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O Lutador

Lutador com palavras entretanto, luto palavras,


palavras se me desafias, aceito o
E a luta mais vã. Entretanto
combate. Quiseram possuir-te
lutamos mal rompe a amanhã.
neste descampado, sem roteiro
São muitas, eu pouco algumas tão
unha ou marca de dente nessa
fortes como javali. Não me julgo
pele clara. Preferem o amor de
louco. Se o fosse, teria poder de
uma posse impura que venha o
encanta-las.
gozo de maior tortura. Luto corpo
Mas lucido e frio, apareço e tento a corpo luto o tempo todo, sem
apanhar algumas para meu maior proveito que o da caça ao
sustento num dia de vida. vento.
Deixam-se enlaçar, tontas as
Não encontro vestes, não seguro
caricias e subido fogem e não há
formas, e fluido o inimigo que me
servias que traga de novo ao
dobra os musculo e ri-se das
certo da praça. Insisto, solerte.
normas de boa peleja. De
Busco persuadi-las.
entreabrir os olhos; entre beijo e
Ser-lhe-eis escravo de rara boca, tudo se evaporava o ciclo
humidade. Guardei sigilo de do dia ora se conclui e o inútil
nosso comercio. Na voz, nenhum duelo jamais se resolve, tamanha
travo de zanga ou desgosto. Se paixão. E nenhum pecúlio,
me ouvir deslizam. Iludo-me as cerradas as portas, a luta
vezes, pressinto que as vezes a prosseguem=, nas ruas do sono.
entrega se consumara. Já vejo
Antologia
palavras em coro submisso, está
me ofertando seu velho calor, Carlos Drummond de Andrade
outro sua gloria feita de mistério,
outra seu desdém, outra seu
ciúme, e um sapiente amor me
ensina a fruir de cada palavra a
essência captada, o sutil
queixume, mas ai! E o instante
perpassam levíssimas e viram-me
o rosto.
Lutar com palavras parecem sem
fruto. Não tem carne e sangue...

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