de
história, mudando esse status somente quando se tornaram realmente novas estruturas algébricas.

Conclusão

Avistamos, com esse breve levantamento da constituição histórica das matrizes, que essas foram se
desenvolvendo a partir da simplificação que propiciaram ao estudo dos determinantes, transformações lineares,
sistemas de equações lineares, na contribuição ao estudo da interseção entre cônicas e quádricas. Passaram de simples
imagens (que organizavam coeficientes em quadros retangulares) e tabelas a um objeto matemático da Teoria
Matricial.
Devido ao nosso limite textual, não pudemos detalhar cada parte desse desenvolvimento histórico, mas
priorizamos a parte central em que as matrizes se tornam uma estrutura algébrica que revolucionou a Matemática e
sua história.

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A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS ALGÉBRICAS

Dessa forma, cabe ressaltar que os conceitos matemáticos não são verdades absolutas e incontestes, que
descobrimos prontos (assim como são hoje), sem ter sua importância histórica. Esses conceitos têm sua trajetória, que
colabora com a trajetória de outros conceitos, que permite a evolução das nossas ciências.
Portanto, um dos propósitos significativos de se estudar a história dos conceitos é para enxergá-los não como
definitivos e acabados, mas como objetos à espera de nosso usufruto, na intenção de que em algum dia avancemos na
evolução desses mesmos.

Bibliografia
BOYER, Cari B. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide. 1. ed. São Paulo: Editora Edgard
Blücher Ltda, 1974.
__________. História da Matemática. Tradução Elza F. Gomide. 2. ed. São Paulo: Editora Edgard Blücher
Ltda, 1999.
BRECHENMACHER, F. Les matrices: formes de représentation et pratiques opératoires (1850-1930).
Centro Alexandre Koyré. CultureMATH – Site expert ENS Ulm /DESCO - 20/12/2006. Disponível em:
<http://www.dma.ens.fr/culturemath/histoire%20des%20maths/htm/Brechenmacher/matrices_index.htm>. Acessado
em: out/2016.
EVES, H. Introdução à história da matemática. Tradução: Hygino H. Domingues. Campinas: UNICAMP,
1997.
HIGHAM, N. Cayley, Sylvester, and early matrix theory. Manchester: The University of Manchester, jan.
2008.
LUCCAS, Simone. Abordagem histórico-filosófica na educação matemática: apresentação de uma proposta
pedagógica. Londrina, 2004. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Educação Matemática). Universidade
Estadual de Londrina. Londrina, 2004.
O’CONNOR, J.J.; ROBERTSON E.F. In Matrices and determinants. Disponível em: History Topics Index.
URL:<http://wwwhistory.mcs.standrews.ac.uk/history/HistTopics/Matrices_and_determinants.html>. Acessado em:
out/2016.

Késia Caroline Ramires Neves


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
UFMS –Campus de Ponta Porã - Brasil

E-mail: kesiaramires@hotmail.com

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UM HISTÓRICO EPISTEMOLÓGICO DAS MATRIZES

José Messildo Viana Nunes (IFPA/UFPA)


Fernando Cardoso de Matos (UFPA)

Neste artigo relatamos resultados de uma investigação a partir de uma pesquisa de tese, que resultou do estudo em
obras originais de pesquisadores que construíram a ideia de Matrizes. Esse trabalho visou identificar e analisar a
epistemologia das Matrizes a partir da obra A memoir on the theory of matrices de Cayley. A história dos objetos
matemáticos nos permite reconstruir os processos matemáticos heurísticos para mostrar, que é um produto do
raciocínio humano no contexto sociocultural. Um estudo histórico epistemológico justifica-se para compreensão da
evolução e consolidação de objetos matemáticos no interior de condições culturais. Nesse sentido tais estudos podem
contribuir para um saber, transcendendo meros processos algorítmicos, pois de um modo geral o professor desconhece
o porquê de se estudar Matrizes por exemplo. Fizemos um amplo apanhado histórico em trabalhos sobre sistemas
lineares, estudados pelos matemáticos Maclaurin, Frobenius, Dodgbson e Euler para evidenciarmos uma reconstrução
racional para o estudo de Matrizes. As ideias partem desde a Geometria Analítica, a qual surge como um método de
se fazer matemática, pois transgredia a Geometria Euclidiana, já que haviam problemas que não poderiam ser
resolvidos com régua e compasso. Aparecem o estudo das curvas de Descartes e Fermat que desencadeia no estudo
de sistemas lineares. O trabalho de Euler estudava qualitativamente os sistemas lineares, assim como Frobenius que
trabalhava com os sistemas lineares homogêneos. A partir do estudo qualitativo dos sistemas lineares foi possível se
revelar a gênese das Matrizes e as operações com Matrizes, como revela a obra de Cayley. Logo se percebeu que
trabalhar com sistemas é o mesmo que trabalhar apenas com os seus coeficientes das equações do sistema, portanto a
abreviação de um sistema linear é gênese da ideia de Matrizes revelada por Cayley no século XIX. Concluímos que o
estudo qualitativo de sistemas nos permitiu compreender as ideias de adição, multiplicação matricial, portanto uma
técnica de resolução de sistemas que o método da substituição e eliminação, foi primordial para o surgimento da Teoria
das Matrizes.

Palavras-chave: História da matemática; Matrizes; Sistemas Lineares.

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SOBRE O CHRISTOPHORI CLAVII EPITOME ARITHMETICAE PRACTICAE (1614)

João Cláudio Brandemberg (UFPA) - brand@ufpa.br

Nesta comunicação fazemos uma apresentação do matemático jesuíta alemão Christoph Clavius (1537-1612) e uma
leitura dos quatro primeiros capítulos de seu livro Epitome Arthmeticae Practicae (1614), descrevendo aspectos das
operações elementares, seu estudo e a importância da aritmética no início do século XVII para o comércio, a
astronomia e até mesmo a geometria. Temos em Clavius, um professor, que além de sua modesta contribuição teórica
para a matemática, foi um de seus maiores promotores. Provavelmente, nenhum outro intelectual alemão do século
XVI fez mais do que ele para a promoção da matemática; principalmente, por sua influência no ensino da aritmética
e da álgebra e por sua participação na reforma do calendário gregoriano. Com relação à importância de seu trabalho
relacionada ao ensino de aritmética, consideramos o início de um novo estágio no desenvolvimento de notações e
algoritmos. Clavius trata de uma aritmética prática, para ser empregada, inicialmente, nas transações comerciais, uma
representação de receitas e despesas por uma lista de números e suas operações de adição e subtração para indicar os
acréscimos e as retiradas e esclarecendo o porquê destas circunstâncias, principalmente, na prestação de contas, tanto
na esfera pública quanto na privada. Uma ferramenta indispensável para o cálculo de impostos, evitando e
reconhecendo possíveis fraudes, que ele indica pela inclusão de múltiplos de nove. Segundo Clavius, a partir da
manipulação com os números e suas operações aritméticas, o homem encontra-se com a mente fresca e pronta para
começar a receber outros conhecimentos matemáticos que lhe venham a ser ensinados. Com seu texto ele deseja
proporcionar aos outros, leitores, o conhecimento aritmético e todas as suas vantagens. Enfim, seu trabalho se faz
importante na sistematização e divulgação do conhecimento matemático produzido em seu tempo, assim como, por
suas contribuições às notações, como o uso de sinais para as operações elementares.

Palavras-Chave: Aritmética; Matemática no século XVII; História da Matemática.

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MEDIDAS LINEARES NA HISTÓRIA, MEDIDAS LINEARES NOS LIVROS DA


ARITMÉTICA ESCOLAR NO BRASIL

Elenice de Souza Lodron Zuin


Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Brasil

Resumo

O Brasil adotou o sistema métrico decimal através da Lei 1157, promulgada em 1862 por D. Pedro II. Com a
necessidade de divulgar o sistema e os novos padrões, seria primordial que os livros de Aritmética inserissem
ilustrações dos mesmos. Para este estudo, apresento um breve histórico das medidas lineares e o resultado da análise
de livros de Aritmética, relativamente às medidas de comprimento, publicados após a adoção dos padrões decimais
no país. O recorte apresentado se fixou nas ilustrações de medidas lineares e na abordagem histórica, sobre os pesos
e medidas decimais, que os livros poderiam conter. Foram selecionados treze livros de Aritmética, de autores distintos,
publicados e/ou distribuídos, no Brasil, entre 1879 e 1926, destinados ao curso primário ou secundário. O período
fixado foi determinado em função dos livros que foram analisados, considerando-se a obra publicada mais próxima
do ano que foi sancionada a Lei 1157 e, a última, ainda dentro do período da Primeira República no Brasil. Foi
constatado que nem todos os livros traziam ilustrações com representações do metro ou do decímetro. A abordagem
histórica nem sempre era contemplada, sendo poucos os autores a indicarem que o sistema métrico havia sido
elaborado na França.

Palavras-chave: História da Matemática escolar, Sistema métrico, Medidas lineares.

LINEAR MEASURES IN HISTORY AND LINEAR MEASURES IN THE ARITHMETIC TEXTBOOK IN BRAZIL

Abstract

Brazil adopted the metric system through the Law 1157, promulgated in 1862 by Emperor Pedro II. To disclose the
system and the new standards, it was necessary that there were illustrations in Arithmetic textbooks. In this paper we
present a brief history of the linear measurements and the result of an analysis of length measures contained in those
textbooks, which were published after the adoption of the decimal system of measurement in Brazil. This analysis was
based on the illustrations of linear measures and in a historical approach of weights and measures, contained in thirteen
textbooks for Primary or Secondary schools published and/or distributed in Brazil between 1879 and 1913. The fixed
period was determined according to the textbooks analyzed – 1879 is associated to the work which was published
closest to the year of the approval of Law 1157 and 1926 inside the First Republic in Brazil. It was found that not all
the books had illustrations with representations of meter or decimeter. The authors did not always present a historical
content on the system of weights and measures, and only a few mentioned that the metric system was developed in
France.

Keywords: History of School Mathematics, Metric System, Linear Measurements.

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Elenice de Souza Lodron Zuin

Introdução

Dedicando-me a investigações sobre os pesos e medidas como saber escolar há vários anos, deparo-me com diversos
aspectos que ainda estão por ser estudados com mais minúcia. No presente artigo, faço uma breve menção à história
das medidas lineares para, a seguir, focalizar o tópico medidas de comprimento em livros da Aritmética escolar,
publicados após a adoção do sistema métrico decimal no Brasil.
Busquei verificar se os autores se preocupavam em apresentar abordagens históricas sobre os pesos e medidas
e se inseriam ilustrações das medidas de comprimento. Principalmente depois da oficialização do sistema métrico, era
imperativo que a população se apropriasse das novas medidas e as imagens nos livros seriam um recurso para que os
alunos, futuros cidadãos, tivessem um contato, pelo menos visual, com os novos padrões e, no caso específico do
nosso estudo, o metro. Havia uma determinação oficial e uma intencionalidade de cada autor dos compêndios. Como
aponta Chartier (1990), os livros com destinação escolar se configuram como um objeto em circulação e, neste sentido,
se torna um difusor de ideias e valores. Chervel (1990), um dos principais teóricos no campo das disciplinas escolares,
afirma que as mesmas “são o preço que a sociedade deve pagar à sua cultura para poder transmiti-la no contexto da
escola ou do colégio.” (p. 222). A história das disciplinas escolares tem relevância não apenas para a história da
educação, mas para a história cultural (CHERVEL, 1990).

Medidas lineares: pelos caminhos da História

A noção de distância é um conceito inerente a humanos e animais. As primeiras necessidades de se medir linearmente
objetos e determinadas distâncias não estão registradas em nenhum lugar. Concebe-se que os padrões de medida
surgiram antes da escrita. Acredita-se que, desde o Neolítico, algumas comunidades já lidavam com medidas de
comprimento (ALMAGRO-GORBEA, 2000). Ações e práticas sociais passaram de geração a geração, sofrendo, ou
não, adaptações ao longo dos tempos.
O certo é que, grupos humanos se valeram das medidas antropomórficas – relacionadas a partes do corpo –
uma forma inteligente, que está inserida na base do desenvolvimento das civilizações. “Pode-se constatar que
conceitos matemáticos, ainda que elementares, estão presentes quando o homem busca seus padrões de comparação.
Medindo, o homem mede a propriedade dos objetos.” (ZUIN, 2009, p. 9). E nascem as unidades fundamentadas em
pés, mãos, palmos, polegadas, braços, passos... Esse costume foi identificado em diversos grupos e civilizações e se
manteve por milênios.

“O pé, como medida linear, foi utilizado por diversos povos, sendo encontrados padrões que variam
entre 10 e 12 polegadas ou, ainda, 16 dedos. O padrão mais antigo dessa medida foi encontrado na
cidade de Lagash, Suméria, representado na estátua de Gudea 1, datada de 2050 a.C.,
aproximadamente. No regaço da estátua, existe uma régua equivalente à medida de um pé, dividida
em 16 partes (ou dedos) tendo um comprimento de cerca de 26 centímetros.” (ZUIN, 2009, p. 10).

Por volta do quarto milênio antes de Cristo, na região da Mesopotâmia e do Egito, existiam sistemas
ponderais. Almagro-Gorbea (2000, p.14) sinaliza que, tanto a civilização egípcia, como a mesopotâmica, tinham uma
economia de redistribuição, requerendo um sistema de mensuração fixo e este se estendeu, paulatinamente, pelo
Mediterrâneo Oriental chegando a Europa por volta do segundo milênio antes de Cristo.
A arbitrariedade inerente às medidas de comprimento e às demais, sob certas condições, não causava grandes
problemas. Havia peculiaridades regionais e locais. Se as medidas atendiam ao coletivo que as utilizava, a precisão
não era questionada, nem era uma prioridade.

1
Gudea foi governador de Lagash, antiga cidade da Suméria (Babilônia, posteriormente), no período de 2144 a.C. a 2124 a.C. (LEÓN,
2006).

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Anais do XII SNHM -2017
Medidas lineares na História, medidas lineares nos livros da Aritmética escolar no Brasil

Figura 1 - Tumba de Menna - XVIII dinastia - Sheikh Abd el Qurnah Necrópolis

Fonte: https://paulsmit.smugmug.com/Features/Africa/Egypt-Luxor-tombs/

Com o passar do tempo, alguns grupos fixaram as medidas lineares em um determinado padrão material;
feitas, por exemplo, de osso, madeira, pedra, metal. No antigo Egito, os estiradores de cordas ou agrimensores, com a
corda de 13 nós, demarcavam os terrenos de forma retangular e a corda também poderia servir como um padrão de
comprimento (figura 1).
O côvado era uma unidade de comprimento importante no Egito, sendo este materializado em uma régua
com subdivisões. Na régua-côvado egípcia (figura 2), são retratados um palmo, um dígito e as frações 1/2, 1/4, 1/5,
com as respectivas medidas que elas representam. São 7 palmos, cada um com 4 dígitos, o que perfaz 28 subdivisões.

Figura 2 - Régua-côvado egípcia

Local: Museo Egizio di Torino (Museu Egípcio de Turim, Itália)

Da antiga Mesopotâmia, além da já mencionada estátua de Gudea, com um padrão material em seu regaço,
há registro do côvado confeccionado em bronze, encontrado em Nipur. É notória uma estela de basalto, com o Código
de Hamurabi – dimensões 2,25 metros de altura e 1,90 metro de circunferência na sua base, datada de 1760 a. C. –
onde está representado o soberano Hamurabi (1728 - 1686 a.C.), que recebe do deus Shamash as referidas leis do
código (figura 3). Essa estela está exposta no Museu do Louvre, em Paris, e demonstra um padrão material para
medidas lineares.

Figura 3 – Detalhe da estela com o Código de Hamurabi

Fonte: Acervo do Museu do Louvre, França

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Elenice de Souza Lodron Zuin

Distância e tempo já estavam relacionados, na Pré-História da humanidade, no seio de algumas comunidades.


Longas distâncias eram mensuradas com o tempo. “Uma jornada e uma lua representavam a distância que podiam
percorrer em um dia de viagem ou em um mês lunar”. Um acre correspondia à “superfície de terra que uma junta de
bois podia arar em um dia.” (LEÓN, 2006, p. 68). Essas medidas ainda careciam de precisão, mas satisfizeram quem
as utilizava, por centenas de anos. Além disso, a formação do sistema medidas derivava de critérios subjetivos ou
empíricos “com uma lógica própria que noutros contextos poderia ser desprovida de significado.” (TUCCI, 1995, p.
239).
A Bíblia é uma fonte na qual podemos identificar, no Velho e no Novo Testamento, diversas medidas, entre
elas, as de comprimento, como jornada de um dia, estádio, vara, passo, cana, palmo, palmo menor, côvado e medida
de superfície, como a jeira.
Existiam medidas que encerravam uma conotação sagrada na sua constituição. Foram construídos crucifixos
cuja altura era igual a uma braça (medida dos braços abertos). Também existia a medida linear braça correspondente
à altura de Jesus Cristo; medidas derivadas das relíquias e imagens sacras eram usuais (TUCCI, 1995). Havia o
costume de medidas lineares serem gravadas no interior ou nas paredes externas de palácios e igrejas, servindo de
modelo para reproduções ou para simples verificação. O fato de uma medida estar atrelada às situações particulares
em igrejas, templos ou palácios, fazia com que ela galgasse outro patamar, tornando-se, em alguns casos, um objeto
de veneração.2 A religiosidade, as crenças fortaleciam a tradição e determinadas medidas permaneceram inalteradas
por várias gerações. O espírito de devoção foi um dos fatores responsáveis pela resistência às inovações e pela
manutenção de padrões considerados sacrossantos. Igualmente se impuseram estalões que derivaram de partes dos
corpos de vários soberanos em suas nações. A tradição, cultura, motivos sociais e/ou econômicos perpetuaram algumas
medidas (ZUIN, 2007).
Vários feudos e comunidades tinham seus próprios estalões, os quais podiam ser os únicos utilizados ou se
mesclarem com outros, oficiais ou não. Muitos países tentavam uma uniformização das medidas, porém, em geral,
não obtinham sucesso devido ao peso da tradição e cultura entre a população.
A multiplicidade de sistemas de medidas e a variabilidade de um mesmo padrão, em uma única região,
traziam alguns inconvenientes. A Revolução Francesa será o palco de tomadas de importantes decisões para a
metrologia mundial.

“Os abusos metrológicos se produziam em todos os países; a grande quantidade de medidas


diferentes para cada produto e o comércio entre as nações se via dificultado pela necessidade de
conversão das medidas; as subdivisões das medidas, por fim, eram complicadas e variáveis de uns
produtos e territórios a outros. Na nova era que sonhavam os revolucionários franceses, toda a
humanidade devia gozar das mesmas vantagens. A nova medida devia ser universal.” (ROS, 2000,
p. 39).

Um grupo de cientistas franceses ficou encarregado de elaborar um novo sistema de pesos e medidas. Depois
de diversas discussões, chegou-se à conclusão de que a nova unidade de comprimento seria derivada de uma medida
terrestre e, por conseguinte, invariável; o sistema seria decimal e todas as unidades teriam relação com a unidade de
longitude. Definiu-se que o novo padrão seria correspondente a 9,5° do meridiano que passava por Paris. As medições
tomariam como pontos, final e inicial, respectivamente, a cidade francesa de Dunkerque e o castelo de Montjuich, na
Espanha. O motivo desta escolha se pautava no fato de esses locais se situarem ao nível do mar, simplificando as
medições. Como o arco entre os dois pontos determinados ocupa 9,5º do quadrante, o qual corresponde a 90º, calcular-
se-ia proporcionalmente o comprimento pré-determinado. Anteriormente, a medição do meridiano que passa por Paris
havia sido efetuada; essa era outra grande vantagem, possibilitando que as duas medições fossem comparadas entre si
3
(ZUIN, 2009).

2
Em Portugal, Mattos (apud BARROCA, 1992) indica que havia uma medida linear gravada na igreja paroquial de Telões. Outras medidas, que
atualmente não são possíveis identificar, mas que foram registradas por alguns autores: a vara e o côvado, gravados no exterior da Igreja de São
João do Castelo e no Castelo da Lavandeira, em um silhar da capela-mor. Algumas medidas estariam gravadas no arco da porta principal das
muralhas de Vila Real, no castelo de Vide. Ainda hoje, pode-se identificar o côvado, gravado em uma pedra na Igreja Matriz do Concelho de
Sabugal; a vara, na fachada principal da Igreja Matriz de Resende; meio côvado, junto à porta do castelo de Penedono; côvado e palmo, em colunas
pequenas no portal da Igreja de Santa Marinha, em Moreira Rei; o côvado, na Igreja de São Miguel, na freguesia de Monsanto; a vara, na porta do
castelo de Alandroal, a vara e meia vara estão representadas na porta da Vila das muralhas de Monsaraz, entre outros (BARROCA, 1992).
3
“Em 1669, Jean Picard mediu a distância entre Paris e Amiens. Entre 1683 e 1715, os Cassini procederam a uma vasta triangulação
da França. E principalmente, em 1753, Nicolas-Louis de la Caille viajou até o cabo da Boa Esperança enquanto, em Berlim, Jerôme
de Lalande mirava as mesmas estrelas – para ao mesmo tempo calcularem o meridiano e a distância entre a Terra e a Lua. Mas a
comissão do metro decide proceder a novas medições. Escolhe o arco Dunquerque-Barcelona, como Cassini já fizera anteriormente,
e o divide em duas partes.” (CENDOTEC, 1990, p. 52).

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Anais do XII SNHM -2017
Medidas lineares na História, medidas lineares nos livros da Aritmética escolar no Brasil

A medição do arco do meridiano, desde Dunkerque a Barcelona, ficou sob a incumbência de Jean Baptist
Joseph Delambre (1749-1822) e Pierre François André Méchain (1744-1804) – um trabalho que durou anos. Apenas
em 29 de maio de 1793, foi apresentado o mètre – equivalente à décima milionésima parte do quarto do meridiano
terrestre que passa por Paris. Em 1790, o matemático Auguste-Savinien Leblond sugeriu o termo mètre – derivado do
latim “metru” e do termo grego “metron”, que se referem a “uma medida” e “medir”, respectivamente. Para os
submúltiplos, foram deliberados os prefixos latinos – déci, centi, milli – e, para os múltiplos, prefixos gregos – deca,
hecto, kilo. Pela lei de 7 de abril de 1795, instituiu-se o sistema métrico decimal em toda república francesa. Foi
confeccionado um novo metro padrão em platina.
No século XIX, vários países adotaram o sistema métrico decimal. O Brasil estava entre os primeiros países
a sancionarem uma lei, aprovando a substituição dos padrões antigos pelos padrões decimais no ano de 1862, assinada
por D. Pedro II. Com a Lei Imperial n. 1157, o sistema métrico passaria a ser ensinado nas escolas brasileiras. Esse
mesmo princípio ocorreu em países que adotaram o sistema métrico decimal e determinava-se a criação de um novo
saber escolar (ZUIN, 2007).

Medidas lineares nos livros de Aritmética após da adoção do sistema métrico no Brasil

Para este estudo, foram selecionados treze livros de Aritmética, de autores distintos, publicados e/ou distribuídos no
Brasil, entre 1879 e 1926, destinados ao curso primário ou secundário. O período fixado foi determinado em função
dos livros que foram analisados, considerando-se a obra publicada mais próxima do ano que foi sancionada a Lei
1157, de 1862 e, a última, ainda dentro do período da Primeira República no Brasil. Fixou-se a verificação da
abordagem histórica nos livros analisados, na perspectiva de averiguar se os autores indicavam o estabelecimento do
sistema métrico em terras francesas. Este fato se torna relevante, na medida em que, como um dos legados da
revolução, o sistema métrico trazia consigo toda uma carga política e ideológica. O metro era o seu maior
representante. Mesmo na França, a princípio, ocorreu uma rejeição ao novo sistema de pesos e medidas. No Brasil,
havia aqueles que não eram adeptos aos padrões decimais. Se os princípios iluministas e as idéias liberais circulavam
pela capital da Corte e em outras cidades brasileiras, também marcava lugar o segmento conservador no país. Um
modo de não atrelar o sistema métrico decimal à ideologia revolucionária francesa seria evitar discorrer sobre as
origens do novo sistema metrológico nos livros de Aritmética. Se as escolas não tinham os modelos dos padrões
decimais, as ilustrações nos livros seriam o meio mais fácil de veicular as medidas do sistema métrico. No quadro 1,
referente aos livros analisados, apresenta-se a inclusão, ou não, das ilustrações de medidas lineares e a
contextualização histórica, apontando a França como o berço do sistema métrico decimal.

Quadro 1 – Indicação da presença de abordagem histórica e ilustrações nos livros analisados

Ilustrações
Régu Metr Outros
OBRAS / AUTOR Ano Abordage a o aparatos
m 10 de medida
histórica cm linear
Arithmetica para meninos – José 1879 – – – –
Teodoro Souza Lobo – 5ª edição
Explicador de Arithmetica – 1880 X – X –
Eduardo de Sá Pereira de Castro –
5ª edição
Arithmetica prática das escolas 1888 X – – –
primárias - Felipe Nery Collaço
Arithmetica da Infância – 1890 – – – –
Joaquim Maria de Lacerda
Arithmetica Primaria – Antonio 1890 – X – –
Trajano – 12ª edição (?)
Curso Elementar de Matemática – 1892 – X – –
Arithmetica – Irmãos Reis – 2ª
edição
Arihmetica primária – Cezar 1902 – X – –
Pinheiro – 2ª edição
Noções de Arithmetica – 1905 – – – –
Francisco Marcondes Pereira – 2ª
edição

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Anais do XII SNHM -2017
Elenice de Souza Lodron Zuin

Arithmetica Elementar - Antonio 1910 X X – –


Monteiro de Souza – 4ª edição
Arithmetica Intuitiva: curso 1911 X X X X
comple-mentar – Olavo Freire –
3ª edição
Lições de Arithmetica – André 1913 – – X –
Perez y Marin
Arithmetica elementar – A. G. 1923 – X X X
Büchler – 3ª edição
Segunda Arithmetica – José 1926 – X X X
Teodoro Souza Lobo –25ª edição
Fonte: Elaborado pela autora

Teodoro Souza Lobo, um autor de grande expressão em termos da adoção de suas obras no Brasil, na 5ª
edição da sua “Arithmetica para meninos” não há qualquer ilustração ou abordagem histórica. No entanto, é relevante
mencionar uma de suas notas de rodapé:

“Se systema métrico fosse unicamente o que tem por base o metro, seria excusado e supérfluo
acrescentarem-se os adjectivos francez ou decimal, quando se diz – systema metrico francez,
systema métrico decimal. Portanto, estes dois adjectivos qualificativos servem para distinguir o
systema métrico que tem por base o metro, de qualquer outro systema métrico de base diversa.”
(SOUZA LOBO, 1879, p. 57).

Neste caso, Souza Lobo relaciona, de modo sutil, o sistema métrico à França, porém, em uma nota que não
teria grande relevância no cômputo geral do conteúdo. Por não ter uma indicação mais clara, o livro não foi
considerado na categoria histórica. O mesmo se dá para a 25ª edição da sua obra Segunda Arithmetica, publicada em
1926. Não há qualquer referência à França, embora, também em nota de rodapé, exista a menção de que o cálculo do
metro tomou por base a distância do pólo ao equador, empregando-se a toeza, sendo esta uma medida francesa, porém,
Souza Lobo não indica que esta medida era a antiga medida linear da França.
Os irmãos Aarão Reis e Lucano Reis, no seu livro Curso Elementar de Matemática – Arithmética, publicado
em 1892, inserem uma ilustração, em tamanho real, de uma régua de 10 centímetros. Eles se eximem de atrelar o
metro à França. Ao iniciarem o capítulo sobre o sistema métrico, enaltecem a invariabilidade dos padrões, a
uniformidade do sistema, a simplicidade da sua nomenclatura e a facilidade dos seus cálculos. Ao discorrerem sobre
a unidade de comprimento, indicam que:

“A unidade fundamental do systema é o METRO, grandeza invariavel e identica para todos os povos
e da qual se derivam todas as outras.
A terra é um corpo proximamente espherico, que gyra em redor de um eixo, o qual termina, d’um e
d’outro lado da superfície terrestre, em dous pontos chamados os pólos.
Por esses dous pólos podem-se fazer passar círculos que se chamam meridianos, os quaes são todos
eguaes entre si, e invariáveis de grandeza emquanto a terra conservar as dimensões que óra tem.
Os astrônomos mediram, por processos que fazem a gloria e demonstram a utilidade da sciencia, o
comprimento de arcos, ou porções, destes meridianos, de modo que se conhece rigorosamente a
extensão d’um meridiano inteiro. Tomou-se depois a quarta parte desse meridiano, cuja grandeza
já estava conhecida, e dividiu-se-a em 10 milhões de partes eguaes. Cada uma dellas é o metro. O
metro – é, pois, a décima-millionesima parte de um quarto do meridiano, isto é, da distancia do
pólo ao equador. Esta medida é fundada na natureza, é invariavel, e commum a todos os povos do
mundo.” (REIS & REIS, 1892, p. 647-648, grifos dos autores).

Diferentemente dos Irmãos Reis e de outros autores, na 5ª edição do seu Explicador de Arithmetica, Eduardo
de Sá Pereira de Castro, menciona claramente a França, apresentando o sistema métrico da seguinte forma:

“A grande vantagem deste systema introduzido em França em 1780 pelos sabios Lagrange,
Delambre, Borda e Mechain, consiste na facil, euphonica, e limitadissima nomenclatura, e na lei
decimal que exclusivamente rege a todas as subdivisões e composições de unidades maiores. Por
meio de processos e cálculos que não cabe aqui mencionar, medio-se a distancia do pólo ao

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Anais do XII SNHM -2017
Medidas lineares na História, medidas lineares nos livros da Aritmética escolar no Brasil

equador, dada pelo meridiano de Paris; dividio-se esta distancia em 10 milhões de partes, e a uma
dessas partes se chamou metro, que quer dizer medida, visto como semelhante grandeza ia servir
de base fundamental ao novo systema de medidas.” (CASTRO, 1880, p.128).

Curiosamente, a 4ª edição das Noções de Aritmética de Marcondes Pereira, publicada em 1910, traz
ilustrações de várias medidas, exceto as lineares. Entre os livros analisados, o de Olavo Freire, Arithmetica Intuitiva,
em sua 3ª edição, de 1911, é a que inclui mais ilustrações com as respectivas explicações sobre instrumentos de
medidas lineares: a régua de 10 centímetros, o metro de carpinteiro, a trena, a cadeia dos agrimensores, a qual se
constitui em um aparato dobrável, com a dimensão de um decâmetro ou, em alguns casos, de 20 metros. A 3ª edição
da Arithmetica de Büchler, publicada em 1923, inclui as imagens de um metro, um decímetro e uma trena indicando
os seus usos – nenhuma das ilustrações é retratada em tamanho natural. Datada de 1926, a 25ª edição da Segunda
Arithmetica, de Souza Lobo, integra, também, ilustrações do metro dobrável de carpinteiro em tamanho natural, de
uma trena e da cadeia métrica.

Considerações finais

A divulgação e apropriação do sistema métrico no Brasil foi um processo lento. Durante muitas décadas, a população
seguia utilizando as medidas antigas. As escolas se constituíam nas grandes aliadas do governo, auxiliando a difusão
dos padrões decimais e a sua utilização (ZUIN, 2007).
Os impressos escolares trazem consigo as marcas do que poderia ocorrer nas escolas, revelando traços do
passado educacional. As ilustrações, nos livros escolares, seriam de grande valia, no caso dos padrões decimais, pela
necessidade de apropriação da imagem dos mesmos, sendo esta uma forma de divulgação das novas unidades de
medidas entre os alunos, futuros cidadãos. A ilustração de uma régua em tamanho real, acrescida da informação de
que estava representada em dimensões naturais, é expressa apenas nos livros de Trajano (1890), dos Irmãos Reis
(1892); e de Souza Lobo (1926) em relação ao metro de carpinteiro. No livro de Olavo Freire (1911), apesar de as
imagens do decímetro e do metro de carpinteiro estarem em tamanho natural, não há uma indicação dessa
característica. Para a carência de figuras nos livros analisados, deve ser levado em conta o fato de as ilustrações terem
um custo adicional na confecção dos impressos, acrescido da precariedade de algumas tipografias.
O livro, um difusor de idéias e valores, como coloca Chartier (1990), traz, impresso nas suas páginas, mais
do que conhecimentos escolares. A não menção aos aspectos históricos do surgimento do sistema métrico decimal,
relacionando-o com a França, fica bem demarcada, sendo essa situação confirmada em nove dos treze livros
analisados. Uma forma, consciente ou inconsciente, de não colocar o metro como obra dos franceses e afastar qualquer
conotação política ou ideológica que esse vínculo fizesse pousar na voz dos mestres ou na cabeça dos infantes? Ou
ainda uma estratégia? Aqueles que fossem contrários ao regime francês, não veriam nenhuma alusão ao país
revolucionário nas páginas do livro e, deste modo, seria mais fácil a aceitação dos novos pesos e medidas. Um controle
sobre as práticas escolares e das informações que circulam dentro da sala de aula?

Bibliografia
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las Matemáticas. (Catálogo de exposición). Madrid: Senado, CEAMM. 13-20.
BARROCA, Mário Jorge. 1992. Medidas-padrão medievais portuguesas. In: Revista da Faculdade de Letras.
História, Porto, 2ª Série, v.9. 53-85.
CASTRO, Eduardo de Sá Pereira de. 1880 (2ª Ed.). Explicador de Arithmetica. Rio de Janeiro, Nicolao Alves.
BÜCHLER, G. A. 1923 (3ª Ed.). Arithmetica elementar. São Paulo, Melhoramentos. L.II.
CENDOTEC - Centro Franco-Brasileiro de Documentação Técnica e Científica. 1990. A revolução do metro.
Caderno Catarinense de Ensino de Física. v. 7, n. 1. 50-63
CHARTIER, Roger. 1990. Textos, impressos, leitura. In: CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e
representações. Lisboa, DIFEL.121-139.
CHERVEL, André. 1990. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. In: Teoria &
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FREIRE, Olavo. 1911 (3ª Ed.). Arithmetica intuitiva. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
LACERDA, Joaquim M. de. 1890. Arithmetica da Infancia. Rio de Janeiro, Garnier.

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Anais do XII SNHM -2017
Elenice de Souza Lodron Zuin

LEÓN, Fernando Puente. 2006. El pie de Gudea: nacimiento de la metrologia. In: Ciencias, Universidad Nacional
Autónoma del México, n. 81, enero/marzo. 68-71.
PARDO, José A. L. 1998. La revolución del metro. Madrid, Celeste Ediciones.
PEREIRA, Francisco Marcondes. 1905 (2ª Ed.). Noções de Arithmetica. Fortaleza, Militão Bivar (Typografia Aillaud
& Cia, Paris).
PEREZ Y MARIN, André. 1913. Lições de Arithmetica. São Paulo, Escolas Profissionais Salesianas.
PINHEIRO, Cezar. 1902 (2ª Ed.). Arithmetica primária. Belém, Livraria Moderna.
REIS, Aarão; REIS, Lucano. 1892. Curso elementar de matematica: Aritmética. Rio de Janeiro, Francisco Alves.
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de exposición). Madrid: Senado, CEAMM. 39-42.
SOUZA, Antonio Monteiro de. 1910 (4ª Ed.). Arithmetica Elementar. Rio de Janeiro, Typografia do Jornal do
Commercio, de Rodrigues & C.
SOUZA LOBO, José Teodoro. 1926 (25ª Ed.). Segunda Arithmetica. Porto Alegre, Barcelo Bertaso & Ca – Livraria
do Globo.
SOUZA LOBO, José Teodoro. 1879 (5ª Ed.). Arithmetica para meninos. Curitiba, Typographia da Deutsche Zeitung.
TRAJANO, Antonio. 1890 (?) (12ª Ed.). Arithmetica Primaria. Rio de Janeiro, Cia Typographica do Brasil.
TUCCI, Ugo. 1995. Pesos e medidas. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa, Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, v. 28.
233-277.
ZUIN, Elenice de Souza Lodron. 2009. Dos antigos pesos e medidas ao sistema métrico decimal. Belém: Sociedade
Brasileira de História da Matemática. v. 16.
ZUIN, Elenice de Souza Lodron. 2007. Por uma nova Arithmetica: o sistema métrico decimal como um saber escolar
no Portugal e no Brasil Oitocentistas. 318 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo. 2007.

Elenice de Souza Lodron Zuin


Instituto de Ciências Exatas e Informática – ICEI –
PUC Minas – Belo Horizonte – Brasil

E-mail: elenicezuin@gmail.com

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS MATEMÁTICAS ENTRE ADRIAAN VAN ROOMEN E


FRANÇOIS VIÈTE

Zaqueu Vieira Oliveira (Universidade de São Paulo) – z.zaqueu@usp.br

No campo da Sociologia da Ciência houve (e ainda há) um intenso debate que busca uma descrição da estrutura
científica moderna: Robert Merton e Bruno Latour são exemplos de estudiosos que publicaram pesquisas com este
objetivo. Mais especificamente no que se refere às práticas matemáticas do século XVI e XVII – período que nos
interessa – o trabalho de Catherine Goldstein é que se mostra importante ao considerar a rede de correspondentes de
Marin Mersenne como uma instituição – pois incorporou dezenas de matemáticos, produziu diferenças internas,
recompensou ou puniu determinadas práticas e impôs formas de produção e transmissão do conhecimento matemático.
Mesmo que uma Correspondência não esteja ligada a um lugar específico, que não tenha tido qualquer tipo de
reconhecimento oficial ou possuiu regras explícitas de funcionamento, ainda assim, a autora mostra que as polêmicas
e discórdias sobre os modos de se resolver problemas matemáticos e os desafios à inteligência dos interlocutores
podem ser justificativas para classificar este meio de produção científica como uma instituição. Na mesma direção,
este trabalho busca compreender as rotineiras controvérsias e desafios estabelecidos entre matemáticos dos séculos
XVI e XVII como uma instituição. Em um caso específico, Adriaan van Roomen e François Viète travam um intenso
debate em suas publicações da última década do século XVI evidenciando modos de se praticar e resolver problemas
matemáticos naquele tempo. A controvérsia se inicia através de um problema proposto por van Roomen em sua obra
Ideae mathematicae pars prima de 1593. O problema matemático em si não foi o estopim para a controvérsia, mas
sim uma listagem de matemáticos apresentada pelo autor no prefácio da obra e que não apresentou nenhum matemático
francês. O problema vai parar nas mãos de Viète quando um embaixador visita Henry IV e menciona a listagem ao
rei. Viète resolve prontamente ao problema de van Roomen e o desafia com outro problema matemático: o Problema
de Apolônio. Van Roomen publica sua solução, porém, sua resposta não é considerada válida por Viète, pois não
poderia ser construtível com régua e compasso. Estudos como esse mostram práticas “institucionalizadas” entre os
matemáticos ao longo da história. Neste caso, nas publicações impressas de van Roomen e de Viète há uma prática
dominada não somente pelos desafios e controvérsias relacionadas à matemática, o que gera questionamentos quanto
à qualidade e mérito dos trabalhos, mas também percebe-se que ocorrem provocações e ataques sobre diversos
assuntos não matemáticos.

Palavras-chave: Controvérsias na Ciência; Adriaan van Roomen; François Viète.

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SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO


SÉCULO XIX

Leandro Silva Dias


Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ-PEMAT – Brasil
Gérard Emile Grimberg
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ-PEMAT – Brasil

Resumo

O tema a cerca das superfícies ortogonais foi, desde os seus primeiros trabalhos, um dos mais brilhantes de Gaston
Darboux. Desde o período no qual se preparava para os exames das École Polytechnique e École Normale Supérieure,
Darboux se interessa pelo tema, possivelmente influenciado por seu mestre Joseph Louis François Bertrand, além de
Joseph Alfred Serret a quem Daurboux submete seu primeiro trabalho. Serret recebe o artigo de Darboux e publica
nos Comptes rendus hebdomadaires des séances de l'Académie des sciences (1864). Um fato inusitado, e que diz
muito acerca da coletividade deste tema, foi de Moutard (1864) publicar um artigo similar ao de Darboux. Como
Moutard publica no Buletin de la Societé Philomatique, seu artigo aparenta ser anterior ao de Darboux, pois Serret
leva alguns meses para apresentar o artigo de Darboux à academia. O caso levou Serret a publicar uma nota
esclarecendo que quando Moutard submete seu trabalho, o de Darboux já estava com ele para analise e publicação,
logo não seria possível que um tomasse conhecimento da publicação do outro. Estes fatos nos fazem perguntar: como
surge o interesse pelo tema na França do século XIX? Além disso, sinaliza o caso de uma prática matemática por este
período sobre o tema das superfícies ortogonais. Como agem os diversos autores sobre este tema na França? Como
chegou Darboux a este tema? Como avançam os desenvolvimentos da teoria neste período? São algumas de nossas
questões em nosso projeto de pesquisa. Pensando em esclarecer, usamos a metodologia da rede de textos de
Brechenmacher, destacando a prática matemática presente nos textos. Tomamos a periodização de 1813 a 1847,
utilizando como extremos os trabalhos de Dupin (1813) e Serret (1847). Por este período, a produção matemática no
tema é frutífera e propícia, pretende-se avançar nas analises dos diversos textos a fim de finalizar a rede de textos e,
com isso, responder as nossas questões iniciais, trazendo assim resultados relevantes à história da matemática.

Palavras-chave: Matemática, História, Darboux, superfícies ortogonais

ORTHOGONAL SURFACES: THE CASE OF A FRENCH COMMON PRACTICE OF THE NINETEENTH CENTURY

Abstract

The orthogonal surfaces topic was, since his earliest works, one of Gaston Darboux most brilliant piece. From the
period he was preparing for the École Polytechnique and École Normale Supérieure examinations, Darboux shows
interestet in the subject, possibly influenced by his master, Joseph Louis François Bertrand, in addition to Joseph
Alfred Serret to whom Daurboux submits his first work. Serret receives Darboux's article and publishes in the Comptes
rendus hebdomadaires des séances de l'Académie des sciences (1864). An unusual fact, and that says a lot about the
collectivity of this topic, Moutard (1864) publishes an similar article to that of Darboux. As Moutard publishes in the
Buletin de la Societé Philomatique, his article appears to preceed the Darboux’s piece, since Serret takes a few months
to present Darboux's article to the academy. The case led Serret to publish a note explaining that when Moutard
submits his work, the one of Darboux was already with him for analysis and publication, therefore it would not be
possible for one to take notice of the other’s publication. These facts induce some questions: how does the interest in

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Leandro Silva Dias & Gérard Emile Grimberg

the subject appear in nineteenth-century France? In addition, it signals the case of a mathematical practice for this
period on the subject of orthogonal surfaces. How do the various authors on this subject act in France? How did
Darboux get to this topic? How do the theory developments advance in this period? These are some of the questions
approached in this research project. In order to clarify, we use the Brechenmacher texts network methodology,
highlighting the mathematical practice present in the texts. We took the periodization from 1813 to 1847 as basis,
using the works of Dupin (1813) and Serret (1847) as extreme. During this period, the mathematical production among
the subject was fruitful and propitious, we intend to advance the analyzes of several texts in order to finalize the text
network and then answer our initial question, thereby introducing relevant results to the mathematics history.

Keywords: Mathematics, History, Darboux, Orthogonal Surface.

Introdução

Darboux publica o livro Sur une Classe Remarquable de Courbes et de Surfaces Algébriques et Sur la Théorie
des Imaginaires, em 1873. Como já diz o próprio título, este livro testemunha a cerca das práticas algébricas sobre
curvas e superfícies. Esta obra é um belo exemplo de como se desenvolveu uma abordagem analítica para as curvas e
superfícies, com uso do cálculo diferencial e, além disso, como esses métodos se difundiram na França, uma vez que
Darboux foi um matemático que conhecia as diversas práticas matemáticas de sua época, sejam as práticas britânicas,
sejam as práticas alemãs.
Acerca das pesquisas sobre as superfícies ortogonais, percebe-se uma grande contribuição para o tema em
Darboux (1873). Aliais, sua primeira publicação, Darboux (1865), nos Annales Scientifiques de l'École Normale
Supérieure, foi sobre as superfícies ortogonais, sendo também tema de sua tese de doutorado, de 1866. As superfícies
ortogonais já haviam sido estudas por diversos matemáticos franceses anteriores e contemporâneos a Darboux, como:
Dupin, Lamé, Bonnet, Serret, Bertrand, Laguerre, Mannheim, Moutard, dentre outros.
Nosso projeto de pesquisa possui algumas questões em aberto, como: o que levou Darboux a se interessar
pelas superfícies ortogonais? Como interagem os diversos trabalhos sobre este tema na França? Ou ainda, quais as
práticas matemáticas envolvidas neste tema?
Dupin (1813, p. 324) resalta a importância dos trabalhos de Monge na geometria analítica e sobre os estudos
das superfícies, em especial a obra Feuilles D’Analyse Appliquée a la Géométrie, que é fruto das notas de aula de
Monge na École Polytechnique. Os métodos de Monge, que utilizavam cálculo diferencial e as normais das superfícies
em seus estudos, influenciaram Dupin e muitos outros matemáticos no início do século XIX.
Para responder estas perguntas, partindo de Darboux (1873), o projeto de pesquisa que será brevemente
apresentado aqui, busca-se iniciar uma rede de textos que testemunha de uma prática comum na França, em torno das
superfícies ortogonais. Para este estudo, escolheu-se a periodização de 1813 a 1847, que retrata as primeiras
abordagens para as superfícies ortogonais. O ano de 1813 nos interessa devido ao trabalho de Dupin, que serviu de
referência ao longo do período, e 1847 a publicação de Serret que se mostra fundamental para entender como as
práticas se conectam.

Metodologia

Frédéric Brechenmacher chama de “rede de textos” um conjunto formado por trabalhos de diversos
matemáticos, num dado período, que compartilham de uma prática matemática comum. Brechenmacher (2006, p.8)
constrói uma rede de textos de diferentes matemáticos, a partir de um ponto inicial, que tratam de diferentes formas a
noção de matriz.
Já num outro artigo, Brechenmacher (2007, p.7) busca compreender através da pesquisa de rede de textos a
discussão a cerca da equação das pequenas oscilações, tomando desde 1766, Joseph-Louis Lagrange e seu trabalho
sobre a integração dos sistemas de equações diferenciais a coeficientes constantes, até 1874, com Camille Jordan e

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Anais do XII SNHM -2017
SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX

Leopold Kronecker, tratando sobre os fundamentos e métodos da teoria das formas binárias.
No caso do presente trabalho, vê-se que as superfícies ortogonais, num primeiro período de 1813 a 1847,
compartilham de uma prática matemática comum, o que permite o estabelecimento de uma rede de textos frutífera
para entender as relações existentes eles.
Nosso trabalho busca com isso “tecer” alguns “fios” desta rede de pesquisa na França e, com isso, esclarecer
um campo de pesquisa comum de alguns matemáticos franceses do meado do século XIX. A fim de poder entender
como se dá a prática de pesquisa sobre as superfícies ortogonais, foi necessário estudar o período de 1813 à 1847,
entre os trabalhos de Dupin (1813) e Serret (1847), passando por diversos matemáticos com várias questões e
contribuições sobre o tema. Como resultados iniciais de pesquisa, o presente trabalho apresenta alguns possíveis “fios”
do que se espera constituir uma rede de textos que testemunham de uma prática francesa do século XIX.

Dupin e Serret, 1813-1847

Pierre Charles François Dupin (1784-1873) foi aluno de Monge na École Polytechnique, se graduou em
engenharia naval em 1803. Uma das suas maiores contribuições foi o livro Développments dé géométrie, de 1813, que
trata da geometria diferencial das superfícies. Este livro influenciou a produção em geometria de diversos matemáticos
franceses do século XIX, principalmente no tema relativo às superfícies ortogonais.
Dupin (1813, p. 298) apresenta as condições para que duas superfícies do segundo grau tenham trajetórias
ortogonais. Ele inicia esta parte de sua obra apresentando a equação geral das superfícies do segundo grau, dados o
centro e os planos principais, como sendo:
𝑏 2 𝑐 2 𝑥 2 + 𝑎2 𝑐 2 𝑦 2 + 𝑎2 𝑏 2 𝑧 2 = 𝑎2 𝑏 2 𝑐 2 .
Daí ele faz as seguintes substituições:
𝑞𝑟 = 𝑎2 , 𝑝𝑟 = 𝑏 2 , 𝑝𝑞 = 𝑐 2 ,
obtendo, assim, uma forma mais simples da equação da superfície do segundo grau:
𝑝𝑞𝑟. 𝑝𝑥 2 + 𝑝𝑞𝑟. 𝑞𝑦 2 + 𝑝𝑞𝑟. 𝑟𝑧 2 = 𝑝𝑞𝑟. 𝑝𝑞𝑟,
ou, simplesmente:
(S) 𝑝𝑥 2 + 𝑞𝑦 2 + 𝑟𝑧 2 = 𝑝𝑞𝑟.
A equação do plano tangente à superfície (S), num ponto (X, Y, Z) é dada por:
(T) 𝑝𝑥𝑋 + 𝑞𝑦𝑌 + 𝑟𝑧𝑍 = 𝑝𝑞𝑟.
Então, Dupin toma outra superfície do segundo grau, concêntrica à superfície (S), possuindo os mesmos
planos coordenados por planos principais, representada por:
(∑) 𝜋𝑥 2 + 𝜙𝑦 2 + 𝜓𝑧 2 = 𝜋𝜙𝜓,
e a equação do plano tangente a esta superfície num dado ponto, como sendo:
(Θ) 𝜋𝑥𝑋 + 𝜙𝑦𝑋 + 𝜓𝑧𝑍 = 𝜋𝜙𝜓.
Considerando 𝛼, 𝜁, 𝜈 os três eixos de (∑), tem-se então que:
𝜙𝜓 = 𝛼 2 , 𝜋𝜓 = 𝜁 2 , 𝜋𝜙 = 𝜈 2 .
Então Dupin exprime a primeira condição de ortogonalidade entre as superfícies:
Expressamos agora que as superfícies (S) e (∑) se intersectam em ângulos retos em toda a extensão da sua
intersecção. Será suficiente para tal que a expressão de seus planos tangentes (T) e (O), no mesmo ponto x, y, z,
intersectam em ângulos retos. Ou, sabemos que para completar tal condição, que a soma dos produtos, dois a dois,
dos coeficientes correspondentes de x, y, z é zero, teremos esta equação condição. (DUPIN, 1813, p. 299, tradução
nossa1)
A equação da qual Dupin fala é a seguinte:
𝑝𝜋𝑥 2 + 𝑞𝜙𝑦 2 + 𝑟𝜓𝑧 2 = 0,
que deve possuir todos os pontos comuns entre as superfícies (S) e (∑). Esta é a primeira condição apresentada

1
Exprimons maintenant que les surfaces (S) et (E) se coupent à angle droit dans toute l'étendue de leur intersection. Il suffira pour cela d'exprimier
que leurs palns tangents (T) et (O), en un même point x, y, z, se coupent à angle droit. Ou, on sait qu'il faut pour remplir une telle condition, que la
somme des produits, deux à deux, des coefficients correspondants de x, y, z soit égale à zéro: on aura donc cette équation de condition

261
Anais do XII SNHM -2017
Leandro Silva Dias & Gérard Emile Grimberg

para garantir que duas superfícies do segundo grau sejam ortogonais.


Dupin (2013) apresenta os diversos casos de ortogonalidade entre duas ou três superfícies do segundo grau,
com diversas aplicações e demonstrações. Já na seção 2, Dupin (2013, p. 322) apresenta as condições para superfícies
de qualquer grau sejam ortogonais por meio de sistemas de equações diferenciais de primeira e segunda ordem. Daí a
teoria ganha aspectos gerais que são retomados por diversos matemáticos do período, dentre os quais Serret (1847).
Serret (1847) apresenta a teoria de seu artigo também fazendo uso dos métodos apresentados por Dupin,
como o uso de sistemas de equações diferenciais parciais. Na introdução cita um artigo de Bouquet (1846) dizendo:
Em nota publicada no último tomo desta série, o Sr. Bouquet, professor da Faculdade de Ciências da Lyons,
se propôs a demonstrar que uma família de superfícies representadas por uma equação, onde entra um parâmetro não
especificado, não pode sempre ser considerada como uma das famílias de um sistema de três superfícies ortogonais.
(SERRET, 1847, p. 241, tradução nossa 2)
Bouquet publicou no Journal de Mathématiques Pures et appliquées, em 1846, o artigo Note sur les surfaces
orthogonales que Serret cita em sua introdução. Somente neste periódico, ainda existem mais quatro artigos, dentre
os quais: Lamé (1838, 1843), Bertrand (1844) e Bonnet (1849) 3, que ainda serão analisados.

Nova geração de pesquisadores, Darboux e Moutard

Darboux submete um artigo para Serret que foi publicado nos Compte Rendu des séances de l’Académie des
Sciences, de título Remarques sur la théorie des surfaces orthogonales, em 1864. Darboux inicia sua produção
acadêmica sobre um tema que ele não abandona durante sua vida, vindo a produzir a sua obra mais extensa sobre este
tema nos seus Leçons sur les Systèmes orthogonaux et les Coordonnées curvilignes, de 1910.
Pelo mesmo período, Moutard publica seu artigo no Buletin de L’Associeté Philomatique, com os mesmos
resultados de Darboux, porém antes da publicação nos Compte Rendu por Darboux, recebido por Serret. Serret publica
uma nota dizendo que Darboux já havia enviado seu trabalho, sendo que devido seus afazeres demora a publicar nos
Compte Rendu des séances de l’Académie des Sciences. Darboux faz questão de publicar na integra a nota de Serret,
buscando esclarecer possíveis mal entendidos. Esta publicação similar de Moutard e Darboux sinaliza o quanto o
tema, superfícies ortogonais, foi amplamente pesquisado pelos matemáticos franceses no século XIX, constituindo
um tema comum no ensino daquele período.

Algumas pistas de pesquisa

Considerar as superfícies ortogonais na periodização de 1813 a 1847 surgiu a partir dos questionamentos a
cerca da prática matemática observada em Darboux (1873) e do caso da publicação de artigos similares sobre este
tema entre Darboux e Moutard.
Os aspectos iniciais estudados sinalizam a importância do livro de Dupin (1813), como ponto inicial de uma
prática matemática atrelada ao tema das superfícies ortogonais. De 1813 a 1847, há diversos textos publicados nos
periódicos franceses sobre o tema, nossa pesquisa avançará por destacar as características subjacentes a cada um deles,
trazendo novas informações à rede de textos deste período.

Bibliografia
BRECHENMACHER, F. Les matrices: formes de représentation et pratiques opératoires (1850-1930).
CultureMATH – Site expert ENS Ulm / DESCO - 20/12/2006. Disponível em:

2
Dans une Note, publiée na tome précédent de ce Recueil, M. Bouquet, professeur à la Faculté des Sciences de Lyon, s’est proposé de démontrer
qu’une famille de surfaces représentée par une équation, où entre un paramètre indéterminé, ne peut pas toujours étre considerée comme l’une des
familles d’un système triple de surfaces orthogonales.
3
Lamé: Note sur des Intégrales définies, déduites de la théorie des surfaces orthogonales (1838) e Mémoire sur les surfaces orthogonales et
isothermes (1843) ; Bertrand : Mémoire sur les surfaces isothermes orthogonales (1844) e Bonnet : Sur les surfaces isothermes et orthogonales
(1849).

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Anais do XII SNHM -2017
SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX

<http://www.math.ens.fr/culturemath/histoire%20des%20maths/htm/Brechenmacher/ matrices_index.htm >.


Acessado em: 10/2012.
BRECHENMACHER, F. L'identité algébrique d'une pratique portée par la discussion sur l'équation à l'aide de laquelle
on détermine les inégalités séculaires des planètes (1766-1874). Sciences et Techniques en Perspective, s. 2, fasc. 1,
2007, p. 5-85.
DARBOUX, G. Sur une Classe Remarquable de Courbes et de Surfaces Algébriques et Sur la Théorie des
Imaginaires. Paris : Gauthier-Villars, 1873. 340 p.
DUPIN, P. C. F. Développments dé géométrie. Paris : Mme. V e. Courcier, imprimeur-libraire pour les
mathématiques, 1813, 573 p.
SERRET, J. A. Mémoire sur les surfaces orthogonales. Journal de mathématiques pures et appliquées, 1re série,
t. 12, 1847, p. 241-254.

Leandro Silva Dias; Gérard Emile Grimberg


Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática –
UFRJ-PEMAT – campus Rio de Janeiro, Ilha do
Governador - Brasil

E-mail: leandro.dias@ifrj.edu.br;
gerard.emile@terra.com.br

263
Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

SUPERFÍCIES MÍNIMAS: DE DIDO ÀS PESQUISAS NO BRASIL

Fernanda Alves Caixeta, Tânia Maria Machado de Carvalho


Univeridade Federal de Uberlândia – UFU – Brasil

Resumo

O presente texto é um recorte do projeto de iniciação científica da primeira autora, desenvolvido no curso de graduação
em matemática da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal - FACIP da Universidade Federal de Uberlândia - UFU.
É apresentado um estudo acerca do contexto histórico das superfícies mínimas e como estas se relacionam com a área
da Geometria Diferencial de modo geral. É dada ênfase aos pesquisadores que, de alguma forma, contribuíram com o
desenvolvimento de ideias que culminaram no progresso da extensa teoria hoje existente nas pesquisas atuais
referentes às superfícies mínimas. Dar-se-á especial importância à relação entre problemas de minimização de áreas e
o surgimento do cálculo variacional. Os referenciais consultados, por meio de uma investigação qualitativa de caráter
bibliográfico, demonstram a importância da representação de Weierstrass no desenvolvimento das teorias atuais e o
surgimento das pesquisas sobre superfícies mínimas no Brasil.

Palavras-chave: História das Superfícies Mínimas; Representação de Weierstrass; Problemas Variacionais.

MINIMUM SURFACES: FROM DIDO TO RESEARCH IN BRAZIL

Abstract

The present text is a cut of the first author's scientific initiation project, developed in the undergraduate course in
mathematics of the Faculty of Integrated Sciences of Pontal - FACIP of the Federal University of Uberlândia - UFU.
A study is presented on the historical context of minimum surfaces and how these relate to the area of Differential
Geometry in general. Emphasis is placed on researchers who have contributed in some way to the development of
ideas that culminated in the progress of the extensive theory that exists today in the current researches on minimum
surfaces. Special importance will be given to the relationship between problems of minimization of areas and the birth
of the calculus of variations. The references consulted, through a qualitative research of bibliographic character,
demonstrate the importance of Weierstrass representation in the development of the current theories and the
appearance of the research on minimum surfaces in Brazil.
Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

Introdução

Neste trabalho traça-se uma linha histórica das ideias que levaram ao vasto campo de pesquisas que é hoje o tema
superfícies mínimas. Busca-se traçar um panorama cronológico e apresentar as ideias sem muito formalismo
matemático, de forma que o texto seja acessível a leitores que tenham curiosidade sobre o tema, mas que não possuam
elevado conhecimento matemático. Demonstra-se que a história do surgimento das superfícies mínimas se confunde
com a história das bases da Geometria Diferencial. Iniciamos o texto com a lenda de Dido, que teria dado origem aos
primeiros questionamentos sobre problemas de minimização de área, e a partir daí, traçamos uma trajetória que passa
por grandes nomes como Euler, Lagrange, Meusnieur, Bour, Monge, Weierstrass, Gauss e os brasileiros Celso Costa
e Manfredo Perdigão do Carmo.

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Fernanda Alves Caixeta & Tânia Maria Machado de Carvalho

A execução do presente trabalho foi motivada por uma pesquisa de iniciação científica, cujo objetivo era
estudar a família de superfícies mínimas de Bour por meio da representação de Weierstrass. A partir desta pesquisa
originou-se o interesse em conhecer um pouco mais o contexto histórico das superfícies mínimas. Nessa perspectiva,
este trabalho tentará apresentar uma trajetória histórica destas superfícies por meio dos exemplos mais conhecidos.

O problema de Dido

A cidade de Cartago situada na costa do Mediterrâneo, norte da África, segundo a lenda, foi fundada por uma rainha
de nome Dido (acredita-se que Dido data de 850 a.C.). Em sua obra Dicionário de mitologia grega e romana, o
historiador e latinista francês Pierre Grimal (1912-1996) escreveu:

(...) Em seguida, os emigrantes rumaram à África, onde foram bem recebidos pelos
indígenas. Estes permitiram a Dido, que lhes pedia uma terra para se estabelecer, que
tomasse “tanta quanto pudesse conter-se em uma pele de boi”. Dido cortou uma pele de
boi em tiras muito finas e obteve assim um fio comprido com que circundou um território
bastante vasto. Os indígenas, obrigados a respeitar a promessa feita, concederam-lhe a
terra dessa forma delimitada. (GRIMAL, 1993. P. 119).

Segundo a lenda, Dido teria abarcado com a tira de pele de boi, um terreno de formato semicircular na costa
do mediterrâneo, ao norte da África. Isto indicaria que, de alguma forma, os gregos tinham conhecimento de que o
círculo é a curva cujo perímetro engloba a maior área. A lenda deu origem ao problema de Dido (como ficou
conhecido), o qual consiste em encontrar, dentre todas as curvas planas de um dado perímetro, aquela que engloba a
maior área. Problemas que buscam a melhor solução possível sob condições preestabelecidas, são hoje conhecidos
como problemas de máximos e mínimos.

Ideias que levaram ao desenvolvimento da teoria de superfície mínimas

Nos séculos XVI, XVII e XVIII grandes matemáticos se ocuparam de problemas desta natureza: Galileu Galilei (1564-
1643), Isaac Newton (1643-1727), os irmãos Johann Bernoulli (1667-1748) e Jacob Bernoulli (1654-1705), Leonhard
Euler (1707-1783) e Joseph Louis Lagrange (1736 - 1813). Questionamentos envolvendo problemas de máximos e
mínimos contribuíram com o surgimento de muitas das áreas da matemática que conhecemos hoje, como a Otimização
e o Cálculo Variacional, e criaram as bases para o surgimento das teorias de curvas e superfícies no espaço
tridimensional.
Johann Bernoulli, em 1696, lançou na revista Acta Eruditorum, o desafio de encontrar a forma da curva, ao
longo da qual, uma partícula, inicialmente em repouso em um ponto A, desliza até um ponto B (com altura inferior à
do ponto A) em tempo mínimo, considerando-se apenas a ação da gravidade. Este problema ficou conhecido como o
problema da braquistócrona, do grego brakhisto (o mais curto) e chronos (tempo). Vários matemáticos da época se
debruçaram sobre este desafio, porém, a solução do problema foi publicada por Jacob Bernoulli (1654-1705), irmão
de Johann, em 1697. A curva que soluciona o problema (a braquistócrona) é denominada ciclóide. Esta curva pode
ser gerada por meio da trajetória de um ponto de uma circunferência, que rola (sem deslizar) por uma reta, formando
um arco, cujo comprimento é a medida da circunferência retificada.
Antes de prosseguir, precisamos entender o conceito de funcional, hoje muito conhecido no campo da
matemática, mas que, na época destes matemáticos, ainda era de difícil entendimento. Um funcional é, grosso modo,
uma função cujos elementos do domínio é um espaço vetorial e a imagem está contida no corpo dos números reais.
Pode-se considerar o espaço vetorial do domínio como sendo um espaço de funções de uma ou mais variáveis, e, nesse
sentido, podemos dizer que um funcional é uma correspondência que associa a cada função pertencente a uma classe
específica, um único número real. Funcionais são ferramentas muito úteis em situações nas quais os pontos, que são
objetos geométricos, são substituídos por funções, as quais podem caracterizar curvas ou superfícies.

265
Anais do XII SNHM -2017
Superfícies Mínimas:de Dido às pesquisas no Brasil

Os matemáticos Euler e Lagrange, entre outras grandes contribuições à matemática (e à física),


desenvolveram ferramentas que permitiam lidar com funcionais. Isto levou alguns autores a atribuem a ambos a
criação do que hoje conhecemos como cálculo variacional. As contribuições de Euler e Lagrange foram fundamentais
para o desenvolvimento da teoria de superfícies.
Euler estudou com Johann Bernoulli (1667-1748) na universidade de Basiléia, completando os estudos aos
15 anos de idade. Em 1774, deduziu uma equação diferencial que resolvia o problema de minimizar funcionais de
uma variável do tipo f = f(x, y, 𝑦𝑥 ), onde y é uma função de x e 𝑦𝑥 indica a derivada de y em relação a x. Este tipo de
equação, envolvendo derivadas, e cuja solução resulta em uma função, é denominada equação diferencial.
A ideia de determinar soluções de minimização de áreas e superfícies, foi interpretada por Euler como sendo
um problema de encontrar pontos estacionários de um funcional (onde 𝑓 é uma função de 𝑥 ), calculando-se a variação
do funcional associada a variação da função 𝑓. A solução deste problema, apresentada por Euler, pode ser descrita
pelas soluções da equação diferencial.

Com esta equação, Euler resolveu o difícil problema de determinar a superfície com menor área, que pode
unir dois círculos paralelos e perpendiculares a um eixo comum, passando pelos dois centros. A solução deste
𝜕𝑓 𝜕𝑓 𝑥𝑦𝑥
problema é encontrada tomando =0 𝑒 = , na equação de Euler. A solução y = a arcosen(x) + b, onde
𝜕𝑦 𝜕𝑦𝑥 √1+𝑦𝑥 2

b é a constante de integração, é a equação de uma curva plana denominada catenária, a qual, quando girada em torno
do eixo z, gera um catenóide, que é a superfície de área mínima unindo os dois círculos paralelos.
Lagrange, em 1760, reformulou os resultados de Euler e estendeu o processo para funções de duas variáveis,
a fim de encontrar curvas ou superfícies que minimizassem quantidades como área, energia, velocidade, dentre outras
grandezas. Para tal, Lagrange determinou uma função relacionando energia cinética e energia gravitacional, dada por
𝐿 = 𝑇 − 𝑉, onde 𝑇é a energia cinética (energia que um corpo possui quando está em movimento) e 𝑉a energia
potencial gravitacional (aquela que um corpo possui quando está situado a uma determinada altura da superfície da
Terra).
Lagrange observou a simples situação de uma pedra de massa m, em queda livre de uma altura h, partindo do repouso,
no instante t=0.
𝑡
O menor valor da integral 𝑆 = ∫0 𝐿𝑑𝑡, calculada entre o instante inicial t=0 e o instante final t, culmina o
menor valor possível, otimizando a variação da velocidade da pedra durante a queda livre. O valor obtido por esta
integral, entre dois intervalos 𝑡1 e 𝑡2 , é denominado ação S do sistema nesse intervalo de tempo. Quando a integral
atingir o menor valor possível, fica então determinado o Princípio da ação mínima. A partir da integral S, obtém-se a
equação na forma geral.

𝑑 𝜕𝐿 𝜕𝐿
( )− = 0, 𝑘 = 1, … , 3𝑁 (2)
𝑑𝑡 𝜕𝑞̇ 𝑘 𝜕𝑞𝑘

onde 𝑞𝑘 é a posição de uma partícula em qualquer sistema de coordenadas e o ponto denota derivação em relação a t.
Esta equação é denominada equação de Euler- Lagrange, uma vez que, juntamente com Lagrange, Euler contribuiu
com significativos resultados.
Com o intuito de ilustrar e exemplificar o método por ele criado, Lagrange propôs o seguinte problema:
“Dada uma curva fechada, sem auto - intersecções, encontrar a superfície de área mínima que tem esta curva como

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Fernanda Alves Caixeta & Tânia Maria Machado de Carvalho

fronteira”. Lagrange estudou o caso em que as superfícies descritas no problema acima, são vistas como gráficos de
funções diferenciáveis 𝑧 = 𝑓(𝑥, 𝑦). Então, encontrar uma superfície de área mínima, conhecida a sua fronteira,
equivale a encontrar uma função f(x,y) que satisfaça a equação de Euler- Lagrange. A primeira solução encontrada
por Lagrange foi a classe das funções da forma 𝑓(𝑥, 𝑦) = 𝑎𝑥 + 𝑏𝑦 + 𝑐, com a, b, c constantes. Ou seja, o plano,
trivialmente, foi o primeiro exemplo de superfície mínima determinada por meio de soluções da equação de Lagrange.
Alexis Clairaut (1713-1765) e Gaspard Monge (1746-1818) deram importantes contribuições ao estudo das
curvas espaciais. Monge inspirou-se nos trabalhos de Euler sendo considerado por muitos autores, o pai da geometria
diferencial, e foi também o criador da geometria descritiva. Com sua obra "Sur les surfaces developpées, les rayons
de courbure et les différents genres d’inflexions des courbes à doublé courbure " (1785), foi, talvez, o primeiro a
abordar os conceitos de curvatura e torção de uma curva espacial. 1
Monge estudou também as linhas de curvatura e mais tarde aplicou suas teorias de curvatura ao estudo das
superfícies quádricas, desenvolvendo uma teoria das superfícies. Monge foi muito hábil em traduzir equações
diferenciais parciais em uma linguagem geométrica.
Menos conhecido, o matemático, engenheiro e militar Jean Baptiste Marie Charles Meusnier de La Place
(1754 - 1793), também teve um importante papel no desenvolvimento do estudo das superfícies. Meusnier apresentou
estudos sobre as curvas obtidas pela intersecção da superfície com um plano ortogonal ao plano tangente (plano
normal). Estas curvas são conhecidas como seções planas da superfície.
Euler também dedicou grande atenção ao estudo das seções planas da superfície, e, em 1760, introduziu os
conceitos de curvaturas principais (k1 e k 2 ) e curvatura média H, que é a semi-média das curvaturas principais, isto
𝑘1 + 𝑘2
é, 𝐻 = . Porém, foi Meusnier, em 1776, que estabeleceu uma relação entre a expressão de H e a equação de
2
Euler- Lagrange, mostrando que esta última podia ser interpretada na forma

3
(1 + 𝑓𝑦2 )𝑓𝑥𝑥 + 2𝑓𝑥 𝑓𝑦 𝑓𝑥𝑦 + (1 + 𝑓𝑥2 ) = 2𝐻(1 + 𝑓𝑥2 + 𝑓𝑦2 )2 (3)

Com essa nova caracterização, uma superfície passou a ser dita mínima, se, e somente se, H=0. Ainda em 1776,
Meusnier encontrou novos exemplos que satisfaziam a condição H=0, sendo eles o Catenóide e o Helicóide. Vale
observar que Euler já havia obtido esta mesma solução por meio de sua equação diferencial. O Catenóide possui uma
propriedade adicional de ser a única superfície mínima de rotação até então conhecida. O Helicóide é uma superfície
regrada, que pode ser obtida considerando uma hélice inscrita em um cilindro circular reto, de tal forma que, para cada
ponto da hélice passe uma reta perpendicular ao eixo do cilindro.
Na tentativa de aprimorar os estudos de Lagrange, referentes ao problema proposto, o físico belga Joseph
Antonie Ferdinand Plateau (1801–1883) apresentou experimentos estabelecendo uma conexão entre as superfícies
mínimas e as películas de sabão. Plateau percebeu que as superfícies mínimas eram aquelas que podiam ser obtidas
mergulhando uma moldura formada por um arame em uma solução de água e sabão, e, em seguida, retirando-a
cuidadosamente, obtendo-se uma película de sabão cuja fronteira era o arame. A partir de experimentos, Plateau obteve
uma generalização do problema proposto por Lagrange, mostrando a existência de superfícies de área mínima que não
dependiam da existência de uma curva fechada como fronteira. Com isso, o problema de encontrar superfícies mínimas
ficou conhecido como Problema de Plateau.
Em um texto de Euler acerca da teoria de superfícies pode-se ler a frase:“Et quia per naturam superficierum
quaelibet coordinata debet esse functio binarium variabilium”, (Euler,vol i, p.494). A tradução desta frase seria algo
como:“E que, pela natureza da superfície, cada uma das coordenadas deve ser uma função de duas variáveis”. Isso
mostra que Euler tinha conhecimento de que as coordenadas (x,y,z) dos pontos de uma superfície podem ser descritas
por funções de duas variáveis independentes. Porém Euler não deu sequência a esta idéia. Atribui-se ao Johann Carl

1
A torção de uma curva espacial em um ponto, é, grosso modo, a medida do quanto a curva se afasta do plano osculador numa vizinhança daquele
ponto; as curvas planas têm torção nula. Os conceitos de curvatura de uma curva plana e de círculo osculador já eram conhecidos por Newton e
Leibniz.

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Anais do XII SNHM -2017
Superfícies Mínimas:de Dido às pesquisas no Brasil

Friedrich Gauss (1777 - 1855), o desenvolvimento da teoria de superfícies dentro deste contexto, estabelecendo as
bases para a Geometria Diferencial que conhecemos hoje.
Durante 59 anos o plano, o Catenóide e o Helicóide, foram as únicas superfícies mínimas conhecidas.
Somente em 1835, o matemático alemão, Scherk (Alemanha, 1798 - 1885) apresentou um novo exemplo, a superfície
de Scherck, que é uma superfície periódica. A ideia de Scherck para chegar a essa superfície foi supor que a solução
f da equação (3) fosse uma função do tipo f(x, y) = g(x) + h(y).

A representação de Enneper – Weierstrass

O matemático Alfred Enneper (Alemanha,1830 - 1885), em 1864, apresentou um novo exemplo de superfície mínima,
conhecida como superfície de Enneper.
Com os estudos do matemático Karl Wilhelm Theodor Weierstrass, (Alemanha, 1815 - 1897), a teoria de
superfícies mínimas contou com um significativo avanço. Weierstrass desenvolveu uma fórmula para se encontrar
novos exemplos de superfícies mínimas. Em 1866, ele encontrou uma solução geral para a equação de Euler –
Lagrange, conhecida como Representação de Weierstrass, (e mais tarde como Representação de Enneper-
Weierstrass, pois ambos teriam chegado, de forma independente, à fórmula por métodos diferentes). Atualmente esse
é o método mais satisfatório para obtenção de novos exemplos de superfícies mínimas, apesar de não ser uma tarefa
fácil. Apresentamos a seguir um resumo da representação de Weierstrass. Estudos mais detalhados sobre essa
representação podem ser encontrados nas referências FREITAS e CARVALHO, 2015 e CARMO, 2004.
Considere duas funções holomorfas f(Υ) e 𝑔(Υ), em um domínio complexo D. Então (𝑥, 𝑦, 𝑧), dados pelas
expressões a seguir representam parametricamente uma superfície mínima S.

𝑦 𝑦 𝑦
1 1 1
𝑥 = 𝑅𝑒 ∫ (1 − 𝑔2 )𝑓𝑑Υ; 𝑦= 𝑅𝑒 ∫ 𝑖(1 + 𝑔2 )𝑓𝑑Υ ; 𝑧 = 𝑅𝑒 ∫ 𝑔𝑓𝑑Υ
2 𝑦0 2 𝑦0 2 𝑦0

Evidentemente as superfícies mínimas exemplificadas anteriormente podem ser obtidas por meio da
representação de Weierstrass, uma vez definidas as funções holomorfas f e g. Assim, considerando 𝑔 = Υ; com Υ =
𝑒 𝑧 , 𝑧 = 𝑢 + 𝑖𝑣 ∈ ℂ, é possível obter as seguintes superfícies mínimas:
1
Catenóide: 𝑓(Υ) = 𝑒 𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚𝐷 ⊂ ℂ − {0};
Υ2
𝑖
Helicóide: 𝑓(Υ) = 𝑒 𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 ⊂ ℂ − {0};
Υ2
4
Scherk:𝑓(Υ) = 𝑒𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 = {Υ ⊂ ℂ||Υ| < 1}, Enneper:𝑓(Υ) = 1 𝑒𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 = ℂ;
1−Υ4

Bour: 𝑓(Υ) = Υ 𝑚−2 𝑒𝑔(Υ) = Υ , 𝑐𝑜𝑚 𝐷 = ℂ; 𝑚 ∈ ℝ; 𝑚 ≠ 0.


Dentre outros exemplos clássicos de superfícies mínimas, descobertos ao longo dos anos, destacam-se a
Superfície de Catalan (1855), a Superfície de Schawarz (1866), a Superfície Costa (1982).
Uma superfície menos conhecida é a superfície de Bour. Usando coordenadas semigeodésicas, o matemático
francês Bour publicou, em 1862, um teorema sobre superfícies rotacionais e helicoidais. Bour determinou as
superfícies de revolução aplicáveis a superfícies mínimas.
A superfície de Costa foi descoberta na segunda metade do século XX, em 1982, pelo matemático brasileiro
Celso José da Costa (1949), com base nos estudos de Karl Weierstrass. Voltaremos a falar desta superfície na próxima
seção.
Após a descoberta do Catenóide e do helicóide por Meusnier, Scherck mostrou que essas duas superfícies
são apenas dois elementos de uma mesma família de superfícies mínimas. Para obter essa família, Scherck mostrou
que o Catenóide pode ser deformado continuamente menos um meriadiano em uma volta completa do helicóide. Essa
deformação é isométrica, sendo assim, o Catenóide e o Helicóide são localmente isométricos. O processo de
“deformação” do Catenóide no Helicoide produz uma família de superfícies mínimas, conhecida como família

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Fernanda Alves Caixeta & Tânia Maria Machado de Carvalho

𝑡
𝑖 2
associada ao catenóide, a qual pode ser obtida tomando duas funções holomorfas f e g tais que 𝑓(Υ) = 𝑒 Υ 𝑒 𝑔(Υ) =
Υ , 𝑐𝑜𝑚𝐷 ⊂ 𝐶 − {0}. Para cada valor de t obtém-se um elemento da família.

Primeiros trabalhos em Superfície Mínimas no Brasil

Pode-se perceber que, até então, dentre os matemáticos brasileiros que publicaram trabalhos sobre superfícies
mínimas, citamos apenas o nome de Costa. Entretanto, o estudo das superfícies mínimas despertou a atenção de muitos
pesquisadores brasileiros, que produziram grandes resultados, com efetivos desdobramentos sobre a área da Geometria
Diferencial.
A maioria das informações aqui apresentadas foram baseadas no texto de Manfredo Perdigão do Carmo
(CARMO, 1999).
Segundo a visão de do Carmo, a história da Geometria Diferencial no Brasil começa no século XIX e divide-
se em três períodos distintos: Pré-História, História e Período de consolidação da Pesquisa.
Para do Carmo, o período da Pré-história da Geometria, compreendido entre 1800 e 1957, traz como destaque
os seguintes nomes Joaquim Gomes de Souza (1829-1863), Otto de Alencar (1874-1912), Amoroso Costa (1885-
1928), Lélio Gama (1892-1981), Teodoro Ramos (1896-1936). O primeiro trabalho referente às superfícies mínimas,
no Brasil, foi publicado em 1898 na Revista da Escola Politécnica, vol.3, 137-144, pelo matemático nascido em
Fortaleza, Otto de Alencar e Silva.
A era da História da Geometria Diferencial no Brasil, segundo do Carmo, foi o período compreendido entre
1957 e 1970. Neste período, houve muitos trabalhos em Geometria Diferencial desenvolvidos por brasileiros, porém,
todos os trabalhos eram, de modo geral, realizados no exterior.
Ainda de acordo com do Carmo, o período de Consolidação da Pesquisa vai de 1970 a 1983. Do Carmo,
além de testemunha ocular do desenvolvimento da geometria diferencial no Brasil, exerceu papel fundamental na
produção e expansão das pesquisas nesta área no país. Em 1970, com a inauguração do Programa de Doutorado no
Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), as pesquisas em Geometria Diferencial passaram a ser realizadas no
Brasil e os trabalhos de diversos pesquisadores, como Keti Tenenblat (1973), Edmilson Pontes (1974), Rubens Leão
de Andrade (1975) foram publicados, consolidando as pesquisas em Geometria Diferencial no país.
Manfredo iniciou seus estudos em superfícies mínimas em 1967, quando começou o pós-doutorado na
University of California, em Berkeley, sob orientação de Shiing–Shen Chern.
Em 1972 o cearense João Lucas Barbosa terminou o doutorado na University of California, em Berkeley,
defendendo sua tese em superfícies mínimas. Um ano depois, também na mesma universidade, Plínio Simões defendeu
sua tese nesta área. Ambos orientados por Shiing–Shen Chern.
Por fim, a tese de maior impacto publicada no Brasil, foi a do paraense Celso José da Costa, em 1982, no
IMPA, sob orientação de do Carmo. O resultado principal de sua tese foi a prova da existência de uma superfície
mínima completa no espaço euclidiano tridimensional com a topologia do toro menos três pontos. Atualmente esta
superfície é conhecida como Superfície Costa. Costa desenvolveu sua teoria utilizando a representação de Weierstrass.
Mais que uma superfície mínima, a Superfície Costa era um terceiro exemplo de superfície completa, sem
autointerseções e com curvatura total finita. Até então os únicos exemplos de superfícies conhecidas com tais
propriedades eram o plano e o Catenóide. Apesar da descoberta da superfície em 1982, somente em 1985 os
matemáticos David Hoffman e William Meeks conseguiram provar que o núcleo da superfície não possuía
autointerseção e confirmaram, com o auxílio da computação gráfica, a descoberta do exemplo procurado.
Desde então muitos pesquisadores brasileiros publicaram importantes trabalhos nessa área que, ainda hoje,
representa um vasto campo de pesquisa. Em geral, os programas de pós-graduação em Geometria Diferencial no Brasil
possuem pesquisas relacionadas a subvariedades mínimas e folheações, superfícies mínimas completas em R³ e R n,
subvariedades mínimas de uma forma espacial, grupos de transformações aplicadas às subvariedades mínimas, dentre
outras linhas de pesquisas.

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Anais do XII SNHM -2017
Superfícies Mínimas:de Dido às pesquisas no Brasil

Considerações Finais

É conhecido hoje em dia que as superfícies mínimas são um caso particular das superfícies de curvatura média H
constante (superfícies cmc). A partir do problema variacional de minimizar áreas, pode-se caracterizar as mínimas
como superfícies cuja curvatura média constante é nula. Sob este ponto de vista, a curvatura média H, pode ser
interpretada como uma generalização da curvatura de curvas planas.
As pesquisas realizadas ao longo deste trabalho propiciaram uma oportunidade de perceber como se deu o
nascimento e a evolução de uma teoria de extrema importância para o desenvolvimento da matemática. Em geral, as
teorias matemáticas exercem impacto direto em outras áreas como arte, arquitetura, física, química e engenharias. Em
particular, no que diz respeito à teoria de superfícies mínimas, podemos dizer que houve impacto realmente efetivo
na maioria destas áreas.
Esperamos ter alcançado o objetivo de traçar uma trajetória referente ao contexto histórico das superfícies
mínimas, desde a lenda de Dido (que deu origem aos problemas de máximos e mínimos), passando pelo surgimento
do cálculo variacional e culminando com as pesquisas em superfícies mínimas no Brasil, ressaltando principalmente,
a cronologia das ideias que contribuíram com o avanço desta belíssima teoria. É inspirador o fato de que, para chegar
ao nível de estudos atuais, foram necessárias contribuições de tantas mentes geniais.

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Fernanda Alves Caixeta


Departamento de Matemática – UFU – campus do
Pontal. Ituiutaba – Brasil

E-mail: fernandacaixeta@outlook.com

Tânia Maria Machado de Carvalho


Departamento de Matemática – UFU – campus do
Pontal. Ituiutaba - Brasil

E-mail: machcarval@gmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA


PUBLICADOS NO CONTEXTO DO “SABER-FAZER” MATEMÁTICO QUINHENTISTA

Fumikazu Saito
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP – Brasil

Resumo

Neste trabalho discorremos sobre a organização do saber geométrico em alguns tratados de geometria prática que
foram publicados entre o quinhentos e o seiscentos. Demos especial ênfase aos tratados dedicados à agrimensura e ao
uso de instrumentos matemáticos, tais como Geometrie practique de Charles de Bouvelles (1479-1566), The pathwaie
to knowledge de Robert Recorde (1510-1558), Via Regia ad Geometriam e Elementes of Geometrie de Peter Ramus
(1515-1572), De l’usage de Geometrie de Jacques Peletier du Mans (1517-1582), Geometrical Practise named
Pantometria de Thomas Digges (1546-1595), Practical Geometry de Thomas Rudd (1583?-1656), Tactometria de
John Wybard ([?]-1578), A short treatise of geometry de John Babington (fl. 1635). As definições e as proposições
apresentadas nesses tratados nos remetem àquelas encontradas em Elementos de Euclides. Entretanto, elas não são
assimiladas à sua mesma estrutura formal, uma vez que foram sistematizadas de outra maneira. As definições, as
proposições e a sua organização nos dão indícios de que, historicamente, a tradição da geometria prática desenvolveu-
se à margem daquela dos fragmentos de Elementos. Além disso, apontam para outros aspectos que iluminam o
processo que disseminou o conhecimento geométrico euclidiano no ocidente latino, preenchendo algumas lacunas no
que diz respeito ao “saber-fazer” matemático quinhentista.

Palavras-chave: Matemática, História, Geometria prática, Saber-fazer.

SOME BRIEF REMARKS UPON PRACTICAL GEOMETRY TREATISES PUBLISHED IN THE SIXTEENTH-CENTURY
“KNOWING BY DOING” MATHEMATICS CONTEXT

Abstract

This work discusses the organization of geometric knowledge found in some treatises dealing with practical geometry
that were published in the sixteenth and seventeenth century Europe. Special emphasis were given to treatises that
deal with surveying and the use of mathematical instruments, such as Geometrie practice by Charles de Bouvelles
(1479-1566), The pathway to knowledge by Robert Record (1510-1558), Via Regia ad Geometriam and Elementes of
Geometrie by Peter Ramus (1515-1572 ), De l'usage de Geometrie dby Jacques Peletier du Mans (1517-1582),
Geometrical Practice named Pantometria by Thomas Digges (1546-1595), Practical Geometry by Thomas Rudd
(1583? -1656), Tactometry John Wybard ([ ?] - 1578), and The Short Treatise of Geometry by John Babington (1635).
The definitions and propositions presented in these treatises are very similar to those found in Euclid's Elements.
However, they are not assimilated to the same formal structure given by Elements, since they were systematized in
another way. The definitions, propositions, and their organization show that, historically, the tradition of practical
geometry evolved separately from that of the fragments of Elements. In addition, they point to other interesting aspects
that illuminate the process that disseminated Euclidean geometric knowledge in Latin West by filling some gaps with
respect to the “knowing by doing” mathematics in the 16th century Europe.

Keywords: Mathematics, History, Practical geometry, Knowing by doing.

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Anais do XII SNHM -2017
Fumikazu Saito

Introdução

A geometria prática desenvolveu-se à margem da geometria especulativa encontrada nos fragmentos de Elementos de
Euclides1 e tratados a seu respeito multiplicaram-se num período em que as “matemáticas” passaram a ganhar grande
destaque nas investigações relativas à natureza e às artes (technai).2.
A geometria prática fazia parte de uma longa tradição em que os conhecimentos geométricos, euclidianos em
essência, eram mobilizados para resolver diversos problemas de ordem prática. Ela foi incorporada às artes liberais
no início do século XII e, desde então, passou a ser estudada no seio da universidade, desdobrando-se em duas
principais vias até o século XVI.3
A primeira via estruturou-se em torno das questões práticas ligadas à agrimensura em estreita conexão com
o uso de instrumentos matemáticos. 4 Essa via foi responsável, em grande parte, pela preservação e pela disseminação
dos conhecimentos geométricos euclidianos no ocidente latino medieval não só porque a gromatica, a arte da
agrimensura e a arquitetura a eles recorriam para resolver problemas práticos, mas também porque a practica
geometriae era parte integrante do quadrivium nas universidades.5 A segunda via, em estreita relação com os
conhecimentos das artes (technai), organizou-se em torno das questões ligadas à aplicação de conhecimentos
geométricos para resolver problemas mecânicos, pneumáticos, hidrostáticos, entre outros, ligados à matemática-mista
em geral.6 Assim, alguns estudiosos da natureza e das artes, tais como John Dee (1527-1608) e Egnatio Danti (1536-
1586), enfatizaram os aspectos práticos da geometria, bem como a excelência da especulação geométrica e suas
aplicações nas artes (technai). Outros, como Peletier, enalteceram a geometria prática com vistas a buscar um caminho
que a harmonizasse com a outra, especulativa, combinando o artifício com a experiência. 7
Neste trabalho discorremos sobre a primeira via, dando especial ênfase a alguns tratados que nos remetem a
outros que lidavam com a construção e o uso de instrumentos matemáticos. Tomados em conjunto, esses tratados
iluminam o processo que disseminou o conhecimento geométrico euclidiano no ocidente latino, preenchendo algumas
lacunas no que diz respeito ao “saber-fazer” matemático quinhentista.

Geometria prática no contexto do “saber-fazer” quinhentista

Um dos fatores que contribuiu para a grande circulação dessa literatura dedicada à geometria prática foi a nova
configuração social, política e econômica da sociedade europeia, que passou a valorizar antigos saberes e práticas
perpetuados por diferentes setores da sociedade.8 No século XVI, os conhecimentos geométricos, notoriamente
euclidianos, que, desde a Idade Média, transitaram em diferentes esferas de saber, tais como a astronomia, a
navegação, a agrimensura, a arquitetura, a geografia, a cartografia, a arte da guerra, a mecânica, entre muitas outras,
passaram a ser recolhidos e compilados por estudiosos da natureza e das artes (technai).
Para termos uma compreensão mais contextualizada sobre as razões que levaram esses estudiosos a
compilarem tais conhecimentos, devemos dissolver as fronteiras disciplinares e abordar a geometria prática como
parte de um processo que buscou organizar o conhecimento da natureza e das artes (technai) sobre novas bases nas
origens da ciência moderna. Isso porque o interesse por tratados de geometria prática, tais como Geometrie practique

1
Sobre a tradição de tradução e da disseminação de Elementos de Euclides no ocidente latino, vide: Clagett (1953), Murdoch (1968),
Schönbeck (1992), Stevens (2004).
2
Convém observar que devemos tomar o cuidado e não entender "artes" (tehcnai) nos séculos XV, XVI e XVII como "belas-artes".
Naquela época, "arte" (techne) tinha um sentido mais lato, ligado à prática e à experiência. Muitas vezes esse termo designava as artes mecânicas
e ao trabalho manual em oposição às artes liberais. Vide: Smith (2004, 2006); Long (2000, 2001, 2005); Rossi (1989). Sobre a techne e o saber-
fazer matemático, vide: Saito e Beltran (2014) e Saito (2013).
3
A distinção entre geometria teórica e prática surgiu no início do século XII. Ela foi expressa por Adelard de Bath (1080-1152), em seus
comentários sobre os Elementos de Euclides, e estabelecida por Hugo de São Vitor (1096-1141) em Practica geometriae. A esse respeito, consulte:
Hugh of Saint Victor (1956, 1961, 1991); e estudos de Homann (1991); L’Huillier (1992).
4
Sobre os instrumentos matemáticos, vide: Bennett (1998, 2003); Saito (2012, 2014).
5
A esse respeito, consulte: Shelby (1972); L’Huillier (1992); Saito (2016).
6
Sobre as matemáticas-mistas, consulte: Brown (1991), Dear (2011), Oki (2013)
7
Cf. Dee (1975), Danti (1577), Peletier (1578).
8
A esse respeito, consulte estudos de Pumfrey, Rossi e Slawinski (1991), Findlen (1994), Debus (1996), Kusukawa e MacLean (2006),
Gal e Chen-Morris (2013).

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Anais do XII SNHM -2017
ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA...

de Charles de Bouvelles (1479-1566), The pathwaie to knowledge de Robert Recorde (1510-1558), Via Regia ad
Geometriam e Elementes of Geometrie de Peter Ramus (1515-1572), De l’usage de Geometrie de Jacques Peletier du
Mans (1517-1582), Geometrical Practise named Pantometria de Thomas Digges (1546-1595), Practical Geometry
de Thomas Rudd (1583?-1656), Tactometria de John Wybard ([?]-1578), A short treatise of geometry de John
Babington (fl. 1635), entre muitos outros, esteve relacionado ao crescente aumento na circulação de outros registros
de conhecimentos práticos mais antigos.
Ao longo dos séculos XIV e XVII foram publicadas vastas compilações reunindo receitas provenientes de
origens diversas referentes a processos ligados às artes (technai). Receituários e outros tratados referentes à fabricação
e ao tingimento do vidro, de adorno de metais, de preparação de tintas e de remédios etc., encontrados em antigos
manuscritos e na tradição oral, tornaram-se disponíveis a artesão que desejassem aprender alguma técnica. 9 O registro
desses processos, de conteúdo essencialmente prático, tinha em vista recolher conhecimentos que permitissem
manipular a natureza em diferentes níveis de modo a desenvolver outras tantas formas de operá-la. Em contraposição
a uma concepção de ciência (scientia) contemplativa de índole aristotélica, os estudiosos da natureza buscaram nesses
diversos procedimentos recursos que lhe permitissem operar a natureza e, a partir daí, fundar uma nova ciência sobre
novas bases.
Assim, ao lado da demanda por procedimentos e técnicas que permitissem resolver problemas de ordem
prática, o conhecimento da geometria prática se afigurava como uma forma de conhecimento operativo, uma vez que
não só propiciava o desenvolvimento de um novo programa de expansão econômica, política e cultural europeia, mas
também incentivava novas formas de elaboração de conhecimento relativo à natureza e às artes (technai), orientando
e conduzindo a novos desdobramentos na própria geometria. Uma vez que conjugava procedimentos mecânicos e
racionais, ela estabelecia uma ponte entre o saber teórico e outro mais concreto e promovia a reflexão sobre o fazer
geométrico da experiência
Entretanto, devemos aqui considerar que a geometria prática, embora possa ser compreendida como um
conjunto de conhecimentos geométricos aplicados à experiência, não se afigurava como uma geometria aplicada. Isso
porque os teoremas de Elementos de Euclides não eram pensados em função de sua aplicação.10 A distinção entre
teórico e prático apenas fazia referência a duas diferentes expressões de geometria, uma especulativa e outra prática,
sem estabelecer entre elas uma relação de subordinação. Isso é notório não só no tratamento dado ao saber geométrico,
mas também na sua organização. As proposições geométricas neles abordadas não tinham a pretensão de se verticalizar
(ou seja, de se generalizar), tampouco eram organizadas para investigar o espaço, os elementos geométricos e suas
relações de tal modo a deduzir novas proposições a partir de outras, embora algumas delas fossem respaldadas, ou
mesmo fundamentadas, nos teoremas encontrados em Elementos de Euclides.

O conhecimento geométrico prático e teórico

Muitos tratados de geometria prática recorreram não só aos teoremas, como também reproduziram algumas definições
e postulados de Elementos ao longo dos séculos XVI e XVII com vistas a valorizar (ou mesmo legitimar) os
procedimentos das artes (technai). Entretanto, ao fazê-lo, não buscaram assimilar suas proposições e procedimentos à
mesma estrutura formal proposta naquela obra, uma vez que eram neles sistematizados de outra maneira.
Em linhas gerais, esses tratados definem a geometria como a “arte de bem medir”, seguindo de perto a
tradição medieval que consagrou o uso da etimologia para organizar os diferentes saberes. Geometria, dessa maneira,
era definida segundo sua finalidade, ou seja, no sentido de terrae mensura, ou ainda, de agri mensura, por meio do
uso de instrumentos matemáticos.11 Contudo, diferentemente dos tratados que lidam com instrumentos matemáticos,
os de geometria prática discorrem sobre os “princípios” em que estão assentados os conhecimentos geométricos
mobilizados nos procedimentos da construção e do uso de tais instrumentos.
Essas compilações organizaram os conhecimentos geométricos de maneira muito similar àquela que

9
Cf. estudos de Eamon (1994), Alfonso-Goldfarb (1994), Beltran (2002).
10
Convém observar que antes do século XIX inexistia uma ciência (e, portanto, a matemática) aplicada. A esse respeito, consulte estudos
de: Kline (2011), Bud (2012), Alexander (2012), Saito e Beltran (2014 ).
11
A esse respeito, consulte Hugh of Saint Victor (1956, 1961, 1991); e estudos de Homann (1991) e Saito (2014, 2015).

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Fumikazu Saito

encontramos em Elementos de Euclides, começando por apresentar definições e proposições que, em alguns tratados,
são apresentados em forma de problemas. Desse modo, todos os tratados definem inicialmente ponto, reta, segmento,
superfície, volume etc. e apresentam, em seguida, diferentemente de Elementos, proposições que instruem sobre
construções geométricas por meio do manuseio de régua e de compasso. Essas proposições não são encadeadas
dedutivamente, derivando uma proposição a partir de outra, mas respeitando uma sequência de procedimentos
práticos. Por exemplo, a proposição que versa sobre a divisão de um segmento em partes congruentes, é precedida de
outras que ensinam a traçar retas paralelas, perpendiculares, mediatriz etc., visto que tais procedimentos são
mobilizados para dividir um segmento.
Embora esses tratados se refiram direta ou indiretamente a instrumentos, o seu conteúdo, entretanto, é bem
diversificado. Alguns deles versam sobre circunferências e suas propriedades, além de procedimentos para
inscreverem e circunscrevem polígonos e planificarem alguns sólidos platônicos.12 Outros sobre pirâmides, cilindros,
cones e prismas, apresentando diferentes recursos geométricos para o cálculo de volumes e outras considerações
práticas para calcular capacidade de recipientes com formatos diversos. 13
No que diz respeito aos “princípios” geométricos, todos eles definem na mesma sequência o ponto, a linha,
a superfície e o volume, bem como ângulos, retas, figuras etc. Porém, tais definições são consideradas e apresentadas
de maneira diversificada de modo que não são homogêneas em todos os tratados de geometria prática e muitas delas
mantêm apenas uma relação de similaridade com aquelas encontradas em Elementos de Euclides. Por exemplo, o
ponto é definido como “aquilo que não possui partes” e a linha (e, consequentemente a reta) como “aquilo que possui
comprimento, mas não largura ou espessura”, tal como em Elementos.14 Entretanto, nos tratados de geometria prática,
tanto o ponto, quanto a linha, são explicitamente considerados naturais e não imaginários (como em Elementos), visto
que se referem a corpos sensíveis. Recorde, por exemplo, define que ponto (ou pricke) é “a forma pequena e insensível,
que não tem partes, ou seja, que não tem comprimento, nem largura, nem profundidade” (RECORDE, 1574, 1602).
Observando que esta definição é mais conhecida em sua forma teórica ou especulativa, Recorde sugere que o ponto
deve ser entendido como um “pingo de pena imóvel”, como a mínima parte que deve ser considerada para desenhar.
O ponto seria, assim, o princípio de toda geometria, como observa Ramus, ao afirmar que ele, embora não seja
grandeza, é o início e o começo de todas as grandezas, pois todas elas estão nela em potência: “O ponto não tem
grandeza, mas somente neste sentido, isto é, aquilo que numa grandeza é concebida e imaginada ser indivisível; e
embora seja vazia de toda dimensão (bigness) ou grandeza (magnitude), ainda assim é o começo de todas elas
(RAMUS, 1636, p. 9).
Notemos que, diferentemente da definição de Recorde, o ponto para Ramus (1636) não era imóvel, uma vez
que a linha surgiria do seu movimento. De acordo com ele, o ponto, em ato, que seria linha em potência, daria a origem
à linha e, a linha, em ato, se tornaria superfície em potência. Dessa maneira, o ponto seria o início e o fim da linha e,
em termos, práticos, corresponderia ao traçado entre dois pontos.
Do mesmo modo que a linha, a superfície é geralmente definida como “aquilo que tem somente comprimento
e largura” (sem espessura) ou como uma composição de linhas que é delimitada por linhas 15. Recorde (1574, 1602),
por exemplo, afirma que “... diversas linhas determinam variadas formas (fourmes), figuras (figures) e “formatos”
(shapes) que são denominadas por um nome próprio, Superfícies (Platte fourmes), possuindo todos eles comprimento
e largura, mas não profundidade”. 16 Ele ainda observa que todas superfícies podem ser planas (plaines), tortas
(crooked), ou mistas, isto é, parcialmente planas e tortas. Diferentemente de Recorde, Bouvelles (1551, p. 5r) define
a superfície por meio do número mínimo de pontos necessários cercá-la, isto é, três pontos. A superfície, dessa
maneira, é definida como um plano que tem largura e comprimento, carecendo, entretanto, de profundidade. Desse
modo, a superfície é definida como uma “forma” delimitada por linhas.
No que diz respeito ao volume, sua definição varia significativamente, embora em todos os tratados ele seja
definido como um corpo que possui comprimento, largura e profundidade. Bouvelles (1551, p. 5v), por exemplo, o

12
Por exemplo, Bouvelles (1551), Peletier (1573), Digges (1591).
13
Por exemplo, Bouvelles (1551), Digges (1591), Wybard (1650).
14
Vide: Digges (1571), Peletier (1578), Bouvelles (1551).
15
Vide: Digges (1571), Peletier (1578), Bouvelles (1551), Ramus (1590, 1636), Babington (1635).
16
Vide também Digges (1571), Peletier (1578), Ramus (1590, 1636).

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ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA...

define como um corpo (corps) que tem número mínimo de quatro pontos que determinam as linhas que delimitam as
superfícies que constituem o corpo. Essa definição, entretanto, difere, por exemplo, daquela fornecida por Recorde
(1572, 1602) que compreende o volume como um sólido, portanto, como um corpo (body) maciço.17
Do mesmo modo que Recorde, Ramus (1636) define volume como um corpo sólido delimitado por
superfícies. E observa ainda que: “... o limite de um corpo (body) é uma superfície (surface): e, portanto, uma
superfície não é um corpo, ou qualquer parte de um corpo...” (RAMUS, 1636, p. 242). Para Ramus, do mesmo modo
que o ponto não faz parte da linha e a linha, da superfície, esta não é parte do sólido. Tanto para Recorde, quanto para
Ramus, o sólido é delimitado por superfícies, porém não é por elas composto.

Considerações finais

Essas diferentes definições estavam relacionadas às diferentes regras com que os diversos segmentos das artes
(technai) organizavam seus conhecimentos. Particularmente, no que diz respeito à tradição dos agrimensores e dos
arquitetos, a linha, a superfície e o volume delineavam as três principais vertentes de estudo da geometria prática, isto
é, a longimetria, a planimetria e a stereometria, que desde a Baixa Idade Média estavam orientadas para resolver
problemas de ordem prática em que a medida e as construções geométricas constituíam-se base de todo procedimento
geométrico. É notório assim que esses tratados enfatizassem aqueles aspectos mais empíricos e prático do saber
geométrico. Contudo, a riqueza desses tratados não pode ser reduzida apenas ao seu caráter prático e operativo. Uma
vez que conjugavam procedimentos racionais e mecânicos, os tratados de geometria prática colocaram novas questões
e desafios aos estudiosos de matemáticas. Desse modo, a geometria prática não só preservou e disseminou o
conhecimento geométrico euclidiano no ocidente latino, mas também conduziu a novos desdobramentos teóricos e
impulsionou o desenvolvimento de novas geometrias a partir do século XVII.

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Anais do XII SNHM -2017
ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA...

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Fumikazu Saito
Departamento de Matemática – PUCSP – campus
Marquês de Paranaguá/São Paulo - Brasil

E-mail: fsaito@pucsp.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

ESCOLA KERALA DE MATEMÁTICA E ASTRONOMIA: CONTRIBUIÇÕES AO


DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO

Davidson Paulo Azevedo Oliveira


Instituto Federal de Minas Gerais – IFMG – País
Douglas Gonçalves Leite
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP
Maria Maroni Lopes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Resumo

Este texto discute alguns resultados de um estudo sobre a Matemática indiana e tem como objetivo apresentar uma
visão geral das contribuições da matemática Kerala ao desenvolvimento do Cálculo. A escola Kerala de astronomia e
matemática foi fundada por Madhava, no sul da Índia, e é reconhecida historicamente como uma das maiores escolas
indianas a produzir obras na área de trigonometria e astronomia. Entre seus estudos, encontram-se as relações
trigonométricas diretamente associadas à descoberta dos valores de Seno e Cosseno. Destaca-se, assim, uma temática
que é abordada pelos matemáticos indianos e que possui uma ligação direta ao cálculo desenvolvido na Europa. Por
volta do século XV, período de Madhava, os matemáticos indianos já possuíam conhecimento sobre séries de potência
e expansões numéricas. No entanto, as dimensões conceituais e epistemológicas, base da matemática indiana não se
aproximavam com o que era abordado na matemática grega clássica. Apresentam-se, como resultados, os trabalhos
realizados pela escola Kerala de matemática e astronomia, que produziu muitas obras sobre trigonometria, como a
série de aproximações para seno e cosseno de Madhava, assim uma série similar ao que conhecemos hoje como um
caso da série de Taylor. Trata-se em específico das relações existentes entre a chamada Série de Maclaurin, a Série de
Taylor e o que elas possuem em comum com as séries de potência do seno, cosseno, descobertas pelos indianos. É
visto que a chamada expansão numérica para o seno, representada pela sequência, trata-se de um caso particular da
Série de Maclaurin, a qual na realidade caracteriza-se como uma série de potências. Desse modo, conclui – se que a
série de potências do seno discutida nesse texto, que seria abordada inicialmente com Madhava e seus alunos em
Kerala, foi diretamente associada a um possível resultado da Série de Taylor, quando inserida em um caso particular
da Série de Maclaurin.

Palavras-chave: Matemática Kerala; Série de potência de seno e cosseno; Série de Taylor.

KERALA SCHOOL OF MATHEMATICS AND ASTRONOMY: CONTRIBUTIONS TO THE DEVELOPMENT OF CALCULUS

Abstract

This paper discusses some results of a study on Indian Mathematics and aims to present an overview of the
contributions of Kerala mathematics to the development of Calculus. The Kerala School of astronomy and
mathematics was founded by Madhava, in South India, and is historically recognized as one of the largest Indian
schools to produce works in the area of trigonometry and astronomy. Among his studies, we can point out the
trigonometric relations directly associated with the discovery of the values of Sine and Cosine. It highlights a thematic

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Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Douglas Gonçalves Leite, Maria Maroni Lopes.

that is approached by Indian mathematicians and has a direct connection to the calculus development in Europe. By
the fifteenth century, the Madhava period, Indian mathematicians already possessed knowledge of power series and
numerical expansions. However, the conceptual and epistemological dimensions, the basis of Indian mathematics, did
not approximate what was addressed in classical Greek mathematics. The results of the Kerala school of mathematics
and astronomy, which produced many works on trigonometry, such as the series of approximations for sine and cosine
of Madhava, are presented as results, thus a series similar to what we know today as a case of the series Of Taylor. It
deals specifically with the relationships between the so-called Maclaurin Series, the Taylor Series, and what they have
in common with the sine-power series, cosine, discovered by the Indians. It is seen that the so-called numerical
expansion for the sine, represented by the sequence, is a particular case of the Maclaurin Series, which in reality
characterizes itself as a series of powers. Thus, it is concluded that the series of powers of the breast discussed in this
text, which would be approached initially with Madhava and his students in Kerala, was directly associated to a
possible result of the Taylor Series, when inserted in a particular case of the Series of Maclaurin.

Keywords: Kerala Mathematics, Sine and Cosine, Taylor Series.

1 Introdução

As pesquisas históricas sobre o desenvolvimento do Cálculo Infinitesimal, usualmente, são associadas à sua gênese,
problemas geométricos da Grécia Antiga. Os paradoxos de Zenão e métodos para a descoberta de área e volume,
trabalhados por Arquimedes possuem direta correspondência com relação aos conceitos do cálculo. Deste modo, é
possível apresentar uma trajetória entre conceitos gregos e o que se desenvolvia de matemática na Europa ao longo
dos séculos XV-XVII. Nomes como os de Pierre Fermat (1601-1665), Christiaan Huygens (1629 -1695), John Wallis
(1616 -1703), Isaac Barrow (1630 - 1677), são associados como grandes colaboradores desse movimento matemático
na Europa, isso antes mesmo de serem apresentados por Newton e Leibniz.
De acordo com Nobre (2002) as investigações históricas se renovam e de tempos em tempos, as verdades se
modificam e se atualizam. Assim, afirmações tidas como verdade absoluta, transformam-se em verdades relativas, o
que leva historiadores a realizarem análises críticas em obras escritas no passado, com o intuito de efetivarem as
necessárias correções. Nobre destaca que:

Como todo o movimento científico do mundo ocidental, a escrita da história das ciências,
e da matemática, também obedece as regras impostas por ele e é feita de forma a dar
continuidade e a promover o pensamento dominante originário nessa civilização. No
entanto, nos últimos anos, há um relativo fortalecimento da divulgação da história
científica originária a partir de povos não ocidentais, ou então daqueles considerados à
margem do mundo ocidental. (NOBRE, 2002, p. 4).

Nessa direção, historiadores de diferentes países tem buscado contribuir com esse movimento de uma escrita
da história que considere outros conhecimentos matemáticos de povos não europeus. Para Ernest (2009), existe hoje
uma ampla literatura apoiando à tese de que a matemática foi escrita dando ênfase às concepções eurocêntricas 1.
Assim, as raízes africanas e asiáticas da civilização clássica foram sendo negligenciadas, descartadas e até negadas.
Em meio a essa “linha histórica” nos valemos desse intervalo entre os séculos VI e XV da era atual, para
questionar sobre a possibilidade de criação de conceitos matemáticos por outros povos e suas contribuições ao
conhecimento moderno. Dentre as possibilidades existentes destacamos os estudos indianos da escola Kerala de
Matemática e Astronomia.
Cumpre lembrar que as dimensões conceituais e epistemológicas, base da matemática indiana, tinha pouca

1
Outros exemplos podem ser vistos nos trabalhos desenvolvidos por Almeida e Joseph (2004), Joseph (2007) e Webb (2014).

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Escola Kerala de Matemática e Astronomia: contribuições ao desenvolvimento...

afinidade com o que era apresentado na matemática grega. Os antigos livros indianos nos quais eram encontradas as
fórmulas matemáticas nem sempre eram livros com foco na matemática, muitas vezes eram livros de astronomia, ou
religião (PLOFKER, 2009). Mas a matemática parecia estar presente no cotidiano dos indianos, inclusive em rituais
religiosos.
Os textos mais antigos escritos em Sânscrito (uma das 23 línguas oficiais da Índia) fazem parte de um grupo
de textos religiosos conhecidos como Os Vedas, agrupados tradicionalmente em quatro coleções.
Os textos falam sobre hinos, mantras, rituais, sacrifícios religiosos, orações, e maldições, mas qual seria a
relação desses textos com a antiga matemática indiana? Para começar, eles revelam que um sistema decimal
regularizado de números escritos por extenso, potências de dez, incluindo números combinados envolvendo dezenas
e unidades já eram usados pelos indianos (PLOFKER, 2009). Ocorreu, também, o uso de números extensos muito
grandes, maiores que potências de dez, chegando até a um trilhão.
Alguns dos textos de prática de rituais explicam como diferentes tipos ou objetivos dos rituais estavam
associados com os diferentes tamanhos e formas dos altares de fogo, os quais deviam ser construídos de tijolos cozidos
de números prescritos e dimensões. Muitas formas de altares envolviam simetria de figuras simples como quadrados,
retângulos, triângulos, trapézios, romboide, e círculos. Frequentemente, uma forma era transformada em uma forma
diferente do original, mas mantinha-se o seu tamanho, por isso, as regras do Sulba-Sultra muitas vezes envolvem o
que chamaríamos de transformações de figuras planas de preservação da área, e assim, incluem as primeiras versões
indianas de fórmulas geométricas e constantes (PLOFKER, 2009).
Almeida e Joseph (2004) ressaltam que por falta de conhecimento ou preconceito decorrente de valores e
concepções ideológicas, a história eurocêntrica da matemática, negligencia as raízes não europeias da matemática.
Embora a invenção do zero pelos matemáticos indianos tenha sido reconhecida há muito tempo, o significado disso
como o ponto de partida do sistema decimal é muitas vezes subestimado.
Entre os séculos XV e XVIII a Escola Kerala produziu muitas obras sobre trigonometria, como a derivação
de Madhava da série de aproximações para seno e cosseno, uma série bem similar ao que conhecemos hoje como um
caso da série de Taylor. Essas concepções nos leva a crer que esses povos já portavam um conhecimento introdutório
do Cálculo antes dos estudos europeus. Para alguns pesquisadores há uma semelhança entre as séries trigonométricas
indiana e as séries europeias, no entanto não discutiremos nesse artigo se houve transmissão desse estudo para Europa,
e como pode ter se dado essa transmissão, o enfoque dado no texto refere-se a produção matemática desenvolvida em
Kerala e como se dá a sua ligação com o cálculo.
Assim, objetiva-se, neste texto, apresentar uma visão geral das contribuições da matemática Kerala ao
desenvolvimento do Cálculo.
A fim de indicar alguns dos conceitos e métodos desenvolvidos pelos astrônomos de Kerala, abordamos em
específico as relações existentes entre a chamada Série de Maclaurin, a Série de Taylor e o que elas possuem em
comum com as séries de potência do seno, cosseno, descobertas pelos indianos.

2 A Escola Kerala de astronomia e matemática

A escola Kerala de astronomia e matemática foi fundada por Madhava no sul da Índia, reconhecida
historicamente como uma das maiores escolas indianas a produzir grandes obras na área de trigonometria e astronomia.
Entre seus estudos, encontram-se as relações trigonométricas diretamente associadas à descoberta dos valores de Seno,
Cosseno. Destaca-se nesses estudos um grupo de professores originários de Madhava que era chamado de
“Guruparampara”. Nomes como: Parameswara, Damodara, Neelkantha Somayaji, Jyesthadeva, Achyuta Pisharati,
Melpathur, Narayana Bhattathiri e Achyuta Panikar eram membros ativos da referida Escola.

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Ascendência dos eruditos do cálculo da escola de Kerala (JOSEPH, 2014, p.104).


É provável, que o cálculo na Índia tenha sido desenvolvido nesse período, pois muitos livros foram publicados
trazendo significativas contribuições para o referido tema. A Escola fez uso intuitivo da indução matemática para
provar alguns resultados.
Madhava é responsável por vários trabalhos, Joseph (2014) destaca que o indiano desenvolveu o seguinte
resultado, o qual é atribuído a Gregory e Leibniz.

Quando r = 1 temos:

O (i) é atribuído a Gregory e o (ii) é atribuído a Gregory e Leibniz.

Webb afirma que:

The main focus of many works from the Madhava school was on trigonometry and other

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Anais do XII SNHM -2017
Escola Kerala de Matemática e Astronomia: contribuições ao desenvolvimento...

circle properties. This focus stemmed from necessity; Indian astronomers relied heavily
on sine tables and trigonometric values to compute the positions of stars and predict when
astronomical events such as eclipses would happen. (WEBB, 2014, P. 249).

Com isso, vemos que os indianos tiveram fundamental importância na descoberta de relações trigonométricas
conhecidas atualmente. Suas contribuições não se limitam a tábuas de calcular valores trigonométricos, destacamos
aqui uma possibilidade de contribuição direta da escola de Kerala para a criação do cálculo leibniziano como destaca
Kim Plofker:

[…] the power series that Madhava’s followers so caregully elucidated were equivalent
to what we know as Maclaurin series expansions for the sine, cosine, and arctangent. In
particular, Madhava found what is essentially “Lebniz’ infinite series for the ratio of the
circumference of a circle to its diaeter, and also derived a numerical value eqiuivalent to
PI= 3.14159265359. (PLOFKER, 2007, P. 481 ).

Portanto, é possível afirmar que no período de Madhava, por volta do século XV, os matemáticos indianos
já possuíam conhecimento sobre séries de potência e expansões numéricas as quais, atualmente são reconhecidas por
matemáticos europeus como Colin Maclaurin (1698-1746) e Brook Taylor (1685-1731).

3 Matemática Indiana: contribuições dos keralas ao estudo do Cálculo

De acordo com o exposto anteriormente, nos valemos das afirmações para discorrer sobre as contribuições da Escola
de Kerala ao cálculo. Discute-se em específico as relações existentes entre a chamada Série de Maclaurin, a Série de
Taylor e o que elas possuem em comum com as séries de potência do seno, cosseno, descobertas pelos indianos.

Generalização da chamada Série de Taylor:


𝑓 (𝑛) (𝑎)
𝑓(𝑧) = ∑ (𝑧 − 𝑎)𝑛
𝑛!
𝑛=0

Por outro lado, temos que a série de Maclaurin é conhecida como um caso particular da Série de Taylor, caso
em que é adotado o valor de a = 0, ou seja, a série analisa ao redor do ponto a, assim:

𝒇(𝒏) (𝒂) 𝑓 (𝑛) (0) 𝑓 ′(0) 𝑓 ′′ (0) 𝑓 𝑛(0)


𝒇(𝒙) = ∑∞
𝒏=𝟎 (𝒙 − 𝒂)𝒏 = 𝑓(𝑥) = ∑∞
𝑛=0 (𝑥)𝑛 = 𝑓(0) + 𝑥+ 𝑥² + ... + +...
𝒏! 𝑛! 1! 2! 𝑛!

Com isso, é visto que a série de Maclaurin se apresenta como um caso particular da generalização da Série
de Taylor. Pensando com relação ao que foi dito anteriormente, a existência de uma ligação entre a Série de Maclaurin
com alguma expansão numérica, ou alguma série de potências. Para isso será necessário utilizar de certa manipulação
algébrica e adotar as seguintes considerações.
Definimos 𝑓(𝑥) = sin (x).
Com relação às suas derivadas, temos que:
𝑓(0) = sin (0) = 0
𝑓′(𝑥) = cos (0) = 1
𝑓′′(0) = -sin (0) = 0
𝑓′′′(𝑥) = - cos (0)= -1 (*)
𝑓 4 (0) = sin (0) = 0
𝑓 5 (0) = cos (0) = 1.

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Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Douglas Gonçalves Leite, Maria Maroni Lopes.

Consideremos então a Série de Maclaurin da forma:


𝑓 (𝑛) (0) 𝑓 ′(0) 𝑓 ′′ (0) 𝑓 ′′′ (0) 𝑓 𝑛(0)
𝑓(𝑥) = ∑∞
𝑛=0 (𝑥)𝑛 = 𝑓(0) + 𝑥+ 𝑥² + 𝑥³... + +...
𝑛! 1! 2! 3! 𝑛!
𝑓 (𝑛) (0)
Deste modo, podemos substituir (*) em 𝑓(𝑥) = ∑∞
𝑛=0 (𝑥)𝑛 , resultando então uma expansão numérica
𝑛!
da forma:
𝑓 (𝑛) (0) 1 −1 1 −1
𝑓(𝑥) = ∑∞
𝑛=0 (𝑥)𝑛 = 0 + 𝑥+0+ 𝑥3 + 0 + 𝑥5 + 0 + 𝑥 7 + 0 + ....+...
𝑛! 1! 3! 5! 7!
Sendo assim, é possível apresentar a forma da expansão acima, caracterizada pela sequência da forma:
1 −1 1 −1 (−1)𝑛
0+ 𝑥+0+ 𝑥3 + 0 + 𝑥5 + 0 + 𝑥 7 + 0 + .... = (2𝑛+1)! 𝑥 2𝑛+1 .
1! 3! 5! 7!
Por outro lado, sabe-se que a escola de Kerala era reconhecida pelo seu profundo conhecimento sobre
expansões numéricas e séries de potências com relação ao seno e cosseno como destacado.
(−1)𝑛
Deste modo, analisando a expansão numérica dada pela sequência da forma: (2𝑛+1)! 𝑥 2𝑛+1 percebe – se que
esta se trata de uma expansão numérica para o seno.
(−1)𝑛
sin (x) = (2𝑛+1)! 𝑥 2𝑛+1 .
Portanto é visto que a chamada expansão numérica para o seno, representada pela sequência, trata-se de um
caso particular da Série de Maclaurin, a qual na realidade caracteriza-se como uma série de potências. Desse modo,
conclui – se que a série de potências do seno apresentada aqui, que seria trabalhada inicialmente com Madhava e seus
alunos em Kerala, foi diretamente associada a um possível resultado da Série de Taylor, quando inserida em um caso
particular da Série de Maclaurin.
Recorremos dessa associação para relatar uma possibilidade de contribuição dos indianos para o cálculo
europeu.
Para além desses estudos, afirmações como as de Joseph, apresentam outras contribuições diretas ao cálculo
leibniziano.

We know, from the reports of those who came after him, of Madhava’s contribution to the
development of Kerala mathematics. He was frequently referred to as Golavid or “One
Who Knows the Sphere.” His fame rests on his discovery of the infinite series for circular
and trigonometric functions, notably the Gregory series for arctangent, the Leibniz series
for pi, and the Newton power series for sine and cosine (JOSEPH, 2011, p. 420)

Por fim, é necessário ressaltar que além das expansões sobre o sin(x) entre outros conceitos, estes resultados
podem ser diretamente relacionados às formas de matemática desenvolvida pelos Keralas, os quais, não receberam
tanto prestígio quanto a matemática europeia.
Destaca-se a possibilidade de inserção de todo um grupo de matemático na “linha histórica” do cálculo, esta
que não deve ser considerada como algo linear, com respectiva trajetória, a qual apresenta intervalos, e estes
respectivos intervalos não garantes a “não criação” de conteúdos, e sim reforçam a possibilidade e até mesmo a falta
de informação sobre as reais contribuições dos indianos para a matemática europeia dos séculos XV-XVII.

4 Considerações Finais

Os matemáticos da escola Kerala estavam interessados em vários estudos, em meados do século XIV tinham
claramente dominado a técnica de manipulação do infinito, um dos pilares do Cálculo. No período de Madhava,
possuíam conhecimento sobre séries de potência e expansões numéricas. Assim, uma série textos originais foram
produzidos durante este período.
Alguns dos pesquisadores estudados, nesse texto, ressaltam que a tradição hindu do cálculo pode ser mais
antiga que a europeia, mas a escrita da história das ciências e em específico, da história da matemática foi escrita
dando ênfase às concepções eurocêntricas. Desse modo, uma das formas mais coerente de investigar e entender a

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Escola Kerala de Matemática e Astronomia: contribuições ao desenvolvimento...

matemática de Kerala é compreendê-la dentro da epistemologia em que foi desenvolvido, fazer o contrário pode
comprometer seu significado cultural.

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Davidson Paulo Azevedo Oliveira


Departamento de Matemática – IFMG – Campus Ouro Preto –
Brasil
E-mail: davidson.oliveira@ifmg.edu.br
Douglas Gonçalves Leite
Educação Matemática – UNESP – Campus de Rio Claro – Brasil
E-mail: douglas_rcunesp@hotmail.com
Maria Maroni Lopes
Departamento de Ciências Exatas e Aplicadas – UFRN – Campus
de Caicó – Brasil
E-mail: marolopes@gmail.com

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
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ISSN 2236-4102

AS REDUÇÕES AO IMPOSSÍVEL NOS ELEMENTOS DE EUCLIDES: CARACTERÍSTICAS


ESTRUTURAIS, TEXTUAIS E EPISTEMOLÓGICAS

Gustavo Barbosa (UNESP – Rio Claro)

Este trabalho tem como objetivo analisar as demonstrações por absurdo nos Elementos de Euclides, bem como outro
tipo de redução presente na obra euclidiana. Primeiramente são verificados em quais livros dos Elementos encontram-
se as proposições ou lemas que empregam estes tipos de demonstração. Depois examina-se os elementos textuais
contidos em cada uma delas e em que elas se distinguem. São ainda estudados a variedade de hipóteses contras as
quais as contradições se estabelecem e ainda a relação entre proposições demonstradas por redução e as que são
provadas de forma construtiva segundo critérios de causa e consequência. Para isso é indispensável acompanhar os
comentários de Proclus ao primeiro livro dos Elementos paralelamente à obra do matemático de Alexandria. Proclus
enriquece a apreciação dos Elementos enquanto acrescenta informações históricas nos comentários que faz às
proposições e inclui também esclarecimentos metodológicos que nos permitem cotejar procedimentos utilizados por
Euclides com pensadores anteriores a ele.

Palavras-chave: Demonstração; Redução; Euclides.

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
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A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO FONTE DE SENTIDOS

Edilene Simões Costa dos Santos (UFMS) – edilenesc@gmail.com

Este trabalho tem como objetivo refletir acerca da potencialidade da história da matemática com fonte de sentidos.
Essa reflexão se deu no âmbito de uma pesquisa de doutorado que analisou o ensino-aprendizagem utilizando a história
da matemática na concepção de circunstâncias produtoras e sistematizadoras do conceito de área como grandeza
autônoma e procedimentos para sua medida. Em outras palavras, o estudo analisou o valor didático da história da
matemática para construção de conceitos matemáticos no ensino fundamental. A efetivação da proposta da pesquisa
ocorreu por meio da organização, aplicação e análise de uma sequência de 17 atividades, elaboradas a partir do
contexto histórico da matemática, trabalhadas em duas turmas de quinto ano do ensino fundamental, em duas escolas
da rede de ensino público do Distrito Federal. Para o objetivo deste artigo levantamos a seguinte asserção: Atividades
elaboradas a partir histórico da matemática possibilita ao estudante produzir sentidos, construir e reconstruir saberes,
a partir da participação ativa, criativa e solidária. Para González Rey (2009), a produção de sentido é associada a uma
configuração pessoal que tem uma história e um contexto social os quais se veiculam, de uma forma determinada,
diante da ação concreta de um sujeito. As atividades propostas configuram-se em um contexto social promotor de
subjetividade, permitindo a participação do aluno, sua exposição diante da aprendizagem, sem medo do erro que é
uma possibilidade presente em todo o processo da aprendizagem. Concluímos que a história da matemática representa
uma opção pedagógica de abordagem dos conteúdos, pois permite ao professor problematizar situações que tornam a
aprendizagem significativa para o aluno, além de favorecer momentos de produções cognitivas nas quais podemos
identificar e interpretar os procedimentos e a apropriação significativa do conhecimento matemático tornou-se
favorável para o desenvolvimento do raciocínio lógico, da capacidade de induzir, deduzir e inferir, desenvolvimento
do senso crítico, da imaginação e da criatividade do aluno, para a manifestação da curiosidade da criança em relação
ao tema, e para a manifestação de suas propriedades artísticas. Então, a história da matemática utilizada como
instrumento didático pode estimular a autoconfiança na capacidade de aprender matemática e constituir-se em
geradora de sentidos.

Palavras-chave: História da Matemática; Aprendizagem; Produção de Sentido.

286
Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: JOÃO BAPTISTA DE


CASTRO MORAES ANTAS

Mônica de Cássia Siqueira Martines


Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM – Brasil

Resumo

Neste artigo, pretendemos relatar parte da pesquisa de Doutorado defendido no ano de 2014, referente ao segundo
Bacharel em Matemáticas a obter o título de Doutor em Ciências Matemáticas após apresentar uma dissertação de
doutorado a Escola Militar. Nossa busca foi impulsionada por tentar compreender a Matemática que foi desenvolvida
nas Teses de Doutorado apresentadas à Escola Militar entre 1842 e 1858 no Brasil. No entanto, para compreendermos
o por quê deste grau no Brasil, iniciamos uma pesquisa sobre a Academia Real Militar. Queríamos saber como ela
fora criada, quais mudanças teriam ocorrido ao longo dos anos e como surgiu a ideia de conceder o grau de doutor em
Ciências Matemáticas. Através das leituras dos decretos e leis sobre a Academia Real Militar e suas reformas,
percebemos uma série de decretos que atualizaram e deram novas diretrizes a Academia Real Militar a transformando
em 1839 em Escola Militar e, em 1842 nessa escola, instituiu-se o grau de Doutor em Ciências Matemáticas. Neste
ano e nos seguintes, até 1846, os professores da referida escola receberam o título sem outra exigência qualquer. Com
a publicação da Regularização de 29 de setembro de 1846, são dadas orientações àqueles que desejassem obter o título
de Doutor. Nesse contexto apresentamos João Baptista de Castro Moraes Antas, que em 01 de fevereiro de 1848,
entregou sua dissertação de doutorado ao Dr. José Gomes Jardim e, no dia 28 de maio de 1848, recebeu seu grau de
Doutor na presença do Imperador D. Pedro II. Na dissertação A Theoria Mathematica das Probabilidades, João
Baptista de Castro Moraes Antas, faz um apanhado histórico desta teoria ao longo dos anos. Em 26 de julho de 1856
foi nomeado como o primeiro Comandante do Corpo de Bombeiros, por indicação do Imperador D. Pedro II, natural
do Rio de Janeiro faleceu em 1858. A pesquisa tem abordagem qualitativa e visa divulgar a História da Matemática
no Brasil.

Palavras-chave: História da Matemática; Grau de Doutor em Ciências Matemáticas; João Baptista de Castro Moraes
Antas.

THE SECOND DOCTOR IN MATHEMATICAL SCIENCES FROM BRAZIL: JOÃO BAPTISTA DE CASTRO MORAES ANTAS

Abstract

In this article, we intend to report part of the doctoral research defended in the year 2014, referring to the second
Bachelor in Mathematics as Doctor of Mathematical Sciences after presentation of a doctoral dissertation to the
Military School. Our search was driven by timeless mathematics that was developed in the Doctoral Thesis presented
to the Military School between 1842 and 1858 in Brazil. However, in Brazil, begins a research on the Royal Military
Academy. We wanted to know how it is to the garage, what is what is what is what is what is is what is is what is is
what is is what is is what is what you want to say. Through the reading of the decrees and laws on a Royal Military
Academy and its reforms, we noticed a series of decrees that updated and gave new guidelines to the Royal Military
Academy transforming in 1839 into Military School and in 1842 in that school, was instituted the degree of Doctor of
Mathematical Sciences. In this year and the next, until 1846, teachers of the critical class received the title without
any other requirement whatsoever. With the publication of the Regularization of September 29, 1846, guidelines are
given at a distance that wish to obtain the title of Doctor. In this context we present João Baptista de Castro Moraes
Antas, who on February 1, 1848, delivered his doctoral dissertation to Dr. José Gomes Jardim, and on May 28, 1848,
his doctorate degree in the presence of Emperor D. Pedro II. In his dissertation, Theoria Mathematica of Probabilities,
João Baptista de Castro Moraes Antas, gives a historical account of this theory over the years. On July 26, 1856 he

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Anais do XII SNHM -2017
Mônica de Cássia Siqueira Martines

was appointed as the first Commander of the Fire Department, appointed by Emperor D. Pedro II, a native of Rio de
Janeiro who died in 1858. A research on visa disclosure and the History of Mathematics in Brazil.

Keywords: Mathematics, History, Keyword1, Keyword2.

1. Introdução

Nosso trabalho tem início na história da Academia Real Militar, em 1810, quando a mesma foi criada no
Brasil. Para que os alunos fossem admitidos à estudarem nela algumas regras foram estipuladas através da Carta de
Lei de 4 de Dezembro de 1810. A quantidade de regras disponibilizadas no documento de criação da Academia é
extensa, mas a exigência para o ingresso em tal academia nem tanto. Apenas era exigido ao candidato:
a. ter ao menos 15 anos e;
b. dar conta das quatro primeiras operações Matemáticas.
A Carta de Lei vigorou até 1831 quando foi permitida autorização para reformas nos estatutos da Academia
Imperial Militar1: O Artigo 15, §2º da Lei de 15 de Novembro de 1831, disposto no Capítulo V da referida Lei, traz
por título “Da Fixação das Despezas do Ministerio dos Negocios da Guerra.” São os valores que deverão ser
despendidos durante todo o
anno financeiro do 1º de Julho de 1832 ao ultimo de junho de 1833. [...] §2º
Com a Academia Militar, [...] Ficando o Governo autorizado a fazer na Academia a
reforma no systema dos estudos para as differentes armas do Exercito, de que dará conta
à Assembléa Geral Legislativa. (BRASIL, 1831).
A partir daí, a Academia Imperial Militar passou por várias mudanças em seu estatuto, entre elas, destacamos
as reformas feitas através do:
i. Decreto de 9 de Março de 1832. Onde a principal mudança se concentra na reunião das Academias
Militar e da Marinha; além de criar o curso Matemático;
ii. Decreto de 22 de Outubro de 1833. Neste decreto observa-se a separação das Academias, altera o
rol de disciplinas a ser ministradas e, extingue o curso Matemático;
iii. Decreto de 23 de Fevereiro de 1835, este decreto cancela o decreto de 1833 em relação às disciplinas
que haviam sido alteradas;
iv. n°25 de 14 de Janeiro de 1839, aqui a principal alteração é a alternância de Academia Militar para
Escola Militar;
v. Decreto de 09 de Março de 1842. Este decreto é importante, pois ele reorganiza as disciplinas e
institucionaliza o grau de doutor em Ciências Matemáticas na Escola Militar;
vi. Decreto de 01 de março de 1845, regulamenta o grau de bacharel em Matemáticas;
vii. Regularização de 29 de setembro de 1846, regulamenta o grau de doutor em Ciências Matemáticas.

Assim, o grau de Doutor em Ciências Matemáticas foi criado na Escola Militar pelo artigo 19 do Decreto
n°140 de 09 de março de 1842 do Império do Brasil. A aprovação do regulamento para a execução do Artigo 19, o
qual trata da obtenção do grau de Doutor em Ciências Matemáticas, foi publicada em 29 de Setembro de 1846. Neste
regulamento ficou estabelecido que o aluno que fosse aprovado nas matérias do sétimo ano da Escola Militar, obteria
o grau de Bacharel em Matemáticas. O Bacharel em Matemáticas que pretendesse o grau de Doutor, deveria fazer
uma requisição ao Diretor da escola. Para tanto o aluno deveria entregar uma certidão que comprovasse ter passado
em todos os exames preparatórios exigidos nos estatutos, e também ter obtido aprovações plenas em todas as matérias
ensinadas na escola.
Seguindo o regulamento, verificamos o conferimento do grau aos seis primeiros doutores em Matemática no
Brasil após a entrega de uma dissertação de Doutorado através do “Termo de Grau de Doutor nº1, 1846-1858”
disponível no Acervo do Museu da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, documento este que
tivemos acesso e que às páginas 13, 14 e 15 nos informa que o primeiro Doutor em Matemáticas foi Manuel da Cunha

1
Mudou de Academia Real Militar para Academia Imperial Militar após a independência do Brasil, em 1822.

288
Anais do XII SNHM -2017
O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: João Baptista de Castro Moraes Antas

Galvão, seguido por Ignacio da Cunha Galvão, João Baptista de Castro Moraes Antas, Francisco Joaquim Catête,
Luiz Affonso d'Escragnolle e Manoel Caetano de Gouvêa Junior.
Neste trabalho iremos detalhar um pouco mais sobre o segundo bacharel em Matemática a receber o título de
doutor após entregar uma dissertação. O classificamos como segundo a receber o título devido a data de entrega das
dissertações estudadas:

Quadro 3: Primeiras Dissertações de Doutorado entregues a Escola Militar


Data de entrega da dissertação Autor
22/12/1847 Manuel da Cunha Galvão
01/02/1848 João Baptista de Castro Moraes Antas
05/02/1848 Ignacio da Cunha Galvão
03/03/1848 Francisco Joaquim Catête
06/03/1848 Manoel Caetano de Gouvêa Junior
06/04/1848 Luiz Affonso d'Escragnolle
Fonte: Dissertações de Doutorado

2. Um breve histórico de João Baptista de Castro Moraes Antas

João Baptista de Castro Moraes Antas, de acordo com Blake (1895, p.335), era natural do Rio de Janeiro e
faleceu em 1858.
Ainda segundo este mesmo autor (1895, p.335), João Baptista completou o curso da Academia Militar e
assentou praça no exército em 2 de abril de 1838 sendo promovido a segundo tenente em 2 de dezembro de 1839.
Obteve o título de Doutor em Mathematicas em 1848, foi tenente coronel do corpo de engenheiros, cavalheiro da
ordem de Cristo, e servia como membro da comissão de melhoramentos do material do exército.
Em 26 de julho de 1856 foi nomeado como o primeiro Comandante do Corpo de Bombeiros, por indicação
do Imperador D. Pedro II. Na figura 2 vemos uma escultura em bronze do Major Moraes Antas, que antes adornava o
Gabinete do Comando no Quartel Central e agora está em exposição no Museu Histórico do Corpo de Bombeiros
Militar do Estado do Rio de Janeiro - CBMERJ.

Figura 1: Busto de João Baptista de Castro Moraes Antas

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Mônica de Cássia Siqueira Martines

Fonte: www.museu.cbmerj.rj.gov.br

Também segundo Blake (1895, p.335 e 336), Moraes Antas escreveu as seguintes obras:
Dissertação acerca da theoria mathematica das probabilidades;
O Amazonas: breve resposta a Memoria do tenente da armada americana-ingleza F.Maury sobre as vantagens
da livre navegação do Amazonas;
O Amazonas e as costas athlanticas da America Meridional;
Relatório apresentado a 15 de março de 1852, acerca da exploração dos rios Tocantins e Araguaya;
Informação acerca da navegação do Tocantins e seu afluentes, o Maranhão, Almas e Urubu, com preferência
a navegação do rio Araguaya e seus afluentes.

3. Alguns comentários sobre a dissertação de João Baptista de Castro Moraes Antas

A dissertação foi entregue em 01 de fevereiro de 1848, composta por 40 páginas. A mesma está dividida em
alguns subtítulos:

Quadro 4: Divisões da Dissertação de João Baptista de Castro Moraes Antas


Subtítulo Página
Prefácio V
Parte Primeira
Exposição e exame da theoria mathematica
9
das probabilidades
Recapitulação 23
Principios geraes do calculo de
23
probabilidades
Problemas 24
Parte Segunda
Origem, progressos e applicações diversas da
27
theoria das probabilidades
Fonte: Dissertação de João Baptista de Castro Moraes Antas
O Prefácio é composto por três páginas, nas quais o autor trata da escolha do tema.

290
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O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: João Baptista de Castro Moraes Antas

Commetida aos candidatos ao doutoramento a escolha da materia sobre que devem


dissertar, infinitas são as combinações de circumstancias e de considerações que os
podem decidir nesse acto. Quanto a nós, pareceu-nos que uma theoria moderna, ainda não
tratada elementarmente, cheia de attractivos, susceptivel de uma infinidade de
applicações, era um objecto digno de nossa preferencia. Assim pois, o objecto de nossa
dissertação é o calculo das probabilidades, materia que já foi consignada em um dos
projectos de Estatutos para esta Escola, e que sob o título de Arithmetica Social faz parte
do curso da celebre Escola Polytechnica. (MORAES ANTAS, 1848, p.v)

Ao esclarecer a escolha do assunto estudado, deixa claro que o mesmo não pertencia ao rol de disciplinas da
Escola Militar, mas que o Cálculo de Probabilidades é um tema que merecia a atenção e, por isso, o traz para sua
dissertação.
Moraes Antas traz uma citação de Saverien, em francês, a qual se refere à sabedoria e à beleza da ciência.
Diz que estas ciências sempre foram prezadas pelos maiores sábios desde a Antiguidade. Cita alguns cientistas
famosos, como Maupertius, d’Alembert e Condorcet, depois comenta sobre as descobertas sólidas e brilhantes de
Galileo, Kepler, Newton, Halley, Huyghens e Colombo, e completa dizendo ser a “Theoria das probabilidades, feliz
applicação da analyse mathematica, e que, na elegante expressão de Laplace, não é senão o bom senso reduzido a
calculo, competem quasi todos os attributos destas sciencias.” (MORAES ANTAS, 1848, p.vi).
Em seguida faz uma crítica ao modelo de doutoramento em vigor desde o decreto de 1842, regulamentado
em 1846.
Não é possível nem se exige por certo que inventemos uma nova theoria, que
proponhamos e resolvamos um novo e difficil problema como esses que os geometras
lançavão a seus emulos á guisa de desafio. Nossa tarefa reduzio-se, por conseguinte, a
exposição e exame dos principios em que se basêa o calculo das probabilidades, a fazer
ver o encadeamento e a evidencia com que podem ser estabelecidos, e a clareza de que
são susceptiveis. Depois disto, pareceu-nos que não seria ocioso o fazer ver o soccorro
que prestão na resolução das questões que lhe são sujeitas, e finalmente o apreço de que
por seu illimitado prestimo é digna uma theoria cuja origem, cujos progressos estão
ligados a noes que o mundo sabio sempre recordará com respeito e veneração. (MORAES
ANTAS, 1848, p.vii).

Vemos que o autor se mostra indignado quanto à composição da dissertação. Ele afirma que, para receber
um grau tão importante, o trabalho não deveria ser um “compêndio”, mas deveria ser algo inédito.
O trabalho, como vimos, está dividido em duas partes: a primeira trata do assunto matemático e a segunda
trata da História da Probabilidade.
Sobre a parte matemática não apresenta nenhuma novidade, como ele mesmo diz, o trabalho se trata de um
“compêndio” sobre a teoria das probabilidades.
Nesta parte da dissertação, parte matemática, Moraes Antas (1848, p.11) busca por definir o que é
probabilidade e, assim, diz que quando um juiz julga sobre um delito ocorrido, ou quando um general de exército quer
conhecer os planos do inimigo, em ambos os casos é “sempre que o espirito humano não póde chegar á certeza, a
marcha do raciocinio toma a fórma de uma especie de calculo cujo resultado domina mais ou menos nossa crença.
Este resultado é o que se chama - probabilidade.” E complementa dizendo que, quando mas somente possibilidade, há
casos que favorecem o sucesso e há casos que a excluem (MORAES ANTAS, 1848, p.11).

Em seguida, apresenta um exemplo: lançando dois dados A e B, queremos que a soma dos pontos
apresentados por eles seja 7. Qual a probabilidade de isso ocorrer? A solução dada por Moraes Antas é a seguinte:

Vê-se por esta tabella que, sendo 36 as combinações differentes que as faces apresentão, ha seis casos em
que a somma dos pontos é 7, a saber: 1 de A e 6 de B, 2 de A e 5 de B, 3 de A e 4 de B, 4 de A e 3 de B, 5 de A e 2
de B e 6 de A e 1 de B; e trinta casos em que a somma dos pontos é menor ou maior que 7.

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Mônica de Cássia Siqueira Martines

A B A B A B A B A B A B

1 1 2 1 3 1 4 1 5 1 6 1

1 2 2 2 3 2 4 2 5 2 6 2

1 3 2 3 3 3 4 3 5 3 6 3

1 4 2 4 3 4 4 4 5 4 6 4

1 5 2 5 3 5 4 5 5 5 6 5

1 6 2 6 3 6 4 6 5 6 6 6

Ha por consequencia probabilidade de obter e probabilidade de não obter a somma desejada. Neste exemplo
a primeira é 6/36 ou 1/6, e a segunda 30/36 ou 5/6. Observe-se que a somma dos casos favoraveis, isto é, daquelles
em que terá lugar o sucesso que se deseja, com os contrarios, isto é, com aquelles em que evidentemente o successo
não terá lugar, é igual á somma dos casos possiveis , pois, como acabamos de ver, sendo os casos favoraveis 6, e os
contrarios 30, os possiveis erão 36. (MORAES ANTAS, 1848, p.11 e 12).

Notamos que Moraes Antas deixa uma explicação bem feita sobre como encontrar a probabilidade pedida
no problema. E esse é um dos pontos fortes de sua dissertação. Inferimos que talvez o tenha feito dessa forma por ter
escolhido um ponto externo ao programa de ensino da Escola Militar, como o próprio autor já havia assumido no
prefácio.

Ao longo de toda a primeira parte Moraes Antas vai mostrando exemplos de como encontrar a probabilidade
em várias situações. Não as colocaremos aqui devido ao pouco espaço para este artigo.
Moraes Antas (1848, p.27) apresenta a segunda parte de sua dissertação, intitulada “Origem, progressos e
applicações diversas da theoria ds probabilidades”, onde inicia com uma citação de Cornelio Tacito, a qual diz: “Nec
omnia apud priores meliora, sed nostra quoque aetas multa laudis et artium imitanda posteris.”2
Ele comenta também que a teoria das probabilidades teve seu nascimento com dois matemáticos do século
XVII, Pascal e Fermat. (LAPLACE apud MORAES ANTAS, 1848, p.27). Em seguida, faz um estudo histórico da
vida de ambos. De acordo com o autor, o início da teoria das probabilidades se deu pela tentativa de resolver os
problemas do cavalheiro de Mené, onde Fermat e Pascal se aliaram para tentarem resolvê-lo. O problema, de acordo
com Moraes Antas (1848, p.29) é o seguinte:
Em um jogo de azar inteiramente igual, dous jogadores, jogando uma partida, que consiste
em chegar a um certo numero de pontos, querem levantar o jogo sem conclui-lo, tendo
chegado a numeros desiguaes de pontos. Pergunta-se como devem repartir o bolo, isto é,
a somma das paradas.

Moraes Antas mostra a solução dada por Pascal que, segundo o autor, foi dada da seguinte forma: se
estivessem iguais em pontos, os dois teriam esperança de ganhar metade da soma depositada; mas se antes da última
jogada quisessem parar, o jogador que tivesse o maior número de pontos poderia pensar que estaria em igualdade com
o adversário, caso jogasse a próxima partida e, assim, ambos teriam metade da quantia apostada, e disso não importava
se iria ganhar ou perder, somente a outra metade iria ficar sujeita à sorte e podendo ainda, nesta última jogada, ser
favorável ou não e, mesmo assim, teria o direito à metade desta metade que, juntando à primeira metade já ganha,
corresponderia a três quartos do montante. (MORAES ANTAS, 1848, p.30)
Em seguida, mostra como Fermat resolveu o mesmo problema. Segundo o autor, Fermat afirma que “é
evidente que a partida acabará necessariamente com dous lanços.” Reflete, também, sobre a seguinte afirmação: o
primeiro jogador (ou aquele que tem mais pontos) poderá ganhar as duas próximas jogadas, ou ganhar a primeira e
perder a segunda, ou perder a primeira e ganhar a segunda, ou perder ambas. De modo geral, representa essas

2
Nem tudo é melhor do que no passado, mas a nossa própria idade também produziu excelência e cultura para a posteridade de imitar. [Tradução
nossa.]

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O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: João Baptista de Castro Moraes Antas

possibilidades pela combinação das letras a e b tomando de duas em duas, podendo ser aa, ab, ba, bb. Conclui que
são três combinações favoráveis ao primeiro jogador e uma favorável ao segundo e, portanto, a probabilidade de
sucesso para o primeiro é de 3/4 e para o adversário é de 1/4, devendo repartir o bolo da aposta na razão de 3 para 1
(MORAES ANTAS, 1848, p.30).
Os trabalhos de Pascal e Fermat chamaram a atenção de outro cientista, Huyghens, que também deu
contribuições à nova teoria (MORAES ANTAS, 1848, p.30).
De acordo com Moraes Antas, Huyghens examinou os problemas propostos e resolvidos por Pascal e Fermat,
complicou-os variando as hipóteses e propôs novos problemas, estabeleceu princípios gerais sobre a nova teoria e
escreveu um tratado De Ratiociniis im ludo aleae, o que, segundo o autor, tornou pública a nova teoria e muitos outros
geômetras puderam examiná-la e dar novas aplicações. Um desses, que teve um grande destaque, foi Jacques
Bernoulli, que em sua obra Ars conjectandi aplicou os resultados da nova teoria às questões da vida civil (MORAES
ANTAS, 1848, p.32).

4. Considerações Finais

O segundo bacharel a obter o título de doutor em Ciências Matemáticas no Brasil no século XIX, o fez
seguindo o Regulamento de 1846: não apresentou nenhum resultado inédito, embora apresentasse elementos em sua
dissertação discordando do regulamento.
O assunto escolhido foi bem trabalhado em sua dissertação e, nada havia na mesma que deslustrasse a Coroa
nem a indivíduo algum, único requisito que poderia o fazer não receber o título almejado, por isso foi aprovado pelo
professor escolhido para analisar a mesma: Prof. Dr. José Gomes Jardim.

5. Referências

BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Diccionario bibliographico brazileiro. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1893. vol. 2.
BRASIL. Carta de Lei de 4 de Dezembro de 1810. Crea uma Academia Real Militar na Côrte e Cidade do Rio de
Janeiro. Lex: Coleção de Leis do Império do Brasil - 1810 , Página 232 Vol. 1. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br/legin/fed/carlei/anterioresa1824/cartadelei-40009-4-dezembro-1810-571420-norma-
pe.html>. Acesso em: 12 de jul. 2012.
BRASIL. Decreto de 9 de Março de 1832. Reforma a Academia Militar da Côrte encorporando nella a dos Guardas
Marinhas; e dá-lhe novos estatutos. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo - 1832.
Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio.
Consulta realizada em 26 de jul. 2012.
BRASIL. Decreto de 22 de Outubro de 1833. Separa a Academia de Marinha, e a companhia dos Guardas
Marinhas, da Academia Militar da Côrte, e dá a esta novos estatutos. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840,
Atos do Poder Executivo - 1833. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 26 de jul. de 2012.
BRASIL. Decreto de 23 de Fevereiro de 1835. Manda que fique de nenhum effeito os Estatutos para a Academia
Militar de 22 de Outubro de 1833, e que se observem os de 9 de Março de 1832, que baixarão com o Decreto desta
data, com as seguintes alterações. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo - 1835.
Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio.
Consulta realizada em 26 de jul. de 2012.
BRASIL. Decreto de 14 de Janeiro de 1839. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder
Executivo - 1839. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-
legislativa/legislacao/\\publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 26 de jul. 2012.
BRASIL. Decreto nº 140 - 09 de Março de 1842. Approva os Estatutos da Escola Militar, em virtude do Artigo 15
§ 2º da Lei de 15 de Novembro de 1831. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo -
1831. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 26 de jul. 2012.
BRASIL. Decreto nº404 - de 1 de Março de 1845. Manda executar provisoriamente os estatutos da Escola Militar,
em virtude do Art.15 § 2º da Lei de 15 de Novembro de 1831. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1841-1850, Atos
do Poder Executivo - 1845. Leis do Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio. Consulta realizada em 31 de jan. 2013.

293
Anais do XII SNHM -2017
Mônica de Cássia Siqueira Martines

BRASIL. Decreto nº 476 de 29 de setembro de 1846. Appovando o Regulamento para execução do Artigo 17 dos
Estatutos da Escola Militar. Lex: Colecção das Leis do Brazil, 1831-1840, Atos do Poder Executivo - 1846. Leis do
Império. Disponível em http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio.Consulta
realizada em 26 de jul. de 2012.
MILLER, Célia Peitl. O Doutorado em matemática no Brasil: um estudo histórico documentado (1842-1937).
Rio Claro: 2003. Dissertação de mestrado - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas.
MORAES ANTAS, João Baptista de Castro Moraes. Theoria Mathematica das Probabilidades. Rio de Janeiro,
1848. Tese de Doutorado - Faculdade de Mathematicas da Escola Militar do Rio de Janeiro.
SIQUEIRA MARTINES, Mônica de Cássia. Primeiros doutorados em matemática no Brasil: uma análise
histórica. UNESP- Rio Claro: 2014. Tese de doutorado.
TERMO de Grau de Doutor nº1, 1846-1858, disponível no Museu da Escola Politécnica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, às páginas 13, 14 e 15.

Nome do Autor
Mônica de Cássia Siqueira Martines
Departamento de Matemática –UFTM – campus de
Uberaba - Brasil

E-mail: monica.siqueira@uftm.edu.br

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da
OMatemática
manuscrito sobre Geometria Diferencial localizado...
ISSN 2236-4102

O MANUSCRITO SOBRE GEOMETRIA DIFERENCIAL LOCALIZADO NA BIBLIOTECA DA


SOCIEDADE LITERÁRIA E BENEFICENTE 5 DE AGOSTO NO MUNICÍPIO DE VIGIA (PA)

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Resumo

Neste trabalho apresentamos um manuscrito sobre Geometria Diferencial identificado na biblioteca da Sociedade
Literária e Beneficente “Cinco de Agosto”, localizada no município de Vigia de Nazaré, no estado do Pará. Esta
sociedade foi fundada em 1º de outubro de 1871, entretanto foi oficialmente instalada em 5 de agosto deste mesmo
ano com a intenção de instituir ações de cunho educacional, cultural e humanístico. A identificação deste manuscrito
ocorreu durante o desenvolvimento das atividades de pesquisa de campo realizada no município de Vigia, fundada
por Francisco Caldeira Castelo Branco durante sua expedição de conquista do Grão-Pará, em 06 de janeiro de 1616,
seis dias antes da fundação de Belém. Essas ações de pesquisa de campo foram estabelecidas pelo Grupo de Pesquisa
em História da Matemática e Educação Matemática na Amazônia, que também incluíram as seguintes visitas neste
município aos seguintes locais: o museu da cidade, a Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto e a Biblioteca
professora Irene Favacho Soeiro, biblioteca particular do professor, escritor e poeta José Ildone Favacho Soeiro,
membro da Acadêmica Paraense de Letras. O texto sobre Geometria Diferencial tem ao todo 170 páginas, todas
escritas a mão, numeradas na parte superior das folhas e centralizado. O manuscrito não possui capa, não apresenta
data ou nomes do autor(es). Observa-se pelo tipo de linguagem empregada, conforme podemos identificar nas palavras
subjectivo e objectivo, entre outras contidas no decorrer do texto, que este é uma produção antiga, por mais que não
possua a data de origem, podemos inferir de acordo com a semântica que se trata de um manuscrito dos meados do
século passado. Observa-se que houve uma preocupação por parte do autor em fazer uma abordagem sistemática e
detalhista do conteúdo. O autor apresenta métodos e estudar a resolução histórica da teoria das tangentes, ocupando-
se dos métodos apresentados por Descartes, Fermat e Leibnitz. A elaboração de um sumário nos permitiu ter uma
dimensão mais exata da dimensão da obra e da disposição dos conteúdos ao longo do texto. A abordagem dos
conteúdos nos leva a inferir que houve uma preocupação do autor em explica-los de modo sistemática e detalhada,
com apoio de figuras. Ressaltamos que neste trabalho apenas fizemos uma apresentação do manuscrito encontrado,
sem necessariamente nos determos numa análise dos conteúdos relacionados a Geometria Diferencial, este feito será
realizado em pesquisas futuras.

Palavras-chave: Matemática, História, Cálculo Diferencial, Geometria Diferencial.

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Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam.

[THE MANUSCRIPT ON DIFFERENTIAL GEOMETRY


LOCATED IN THE LIBRARY OF THE LITERARY AND CHARITABLE
SOCIETY 5 DE AGOSTO IN THE MUNICIPALITY OF VIGIA (PA)]

Abstract
In this work we present a handwritten book about Differential Geometry spotted in the library of "Cinco de Agosto”
Literary and Beneficent Society located in the municipality of Vigia de Nazaré, in the state of Pará. This society was
founded on October 1st, 1871, however it was officially installed on August 5th of that same year with the intention
of instituting educational, cultural and humanistic actions. The identification of this manuscript occurred during the
development of field research activities carried out in the municipality of Vigia, founded by Francisco Caldeira Castelo
Branco during his expedition to the conquest of Grão-Pará on January 6th, 1616, six days before the foundation of
Belém These field research actions were established by the Research Group on Mathematical History and
Mathematical Education in the Amazon, which also included the following visits in this municipality to the following
places: the city museum"Cinco de Agosto” Literary and Beneficent Society and the Library professor Irene Favacho
Soeiro, private library of the teacher, writer and poet José Ildone Favacho Soeiro, member of the Academic Paraense
de Letras. The text on Differential Geometry has in all 170 pages, all handwritten, numbered in the upper part of the
leaves and centralized. The manuscript has no cover, no date or names of the author (s). It is observed by the type of
language used, as we can identify in the words subjective and objective, among others contained in the course of the
text, that this is an old production, however it does not have the date of origin, we can infer according to the semantics
Which is a manuscript from the middle of the last century. It is observed that there was a concern on the part of the
author to make a systematic and detailed approach to the content. The author presents methods and study the historical
resolution of the theory of tangents, dealing with the methods presented by Descartes, Fermat and Leibnitz. The
elaboration of a summary allowed us to have a more exact dimension of the dimension of the work and the disposition
of the contents throughout the text. The approach of the contents leads us to infer that there was a concern of the author
in explaining them in a systematic and detailed way, with support of figures. We emphasize that in this work we only
did a presentation of the manuscript found, without necessarily dwelling on an analysis of the contents related to
Differential Geometry, this feat will be carried out in future researches.

Keywords: Mathematics, History, Differential calculation, Differential Geometry.

Introdução

O interesse pela pesquisa em História da Matemática surgiu junto à iniciativa de alguns alunos da graduação em
desenvolver pesquisas nesta área de conhecimento durante o III Congresso Ibero-americano de História da Educação
Matemática, realizado em Belém do Pará, em novembro de 2015. Diante dos desafios encontrados na iniciação
cientifica, tivemos o poio de professores da universidade, em especial do professor Miguel Chaquiam, que nos orientou
e auxiliou do desenvolvimento de pesquisas acadêmicas. Com o desejo em pesquisar sobre a História da Matemática
e do Ensino de Matemática, em especial a História da Educação Paraense, desenvolvemos pesquisas que foram
publicadas e apresentadas em eventos científicos.
Dentre essas pesquisas estão as publicações mais recentes no XII Encontro Nacional de Educação Matemática
(XII ENEM), que teve por objetivo descrever a trajetória da Instrução Pública no Pará, com enfoque para o Colégio
Gentil Bittencourt, sua origem e processo de estruturação. O grupo também desenvolveu pesquisas relacionadas a
outras duas instituições que consideramos relevantes para o desenvolvimento do ensino primário e secundário no Pará,
a saber, Colégio Estadual Paes de Carvalho e Instituto Lauro Sodré.
Por iniciativa dos professores Miguel Chaquiam e Natanael Freitas Cabral, observados os primeiros
resultados da pesquisa e a publicação destes em eventos científicos, foi constituído o Grupo de Pesquisa em História
da Matemática e Educação Matemática na Amazônia, vinculado a Universidade do Estado do Pará (UEPA),
credenciado pelo CNPq. Para alcançar um dos objetivos estabelecidos pelo grupo foi realizada uma pesquisa de campo
no município Vigia de Nazaré, no estado do Pará, no qual foi efetuado um levantamento de materiais com intuito de

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O manuscrito sobre Geometria Diferencial localizado...

buscar literaturas que servissem como fontes de pesquisas e que subsidiassem estudos futuros, tendo em vista que o
referido município foi o segundo na fundado na região, antecedendo Belém.
Sabe-se que Vigia seja a mais antiga de todas as cidades da Amazônia, tendo sido fundada por Francisco
Caldeira Castelo Branco durante sua expedição de conquista do Grão-Pará, em 06 de janeiro de 1616, seis dias antes
da fundação de Belém. Neste município visitamos o museu da cidade, a Sociedade Literária e Beneficente Cinco de
Agosto, fundada em 01 de outubro de 1871, e a Biblioteca professora Irene Favacho Soeiro, biblioteca particular do
escritor e poeta José Ildone Favacho Soeiro, membro da Acadêmica Paraense de Letras. Neste trabalho damos enfoque
à Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto e sua importância sociocultural para o município de Vigia de
Nazaré.
A Sociedade Cinco de Agosto foi o principal local de pesquisa para a elaboração deste trabalho, visto que
nesse espaço tivemos contato com documentos que contam a história do Pará, entre eles destacam-se o Álbum do
Estado do Pará que retrata oito anos de governo (1901 a 1909); Livros Didáticos antigos de Matemática e também
tivemos acesso às primeiras edições do jornal local O Cinco de Agosto que teve sua primeira publicação em 11 de
setembro de 1938. No decorrer dessa busca por materiais antigos voltados para o ensino de Matemática, nos deparamos
com manuscritos sobre Geometria Diferencial, no entanto, sem data e sem identificação dos autores, mas são de
extrema importância e de uma relevância muito grande por tratar de um tema mais atual e abordar conteúdos que não
figuram mais nos cursos de licenciatura em Matemática.
Desta forma, o presente estudo tem por objetivo apresentar o manuscrito sobre Geometria Diferencial, os
conteúdos presente nesse manuscritos encontrado na Sociedade Literária e Beneficente 5 de Agosto.

A Sociedade literária e Beneficente Cinco de Agosto

Na década de setenta do século XIX, um grupo de homens pertencente à classe intelectualizada vigiense, representada
por políticos, escritores, jornalistas, oradores e educadores, mostravam-se dispostas e condicionadas a promover um
movimento de comunhão de ideais. Neste sentido, em 1º de outubro de 1871, foi fundada a Sociedade Literária e
Beneficente “Cinco de Agosto”, com a intenção de instituir ações de cunho educacional, cultural e humanístico.
Inicialmente, sem sede própria, a “Cinco de Agosto” foi abrigada na sala da residência do primeiro presidente,
o Professor Francisco Quintino de Araújo Nunes. Embora conste como data de fundação oficial 1º de outubro de 1871,
a associação foi instalada oficialmente em 5 de agosto deste mesmo ano, data que lhe foi nomeada, data essa que, na
época, era dedicada a festa de Nossa Senhora de Nazaré, padroeira da paroquia.
Conforme o estatuto da Cinco de Agosto, datado de 1905, dentre seus objetivos prioritários, consistiam em:
distribuir a educação, o esclarecimento e benefícios ao povo, aos associados e seus dependentes, como, por exemplo,
a destinação de recursos, em casos de enfermidade, e financiamento de despesas fúnebres, em decorrência doa
falecimento; apoiar a cultura e motivar o amor aos valores locais. Outra atividade essencial era promover, em parceria
com a paróquia, o Círio de Nazaré, colaborando para a expansão da fé católica. A parte educacional seria exercida
através da implantação de uma Escola primária e de um Externato, para levar instrução gratuita à população
desprivilegiada.
Findando o século XIX, a Cinco de Agosto enfrentava difícil situação, o Externato não tinha como se manter
e fechou as portas. A entidade tomava rapidamente o ritmo da decadência, chegando à beira da extinção. Fato atribuído
a motivos diversos, como diminuição no numero de sócios contribuintes, a consequente falta de recursos e a mudança
de alguns dos membros mais importantes para a capital e para outros lugares, onde integravam movimentos sociais
ou buscavam melhores ofertas de trabalho e níveis de instrução mais avançados.
Diante da situação em que se encontrava a associação, o Prof. Manuel Evaristo Ferreira convocou alguns
membros para uma reunião em sua residência, em 08 de maio de 1902, a fim de se discutir providencias para que a
Cinco de Agosto não viesse a desaparecer. Neste renascimento foi idealizada a organização da biblioteca e ficou a
cargo do professor Bertoldo Nunes identificar quais dos associados residentes em Belém continuariam a participar,
além de coletar os livros que estavam em poder deles, para a posterior devolução à associação.
Em 1981 o professor, escritor e poeta José Ildone Favacho Soeiro ingressa na Academia Paraense de Letras
e na mesma época o mesmo assume a presidência da Cinco de Agosto. Em 1998, o prédio da sede apresenta riscos

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estruturais, sendo interditado e o acervo removido e, somente em 2004 que é iniciado o trabalho de resgate do acervo
literário e documental da entidade. Na presidência de Irineu Rabelo Vilela, em 2007, é reinaugurada a sede da Cinco
de Agosto em parceria com a prefeitura do município de Vigia.
Sendo considerada uma das mais antigas e importantes sociedades literárias e beneficentes do Brasil, a Cinco
de Agosto atualmente tem 145 anos e também conta com um museu para manter viva a história do Município de Vigia
de Nazaré na memória dos conterrâneos e dos visitantes que a ela recorrem.
Diante dessa breve história a cerca da Sociedade Literária Cinco de Agosto e da visita feita a este município,
constatou-se a preocupação dos seus atuais colaboradores em preservar os documentos e matérias dispostos no acervo
da biblioteca. Entre esses materiais encontramos um manuscrito sobre Geometria Diferencia que nos chamou a atenção
por ser um assunto que não faz mais parte integrante da estrutura curricular dos cursos de licenciatura em Matemática
nas atuais universidades com polo em Vigia.

Os polos das universidades

Nas décadas de 70 e 80, a disciplina Geometria diferencial foi parte integrante da estrutura curricular dos cursos de
licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Pará (UFPA) e antigo Centro de Estudos Superior do Estado
do Pará (CESEP), atual da Universidade da Amazônia (UNAMA). Tal disciplina nunca fez parte da estrutura
curricular do curso de licenciatura em Matemática da Universidade do Estado do Pará (UEPA).
No município de Vigia, o Campus da UEPA foi implantado em 2001, com turmas do Curso de Formação de
Professores, em sistema intervalar de ensino. Dez anos depois foi o pioneiro em ofertar o curso de Licenciatura em
Geografia, cuja primeira turma contou com 38 alunos. Além desse curso, são ofertadas as licenciaturas em
Matemática, Letras – Língua Portuguesa e Música.
Considerando que os cursos de licenciatura em Matemática ofertados pela UFPA e UEPA no município de
Vigia podem ser considerados recentes e que nestes não figuravam mais a disciplina Geometria Diferencial, muito
nos intriga o fato de que alguém se propôs a escrever um curso bastante consistente de Geometria Diferencial, numa
linguagem nada atual e ressaltando diferentes métodos de abordagem de conteúdos vinculados a geometria diferencial
e cálculo avançado. Isso demonstra que a sociedade Cinco de Agosto, embora fosse uma sociedade beneficente,
também teve a preocupação de trazer para o seu acervo e preservar materiais de qualidade de matemática, dentre eles:
esses manuscritos que revelam uma geometria esquecida no decorrer do tempo.

Apresentação do Manuscrito sobre Geometria Diferencial

O texto sobre Geometria Diferencial tem ao todo 170 páginas, todas escritas a mão, numeradas na parte superior das
folhas e centralizado. O manuscrito não possui capa, não apresenta data ou nomes do autor(es). Diante desses fatos
ficamos incomodados com a ausência desses importantes elementos para a identificação de uma obra tão valiosa
quanto esse manuscrito. No entanto, nos propomos em fazer uma apresentação desse material que foi guardado e
preservado na Sociedade Literária Cindo de agosto.
Na primeira página dessa obra, o autor define o que seria a Geometria Diferencial, ressaltando a diferença
dos seus dois domínios: o subjetivo e o objetivo.
Observa-se pelo tipo de linguagem empregada, conforme podemos identificar nas palavras subjectivo e
objectivo, entre outras contidas no decorrer do texto, que este é uma produção antiga, por mais que não possua a data
de origem, podemos inferir de acordo com a semântica que se trata de um manuscrito dos meados do século passado.

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Figura 1: Recorte da página 1 do manuscrito

Fonte: Biblioteca da Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto.

Houve uma preocupação por parte do autor em fazer uma abordagem sistemática e detalhista do conteúdo,
iniciando na página 2 com um contexto histórico da Theoria das tangentes esclarecendo que Descartes e Leibnitz
enveredaram por caminhos diferentes, o primeiro por meio geometria diferencial e o outro por meio da geometria
integral, respectivamente, convergindo para formação de uma geometria transcendente, conforme exposto no recorte
abaixo.
Nesse manuscrito o autor deixa claro que não abordará parte dos trabalhos relativos à instituição da geometria
integral, entretanto, irá abordar somente os trabalhos que tiveram por fim instituir a geometria diferencial.

Figura 2: Recorte da página 2 do manuscrito

Fonte: Biblioteca da Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto.

Desta forma o autor explica a origem do calculo diferencial, definindo que:

“Foi a Theoria das Tangentes às linhas planas que originam a instituição do calculo differencial,
pois foi na solução à esse problema que diversos geometras apresentaram trabalhos que,
sucessivamente aperfeiçoados, prepararam o advento do calculo”. (p. 2 do manuscrito).

A partir da exposição do problema, o autor cita os “geometrais” que desenvolveram métodos para a resolução
da Theoria das Tangentes às linhas planas:

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Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam.

“Descartes na sua geometria publicada em 1637, instituía um método para a determinação das
tangentes às linhas planas. Fermat após o aparecimento da geometria de descartes publicou um
outro método para a resolução do mesmo problema”. (p. 2 do manuscrito).

De posse da origem do Calculo Diferencial, o autor se propõe a apresentar em que consistem esses dois
métodos e estudar a resolução histórica da teoria das tangentes, ocupando-se os métodos que foram apresentados por
Descartes, Fermat e Leibnitz. Tais métodos foram identificados ao longo das páginas do manuscrito, conforme
disposto no quadro a seguir.

Figura 3: Sumário do Manuscrito


Conteúdo
Theoria das Tangentes - 2
I – Historico - 2
1º Methodo de Descartes - 3
1º Methodo de Fermat - 8
2º Methodo de Descartes - 18
3º Methodo de Descartes - 21
2º Methodo de Fermat - 23
Modificação de Berroso - 25
Methodo de Leibnitz - 26

II - Theoria reetilinea das tangentes às linhas planas - 29


Questões Accessoria - 37
Applicação da Theoria das tangentes - 49
2 º Applicação da Theoria das tangentes - 63

III - Theoria reetilinea dos planos tangentes - 71


Questões Accessoria - 80
Applicação abstracta da theoria dos planos tangentes - 85
Theoria das asymptotas - 88
Asymptotas rectilineas - 89
1º methodo - 91
2º methodo - 93
Asymptotas curvilíneas - 100
Methodo subsidiário - 104
Theoria polar das tangentes e das asymptotas - 106
I - Tangentes - 106
II – Asymptotas - 111
Exercicios Praticos - 113
Theoria da curvatura - 117
Propriedades da evoluta - 134
Curva evolutória - 145
Theoria dos contactos das linhas planas - 153
Curvatura das linhas não planas - 167
Fonte: Elaborado pelos autores

A organização dos conteúdos apresentadas no quadro acima nos subsidiou quanto a identificação dos
conteúdos elencados pelo autor, assumindo a figura de um protótipo de sumário deste manuscrito, além de facilitar

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sua manipulação.
Percebe-se que além da Theoria das Tangentes, o autor apresenta outras teorias, a saber, a Theoria das
asymptotas, a Theoria Polar e a Theoria da curvatura, todas retratando temas importantes dentro da geometria
diferencial. A disposição dos conteúdos ao longo do texto segue uma mesma linha de metodológica: apresentação da
teoria, métodos e propriedades e, por fim, as questões e aplicações ou exercícios práticos.
Os métodos são sempre apresentados com demonstrações na integra, isso mostra uma preocupação da parte
do autor em fazer uma abordagem sistemática e detalhista, apoiadas em desenhos, sempre procurando esclarecer
terminologias e fazer interpretações geométricas. Apresentamos a seguir o primeiro Methodo de Descartes que
respalda nossas afirmações anteriores referente a apresentação dos conteúdos constantes no texto.

Figura 4: Recorte da página 3 do manuscrito

Fonte: Biblioteca da Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto.

Observa-se no primeiro método uma preocupação em esclarecer noções anteriores que seriam necessárias
para o entendimento da demonstração. Assim, o autor faz a demonstração para a determinação das tangentes as linhas
planas.
Em função do exposto percebem-se dois fatos, o primeiro quanto a coerência metodológica empregada ao
longo do texto para explanar os temas e, o segundo, quanto a didática do autor evidenciada no manuscrito por meio
da preocupação em relação a apresentação, detalhamento dos métodos e figuras de apoio, ambos corroboram no
sentido de elevar a importância dos temas abordados num material de Geometria Diferencial, muito provavelmente,
favorecer a aprendizagem desse conhecimento matemático restrito a poucos que dominam os fundamentos do cálculo
diferencial e integral.

Conclusão

O presente estudo teve por objetivo apresentar o conteúdo de Geometria Diferencial presente nos manuscritos
encontrados na Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto. Para isso foi feito uma abordagem histórica sobre
o surgimento do Cinco de Agosto e sua importância na preservação de literaturas que constitui a história do município
de Vigia e de materiais do ensino de matemática, como é o caso do manuscrito sobre Geometria Diferencial.
O manuscrito encontrado, apesar de não conter data e nem a identificação dos autores, é de suma importância
por tratar de um tema tão importante como é o caso da Geometria Diferencial, embora não faça mais parte do currículo
das licenciaturas em Matemática no Brasil, observado as diretrizes curriculares nacionais para tais cursos.

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Em alguns casos, a transcrição das palavras contidas no texto foi feita na integra, de modo que se tornasse
perceptível pelo leitor o tipo de linguagem empregada no texto. Além disso, caracterizando o texto em termos de
linguagem, podemos inferir que se trata de um texto antigo que retrata temas importantes dentro da geometria
diferencial.
A abordagem de um conteúdo frente aos diversos métodos nos leva a inferir que houve uma preocupação do
autor em explicar este conteúdo de modo sistemático e detalhista, assim como a preocupação quanto a metodologia
empregada na exposição dos temas e a didática evidenciada com a preocupação em produzir um material de extrema
importância para o meio acadêmico e científico.
É importante ressaltar que este trabalho se propôs a fazer uma apresentação do manuscrito encontrado, sem
necessariamente nos determos numa analise do conteúdo relacionado a Geometria Diferencial, este feito será realizado
em pesquisas futuras, tendo-se em vista os objetivos estabelecido para o Grupo de Pesquisa em História da Matemática
e Educação Matemática na Amazônia: Desenvolver pesquisas sobre História da Matemática e Educação Matemática
na região Amazônica visando à construção de dialógos entre as diferentes áreas do conhecimento; efetuar o resgate
da memória individual, coletiva e institucional e a constituição histórica da educação de modo a subsidiar a
compreensão e a análise das concepções e práticas educacionais no contexto amazônico. As ações também estão
voltadas para a análise e produção de estratégias, metodologias e materiais instrucionais com o intuito de contribuir
para a melhoria do processo de ensino e de aprendizagem da Matemática.

Bibliografia
ALMEIDA, Wilkler Luiz Almeida e SOEIRO, José Ildone Favacho. Sociedade Literária e Beneficente Cinco de
Agosto: Levantamento Histórico. Vigia de Nazaré (PA): Sociedade Literária e Beneficente Cinco de Agosto, 2008.
CORDEIRO, Paulo. A mulher na sociedade vigiense: 1917 a década de 70. Vigia de Nazaré (PA): O autor, 2012.
SOEIRO, José Ildone Favacho. Cem anos de educação: A Vigia em seu “Barão”. Belém (PA): IOEPA, 2002.
SOEIRO, José Ildone Favacho. Ginásio “Bertoldo Nunes”: Medalha de ouro para Vigia de Nazaré. Vigia de Nazaré
(PA): O autor, 2008.
Geometria Diferencial. Manuscrito, sem autoria e data.

Ana Paula Nascimento Pegado Couto


Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: ana.couto16@hotmail.com

Rosineide de Sousa Jucá


Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: rosejuca@gmail.com

Miguel Chaquiam
Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: miguelchaquiam@gmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

TEOREMA DE TALES EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA APOIADA NA HISTÓRIA DA


MATEMÁTICA E EM ATIVIDADES INVESTIGATÓRIAS

Márcia Nunes dos Santos


Marger da Conceição Ventura Viana
Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP – Brasil

Resumo

Este trabalho se insere na História da Matemática no ensino, e, buscou-se a sua utilização como apoio à construção de
conhecimentos matemáticos a partir das potencialidades pedagógicas apontadas por pesquisadores. Buscaram-se
contribuições de atividades investigatórias com o emprego da História da Matemática ao processo de ensino-
aprendizagem do Teorema de Tales. Para a conceituação de atividades investigatórias foram utilizados os estudos de
Iran Abreu Mendes e sobre o processo de ensino aprendizagem os de Marger Viana. Tendo em vista a importância
desse tipo de atividade como metodologia para o ensino de Matemática foi elaborada e implementada uma proposta
de atividades investigatórias com uma turma do 9º ano do ensino fundamental. Neste artigo será apresentada a
estratégia utilizada na realização de uma delas. Um dos instrumentos utilizados para a construção dos dados foram os
aparelhos celulares dos participantes para a gravação dos diálogos, pois na escola local da pesquisa, os recursos eram
escassos. Também as respostas dadas a um questionário elaborado com o fim de aquilatar os conhecimentos básicos
de Geometria e História da Matemática dos participantes, além das observações anotadas no caderno de campo e os
registros escritos dos alunos participantes. Os dados obtidos foram analisados à luz da fundamentação que embasou a
pesquisa, isto é, de acordo com as características do processo de ensino-aprendizagem apresentadas e a observação da
presença das componentes intuitiva, algorítmica e formal no decorrer de cada atividade. Quanto às contribuições
obtidas, além da aprendizagem do Teorema de Tales, obteve-se a mudança de opinião dos participantes sobre as aulas
de Matemática e a modificação do comportamento deles, como aumento de confiança em si, interação, cooperação,
respeito mútuo, redução da agressividade verbal e física, do desinteresse e da falta de compromisso.

Palavras-chave: Matemática, História, Atividades investigatórias; processo de ensino-aprendizagem, Teorema de


Tales.

THEORY OF TALES IN A CLASSROOM: A PROPOSAL SUPPORTED IN THE HISTORY OF


MATHEMATICS AND INVESTIGATORY ACTIVITIES

Abstract

This work is inserted in the History of Mathematics Teaching, and its use was sought as support to the construction
of mathematical knowledge from the pedagogical potentialities pointed out by researchers. Contributions of
investigatory activities were sought with the use of the History of Mathematics in the teaching-learning process of
Thales Theorem. The studies of Iran Abreu Mendes were used for the conceptualization of investigatory activities and
those of Marger Viana were used for the teaching-learning process. Considering the importance of this type of activity
as methodology for the teaching of Mathematics, a proposal of investigatory activities was elaborated and
implemented in a 9th grade class of secondary school. This article will present the strategy used to carry out one of
them. One of the tools for the construction of the data was the use of participants’ cellular devices to record the
dialogues, because the resources in the local school of research were scarce. It was also used the answers of a
questionnaire elaborated with the purpose of assessing the participants’ basic knowledge of Geometry and History of

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Anais do XII SNHM -2017
Márcia Nunes & Marger Viana

Mathematics, besides observations written down in the field notebook and the written registers of the participating
students. The obtained data were analyzed in the light of the foundation that supported the research, that is, according
to the characteristics of the teaching-learning process presented and the observation of the presence of intuitive,
algorithmic and formal components in the course of each activity. In relation to the obtained contributions, besides
the Thales Theorem learning, it was obtained the changing of the participants’ opinion about the Mathematics class
and the modification of their behavior, such as increase of self-confidence, interaction, cooperation, mutual respect,
and also reduction of verbal and physical aggression, lack of interest and lack of commitment.

Keywords: Mathematics, History, Investigatory activities; teaching-learning process, Thales Theorem.

Introdução

Resultados obtidos de pesquisas indicam a possibilidade de proporcionar aos alunos condições para que, por
meio da História da Matemática, consigam se interessar e compreender o conteúdo que está sendo abordado. Nesse
sentido, a abordagem histórica visa a mostrar aos alunos o porquê e não necessariamente o para quê de se estudar
aquele conteúdo insistentemente questionado por eles, contribuindo para um olhar crítico sobre os objetos de estudo.
Além de explicar alguns desses porquês, a História da Matemática pode fornecer aos alunos a possibilidade de
participar de descobertas, conhecendo situações que motivaram criações matemáticas. Dessa maneira, “em vez de se
ensinar a praticidade dos conteúdos escolares, investe-se na fundamentação deles. Em vez de ensinar o para quê,
ensina-se o porquê das coisas” (NOBRE, 1996, p. 31).
Aceitamos também que o direcionamento das informações históricas pode possibilitar a compreensão de
teorias que hoje aparecem acabadas e elegantes, criadas sem erros e, quase sempre, na ordem inversa com que é
exposta nos livros. Afinal, é interessante mostrar aos alunos que eles não são os únicos que têm dificuldades em
entender certas partes da Matemática. Morris Kline (1976) explica:

“Se os matemáticos levaram um milênio desde o tempo em que a Matemática de primeira classe
pareceu chegar ao conceito de números negativos – e levaram – e se levaram outro milênio para
aceitarem os números negativos – como realmente levaram, podemos ter certeza que os estudantes
terão dificuldades com os números negativos”. (KLINE, 1976, p. 60).
Portanto é preciso revelar aos alunos que a Matemática é uma ciência em construção e que nem sempre foi
fácil e simples criar uma teoria ou um conceito. E que até os grandes matemáticos tiveram seus momentos de
dificuldade e de erros. Assim, é necessário desmistificar a ideia que muitos têm da Matemática como uma ciência
pronta e infalível.
Dessa maneira, o que consideramos quanto ao uso da História da Matemática em sala de aula se aproxima do
que foi exposto pelo filósofo da Matemática e da Ciência Imre Lakatos (1978, p.183): “não há teoria que não tenha
passado por um período de progresso; além do mais, esse período é o mais interessante do ponto de vista histórico, e
deve ser o mais importante do ponto de vista didático”.
Assim, as informações históricas levadas para a sala de aula visam a mostrar aos alunos que aquele conteúdo
estudado teve uma história e que se pode conhecê-la e aprender com ela. Nesse sentido, Mendes (2006), considera
que os alunos podem realizar experiências provenientes de informações históricas com o objetivo de “desenvolver o
seu espírito investigativo, sua curiosidade científica e suas habilidades matemáticas, de modo a alcançar sua autonomia
intelectual” (p. 87).
Vivenciar, pois, experiências resgatadas das informações históricas, motivou uma resposta sobre como a
História da Matemática poderia ser abordada em sala de aula. Essa resposta foi inspirada por textos de Mendes (2006,
2008, 2009a):
“(...)A viabilidade de uso pedagógico das informações históricas baseia-se em um ensino de
Matemática centrado na investigação; o que conduz professor e aluno à compreensão do movimento
cognitivo estabelecido pela espécie humana no seu contexto sócio-cultural e histórico, na busca de
respostas às questões ligadas ao campo da Matemática como uma das formas de explicar e

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Anais do XII SNHM -2017
Teorema de Tales em sala de aula: uma proposta apoiada na História...

compreender os fenômenos da natureza e da cultura (MENDES 2008, p. 15).

Sendo assim, o que Mendes (2008) propõe é que, com base nessas concepções, o professor consiga inserir
em suas aulas atividades que tenham uma dinâmica investigatória, “a pesquisa como princípio científico e educativo”
(p.15), com características manipulativas, extraídas e adaptadas da História da Matemática, a fim de que os alunos
compreendam o processo de formalização do conteúdo apresentado e participem dele.
Isto está conforme Viana (2002, 2013), que ao apoiar-se no enfoque histórico-cultural em sua concepção de
aprendizagem, considera que o processo de ensino-aprendizagem, se apresenta como um processo ativo, consciente,
motivador, significativo, individual, comunicativo, de forma que “pressuponha uma relação dialogal franca, amistosa,
afetiva, motivante e participativa” (VIANA, 2013, p. 17).
Este processo é também interativo, cooperativo e social, em que o professor é o orientador e o aluno o sujeito
ativo e consciente, orientado a interagir com outros sujeitos (o professor e outros estudantes), desenvolvendo ações
com o objeto de estudo. Daí o caráter ativo e consciente do processo. Mediante a ajuda do outro, o aluno soluciona as
tarefas que ainda não é capaz de realizar por si só, daí o caráter cooperativo do processo. E para possibilitar as
interações, as formas organizativas do processo devem ser grupais, isto é, as atividades devem ocorrer em pequenos
grupos de alunos, para oportunizar o exercício da cooperação e do trabalho conjunto. (VIANA, 2002, 2013). Com
isso, o professor necessita de promover atividades para o aluno realizar, ao contrário da aula expositiva, em que a
atividade é realizada pelo professor. E, para impulsionar a ação do aluno, o processo deve ser motivador e promotor
do interesse del. (SANTOS, 2013).
Isto combina com Mendes (2009a) quando afirma:
A utilização da investigação histórica no ensino aprendizagem da Matemática pressupõe que a
participação efetiva do aluno na construção de seu conhecimento em sala de aula constitui-se em
um aspecto preponderante nesse procedimento didático [...]. Por isso, sou favorável que as
informações históricas da Matemática sejam utilizadas sob a performance de atividades
investigatórias, voltadas à aprendizagem da matemática escolar”. (MENDES, 2009a, p. 88)

Este autor defende que “esse processo investigativo nas aulas de Matemática pressupõe a valorização do
saber e do fazer históricos na ação cognitiva dos estudantes” (MENDES, 2008, p. 21). Por isso decidimos apresentar
informações históricas em sala de aula por meio de atividade investigatória como o sustentáculo da proposta
desenvolvida nesta pesquisa. Procuramos desenvolver uma proposta que contemplasse atividades direcionadas para
tornar os alunos ativos na construção de seu conhecimento e o professor, o orientador do processo. Esta possibilidade
de associar a História da Matemática com atividades propícias à interação entre o sujeito e o objeto de conhecimento
foi encontrada nos trabalhos de Mendes (2006, 2009a, 2009b).
Neste contexto, o desenvolvimento de um trabalho em Geometria foi motivado tanto pela nossa experiência
como docentes quanto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (BRASIL, 1998), que valorizam a
importância de estudar a Geometria:
“[ela] desempenha um papel fundamental no currículo, na medida em que possibilita ao aluno
desenvolver um tipo de pensamento particular para compreender, descrever e representar, de forma
organizada, o mundo em que vive. Também é fato que as questões geométricas costumam despertar
o interesse dos adolescentes e jovens de modo natural e espontâneo. Além disso, é um campo fértil
de situações-problema que favorece o desenvolvimento da capacidade para argumentar e construir
demonstrações”. (BRASIL, 1998, p.122)

Diante dessas considerações, refletimos sobre o processo de ensino aprendizagem de teoremas da geometria
plana e selecionamos o Teorema de Tales, devido à sua importância em construções geométricas, nas relações de
semelhança de triângulos e o fato de ser um tema apresentado aos alunos do último ano do ensino fundamental. A
partir desses argumentos, foi construída a questão de investigação: Que contribuições podem advir no
desenvolvimento de atividades investigatórias que utilizam a História da Matemática no processo de ensino-

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Márcia Nunes & Marger Viana

aprendizagem do Teorema de Tales?


Assim, com base nas leituras que fundamentaram esta pesquisa e na análise das respostas ao questionário
apresentado aos participantes foi importante e possível selecionar/elaborar atividades investigatórias com informações
históricas, embora nem todas apresentassem explicitamente a História da Matemática, para propiciar a compreensão
do Teorema de Tales a alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, público alvo da pesquisa. Estes eram alunos em
situação de risco, sendo necessário obter mudanças no comportamento deles, modificação de suas opiniões sobre as
aulas de Matemática e a Matemática e sua história.
Nas primeiras atividades a História da Matemática foi utilizada de modo explícito, como elemento
desencadeador e motivador para o processo de ensino-aprendizagem do Teorema de Tales e nas demais no estilo
implícito. A análise dos dados foi realizada segundo a conceituação de processo de ensino-aprendizagem da
Matemática de Viana (2002, 2013) e de atividades investigatórias de Mendes (2006, 2008, 2009a, 2009b).

Para melhor compreender o papel da História da Matemática no ensino

As discussões históricas relativas à Matemática tiveram expressivo destaque em um Workshop sobre a


História da Educação Matemática, em Toronto, no Canadá, no ano de 1983, e ocorreu na mesma ocasião da criação
do Internacional Study Group on the Relations between the History and Pedagogy of Mathematics (HPM), grupo
afiliado à Comissão Internacional de Ensino da Matemática (ICMI).
No cenário nacional, a prioridade foi dada a partir da década de noventa do século XX, na qual, as pesquisas
sobre esse tema se ampliaram expressivamente envolvendo elementos históricos, não apenas em propostas
curriculares, mas também em coleções de livros didáticos e paradidáticos. Nesse sentido, os trabalhos desenvolvidos
em História da Matemática e História da Educação Matemática adquiriram destaque principalmente a partir da criação
da Sociedade Brasileira de História da Matemática (SBHMat) em 30 de março de 1999, no III Seminário Nacional de
História da Matemática, realizado em Vitória, no Espírito Santo.
Porém Baroni e Nobre (1999), advertem que apesar da História da Matemática estar ganhando destaque no
meio acadêmico-educacional e se destacando como instrumento para propostas didático-pedagógicas, ela é uma “área
do conhecimento matemático, um campo de investigação e, portanto, não pode ser analisada simplesmente como um
instrumento metodológico” (p.129).
Contudo, relacionar a História da Matemática com o ensino de Matemática não é uma proposta recente.
Miguel (1993) se referiu a esse fato quando expôs sua preocupação quanto à importância da história na Educação
Matemática e ainda conseguiu apontar a necessidade de resgatar a Educação Matemática na história, recorrendo à
Filosofia da Matemática. Essa questão colocada é importante pelo motivo de buscar compreender a inserção da própria
Educação Matemática na história e, consequentemente, a sua contribuição para o ensino da Matemática. Dessa
maneira, propor atividades de ensino que se fundamentam e se apoiam na história para ensinar Matemática, sem fazer
da história simplesmente uma ação motivadora, foi um dos propósitos da pesquisa. Nesse trabalho, buscou-se a
utilização da história como apoio à construção de conhecimentos matemáticos, indo além da abordagem de uma
história apenas motivadora, embora a motivação seja o que todo educador procura em suas aulas.
Enfatizou-se a utilização da história da resolução de problemas que geraram teorias, porque faz sentido que
o estudante veja na história alguns porquês de se criar determinada Matemática. Mas é necessária cautela na escolha
dos problemas, afinal o objetivo não é, necessariamente, apresentar aos alunos problemas discutidos há séculos e até
incorrer no risco de que os mesmos não mais façam sentido para eles.
Nobre (1996) discute exatamente a importância de se fomentar um pensamento questionador nos alunos
durante as aulas de Matemática, a fim de que os mesmos percebam o desenvolvimento dessa ciência, através dos
“porquês” do surgimento de um assunto, ou do surgimento de determinados teoremas em certa época na sociedade.
Por exemplo, muitos alunos não se interessam pelo estudo de polinômios, e a linguagem algébrica não faz
nenhum sentido, principalmente para os adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental. Neste caso, o professor pode
recorrer à história explicando que a inspiração surgiu da ideia de representação de um número por meio de um
comprimento. Feito atribuído aos gregos antigos e suas engenhosas operações algébricas e que foram os pitagóricos
os responsáveis pelo rigor geométrico dessa linguagem, através de métodos de decomposição (EVES, 2007).

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Teorema de Tales em sala de aula: uma proposta apoiada na História...

Portanto, a ideia fundamental é combinar alguns argumentos citados por Miguel (1997) que reforçam as
potencialidades pedagógicas da História da Matemática, a saber: uma fonte para a seleção de problemas práticos,
curiosos e informativos a serem incorporados nas aulas de Matemática; um instrumento de formalização de conceitos
matemáticos; e um instrumento que pode promover a aprendizagem da Matemática plena de significados e, portanto,
compreensiva para o aluno.

A Pesquisa: sobre as atividades

As atividades aconteceram no horário das aulas de Matemática e o início se deu com o preenchimento de um
questionário com a finalidade de verificar o que alunos sujeitos da pesquisa tinham como conhecimento prévio para a
realização das atividades relativas ao teorema de Tales. Outro objetivo deste questionário foi conhecer o grau de
interesse desses alunos pela geometria e se conheciam a História da Matemática. Este instrumento também serviu de
base para a elaboração das atividades da proposta de ensino (SANTOS, 2013). Para simplificar, daqui para frente,
escreveremos alunos.
Os alunos trabalharam em trios, duplas, e individualmente, conforme a concepção de processo de ensino
aprendizagem adotado, dentro e fora da sala de aula conforme o tipo de atividade desenvolvida. Foi interessante a
reação deles quando a professora lhes relatou o histórico fato de Tales haver medido a pirâmide de Quéops, no Egito,
utilizando tão somente a medida de uma estaca e as medidas das sombras da estaca e da pirâmide.
Foi curiosa a resposta de alguns alunos, quando lhes foi questionado como poderiam medir a altura do poste
próximo ao portão da escola. Um aluno respondeu que subiria no poste, mas outros até se assustaram com tal resposta,
riram e disseram se deveriam fazer como Tales, utilizando sombras. A turma ficou interessada em fazer esse
experimento. Além disso, alguns participantes lembraram-se de que um item do questionário que haviam respondido
referia-se à importância da História da Matemática e concluíram que realmente ela interessa no presente, não
consistindo apenas de fatos já perdidos no tempo. Nesse momento, perceberam que seria possível adaptar um processo
histórico para o cálculo de alturas inacessíveis e de objetos conhecidos e próximos deles. Essa atividade deixou os
alunos admirados com os resultados obtidos e entenderam prazerosamente a aplicação do Teorema de Tales. Voltando
para a sala de aula foi realizada uma discussão sobre os procedimentos usados no cálculo da altura da árvore. Assim,
os alunos e realizaram as atividades, inclusive cálculos (que geralmente não lhes agradam) sem reclamações.
As atividades propostas instigaram a aprendizagem dos estudantes. De fato, a História da Matemática
proporcionou a motivação para a aprendizagem dos conceitos requeridos. Em seguida foi possível realizar a
formalização dos conceitos matemáticos necessários. Assim, percebeu-se que houve uma aprendizagem compreensiva
para os alunos, logrando escapar de um ensino memorístico. Em síntese, isso está de acordo com a fundamentação
teórica dessa pesquisa.

Resultados e conclusões

Após a realização das atividades e do levantamento dos registros das mesmas, procurou-se verificar as
contribuições promovidas pelo sistema de atividades proposto para o ensino e aprendizagem dos teoremas de Tales.
Consideraram-se como contribuições os avanços na habilidade de interpretar e empregar os conteúdos
aprendidos na resolução de situações problema, no caso, utilizar os teoremas de Tales para solucionar problemas que
envolviam seus conteúdos.
Como o propósito deste estudo foi contribuir de modo concreto para a melhoria do processo de ensino-
aprendizagem da Geometria Euclidiana, mais especificamente, do teorema de Tales, acredita-se, ainda que
modestamente, este foi alcançado.
Vale destacar que as atividades realizadas nesta pesquisa foram aquelas que o perfil dos alunos possibilitou.
Partimos de experiências concretas (componente intuitiva) e avançamos para experiências semi concretas e
formalizações (componente algorítmica). O mais difícil foi alcançar a capacidade de representações formais ou
abstrações, em vista das limitações que enumeramos no início deste texto. Com isso, reconhecemos que atividades
mais aprofundadas podem e devem ser elaboradas e realizadas, dependendo do perfil dos alunos (participantes)

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Márcia Nunes & Marger Viana

(Santos, 2013).
Uma contribuição considerada relevante foi a mudança de opinião dos participantes sobre as aulas de
Matemática e a modificação do seu comportamento, como redução da agressividade verbal e física, do desinteresse e
da falta de compromisso, e aumento de confiança em si. Aos poucos, essas atitudes se transformaram, tornando
possível a promoção de um ambiente favorável à interação, à cooperação e ao respeito entre os participantes,
necessário à realização do processo de ensino-aprendizagem.
Com isso, espera-se que este estudo possa reverter positivamente para a comunidade escolar, visto que o
ensino e a aprendizagem de Geometria Plana ainda é um conteúdo considerado difícil, principalmente quando os
alunos têm problemas de comportamento.

Bibliografia
BARONI, R. L. S. & Nobre, S. A Pesquisa em História da Matemática e Suas Relações com a Educação Matemática.
In: BICUDO, M. A. (org.). Pesquisa em Educação Matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: UNESP, 1999.
BRASIL. Ministério da Educação e de Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Matemática, terceiro e quarto ciclo. Brasília, 1998.
EVES, H. Introdução à História da Matemática. Trad. Hygino H. Domingues. Campinas, SP: Unicamp, 2004.
KLINE, M. O Fracasso da Matemática Moderna. Trad. Leônidas Gontijo de Carvalho. São Paulo: IBRASA, 1976.
LAKATOS, I. A lógica do descobrimento matemático: provas e refutações. Trad: Nathanael C. Caixeiro. Rio de
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MENDES, I. A. A investigação histórica como agente da cognição matemática na sala de aula. In: MENDES, I. A.;
FOSSA, J. A.; VALDÉS, J. E. N. A história como um agente de cognição na Educação Matemática. Porto Alegre:
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MENDES, I. A. A história como um agente de cognição na Educação Matemática. In: Matemática e Ciência –
conhecimento, construção e criatividade: In. Revista eletrônica do Curso de Licenciatura Plena em Matemática da
PUC Minas. Ano 1, n. 2, 7-18 (julho, 2008). Belo Horizonte. 2008.
MENDES, I. A. Investigação Histórica no Ensino da Matemática. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2009(a).
MENDES, I. A. Matemática e investigação em sala de aula: tecendo redes cognitivas na aprendizagem. 2. ed. rev. e
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MIGUEL, A. Três estudos sobre história e educação matemática. Tese de doutorado. Faculdade de Educação –
UNICAMP, 1993.
MIGUEL, A. As potencialidades pedagógicas da História da Matemática em questão: argumentos reforçadores e
questionadores. In: ZETETIKË-CEMPEM,-FE/UNICAMP, - V. 5- N. 8-Ju.l/Dez. de 1997, p. 73-103.
NOBRE, S. Alguns “porquês”na História da Matemática e suas contribuições para a Educação Matemática.
Cadernos CEDES n.40. História e Educação Matemática. Campinas, SP: Papirus, p.29-35, 1996.
SANTOS, M. N. A História da Matemática como desencadeadora de atividades investigatórias sobre o teorema de
Tales: análise de uma experiência realizada com uma classe do 9.º ano do ensino fundamental de uma escola pública
de Ouro Preto (MG). Dissertação (Mestrado em Educação Matemática). Universidade Federa de Ouro Preto, MG
2013. 180 f.
STRUIK, D. J. Por Que Estudar História da Matemática? Trad. de Célia Regina A. Machado e Ubiratan D’Ambrosio.
In: História da técnica e da tecnologia: textos básicos. Ruy Gama (org.). São Paulo: T. A. Queiroz e EDUSP, 1985.
p.191-215.
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Habana, Cuba: ICCP, 2002. p.165. Tese (Doctorado en Ciencias Pedagógicas). Instituto Central de Ciencias
Pedagógicas.
VIANA, M. C. V. O processo de ensino/aprendizagem de Matemática sob diferentes olhares. Centro de Educação
Aberta e a Distância-CEAD. Universidade Federal de Ouro Preto. Texto didático, 2013.

Márcia Nunes dos Santos


Marger da Conceição Ventura Viana
Departamento de Matemática – UFOP – campus Ouro Preto –
Brasil

E-mail: marcimatica@yahoo.com.br; margerv@terra.com.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

AS MATEMÁTICAS NA ENCYCLOPÉDIE E O CASO DA MÚSICA

Carla Bromberg (EDMAT e CESIMA Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)


cbromberg@pucsp.br

A Encyclopédie ou dictionnaire raisonné editada por Denis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d’ Alembert (1717-
1783) foi uma das obras que contribuiu para a divulgação das ciências, das letras e artes durante o século XVIII. A
organização do conhecimento ali proposto foi de certa forma uma modificação da classificação anteriormente
desenvolvida na obra De augmentis de Francis Bacon (1561- 1626). De acordo com a classificação enciclopédica, as
matemáticas foram divididas entre puras e mistas, encontravam-se na sessão razão e incluíam a música. Apesar da
adoção do sistema de Bacon, da construção de uma árvore genealógica e de etimologias que puderam favorecer a
organização dos tópicos e de seus conteúdos, a Encyclopédie, como se sabe, foi fruto da compilação de escritos
comissionados a inúmeros autores. Um mesmo tópico, como as matemáticas, foi fragmentado em verbetes cujas
autorias foram diversas. Estes autores, assim como os próprios editores, assumiram diferentes posicionamentos
filosóficos e possuíam formações e objetivos que não podiam ser mais diversos. Desta forma, ao contrário de uma
visão homogênea e coerente das áreas do conhecimento e de suas particularidades, as ciências/ artes aparecem
classificadas através de posicionamentos muitas vezes conflitantes ou até incoerentes. Neste trabalho pretende-se
identificar os parâmetros utilizados para a classificação das matemáticas e analisar o posicionamento e natureza da
música analisando principalmente os verbetes a elas relacionados, assim como os principais textos de introdução e
reflexão dos editores.
Palavras-chave: Matemática e Música; Enciclopédia; Classificação do Conhecimento.

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Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

UMA HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: DE NICOLAS CHUQUET A CARL


FRIEDRICH GAUSS

Cláudia Gonçalves Balbino


Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil
Miguel Chaquiam
Universidade do Estado do Pará – UEPA – Brasil

Resumo

Apresentamos um recorte histórico a respeito dos números complexos, mais precisamente durante o período
renascentista, tendo como foco principal Leonhard Euler e suas contribuições para o desenvolvimento deste tema. O
interesse pelo tema se instaura a partir do ensino médio devido a forma desconexa com que foi apresentado e atingiu
seu ápice no decorrer das aulas de História da Matemática no decorrer do curso de licenciatura em Matemática. O
texto foi elaborado inicialmente a partir do diagrama modelo apresentado em Chaquiam (2015) e ajustado para o
proposto por Chaquiam (2016). Adotamos essa proposta tendo em vista que a mesma foi testada e gerou bons
resultados em relação a outros conteúdos matemáticos. A Figura 1 nos proporciona uma visão geral sobre quais
personagens foram abordados em ordem cronológica, fatos que compõem o cenário mundial e os trabalhos mais atuais
que versam sobre o tema ora em tela. Discorremos sobre traços biográficos de personagens renascentistas e também
sobre aqueles que contribuíram para o desenvolvimento dos números complexos e conteúdos matemáticos que
caracterizam o desenvolvimento desses números. Iniciamos com a apresentação de fatos históricos no período que
compreendido entre os séculos XV a XVIII envolvendo as reformas religiosas, crescimento da burguesia e
Renascimento e finalizamos apresentando a visão de Pinto Júnior (2009) e Santos (2013) sobre o tema, enfatizando
as equações cúbicas de Cardano e as resoluções algébricas das equações, respectivamente. Por contingência
estabelecida pelo evento não foi possível incorporar ao texto um maior detalhamento dos traços biográficos de Euler,
embora esteja indicado no diagrama que serviu de base para elaboração deste texto. Também por contingência, não
apresentamos demonstrações mais detalhadas dos conteúdos matemáticos abordados visando caracterizar melhor sua
evolução, que podem ser encontradas nas referências deste trabalho, principalmente em Balbino (2015). Destacamos
que esse texto pode ser utilizado em sala de aula para relacionar a História da Matemática com os conteúdos dos
números complexos.

Palavras-chave: Matemática, História, Recurso Didático, Números Complexos.

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Anais do XII SNHM -2017
Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

[A HISTORY OF COMPLEX NUMBERS: FROM NICOLAS CHUQUET TO CARL FRIEDRICH GAUSS]

Abstract

We present a historical clipping regarding the complex numbers, more precisely during the Renaissance period, with
Leonhard Euler as his main focus and his contributions to the development of this theme. The interest in the subject
is established from high school due to the disconnected way in which it was presented and reached its peak during the
course of Mathematics History during the course of degree in Mathematics. The text was initially drawn from the
model diagram presented in Chaquiam (2015) and adjusted to that proposed by Chaquiam (2016). We adopted this
proposal because it was tested and generated good results in relation to other mathematical contents. Figure 1 gives
an overview of which characters were discussed in chronological order, facts that make up the world scene and the
most current works that deal with the theme now on screen. We discuss biographical traits of Renaissance characters
and also those that contributed to the development of the complex numbers and mathematical contents that
characterize the development of these numbers. We begin with the presentation of historical facts in the period
between the fifteenth and eighteenth centuries involving religious reforms, growth of the bourgeoisie and Renaissance
and we end by presenting the vision of Pinto Júnior (2009) and Santos (2013) on the subject, emphasizing the equations
And the algebraic resolutions of the equations, respectively. Due to the contingency established by the event, it was
not possible to incorporate into the text a greater detail of Euler's biographical traits, although it is indicated in the
diagram that served as the basis for the elaboration of this text. Also by contingency, we do not present more detailed
demonstrations of the mathematical contents approached in order to characterize their evolution better, that can be
found in the references of this work, especially in Balbino (2015). We emphasize that this text can be used in the
classroom to relate the History of Mathematics with the contents of complex numbers.

Keywords: Mathematics, History, Didactic resource, Complex numbers.

Introdução

Os escritos a seguir surgiram a partir das aulas da disciplina História da Matemática, baseado na proposta apresentada
por Chaquiam (2015), e tem por objetivo apresentar uma abordagem histórica sobre a evolução dos números
complexos a partir de Nicolas Chuquet até Carl Friedrich Gauss, com ênfase ao personagem Leonhard Euler, visto
que a ideia de raiz de um número negativo gerava opiniões diversas em relação a sua aceitação.
Quanto do início da descoberta de radicais negativos não há muitas evidências, mas sua repercussão no
desenvolvimento da Matemática tornou-se de vital importância, tanto internamente à matemática e também quanto às
aplicações em outras áreas do conhecimento.
A escolha do tema surgiu a partir da curiosidade a respeito da construção do que conhecemos hoje como
números complexos e sua aplicação nas diversas áreas do conhecimento científico. Além disso, durante o ensino
médio surgiram questionamentos diários tipo Para que servem?, Quem os inventou?, Onde se aplicam? e Porque
estudá-lo? geravam uma sensação de vazio e insegurança. No ensino superior surgiu a oportunidade de estudá-los
com mais detalhes, com um aprofundamento teórico e situações com possibilidades de aplicação.
Com intuito de ampliar o ambiente desse estudo em torno dos números complexos, optou-se por destacar,
primeiramente, o contexto histórico em que viveu o personagem principal, Leonhard Euler. Para caracterizar esse
contexto histórico são apresentados fatos ocorridos nos séculos XV e XVI, destacando os caminhos que a Europa
precisou enveredar para sair de um ambiente regido pela igreja para o desenvolvimento científico e uma nova
percepção de mundo.
Os escritos foram elaborados a partir do diagrama abaixo, o qual foi composto a partir do diagrama-
metodológico modelo sugerido por Chaquiam (2015).

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Anais do XII SNHM -2017
Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

Figura 1: Números Complexos – Linha do tempo

Fonte: Elaborado pelos autores

Este trabalho nos proporciona uma visão geral sobre os personagens que contribuíram para evolução dos
números complexos até sua formalização, com delimitação de tempo e espaço por meio dos fatos históricos e
personagens renascentistas, e também pode ser utilizado em sala de aula durante o desenvolvimento do referido tema.
Renascimento Europeu

A Idade Moderna, período compreendido entre os séculos XV a XVIII, foi um período de revoluções, modernidades
e transformações que proporcionaram o desenvolvimento na Europa.
Durante o século XIV e XV, a Europa sofreu duas grandes crises, a Guerra dos Cem Anos entre França e
Inglaterra, a qual culminou num declínio do comércio e a peste negra, a primeira gerou o declínio do comércio e a
segunda dizimou um grande número de pessoas, além de gerar escassez de alimentos. Tais situações contribuíram
para a formação do cenário da centralização do poder político e declínio do poder feudal.
Entre os séculos XV e XVI, surgem as Grandes Navegações que abrem um novo caminho para o
desenvolvimento comercial, dando origem ao capitalismo, ao surgimento de moedas e crescimento de uma nova
classe, a burguesia. Apesar do medo do mar, monstros e abismos, a conquista de novas terras coloca Portugal como
pioneira nesse empreendimento, seguido da Espanha.
A Igreja Católica, soberana no período feudal, começa a perder força para os movimentos religiosos devidos
os abusos cometidos pelas autoridades eclesiásticas, por exemplo, a venda de indulgências, ou seja, o fiel pagava para
ter seus pecados perdoados. A Reforma Protestante promoveu mudanças religiosas e o Renascimento nos trouxe uma
nova visão de mundo, com transformações intelectuais, culturais e artísticas.
Neste cenário o capitalismo ganhou espaço, a burguesia passou a fazer parte, além do comércio, mas da política, da
religião e da cultura. Assim surge um novo movimento inspirado na cultura greco-romana tirando da igreja o
monopólio do conhecimento.
A rejeição aos valores feudais dá origem a movimentos importantes, a exemplo, a valorização do ser humano,
humanismo; o homem no centro do universo, antropocentrismo; retomada da natureza, naturalismo; prazer individual,
hedonismo; e a busca pela integridade espiritual em Deus, neoplatonismo.
Esse novo pensar europeu desencadeou também o desenvolvimento científico na física, astronomia,
matemática e biologia. Destaca-se nesse processo o confronto entre a teoria do heliocêntrica (o Sol como centro do
universo) e geocêntrica (a Terra como centro do universo). Os nomes que se destacam nessa etapa da história são:
Nicolau Copérnico (1473-1543), Giordano Bruno (1548-1600) e Galileu Galilei (1564-1642). Nesse contexto a razão
passa a explicar os fenômenos naturais e celestes e não mais a fé.

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Anais do XII SNHM -2017
Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

O poder centrado nas mãos de um rei, conhecido como absolutismo, incentivou a formação de Estados
Nacionais e, neste cenário, podemos destacar um personagem importante, Nicolau Maquiavel (1469-1527), que ao
escrever sua célebre obra O Príncipe, procurou justificar que o homem não é capaz de fazer algo útil e precisa estar
sob a lei. De acordo com Campos (2000, pp. 5-6, 21-22), um governo bem estruturado, que ele chamou de misto,
criado em Roma, traria o perfeito equilíbrio para a sociedade.
Todas as transformações acima citadas na Europa culminaram com o desenvolvimento da ideologia
denominada Iluminismo. Este foi um movimento do século XVII que visava esclarecer questões políticas, sociais,
filosóficas, culturais por meio da razão e da ciência e com isso criar uma visão oposta ao absolutismo e aos dogmas
da Igreja Católica.

Renascimento Europeu

No século XVI a matemática italiana teve seu auge histórico, mais precisamente, no período compreendido entre o
ano de 1450 e início do século XVII, período marcado pela invenção da imprensa e, a seguir, por avanços na
matemática, mecânica e astronomia. Na matemática, os conhecimentos, baseados em Euclides, apresentam avanços.
Dentre esses avanços destacam-se: a simplificação da álgebra com a introdução de frações decimais e logaritmos,
criação de um sistema de simbologia adequada como + (mais), ̶ (menos),  (multiplicar),  (dividir), = (igual), √ (raiz
quadrada), parênteses e os expoentes e as soluções das equações de terceiro e quarto graus com a aceitação das raízes
negativas e imaginárias.
Muitos matemáticos da época faziam uso da álgebra sincopada, isto é, abreviação das palavras que
representavam o que temos como símbolos. Esse fato pode ser evidenciado na obra Tripaty de Nicolas Chuquet (1445-
1500 aprox.) e que segundo Boyer (2000, p.189) a obra é essencialmente retórica, sendo as quatro operações
fundamentais indicadas pelas palavras e frases plus, moins, multiplier par, e partyr par, as duas primeiras às vezes
abreviadas à maneira medieval como 𝐩 ̅e𝐦 ̅”.
Assim, o surgimento das simbologias muito contribuiu para a simplificação dos cálculos e diminuição dos
esforços para realizá-los. Leonhard Euler, personagem aqui abordado, foi um dos que contribuíram para esse feito.

Personagens importantes no cenário renascentista

No modelo proposto por Chaquiam (p.25, 2015) há uma recomendação para se associar aos conteúdos matemáticos
recortes da história da matemática, e mais, envolver personagens, história da matemática e história do
desenvolvimento de conteúdos matemáticos. Para tanto, sugere a escolha de um tema/conteúdo ao qual possa ser
associado a um personagem, tendo em vista desenrolar histórico do processo evolutivo e formalização do
tema/conteúdo eleito.
Em meio às novas perspectivas de renascimento científico, o conhecimento de mundo e tudo o que nos rodeia
passou a ser explicados através das ciências. O homem passou a estar no centro de tudo, um ser perfeito e com
capacidade de compreender e divulgar novas ideias.
Observado as recomendações e analisando os dados obtidos na pesquisa para constituir um caminho
evolutivo dos números complexos, optou-se por destacar Leonhard Euler e demais personagens constantes na figura
1, acima apresentada.
Iniciamos com Nicolas Chuquet (1445-1500), matemático francês do século XV, nasceu em Paris, mas
dedicou-se à medicina em Lyon. Sua obra mais importante está intitulada Triparty dans la sicence des nombres (A
Triparte da Ciência dos Números), escrita em 1484, contempla o cálculo com números racionais e irracionais; a teoria
das equações; simbologias avançadas do tipo R2, R3, com o objetivo de indicar raiz quadrada, cúbica; representação
das potências das incógnitas por meio de expoentes, embora omitisse o símbolo da incógnita, por exemplo. 5x3 + 1
ficava 53 𝑝̅1.
Em relação aos números negativos, Chuquet admitia expoentes inteiros, positivos e negativos. Mas seu
trabalho foi considerado muito avançado e, muito provavelmente, não gerou influência nos seus contemporâneos. Em
relação aos números complexos, Chuquet registra na citada obra que algumas equações apresentavam soluções

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Anais do XII SNHM -2017
Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

imaginárias e, portanto, preferiu descartá-las dizendo Tel nombre est ineperible.


De acordo com Faria (2014, p. 36), Nicolau Copérnico (1473-1573) nasceu em Torun, na Polônia. Estudou
matemática e astronomia na Universidade de Cracóvia e Direito na Universidade de Bolonha, na Itália. Em sua obra
Commentariolus (Pequeno Comentário), apresentou uma descoberta que revolucionou a física e a astronomia, indo
de encontro ao que a igreja impunha, ou seja, o Sol como centro do universo e os planetas orbitando ao seu redor
conhecida atualmente como a Teoria do Heliocentrismo.
Segundo Silva (2012, p. 1-2), Giordano Bruno (1548-1600) nasceu em Roma, na Itália. Estudou astronomia,
filosofia aristotélica e teologia tornando-se doutor em Teologia. Foi acusado de herege por duvidar da santíssima
trindade e defendeu, entre outras ideias, a de que o universo é infinito. Seus estudos, que tanto incomodavam a Igreja
Católica,foram silenciados pela Inquisição quando o condenaram à fogueira.
Conforme Faria (2014, p. 42), Galileu Galilei (1564-1642) nasceu em Piza, na Itália. Fazendo ajustes no seu
telescópio, comprovou por meio de observações celestes que as teorias de Copérnico estavam certas. Em sua obra
Mensageiro Sideral, por volta de 1610, fez descrições detalhadas de astros como a Lua e Júpiter, sobre a Via Láctea
e o comportamento do Sol. Contudo, o Tribunal da Inquisição pretendia condená-lo a morte caso não abandonasse
tais ideias. Embora tenha abandonado tais ideias, deixou grandes contribuições à Física Moderna.
A partir das pesquisas sobre a origem dos estudos dos números complexos, apresentamos a seguir, o
matemático Girolamo Cardano, o qual deu os primeiros passos para a evolução do tema, juntamente com outros
matemáticos que participaram das descobertas dentro do tema da época: equações cúbicas e quárticas.
Girolamo Cardano1 (1501-1576) nasceu em Pavia, na Itália. Desde pequeno, Cardano demonstrou interesse
pela Matemática. Estudou nas universidades de Pavia e Pádua. Usava seus conhecimentos matemáticos para ganhar
nos jogos de azar e, mesmo assim, nem sempre alcançava seus objetivos. Temos ainda que Leonardo da Vinci (1452
– 1519) foi seu orientador em assuntos ligados à geometria.
De acordo com Boyer (2010, p. 193-195), em 1545, Cardano publicou sua obra mais importante intitulada
Ars Magna 2 onde se encontra a solução para equações cúbicas e quárticas. Foi um grande avanço para o período
moderno da matemática. Mas é conveniente ressaltar que ele não foi o descobridor original das soluções e admitiu
isso por escrito dizendo que a solução das cúbicas se deve a Tartaglia (1499-1557), e das quárticas, a Ludovico Ferrari
(1522-1565). Contudo, Cardano agiu de má-fé com Tartaglia e prometendo guardar segredo, em 1539, conseguiu
obtê-la em forma de versos cheios de enigmas e publicá-la em sua obra. Mas essa atitude não foi apenas com Tartaglia,
ele também publicou uma obra de Arquimedes em 1543 na mesma situação.
Lima (1987), afirma que Scipione Del Ferro (cerca de 1465-1526), professor de matemática em Bolonha foi
quem descobriu a solução para o problema de 3 mil anos, porém não a publicou. Ele contou em segredo a dois
discípulos seus, Annibale Della Nave (1500-1558, futuro genro) e Antonio Maria Fior (séc. XV – séc. XVI, amigo),
que recebeu a regra sem demonstração. Em meio a isso, Tartaglia se empenhou em buscar a solução algébrica por si
mesmo e quando a notícia se espalhou, por volta de 1535, organizou-se uma competição entre Fior e Tartaglia.
Foi uma competição profícua, pois, conforme Boyer (2010), visto que cada um propôs ao outras trinta
questões, Tartaglia sabia lidar tanto com cubos e quadrados quanto com cubos e raízes igualados a um número, e Fior
só sabia esta última. Quando Cardano soube desse triunfo tratou de arquitetar seus planos para o que já sabemos.
Quanto aos números imaginários, Boyer (2010, p.196) afirma que Cardano, ao calcular a equação cúbica
𝟑 𝟑
𝒙𝟑 = 𝟏𝟓𝒙 + 𝟒 e concluir que 𝒙 = √𝟐 + √−𝟏𝟐𝟏 + √𝟐 − √−𝟏𝟐𝟏, sabia que x é igual a 4, mas ao mesmo tempo
afirmava que não existe raiz quadrada de número negativo. Outra situação que o levou pelo mesmo caminho, foi
dividir 10 em duas partes de tal forma que o produto resultasse em 40, o que resultou em 𝟓 + √−𝟏𝟓 e 𝟓 – √−𝟏𝟓.
De acordo com Boyer (2010, p. 196), Cardano se referia a essas raízes quadradas de números negativos como
“sofísticas” e concluía que o resultado nesse caso era "tão sutil quanto inútil”.
Segundo Roque (2012), a equação x3 = 15x + 4 é considerada irredutível, pois redução de equações era um
método muito usado na hora de simplificar os cálculos. É possível reduzir uma equação cúbica em uma quadrática,

1
Seu nome pode variar dependendo da região como é o caso Hieronymus Cardanus na América latina.
2
Título original: Artis magnae, sive de regulis algebraicis (Da Grande Arte, ou As Regras da Álgebra).

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Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

mas no caso citado isso não é possível por conta das raízes imaginárias. Naquela época, quando apareciam resultados
com radicais de números a saída mais prática era dizer que não havia solução, uma vez que não eram considerados
números.
De acordo com a história, a aceitação dos números além dos naturais não ocorreu de uma hora para outra.
Conforme Roque (2012) e Boyer (2010), as soluções racionais eram mais fáceis de serem aceitas em ralação às
irracionais considerados, no início, como “mudas” ou “números surdos” ou “sem razão”, pois não podiam ser escritos
na forma decimal. Na época de Cardano já eram aceitos e o problema agora era quando a solução era um número
negativo por não se aproximarem de números positivos, mas com a representação numérica na reta tornou-os
aceitáveis. Cardano chamou-os de numeri ficti. Então, para equações como x2 = 2 e x + 2 = 0, bastava dizer que não
podiam ser resolvidas e o mesmo acontecia com os imaginários.
Quanto a resolução que gerou polêmica, Tartaglia não resolveu a equação geral ax3 + bx2 + cx + d = 0,
mas sim, entre outros, os dois tipos especiais x3 + px +q = 0 e x3 + px2 + q = 0, cuja demonstração encontramos
em Lima (1987, pp. 16-17).
A seguir apresentamos personagens que também contribuíram para a evolução dos números complexos, a
saber, Tartaglia, Bombelli, De Moivre, Euler, Gauss e Argand. Iniciamos por Niccolò Fontana (1499-1557), nasceu
na cidade de Bréscia, na Itália. Era popularmente conhecido como Tartaglia 3, contribuiu com os estudos das soluções
de equações cúbicas e como trabalhar com soluções contendo raízes de números negativos.
De acordo com Cerri & Monteiro (2001), sua marca mais importante foi a disputa com Cardano no que tange
as soluções das equações cúbicas.
As contribuições de Bombelli, em linguagem matemática atual, estão relacionadas aos imaginários
𝟑 𝟑
conjugados. Ele propôs que os números √𝟐 + √−𝟏𝟐𝟏 e √𝟐 − √−𝟏𝟐𝟏 deveriam ser números na forma 𝒂 + √−𝒃 e
𝒂 − √−𝒃, respectivamente, ou seja, os radicais poderiam ser relacionados do mesmo modo como os radicandos. Logo,
pela ideia apresentada, temos que x= 2+1√−𝟏 e x = 2 – 1√−𝟏 ou seja, x = 4.
Rafael Bombelli foi matemático e engenheiro. Nasceu em Bolonha, em 1526, na Itália, e faleceu em 1572.
Sua maior contribuição encontra-se registrada na sua obra L'Algebra escrita por volta de 1560 e impressa, em parte,
em 1572. Nessa obra estão os estudos de Bombelli a respeito dos números imaginários.
Abraham De Moivre (1667-1754) era francês e filho de protestante, mas, conforme Boyer (2010) e Strathern
(2003), precisou ir para a Inglaterra pois com a revogação do Édito de Nantes por Luiz XIV os protestantes passaram
a ser perseguidos e De Moivre acabou ficando preso por três anos. Ele conheceu Issac Newton (1643-1727) e Edmond
Halley4 (1656-1742) e devido dificuldade passou a lecionar matemática em aulas particulares. Mesmo não
conseguindo uma vaga para atuar na universidade, ele deixou uma quantidade significativa de pesquisas. Seu interesse
principal era sobre a Teoria das Probabilidades.
Sobre os números complexos, Eves (2011) mostra que De Moivre deu sua contribuição, em 1707, no seguinte
teorema: (𝐜𝐨𝐬 𝛉 + 𝐢𝐬𝐞𝐧 𝛉)𝐧 = 𝐜𝐨𝐬 𝐧𝛉 + 𝐢𝐬𝐞𝐧 𝐧𝛉 , 𝐢 = √−𝟏, ou seja, ele relacionou os números imaginários com
a trigonometria. O citado teorema está presente em seus trabalhos sobre ciclometria 5.
Leonhard Euler (1707-1783) também contribuiu para evolução dos números complexos, dentre suas
contribuições está a atribuição do símbolo 𝒊 para √−𝟏, mesmo sendo adotada quase no fim de sua vida, em 1777.
Conforme Boyer (p. 310, 2010), Euler, no estudo do que conhece sobre o Teorema Fundamental da Álgebra
de Girard, pode mostrar que o sistema de números complexos é fechado para as operações transcendentes elementares
e também que uma potência imaginária de um número imaginário pode ser um número real como podemos ver no
resultado abaixo retirado de uma carta de Euler para Christian Goldbach (1690-1764):

3
O apelido está relacionado com as dificuldades para falar em decorrência de um golpe de sabre na boca desferido por um soldado que
atacou sua família, deixando-o gago.
4
Astrônomo e matemático britânico.
5
Medição de círculos ou ciclos.

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Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

𝛑 𝟐
𝐢𝐢 = 𝐞−𝟐 . De 𝐞𝐢𝛉 = 𝐜𝐨𝐬 𝛉 + 𝐢 𝐬𝐞𝐧𝛉, temos para 𝛉 = 𝛑/𝟐, 𝐞𝛑𝐢/𝟐 = 𝐢. Logo, (𝐞𝛑𝐢/𝟐 )𝐢 = 𝐞𝛑𝐢 /𝟐 = 𝐞−𝛑/𝟐 .
Tempos depois, Euler mostrou que podem existir inúmeros valores para 𝐢𝐢 , dados por 𝐞−𝛑/𝟐±𝟐𝐊𝛑 , onde 𝐊 é
um inteiro. Além disso, Euler deu sua grande contribuição para a Análise Complexa com sua equação que envolve
os logaritmos como expoentes e a relação das potencias de base 𝒆 com os números complexos e com as funções
circulares que aparecerá com a relação de Euler:
𝒆𝒊𝜽 = 𝒄𝒐𝒔 𝜽 + 𝒊 𝒔𝒆𝒏 𝜽 (𝟏)
e a partir das séries de Colin MacLaurin (1698-1746) ou de Brook Taylor (1685-1731) é possível deduzir a relação
acima.
A partir desta relação, pode-se chegar na célebre relação de Euler, quando consideramos 𝛉 = 𝛑, isto é, 𝑒 𝑖𝜋 =
𝑐𝑜𝑠 𝜋 + 𝑖 𝑠𝑒𝑛 𝜋 ou 𝑒 𝑖𝜋 = − 1 + 𝑖 ∙ 0 e, por fim, 𝑒 𝑖𝜋 + 1 = 0. Segundo a revista Superintessante, essa é
uma das relações mais conhecida no mundo e, a partir desta relação é possível concluir sobre a existência de logaritmos
de números negativos, a saber, 𝑙𝑛(−1) = 𝜋. 𝑖.
Jean-Robert Argand (1768-1822) nasceu em Genebra, na Suiça. Argand foi contador e matemático amador.
Seus trabalhos mais importantes estão na interpretação geométrica para os números complexos e alguns trabalhos para
o Teorema Fundamental da Álgebra.
Em relação aos números complexos, Roque (2012) nos ressalta que Argand publicou, em 1813, o artigo Essai
sur une manière de représenter les quantités imaginaires dans les constructions géométriques (Ensaio sobre uma
maneira de representar as quantidades imaginárias nas construções geométricas) nos Annales de Mathématiques purês
et appliquées, o primeiro jornal inteiramente de Matemática, onde ele afirma que tais quantidades não podem ser
descartadas pois tem grande importância na álgebra, como por exemplo, na subtração de valores anteriores ao 0 (zero)
alegando a existência de uma maneira de apenas considerar os resultados como imaginários.
Para Argand, os números imaginários não poderiam ser representados na reta real, mas estariam no mesmo
plano. Portanto, para trazer a tona os imaginários, ele construiu um diagrama em que estão presentes todos os
imaginários conhecidos além dos imaginários puros.
Carl Friedrich Gauss nasceu em 1777, em Braunschweig, na Alemanha, e faleceu em 1855. Conforme Jesus
(2013), Gauss teve uma infância pobre, mas soube aproveitar as oportunidades para estudar e se aperfeiçoar em
matemática. A dedicação à aritmética superior lhe consagrou como “Príncipe da Matemática”. Em 1798, escreveu o
que muitos consideram sua obra prima, Indagações Aritméticas.
Gauss trabalhou números complexos usando gráfico de curvas. Segundo Bentley (2009), ele também
introduziu a notação a + bi, a expressão “números complexos” e conclui, através do teorema Fundamental da Álgebra
que o campo dos complexos é algebricamente fechado.

É importante destacar que, inicialmente, a nomenclatura utilizada por Girolamo Cardano (1501-1576) foi
“números sofísticos”, posteriormente René Descartes (1596-1650) os denominou de “números imaginários” e,
finalmente, Gauss nos apresenta a denominação atual, ou seja, “números complexos”.

Pontos de vista sobre os Números Complexos

Finalizamos apresentando comentários sobre o tema, baseados nas dissertações de mestrado A História dos Números
Complexos: “das quantidades sofisticadas de Cardano às linhas orientadas de Argand”, de autoria de Ulício Pinto
Júnior, datada de 2009, e As equações polinomiais de 3º e 4º graus: sua história e suas soluções, de Sergio Ricardo
dos Santos, datada de 2013.
Ulício Pinto Junior apresenta o desenvolvimento dos números complexos na resolução das equações cúbicas
a partir de Cardano, passando por Wallis, Buée, Wessel e Argand mostrando como as contribuições desses
matemáticos formaram o que conhecemos hoje. O trabalho está dividido em três capítulos que comentamos a seguir.
No trabalho de Pinto Junior (2009) constam as construções das soluções das equações cúbicas e o
aparecimento da raiz de um número negativo nos cálculos de Diofanto de Alexandria (séc. III), bem como Girolamo

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Cláudia Gonçalves Balbino & Miguel Chaquiam

Cardano tomou conhecimento das soluções descobertas pelos matemáticos Niccolò Fontana 6 (1499 – 1557) e Rafael
Bombelli (1526-1572).
Pinto Junior (2009) apresenta comentários sobre Harriot, Descartes, Leibniz, De Moivre, entre outros, discute
como as raízes de números negativos eram tratadas, embora houvesse rejeição por parte de muitos matemáticos,
inclusive, no caso dos números complexos, mesmo com o surgimento de novas teorias para sustentação.
Pinto Junior (2009) faz um apanhado histórico sobre a importância de se representar geometricamente as
entidades algébricas e nos mostra que foi John Wallis (1616-1703) o primeiro a construir um ambiente gráfico para
os imaginários. Nos apresenta também uma descrição sobre o trabalho de Jean-Robert Argand (1768-1822) a respeito
do que se conhece hoje como “plano de Argand-Gauss” nos livros didáticos.
Em Santos (2013) encontram-se as equações de 3º e 4º graus, suas respectivas soluções, e uma alternativa de
soluções por meio de técnicas algébricas elementares. Este, inicialmente apresenta recorte histórico sobre a solução
das equações algébricas nas diferentes civilizações e resumo sobre as primeiras tentativas de solução até chegar a
Girolamo Cardano.

Considerações Finais

A partir do diagrama (Figura 1), baseado no modelo apresentado por Chaquiam (2015), foi possível elaborar o presente
texto que contém uma cronologia em relação a construção dos números complexos. Observa-se que foram necessários
séculos de estudos e descobertas, matemáticos que apoiavam e outros que os desconsideravam tais números, e quanto
mais o desenvolvimento avançava no mundo mais se necessitavam de novos conjuntos numéricos e cálculos
avançados para justificar determinadas situações, mesmo com as dúvidas que pairavam no ar a respeito dos números
complexos.
Este trabalho nos elucida alguns aspectos importantes no que consideramos o momento mais intenso da
construção dos números complexos, que foi quando Cardano e Tartaglia iniciaram os estudos desses números dentro
das equações cúbicas, os quais eram consagrados como “estrelas” do momento.
O trabalho desenvolvido ajudou-nos a perceber a construção cronológica desses novos números e que
apresentá-los aos alunos do ensino médio pode gerar dúvidas quanto a sua utilidade, entretanto, nos mostra o árduo
trabalho desenvolvido até chegar a formalização do conjunto dos números complexos.
Observa-se que a corrida para resolução das equações cúbicas por meio de radicais no século XVII foi a mola
que deu o impulso necessário para o estudo dos números complexos. Inicialmente Cardano encontrou uma maneira
de resolvê-las por meio de regras e Bombelli descobriu o que hoje conhecemos como conjugado. Euler criou
simbologias para facilitar os cálculos e Gauss iniciou a construção geométrica dos números tidos como não realistas.
Salientamos que não foram apenas esses personagens que deram suas contribuições, mas elencamos aqueles que
consideramos pontos-chaves nesse desenvolvimento dos números complexos.
Esse texto foi elaborado tendo em vista sua utilização em sala de aula por professores quando abordarem os
conteúdos relativos aos números complexos, tendo em vista a integração da História da Matemática aos conteúdos
matemáticos, além disso, nos mostra fatos históricos da humanidade para nos situar em tempo e espaço, integrando a
História da Matemática como parte da História da Humanidade.
Os esforços desprendidos pelos matemáticos ao longo do tempo corroboram na desmistificação de que a
Matemática foi inventada por alguém ou que é fruto de alguns iluminados. Se hoje temos um conjunto bem definido,
munido de operações, observa-se que foram necessários séculos de estudos e debates para que ocorresse sua aceitação.
Ficou evidente que é possível a partir do modelo proposto por Chaquiam (2015) associar fatos relacionados
a história da matemática e da história da evolução dos conteúdos matemáticos durante o desenvolvimento de conteúdos
matemáticos.
A partir das discussões ocorridas no desenvolvimento da disciplina História da Matemática quanto ao uso da
História da Matemática como um recurso didático, concluímos que esse texto pode ter tal função.

6
Também conhecido como Tartaglia

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Anais do XII SNHM -2017
Uma história dos números complexos: de Nicolas Chuquet a Carl Friedrich Gauss

Bibliografia
BALBINO, Cláudia Gonçalves. Um olhar sobre os números complexos: história, evolução e aplicação. 2015. 120 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Matemática) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015.
BOYER, Carl B. História da Matemática. 3. ed. São Paulo: Blucher, 2010.
BENTLEY, Peter. O Livro dos Números: Uma História Ilustrada da Matemática. Tradução de Maria Luiza X. de A.
Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
CHAQUIAM, M. História da matemática em sala de aula: proposta para integração aos conteúdos matemáticos. Série
História da Matemática para o Ensino, v. 10. São Paulo: Livraria da Física, 2015. 82 p.
D’AMBRÓSIO, Ubiratam. Euler, Um Matemático Multifacetado. Revista Brasileira de História da matemática. V. 9,
n. 17, 2009. p. 13-31.
EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. São Paulo: Unicamp, 1997.
EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. 5ª ed. São Paulo: Unicamp, 2011.
JESUS, Márcio S. dos S. Os Inteiros de Gaus. Campinas: Unicamp, 2013. Disponível em: <
http://www.ime.unicamp.br/~ftorres/ENSINO/MONOGRAFIAS/M_M2_FM_2013 .pdf > Acessado em: 17 de junho
de 2015.
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LIMA, E. L. A Equação do Terceiro Grau. 1987. Revista Matemática Universitária, n. 5, p. 9-23, 1987. Disponível
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MENDES, Iran Abreu. CHAQUIAM, Miguel. Histórias nas aulas de Matemática: fundamentos e sugestões didáticas
para professores. Belém: SBHMat, 2016. 124 p.
MUÑOZ, José Manuel Sánchez. Historias de Matemáticas Hamilton y el Descubrimiento de los Cuaterniones.
Revista Pensamiento Matemático. N. 1, 2009. p. 7-8. ISSN 2174-0410
PICKOVER, Clifford A. O Livro da Matemática. Tradução de Carlos Carvalho. Holanda: Librero, 2011. ISBN: 978-
90-8998-165-3.
SANTOS, Sérgio Ricardo dos. As Equações Polinomiais do 3º e 4º Graus – Suas Histórias e Soluções. 2013, 88f.
Dissertação de mestrado – Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão: UFS, 2013. p. 10-15.
SILVA, Pedro Henrique Ciucci da. Introdução sobre o infinito - Giordano Bruno. Revista Pandora Brasil. N. 46, p.
1-2. set. 2012. ISSN 2175-3318.
PINTO JÚNIOR, Ulício. A HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: “das quantidades sofisticadas de Cardano às
linhas orientadas de Argand”. 2009. 94 f. Dissertação de mestrado – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2009.

Cláudia Gonçalves Balbino


Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: claudia-nvb@outlook.com

Miguel Chaquiam
Departamento de Matemática, Estatística e
Informática – DMEI – campus de Belém – Brasil

E-mail: miguelchaquiam@gmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

INTERCÂMBIOS DE ESTUDANTES E PROFESSORES: RELAÇÕES MATEMÁTICAS


ENTRE BRASIL E A UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA - BERKELEY

Lucieli M. Trivizoli
Universidade Estadual de Maringá – UEM – Brasil

Resumo

Este trabalho tem como objetivo contribuir para a identificação de parte das influências estrangeiras na
institucionalização da investigação científica na área da Matemática no Brasil, e compreender as ligações entre a
comunidade de matemáticos estadunidenses e matemáticos brasileiros, atentando para uma instituição específica -
University of California, Berkeley - que contribuiu para relações no desenvolvimento das áreas de Matemática e a
formação de matemáticos no Brasil, propondo a identificação dos matemáticos que fizeram parte desta difusão do
conhecimento matemático no período entre a década de 1940 a 1990. Apresentamos os resultados de uma pesquisa de
pós-doutorado na qual tivemos a intenção de investigar e consultar documentações daquela universidade fazendo uma
análise qualitativa a fim de reconhecer as questões de relações e estruturas sociais e científicas. Nossa proposta se
atentou para a compreensão das conexões, contatos e influências entre a Matemática dos EUA e do Brasil, a fim de
mostrar os elementos e as diferenças entre estes contextos científicos e consultou as listas de bolsas obtidas por
fundações privadas e indicadas em pesquisas anteriores; listas de matemáticos visitantes publicadas nos Notice of
American Mathematical Society e consultados na Biblioteca de Matemática e Estatística, em Berkeley, e a lista de
doutores que obtiveram seus títulos pelo Departamento de Matemática, em Berkeley, disponível no site oficial do
Departamento de Matemática, em Berkeley. Novos estudos deverão focar na identificação e discussão do trabalho
acadêmico, das atividades realizadas no exterior e do impacto da formação destes matemáticos no Brasil. Por ora, o
trabalho mostra que essa instituição foi um destino para muitos matemáticos brasileiros, muitos deles tendo se
destacado na comunidade científica matemática no Brasil.

Palavras-chave: História da Matemática no Brasil, Influências estrangeiras, Intercâmbios Científicos em Matemática.

STUDENT AND TEACHER EXCHANGE: MATHEMATICAL RELATIONS BETWEEN BRAZIL AND THE UNIVERSITY OF
CALIFORNIA - BERKELEY

Abstract

This work aims to contribute to the foreign influences identification in the institutionalization of scientific research of
Mathematics in Brazil. The purpose is to understand the connections between the community of American
mathematicians and Brazilian mathematicians, considering a specific institution - University of California, Berkeley
- who contributed to the training of Brazilians mathematicians and thus to the development of Mathematics in Brazil.
The identification of mathematicians who were part of this diffusion of mathematical knowledge considered the period
between the 1940s and 1990s. They are the results of a postdoctoral research in which we intended to investigate and
consult documentations of that University under a qualitative analysis. We present the lists of scholarships from private
foundations obtained in previous research; Lists of visiting mathematicians published in the Notice of American
Mathematical Society and consulted at the Library of Mathematics and Statistics at Berkeley and the list of doctors
who obtained their degrees from the Department of Mathematics at Berkeley available on the official website of the
Department of Mathematics at Berkeley. Future studies should focus on the identification and discussion of academic
work, activities carried out abroad and the impact in Brazil of the US training of these mathematicians. For now, the
data shows that this institution was a destination for many Brazilian mathematicians, some of them having been
outstanding in the mathematical scientific community in Brazil.

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Anais do XII SNHM -2017
Lucieli M. Trivizoli.

Keywords: History of Mathematics in Brazil, Foreign influences, Scientific Exchanges in Mathematics.

Introdução

A Universidade de São Paulo (USP) pode ser considerada um local de alavancagem para o processo de formação dos
primeiros matemáticos brasileiros e da institucionalização da Matemática profissionalizada, como também foi a
principal localidade recebedora de matemáticos estrangeiros até a década de 1950. Para iniciar a discussão das ideias
a serem propostas neste projeto, podemos identificar três momentos na formação de matemáticos da USP: italiano,
francês e americano. Para os dois primeiros momentos já existem pesquisas que tratam de suas identificações, como
os trabalhos de Pires (2006), que retrata a presença de membros do grupo Bourbaki no Departamento de Matemática
da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) da USP; e o trabalho de Táboas (2005), que identifica a
contribuição de Luigi Fantappiè para a Matemática brasileira. Assim, este projeto de pesquisa se atenta para aspectos
do terceiro momento, com foco no período após a Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria.
Estudos históricos deste período geralmente se concentram nos aspectos militares, políticos e diplomáticos
entre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os EUA. No entanto, as dimensões científicas deste
período, assim como a corrida tecnológica entre os EUA e a União Soviética, ainda permanecem insuficientemente
estudadas do ponto de vista brasileiro.
A presença estadunidense no Brasil se deu de forma seletiva e em conjunto com parcerias de fundações
privadas, que mantiveram programas de bolsas para jovens intelectuais latino-americanos em universidades
estadunidenses – como a Fundação Rockefeller, a Fundação Guggenheim e Comissão Fulbright. Como resultados
dessas parcerias foram promovidas as relações científicas em diversas áreas em vários países das Américas, inclusive
no Brasil. O estudo sobre essas relações iniciais foi desenvolvido na tese de doutorado intitulada "Intercâmbios
Acadêmicos Matemáticos entre EUA e Brasil: uma globalização do saber" (TRIVIZOLI, 2011), com a apresentação
dos matemáticos brasileiros que se dirigiram às universidades estadunidenses entre 1945 a 1980, financiados pelas
três instituições citadas.
A partir dos elementos das listagens constituídas durante aquela pesquisa percebeu-se que, na Matemática,
as experiências no exterior se intensificaram somente no final da década de 1940, uma consequência do regresso dos
professores italianos aos seus países de origem em decorrência da Segunda Guerra Mundial, da necessidade de os
matemáticos brasileiros assumirem as Cadeiras existentes nas instituições brasileiras e do cenário político e econômico
internacional daquele período. Naquele momento, os matemáticos não buscaram somente os países da Europa como
destino: iniciavam-se os intercâmbios com instituições nos EUA.
Dando continuidade à pesquisa de Trivizoli (2011), nomeando as instituições e/ou matemáticos estrangeiros
que contribuíram para o desenvolvimento da Matemática e da formação de matemáticos no Brasil, este trabalho
apresenta os resultados de uma pesquisa de pós-doutorado realizada na Universidade da Califórnia, Berkeley no ano
de 2014-2015 que teve como objetivo compreender os vínculos entre a comunidade matemática brasileira e
estadunidense atentando-se para uma instituição específica (Universidade da Califórnia, Berkeley). Dessa forma, neste
trabalho apresentamos a identificação dos matemáticos brasileiros e estadunidenses que fizeram parte desse
intercâmbio.

O surgimento de uma comunidade de investigação matemática expoente na Universidade da Califórnia-


Berkeley

A fim de compreender o contexto para esta pesquisa, foi necessário compreender como Berkeley se destacou na
história da comunidade de investigação matemática nos Estados Unidos (PARSHALL; ROWE, 1994). A história do
departamento deve ser vista no contexto da história da matemática nos EUA ao longo dos últimos 150 anos. Para isso,
o livro escrito por Calvin C. Moore (2007) é uma boa fonte para a compreensão da história do departamento de
Matemática, em Berkeley, em que apresenta uma narrativa detalhada sobre como um departamento de uma
universidade estadual que, durante grande parte da sua história inicial, se dedicou principalmente ao ensino acabou

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Intercâmbio de Estudantes e Professores: relações matemáticas entre...

por se desenvolver em um grande centro de pesquisas. A história do departamento é marcada por três momentos: em
1881-1882, em 1933-1934, e 1957-1958. Em cada um destes períodos, as decisões tomadas mudaram o formato e a
missão do departamento de matemática (MOORE, 2007).
Três escolas se diferenciaram de todas as outras instituições no país no início do século XX: Chicago,
Harvard, Princeton. Chicago era forte na área de investigação algébrica; Harvard ultrapassou Johns Hopkins e era
forte na Análise e na Geometria; Princeton em Geometria Diferencial e Topologia.
Harvard, Princeton e Chicago foram consideradas os tradicionais top-três departamentos por muitas décadas,
e Berkeley não tinha meios de se igualar. Em Berkeley, desde o início, a ênfase era em ensino, com alguma atenção à
pesquisa, mas não muito. O departamento tinhas suas áreas desequilibradas, com uma força considerável na Análise
e Lógica, mas faltava número adequado de professores em Geometria e Topologia, Álgebra e Matemática Aplicada.
Isso mudou em 1957, quando o departamento propôs um plano de ação e expansão sob a liderança de John
Kelley. O departamento cresceu de 19 professores em 1955 para 75 em 1967, incluindo uma série de contratações
estratégicas: Shiing-Shen Chern, Edwan Spanier, Stephen Smale, Gerhard Paul Hochschild, Maxwell Rosenlicht e
Tosio Kato. O departamento se destacou no topo do ranking no início da década de 1960. Dessa forma, Berkeley
surgiu pela primeira vez como um dos departamentos de matemática mais importantes nos EUA na década de 1950.

Matemáticos Brasileiros visitantes em UC-Berkeley: a identificação

Os nomes dos matemáticos brasileiros que fizeram parte do intercâmbio matemático foi constituída por meio dos
seguintes materiais: com base nas listas de bolsas obtidas por fundações privadas e indicadas em pesquisas anteriores
(TRIVIZOLI, 2011); lista de matemáticos visitantes publicados nos Notice of American Mathematical Society e
consultados na Biblioteca de Matemática e Estatística, em Berkeley, e a lista de doutores que obtiveram seus títulos
pelo Departamento de Matemática, em Berkeley, disponível no site oficial do Departamento de Matemática.
Focalizamos a busca até 1990.

Quadro 1: Matemáticos brasileiros visitando Berkeley


com apoio de fundações privadas.
Nome Ano Instituição que concedeu
bolsas
Carlos Benjamin de Lyra 1961 Rockefeller Foundation
Jacob Zimbarg Sobrinho 1963 Fulbright Commission
Jacob Palis Jr 1964 Fulbright Commission
1972 Guggenheim Foundation
Manfredo Perdigão do Carmo 1965 Guggenheim Foundation
Rafael José Iorio Jr. 1972 Fulbright Commission
César Leopoldo Camacho Manco 1979 Guggenheim Foundation
Fonte: Trivizoli (2011).

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Anais do XII SNHM -2017
Lucieli M. Trivizoli.

Quadro 2: Matemáticos brasileiros visitando Berkeley (Notices AMS)


Nome Anos
Gilberto Loibel 9/60 – 6/61
I. A. K.Kupka 1/65 – 6/65
Elon L.Lima 9/66 – 6/67
Manfredo Perdigão do Carmo 2/67 – 12/67
Manfredo Perdigão do Carmo 9/68 – 2/69
Wellington C. de Melo 9/73 – 9/74
Jacob Palis 9/73 – 3/74
Irineu Bicudo 9/74 –8/75
Irineu Bicudo 7/75 – 2/76
Keti Tenenblat 9/75 – 9/76
Carlos Gutierrez-Vidalon 9/76 – 7/77
Jack Schechtman 9/76 – 7/77
Keti Tenenblat 9/75 – 9/77
Fonte: Notices AMS.

Quadro 3: Matemáticos brasileiros com estudos (PhD) em Berkeley.


Nome Ano-Mês
Manfredo Perdigao Do Carmo 1963-01
Harold William Rosenberg 1963-09
Leo Huet Amaral 1964-06
Jose Ubyrajara Alves 1965-06
Jacob Palis, Jr. 1968-03
Carlos Edgard Harle 1969-06
Cesar Leopoldo Camacho Manco 1971-06
Hildeberto Eulalio Cabral 1972-12
Joao Lucas Marques Barbosa 1972-12
Plinio Amarante Quirino Simoes 1973-12
Jair Koiller 1975-12
Rafael Jose Iorio, Jr. 1977-06
Valeria Botelho de Magalhães Iorio 1978-06
Ruy Filho Exel 1985-05
Francisco Duarte Moura Neto 1987-12
Renato Hyuda de Luna Pedrosa 1988-05
Severino Toscano do Rego Melo 1988-05
Jorge Passamani Zubelli 1989-05
Milton da Costa Lopes Filho 1990-05
Fonte: Elaborado pela autora.

Considerações

Este trabalho mostra que Berkeley foi um destino para muitos matemáticos brasileiros, muitos deles tendo se destacado
na comunidade científica matemática no Brasil. Novos estudos deverão focar na identificação e discussão do trabalho
acadêmico, das atividades realizadas no exterior e do impacto da formação destes matemáticos no Brasil. Por ora, é
possível afirmar que o intenso fluxo de brasileiros que visitaram instituições estadunidenses para doutorado, estudos
e ou pesquisas, definitivamente contribuiu para a formação e manutenção de intelectuais brasileiros, contribuindo
assim para o desenvolvimento da matemática no Brasil.

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Intercâmbio de Estudantes e Professores: relações matemáticas entre...

Agradecimentos

A autora agradece a Universidade da Califórnia - Berkeley, em nome do Professor Alan Schoenfeld, pelo apoio
acadêmico durante os estudos de pós-doutorado em 2014-2015. A maioria das informações e ideias para este trabalho
foram obtidos e desenvolvidos naquele período.

Bibliografia
MOORE, C. C. 2007. Mathematics at Berkeley: A history. A K Peters: CRC Press.
PARSHALL, Karen H. and ROWE, David E. 1994. The Emergence of the American Mathematical Research
Community, 1876–1900: J. J. Sylvester, Felix Klein, and E. H. Moore. HMATH. Vol. 8. Providence: American
Mathematical Society and London: London Mathematical Society.
PIRES, Rute C. 2006. A Presença de Nicolas Bourbaki na Universidade de São Paulo. Tese de Doutorado - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
TÁBOAS, Plínio Z. 2005. Luigi Fantappiè: Influências na Matemática Brasileira. Um estudo de História como
contribuição para a Educação Matemática. Tese de Doutorado – UNESP, Rio Claro.
TRIVIZOLI, Lucieli M. 2011. Intercâmbios Acadêmicos Matemáticos entre EUA e Brasil: uma globalização do saber.
Tese de Doutorado – UNESP, Rio Claro.

Lucieli M. Trivizoli
Departamento de Matemática – UEM – campus de
Maringá - Brasil

E-mail: lmtrivizoli@uem.br

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

COMPREENSÕES HISTÓRICAS SOBRE A INSERÇÃO DA ÁLGEBRA LINEAR COMO


DISCIPLINA NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM MATEMÁTICA NO ESPIRÍTO SANTO

Ligia Arantes Sad


Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes - Brasil
Marina Gomes dos Santos
Secretaria de Educação do Espírito Santo – SEDU – Brasil

Resumo

O texto tem como propósito evidenciar transformações históricas do curso superior de formação de professores de
Matemática, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Espírito Santo – FAFI – que culminaram, na década de
1970, na inserção curricular da disciplina Álgebra Linear. Se por um lado a relevância desse estudo no campo da
historiografia da educação matemática local aborda aspectos ainda não investigados, por outro lado, vem a reforçar
de forma mais ampla o influente papel que os modelos matemáticos lineares adquiriram com o desenvolvimento dos
cálculos matricial e vetorial para diversos campos da Matemática, Física e de outras ciências exatas. Para a composição
desse objeto histórico utilizamos análise documental e algumas narrativas, tendo por aportes teóricos a história cultural
e princípios sobre narrativa nas perspectivas de Bruner e Tosh. Ademais, buscamos elementos de base teórica na
história das disciplinas com Chervel, considerando a noção de disciplina acadêmica adequada ao curso superior. As
análises propiciaram compreensões acerca de um percurso histórico da institucionalização da Álgebra Linear como
disciplina em território espíritossantense. No início desse contexto de desenvolvimento disciplinar, nos anos seguintes
após a abertura do curso superior de formação de professores de Matemática, docentes atuantes especialmente nas
disciplinas de Álgebra Vetorial e Geometria Analítica, Cálculo Numérico e Matricial, e Mecânica Racional inserem
modificações nos conteúdos lecionados, com o propósito de atender a novas demandas tanto externas quanto internas
ao corpo docente. Entre as conclusões, elencamos a compreensão histórica da constituição paulatina da disciplina
Álgebra Linear no Curso de Matemática como uma construção do seu tempo, de seus docentes e discentes. Em cujo
cenário histórico, um conjunto de elementos articulados corroboraram. Entre eles destacamos alguns de natureza
política educacional, como os intercâmbios e demandas vindas do âmbito nacional e internacional. Entrelaçados,
conviveram também elementos advindos da comunidade docente ativa no curso superior de formação de professores
de Matemática da FAFI, no período da década de 1960 até início de 1970, que influenciaram na escolha das matérias
lecionadas e dos livros didáticos utilizados.

Palavras-chave: Matemática, História, Constituição de disciplinas, Álgebra Linear.

HISTORICAL UNDERSTANDINGS ABOUT THE INSERTION OF LINEAR ALGEBRA AS A


DISCIPLINE IN HIGHER EDUCATION IN MATHEMATICS IN ESPÍRITO SANTO

Abstract

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Anais do XII SNHM -2017
Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

The text aims to highlight historical transformations of the teacher training course of mathematics, Faculty of
philosophy, Sciences and letters of the Holy Spirit-FAFI-which culminated in the 1970, curricular insertion of the
subject Linear algebra. If on the one hand the relevance of this study in the field of history of local mathematics
education addresses haven't investigated aspects, on the other hand, comes to reinforce more broadly the influential
role that the linear mathematical models acquired with the development of the matrix and vector calculations for
various fields of mathematics, physics and other sciences. For the composition of this object we use historical
document analysis and some narratives, cultural history and theoretical principles about the narrative perspective of
Bruner and Tosh. In addition, we seek elements of theoretical basis in the history of disciplines with Chervel,
considering the notion of academic discipline appropriate to the College. The analyses led to understandings about a
history of institutionalization of Linear Algebra as a discipline in espíritossantense territory. At the beginning of this
disciplinary development context in the following years after the opening of the College teachers of Mathematics,
teachers who work especially in the disciplines of Vector Algebra and analytic geometry, numerical calculus and
Matrix, and Rational Mechanics insert modifications in the contents taught, in order to meet new demands as much
internal as external to the faculty. Among the findings, below the historical understanding of the gradual constitution
of the subject Linear Algebra, in local terms, as a construction of your time, your teachers and students. Within the
historic setting, a set of articulated elements corroborate. Among them we highlight some of educational policy nature,
such as exchanges and demands from the national and international scope. Intertwined, came also from elements of
the teaching community active in teacher training degree of Mathematics from FAFI, during the decade of 1960 to
early 1970, which influenced in the choice of the subjects taught and the textbooks used.

Keywords: Mathematics, History, Constitution of disciplines, Linear Algebra.

Introdução

Na história da formação superior de professores de matemática tem se tornado cada vez mais relevante promover
reflexões de natureza epistemológica a respeito dos saberes e/ou disciplinas que compuseram a estrutura curricular
dos cursos de Licenciatura. Além disso, esse trabalho busca fomentar discussões básicas que possam dar visibilidade
e subsidiar a compreensão de registros históricos sobre a formação dos educadores que deles participaram. Ao mesmo
tempo, envolve uma diversidade de relações entre a instituição e o contexto social. Alguns elementos substanciais são
reconhecidos como parte curricular social: caso de prescrições dos conteúdos ensinados – que sofreram
direcionamentos do meio político educacional e influenciaram nas disciplinas; as metodologias dos professores como
agentes ativos; e o papel decisivo dos livros textos para o currículo realizado (SACRISTÁN, 2000).
Ao penetrar nessa seara histórica, tomamos a liberdade de nos apropriar do significado de disciplina escolar,
com o qual trabalha Chervel (1990) em termos de ensino básico, e, deslocarmos para disciplinas acadêmicas da
Licenciatura em Matemática, como o fizeram outros autores, por exemplo, Resende (2007). Assim, entendemos por
disciplina acadêmica um conjunto de combinações culturais entre matérias (conteúdos), práticas pedagógicas e meios
didáticos com os quais se busca efetivar uma aprendizagem científica.
Desse modo, consideramos investigar a noção de disciplina acadêmica, visto que a possibilidade de sua
consolidação requer participação tanto de âmbito da política educacional, quanto da ação docente – em atenção voltada
para escolhas de livros textos e procedimentos pedagógicos e didáticos. Quanto a estes procedimentos, de um lado a
finalidade maior é que, as práticas disciplinares tornem viável o ensino, proporcionando aos estudantes das
Licenciaturas dedicação à aprendizagem da matemática, bem como reflexões sobre como ensiná-la em nível básico.
De outro lado, essas graduações em nível superior se preocupam com a avaliação, servindo-se das disciplinas para
avaliar o desenvolvimento do estudante durante seu percurso no ensino superior e, ainda, diagnosticar o próprio curso
quanto ao perfil do professor que está a formar.
Mudanças parciais ou totais em disciplinas que compuseram os currículos dos cursos superiores específicos de
formação de professores de matemática no Brasil são historicamente pouco estudadas. Muito embora, algumas dessas
alterações tenham sido de relevância, e contribuído para variadas transformações, não apenas em âmbito acadêmico,
mas também para o desenvolvimento tecnológico e humano. Exemplo disso, podemos mencionar quanto a inserção
de noções matemáticas pertinentes na composição do que hoje conhecemos como Álgebra Linear.

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Anais do XII SNHM -2017
Compreensões históricas sobre a inserção de álgebra linear como disciplina na formação superior em Matemática no Espírito
Santo

Após investigar historicamente esse objeto de pesquisa, neste trabalho nos propusemos buscar compreender o
caso da constituição dessa disciplina até sua institucionalização no contexto local do curso de Matemática da
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Espírito Santo – FAFI, em Vitória1. O período de tempo histórico
transcorrido foi entre os anos de 1960 e 1970, pois nele verificamos a introdução, aos poucos, de determinados
conhecimentos matemáticos que vieram a ser elementos fundamentais na constituição da Álgebra Linear como
disciplina.
Segundo Chervel (1990), na produção histórica de uma disciplina é necessário confrontar os documentos
oficiais com outras fontes reveladoras das práticas levadas efetivamente a cabo diante das prescrições normativas.
Ademais, “a organização interna das disciplinas é, numa certa medida, produto da história” (CHERVEL, 1990, p. 200)
e nela a abordagem dos conteúdos nos livros didáticos, pelo professor ou pelos estudantes são pontos importantes.
O referido autor afirma ainda, que entre os diversos componentes de uma disciplina, a exposição do conteúdo
– pelo professor e/ou pelo manual – distingue a disciplina de todas as formas não escolares de aprendizagem. Desse
modo, a história dos conteúdos matemáticos envolvidos na construção da disciplina de Álgebra Linear, no interior do
curso de Matemática da FAFI, é um componente central no campo de pesquisa em questão. Além disso, é importante
ressaltar que seu papel se amplia, visto que, relaciona o que é ensinado com as finalidades desse ensino e os resultados
concretos que ele produziu.
Sob essas considerações, escolhemos a narrativa como outra forma metodológica de parte da redação histórica,
para “transmitir o que é sentido como se tivéssemos observando ou participando de eventos passados” (TOSH, 2011,
p. 156). Essas narrativas que evocam memórias de menos de um século, possibilita-nos reconhecer algumas vozes e
analisá-las ao interrogar as fontes. Nesse processo de constituição de narrativas concordamos com Jerome Bruner
(1997, p.46) quando assinala como central a propriedade da sequencialidade:

“[...] uma narrativa é composta por uma sequencialidade de eventos, estados mentais, ocorrências
envolvendo seres humanos como personagens ou atores [...] O ato de captar uma narrativa é, então,
duplo: o intérprete tem que captar o enredo configurador da narrativa a fim de extrair significado
de seus constituintes, os quais ele deve relacionar ao enredo. Mas a configuração do enredo deve,
em si, ser extraída da sucessão de eventos”.

Particularmente, existe agregada às nossas investigações uma vontade de inspiração pessoal de uma das autoras
desse texto, sustentada por memórias próprias, vivenciadas na adolescência ao lado de estudantes do curso de
Matemática da FAFI e pouco depois como aluna, quando o curso, juntamente com a instituição foram incorporados
pela Universidade Federal do Espírito Santo em 1971 2.
Na tessitura investigativa, utilizamos como fontes primárias os registros históricos da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras do Espírito Santo, os livros didáticos e o acervo docente de uma falecida professora. Ela participou
desde o processo de fundação do curso de Matemática na citada instituição, onde permaneceu como docente até sua
aposentadoria.
Antes, porém, de passar aos meandros do curso de Matemática, optamos por trazer uma parte histórica sintetizada a
respeito de nosso objeto matemático principal – álgebra linear – agregada de possíveis subsídios à sua disseminação
como disciplina em cursos superiores específicos de Matemática.

Síntese histórica sobre constituição e disseminação da Álgebra Linear

O reconhecimento da importância de um campo da matemática que articulasse elementos próprios aos estudos da

1
Capital do Espírito Santo.
2
Durante alguns anos existiu a Universidade do Espírito Santo – UES –, uma instituição de cunho estadual que englobava a FAFI e outras
faculdades, mas, sob a Lei Federal n° 3.868 de janeiro de 1961, ela foi federalizada. Em 1964 o curso de Matemática foi aprovado, na sessão do
Conselho Universitário, passando a funcionar a partir do ano seguinte no prédio da FAFI. Somente a partir de 1971 (Resoluções n° 15/71 e 16/71
do Conselho Universitário), com a criação do Departamento de Matemática, com instalação efetivada no campus, o curso de Matemática é
transferido da FAFI (SAD, 2007).

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Anais do XII SNHM -2017
Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

álgebra linear, pode ser intensificado e explorado desde o final do século XIX, ao relacionarmos o desenvolvimento
da álgebra vetorial e da análise vetorial. Podemos observar tais elementos: a partir do legado e utilização dos sistemas
de equações lineares presentes nos escritos de cálculo de Leibniz (1647-1716), nas representações geométricas dos
números complexos por Wessel (1745-1818), Argand (1768-1822) e Hamilton (1805-1865), bem como na teoria das
matrizes com Gauss (1777-1855), Cayley (1821-1895), Sylvester (1814-1897) e Frobenius (1849-1917), entre outros3.
Ademais, da China antiga (cerca de 200 a. C.) é originário um texto denominado Nine Chapters on the
Mathematical Art, composto de 246 problemas de cunho prático envolvendo medidas, taxações, comércio, etc,
distribuídos em nove capítulos. Conforme Larson (2010) comenta, o capítulo 8 contém 18 problemas cujas resoluções
envolvem sistemas de equações lineares de 2 a 6 quantidades desconhecidas. Os passos apresentados para a resolução
dos sistemas são semelhantes ao método de eliminação de Gauss, embora aplicados em problemas determinados. Os
chineses inclusive utilizam um “quadro de contagem” e operam em linhas e colunas, como por vezes se faz em uma
contemporânea matriz.
Com o passar dos anos, no século XX, a Álgebra Linear passou a ser entendida como um campo da
Matemática composto por conceitos básicos como: matrizes, equações lineares, determinantes, transformações
lineares, dependência e independência linear, base e dimensão, formas quadráticas e espaços vetoriais (KLEINER,
2007). Os vetores, por exemplo, continuam presentes até hoje na linguagem da Física e de outros campos da
Matemática Aplicada, que necessitam de grandezas não somente escalares (ou seja, determinadas por um número:
tempo, medida de comprimento, volume, etc), mas de grandezas que tenham um valor numérico, orientação e até
sentido, que são chamadas de grandezas vetoriais (como por exemplo: velocidade, força, deslocamento de um corpo,
etc).
Um dos primeiros livros sobre análise vetorial em inglês foi o Vector Analysis (1901), com parte escrita por
Gibbs (1839-1903) e outras por seu aluno Wilson (1879-1964). Do final do séc. XIX ao início do séc. XX os métodos
vetoriais foram disseminados e outras publicações sobre Álgebra Linear editadas na Alemanha, Itália, Rússia e
Holanda (CHRISTENSEN, 2012). Os avanços da tecnologia continuaram a impulsionar ainda mais esse campo da
Matemática, cuja linguagem vetorial foi adequada a grande parte da Física e da Matemática Aplicada. Tucker (1993)
comenta que no ano de 1972, a Mathematical Association of American, por meio de seu Committee on the
Undergraduate Program in Mathematics (CUPM), recomendou seis cursos para o ensino superior de matemática:
Cálculo I, Cálculo II, Álgebra Linear, Cálculo de Multivariáveis e Álgebra Abstrata; além de cursos adicionais. Essas
“recomendações” nos permitem apontar como um possível reforço ao meio político educacional em seus contatos e
influências à comunidade matemática brasileira.
No Brasil, a Álgebra Linear se consolida como disciplina, aos poucos, a partir da década de 1960. Antes
disso, o que se pode notar é a entrada gradual de elementos do campo da álgebra linear em meio a algumas disciplinas
dos cursos das áreas de exatas. Mesmo porque, desde o período pós-segunda guerra mundial, havia uma abertura para
novos conteúdos matemáticos com o nomeado Movimento da Matemática Moderna (MMM), com base
predominantemente algébrica, via teoria de conjuntos. Uma denominação e constituição convergente a esse
movimento foi a propalada Álgebra Moderna. Em termos confluentes embora de natureza institucional, no período
nascedouro do MMM, distinguimos como exemplo a primeira Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (FFCL) em
São Paulo. Nesta faculdade, no curso de Matemática, os professores europeus Dieudonné e Zariski, que haviam sido
contratados, abordaram nos anos de 1946 e 1947 a temática de Espaços Vetoriais, além de Teoria de Conjuntos,
Noções sobre a Teoria dos Grupos, dos Anéis e dos Corpos, e outros campos da Álgebra. Como disciplina do curso
de Matemática da FFCL, a Álgebra Linear somente vem a ser relacionada na Matriz Curricular de 1966 (CAVALARI,
2012).
Observamos que o modelo implantado no curso de Matemática da FAFI – ES seguiu, nos anos de 1965 a
1970, muito do que estava prescrito em outras faculdades no país. Entre variadas medidas, nos primeiros anos foram
adotadas na composição da matriz curricular disciplinas que discutiam noções de geometria analítica, elementos de
cálculo vetorial e álgebra vetorial. Pois, além de precisar atender ao currículo mínimo instituído pela 1ª Lei de

3
Trabalhos interessantes sobre uma historiografia da criação de elementos matemáticos que foram incorporados a Álgebra Linear podem
ser encontrados, por exemplo, em capítulo especial na obra de Kleiner (2007) e, também, no artigo de Desmond Fearnley-Sander (1979).

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Anais do XII SNHM -2017
Compreensões históricas sobre a inserção de álgebra linear como disciplina na formação superior em Matemática no Espírito
Santo

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB –, Lei 4024/61, para cursos de graduação no Brasil, a FAFI ainda
dependia de seu corpo docente – em sua maioria engenheiros. Contudo, engenheiros que se inteiravam e traziam ideias
correlatas ao que ocorria em cursos superiores de Matemática em importantes estados brasileiros. Isso pode ser notado
pela aproximação das matrizes curriculares da FAFI – ES e da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Paulo.
Uma semelhança observada foi que na FAFI – ES havia sido adotado o mesmo modelo proposto pelo professor italiano
Fantappiè na FFCL de São Paulo, com uma disciplina inicial denominada Análise Matemática e, não, Cálculo (LIMA;
SILVA, 2011).

Transformações ocorridas no curso superior de formação de professores de Matemática (1965 – 1970)

Na matriz curricular (um planejamento disciplinar organizativo) da 1ª turma de Matemática, da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras do Espírito Santo, consta a seguinte proposição (quadro 1) [Grifos e formatação nossa]:

Quadro 1 – Relação de disciplinas por série para o curso de Matemática na modalidade de licenciatura em 1965
SÉRIES DISCIPLINAS
Análise Matemática (Álgebra e Cálculo Diferencial e Integral); Geometria
1º Ano Analítica e Álgebra Vetorial; Geometria Descritiva e Desenho Geométrico;
Física Geral e Experimental.
Análise Matemática; Geometria Analítica e Álgebra Vetorial; Geometria
2º Ano Descritiva e Desenho Geométrico; Física Geral e Experimental; Mecânica
Racional.
Análise Matemática; Geometria Projetiva; Cálculo Numérico e Matricial;
3º Ano
Cálculo das Probabilidades; Didática Geral; Psicologia da Educação.
Análise Superior; História e Filosofia da Matemática; Sociologia;
4º Ano Fundamentos de Matemática Elementar; Didática Especial e Prática de
Ensino; Administração Escolar.
Fonte: Quadro elaborado a partir do Ofício 6/67, que solicitava o reconhecimento do curso de Matemática.

Ao analisar a descrição da matéria lecionada nas disciplinas de Análise Matemática, Álgebra Vetorial e
Mecânica Racional, notamos que elas contêm noções básicas do que cinco anos depois veio a ser chamado de Cálculo
I, II e III. Além disso, a matéria lecionada apresentava também noções da álgebra de vetores que passaram,
posteriormente, a integrar a Álgebra Linear com significados e conhecimentos prévios ao entendimento de espaços
vetoriais. Na intenção de elucidar tais análises, apresentamos parte de um planejamento do professor da disciplina de
Mecânica Racional (figura 1), que também a ministrava no curso de Engenharia. Nesse fragmento podemos observar
uma relação direta com conceitos da física.

Figura 1: Elementos de cálculo vetorial na disciplina de Mecânica Racional

Fonte: Acervo da professora Ligia Arantes Sad

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Anais do XII SNHM -2017
Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

O quadro 2 mostra o conteúdo trabalhado na disciplina de Álgebra Vetorial e Geometria Analítica. Essa
disciplina foi lecionada já no primeiro ano de funcionamento do curso de Matemática da/na FAFI – ES. O professor
responsável por ministrar essa disciplina era José Manuel da Cruz Valente 4. Podemos observar nesse quadro que mais
da metade da matéria era dedicada ao ensino e aprendizagem vetorial.

Quadro 2: Matéria lecionada em Álgebra Vetorial e Geometria Analítica


Prof º José Manuel da Cruz Valente em 1965
MESES MATÉRIA LECIONADA MESES MATÉRIA LECIONADA
 Introdução ao Curso de  Produto vetorial (cont.) –
Cálculo Vetorial (2 aulas);  Produto vetorial (conclusão) –
 Introdução (conclusão) e  3ª Prova de Estágio–
Vetores (2 aulas);  Exercícios;
 Adição de Vetores;  Exercícios;
Abril  Vetores Complanares; Agosto  Duplo produto Vetorial –
 Vetores Complanares  Produtos clássicos de mais de três
(conclusão); vetores –
 Componentes de um  Revisão geral de álgebra Vetorial –
Vetor;
 1ª Prova de Estágio;
 Representação analítica  Revisão de Geometria Analítica
de um vapor; plana –
 Exercícios;  Lugares geométrico (introdução) –
 Exercícios;  Exercícios –
Maio  Produto escolar de dois Setembro  Exercícios (cont.) –
vetores;  Exercícios (cont.)
 Produto escalar de dois
vetores;
 Produto escalar
(conclusão) e exercícios;
 Transformação de coordenadas;
 Exercícios;  Translação –
 Exercícios;  Rotação –
 2ª Prova de Estágio;  Transf. Geral e trans. inversa–
 Produto vetorial de dois  Exercícios –
vetores e produto misto de Outubro  Exercícios (cont.) –
Junho três vetores – (introdução);  4ª Prova de Estágio –
 Produto vetorial  Exercícios –
(continuação);  Exercícios (cont.) –
 Produto vetorial
(continuação);
 Produto vetorial  Teoremas sobre translações e
(continuação); Novembro rotações (z) –
 Exercícios – .
Fonte: Quadro de matéria lecionada do curso de Matemática em 1965, acervo pessoal da professora Lígia Arantes
Sad

A partir de uma análise nos Programas desse decênio (1960 até 1970) e, mesmo de conversas com ex-
docentes, podemos afirmar que quase nenhuma menção é feita à questão metodológica. Conjecturamos que, como
visto no quadro anterior, são apenas aulas voltadas a exercícios. De acordo com Chervel (1990, p. 193): “A história
das disciplinas escolares expõe à plena luz a liberdade de manobra que tem a escola na escolha de sua pedagogia. [...]
e do mestre, o agente impotente de uma didática que lhe é imposta do exterior.”

4
Bacharel e licenciado em Matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Distrito Federal.

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Anais do XII SNHM -2017
Compreensões históricas sobre a inserção de álgebra linear como disciplina na formação superior em Matemática no Espírito
Santo

No ano de 1967, como consta no quadro 1, a turma do 3º ano teve a disciplina de Cálculo Numérico e
Matricial. No programa dessa disciplina foi possível verificar que constava toda a parte referente às matrizes (tipos de
matrizes, operações, matrizes inversas, características, vetores e valores próprios, derivada e integral de matrizes), que
na década seguinte – a partir de 1972 – foi incorporada a Álgebra Linear.
Ainda de 1967, obtivemos uma cópia do Programa da disciplina de Cálculo Vetorial, ministrada para o 1º
ano do curso de Matemática. Ele apresenta 10 tópicos correspondentes à álgebra de vetores e outros 17 sobre análise
vetorial (funções vetoriais, derivação vetorial, funções vetoriais de várias variáveis, gradiente, rotacional, divergente,
Teorema de Green, Gauss e Stokes, etc). O Programa está em nome do professor Augusto José Dias (engenheiro civil
e físico). Nele constam os seguintes livros textos: Cálculo Vectorial (1937, 1957, 1960) – Bento de Jesus Caraça;
Elementos de Cálculo Vectorial (1965) – Edmundo Menezes Dantas; e Análise Vetorial (1961 e outras edições) –
Murray R. Spiegel.
Encontramos a obra de Caraça (1960), entre os livros tombados da Biblioteca da UFES. Em sua listagem de
“matérias” estão capítulos sobre álgebra vetorial, álgebra tensorial e análise vetorial; com vários dos conteúdos
elencados no Programa de Cálculo Vetorial de 1967. Inclusive, no capítulo 1 consta uma parte histórica resumida
sobre a temática vetorial.
Da parte dos discentes, chamou-nos atenção e, por isso, aqui exibimos, os comentários de duas ex-
estudantes5. A primeira contou que: “Em 1971, eu fiz uma disciplina de Cálculo que chamávamos de Cálculo Vetorial
[no lugar de Mecânica Racional], dada pelo prof. Albuíno [Engenheiro, ex-governador do ES]. Depois tivemos
Álgebra Linear, era novidade, com um professor que explicava muito bem, o José Encarnação [Engenheiro que
também lecionava na Escola Politécnica], então não tínhamos mais aquela parte vetorial no Cálculo”. A segunda
disse: “Eu dedicava muitas horas ao estudo do Cálculo Vetorial, achava difícil, não entendia seu sentido. O professor
ia para o quadro e copiávamos, aprendia como fazer os cálculos nos exercícios, da mesma forma que as operações
com matrizes”. Desses comentários, ressaltamos a metodologia expositiva implícita, seguida de exercícios.
Uma questão nos surgiu: Que efeitos profissionais foram produzidos? Não é de se estranhar que muitos dos
professores formados tenham continuado a agir dentro dessa metodologia, na qual predominava a exposição do
professor seguida de exercícios para resolver, cuja finalidade era encontrar a solução (geralmente única). Uma
metodologia que parece ter sido segregada e continuada na abordagem de ensino e aprendizagem de vários docentes
daquele curso, em meio a um modelo da época6.
As narrativas ajudaram, também, a reforçar aspectos da transformação porque passaram variadas disciplinas.
Entre elas, a alocação da álgebra vetorial, parte da análise vetorial e estudos referentes às matrizes para as disciplinas
de Álgebra Linear (I, II e III), conforme consta em documento do, então, recém-criado Departamento de Matemática
– UFES, submetido ao regime de créditos implantado na universidade sob o conturbado governo militar em 19727.
Um dos livros utilizados didaticamente na UFES, editado pela editora da USP em 1970, foi Álgebra Linear dos autores
Hoffman e Kunze, traduzido por Adalberto P. Bergamasco, da obra original americana publicada pelos referidos
autores em 1961. Tal obra é composta no mesmo estilo de exposição do conteúdo, de modo matemático formalista
(estruturado em definições, lemas, teoremas e corolários), intercalado por exemplos puramente matemáticos – como
uma preparação para os exercícios ao final de cada item dos nove capítulos da obra. Não contém nenhuma figura,
aplicação ou relacionamento externo a matemática.
Outra incorporação que permaneceu foi a passagem de conteúdos e ideias matemáticas da disciplina
Geometria Analítica para a disciplina de Cálculo Diferencial e Integral. Quanto a essas mudanças disciplinares, o forte
componente político educacional, e, também, a adição de novos professores contratados – com formação na área de
Matemática – e que conheciam livros textos com essas características, parecem ter sido seus maiores impulsionadores.
Isso veio a transgredir as articulações e escolhas que vinham sendo tomadas nas turmas iniciais do curso de

5
Os nomes são, por questões de ética, mantidos em sigilo. A primeira nunca exerceu a profissão de professora, enquanto que a segunda
exerceu a profissão de professora no Ensino Médio, no Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes (denominação recente), até se aposentar.
6
A respeito dessa abordagem, denominada de tradicional por Mizukami (1986, p. 7), chama atenção o aspecto de retenção de informações
e demonstrações transmitidas em exposição pelo professor, que se coaduna às consequências como automatismo e repetição, de conteúdos e
posturas.
7
Detalhes da história desse período na UFES, quanto ao contexto social, outras mudanças e ocorrências no curso de formação de
professores de Matemática, estão presentes na Dissertação de Mestrado de Santos (2013).

330
Anais do XII SNHM -2017
Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos.

Matemática.

Considerações finais

Os resultados de cunho histórico obtidos para a constituição deste trabalho não se encerram aqui neste texto. Eles
representam mais alguns passos no caminho de um reconhecimento, construção e visibilidade de uma História da
Matemática espiritossantense.
A utilização dos documentos oriundos da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Espírito Santo, do
arquivo pessoal de uma professora e de livros didáticos, juntamente com a obtenção das narrativas de ex-alunos,
propiciaram ir além da composição e entendimento de uma história da Álgebra Linear como disciplina de um curso
de Matemática devotado a formação específica de professores. Uma vez que refletimos o quanto as aproximações e
afastamentos do processo curricular local, evidenciados no contexto de geração dessa disciplina a nível histórico,
envolvem uma complexa rede de elementos curriculares sociais.
Para alcançar nossos objetivos da elaboração dessa trama histórica, entre variados subsídios para nossas
análises acerca das disciplinas acadêmicas, utilizamos elementos teóricos reivindicados de Chervel (1990) que nos
conduziram a compreender a disciplina acadêmica como uma construção do seu tempo, de seus docentes e discentes.
Ou seja, algo muito além de uma lista de conteúdos. Foi possível evidenciar a construção paulatina da Álgebra Linear
como uma disciplina no movimento humano, que visava atender as necessidades vigentes de uma época. Vinculado a
esse processo, de modo mais específico, o curso de Matemática da FAFI – ES também se inseriu nesse movimento,
influenciado de um lado pelo meio político educacional e, por outro lado, pela formação de seus docentes, grande
parte engenheiros.

Referências
BRUNER, Jerome. Atos de significação. Tradução Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
CARAÇA, Bento de Jesus. Cálculo Vetorial. 3 ed. Lisboa: 1960.
CAVALARI, Mariana Feiteiro. Um histórico do curso de matemática da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
(FFCL) da Universidade de São Paulo (USP). Revista Brasileira de História da Matemática, Vol. 12, no 25, p. 15-
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CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: algumas reflexões. Teoria e Educação, n.2, p. 177-229, 1990.
CHRISTENSEN, Jeff. A brief history of Linear Algebra. Disponível em
<http://www.math.utah.edu/~gustafso/s2012/2270/web-projects/christensen-HistoryLinearAlgebra.pdf>. Acesso em
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CURSO DE MATEMÁTICA, Vitória. Currículo para o curso de Matemática. Anexado junto ao Ofício nº 6/67, de
28 de dezembro de 1966. Ofício de solicitação de reconhecimento do curso de Matemática e Ciências Biológicas do
diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Décio Neves da Cunha, para o Ministro de Educação e Cultura.
Acervo pessoal de Lígia Arantes Sad, Vitória.
FEARNLEY–SANDER, Desmond. Hermann Grassmann and the creation of Linear Algebra. The American
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KLEINER, Israel. A History of Abstract Algebra. Berlin: Springer, 2007.
LARSON, Christine J. On the histories of Linear Algebra: the case of Linear Systems. Western Michigan
University, Kalamazoo, Michigan, 2013.
LIMA, Gabriel Loureiro; SILVA, Benedito Antonio. Inicialmente Cálculo ou diretamente Análise? O caso do
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MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: a abordagem do processo. São Paulo: EPU, 1 986.
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SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.
SAD, Ligia Arantes. Curso superior de formação de professores de matemática no Espírito Santo: uma história
(1960–1990). Livro de Actas do V Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, Castelo Branco –

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Anais do XII SNHM -2017
Compreensões históricas sobre a inserção de álgebra linear como disciplina na formação superior em Matemática no Espírito
Santo

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SANTOS, Marina Gomes dos. Formação superior específica de professores de matemática no Espírito
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TOSH, John. A busca da História: objetivos, métodos e as tendências no estudo da história moderna. Petrópolis:
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TUCKER, Alan. The growing importance of linear algebra in undergraduate mathematics. The College Mathematics
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Ligia Arantes Sad


Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância –
Cefor/Reitoria/Ifes – Vitória – ES – Brasil
E-mail: aransadli@gmail.com
Marina Gomes dos Santos
Secretaria de Educação do Espírito Santo – SEDU – São Mateus – Brasil
E-mail: marinaorg@hotmail.com

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Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE


PROFESSORES: REFLEXÕES SOBRE REGRAS METADISCURSIVAS RELACIONADAS A
MATRIZES E DETERMINANTES

Aline Bernardes
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO – Brasil

Resumo

Apresentamos alguns resultados de uma pesquisa de doutorado já concluída, que tem como foco uma proposta de
ensino articulando a história das matrizes ao ensino de Álgebra Linear. A fundamentação teórica e metodológica da
pesquisa foi inspirada no modelo introduzido pela dinamarquesa Tinne Hoff Kjeldsen (2011) para integrar a história
ao ensino de matemática e na teoria da matemática como um discurso, proposta por Anna Sfard (2008). O principal
objetivo da pesquisa foi investigar como fontes históricas podem promover reflexões sobre regras metadiscursivas
relacionadas a matrizes e determinantes, a partir de conflitos comognitivos. As noções de regras metadiscursivas e de
conflitos comognitivos são usadas aqui no sentido de Sfard (2008). De forma sucinta, tais regras influenciam o modo
como o discurso matemático é produzido, por exemplo, as regras que contam na validação de uma definição
matemática ou de uma demonstração. A pesquisa teve como sujeitos nove alunos de cursos de licenciatura em
matemática de duas universidades públicas do estado Rio de Janeiro. Assim, foram conduzidos dois estudos de campo
com o formato de um minicurso, com o tema “Os diferentes papeis da noção de matriz em dois episódios da história
das matrizes”. Foram elaborados dois roteiros de ensino, os quais tratam de dois momentos da história das matrizes,
baseados em trabalhos dos matemáticos ingleses James Joseph Sylvester e Arthur Cayley e na interpretação histórica
de Frédéric Brechenmacher (2006). Inicialmente, fizemos uma análise em fontes primárias de Sylvester e de Cayley
em torno do surgimento das matrizes e identificamos algumas regras metadiscursivas relacionadas ao modo como
esses matemáticos interpretavam e lidavam com matrizes e determinantes. Um recorte sobre as práticas desses
matemáticos foi apresentado nos roteiros de ensino e as regras metadiscursivas identificadas por nós foram exploradas
por meio de atividades históricas, ao final dos roteiros. Essas atividades tiveram como objetivo encorajar reflexões
sobre as regras metadiscursivas relacionadas a matrizes e a determinantes. As discussões dos participantes, gravadas
em áudio, forneceram os principais dados para a análise das reflexões. Os resultados da pesquisa indicam o potencial
de fontes históricas para promover reflexões sobre regras metadiscursivas, tanto as históricas como aquelas que
orientam as ações dos participantes quando lidam com matrizes e determinantes. Tal conclusão tem implicações para
o ensino de matrizes e para o papel da história da matemática na formação de professores.

Palavras-chave: História das Matrizes; Regras Metadiscursivas; Ensino de Matrizes.

HISTORY OF MATHEMATICS AND THE TEACHING OF MATRICES IN TEACHER TRAINING: REFLECTIONS ON


METADISCURSIVE RULES RELATED TO MATRICES AND DETERMINANTS

Abstract

333
Anais do XII SNHM -2017
Aline Bernardes

We present some of the results of my PhD research already concluded, which focuses on a teaching proposal
articulating the history of matrices to the teaching of Linear Algebra. The theoretical and methodological framework
of the research was inspired by the model introduced by Tinne Hoff Kjeldsen (2011) and in the theory of mathematics
as a discourse, proposed by Anna Sfard (2008). Kjeldsen used Sfard’s theory to integrate history to the teaching of
mathematics. The main objective of the research was to investigate how historical sources can promote reflections on
metadiscursive rules related to matrices and determinants, based on cognitive conflicts. The notions of metadiscursive
rules and cognitive conflicts are used in the sense of Sfard (2008). Briefly, such rules influence the way that the
mathematical discourse is produced, for example, when we judge that a specific description could be considered as a
definition, or if a proof can be accepted as correct. The research subjects were nine students of undergraduate courses
in mathematics, from two public universities in Rio de Janeiro state. Thus, two field studies were conducted in the
form of a mini-course: "The different roles of the notion of matrix in two episodes in the history of matrices". Two
teaching materials were designed, about two moments in the history of matrices, based on the works of the English
mathematicians James Joseph Sylvester and Arthur Cayley, and in the historical interpretation of Frédéric
Brechenmacher (2006). We identified some metadiscursive rules in Sylvester and Cayley’s practices related to how
these mathematicians interpreted and dealt with matrices and determinants. A summary about the practices was
presented in the teaching materials and the metadiscursive rules identified by us were explored through historical
activities. These activities aimed to encourage reflection on metadiscursive rules related to matrices and determinants.
The participants' discussions were recorded in audio, they provided the main data for the analysis of the reflections on
the metadiscursive rules. The research results point to the potential of historical sources to promote reflections on
metadiscursive rules, both historical and those that guide the actions of participants when dealing with matrices and
determinants. These conclusions have implications for the teaching of matrices and for the role of the history of
mathematics in teacher training.
Keywords: History of Matrices, Metadiscursive Rules, Teaching of Matrices.

Introdução

A principal motivação para o nosso trabalho é o ensino de matrizes em cursos de graduação de Álgebra Linear para
futuros professores. Muitos cursos de Álgebra Linear no Brasil e muitos livros didáticos iniciam a partir do conceito
de matriz como um objeto matemático em si, de modo naturalizado. A definição de matriz, suas operações e as
respectivas propriedades são apresentadas como se fossem um dado, um fato incontornável, como algo pronto e
acabado, sem questionar as origens e a natureza desse objeto e de suas operações.
O adjetivo “naturalizado” é empregado acima no sentido de Giraldo e Roque (2014), que fazem uma crítica
ao modo naturalizado como os conceitos matemáticos são apresentados no ensino básico e no superior e alegam que
questões relacionadas à existência, à importância e ao papel dos conceitos na matemática são assumidos como dados
arbitrariamente.
O modo naturalizado segundo o qual o conceito de matriz é apresentado tem suas consequências. Ao longo
da pesquisa, perguntamos a vários alunos que já haviam concluído uma ou mais disciplinas de Álgebra Linear e
também professores do ensino médio, por que a multiplicação de matrizes é definida em termos do produto escalar
entre as linhas da primeira matriz e as colunas da segunda matriz. As respostas obtidas geralmente não eram
adequadas.
Dada a motivação acima, elaboramos uma proposta de ensino, com base em fontes históricas primárias e
secundárias, explorando o contexto dos problemas em que as matrizes aparecem inicialmente como uma representação
útil, deixando claro que essa noção não foi proposta imediatamente como o objeto matemático que nos é apresentado
hoje.
Como parte da proposta, desenvolvemos situações de ensino e de aprendizagem através de dois roteiros de
ensino com o objetivo de criar conflitos comognitivos. Tais conflitos levam os alunos a perceberem e refletirem sobre
as regras (metadiscursivas), que influenciam suas ações ao lidar com matrizes e determinantes, ao compará-las com
as regras metadiscursivas que influenciaram outras práticas matemáticas ao longo da história. As noções de conflito

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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES...

comognitivo e de regras metadiscursivas são usadas aqui no sentido proposto por Sfard (2008) e serão melhor
explicadas no decorrer do texto.
Dois estudos de campo foram realizados com três objetivos de pesquisa: i) investigar como fontes históricas
podem propiciar reflexões sobre regras metadiscursivas relacionadas a matrizes e determinantes; ii) investigar como
reflexões sobre regras metadiscursivas impactam as concepções dos alunos sobre matrizes e determinantes e iii)
investigar o desenvolvimento de uma consciência histórica nos alunos. A pesquisa é relatada na íntegra em Bernardes
(2016). Neste artigo1, destacaremos alguns resultados relacionados ao primeiro objetivo da pesquisa.

Referenciais teóricos e metodológicos

Os principais referenciais teóricos da pesquisa foram inspirados nos trabalhos de Kjeldsen e colaboradores
(KJELDSEN, 2011; KJELDSEN & BLOMHØJ, 2012; KJELDSEN & PETERSEN, 2014). No primeiro artigo,
Kjeldsen introduziu um argumento teórico para integrar a história ao ensino de matemática, baseando-se na teoria da
matemática como um discurso de Anna Sfard (2008).
Segundo Sfard, a matemática é uma forma bem definida de comunicação ou um tipo de discurso governado
por determinadas regras. Na perspectiva dessa pesquisadora, aprender matemática requer participar ativa e
efetivamente do discurso matemático. As regras que moldam o discurso são divididas em dois grupos: regras de nível
do objeto e as regras metadiscursivas ou metarregras. As regras do nível do objeto referem-se a "narrativas sobre
regularidades no comportamento de objetos do discurso" e as metarregras referem-se a "padrões nas atividades dos
discursantes quando tentam produzir e fundamentar narrativas do nível de objeto" (SFARD, 2008, p.120).
No discurso matemático, as regras do nível de objeto têm relação direta com as propriedades de objetos
matemáticos, por exemplo: na geometria euclidiana, a soma dos ângulos internos de um triângulo sempre resulta em
180°. As metarregras referem-se às ações dos discursantes. Tais regras são geralmente implícitas no discurso e se
manifestam quando julgamos, por exemplo, se uma descrição particular pode ser considerada como uma definição
matemática ou se uma demonstração pode ser aceita como correta.
O argumento teórico introduzido por Kjeldsen baseia-se na ideia de que a história da matemática desempenha
um papel fundamental para "iluminar as metarregras" do discurso matemático. Tais regras são historicamente
estabelecidas. Além disso, a classificação em regras do nível do objeto e regras metadiscursivas não é absoluta. Regras
metadiscursivas no discurso da matemática tornam-se regras do nível do objeto no discurso da história. Desta forma,
as metarregras deixam de ser tácitas e podem tornar-se objetos de reflexão (KJELDSEN, 2011).
O argumento de Kjeldsen é o ponto de partida de nossa pesquisa. A ideia é então promover situações em que
os alunos sejam estimulados a investigar o desenvolvimento de práticas matemáticas através de fontes históricas e a
compreender a visão que os matemáticos tinham sobre suas próprias práticas, como e com que propósito eles usavam
seus objetos (matemáticos), como eles descreviam seus objetos, como eles argumentavam etc. Desse modo, os alunos
podem ter contato com discursos regidos por metarregras diferentes daquelas que influenciam as práticas matemáticas
nos dias de hoje e diferentes das suas próprias metarregras. O argumento de Kjeldsen baseia-se no conceito de conflito
comognitivo2, o qual é definido como "uma situação na qual a comunicação é dificultada pelo fato de que diferentes
discursantes estão agindo de acordo com diferentes metarregras" (SFARD, 2007, p.576). O uso de fontes históricas
pode propiciar esses conflitos, já que a história é uma fonte de discursos governados por metarregras distintas.

Dois momentos de uma história das matrizes e algumas metarregras

A partir da pesquisa de Brechenmacher (2006) sobre algumas práticas matemáticas em torno das matrizes, situadas
na segunda metade do século XIX, estudamos dois momentos ligados ao surgimento das matrizes. Tais momentos
têm como principais matemáticos envolvidos: James Joseph Sylvester e Arthur Cayley. Analisamos seus respectivos

1
Este texto é uma versão do artigo apresentado no ICME-13, em Hamburgo, realizado em julho de 2016.
2
Comognitivo é a nossa tradução para o termo commognition, cunhado por Sfard, através da combinação de
communicational e cognition, para destacar a unidade entre os processos de comunicação e os de cognição.

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Aline Bernardes

discursos com o objetivo de identificar as metarregras que influenciaram suas ações nas práticas desenvolvidas por
esses matemáticos em torno das matrizes (e dos determinantes).
Sylvester introduziu o termo "matriz" em sua pesquisa sobre a classificação dos tipos de contatos3 entre duas
cônicas (SYLVESTER 1850, 1851a). A principal ferramenta matemática usada por ele para resolver o problema dos
contatos foi o conceito de determinante. Entretanto, ele não calculou determinantes a partir de matrizes, mas sim a
partir dos coeficientes de polinômios homogêneos de grau 2, a duas variáveis. A noção de matriz foi introduzida mais
tarde.
Para resolver o problema dos contatos, Sylvester (1850) introduziu a noção de determinantes menores. No
final do mesmo artigo, Sylvester introduziu a noção de matriz para generalizar um resultado sobre determinantes
menores, porém, considerando matrizes retangulares:

(…) we must commence, not with a square, but with an oblong arrangement of terms consisting,
suppose, of m lines and n columns. This will not in itself represent a determinant, but is, as it were,
a Matrix out of which we may form various systems of determinants by fixing upon a number p and
selecting at will p lines and p columns, the square corresponding to which we may be termed
determinants of the pth order. (SYLVESTER, 1850, p.150)

A noção de matriz surge como uma representação em forma de tabela retangular, geradora de vários sistemas
de determinantes menores. Como coloca Brechenmacher (2006, p.15), Sylvester interpreta a noção de matriz
inicialmente como la mère de mineurs de um determinante.
Oito anos mais tarde, Cayley publicou um texto no qual introduziu as operações com matrizes e enunciou
várias propriedades sobre as operações (CAYLEY, 1858). As matrizes surgem, segundo Cayley, naturalmente como
"uma notação abreviada" para sistemas de equações lineares. As operações com matrizes foram definidas a partir da
associação de matrizes com sistemas lineares, por exemplo, soma de matrizes em termos da soma dos coeficientes de
um sistema linear, multiplicação matricial em termos de “composição de sistemas lineares”. Observamos que a
diferença reconhecida hoje entre sistemas de equações lineares e de transformações lineares não parecia ser necessária
para Cayley naquele momento.
Em sua prática, Cayley às vezes considerava um certo tipo de matriz (hoje em dia, matriz escalar) como uma
"quantidade única" (single quantity), ou seja, como um número.
Podemos identificar muitas metarregras subjacentes às práticas de Sylvester e de Cayley em seus respectivos
discursos, entretanto selecionamos quatro para serem exploradas em nossa investigação:
• Determinantes são ferramentas utilizadas para investigar propriedades geométricas de curvas e são
calculadas a partir de polinômios homogêneos de grau 2 (discurso de Sylvester).
• Matriz como mãe dos determinantes menores: uso de matrizes como uma representação em conexão com a
técnica de geração de sistemas de menores (discurso de Sylvester).
• Matriz é uma notação cômoda usada para trabalhar com sistemas de equações lineares (discurso de Cayley).
• Dupla interpretação da noção de matriz: uma matriz é considerada ora como uma quantidade simples
(número), ora como uma quantidade múltipla (um sistema de números) (discurso de Cayley).
Mais detalhes sobre a parte histórica, bem como sobre como identificamos as metarregras acima podem ser
vistas em Bernardes (2016). A escolha dessas metarregras diante de tantas outras justifica-se por se tratarem de
concepções ou de ações sobre matrizes e/ou determinantes notadamente distintas das de hoje. Na seção seguinte,
descrevemos como as metarregras acima foram exploradas no estudo.

Sujeitos da pesquisa, estudos de campo e roteiros de ensino

Realizamos dois estudos de campo com nove estudantes de licenciatura em matemática, de duas universidades do Rio
de Janeiro. Oferecemos o mesmo minicurso com o tema "Diferentes papéis da noção de matriz em dois episódios da

3
O termo contato era empregado por Sylvester para designar os pontos de interseção em que as cônicas se tangenciam.

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HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES...

história das matrizes" para ambos os grupos de voluntários. Os minicursos duraram seis encontros e os voluntários
haviam cursado pelo menos uma das disciplinas de Álgebra Linear na época do estudo. Não foi nosso objetivo usar a
história para introduzir as matrizes, assim ter cursado Álgebra Linear foi um pré-requisito para participar do estudo.
As metarregras enunciadas anteriormente foram exploradas através de atividades históricas em dois roteiros
de ensino em que apresentamos as práticas de Sylvester e de Cayley, relacionadas a matrizes. Os roteiros contêm
várias citações de fontes primárias. Por razões didáticas, inserimos algumas explicações, bem como definições e
ilustrações modernas no roteiro que aborda a prática de Sylvester. Nesse roteiro, introduzimos o contexto geométrico
em que o termo matriz foi proposto por Sylvester e explicamos como ele resolveu o problema da classificação de tipos
de contatos entre duas cônicas usando determinantes. Alguns conceitos da geometria projetiva foram necessários,
como: coordenadas homogêneas, pontos projetivos e cônicas projetivas. Foram propostos exercícios matemáticos para
ajudar os alunos a compreenderem a matemática da prática de Sylvester.
No final de cada roteiro, há uma lista de questões de cunho mais histórico. O objetivo dessas atividades
históricas é suscitar discussões entre os participantes e estimular reflexões sobre as metarregras históricas e também
sobre suas próprias metarregras relacionadas a matrizes e determinantes. Algumas das atividades históricas incluídas
no primeiro módulo de ensino são:
• Descreva a diferença entre como Sylvester usou determinantes e como nós usamos nos dias de hoje. Veja
o extrato IV.
• Baseando-se nos extratos II e III, explique o que era uma matriz e qual o papel desta noção para Sylvester.
• Compare a definição de matriz apresentada por Sylvester no extrato II com a definição atual. Aponte pelo
menos uma semelhança e pelo menos uma diferença.
Os extratos I, II, III e IV mencionados acima são citações dos artigos de Sylvester. O extrato III, por exemplo,
ilustra como Sylvester interpretava as matrizes:

I have in previous papers defined a “Matrix” as a rectangular array of terms, out of which different
systems of determinants may be engendered, as from the womb of a common parent; these cognate
determinants being by no means isolated in their relations to one another […] (SYLVESTER, 1851b,
p.302)

O segundo módulo de ensino tem como título "Cayley e o cálculo simbólico com matrizes". Começamos
apresentando uma tradução da parte inicial da memória de 1858 (Cayley, 1858). Inicialmente, os participantes da
pesquisa leram a tradução, em seguida discutimos juntos como Cayley introduziu as operações com matrizes e com
que finalidade ele elaborou um cálculo simbólico com matrizes. Depois disso, foram propostas atividades históricas
para dar aos alunos a oportunidade de refletirem sobre as metarregras. Algumas das atividades são:
• Comparar a descrição de uma matriz apresentada por Cayley com a definição atual. Você vê semelhanças?
Se sim, quais? Você vê diferenças? Se sim, quais?
• Fale sobre o modo como Cayley estabeleceu as regras para as leis de adição, de multiplicação por uma
quantidade simples e multiplicação ou composição de duas matrizes. Compare com o modo segundo o qual os livros
didáticos de Álgebra Linear apresentam as operações com matrizes.
• Na prova do "teorema notável", Cayley formou o seguinte determinante:
,
cujo desenvolvimento é dado por 𝑀2 − (𝑎 + 𝑑)𝑀1 + (𝑎𝑑 − 𝑏𝑐)𝑀0 . Nos dias de hoje, a demonstração de
Cayley seria aceita como correta? Explique.

Os participantes trabalharam em grupos ao responder as atividades históricas. As discussões foram gravadas


em áudio e posteriormente transcritas para análise. As respostas escritas às atividades e as gravações de áudio das
discussões dos grupos forneceram os dados para analisar as reflexões sobre as metarregras.

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Anais do XII SNHM -2017
Aline Bernardes

Resultados e discussão

Na análise, buscamos localizar discussões sobre as metarregras históricas, discussões nas quais os participantes
externaram suas metarregras em relação a matrizes e determinantes e discussões que indicaram conflitos
comognitivos, ou seja, narrativas conflitantes nas quais os discursantes (no caso, os participantes e as fontes históricas)
baseavam-se em diferentes metarregras.
A maioria dos grupos discutiu intensamente sobre as metarregras históricas. Além das reflexões sobre
metarregras históricas, que é em si um resultado, nós detectamos três metarregras no discurso dos participantes. Neste
texto, vamos nos concentrar em uma delas para ilustrar a análise dos dados. Descreveremos também um dos conflitos
comognitivos que se manifestou durante as discussões das atividades históricas.
Todos os grupos discutiram idéias relacionadas à primeira metarregra que identificamos no episódio de
Sylvester, segundo a qual os determinantes foram calculados usando determinadas funções (polinômios homogêneos
de grau 2, a duas variáveis, que representam as cônicas). O diálogo abaixo mostra uma discussão de um grupo sobre
esta metarregra:
Yhedi: Então, o determinante associado à matriz. A gente que faz o contrário, a gente que associa
matriz ao número real que é o determinante.
Maria: Ah, tá. Me perdi. [pausa]
Maria: A utilização nos dias de hoje é diferente. Porque hoje em dia, da matriz você chega em um
determinante e com ele foi o contrário, do determinante, ele pediu para encontrar uma matriz e
associar a esse determinante. E para ele esse determinante era determinante de uma função, hoje
em dia determinante é de uma matriz. Você quer que eu escreva ou está bom?
(Grupo 1.2)

As discussões sobre a metarregra histórica acima conduziram os estudantes a explicitarem suas próprias
metarregras, segundo as quais determinantes são propriedades de uma matriz [quadrada], em contraste com aquela
que governou o discurso de Sylvester. Desta forma, o estudo proporcionou oportunidades para que os participantes
percebessem que as regras metadiscursivas, bem como as regras do nível de objeto, mudam ao longo do tempo. Em
particular, as matrizes não surgiram como o objeto matemático que conhecemos hoje e os determinantes nem sempre
foram calculados a partir de matrizes.
A segunda metarregra no episódio de Cayley (dupla interpretação da noção de matriz) produziu conflitos
comognitivos em todos os grupos. O trecho abaixo mostra uma discussão de um grupo que ocorreu quando os
participantes estavam tentando entender o cálculo simbólico realizado por Cayley na demonstração apresentada para
o "teorema notável", o principal resultado da memória:

Fernando: Mas que viagem. É muita viagem porque olha só que ele faz a seguir. Ele pega o M
grande que é a matriz cheia. Isso aqui tanto é uma matriz quanto é um número.
Yhedi: Não.
Fernando: Mas aqui, olha só, está operando com números. Aqui ele está operando com números.
Aqui, isso aqui é um número. Só que isso é uma matriz.
Yhedi: Mas quando ele opera a matriz como um número, ele está trabalhando M vezes a identidade.
Fernando: Hum?
Yhedi: Quando ele trabalha a matriz como número, é o número vezes a identidade.
Fernando: Mas essa matriz aqui, cara?
[Neste momento, eles solicitaram a ajuda da pesquisadora.]
(Grupo 1.2)

338
Anais do XII SNHM -2017
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES...

No trecho acima, os participantes ficaram perplexos com o determinante formado e o cálculo simbólico empregado,
pois a noção de matriz como uma quantidade única é aplicada a uma matriz completa. Cayley iniciou a demonstração
𝑎−𝑀 𝑏 𝑎 𝑏
do teorema notável formando o determinante | | , a partir de M = [ ]. O determinante resulta na
𝑐 𝑑−𝑀 𝑐 𝑑
2 1 0
expressão 𝑀 − (𝑎 + 𝑑)𝑀 + (𝑎𝑑 − 𝑏𝑐)𝑀 . Assim, Cayley usou o mesmo símbolo M para representar uma matriz
em alguns momentos e para representar um número em outros.
O conflito comognitivo no último diálogo surgiu a partir das diferenças entre as metarregras subjacentes ao
discurso de Cayley e aquelas subjacentes ao discurso dos participantes. Cayley norteava-se por um metarregra que
permitia uma dupla interpretação da noção de uma matriz, ora como sendo um número, ora como um "sistema de
números". Hoje em dia, seus argumentos não seriam aceitos como corretos.
A partir da análise, concluímos que disponibilizar trechos das fontes primárias de Sylvester e de Cayley,
mantendo suas notações originais e mostrando como esses matemáticos definiam seus objetos e como argumentavam
em suas provas, foi essencial para exibir suas práticas. Como observa Kjeldsen (2011), os textos históricos
desempenham o papel de interlocutores, como discursantes que agem de acordo com metarregras específicas. Assim,
o uso de fontes primárias é essencial para permitir o contato com um discurso moldado por metarregras diferentes e,
com isso, possibilitar o conflito comognitivo.

Conclusões

Os resultados alcançados pelo estudo confirmam o potencial das fontes históricas para promover reflexões sobre
metarregras – tanto as metarregras históricas, como as dos próprios participantes - o que é consistente com os
resultados de Kjeldsen e Petersen (2014).
Como mostra o estudo de Kjeldsen e Blomhøj (2012), nossa análise mostrou que o uso de fontes originais e
o formato das atividades históricas estimularam não só a aprendizagem de regras metadiscursivas, mas também a
oportunidade de discutir regras do nível do objeto. Chegamos a uma conclusão semelhante à de Kjeldsen e Petersen
(2014) em relação à experiência que os alunos tiveram com uma situação de aprendizagem que não era familiar para
eles. Eles tiveram a oportunidade de discutir a noção de matriz e outros conceitos relacionados de uma forma não-
operacional, ou seja, em um nível mais conceitual, fora da rotina de aplicação de técnicas prontas para resolver
problemas matemáticos. As atividades históricas levaram os participantes a refletirem sobre o que é o objeto matriz e
esta não foi uma tarefa trivial para eles.
Refletindo sobre os resultados e sobre o estudo como um todo, questionamos se é adequado iniciar o curso
de álgebra linear com o conceito de matriz como um objeto em si. Historicamente, a noção de matriz foi a última a
surgir, isto é, as matrizes foram introduzidas após determinantes, sistemas lineares, transformações lineares e formas
quadráticas. Os momentos históricos de Sylvester e de Cayley mostram que sua introdução e desenvolvimento foram
motivados pela necessidade de uma representação em forma de tabela. Assim, chegamos à conclusão de que é mais
adequado introduzir o conceito de matriz quando houver necessidade da representação matricial - por exemplo,
durante o estudo de sistemas lineares. Consideramos que é mais adequado introduzir a multiplicação de matrizes a
partir da composição de transformações lineares. Acreditamos que desta forma, os alunos podem aprender matrizes e
suas operações de uma forma menos naturalizada e mais problematizadora.
A importância de proporcionar reflexões sobre o discurso matemático, a partir da história da matemática, na
formação de professores está justamente em descontruir a visão naturalizada do ensino. Conhecer a origem e os fatores
que levaram um objeto matemático a ser definido do modo como conhecemos hoje e as escolhas que o elegeram como
ferramenta para resolver determinados problemas equipa o professor com uma visão mais crítica dos conteúdos que
ele irá ensinar.

339
Anais do XII SNHM -2017
Aline Bernardes

Bibliografia
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mar. 2012.

Aline Bernardes
Departamento de Matemática – UNIRIO – Brasil

E-mail: aline.bernardes@uniriotec.br

340
Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A


PERSPECTIVA DE UM DE SEUS PRECURSORES

Antonio Peixoto de Araujo Neto


Faculdade de Engenharias e Arquitetura – FEITEP - Brasil

Lucieli M. Trivizoli
Universidade Estadual de Maringá – UEM - Brasil

Resumo

O presente trabalho traz resultados de uma dissertação de mestrado vinculada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação para a Ciência e a Matemática PCM-UEM. O objetivo naquela pesquisa foi investigar historicamente o
processo de criação do curso de Matemática da Universidade Estadual de Maringá e o desenvolvimento do curso em
seus primeiros anos em um período compreendido entre 1969 e 1982. Nesta comunicação, temos por objetivo
apresentar a criação do curso de Matemática sob análise dos documentos oficiais da universidade e da perspectiva do
professor Amaury Meller, que foi um dos precursores para a criação do curso. Para atingir este objetivo, realizamos
uma entrevista com o professor Amaury. De acordo com as informações adquiridas na entrevista e os documentos
oficiais consultados, o curso de Matemática foi criado como uma estratégia do Governo do Estado expandir o ensino
superior em instituições interioranas, atender os interesses econômicos e corrigir a lacuna de professores do ensino
secundário na região paranaense.

Palavras-chave: Curso de Matemática da UEM; História da Matemática no Brasil; História da Ciência

THE MATHEMATICS COURSE OF THE STATE UNIVERSITY OF MARINGA UNDER THE


PERSPECTIVE OF ONE OF ITS PRECURSORS

Abstract

The present work brings results of a Master's thesis linked to the Post-Graduate Program in Education for Science and
Mathematics PCM-UEM. The purpose of this research was to investigate historically or process of creation of the
course of Mathematics of the State University of Maringá and development of the course in its early years in a period
between 1969 and 1982. In this communication, by objective, a creation of the course of Mathematics Under The
analysis of the official documents of the university and the perspective of Professor Amaury Meller, who was one of
the precursors for the creation of the course. For the purpose, conduct an interview with Professor Amaury. According
to information acquired in official documents consulted, the Mathematics course was created as a strategy of the State
Government to expand higher education in international institutions, to meet economic interests and to correct the gap
of secondary school teachers in the region of Paraná.

Keywords: UEM Mathematics Course; History of Mathematics in Brazil; History of Science

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Anais do XII SNHM -2017
Antonio Peixoto de Araujo Neto & Lucieli M. Trivizoli

Introdução

Este trabalho apresenta parte dos resultados de um estudo histórico sobre o curso de Matemática 1 da Universidade
Estadual de Maringá em um período que compreende a sua criação, em 1969, e os seus primeiros anos. As
informações apresentadas são um recorte de uma dissertação de mestrado defendida em 22 de fevereiro de 2016
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência e a Matemática – PCM da Universidade
Estadual de Maringá – UEM. Nesta comunicação, temos por objetivo apresentar a criação do curso de Matemática
sob a perspectiva do professor Amaury Meller que foi um dos precursores para a criação do curso.
Com a intensificação e o desenvolvimento de pesquisas em História da Matemática no Brasil e o
engajamento de diversos grupos de pesquisa2, o subtema da História Institucional tem obtido significativo espaço no
que refere à historiografia institucional brasileira. Há uma corrente de pesquisadores preocupados em resgatar a
institucionalização da Matemática no Brasil e este trabalho está inserido nesta corrente.
Segundo Trivizoli (2008) a pesquisa histórica permite entender a realidade e suas possibilidades por intermédio do
passado, por permitir a criação de um vínculo entre passado e presente, envolvendo e entendendo as relações entre o
homem e as condições do mundo à sua volta. Atualmente, diversos trabalhos que têm como objeto de investigação a
constituição e caracterização da história do desenvolvimento da Matemática no Brasil têm sido feitos. Ainda, o resgate
histórico-institucional neste trabalho baseia-se no entendimento de que a História não se faz exclusivamente dos fatos
do passado, mas também da participação de pessoas inseridas em uma sociedade e, neste caso, envolvidas no processo
de desenvolvimento científico (TRIVIZOLI, 2008). Retratar o contexto ou situação de uma determinada época é de
valia para que possamos entender o processo de transformação e construção da comunidade matemática brasileira.
A Universidade Estadual de Maringá foi criada pela Lei 6.034/69, sob forma de Fundação, a qual resultou
da união das três Faculdades existentes em Maringá no final da década de 1960: a Faculdade de Direito, a Faculdade
de Ciências Econômicas e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. De acordo com a Resolução 01/70, os cursos
de Matemática e Química foram os primeiros cursos criados pela Universidade Estadual de Maringá. O curso de
Matemática foi criado sob forma de Licenciatura 3 em um regime de créditos. Embora o curso tenha sido criado na
modalidade de Licenciatura, com disciplinas voltadas às discussões educacionais, a primeira disciplina voltada à
discussão da prática pedagógica, de responsabilidade do Departamento de Matemática, veio a ser criada somente na
década de 1980, sob o nome de Instrumentação do Ensino de Matemática.
D’Ambrosio (1999) afirma que a História da Matemática tem como grande preocupação a identificação de
fontes que permitam apontar as etapas do avanço da ciência, em especial da Matemática. Assim, o estudo histórico
do curso de Matemática da UEM visou constituir uma fonte que ajudará na composição da História da Matemática no
Brasil e, especificamente, no Paraná. Essa narrativa pode contribuir, ainda, para uma futura análise histórica
comparativa dos diferentes padrões de institucionalização das atividades matemáticas em diversos períodos históricos
e diversas regiões no Brasil.

Metodologia

De acordo com Martins-Salandim (2012, p. 53) "/.../ a potencialidade da História Oral para a historiografia não deve
ser buscada na autossuficiência das fontes orais em detrimento de outras fontes, mas na natureza qualitativa das
informações que as fontes orais incorporam à operação historiográfica".
As fontes constituídas pela e a partir da História Oral são historiográficas e nos possibilitam compreender o ponto de
vista do entrevistado:

A realidade é complexa e multifacetada; e um mérito principal da história oral é que, em


muito maior amplitude do que a maioria das fontes, permite que se recrie a multiplicidade

1
O curso foi criado sob forma de Licenciatura, mas em diversos documentos o curso é apenas referenciado como “curso de Matemática” e
adotaremos apenas esse termo no nosso texto.
2
Uma lista com grupos de pesquisa em Educação Matemática no Brasil – incluindo aqueles que trabalham com História da Matemática e História
da Educação Matemática – pode ser encontrada no site da Sociedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM:
<http://www.sbembrasil.org.br/sbembrasil/index.php/96-grupos-de-pesquisa/118-grupos-de-pesquisa>. Acesso em 04 de janeiro de 2016.
3
A modalidade de Bacharelado foi iniciada apenas em 1996.

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Anais do XII SNHM -2017
O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE UM DE SEUS
PRECURSORES

original de pontos de vista. Mas essa vantagem não é importante apenas para escrever
história. Em sua maioria, os historiadores fazem julgamentos implícitos e explícitos - o
que é muito certo, uma vez que a finalidade social da história requer uma compreensão
do passado que, direta ou indiretamente, se relaciona com o presente. (THOMPSON,
1992, p. 25-26)

As narrativas orais, segundo Bolivar (2005), são estruturações das experiências como relatos, expressando
diferentes dimensões da experiência vivida, mediando a experiência e configurando a construção social da realidade.
Desse modo, a narrativa oral foi um elemento importante para se compreender a dinâmica da história do curso de
Matemática da UEM, posto que as suas reestruturações ao longo do tempo foram um conjunto de ações que ocorreram
intencionalmente em uma situação, tempo e espaço específicos e, por isso, a análise do relato do professor entrevistado
auxiliou na compreensão dos fatores envolventes na história do curso e suas cercanias.
Para constituição destas narrativas, trilhamos, ainda que não de forma rígida, estática, algumas etapas como seleção e
contatos com entrevistados, elaboração de um roteiro básico para as entrevistas, entrevistas gravadas, transcrição das
entrevistas, textualização - edição da transcrição literal, eliminando vícios de linguagem, conferências, assinatura de
carta de cessão de direitos sobre a gravação e a textualização, com ou sem restrições de uso, e análise dos dados
constituídos.

Procedimentos da Pesquisa
Nas análises realizadas nos documentos oficiais observamos com frequência o nome do professor Amaury
Meller como um dos precursores da criação do curso. Desta forma, como ele reside em Maringá, julgamos conveniente
a realização de uma entrevista para a composição da narrativa sobre a história do curso de Matemática da UEM.
Entramos em contato com o professor Amaury por meio da sua secretária. Após algumas tentativas de contato, o
convite foi aceito.
O questionário da entrevista foi planejado, conforme segue:
 O senhor possuía algum vínculo com o ensino no período antecedente à criação do curso?
 Quais as motivações que levaram à criação do curso de Matemática? Quais eram as necessidades e
preocupações daquele momento para a criação do curso?
 Quais pessoas que contribuíram para a criação do curso? Houve uma comissão criada para a elaboração do
curso? Onde aconteciam as reuniões de planejamento?
 O curso de Matemática da UEM foi concebido de acordo com algum curso da época? Quais as
características que buscavam para o curso? Quais os objetivos?
 Quais os principais obstáculos/desafios que encontraram para a criação do curso?
 Como eram as condições físicas do prédio onde o curso de Matemática se instalou no início?
 Como foi o processo de contatar os primeiros professores? Houve professores oriundos de outras
instituições?
 E o primeiro vestibular? A primeira turma?
 Que aspectos da formação dos alunos esperava-se com o curso de matemática?
 O envolvimento do senhor no curso de Matemática deu-se até quando?
 Na sua visão, quais os principais impactos que o curso de Matemática gerou no âmbito local e regional?
 Alguma consideração que queira fazer?

O curso de Matemática sob a visão do professor Amaury Meller

Segundo Amaury Meller ele “era o único formado em Matemática na década de 1960 em Maringá”. Ele
lecionava Matemática e Física no Colégio Estadual Gastão Vidigal e, posteriormente, fundou o Colégio Paraná e
Faculdade Maringá, onde é diretor atualmente. Com a política de expansão do ensino superior em cidades interioranas
no Paraná e com a criação da UEM em 1969 por meio da Lei 6.034/69, o professor Amaury foi o convidado para
presidir uma comissão para a criação de cursos superiores na nova instituição que estava sendo criada.

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Anais do XII SNHM -2017
Antonio Peixoto de Araujo Neto & Lucieli M. Trivizoli

A comissão composta pelos professores Amaury Meller, Oberon Floriano Dittert e Flávio Pasquineli foi
constituída para definição dos cursos que seriam criados. Os cursos definidos foram “Letras, História e Geografia e
o curso que era a minha ânsia, Matemática, eu era o único professor”. De acordo com Flavio e Trivizoli (2014), a
primeira contratação docente do curso de Matemática da UEM foi a professora Laudelina Leila S. de Campos em
01/03/1969 e o professor Amaury em 1971.
O curso de Matemática da UEM foi criado para atender os interesses políticos e econômicos do município. Elencamos
três fatores que levaram à criação do curso de Matemática da UEM:
O primeiro fator que apresentamos é a intenção de desenvolver economicamente a cidade de Maringá. De acordo com
Sheen (2001), Maringá foi criada para ser uma cidade polo da região noroeste do Estado do Paraná. O professor
Amaury Meller relata que o “curso de Matemática da UEM abrangeria toda a região noroeste e norte do Estado do
Paraná e sul do Mato Grosso do Sul”. Isso significaria uma visibilidade para a cidade e um maior desenvolvimento
econômico do município.
De acordo com a 5ª Ata da reunião de aprovação da Resolução 01/70, o professor Flávio Pasquinelli destacou
que os cursos de Matemática e Química representavam uma célula importante para o desenvolvimento dos futuros
cursos de Engenharia. Este fragmento da fala do professor Flávio Pasquinelli converge com o relato do professor
Amaury Meller quando diz que o “curso de Matemática foi criado para dar abertura para as Engenharias”. Esse
segundo fator, então, seria da abertura para os cursos de Engenharia Civil e Engenharia Química, criados após o curso
de Matemática.
Com o objetivo de “se chegar às Engenharias”, o professor Amaury relata que foi “obtido um terreno ao
lado do Instituto de Educação e nele foi construído um prédio que foi denominado Instituto de Ciências Exatas e
Tecnológicas - ICET e neste prédio nós criamos os cursos de Matemática, Física e Química”. O ICET foi criado pela
Resolução 02/72. O primeiro presidente do ICET foi, de acordo com a Portaria 08/72, o professor Flávio Pasquinelli.
O primeiro objetivo do Instituto, era de acordo com o professor Amaury “começar a ofertar os cursos de engenharias
então, nós com os três cursos inicialmente criados, dizíamos para os alunos que eles seriam transferidos para a
Engenharia Civil e a Engenharia Química”. De acordo com o relato do professor, o governo do Estado facilitou esta
tramitação, tanto que “para começar a funcionar não era necessário a aprovação do Conselho Federal”. O sistema
estadual e o sistema municipal de ensino superior estavam subordinados ao Conselho Estadual de Educação do Estado
do Paraná. “Então, aprovamos os cursos de Matemática, Física e Química para já divulgar que quem quisesse entrar
em Engenharia depois se transferia e já começavam com as disciplinas do primeiro ano de Engenharia”.
O terceiro fator para a criação do curso é a lacuna do quadro de professores do ensino secundário existente
na época em Maringá. Então a criação do curso permitiria superar essa lacuna da falta de professores em Maringá e
região.
Professores oriundos de diversas instituições foram contatados, o professor Amaury relata: “começamos a
procurar professores e o reitor nos dava ‘carta branca’ para procurar o professor que quiséssemos”. Com o objetivo
de se ter uma pós-graduação local, o professor relata: “no fim do ano fazíamos cursos de iniciação e trazíamos o
coordenador da pós-graduação da USP - Universidade de São Paulo, depois da COPPE 4 do Rio, visando termos
especialização ou até um mestrado nosso”.
Embora o curso tivesse sido criado na modalidade de licenciatura, a grade curricular inicialmente foi estruturada com
disciplinas de cunho conteudista, seguindo a regularidade dos cursos na época. De acordo com Moreira e Ferreira
(2013) aquele era um período em que a formação do professor de matemática era composta essencialmente de três
anos de matemática mais um ano de didática.
Pudemos observar que, no início, havia apenas uma disciplina pedagógica específica para o ensino de
Matemática chamada Prática de Matemática no terceiro ano do curso, mas essa disciplina não era ofertada pelo ICET.
O professor Amaury faz um relato que justifica esta estruturação da grade curricular.
“Na época havia outro conceito didático, você formava a cabeça do professor o melhor

4
De acordo com o site da COPPE/UFRJ, a Coppe – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia – nasceu
disposta a ser um sopro de renovação na universidade brasileira e a contribuir para o desenvolvimento do país. Fundada em 1963 pelo engenheiro
Alberto Luiz Coimbra, ajudou a criar a pós-graduação no Brasil e ao longo de quatro décadas tornou-se o maior centro de ensino e pesquisa em
engenharia da América Latina. Disponível em: <http://www.coppe.ufrj.br/coppe/apresentacao.htm> Acesso em 27 de setembro de 2015.

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Anais do XII SNHM -2017
O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE UM DE SEUS
PRECURSORES

possível e depois o resto ele saberia para transmitir. Exatamente o contrário do que
acontece hoje. Em 1996, a última Lei que estabeleceu as Diretrizes Básicas da Educação
Nacional - LDB/96, diz que deve haver uma forte ligação entre a teoria e a prática, em
outras palavras, quando o professor de matemática ensina alguma coisa deve se atentar
ao seguinte: Para que serve? O que vai fazer com aquilo? Ele tem que mostrar. Não,
amanhã ou depois você precisa disso. Então, hoje não é formar a cabeça do professor. É
instrumentaliza-lo didaticamente para transmitir aquela matéria e o aluno ter visão a
onde ele vai aplicar, mas naquela época não: era formar a cabeça. Então, quanto melhor
você formar o indivíduo, melhor aluno de cálculo, de análise, de geometria, da matéria
que fosse, depois ele teria uma visão mais profunda. Essa era a nossa visão”

Essa fala do professor Amaury vem ao encontro com o pensamento da época. De acordo com Valgas (2002),
a ideologia na década de 1970 era a da eficiência e racionalidade; ensinava-se o como fazer, sem reflexão sobre o
porquê fazer, não havendo relação entre educação e sociedade, entre currículo e sociedade.

Considerações Finais

Entendemos a importância da constituição da narrativa apresentada para se ter contada a história do curso,
pois conseguimos reunir (mesmo que inicialmente) dados importantes que estavam dispersos. A colaboração das
pessoas dos diversos locais visitados com indicações, sugestões, facilitaram a delinear os caminhos a serem
percorridos na pesquisa. Sabemos que as informações obtidas correspondem a uma pequena parcela da história do
curso. Mas podemos perceber algumas das evoluções que o curso passou e, talvez, poderá a passar.
Conforme dito na introdução, há um grupo de pesquisadores preocupados em relatar a História Institucional do Brasil
e este trabalho é parte desta História e poderá contribuir para futuras discussões acerca da institucionalização da
Matemática no Paraná e no Brasil.
No contexto apresentado anteriormente foi criado pela Resolução 01/70 o curso de Matemática da UEM
sob a forma de Licenciatura. De acordo com Araujo Neto (2016), o curso foi criado para gerar uma abertura para os
cursos de Engenharia, para desenvolver economicamente o município e para sanar as lacunas de professores do ensino
secundário da região naquela época.
Em relação à formação inicial do professor de Matemática, Araujo Neto (2016) observa que apesar do curso
de Matemática ser voltado para a Licenciatura, ele possuía um caráter conteudista em suas primeiras grades
curriculares.
Lembramos, ainda, que no momento da criação da UEM havia outras Instituições de Ensino Superior no Brasil. Outras
influências que podem ter colaborado para a criação da UEM, como por exemplo a Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada – IMPA e demais instituições existentes na época da
criação da Universidade Estadual de Maringá podem ser estudadas futuramente. Assim, indicamos uma possibilidade
para a continuidade dessas análises com outras instituições para que possa ser realizado um estudo panorâmico sobre
possíveis convergências ou divergências entre elas.
Indicamos como continuidade desta pesquisa, a análise das grades curriculares ao longo dos anos e como o
curso se consolidou no cenário estadual e nacional. Além disso, indicamos o estudo das principais mudanças do curso,
as contratações docentes, suas influências e áreas de pesquisa, a produção científica do curso; os principais eventos
realizados pelo Departamento de Matemática tais como: o II Encontro Nacional de Educação Matemática que marcou
a criação da Sociedade Brasileira de Educação Matemática; as Semanas da Matemática etc. Ainda há muito para se
pesquisar, inclusive nos anos iniciais, que foram os anos onde concentramos nosso trabalho. A tarefa não é simples,
mas vale a pena.

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Antonio Peixoto de Araujo Neto & Lucieli M. Trivizoli

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Grossa e a Federação das Escolas Superiores de Curitiba. Atos Constitutivos da Universidade, Curitiba
BRASIL. Portaria 08/72, de 16 de março de 1972. Protocolo 21.3.72, nº 000021, Maringá
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346
Anais do XII SNHM -2017
O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A PERSPECTIVA DE UM DE SEUS
PRECURSORES

Antonio Peixoto de Araujo Neto Lucieli M. Trivizoli


Faculdade de Engenharias e Arquitetura – FEITEP– Departamento de Matemática – DMA – campus
Maringá – PR - Brasil de Maringá - PR - Brasil

E-mail: netopeixotoaraujo@hotmail.com E-mail: lmtrivizoli@uem.br

347
Anais do XII SNHM -2017
Anais do XII Seminário Nacional de História da Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática
ISSN 2236-4102

POR QUE UTILIZAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA?


CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO
DE ITAJUBÁ-MG

Marcos Roberto dos Santos


Instituto Federal de Educação,Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais – IFSULDEMINAS – Brasil

Mariana Feiteiro Cavalari


Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI – Brasil

Resumo

Existe um consenso por parte de pesquisadores em Educação Matemática sobre a importância da História da
Matemática no ensino de Matemática. O uso da História da Matemática (HM) em sala de aula, também, é indicado
nos documentos oficiais, tais como nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Entretanto, algumas pesquisas
têm indicado que a HM tem sido pouco utilizada em sala de aula neste nível de ensino. Nesse sentido, realizamos uma
investigação com objetivo de analisar as compreensões dos professores de Matemática do Ensino Médio que atuam
nas escolas públicas do município de Itajubá/MG acerca da utilização da HM para o ensino desta disciplina. De modo
específico, buscamos identificar e analisar as justificativas apresentadas pelos docentes para a utilização da HM em
suas aulas. Para tanto, convidamos todos os docentes que, em 2015, lecionavam Matemática no Ensino Médio nas
escolas públicas do referido município sendo que, 13 professores aceitaram o convite. Como instrumento de coleta de
dados utilizamos um questionário. Identificamos que dois docentes não tiveram contato com a HM em sua formação
acadêmica e as respostas obtidas por meio do questionário nos permitiram constatar que todos os professores entendem
ser importante utilizar a HM para o ensino de Matemática na Educação Básica. As justificativas destes docentes para
tal utilização foram analisadas e agrupadas em três categorias elaboradas a posteriori. A maioria dos docentes, 54%,
entende que a HM deve ser introduzida em sala de aula com o objetivo de motivar os estudantes; 23% dos docentes
apontam que a HM permite apresentar os contextos do desenvolvimento de conceitos matemáticos e suas aplicações
ao longo do tempo e 23% dos professores entendem que a HM é uma abordagem capaz de trazer sentido e significado
ao conhecimento matemático. Os resultados indicam que apesar do crescimento de trabalhos e pesquisas sobre HM, e
do fato da maioria destes docentes terem tido contato com a HM em sua formação, ela ainda é pouco vista como uma
possibilidade pedagógica capaz de atribuir significado ao conhecimento matemático. Diversos fatores podem
contribuir para essa concepção, um desses fatores pode ter relação com a forma que a HM foi apresentada a esses
professores durante suas trajetórias acadêmicas. Neste sentido, ressaltamos a relevância da realização de investigações
que tenham como foco a HM nos cursos de formação de professores.
Palavras-chave: História da Matemática; Ensino Médio; Concepções de professores.

Why use the History of Mathematics in Mathematics teaching? Conceptions of teachers of Mathematics of
the High School of the municipality of Itajubá-MG

Abstract

There is a consensus among researchers in Mathematics Education about the importance of the History of Mathematics
in the teaching of Mathematics. The use of the History of Mathematics (HM) in the classroom, too, is indicated in
official documents, such as in the Curriculum Guidelines for High School. However, some research has indicated that
HM has been little used in the classroom at this level of education. In this sense, we carried out an investigation with
the objective of analyzing the understandings of teachers of Mathematics of High School that work in the public

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Anais do XII SNHM -2017
schools of the municipality of Itajubá / MG about the use of HM for the teaching of this discipline. Specifically, we
seek to identify and analyze the justifications presented by teachers for the use of HM in their classes. To that end, we
invited all teachers who, in 2015, taught Mathematics in Secondary School in the public schools of said municipality
and 13 teachers accepted the invitation. As an instrument of data collection, we used a questionnaire. We identified
that two teachers did not have contact with HM in their academic formation and the answers obtained through the
questionnaire allowed us to verify that all teachers understand that it is important to use HM for the teaching of
Mathematics in Basic Education. The justifications of these teachers for this use were analyzed and grouped in three
categories elaborated posteriori. Most teachers, 54%, understand that HM should be introduced in the classroom in
order to motivate students; 23% of teachers indicate that HM allows to present the contexts of the development of
mathematical concepts and their applications over time and 23% of teachers understand that HM is an approach
capable of bringing meaning and meaning to mathematical knowledge. The results indicate that despite the growth of
research and studies on HM, and the fact that most of these teachers have had contact with HM in their formation, it
is still little seen as a pedagogical possibility capable of assigning meaning to mathematical knowledge. Several factors
may contribute to this conception, one of these factors may be related to the way HM was presented to these teachers
during their academic trajectories. In this sense, we emphasize the relevance of conducting research that focuses on
HM in teacher training courses.

Keywords: History of Mathematics, High school, Conceptions of teachers

Introdução

Existe um consenso por parte de pesquisadores em Educação Matemática sobre a importância da História da
Matemática (HM) no ensino de Matemática. Neste sentido, Valdés (2006), expõe que “[...] nos últimos anos a História
da Matemática vem se incorporando, sobretudo, à teoria e à prática do ensino da matemática” (VALDÉS, 2006, p.15).
A utilização da HM como abordagem para o ensino de Matemática, também está presente nos documentos
oficiais como nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, esse documento aponta que o uso da HM em sala de
aula se configura em um importante elemento no que diz respeito à aprendizagem da Matemática pois, “A recuperação
do processo histórico de construção do conhecimento matemático pode se tornar um importante elemento de
contextualização dos objetos de conhecimento que vão entrar na relação didática” (BRASIL, 2006, p.86).
Apesar desse consenso entre pesquisadores e da indicação da utilização da HM nos documentos oficiais,
algumas pesquisas apontam que a HM tem sido pouco utilizada ou subutilizada na Educação Básica. Esse fato pode
ser observado em Souto (1997) e Feliciano (2008). Embora estas pesquisas tenham sido realizadas com uma diferença
de quase uma década, seus resultados são bastante semelhantes. Estas pesquisas identificaram que uma das
justificativas para o uso da HM na percepção dos professores, é que ela pode ser uma fonte de motivação e um fator
que auxilia na compreensão da Matemática.
Nesse sentido, quase uma década após o trabalho de Feliciano (2008), nos propusemos a realizar uma
investigação com objetivo de analisar as compreensões dos professores de Matemática, do Ensino Médio que atuam
nas escolas públicas do município de Itajubá/MG, acerca da utilização da HM para o ensino desta disciplina. De modo
específico, buscamos identificar e analisar as justificativas apresentadas pelos docentes para a utilização da HM em
suas aulas.
Para tanto, convidamos todos os docentes que, em 2015, lecionavam Matemática no Ensino Médio nas
escolas públicas de Itajubá, destes 13 aceitaram o convite. Aplicamos, então, um questionário a estes docentes. Esse
questionário era constituído por questões que objetivavam identificar o perfil profissional dos professores, a relevância
que eles atribuem para o uso da História da Matemática na Educação Básica, as justificativas para tal utilização e,
ainda, a forma que estes docentes utilizam a HM em suas aulas. As respostas das questões referentes a justificativa
para a utilização da HM na Educação Básica foram analisadas e classificadas em agrupamentos criados a posteriori.
Para a apresentação dos resultados desta investigação, dividimos o presente trabalho em dois itens. No
primeiro item apresentaremos justificativas para se utilizar a HM no ensino de Matemática a partir da literatura e no

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Anais do XII SNHM -2017
Por que utilizar a História da Matemática no ensino de Matemática? Concepções de professores...

segundo, apresentaremos as justificativas que os professores de Matemática que atuam no Ensino médio de Itajubá
apresentam para usar a HM em sala de aula.

2. Justificativas para a utilização da História da Matemática no ensino de Matemática

Diversos estudos, conforme já apontamos, apresentam argumentos que justificam a utilização da HM no


ensino de Matemática, tais como, Brolezzi (1991), Miguel (1997), Fossa (2008), Mendes (2008), Miguel e Miorim
(2011). Com base nos argumentos apresentados por estes autores, elaboramos quatro justificativas para a utilização
da HM em sala de aula, a saber: A HM para a motivação; A HM para significado, a HM para apresentar as motivações
e aplicações e a HM para mudança de percepção sobre a Matemática e promoção de valores no ensino de Matemática.
Apresentaremos, a seguir, considerações sucintas sobre as justificativas para a utilização da HM no ensino de
Matemática.

2.1 A História da Matemática para a motivação

A utilização da HM como fonte de motivação nas aulas de Matemática é um argumento apresentado por um
número expressivo de professores de Matemática. Alguns pesquisadores como Vianna (1995), Miguel (1997), Valdés
(2006), Fossa (2008), apontam a motivação como argumento para se utilizar a HM no ensino de Matemática. Porém,
essa forma não é considerada a mais adequada para o processo de ensino.
Vianna (1995) é favorável ao uso da HM para a motivação desde que a sua exploração tenha relação com o
conteúdo que o aluno está estudando. Para ele, pode-se iniciar um capítulo buscando na história um problema que
tenha um enunciado interessante, ou apresentando as dificuldades encontradas para resolver algum problema e
relacioná-lo com problemas atuais fazendo questionamentos e incentivando os estudantes a procurar outras formas de
resolução. Essa seria uma maneira de usar a história de forma diferente do habitual que muitas vezes não tem relação
com o que está sendo trabalhado.
Miguel (1997) apresenta ideias semelhantes ao indicar que podem ser encontradas nas questões históricas
estratégias que motivem os alunos, uma vez que são fonte para seleção de problemas práticos, curiosos, informativos
e recreativos. Miguel (1997), entretanto, chama a atenção para que essa motivação seja vinculada e produzida no ato
cognitivo da solução de um problema e “[...] não meramente externa ao conteúdo do ensino” (MIGUEL, 1997, p.81).
Ao questionar a utilização da HM meramente como motivação Miguel (1997), aponta que o que motiva um
aluno nem sempre será capaz de motivar a outros. Além disto, de acordo com este autor, muitas vezes quando a HM
é apresentada aos estudantes com este objetivo, ela é apresentada de forma esporádica e, em geral, se resume a
apresentação de dados biográficos de matemáticos.
Destacamos que a introdução de informações históricas ligadas a Matemática como biografias de
matemáticos e suas contribuições para o desenvolvimento da Matemática com a apresentação de fotos e de textos
explicativos muitas vezes não contribui para a aprendizagem de conceitos e conteúdos matemáticos. Entretanto,
enfatizamos na mesma perspectiva de Fossa (2008), que este pode ser o primeiro contato dos estudantes com a HM e
que de certo modo, pode contribuir com a sua formação cultural.
Consideramos através dessas breves colocações que é necessário ser cauteloso ao justificar a utilização da
HM para o ensino de Matemática somente com base na motivação. Há outras possibilidades mais abrangentes de
utilização da HM em sala de aula, como é o caso da utilização da HM para promover o significado.

2.2 A História da Matemática para Significado

A HM pode promover a aprendizagem significativa e compreensiva da Matemática, esse é um argumento


apresentado por diversos pesquisadores em Educação Matemática. Miguel (1997) afirma que a HM não deve ser
entendida apenas como um elemento de motivação para ser usada exclusivamente como referência no início de
capítulos de conteúdos. A HM, para ele, deve ter uma função maior que é de esclarecer os conceitos e as teorias
estudadas.

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Anais do XII SNHM -2017
De modo semelhante, Brolezzi (1991) indica que a HM possibilita trazer significado à Matemática estudada,
afinal, ele considera que a HM pode ser um “[...] instrumento para a superação da dicotomia entre técnica e significado
no ensino elementar na Matemática” (BROLEZZI, 1991, p.44). Neste sentido, a história, pode ser usada pelo professor
durante o processo de reconstrução de uma teoria como um artifício capaz de facilitar a assimilação do aluno, desta
forma, poderá promover uma aprendizagem compreensiva e significativa da Matemática.
Em uma perspectiva semelhante, Mendes (2006) destaca que uma das finalidades do uso da história como
recurso pedagógico é de “[...] promover um ensino-aprendizagem da Matemática que permita uma ressignificação do
conhecimento matemático produzido pela sociedade ao longo do tempo” (MENDES, 2006, p.84). Desta forma,
Mendes (2006) indica que o professor, a partir das questões históricas, estimulem os estudantes a (re)construir e
(re)significar o conceito a ser trabalhado. Assim, os professores, por meio de problemas históricos, podem propor
atividades de investigação e de resolução de problemas.
As questões históricas devem ser usadas de forma adequada fazendo com que os alunos possam compreender
e entender ideias mais complexas, e não ser usada apenas como uma forma de entretenimento a partir de historietas e
anedotas curiosas. Desta forma, o importante “[...] é transmitir, de uma maneira mais sistemática possível, os processos
de pensamento eficazes na resolução de verdadeiros problemas” (VALDÉS, 2006, p.19). A partir de conceitos
históricos e evitando cair nos erros que diversas pessoas entre matemáticos, professores e alunos acabam caindo por
falta de conhecimento desses conceitos.
Portanto, entendemos que a HM se bem utilizada pode trazer para os alunos significados para o conteúdo que
estão aprendendo. Além disto, a HM pode contribuir para a apresentação das motivações de matemáticos para
desenvolverem seus estudos e a aplicação destes ao longo do tempo, o que também pode contribuir para aprendizagem
matemática.

2.3 A História da Matemática para apresentar motivações e aplicações

A falta de compreensão dos alunos com relação a utilização ou aplicação de alguns conteúdos matemáticos,
de acordo com Mendes (2006), pode levá-los a um certo desinteresse pela Matemática, situação que pode gerar
obstáculos no processo de aprendizagem. (MENDES, 2006)
Neste sentido, a HM pode ser utilizada para a superação de tais obstáculos, já que por meio dela, pode-se
mostrar a aplicação de um determinado conceito ao longo do tempo. Por meio de um viés histórico pode-se apresentar
que as aplicações de conceitos matemáticos mudam ao longo da história, ou seja, que a aplicação atual para um
conteúdo nem sempre foi esta. A HM, também, pode mostrar que nem todos os conteúdos matemáticos tiveram a sua
utilização instantânea (BROLEZZI, 1991).
Além disto, a HM pode ter um papel importante no ensino de Matemática, pois através dela podemos mostrar
aos alunos as motivações que levaram vários estudiosos a se interessarem pela Matemática. Neste sentido, a HM pode
mostrar que o desenvolvimento de alguns conteúdos pode ter sido motivado por questões utilitárias e que outros pode
ter sido motivado por questões relativas a própria Matemática ou a problemas de outras ciências. Assim, é possível
apresentar aos estudantes que "[...] ter significado não é o mesmo que ter aplicações práticas" (BROLEZZI, 1991,
p.66).
A HM pode contribuir também, para uma mudança de percepção e de atitude do estudante com relação a
Matemática, situação que pode contribuir com seu ensino na Educação Básica.

2.4 A História da Matemática para a mudança de percepção sobre a Matemática e promoção de valores no
ensino de Matemática

A Matemática, de forma geral, é apresentada aos alunos de forma organizada e lógica, dando a impressão
que ela está pronta e acabada e que seus conteúdos estão estabelecidos de forma natural. Assim, não é apresentado o
processo de construção que o conhecimento matemático passou ao longo dos anos, seus entraves e seus significados
em diferentes momentos da história, até chegar nessa estrutura que conhecemos atualmente. (MIGUEL, 1997). Nesse
sentido, ao se recorrer a HM “[...] uma Matemática viva, em progresso, ou seja, em construção, surge aos olhos dos

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Anais do XII SNHM -2017
Por que utilizar a História da Matemática no ensino de Matemática? Concepções de professores...

alunos” (BROLEZZI, 1991, p.1).


Assim, a História da Matemática pode auxiliar na mudança da visão que muitos estudantes possuem sobre a
Matemática como uma ciência exata pronta e acabada, engessada, estática, ahumana e asocial. Fossa (2008), indica
que a HM pode ser utilizada para apresentar a Matemática “[...] como um produto cultural, naturalmente embutido na
cultura humana”(p.9).
Assim, a HM possibilita a apresentação da Matemática como uma criação humana, que foi produzida não
somente por “gênios” do sexo masculino e sim, por homens e mulheres que tiveram erros e dificuldades no processo
de construção do conhecimento. Neste sentido, Cavalari (2010), afirma que a HM e “[...] a história das mulheres nesta
ciência pode ser um interessante recurso a ser utilizado em sala de aula, pois permite a desmistificação da difundida
crença que a ciência e a matemática são territórios essencialmente masculinos” (p. 2-3).
Mudar a percepção da Matemática engessada, estática, ahumana e asocial pode, de acordo com Miguel
(1997), contribuir para o ensino e aprendizagem da Matemática. Pois, para este autor, apresentar os processos
realizados durante o desenvolvimento dos conteúdos matemáticos, mostrando os erros, as dificuldades, os anseios que
passaram os (as) matemáticos (as), poderia trazer aos alunos uma postura para enfrentarem os problemas com coragem
e persistência para buscar soluções para o desenvolvimento de novos valores.
Entendemos que dessa maneira a HM é uma poderosa estratégia didática capaz de trazer aos alunos elementos
para que eles enxerguem que o conhecimento matemático que temos acesso hoje foi (e ainda é) produzido por pessoas,
situação que acaba deixando a Matemática mais humanizada.
Após estas breves explanações sobre algumas justificativas apresentadas por pesquisadores da área de
História da Matemática e/ou Educação Matemática acerca da utilização da HM no ensino de Matemática, exporemos
as justificativas para a utilização da HM apresentadas pelos professores que participaram desta investigação.

3. A utilização da História da Matemática por professores do Ensino Médio das escolas públicas de Itajubá MG

Os participantes desta investigação, conforme já apontado, são 13 docentes que no ano de 2015, lecionaram
Matemática no Ensino Médio de escolas públicas do município de Itajubá. Dentre eles, apenas dois não tiveram
contato com a HM no decorrer de sua formação acadêmica, sendo que um destes não é Licenciado em Matemática.
Este fato nos chamou atenção pois não é raro encontrar como justificativa para a falta de utilização da HM no ensino
de Matemática, o pouco conhecimento dos docentes acerca da HM e suas possibilidades didáticas.
Destacamos que todos os docentes indicaram que é importante trabalhar a HM nas aulas desta disciplina na
Educação Básica. As justificativas destes docentes para tal utilização no Ensino Médio foram classificadas em três
agrupamentos, a saber: o uso da HM como fonte de curiosidade e motivação; a HM como contextualização e Sentido
e aprendizagem através da HM.
No primeiro agrupamento denominado “HM como fonte de curiosidade e motivação” reunimos as respostas
que apresentavam a ideia de que a HM seria importante por ser motivadora ou por apresentar curiosidades ou, ainda,
por ser um momento de descontração na aula de Matemática. Destacamos que aproximadamente 54% dos professores
participantes da pesquisa, apresentam nas suas respostas justificativas que se encaixam nesse agrupamento. Para
exemplificar apresentamos a ideia do professor D e do professor M.

“a história da matemática é importante e deve ser utilizada, mas de uma forma descontraída e
prazerosa de conhecer” (Professor D).

" para desenvolver a curiosidade e o interesse do aluno" (Professor M).

No segundo agrupamento “HM como contextualização” foram reunidas as respostas de 23% dos professores
que traziam a ideia de que a HM é importante para apresentar os contextos do desenvolvimento de alguns conceitos
matemáticos e suas aplicações ao longo do tempo como podemos observar nas respostas a seguir, que exemplificam

352
Anais do XII SNHM -2017
este agrupamento.

“A matemática deve ser apresentada como uma ferramenta para a solução de problemas. Por isso,
problemas passados, a situação em que estavam inseridos, devem ser apresentados” (Professor F).

“Na utilização da história da matemática vai mostrar necessidades e preocupações de diferentes


culturas, em diferentes momentos históricos, ao estabelecer comparações entre os conceitos e
processos matemáticos do passado e do presente” (Professor J).

No terceiro agrupamento, intitulado “Sentido e aprendizagem através da HM”, representa aproximadamente


23% das respostas nas quais as ideias centrais eram que a HM é relevante para apresentar a possibilidade de utilizar
questões históricas para a compreensão dos conceitos matemáticos trazendo sentido e significado para o conteúdo que
o aluno está aprendendo como podemos ver no exemplo a seguir.

“[...] porque considero que os alunos precisam conhecer um pouco da matemática para poder
compreendê-la melhor, entender o pensamento dos grandes matemáticos, e desenvolver o seu
pensamento matemático e o seu raciocínio” (Professor H)

Estes dados indicam que a grande maioria dos professores que fazem parte da nossa pesquisa, entendem que
a HM tem um papel motivador. De acordo com a literatura, conforme apontado anteriormente, está é uma visão um
pouco simplista da utilização da HM.
Embora todos os professores tenham indicado que a HM é relevante para o ensino de Matemática e tenham
justificado a sua utilização, mesmo que não sendo da forma que entendemos ser mais adequada, as respostas dos
questionários indicam que 54% dos docentes participantes da investigação usam a HM com seus alunos.
Portanto, concluímos que apesar de grande parte dos professores terem tido contato com a HM, a maioria
justifica a sua utilização como forma de motivação. Assim, entendemos que a HM pode estar sendo subutilizada e o
seu potencial pedagógico pode estar sendo pouco aproveitado. Tal situação fica evidente quando comparamos os
nossos resultados com os de Souto (1997) e Feliciano (2008), pois, apesar do distanciamento dessas pesquisas com a
nossa observamos que as justificativas apresentadas pelos professores para utilização da HM são bem parecidas com
os resultados encontrados por eles. Principalmente a justificativa do uso da HM como fonte de motivação para os
alunos aprenderem Matemática.

4 Considerações Finais

Esta pesquisa foi realizada com o intuito de identificar as justificativas dos professores de Matemática, que
atuam no Ensino Médio no Município de Itajubá, sobre a utilização da HM na sala de aula. Os resultados indicam que
apesar do crescimento de trabalhos e pesquisas sobre HM, e do fato que a maioria destes docentes terem tido contato
com a HM em sua formação, a utilização de elementos históricos de forma mais efetiva ainda não é vista como uma
possibilidade pedagógica que possa apresentar aos alunos significados ao conhecimento matemático.
Diversos fatores podem contribuir para tal concepção e está pode ter uma relação com a forma que a HM foi
apresentada a esses professores durante sua trajetória acadêmica. Neste sentido, ressaltamos a relevância da realização
de investigações que tenham como foco a HM nos cursos de formação de Professores, procurando analisar como esta
temática está sendo trabalhado para poder ser utilizado na Educação Básica.

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Anais do XII SNHM -2017
Por que utilizar a História da Matemática no ensino de Matemática? Concepções de professores...

Bibliografia

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Marcos Roberto dos Santos


Departamento de Matemática – IFSULDEMINAS –
campus de Inconfidentes – Brasil
E-mail: marcos.santos@ifsildeminas.edu.br
Mariana Feiteiro Cavali
Departamento de Matemática – UNIFEI – campus
de Itajubá – Brasil
E-mail: mfcavalari@unifei.edu.br

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Anais do XII SNHM -2017
PROGRAMAÇÃO

Conferências

Conferência de Abertura (Auditório da Elétrica)


O início da Historiografia em russo sobre a Matemática Islâmica
Profa. Dra. Bernadete Morey (UFRN)

Conferência Paralela 1 (Auditório da Elétrica)


O uso do Repositório de Conteúdo Digital nas pesquisas em História da Educação Matemática
Prof. Dr. David Costa (UFSC)

Conferência Paralela 2 (Sala LIA - CEDUC)


A matemática no Parmênides de Platão: um exemplo de como a filosofia pode auxiliar a História da Matemática
antiga Prof. Dr. Gustavo Barbosa (UNESP Rio Claro)

Conferência Paralela 3 (Auditório da Elétrica)


Tese apresentada em concurso da cátedra de Geometria preliminar e Trigonometria Rectilínea, perante o
Gymnasio Espirito-Santense 1918
Prof. Dr. Moysés Gonçalves Siqueira Filho (UFES)

Conferência Paralela 4 (Sala LIA - CEDUC)


Cartas de matemáticos estrangeiros sobre a atmosfera brasileira no início da década de 1970 - Profa. Dra. Lucieli
Maria Trivizoli (UEM)

Conferência de Encerramento (Auditório da Elétrica)


História das Enciclopédias e suas contribuições para a Historiografia da Matemática. Prof. Dr. Sergio Roberto Nobre
(UNESP – Rio Claro)

Discussões Temáticas
Discussão Temática 1 (Auditório da Elétrica): História da Educação Matemática e Formação de Professores:
passado, presente e futuro.
Maria Célia Leme da Silva (UNIFESP – Diadema) - Organizadora
Maria Ednéia Martins Salandim (UNESP – Bauru)
Carlos Miguel Silva Ribeiro (UNICAMP – Campinas)

Discussão Temática 2 (Auditório da Elétrica)


História da Matemática para a Educação Matemática.
Iran Abreu Mendes (UFRN – Natal) – Organizador.
Cristiane Borges Ângelo (UFPB)
Edilene Simões Costa (UFMS)

Discussão Temática 3 (Sala LIA – CEDUC)


Pesquisa em História da Matemática: Problemas e Conceitos de Matemática.
Gérard Émile Grimberg (UFRJ) – Organizador.
Marcos Vieira Teixeira (UNESP – Rio Claro)
Manoel de Campos Almeida (Emérito PUC-PR e UFPR)

355
Anais do XII SNHM -2017
Mesas Redondas

Mesa Redonda 1(Auditório da Elétrica


A internacionalização da Pesquisa em História da Matemática e História da Educação Matemática.
Wagner Rodrigues Valente (UNIFESP) (organizador)
Luis Manuel R. Saraiva (Faculdade de Ciências de Lisboa)
Barbara Diesel Novaes (UFTPR)

Mesa Redonda 2 (Auditório da Elétrica)


Caminhos para a Utilização da História da Matemática na Educação Matemática.
Iran Abreu Mendes (Organizador)
Fumikazu Saito (PUC-SP).
Miguel Chaquiam (UFPA).

Minicursos

MC 1 (Sala LIA)
O Cálculo Diferencial e Integral de Newton e Leibniz : aproximações e dis-tanciamentos na descoberta - Angélica
Raiz Calabria (UNIARARAS) e Sabrina Helena Bonfim (UFMS)

MC 2 (Sala de Pesquisa em Ensino de Física (IFQ))


História da Matemática na Formação de Professores: Sistemas de Numeração Antigos - Bernadete Barbosa Morey
(UFRN) e Gesivaldo dos Santos Silva (IFPI).

MC 3 (LabFor)
Uma História da Integral: de Arquimedes a Lebesgue João Cláudio Brandemberg (UFPA)

MC 4 (Laboratório de Ensino de Química - IFQ)


O Ensino de Aritmética por Meio de Instrumentos: : Uma Abordagem utilizando a obra Rabdologiae, seu
numerationis per virgula. Ana Carolina Costa Pereira (UECE) e Eugeniano Brito Martins (IFCE - Campus
Jaguaribe)

MC 5 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ)


Pesos e Medidas do Brasil Colonial, Tradição e Cultura nos dias atuais: um novo tema para as aulas de matemática
no ensino básico. Elenice de Souza Lodron Zuin (PUC Minas) e Nádia Aparecida dos Santos Sant’Ana (PUC
Minas)

MC 6- (Laboratório de Ensino de Matemática - IMC)


História da Matemática em livros didáticos de Matemática do Ensino Médio. Elisângela Miranda Pereira
(UNIFEI/CEFET-MG) e Mariana Feiteiro Cavalari (UNIFEI)

MC 7- (LDC 2 - IMC)
Construções da Geometria do Compasso de Lorenzo Macheroni (1750-1800) em atividades com software de
matemática dinâmica. José Damião Souza de Oliveira (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

MC 8- (LMS II - IESTI)
A Regressão Linear de Francis Galton (1822-1911) sendo reconstruída por meio das TIC para estudar Função Afim
de padrões de medidas. Juliana M. Schivani Alves (UFRN) e Giselle Costa de Sousa (UFRN)

MC 9 – (Miniauditório da PRPPG)
Boole, Cayley e Sylvester: o uso de seus métodos para o cálculo de Invariantes de polinômios homogêneos. Kleyton
Vinicyus Godoy – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP-Rio Claro e

356
Anais do XII SNHM -2017
Douglas Gonçalves Leite (mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UNESP-Rio
Claro).

MC 10 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ) - A Matemática a Ensinar e a Matemática para Ensinar: novos estudos sobre a
formação de professores – Luciane de Fatima Bertini e Wagner Rodrigues Valente – (UNIFESP)

Comunicações Orais

Segunda-feira 10/04/2017 das 10:10 às 11:10

Sessão 1 (LabFOR - CEDUC)

10:10 - HISTÓRIA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA COM O MÉTODO DA FALSA


POSIÇÃO
Daniele Aparecida de Oliveira, Edilson Expedito da Silva Lima, Eliane Matesco Cristovão, Karine Reis Pereira

10:40 - EXPERIÊNCIAS COM HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA


Claudia A. C. de Araujo Lorenzoni

Sessão 2 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ)

10:10 - ENSINO DE SISTEMAS DE NUMERAÇÃO BASEADO EM INFORMAÇÕES HISTÓRICAS: UM


ESTUDO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Eliane Siviero da Silva, Lucieli M. Trivizoli

10:40 - NOTICIÁRIO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MATEMÁTICA


Viviane de Oliveira Santos

Sessão 3 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ):

10:10 - CADERNOS ESCOLARES COMO FONTES DE ESTUDO PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DO


BRASIL: PRIMEIRAS PERCEPÇÕES
Bruna Lima Ramos

10:40 - A TRAJETÓRIA DE UM ACERVO DE LIVROS ANTIGOS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A


SUA CONSTITUIÇÃO
Jean Sebastian Toillier, Dulcyene Maria Ribeiro

Sessão 4 (Sala Mahle - IEPG):

10:10 - GUILHERME DE LA PENHA EM ITAJUBÁ (MG)


Miguel Chaquiam

10:40 -GUILHERME DE LA PENHA E O COMETA HALLEY: ASTRONOMIA, FÍSICA E MATEMÁTICA


DESFAZENDO MITOS E CRENDICES
Alailson Silva de Lira, Miguel Chaquiam

357
Anais do XII SNHM -2017
Terça-feira 11/04/2017 das 10:10 às 11:10

Sessão 5 (LabFOR - CEDUC)

10:10 - REFLEXÕES ACERCA DO POSITIVISMO NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XX: UM ESTUDO


SOBRE OS LIVROS DIDÁTICOS DE ANDRÉ PEREZ Y MARIN
Adriana de Bortoli, Marta Figueredo dos Anjos

10:40 - REVISTA EDUCAÇÃO (1929): INFLUÊNCIA DA PROPOSTA CENTROS DE INTERESSE NO


ENSINO DE MATEMÁTICA DO ENSINO PRIMÁRIO.
Juliana Chiarini Balbino Fernandes

Sessão 6 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ)

10:10 - A PRÁTICA DA MATEMÁTICA SOB UMA DITADURA: A VINDA DE MAURICE FRÉCHET A


PORTUGAL EM 1942
Luis Manuel Ribeiro Saraiva

10:40 - HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA MATEMÁTICA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES


Romélia Mara Alves Souto

Sessão 7 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ)

10:10 - LIVROS DIDÁTICOS DE MATEMÁTICA MODERNA: UM ESTUDO DO INTERIOR PAULISTA, A


PARTIR DE DEPOIMENTOS DE PROFESSORES QUE ENSINARAM MATEMÁTICA.
Zionice Garbelini Martos Rodrigues
10:40 - ARTE E MATEMÁTICA NOS MÓDULOS DA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA DO
PROJETO LOGOS II
Cristiane Talita Gromann de Gouveia, Sérgio Candido de Gouveia Neto

Sessão 8 (Auditório do CERIn)

10:10 - LIBELLUS DE QUINQUE CORPORIBUS REGULARIBUS: UMA ANÁLISE GEOMÉTRICA DE


PIERO DELLA FRANCESCA
Vagner Moraes, Maria Helena Roxo Beltran

10:40 - JEAN-VICTOR PONCELET E AS (RE)EDIÇÕES DE SUAS OBRAS


Gerard Emile Grimberg, Jansley Alves Chaves

Sessão 9 (Auditório do EXCEN)

10:10 - UM PROJETO DE EXTENSÃO ENVOLVENDO HISTÓRIA DA MATEMÁTICA, LABORATÓRIO DE


ENSINO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Severino Barros de Melo, Roberto Brasilino Silva de Oliveira

10:40 - A GEOMETRIA PARA ENSINAR EM TEMPOS INTUITIVOS (1890-1900)


Gabriel Luís da Conceição

Sessão 10 - (Auditório da BIM)

10:10 - O USO DE EPISÓDIOS DE HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM UMA TAREFA DIDÁTICA VISANDO


A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADO
Benjamim Cardoso da Silva Neto, Fabiana Leal Nascimento

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Anais do XII SNHM -2017
10:40 - A HISTÓRIA DA EQUAÇÃO DE SEGUNDO GRAU: O QUE PENSAM OS ALUNOS OS ALUNOS DO
ENSINO MÉDIO
Júlio César Cabral, Alexandre Mendes Muchon, Alan Augusto Silva Souza
Quarta-feira 10/04/2017 das 08:00 às 10:30

Sessão 11 (LabFOR - CEDUC)

08:00 - A MATEMÁTICA ISLÂMICA NA IDADE MÉDIA: A ÁLGEBRA DE SHARAF AL-DīN AL-TūSī


Severino Carlos Gomes, Bernadete Barbosa Morey

08:30 - UMA VISÃO DOS LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA ACERCA DA BALESTILHA COMO


RECURSO DIDÁTICO PARA O ESTUDO DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E TRIGONOMÉTRICOS
Antonia Naiara de Sousa Batista

09:00 - CONTADORES E SEUS LIVROS DE MATEMÁTICA COMERCIAL E FINANCEIRA NO BRASIL DO


INÍCIO DO SÉCULO XX
Sérgio Candido de Gouveia Neto, Cristiane Talita Gromann de Gouveia

09:30 - NOÇÕES DE ARITMÉTICA EM MANUAIS PEDAGÓGICOS: ORIENTAÇÕES AO PROFESSORADO


(1880-1910)
Viviane Barros Maciel

10:00 - HISTÓRIA EM SALA DE AULA: RESOLUÇÃO DE EQUAÇÃO DE PRIMEIRO GRAU


Elisangela Dias Brugnera, Circe Mary Silva da Silva Dynnikov
Sessão 12 (Anfiteatro 1 da Física - IFQ)

08:00 - APONTAMENTOS INICIAIS SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DE EUGÊNIO DE BARROS RAJA


GABAGLIA PARA A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO BRASIL
Juliana Martins

08:30 - ESTUDANDO O CONCEITO PIRÂMIDES A PARTIR DO PROBLEMA 56 DO PAPIRO DE RHIND:


UM RELATO DE EXPERIÊNCIA DO USO DE FONTES PARA INSERIR ASPECTOS HISTÓRICOS EM
SALA DE AULA
Ana Carolina Costa Pereira, Isabelle Coelho da Silva

09:00 - BUSCANDO IDEIAS GEOMÉTRICAS NA REVISTA AL-KARISMI (1946-1951): UM


LEVANTAMENTO HISTÓRICO NO DISCURSO DE MALBA TAHAN
Flávia de Fatima Santos Silva, Cristiane Coppe de Oliveira

09:30 - A HISTÓRIA DAS MATRIZES AOS TEMPOS DE SUA CRIAÇÃO COMO ESTRUTURAS
ALGÉBRICAS
Késia Caroline Ramires Neves

10:00 - UM HISTÓRICO EPISTEMOLÓGICO DAS MATRIZES


José Messildo Viana Nunes, Fernando Cardoso de Matos

Sessão 13 (Anfiteatro 2 da Física - IFQ)

08:00 -SOBRE O CHRISTOPHORI CLAVII EPITOME ARITHMETICAE PRACTICAE (1614)


João Cláudio Brandemberg

08:30 - MEDIDAS LINEARES NA HISTÓRIA, MEDIDAS LINEARES NOS LIVROS DA ARITMÉTICA


ESCOLAR NO BRASIL
Elenice de Souza Lodron Zuin

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Anais do XII SNHM -2017
09:00 - DESAFIOS E CONTROVÉRSIAS MATEMÁTICAS ENTRE ADRIAAN VAN ROOMEN E FRANÇOIS
VIÈTE
Zaqueu Vieira Oliveira

09:30 - SUPERFÍCIES ORTOGONAIS: O CASO DE UMA PRÁTICA COMUM FRANCESA DO SÉCULO XIX
Leandro Silva Dias, Gérard Emile Grimberg

10:00 - SUPERFÍCIES MÍNIMAS: DE DIDO ÀS PESQUISAS NO BRASIL


Fernanda Alves Caixeta, Tânia Maria Machado de Carvalho

Sessão 14 - (Auditório da BIM)

08:00 - ALGUMAS BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE OS TRATADOS DE GEOMETRIA PRÁTICA


PUBLICADOS NO CONTEXTO DO “SABER-FAZER” MATEMÁTICO QUINHENTISTA
Fumikazu Saito

08:30 - ESCOLA KERALA DE MATEMÁTICA E ASTRONOMIA: CONTRIBUIÇÕES AO


DESENVOLVIMENTO DO CÁLCULO
Davidson Paulo Azevedo Oliveira, Douglas Gonçalves Leite, Maria Maroni Lopes

09:00 - AS REDUÇÕES AO IMPOSSÍVEL NOS ELEMENTOS DE EUCLIDES: CARACTERÍSTICAS


ESTRUTURAIS, TEXTUAIS E EPISTEMOLÓGICAS
Gustavo Barbosa

09:30 - A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO FONTE DE SENTIDOS


Edilene Simões Costa dos Santos

Sessão 15 (Auditório do EXCEN)

08:00 - O SEGUNDO DOUTOR EM CIÊNCIAS MATEMÁTICAS NO BRASIL: JOÃO BAPTISTA DE


CASTRO MORAES ANTAS
Mônica de Cássia Siqueira Martines

08:30 - O MANUSCRITO SOBRE GEOMETRIA DIFERENCIAL LOCALIZADO NA BIBLIOTECA DA


SOCIEDADE LITERÁRIA E BENEFICENTE 5 DE AGOSTO NO MUNICÍPIO DE VIGIA (PA)
Ana Paula Nascimento Pegado Couto, Rosineide de Sousa Jucá, Miguel Chaquiam

09:00 - TEOREMA DE TALES EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA APOIADA NA HISTÓRIA DA


MATEMÁTICA E EM ATIVIDADES INVESTIGATÓRIAS
Márcia Nunes dos Santos, Marger da Conceição Ventura Viana

09:30 - AS MATEMÁTICAS NA ENCYCLOPÉDIE E O CASO DA MÚSICA


Carla Bromberg

10:00 - UMA HISTÓRIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS: DE NICOLAS CHUQUET A CARL FRIEDRICH
GAUSS
Cláudia Gonçalves Balbino, Miguel Chaquiam

Sessão 16 (Sala LIA - CEDUC)

08:00 - INTERCÂMBIOS DE ESTUDANTES E PROFESSORES: RELAÇÕES MATEMÁTICAS ENTRE


BRASIL E A UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA - BERKELEY
Lucieli M. Trivizoli

360
Anais do XII SNHM -2017
08:30 - COMPREENSÕES HISTÓRICAS SOBRE A INSERÇÃO DA ÁLGEBRA LINEAR COMO DISCIPLINA
NA FORMAÇÃO SUPERIOR EM MATEMÁTICA NO ESPÍRITO SANTO
Ligia Arantes Sad, Marina Gomes dos Santos

09:00 - HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO DE MATRIZES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES:


REFLEXÕES SOBRE REGRAS METADISCURSIVAS RELACIONADAS A MATRIZES E DETERMINANTES
Aline Caetano da Silva Bernardes
09:30 - O CURSO DE MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ SOB A
PERSPECTIVA DE UM DE SEUS PRECURSORES
Antonio Peixoto de Araujo Neto, Lucieli M. Trivizoli

10:00 - POR QUE UTILIZAR A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NO ENSINO DE MATEMÁTICA?


CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA DO ENSINO MÉDIO DO MUNICÍPIO DE ITAJUBÁ-
MG
Marcos Roberto dos Santos, Mariana Feiteiro Cavalari

Pôsters (CEDUC)

Segunda-feira 10/04/2017 das 15:30 às 16:10

ÁLGEBRA E PROBABILIDADE NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: PROPONDO


ATIVIDADES SEGUNDO AS EXPECTATIVAS DE UMA BASE NACIONAL CURRICULAR COMUM
(BNCC) EM ELABORAÇÃO
Amanda Moura da Rocha, João Cláudio Brandemberg
A ATUAÇÃO DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DA UECE: UMA ANALISE DA
FORMAÇÃO DO PROFESOR DE MATEMÁTICA
Mirla Braz Braga

A BALESTILHA COMO UM RECURSO ARTICULADOR DE CONCEITOS GEOMÉTRICOS E


TRIGONOMÉTRICOS: UMA PONTE PARA CONSTRUIR UMA INTERFACE ENTRE HISTÓRIA E ENSINO
Ana Carolina Costa Pereira, Antonia Naiara de Sousa Batista

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E SUA ARTICULAÇÃO COM A EDUCAÇÃO BÁSICA EM DISCIPLINAS


DOS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE UNIVERSIDADES FEDERAIS LOCALIZADAS NO
ESTADO DE MINAS GERAIS
Silvia Raquel Aparecida de Moraes

A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO: RELAÇÕES E


ABORDAGENS
Francisco Wagner Soares Oliveira, Ana Cláudia Gouveia de Sousa

A HISTÓRIA DO CONCEITO DE FUNÇÃO A PARTIR DOS PERÍODOS CONSIDERADOS POR


YOUSCHKEVITCH: ANTIGUIDADE, IDADE MÉDIA E IDADE MODERNA
Luciana Vieira Andrade, Giselle Costa de Sousa

A HISTÓRIA DA GEOMETRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL: ELABORAÇÃO DE UM CATÁLOGO E


POSSÍVEIS ABORDAGENS HISTÓRICAS
Karoline Marcolino Cardoso

A INCOMENSURABILIDADE DO LEGADO PITAGÓRICO


Edilson Expedito da Silva Lima

A INSERÇÃO DA DISCIPLINA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA PRATICA DOCENTE NO CURSO DE


LICENCIATURA EM MATEMÁTICA NA UFRPE

361
Anais do XII SNHM -2017
Severino Barros de Melo

A UTILIZAÇÃO DE FONTES HISTÓRICAS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO CRÍTICO


SOBRE A ARTICULAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E ENSINO
Isabelle Coelho da Silva

AS PRÁTICAS MATEMÁTICAS HISTÓRICAS POR MEIO DE UBP E SUA INSERÇÃO NO ENSINO: UMA
PROPOSTA A PARTIR DA OBRA MATEMÁTICA LÚDICA
Marina Oliveira Tavares

CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA HISTÓRIA DA GEOMETRIA ANALÍTICA: OS LUGARES PLANOS DA


OBRA “INTRODUÇÃO A LUGARES PLANOS E SOLIDOS” DE PIERRE DE FERMAT
Letícia Sousa Carvalho

CONTRIBUIÇÕES DOS MÉTODOS HISTÓRICOS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA VIA


COMPREENSÃO RELACIONAL
Georgiane Amorim Silva

PLATÃO E OS SÓLIDOS: UMA HISTÓRIA PARA USO EM SALA DE AULA


Maria Paula Duarte O’de Almeida, Miguel Chaquiam

UMA HISTÓRIA DO CONCEITO DE FUNÇÃO PARA USO EM SALA DE AULA


Lucas Antônio Mendes de Lima ,Mayara Gabriella Grangeiro Pereira, Miguel Chaquiam

Terça-feira 11/04/2017 das 15:30 às 16:10

DISCURSOS REFLETORES DE PRÁTICAS DOS PROFESSORES COM A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA


Vanessa Cristina Rhea, Vanessa Cristina Rhea

EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS: HISTÓRIA E APLICAÇÕES


Maria Angélica Dantas, Wallisom Rosa

ESTUDANDO FONTES HISTÓRICAS BRASILEIRAS PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA POR MEIO DE


SEQUÊNCIAS DIDÁTICA NA OBRA AL-KARISMI
Jeyze Santos de Sousa

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA E ENSINO: CONCEPÇÃO DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA SOBRE


A RÉGUA DE CÁLCULO CIRCULAR COMO RECURSO DIDÁTICO
Verusca Batista Alves

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DOS ANOS INICIAIS: PRIMEIRAS


OBSERVAÇÕES
Lorena Carolina Rosa Biffi, Eliane Siviero da Silva, Lucieli Maria Trivizoli da Silva

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: A ÁLGEBRA DE BOOLE EM LIVROS DE


ELETRÔNICA DIGITAL
Giuseppe Tognere Polonini, Fabricio Bortolini de Sá

HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: UMA ANÁLISE DE GRAFOS E LEIS DE


KIRCHHOFF EM LIVROS DE CIRCUITOS DE CORRENTES CONTÍNUAS
Joice Souza Soares, Lauro Chagas e Sá

362
Anais do XII SNHM -2017
MAPEAMENTO DA DISCIPLINA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS
LOCALIZADAS NA REGIÃO NORTE DO BRASIL
Bruno Vinicius da Silva, Mariana Feiteiro Cavalari

MATEMÁTICA RECREATIVA NA IDADE MÉDIA


Karolina Barone Ribeiro da Silva
O USO DE MATERIAIS MANIPULÁVEIS ALIADO A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: UMA EXPERIÊNCIA
NA EXPLORAÇÃO DAS GEOMETRIAS NÃO EUCLIDIANAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
Lucas Ferreira Gomes, Eliane Maria de Oliveira Araman

OLIMPÍADAS DE MATEMÁTICA: MAIS DE 120 ANOS DE HISTÓRIA


Jean Martins de Arruda Santos

POTENCIALIDADES PEDAGÓGICAS DO USO DA HISTÓRIA DA MATEMÁTICA VISANDO ALCANÇAR


A COMPREENSÃO RELACIONAL
Antonio Batista dos Santos Neto, Georgiane Amorim Silva

SISTEMA DE NUMERAÇÃO DECIMAL: QUIPU


Elaine de Souza Teodosio

CONEXÃO ENTRE QUADRINHOS E HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO UM RECURSO DIDÁTICO


Isabelly Castelo Braga

UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-INVESTIGATIVA PARA A TEORIA DOS GRAFOS NO ENSINO MÉDIO


Lauro Chagas e Sá, Sandra Aparecida Fraga da Silva

363
Anais do XII SNHM -2017
364
Anais do XII SNHM -2017
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