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Todos os

Homens do Xá
O Golpe Norte-Americano no Irã e as Raízes
do Terror no Oriente Médio

STEPHEN KINZER

Tradução
Pedro Jorgensen Jr.
GRÉCIA RÚSSIA CAZAQUISTÃO CAZAQUISTÃO QUIRGUÍZIA
Mar Negro
GEÓRGIA
UZBEQUISTÃO
ARMÊNIA CHINA
REP. DO AZERBAIJÃO
TURQUIA TAJIQUISTÃO
TURCOMENISTÃO
Mar Cáspio
Azerbaijão

Ma CHIPRE Ahmad Abad


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OMAN Mar da Arábia

elho
SUDÃO
Escala de milhas
ERITRÉIA 0 100 200 300 400
IÊMEN

ETIÓPIA
CAPÍTULO 1

Boa-noite,
Mr. Roosevelt

Q uase toda a Teerã dormia quando uma estranha cara-


vana partiu na escuridão, pouco antes da meia-noite
de 15 de agosto de 1953. À sua frente, ia um carro
blindado com inscrições militares. Atrás, iam dois jipes e vários caminhões
repletos de soldados. O dia fora extraordinariamente quente, mas o cair da
noite trouxera um pouco de alívio. A lua crescente brilhava no céu. Uma
noite perfeita para derrubar um governo.
Sentado no carro da frente, o coronel Nematollah Nasiri, comandante
da Guarda Imperial, tinha bons motivos para se sentir confiante. Levava
no bolso um decreto do xá do Irã destituindo do cargo o primeiro-ministro
Mohamed Mossadegh. A missão de Nasiri era apresentá-lo a Mossadegh
e prendê-lo caso ele resistisse.
Os agentes de informação norte-americanos e britânicos que trama-
ram essa rebelião supunham que Mossadegh convocaria imediatamente o
Exército para reprimi-la. Por isso haviam providenciado para que não
houvesse ninguém no outro lado da linha quando ele telefonasse. O coro-
nel Nasiri devia primeiro se dirigir à casa do chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas, prendê-lo e depois seguir adiante para entregar o fatídi-
co decreto a Mossadegh.
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O coronel fez o que lhe foi ordenado. Ao chegar à sua primeira para-
da, porém, foi surpreendido por uma situação bastante incomum. Apesar
do avançado da hora, o chefe do Estado-Maior, general Taqi Riahi, não
estava em casa. Ninguém mais estava. Nem um único empregado ou zela-
dor pôde ser encontrado.
O coronel Nasiri deveria ter desconfiado de que havia algo errado,
mas não desconfiou. Apenas entrou novamente em seu carro blindado e
ondenou ao motorista que rumasse para o objetivo principal, a casa do
primeiro-ministro Mossadegh. Com ele viajavam as esperanças de duas
agências de Inteligência de elite.
O coronel Nasiri não executaria uma ação tão temerária por sua pró-
pria conta. O decreto que trazia consigo era de legalidade duvidosa, uma
vez que no Irã democrático o primeiro-ministro só podia ser nomeado ou
demitido com autorização do Parlamento. Mas o trabalho desta noite era a
culminação de um planejamento de meses da Agência Central de
Inteligência dos Estados Unidos e do Serviço Secreto de Inteligência bri-
tânico. O golpe que estavam executando fora ordenado pelo presidente
Dwight Eisenhower e pelo primeiro-ministro Winston Churchill.
Em 1953, os Estados Unidos ainda eram uma novidade para os irania-
nos, muitos dos quais os viam como amigos, como defensores da frágil
democracia que havia meio século eles tentavam construir. Era a Grã-
Bretanha, não os Estados Unidos, que viam como o opressor colonialista
que os explorava.
Desde os primeiros anos do século XX, uma empresa britânica cujo
principal proprietário era o próprio governo de Sua Majestade usufruía o
monopólio fantasticamente lucrativo da produção e comercialização do
petróleo do Irã. Enquanto a maioria dos iranianos vivia na pobreza, a
riqueza que fluía do subsolo do país jogava um papel decisivo na manu-
tenção da Grã-Bretanha no pináculo do poder mundial. Esta injustiça era
motivo de um profundo rancor por parte dos iranianos. Até que finalmen-
te, em 1951, eles apelaram a Mossadegh, que, mais do que qualquer outro
líder político, personificava o ódio de toda a nação contra a Anglo-Iranian
Oil Company (AIOC). Mossadegh prometeu expulsar a Anglo-Iranian do
Irã, reaver as vastas reservas de petróleo do país e libertar o Irã da submis-
são ao poder estrangeiro.
O primeiro-ministro Mossadegh cumpriu suas promessas com sincero
entusiasmo. Para delírio de seu povo, ele nacionalizou a Anglo-Iranian, o
mais lucrativo negócio britânico em todo o mundo. Pouco depois, os ira-
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nianos assumiram o controle da gigantesca refinaria de Abadan, no Golfo


Pérsico, construída pela companhia.
Em êxtase patriótico, o Irã transformou Mossadegh em herói nacional.
E também afrontou os britânicos, que, indignados, acusaram Mossadegh
de roubar sua propriedade. Primeiro, exigiram que a Corte Internacional
das Nações Unidas o punisse, depois enviaram navios de guerra ao Golfo
Pérsico e, finalmente, impuseram um feroz embargo que devastou a eco-
nomia iraniana. Apesar dessa campanha, muitos iranianos, assim como
vários outros líderes anticolonialistas da Ásia e da África, foram eletriza-
dos pela audácia de Mossadegh.
Mossadegh não se abalou com a campanha britânica. Um jornal euro-
peu noticiou que ele “preferia ser fritado em petróleo persa do que fazer a
mínima concessão aos britânicos”. Durante algum tempo, os britânicos
cogitaram promover uma invasão armada para retomar os campos e refi-
narias de petróleo, mas desistiram da idéia depois que o presidente Harry
Truman se recusou a apoiá-la. Só lhes restaram então duas opções: deixar
Mossadegh no poder ou organizar um golpe para derrubá-lo. O primeiro-
ministro Churchill, produto exemplar da tradição imperial, não hesitou em
decidir pelo golpe.
Agressivos e impacientes demais para quem deseja alguma chance de
sucesso, os agentes britânicos começaram a tramar a queda de Mossadegh
logo depois que este nacionalizou a companhia de petróleo. Informado da
conspiração, Mossadegh ordenou o fechamento da embaixada britânica
em outubro de 1952. Todos os diplomatas britânicos no Irã, inclusive os
agentes clandestinos que trabalhavam sob cobertura diplomática, tiveram
de deixar o país. Ninguém ficou para organizar o golpe.
Os britânicos foram então pedir ajuda ao presidente Truman, que tinha,
no entanto, uma visceral simpatia por movimentos nacionalistas, como o
liderado por Mossadegh. Imperialistas ao velho estilo como os que diri-
giam a Anglo-Iranian só mereciam seu desprezo. Além disso, a CIA jamais
derrubara um governo, e Truman não queria abrir tal precedente.
A atitude norte-americana em relação a um possível golpe no Irã
mudou radicalmente depois da eleição de Dwight Eisenhower para a Pre-
sidência dos Estados Unidos, em novembro de 1952. Poucos dias após a
eleição, um veterano agente do Serviço Secreto de Inteligência britânico,
Christopher Montague Woodhouse, veio a Washington para se reunir com
altos funcionários da CIA e do Departamento de Estado. Astuciosamente,
Woodhouse decidiu não usar o tradicional argumento britânico de que
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Mossadegh tinha de sair porque nacionalizara uma propriedade britânica.


Este argumento não era recebido com grande simpatia em Washington.
Mas Woodhouse sabia como despertá-la.
“Para não ser acusado de querer usar os americanos para tirar as casta-
nhas britânicas do fogo”, escreveu ele mais tarde, “eu decidi enfatizar a
ameaça comunista no Irã em vez da necessidade de recuperar o controle da
indústria petroleira”.
Foi um apelo calculado para insuflar os dois irmãos que iriam dirigir
a política externa norte-americana após a posse de Eisenhower. John
Foster Dulles, futuro secretário de Estado, e Allen Dulles, futuro diretor
da CIA, figuravam entre os mais ardorosos militantes da Guerra Fria.
Enxergavam o mundo como um campo de batalha ideológico e viam todo
conflito local sob o prisma do grande confronto Leste-Oeste. Aos seus
olhos, todo país que não se aliasse resolutamente aos Estados Unidos era
um inimigo em potencial. E consideravam o Irã um país potencialmente
perigoso.
O Irã possuía uma imensa riqueza em petróleo, uma longa fronteira
com a União Soviética, um partido comunista bastante ativo e um
primeiro-ministro nacionalista. Os irmãos Dulles acreditavam existir um
grave perigo de o país cair, em curto prazo, nos braços do comunismo.
A perspectiva de uma “segunda China” os aterrorizava. Quando os britâ-
nicos lhes apresentaram a proposta de derrubar Mossadegh e substituí-lo
por um primeiro-ministro confiável e pró-Ocidente, eles se mostraram
imediatamente interessados.
Logo que o presidente Eisenhower assumiu o cargo, em 20 de janeiro
de 1953, John Foster Dulles e Allen Dulles disseram aos seus congêneres
britânicos que estavam prontos para agir contra Mossadegh. O golpe teria
o codinome Operação Ajax ou, no jargão da CIA, TPAJAX. Para dirigi-lo,
escolheram um agente da CIA com considerável experiência no Oriente
Médio: Kermit Roosevelt, neto do presidente Theodore Roosevelt.
Assim como outros membros de sua célebre família, Kermit Roose-
velt tinha uma inclinação para ação direta e era conhecido como homem
decisivo em momentos de crise. Aos trinta e sete anos de idade, era chefe
da seção Oriente Próximo e Ásia da CIA e um reconhecido mestre na arte
da clandestinidade. O agente soviético Kim Philby o descreveu como o
protótipo do americano tranqüilo, “um orientalista cortês e de fala mansa,
com uma rede de conexões sociais impecável, mais propriamente culto do
que intelectualizado, agradável e despretensioso como anfitrião e como
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convidado. Uma esposa particularmente simpática. Na verdade, a última


pessoa que se poderia esperar estar metida até o pescoço em negócios
sujos”.
Naquela época, os agentes da CIA professavam um profundo idealis-
mo, a convicção de estar fazendo o trabalho sujo indispensável à defesa da
liberdade. Muitos combinavam as melhores qualidades do pensador e do
aventureiro. Mas nenhum sintetizava melhor essa combinação do que
Kermit Roosevelt. No início de julho, ignorando as ordens do médico da
CIA para que se submetesse primeiro a uma cirurgia urgente no rim, ele
partiu para sua missão secreta. Aterrissou em Beirute e de lá seguiu de auto-
móvel pelos desertos da Síria e do Iraque. Ao entrar em território iraniano,
em um remoto entroncamento, ele mal conseguia conter sua emoção:

Lembrei-me do que o meu pai escreveu sobre sua chegada à África com o seu
próprio pai, T. R., em 1909, na viagem do African Game Trials*. “Era uma
grande aventura, e o mundo inteiro era novo!” Eu me senti como ele deve ter
se sentido naquele momento. Na subida da montanha, todo o meu corpo for-
migava de excitação, minha felicidade era total … Em 19 de julho de 1953,
nos deparamos com um funcionário singularmente negligente, além de bron-
co e semi-analfabeto, do serviço de alfândega e imigração em Khanequin.
Naquele tempo os passaportes americanos traziam, ao contrário de agora,
uma curta descrição de algum traço notável do seu portador. Incentivado e
ajudado por mim, o guarda copiou escrupulosamente o meu nome como “Mr.
Scar on Right Forehead”, o que me pareceu um bom presságio.

Roosevelt passou suas duas primeiras semanas em Teerã preparando a


operação, desde uma elegante casa alugada por um de seus agentes ame-
ricanos. Décadas de intrigas britânicas no Irã combinadas com alguns tra-
balhos mais recentes da CIA permitiam-lhe dispor de excelentes recursos
sobre o terreno, dentre os quais um punhado de operadores iranianos bas-
tante experientes e qualificados que havia anos se dedicavam à montagem
de uma rede clandestina de simpatizantes entre políticos, oficiais das For-
ças Armadas, clérigos, editores de jornais e chefes de gangues de rua.
A CIA pagava dezenas de milhares de dólares por mês a tais operadores,

*Theodore Roosevelt, 26º. presidente dos Estados Unidos (1901-1909), era um conhecido caçador e
naturalista. Em 1908, ele fez um longo safári na África com seu filho Kermit, que relatou em um
livro com este título. (N. T.)
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que justificavam cada centavo recebido. Na primavera e no verão de 1953,


não houve um único dia em que o primeiro-ministro Mossadegh deixasse
de ser denunciado por pelo menos um mulá, um articulista ou um político
subsidiado pela CIA. O primeiro-ministro, para quem a liberdade de
imprensa era algo sagrado, recusou-se a reprimir essa campanha.
Os agentes iranianos que entravam e saíam da casa de Roosevelt
conheciam-no apenas pelo pseudônimo, James Lockridge. Com o tempo,
criou-se naturalmente entre eles um sentimento de camaradagem, que
levou alguns iranianos, para alegria de Roosevelt, a chamá-lo de “Jim”.
As únicas situações em que ele corria o risco de revelar seu disfarce eram
as partidas de tênis que jogava regularmente na embaixada da Turquia e
no campus do Instituto Francês. Quando errava um lance, ele se maldizia
gritando “Ai, Roosevelt!”. Nas várias vezes em que foi perguntado por que
razão uma pessoa chamada Lockridge teria desenvolvido esse costume,
ele respondia que era um ardente republicano e que Franklin D. Roosevelt
fora tão pernicioso que ele criara o hábito de praguejar invocando seu
nome.
O planejamento da Operação Ajax previa uma intensa campanha psi-
cológica contra o primeiro-ministro Mossadegh, já desencadeada pela
CIA, seguida do anúncio de sua destituição do cargo por decisão do xá.
Turbas e unidades militares cujos líderes estavam na folha de pagamentos
da CIA esmagariam qualquer tentativa de resistência por parte de
Mossadegh. Seria então anunciado que o xá escolhera o general Fazlollah
Zahedi, um militar aposentado que recebera mais de 100 mil dólares da
CIA como primeiro-ministro do Irã.
No início de agosto, Teerã estava em chamas. Manifestantes a serviço
da CIA faziam protestos contra Mossadegh, marchando pelas ruas com
retratos do xá, ao som de palavras de ordem monarquistas. Agentes
estrangeiros subornavam membros do Parlamento e quem mais pudesse
ser útil à iminente tentativa de golpe.
Os ataques contra Mossadegh na imprensa atingiam um grau de viru-
lência sem precedentes. Acusavam-no não apenas de inclinações comu-
nistas e aspirações ao trono, mas também de descendência judia e até de
simpatia secreta pelos britânicos. Embora Mossadegh não soubesse, a
maior parte dessas invectivas era inspirada pela CIA ou escrita pelos seus
propagandistas em Washington. Um deles, Richard Cottam, estimou que
quatro quintos dos jornais de Teerã estavam sob influência da CIA.
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“Todo artigo que eu escrevia — aquilo me dava uma sensação de


poder — saía publicado quase imediatamente, no dia seguinte, na impren-
sa iraniana”, lembrou Cottam anos mais tarde. “Eles eram concebidos
para mostrar Mossadegh como colaborador comunista e fanático.”

No momento em que a conspiração pegou impulso, Roosevelt teve de


enfrentar seu mais sério obstáculo, o xá Mohamed Reza. Tímido e indeci-
so por natureza, o monarca, de trinta e dois anos de idade, segundo da
dinastia Pahlavi, recusava-se obstinadamente a se envolver numa trama
tão ousada. “Ele detesta tomar decisões e não se pode confiar que as man-
terá depois de tomadas”, registrou um diplomata britânico. “Não tem
coragem moral e se deixa vencer facilmente pelo medo.”
Mas não eram só seus traços de personalidade que detinham o xá.
Mossadegh era a figura mais popular da moderna história do Irã e, por
mais que a campanha britânica de subversão e sabotagem econômica o
tivesse enfraquecido, ainda era amplamente amado e admirado. Tam-
pouco estava claro se o xá tinha autoridade legal para demiti-lo. A conspi-
ração poderia facilmente ser um tiro pela culatra, que colocaria em perigo
não apenas a sua vida como a própria monarquia.
Mas Roosevelt não esmoreceu. Para executar seu golpe, ele precisava
que o xá assinasse os decretos que demitiam Mossadegh e nomeavam em
seu lugar o general Zahedi. Roosevelt jamais teve dúvidas de que acabaria
conseguindo. Seu duelo verbal com o xá foi desigual desde o início. Além
de talentoso e bem-treinado, Roosevelt tinha atrás de si um enorme poder
internacional. O xá era fraco, imaturo e estava só.
O primeiro movimento de Roosevelt foi enviar emissários capazes de
exercer sobre ele uma influência especial. Conseguiu que a princesa
Ashraf, a irmã gêmea do monarca, tão arguta e combativa quanto apático
era o irmão, fosse lhe fazer uma visita para tentar enrijecer-lhe a espinha.
As descomposturas de Ashraf eram célebres, como no dia em que exigiu,
na presença de diplomatas estrangeiros, que o xá deixasse claro de uma
vez por todas se era um homem ou um rato. Seus ataques ao governo eram
tão duros que o xá achou melhor mandá-la para fora do país. De seu exí-
lio dourado na Europa, ela observava os acontecimentos em seu país com
a mesma paixão de sempre.
Ashraf tratava de gozar a vida nos cassinos e boates da França quando
recebeu um telefonema de Asadollah Rashidian, um dos melhores agentes
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iranianos de Roosevelt. Como ela se mostrou relutante, no dia seguinte


uma delegação de agentes britânicos e norte-americanos veio lhe fazer o
convite em termos mais diretos. O líder da delegação, um veterano agen-
te chamado Norman Darbyshire, tomou a precaução de lhe trazer um
casaco de vison e um pacote de dinheiro. Ao ver esses emolumentos, lem-
brou mais tarde Darbyshire, “os olhos de Ashraf brilharam” e sua resistên-
cia desmoronou. Ela concordou em ir a Teerã, onde aterrissou sem inci-
dentes sob o nome de casada, madame Chafik. De início o irmão se recu-
sou a recebê-la, mas depois de exortado nada sutilmente a mudar de idéia
por assessores que estavam em contato com a CIA, cedeu. Irmão e irmã se
encontraram no fim da noite de 29 de julho. O encontro foi tenso. Ela não
conseguiu convencê-lo a assinar os decretos cruciais e, para piorar as coi-
sas, a notícia da sua presença vazou, desencadeando uma onda de protes-
tos. Para alívio geral, Ashraf retornou rapidamente à Europa.
Em seguida, Roosevelt se voltou para o general H. Norman Schwarz-
kopf, que passara a maior parte da década de 1940 no Irã, comandando um
regimento de elite, e com quem o xá se sentia em grande débito. A CIA
providenciou para Schwarzkopf uma “missão de cobertura” com reuniões
e inspeções no Líbano, Paquistão e Egito, de modo que sua visita ao Irã
pudesse ser explicada como uma simples escala. Segundo uma versão, ele
lá chegou carregando “duas grandes sacolas” contendo alguns milhões de
dólares. Encontrou-se primeiro com Roosevelt e depois com os cabeças
iranianos da operação, a quem distribuiu uma boa quantidade de dinheiro.
No dia 1º. de agosto, Schwarzkopf foi fazer uma visita ao xá no Palácio
Saad Abad.
Foi um encontro bizarro. Quando o convidado chegou, o xá não quis
falar, indicando com gestos que suspeitava de microfones ocultos. Depois
levou Schwarzkopf para um grande salão de baile, empurrou uma mesa
para o centro do aposento, sentou-se em cima dela e convidou o general a
se juntar a ele. Ali ele sussurrou que ainda não se decidira a assinar os
decretos que Roosevelt queria. Disse que tinha dúvidas a respeito de se o
Exército obedeceria a uma ordem assinada por ele e que não queria estar
do lado perdedor numa operação tão arriscada.
Mas Schwarzkopf, ao mesmo tempo que ouvia, ficava com a impres-
são de que a resistência do xá já não era tão grande. Um visitante a mais
talvez fosse suficiente para produzir o resultado desejado, mas este teria
de ser o próprio Roosevelt. Era uma proposta perigosa. Se Roosevelt fosse
visto no palácio, a notícia de sua presença no Irã poderia vazar e compro-
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meter toda a operação. Schwarzkopf, no entanto, disse a Roosevelt que


não havia alternativa.
Roosevelt já esperava esse conselho. “Desde o início eu tinha a certe-
za de que seria necessário um encontro pessoal”, escreveu ele mais tarde.
“A sós e em segurança, o xá e eu poderíamos resolver os difíceis proble-
mas que tínhamos pela frente. Eles tinham de ser tratados pessoalmente.
Era de todo provável que teríamos de nos encontrar não uma, mas várias
vezes. Portanto, quanto mais cedo o fizéssemos, melhor.”
Com o fito de preparar o caminho para esse encontro, Roosevelt pediu
ao seu agente de confiança, Assadollah Rashidian, que se avistasse com o
xá em 2 de agosto. A mensagem de Rashidian era simples: os britânicos e
norte-americanos não iam desistir. Em tais circunstâncias, observou rude-
mente Rashidian, o xá não tinha escolha senão cooperar. O xá assentiu
silenciosamente com a cabeça.
Mas Roosevelt era o único que podia fechar o acordo. Ele pediu então
a um agente instalado na corte do rei, conhecido pelo codinome Rosen-
krantz, que abordasse o xá e lhe dissesse que “um americano autorizado a
falar em nome de Eisenhower e Churchill desejava ter com ele uma
audiência secreta”. Em questão de horas a proposta foi feita e aceita pelo
xá. Ele mandaria um carro buscar Roosevelt em sua casa à meia-noite.
“Faltam ainda duas horas!”, pensou Roosevelt consigo mesmo depois
de receber a mensagem. “Considerei a minha indumentária. Não era apro-
priada para uma audiência com o rei, mas parecia boa em circunstâncias
tão peculiares. Eu vestia uma blusa escura de gola olímpica, calça espor-
tiva cinza-escura e givehs pretos — um calçado persa com sola de corda e
revestido de pano, algo entre um sapato e um chinelo. Não exatamente
elegante, mas convenientemente discreto.”
Roosevelt, que se entrevistara com o xá seis anos antes, durante suas
pesquisas para um livro chamado Arabs, Oil and History e tivera a opor-
tunidade de encontrá-lo em visitas subseqüentes ao Irã, esperou a hora
marcada acompanhado de um pequeno grupo de agentes. Achou melhor
não beber, escrúpulo não compartilhado por seus camaradas. À meia-
noite, passou pelo portão da frente e saiu à rua. Um carro o esperava. Ele
ocupou o assento traseiro.
Roosevelt não viu nenhum movimento nas ruas durante a viagem.
Quando o carro começou a subir a colina onde está situado o imponente
palácio, ele resolveu sumir de vista. Precavidos, seus anfitriões haviam
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deixado no banco do carro um cobertor dobrado, do qual Roosevelt fez


bom uso, deitando-se no assoalho e cobrindo-se com ele.
Não houve problema com a sentinela do portão, apenas um aceno per-
functório. O carro prosseguiu por alguns momentos e parou bem perto da
grande escadaria de pedra do palácio. Roosevelt tirou o cobertor e sentou-
se. Um homem esguio desceu os degraus, vindo em sua direção. O sujei-
to, que ele reconheceu imediatamente como o xá, aproximou-se do carro,
abriu a porta e sentou-se ao seu lado. Discretamente, o motorista se reti-
rou para a escuridão.
“Boa-noite, Mr. Roosevelt”, disse o monarca, estendendo a mão. “Eu
não diria que esperava vê-lo, mas é um prazer.”
Roosevelt disse ao xá que estava no Irã em nome dos Serviços Secre-
tos norte-americano e britânico, o que poderia ser confirmado por meio de
uma palavra-código a ser ouvida na BBC na noite seguinte. Churchill cui-
dara para que a BBC encerrasse sua transmissão diária dizendo, em vez do
usual “É meia-noite”, “É exatamente meia-noite”. Tais garantias não
chegavam a ser necessárias, disse-lhe o xá. Os dois se compreendiam.
Mas o xá ainda hesitava em se juntar à conspiração, dizendo a Roose-
velt que não era um aventureiro e que não podia assumir certos riscos.
Roosevelt então elevou o tom. Disse ao xá que a permanência de
Mossadegh no poder “só poderia levar a um Irã comunista ou a uma
segunda Coréia”, coisa que os líderes ocidentais não estavam dispostos a
aceitar. Para evitá-lo, eles haviam aprovado uma conspiração para derru-
bar Mossadegh — e, eventualmente, aumentar o poder do xá. Ele tinha
pouco dias para endossá-la; caso recusasse, Roosevelt deixaria o país para
arquitetar “algum outro plano”.
O xá não respondeu de imediato, sugerindo se encontrarem outra vez
na noite seguinte. E virou-se para abrir a porta do carro. Antes de sair na
escuridão, olhou novamente para Roosevelt e disse: “Alegra-me dar-lhe as
boas-vindas ao meu país uma vez mais.”
Daí em diante, Roosevelt encontrou-se com o xá quase todas as noi-
tes, sempre à mesma hora, entrando no recinto do palácio sob o mesmo
cobertor, no banco de trás do mesmo automóvel. Antes e depois de cada
sessão, ele conferenciava com seus operadores iranianos. Quando a polí-
cia desconfiou da sua casa, ele deixou de usá-la como local de trabalho e
criou uma forma alternativa de realizar suas reuniões. Conseguiu um táxi
de Teerã, que conduzia, em horas determinadas, sempre exibindo o aviso
“Em Serviço”, a uma esquina tranqüila onde estacionava e começava a
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caminhar até ser interceptado pelo Chrysler ou Buick onde estavam seus
agentes, em geral hiperativos e excitados pela adrenalina da operação.
Eles planejavam suas táticas diárias passeando pelos arredores montanho-
sos da cidade.
Em suas conversas com o xá, Roosevelt disse que tinha à disposição
“cerca de um milhão de dólares” e vários “organizadores profissionais
extremamente competentes”, capazes de “distribuir panfletos, organizar
manifestações e vigiar a oposição — nós dizemos e eles fazem”. Des-
creveu a Operação Ajax segundo suas “quatro linhas de ataque”. Primeiro,
uma campanha nas mesquitas, na imprensa e nas ruas cuidaria de minar a
popularidade de Mossadegh. Segundo, comandantes militares monarquis-
tas levariam até ele o decreto de sua destituição. Terceiro, as ruas seriam
tomadas por grupos de manifestantes. Quarto, o general Zahedi faria uma
aparição triunfal e aceitaria a indicação do xá para o cargo de primeiro-
ministro.
Era um plano atraente, mas não totalmente convincente, e Mohamed
Reza continuou a hesitar. Assumiu um estado de espírito que Roosevelt
chamou de “irresolução obstinada”. Mas como era “impossível seguir
adiante sem o xá”, conforme mensagem aos seus superiores da CIA,
Roosevelt continuou aumentando a pressão. Era inevitável que a resistên-
cia do xá fosse finalmente quebrada. Ele concordou em assinar os firmans,
como eram chamados os decretos reais, com a condição de que pudesse
sair imediatamente de Teerã para algum lugar mais seguro.
O xá Mohamed Reza nunca se notabilizara por sua coragem, razão
pela qual essa última demonstração de prudência não surpreendeu
Roosevelt. Ambos concluíram que o lugar mais seguro para o xá se escon-
der era um pavilhão de caça da família real nas proximidades de Ramsar,
no litoral do mar Cáspio. Perto dali havia uma pista de pouso, o que, para
o xá, era bastante tranqüilizador.
“Se por algum terrível acaso as coisas derem errado”, disse ele indeli-
cadamente a Roosevelt, “eu e a imperatriz iremos de avião direto para
Bagdá.”
Os dois se encontraram pela última vez na madrugada de 9 de agosto.
Antes de se despedir, Roosevelt achou correto agradecer ao xá a decisão
de cooperar, apesar da relutância. Era um momento histórico, o que reco-
mendava alguma coisa fora do comum. Descobriu, então, uma forma
magnífica de enfeitar sua mensagem.
28 TODOS OS HOMENS DO XÁ

“Majestade, no início desta noite eu recebi uma mensagem de Wash-


ington”, inventou. “O presidente Eisenhower me pediu que lhe transmitis-
se as seguintes palavras: ‘Desejo boa sorte a Sua Majestade Imperial. Se os
Pahlavi e os Roosevelt não puderem resolver este pequeno problema traba-
lhando juntos, é porque não nos resta mais nenhuma esperança. Confio ple-
namente em que Sua Majestade resolverá a questão.’”
Combinaram que um mensageiro especial da CIA traria ao palácio os
firmans vitais no início da manhã seguinte. O xá os assinaria e voaria
imediatamente para seu refúgio em Ramsar. Tudo parecia perfeitamente
acertado.
De volta à sua casa com as boas novas, Roosevelt e seus agentes
comemoraram o feito com muita bebida. Às cinco da manhã, ele foi dor-
mir. Poucas horas depois, foi despertado pelas imprecações de um assis-
tente. Uma falha de última hora acontecera. O mensageiro que devia reco-
lher a assinatura do xá se atrasara a caminho do palácio. Quando chegou
lá, o casal real já havia partido.
Independentemente de se o que ocorrera fora uma simples falha de
comunicação ou uma tentativa de última hora do xá de furtar-se à assina-
tura dos firmans, Roosevelt estava determinado a não permitir que não
atrapalhasse seus planos. Esses firmans jogavam um papel indispensável
no golpe que ele arquitetara: mais do que um simulacro de legalidade, eram
o princípio organizacional central da operação. Se o xá não estava em
Teerã para assiná-los, os firmans teriam de ser levados aonde ele estava.
O homem mais qualificado para ajudar neste momento, Roosevelt
logo percebeu, era o coronel Nasiri, da Guarda Imperial. Vigoroso monar-
quista, Nasiri desfrutava da intimidade do xá e sabia onde conseguir e
como pilotar um avião. Os arranjos foram feitos rapidamente, e desta vez
a conexão funcionou. Nasiri voou até Ramsar, obteve a assinatura ilegível
do xá em ambos os firmans, e depois, devido ao mau tempo que o impe-
diu de decolar, levou-os de carro a Teerã.
Roosevelt e seus camaradas passaram o dia esperando impaciente-
mente ao redor da piscina, sem saber por que Nasiri demorava tanto.
Quando anoiteceu, foram fumar, jogar cartas e beber vodca com lima-da-
pérsia. Apesar do toque de recolher imposto em Teerã a partir das nove da
noite, eles ainda tinham esperança de que alguém aparecesse depois dessa
hora. Era quase meia-noite quando ouviram gritos no portão. Correram
para abri-lo. Do lado de fora havia um grupo de iranianos alvoroçados e
com a barba por fazer, a maioria dos quais eles não reconheciam. Os ira-
BOA-NOITE, MR. ROOSEVELT 29

nianos entregaram um pacote a Roosevelt, que o abriu cautelosamente.


Dentro estavam os dois firmans, devidamente assinados por Sua Majes-
tade Imperial.
Depois de abraçar alegremente os novos amigos, Roosevelt pôs-se a
pensar em quão rapidamente poderia agir agora. E ficou consternado ao
ouvir de seus agentes que era inevitável um novo atraso. O fim de sema-
na, que no Irã se observa na quinta e sexta-feira, estava para começar. E os
iranianos não gostavam de tratar de negócios, muito menos de derrubar
governos, nos fins de semana. Embora relutante, Roosevelt concordou em
adiar o golpe até a noite de sábado, 15 de agosto.
Confiante em seu plano, mas claramente consciente de que cada hora
passada fazia aumentar a probabilidade de uma traição, Roosevelt e seus
camaradas passaram três dias excruciantes ao lado da piscina. O sábado foi
mais difícil de suportar devido à aproximação da hora da verdade. Mais
tarde, Roosevelt escreveu que naquele dia o tempo se escoou “mais lenta-
mente do que em qualquer outra situação pela qual já havíamos passado”.
Roosevelt transferira seu centro de comando para um subsolo situado
no complexo da embaixada americana. Seus agentes iranianos visitavam-
no agora com menos freqüência, embora estivessem mais ocupados do
que nunca em suas tarefas subversivas, como deixa claro um relatório da
CIA sobre o golpe:

Neste exato momento a campanha psicológica contra Mossadegh atingia o


seu clímax. A imprensa sob nosso controle investia com toda a força contra
Mossadegh, enquanto [DELETED] imprimia, sob orientação do escritório,
material por ele considerado útil. Os agentes da CIA dedicaram especial
atenção a alarmar os líderes religiosos de Teerã, divulgando, em nome do
partido Tudeh (comunista), falsa propaganda ameaçando esses líderes de ter-
ríveis punições caso se opusessem a Mossadegh. Fizeram-lhes também tele-
fonemas ameaçadores em nome do Tudeh e chegaram a executar um dos inú-
meros falsos ataques a bomba às casas desses líderes.
A notícia de que o xá apoiava a ação direta em sua defesa espalhou-se
rapidamente em meio à “conspiração dos coronéis” fomentada pelo escritó-
rio. Zahedi avistou-se com o chefe do escritório, coronel [DELETED],
designando-o oficial de ligação com os americanos e seu escolhido para
supervisionar a equipe encarregada do plano de ação …
Em 14 de agosto, o escritório informou que, com a conclusão da TPA-
JAX, o governo Zahedi teria necessidade urgente de fundos em vista da
30 TODOS OS HOMENS DO XÁ

situação calamitosa do tesouro. Foi sugerida a soma de US$ 5 milhões e soli-


citado à CIA que obtivesse essa importância até poucas horas depois de con-
cluída a operação.

Agora, segundo o relatório da CIA, “tudo o que o escritório e o


quartel-general tinham a fazer era aguardar o início da ação”. Quando
finalmente a noite de 15 de agosto começou a cair sobre Teerã, Roosevelt
entrou em seu táxi Hillman-Minx, colocou o aviso “Em Serviço” e se diri-
giu para uma casa segura das redondezas onde seus agentes haviam se
reunido para esperar notícias da vitória. Com vodca à farta, eles cantavam
junto com discos de musicais da Broadway. Sua canção favorita era “Luck
Be a Lady Tonight”, do musical Guys and Dolls. Por aclamação, eles a
adotaram como tema da Operação Ajax:

They call you lady luck, but there is room for doubt;
At times you have a very un-ladylike way of running out.
You’re on this date with me, the pickings have been lush,
And yet before the evening is over you might give me the brush.
You might forget your manners, you might refuse to stay
And so the best that I can do is pray:
Luck, be a lady tonight *.

Ao voltar à embaixada americana mais tarde naquela noite, Roosevelt


passou inadvertidamente em frente à casa do general Riahi, o chefe do
Estado-Maior. Esta coincidência o alegrou. Se seu plano funcionasse, o
general Riahi estaria atrás das grades em poucas horas.
O oficial que escolhera para prender o chefe do Estado-Maior e o
primeiro-ministro naquela noite, coronel Nasiri, parecia perfeitamente
ajustado à operação, pois acreditava na primazia do poder real e abomina-
va Mossadegh. O comando da Guarda Imperial de setencentos homens lhe

*Chamam-na lady sorte, mas tenho razões para duvidar,


Pois você tem às vezes um jeito rude de partir.
Apesar de ter me escolhido entre tantos outros,
Até o fim da noite você vai me rejeitar.
Já não será tão gentil, não vai mais querer ficar,
Por isso, só me resta pedir:
Sorte, seja uma lady esta noite. (N.T.)
BOA-NOITE, MR. ROOSEVELT 31

dava o controle de recursos consideráveis. Ao ter conseguido os firmans


tão necessários no momento crítico, ele provara sua confiabilidade.
Mas, na noite de 15 de agosto, Nasiri não estava pensando com tanta
clareza. Já passava bastante das onze horas quando ele chegou à casa do
general Riahi e a encontrou abandonada. Imperturbável, apenas ordenou
aos seus homens que prosseguissem até a residência de Mossadegh, para
a qual, sem que ele soubesse, uma outra coluna de militares já se dirigia
neste momento. O general Riahi soubera do golpe e enviara tropas para
frustrá-lo.
A exata identidade do informante nunca foi estabelecida. A maioria
das suspeitas recai sobre um oficial pertencente a uma célula comunista
clandestina. Mas pode ter havido mais de um informante. No final, acon-
teceu precisamente o que Roosevelt temia. Pessoas demais souberam da
conspiração, por tempo demais. O vazamento era inevitável.
Nas confusas horas ao redor daquela meia-noite, Teerã explodiu em
golpes e contragolpes. Alguns oficiais rebeldes souberam da traição a
tempo de abortar sua missão. Outros, sem perceber que ela estava com-
prometida, foram em frente. Um deles tomou a estação de telefonia do
bazar. Outro tirou da cama o ministro do Exterior Hussein Fatemi e
arrastou-o para fora, descalço e sob protestos.
O futuro do governo constitucional do Irã dependia de qual coluna de
soldados chegaria primeiro à casa de Mossadegh. Pouco antes da uma da
madrugada, a coluna rebelde entrou na rua Kakh, passou pela esquina da
Heshmatdowleh e parou. Mossadegh morava ali com sua esposa, num
pequeno apartamento, parte de um conjunto maior que era propriedade de
sua família havia muitos anos. O portão estava fechado. O coronel Nasiri
saltou do carro para pedir passagem. Trazia na mão um firman destituin-
do Mossadegh de seu cargo. Atrás dele, várias filas de soldados.
Mas o coronel Nasiri chegara tarde demais. Momentos depois de apa-
recer no portão, vários comandantes leais saíram das sombras. Eles o
acompanharam até um jipe e o levaram ao quartel-general do Estado-
Maior. Ali o general Riahi o denunciou como traidor, ordenou que lhe
tirassem o uniforme e o pusessem numa cela. O homem que devia prender
Mossadegh era agora ele próprio prisioneiro.
Roosevelt, que não tinha como saber que isso estava acontecendo,
aguardava em seu posto de comando, na embaixada, o telefonema do
coronel Nasiri. Tanques passaram matraqueando diversas vezes, mas o te-
lefone não tocou. As apreensões de Roosevelt aumentaram com a chega-
32 TODOS OS HOMENS DO XÁ

da da aurora. A Rádio Teerã não começou suas transmissões às seis da


manhã, como de costume. Uma hora depois, ela voltou à vida com uma
explosão de marchas militares, seguida da leitura de um comunicado ofi-
cial. Roosevelt não falava persa, mas temeu o pior quando ouviu o locutor
dizer a palavra Mossadegh. Então o próprio Mossadegh veio ao ar para
anunciar a vitória contra uma tentativa de golpe organizada pelo xá e por
“elementos estrangeiros”.
Escondido em seu pavilhão à beira-mar, o xá também ouviu. Assim
que soube do ocorrido, acordou sua mulher, dizendo-lhe que era hora de
fugir. Arrumaram rapidamente duas pequenas pastas de documentos, pega-
ram quanta roupa puderam levar nos braços e saíram a passo acelerado em
direção ao seu Beechcraft de dois motores. Piloto treinado, o xá assumiu o
controle do avião e apontou o curso de Bagdá. Lá chegando, ele disse ao
embaixador americano que estava “extremamente necessitado de um
emprego, pois tinha família grande e bem poucos recursos fora do Irã”.
Enquanto o xá fugia, unidades militares leais ao governo espalhavam-
se por Teerã. A vida da cidade voltou rapidamente ao normal. Vários
conspiradores foram presos, outros passaram à clandestinidade. Uma
recompensa foi oferecida pela captura do general Zahedi. Os agentes da
CIA correram como puderam para se abrigar na embaixada americana ou
em casas seguras. Multidões exultantes tomaram as ruas aos gritos de
“Vitória da Nação!” e “Mossadegh Venceu!”.
Dentro do complexo da embaixada, Roosevelt viu-se “próximo do de-
sespero”. Não teve outra saída senão enviar um telegrama a Washington
dizendo que tudo saíra completamente errado. John Waller, chefe da seção
Irã da CIA, leu-o com grande desapontamento. Temendo pelas vidas de
seus agentes, Waller enviou a Roosevelt uma resposta urgente. Não se
sabe da existência de nenhuma cópia dessa mensagem. Segundo o folclore
da CIA, era uma ordem para que Roosevelt deixasse Teerã imediatamente.
Muitos anos mais tarde, no entanto, Waller disse que não foi tão categóri-
co. Sua mensagem, lembrou, era: “Se estiver enrascado, saia para não ser
morto. Se não estiver, vá em frente e faça o que tem de fazer.”
A situação era desanimadora para os conspiradores. Eles haviam per-
dido a vantagem da surpresa. Vários de seus principais agentes estavam
fora de ação. Seu primeiro-ministro nomeado, general Zahedi, escondido.
O xá fugira. O ministro do Exterior, Fatemi, depois de passar horas sob
custódia dos rebeldes, fazia ferozes pronunciamentos acusando o xá de
colaboração com os agentes estrangeiros.
BOA-NOITE, MR. ROOSEVELT 33

“Traidor!”, vituperou Fatemi perante a multidão. “Fugiu para a embai-


xada britânica do país mais próximo no momento mesmo em que ficou
sabendo, pela Rádio Teerã, da derrota da sua conspiração estrangeira!”
A Operação Ajax fracassara. A Rádio Teerã informou que a situação
estava “totalmente sob controle”, e assim parecia. Ondas de choque rever-
beraram no quartel-general da CIA em Washington.
Então, de repente, por volta das nove da noite, Roosevelt mandou uma
mensagem absolutamente inesperada. Ele decidira permanecer em Teerã
e improvisar uma outra estocada em Mossadegh. A CIA o enviara para
derrubar o governo do Irã e ele estava determinado a não ir embora até que
tivesse cumprido sua missão.

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