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Dialética Evistica ‘TEXTO E COMENTARIOS [INTROITO] Dist eristica & a arte de discutir, mais precisamente a arte de discutir de modo $B i : a vencer", e isto per fas et per nefas (por meios \icitos ou ilicitos). De fato, ¢ possivel ter razio objetivamente no que diz respeito a coisa mesma, e nao té-la aos olhos dos © Schopenhauer faz sempre um contraste entre Recht haben (ter raxio realmente, estar com a verdade) © Recht Ihalten (aferrar-se % razo, insistic tcimosamente em set razio quando no se tem. Agui € em contextos semelhan- tes, emprega o termo Recht behalten, que literalmente s¢ waduzitia como “ter raz30”, manter-se com a razio. Mas, cm portugués, “ter razio” significa estar do lado certo, estar na verdade, independentemente de veneer ou perder ‘uma polémica ou muitas. Recht behalten, por seu lado, tem acepcio similar francesa avvir raison de, que significa apenas veacer o debate, independentemente de fazé-lo com razio ou sem cla (no sentido portugués). O espanhol tener razén pode ser usado indiferentemente no sentido por- tugués ou alemo, como se vé pelo titulo da tradugio de Dionisio Garzon: El Avte de Tener Razin. Ademais, Recht behalzon é feancamente pejorative, mais ou menos no sentido das nossas expresses correntes “ono da verdade”, “sabichao”, “sabereta” ete. 96 Bpéstica Ds SCHOPENHAUER presentes ou inclusive aos préprios olhos. ‘Assim ocorre, por exemplo, quando o adver- sitio refuta minha prova e isto é tomado como uma refutagio da tese mesma, em cujo favor se poderiam aduzir outras provas. Neste caso, naturalmente, a situagio do ad- versétio é inversa Aquela que mencionamos: ele parece ter razdo, ainda que objetivamente nao a tenha. Por conseguinte, sio duas coisas distintas a verdade objetiva de uma proposi- go ¢ sua validade na aprovagio dos conten- dores ¢ ouvintes. A esta tiltima & que a dialé- tica se refere. Donde provém isso? Da perversidade na- tural do género humano, Se esta nao exis- tisse, se no nosso fundo fdssemos honestos, em todo debate tentariamos fazer a verdade aparecer, sem preocupar-nos com que ela es- tivesse conforme & opinido que sustentévamos no comego ou com a do outro; isto seria indi- ferente ou, em todo caso, de importincia muito secundéria. No entanto, é isto o que se torna o principal. Nossa vaidade congénita, especialmente suscetivel em tudo o que diz respeito a capacidade intelectual, nao quer aceitar que aquilo que num primeiro mo- mento sustentavamos como verdadeiro se mostre falso, ¢ verdadeiro aquilo que o ‘Texto ¢ ComENtAntos 97 adversdrio sustentava. Portanto, cada um de- veria preocupar-se unicamente em formular juizos verdadeiros. Para isto, deveria pensar primeiro ¢ falar depois. Mas, na maioria das pessoas, A vaidade inata associa-se verborra- gia e uma inata deslealdade. Falam antes de ter pensado, ¢ quando, depois, se dio cont de que sua afimativa eca falsa ¢ néo tinham razdo, pretendem que parega como se fosse ao contratio, O interesse pela verdade, que na maior parte dos casos deveria ser 0 tnico mo- tivo para sustentar 0 que foi afirmado como verdade, cede por cotipleto 0 passo ao inte- resse da vaidade. O verdadeiro tem de parecer falso ¢ 0 falso, verdadeiro. No entanto, até mesmo essa destealdade, 2 insisténcia em manter uma afiemagio que j4 parece falsa para nés mesmos, tem ainda uma desculpa. Muitas vezes, no principio da dis- cussdo, estamos firmemente convencides da verdade de nossa tese; mas agora a aegumen- tagio do adversdrio parece derrubé-la ¢, se yenunciamos de repente a defender nossa causa, com freqiiéncia acabamos depois no- tando que, apesar de tudo, tinhamos razio. Nossas provas nao eram verdadeiras, mas po- dia existix uma que fosse adequada 4 nossa afirmasio, 86 que 0 argumento salvador no 98 ERISTICA DE SCHOPENHAUER nos veio 2 mente no momento. Por este mo- tivo, firma-se em nés 2 maxima segundo a qual, mesmo quando o contra-argumento do adversétio pareca justo ¢ convincente, deve- mos atacé-lo, confiantes em que sua retidao é apenas aparente e em que, no curso da discus- sio, nos ocorrerd algum outro argumento capaz de demolir a tese contréria ou de refor- gar a nossa de algum modo. Somos, assim, quase obrigados ou pelo menos facilmente levados & deslealdade no discutir. Deste modo, 2 fragilidade de nosso entendimento € a tortuosidade de nossa vontade apdiam-se mutuamente. Daf vem que, em regea geral, aquele que entabula uma discussio no se bate pela verdade mas por sua propria tese pro ara ct focis (no interesse proprio) ¢ pro- cede por fas et per nefas e, como acabamos de demonstrar, no poderia fazé-lo de outra maneira. Maquiavel recomenda que o Principe oe aproveita de cada instante de fraqueza de seu adversério pata o apanhar: porque sendo seré este que poderd se aproveitar do instante em qué cle é fraco. Se reinassem a fidelidade ¢ a ‘TexTO & COMENTARIOS 99 Iealdade, tudo seria diferente: mas jé que 0 homem nao se deixa enganar por elas, ele no as deve exercet, pois sio mal recompensadas. © mesmo acontece nas discussées: se eu der razdo ao adversdtio quando cle parecer ter ra- zio, cle dificilmente fad 0 mesmo, quando acontecer 0 contrdrio: ele ird, com certeza, continuar a proceder per fas et per nefas: por- tanto, é isto que eu também devo fazer. Dire- mos, entio, com facilidade, que devemos per- seguir somente a verdade, sem ter preferéncia por nossas proposigées: mas nio devemos Pressupor que © outro fard o mesmo; logo, nés também no 0 devemos fazer. Além disso, eu desejaria desistir de minha proposi- Gao, sobre a qual eu jé havia pensado antei ormente, assim que me parecesse que cle tem azo; assim facilmente poderia acontecer que eu, guiado por uma impressio momentinea, abandonasse a verdade para aceitar 0 erro. * Por isso, cada um, em regra geral, se es- forsaré para que sua prépria tese triunfe, mesmo quando no momento the pareca falsa ou duvidosa; os recursos de sua argumenta- 40 Ihe séo dados, em certa medida, por sua 100 EnisTiGa DE SCHOPENHAUER prépria astticia ¢ malicia, pois ¢ isto o que Ihe ensina a experiéncia cotidiana de discutir. Cada um estd dotado, portanto, de sua dialé- tice natural, assim como de sua légica natu- ral. $6 que aquela néo é nem de longe um guia tio seguro quanto esta. Ninguém pensa ow infere tao facilmente contra as leis da 16- gica: falsos juézos sio freqiientes, falsos silo- gismos séo extremamente raros. Por isto, nio acontece com tanta facilidade que alguém mostre uma deficiéncia de Iégica natural; em contrapartida, muitos carecem de uma dialé- tica natural, que é um dom da natureza dis- tribuido de maneira desigual (no que é seme- Ihante A faculdade de juizo, repartida de modo bastante desigual, ¢ também 2 razio). De fato, deixar-se confundir, ou refutar, por uma mera argumentacio aparente, quando se tem razdo, e vice-versa, é um fato que acon- tece com freqiiéncia. E aquele que sai vence- dor de uma discussio deve-o, muitas vezes, no tanto A veracidade dos juizos expostos em suas proposigdes, quanto 2 astiicia e a des- treza com que os defendeu. Os dons inatos, af como em todos os casos, séo os melhores. Nao obstante, 0 exercicio e também a reflexao sobre as frmulas para derrotar o adversirio, ou sobre aquelas que ele utiliza para vencer, ‘Texto ComNTAnIos 101 podem levar muitos a se tornar mestres nessa arte. E ainda que a Iégica possa no fando n ter utilidade pratica, a dialética, sim, pode ser Util, Parece-me também que Aristételes con- cebeu sua verdadeira Idgica (analitica) basi- camente como fundamento ¢ preparacio para a dialética e que esta seria, para ele, o tema principal, A légica ocupa-se com a mera forma das proposigées, a dialética, com seu contetido ou matéria™. Precisamente por © Bric Weil (“La place de ia logique dans la pensée aristorélicienne”, em Essais et Conférences, vol. I, Pacis, Vein, 1992) ¢ Jean-Paul Dumont (Introduction a la Méthole d'Aristre, Paris, Vtin, 20. éd., 1992) demonstraram meticulosamente que a dialética 6 no sistema de Aristételes, bem mais decisiva do que a tinham avaliado os intérpretes tadicionais. Embora liveo da diakética — 08 Tépicos — parega ser um tanto anterior 3s das Analiticas, no € impossivel que Aristételes, 20 cxiar a analtica, tivesse em vista finuros desenvolvimentos da dialética, que ndo chegou a realizar. Ingemar Ditting (pp. 99-100) julga que a concepgio da dialétiea € a da iégica foram simulténeas. ® Schopenhauer deixa-se aqui enganar pela confusio entce @ concepgio atistorélica da dialética ¢ a sua prépria. Em Aristételes, a dialética € também, 20 menos até certo ponto, cigneia foul, € o emprego de suas écnicas inde- pende de prévio conheeimento da matéria em debate, como 0 prova alids 0 fato de que ¢ dialético, 0 aristotelismo, 0 meio de sondagem do desconhecido, a0 asso que a ldgica serve apenas para dar mais consisténcia 102 ERéstIGcl DE SCHOPENHAUER jsso, 0 estudo da forma, enquanto exame do universal, deveria preceder 0 estudo do con- tetido, exame do particular. * Aristételes nfo define tio estritamente quanto eu a finalidade da dialética. Atribui- the como finalidade principal a discussio, mas, 20 mesmo tempo, também descobri- mento da verdade (Tépices, 1, 2). E depois acrescenta: “Abordam-se as proposig6es, filo- soficamente, desde © ponto de vista da ver- dade; dialeticamente, desde 0 ponto de vista Ga apaténcia, da aprovagio ou da opiniao dos seasais Gobe)” (ipicos, 12). Ble est cons- ciente da distingao ¢ da separagéo que ba en- tre a verdade objetiva de uma proposigio e a arte de persuadir de sua veracidade ou conse- a aprovacio alheia. Mas nfo as distingue com suficiente nitidez ao ponto de designar Zialética puramente a segunda dessas 20 vonhecido. Jé em Schopenhauer, o termo dialética, Uesigaando go mesmo tempo a dialérica (em sentido sristotdlico), a eristica (que para Arist6teles era uma perverséo «ia dialética) e mesmo partes da técnica ret6rica, no poder indica uma cigneia puramente formal. ‘Texto & ComeNTARios 103 finalidades. Suas regras para obter este Ailtimo objetivo acham-se, com demasiada freqiiéncia, misturadas aquelas que se referem ao primeiro. Por isto, me parece ser este um trabalho que nao foi feito com todo o rigor™!, * 5! Novamente, Schopenhauer entende Aristételes na perspectiva de seus prdprios objetivos, que nio sio os do Estagirita. A dialética aristotélica é& ao mesmo tempo ¢ inseparavelmente, excrcico pedagégice,téenica da discustéo € arte da investigagdo, Nesta tltima fungio, & como disseram 08 escolisticos, lagica inventionis, “légica da descoberta", a0 passo que a analitica é apenas dégica da prova (daquilo que 4 foi descoberto, ¢ claro). E precisamente por sua fungio investigativa que a dialética tem a dignidale de uma técnica floséfica ¢ nio se confiunde com a pura entice (a arte de vencet a discussio per fis ct per nefns); se Auistétcles rio arribui \ dialética exelusivamente a fangdo ica, nao € por omissio ow por falta de clureza, como pretende Schopenhauer, € porque estépersuadido de que cla nao é isso somente. No entanto, a queixa de Schopenhauer nao & de todo infuucada, porque Aristételes nao tem um termo cspecifico pata designar cada uma das fangées da dialétiea, © ora usa a palavra num sentido, ora em dois, ora em tes Avistoslis insignis negligentia in scribendo, e 10 trecho citado Por Schopenhauer o termo dialériea é usado, sem aviso, 10 sentido de técnica de discussio exclusivamente. 104 Existic4 DB SCHOPENLIAUER Com seu peculiar espirito cientifico, téo metddico ¢ sistematico, Aristételes empreen- deu nos Tépicos a formulacio da dialética. Isto merece admiragio, se bem que o objetivo, que aqui claramente pritico, niio pode se consi- derar completamente realizado. Depois de ter examinado, na analitica, os conceitos, juizos € silogismos segundo a pura forma, ele passa a0 contetido, onde, em realidade, se ocupa so- mente dos conceitos, pois & s6 neles que re- side 0 conterido. Proposigées sio puras for- mas, vazias em sis os conceitos so 0 seu con- tetido. Seu procedimento é 0 seguinte: cada controvérsia tem uma tese ou problema (que se diferenciam tio-somente pela forma) ¢ de- Pois proposiges que devem servir para re- solvé-los*?. Aqui trata-se sempre da relacio dos conceitos entre si. Essas relacdes sio a principio quatro. Em um conceito, procura-se por: 1) sua definigdo, ou 2) seu género, ow 3) sua particularidade, sua nota essencial, o * A discussio diakétiea, segundo Aristéreles, pore romegar Por uma pergunta, 2 qual se oferecem duas respostas aleernativas, out por uma afirmaséo, 3 qual se opde a afismagio contra, explcitand-se em segxida a pergunta da gual ambas sio respostas implicitas, 5 Texto & Comenrintos 105 proprium, wiv", ou 4) seu accidens, isto ¢, alguma propriedade, nao importa se singular ¢ exclusiva ou nao, em suma, um predicado™*. © problema de toda discusszo remonta sem- pre a uma de tais relagées. Esta é a base de toda a dialética. Nos oito livros, ele expde as relagées nas quais os conceitos podem encon- trar-se reciprocamente nestas quatro acepges € indica as regras para cada celacio possivel. Explica, por exemplo, como um conceito deve relacionar-se com outro para ser seu pro- prium, seu accidens, seu genus, seu definitum ‘ou definicio; quais erros sio faciimente co- metidos em uma exposigio ¢, portanto, quais sio as normas que devem ser observadas sempre que se estabeleca (kataoxeyate) uma tal relagio e 0 que devemos fazer para 5 © idion, na ldgica de Aristdteles, ndo é propriamente uma “nota essencial”, mas algum atributo gue, nio fazendo parte da definigao, isto é, da esséncia do objeco, esti no eatanto presente em todas os seres que ela abrange, ¢ € uima decorséncia ldgiea da definigio. Por exemplo, 00 hhomem, a capacidade de aprénder gramsrica — capacidade essencialmente humana que nao faz parte da definigio de homem, ™ © acidente também nao é uma “propriedade” (se propriedade & 0 mesmo que iion), mas um predicado que nem faz parte da esséncia nem pode ser dela deduzido. Por exemplo, no homem, ser gordo ou cateca nisi PENHAUER 106 Enisric DE SCHOT' demoliela (avacxeyatew) quando é um ou- sro quem a expée. Aristételes chama t7pos, Iocus®®, & exposigao de cada uma.de tais regras ou de cada uma das relagdes das classes de conceitos entre sie assinala 382 destes zopo?, donde o nome Tépica, A isto acrescenta al- gumss regeas gerais sobre a discussio, que estéo longe de ter sido completadas. © sapor néo & algo puramente material € do se refere a um objeto ou a um conceito % Topas quec dizer “lugar”. Tamo a rerériea quanto & dialéiica antigas denominam “lugares” 03 esquetnas srgumentativos & disposigio do orador ou debatedor — tionde 3 expressio corceate fygar-conturt, para designat os tipos de arguments mais sReqentemente usados. O sssociado & técnica mneménica que os eermo “lugar” \ speadoses expregavamn pata aprender de gor os seus discur+ Ses ¢ para formae see sepertério de acguimentos, Nessa fonici, of esquiemas argumentativos eram associados a posigdes num diagrama espacial, &imagera de uma pragay de um teato, de win efi qualquer, em os ¥Ssog froatos se distribufam, como se fossem objetos, os Aiignes” da angumentagio. (V, Brances Yates, The Art of ‘Monury, London, Atk, 1966.) A dlaléica inventatiava $8 fos angumientos, @ FetGrica OS aggumentos € também 3s Fawess de inguagem. © imenso repertério de esquemss Sraumentarvos © de Agorss de lingvagem colecionade pelo ret6ricosantigos veio a constiuir a base permanente th biteracaca Ocieental (v. Emest- Robert Curtius, ‘erasure Europtia e Idade Média Lavina, trad. Teodoro sta, Rio, INL, 1957). ‘Texto & Gomentratios 107 determinado, ¢ sim, diz respeito sempre a uma relagio de classes inteiras de conceitos, que podem ser a reunido de inumeriveis con- ceitos, estabelecida assim que estejam relacio- nados entre si sob uma das quatro acepges acima mencionadas, as quais tém aparecem em toda discussio. E essas quatro acepcées tém, por sua vez, classes subordinadas, O tra- tamento aqui ainda ¢ no entanto, formal, em certa medida, ainda que nio tio pura- mente formal como na ldgica, pois esta se ‘ocupa com 0 conterido dos conceitos, mas de uma maneira nitidamente formal, isto é in- dica, por exemplo, como o contetido do con- ceito A deve referir-se ao do conceito B, de tal modo que este possa ser apresentado como seu genus, ou como seu proprium (cariter dis- tintivo), ou como seu accidens, ou sua defini- sao, ou segundo as rubricas, subordinadas a estas, de opasto (avuKeysevov), de causa ¢ cfeito, de posse e privagao, etc.. E é em torno dessa relagao que toda a discussao vai girar. A maior parte das regras destas relagdes, que Aristoteles designa precisamente como topos, % Diferenga capital cntre a dialética de Aristételes ¢ a cxistica de Schopenhauer, que entra nio s6 na questo da matéria como até mesmo na das circunstinelas psicolégicas forcuitas em que se trava a diseussio. -—— 108 BRISTICA DE SCHOPENHAUER so as que encontram-se na propria natureza das relagdes conceituais, Cada um de nés é consciente destas relages, ¢, portanto, insis- timos que 0 adversédrio as respeite, do mesmo modo como se faz na légica. B mais facil ob- servar tais regras, ou perceber que foram transgredidas, no caso particular, do que re- cordar-se do topos abstrato correspondente. Por isto, a utilidade pratica deste dialética nao é grande’”. Ela diz, coisas quase dbvias que se entendem por si e cuja consideracio é quase adivinhada por uma mente sa. Exem- plo: “Se se afirma o genus de uma coisa, é preciso que a este pertenga alguma espésie desse genus; caso contrério, a afirmagio é falsa. Quando se diz, por exemplo, que a alma tem movimento, haverd de ser-lhe pré- pria uma determinada de espécie de movi mento: voar, caminhar, crescer, diminuir, *? & utilidade da diaktica aristotélica néo é grande para fing prétivos de discussie, mas sim para o julgamento do valor dos argumentos, que é seu verdadeiro intuito, De fato, na hora da discussio, a mente reconhece instintiva- mente os esquemas argumentativos, mesmo sem ser eapxz de enunciar sua definigio em linguagem abstrata. Mas, para avaliar os argumentos dle maneica cientifica e refletida, © conhecimento explicito das regeas da dialésica & um Inserumento poderoso. ‘Texto E COMENTARIOS 109 etc. Se isto néo acontece, ela nio esté do- tada de movimento, Por conseguinte, aquifo a que nao corresponde nenhuma species, aio corresponde tampouco nenhum genus. Este & © topes.” Este topos vale para afirmar ou para refutar. E 0 nono topos. E, a0 inverso, se no Ihe corresponde o género, nao the corres- ponde tampouco a espécie. Por exemplo, quando se diz que alguém falou de um outro: se provamos que ele, na realidade, no fulow absolutamente nada, entio tampouco falou mal, pois onde nao existe genus, tampouco pode existir a espécie. *° Dito de outro modo: em neniuum ser 0 género pode se manifesta diretamente, sem a imermediagio da espécie um animal no pode ser animal rout cove, mas sim animal de alguna espécie determinada ou determindvel: € boi, € gato, € minhoca, ¢ nio simplesmente “animal”. — Nova- mente, a inteligéncia no precisa conhecer explicitamente festa regra para reconhecer, na pritica, a faldcia que 0 adversitio comete ao predicar um género sem indicar ou subentender uma espécie, conhecida ou conhecivel. Mas a regra no € indicada paca esse fim, e sim para fundamentar teoreticamente a impugnagio desse predicado, no sé este ow naquele caso em particular, mas em todos os easos idénticos, independentemente das. circunstincias voncretas do discurso, A erfstica de Schopenhauer, em contrapartida, tem um sentido exelusivamente pritico e, se serve pata a discussio, ndo serve para a atbitragem. 110 Enistica DB SCHOPENHAUER Sob a rubrica do singular, proprium, o lo- cus 215 dios “Em primeiro lugar, para refu- tar: quando o adversério indica como sendo singular algo que s6 se pode perceber com os sentidos, isto esté mal indicado: de fato, tudo o que é sensivel ¢ incerto na medida que pro- cede do campo dos sentidos; quando se de- clara como proprio do Sol ser o astro mais brithante que se ergue sobre a Terra, isto nao é correto, pois, quando o Sol se péc, nao sa- bemos se se ergue sobre a Terra, jd que esté fora do alcance dos sentidos®. Em segundo ingar, para afixmar: 0 proprium esta correta~ mente indicado quando se sustenta uma coisa que néo € conhecida pelos sentidos, ou quando, se 0 é, esté presente de modo neces sci, Assinaia-se, por exemplo, como proprinms da superficie que possua sempre uma cor, Esta é conotagio sensivel, de modo mais que evidente estd sempre presente ¢ Tmexata como indicagio do proprism, a mesma proposigio seria wilida como indicasio de um accidens: 0 que Ariseéreles enfati {nfo é a fiagilidade eto conhecimenco sensivel enquanto tal, mas stia inaptidtio para passar, sera tum longo rodeio cacional, do dadio sensi- vel 2 afimagio de um propria, que

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