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Copyright © 1994 by Willi Bolle Duis intemacionais de Catalogagio na Publicasio (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bolle, Wilt Fisiognomia da Metropole Moderna : Represeniagio da Histria em Walter Benjamin / Will Bll. - Sao Paulo : Eaitora da Universidade de ‘io Paulo, 1994. Bibliognfia. ISBN: $5-314-0172-0 1, Areas Metropolitanas 2. Benjamin, Walter, 1892-1940 3. Fi- siognonia 1. Titulo. Il. Titulo: Represeriacio da Histéria em Walter | 93-1984 cpp-193 {indices pa calogosisemstee 1, Benamin: Filosofia alemi 193 Direitos reservados Edusp - Editora da Universidade de So Paulo ‘Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J,374 (6% andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitaria (0508-900 - Sao Paulo - SP - Brasil Pax (011) 211-6988 Tel. (11) 813-8837 / 818-4156 / 818-4160 Printed in Brazil 1994 Fo feto 0 depisito legal 6. A Modernidade como Pega de Aprendizagem. Sobre a Teoria Benjaminiana da Midia um erro de principiante acreditar que 0 radialista tem de ‘proferir uma palesira diante de um piblico bastante grande ‘que, apenas por razées circunstanciais, é invisivel. Nada hd ‘ais errado que isso. O ouvinte de rédio quase sempre solitério, e mesmo supondo que o locutor atinja algumas rilhares de pessoas, sempre sé atingird mithares de pessoas solitérias. W. Bamana, “Auf die Minute”, 1934 6.1. Allustragao na era da midia: O escritor “atuante” No poema inicial dos Tableaux parisiens, Baudelaire fala dos “mastros da cidade”, Para o poeta, que tem diante dos olhos a paisagem urbana de meados do século XIX, so as chaminés da Revolugao Industrial, disputando © céu as tradicionais torres de igrejas. Com o surgimento dos meios eletré- nicos de comunicagao de massa, a partir dos anos 1920, comegam a despon- 1. “Je veux, pour composer chastement mes églogues, / Coucher auprés du ciel, comme les astrologues,/ (1 Je verri atelier qui chante et qui bavande; /Les tuyaux, les clochers, ces mits de la cit", Charles Baudelaire, “Paysage”, Euvres compléves, p. 78. Trad. Ivan Junqueir: “Quero, para compor os meus castos mondlogos, [Deitar-me ao pé do cén, assim como os astrélogos, | (..] Verei a fabrica em azifama engolfads; | Torres chaminés, 0s mastros da cidade”. 240 Fisiognomia da Metrépole Moderna. tar na skyline das grandes cidades novos simbolos de poder, ¢ sao eles, gigantescas torres de radio e televisiio, que, hoje em dia, as dominam. O primeiro programa radiofénico regular, na Alemanha, foi para o ar em 29 de outubro de 1923, em Berlim’. Em 1931, 0 pais ocupava o terceiro lugar no mundo, com 28 emissoras, cerca de 4 milhdes de aparelhos de radio e 12 milhdes de ouvintes’. O cinema, naqueles anos, teve uma evolugao vertigi- nosa semelhante. Assim como a invengao da fotografia no século xix transformou radicalmente as condigdes da pintura (Baudelaire foi uma das testemunhas desse Proceso), assim assim também a revolugao da midia exigiu um_ total redimensionamento do papel da literatura e do e escritor. Autores como Brecht e Benjamin se engajaram profundamente nesse processo de transfor- tmagao. Essa “mudanga das estruturas da esfera publica” é uma das principais caracteristicas da cultura da Repiiblica de Weimar e do Terceiro Reich, e uma das contribuig6es fundamentais da Alemanha para a historia da Moder- nidade*. O admiravel avanco tecnolégico, com possibilidades enormes para uma efetiva democratizagao da cultura, coincidiu porém, na Alemanha, com co advento da ditadura. Concomitantemente com o desenvolvimento maximo dos meios de comunicagéo de massa, fracassou a primeira tentativa de sedimentar estruturas republicanas na Alemanha. Nao foi a democracia, mas © fascismo, que deu ao mundo uma demonstragao cabal do poder da nova midia’. Em sintonia engenhosa com eventos esportivos, jogos, manifesta- ges, desfiles, efeitos teatrais - sem esquecer o recurso macigo a violéncia -, 0 aparato da act do Terceiro Reich chegou a exercer um enorme fascinio sobre as massas®. As forgas da pseudomodemizagao, completamente subes- timadas pela intelectualidade de esquerda, venceram: massas. organizadas entusiasmadas puseram abaixo os valores do individuo burgués e da solida- riedade proletaria; a ctitica foi substituida pela publicidade e propaganda; a 2, Joachim Pacch, 1983, “Massenmedien", Weimarer Republik Drines Reich... org. Bormann e Glase,p. at. 3. Niimero dos aparelhos de radio na Alemanha: no inicio de 1924: 1 500; no final de 1924: 500.000; em 1926: { milo; em 1928: 2 mies; em 1937: 8 miles; em 1943: 16 miles. 4. Verlirgen Habermas, 1962, Srukturwandel der Offentichet.No Brasil implantagio da cultura da midin ocorreu pouco depois, nos anos 1930. $5 enti houve também wma ampliago da cultura litriiaalém da dlte (ver Antonio Candido, 1970, “Literatura e Subdeseavolvimento", 1980, “A Revolugao de 1930 ¢2 Cultura”, A Educagdo pela Noite, 1987, pp. 140-162 ¢ 181-198) - diferentemente da Alemanha, onde isso se dew em fins do século XVII, como mosraremas neste capitulo. 5, Sobre aassimilagdoda tecnologia de ponta pea diritaalems, ver Jeffrey Hef, 1990 (1984), £1 Maderismo Reaccionario Tecnologia, cultura ypoltea en Weimar yelTercer Reich. 6. VerJoxeph Wulf, 1989, Kuleur im Drtten Reich, § vos. ‘A Modemidade como Pega de Aprendizagem 244 tarefa do artista, redefinida como a de um especialista em adaptacgao ao espago fecnologico e de um ae ilusbes do novo; a técnica, reduzida ~ Tudo isso aconteceu num pais que produziu uma geragao extraordinaria- mente fecunda de escritotes, intelectuais e artistas, uma concentragdo admiravel de energias cognitivas e de potencial de inovagio. Como foi possivel a derrota dessas forgas, imbuidas do espirito da Ilustragao? Quais os erros capitais que foram cometidos? A procura de erros comegou imediatamente depois da vitoria do regime hitlerista, entre os que fugiram, entre eles’ \também Benjamin. \Eo diagnéstico dos ettos — ao qual se tecorre quando as utopias sio quebradas pela tealidade ~ continuou na historiografia dos anos 1970 e 1980. Um dos estudos exemplares é a antologia otganizada por Thomas Koebner, em 1982, que pesquisa o estado de consciéncia da intelectualidade literaria na fase da grande crise que levou ao “fim de Weimar”. Uma das perguntas basicas é esta: em que medida os escritores da Reptiblica de Weimar tiveram efetivamente parte no processo de democratizagao da cultura? Para respondé-la, é preciso examinar em primeiro lugar a auto-ava- liagdo dos autores, aqui especialmente de Benjamin’. Uma de suas teflexées basicas sobre a critica militante é 0 ensaio “O Autor como Produtor”, ptofetido em 1934 como conferéncia no Instituto de Pesquisas do Fascismo (publicado porém sé em 1966 - 0 que é um indicio da atuagao extrema- mente limitada dos autores exilados)"®. O texto é uma espécie de manifesto tedrico sobre o papel do intelectual critico no processo de produgio". Benjamin apresenta dois conceitos-guia complementares: 0 escritor “atuante” (der operierende Schrifisteller, paradigma: Sérguei Tretiakov) e © pensamento “atuante” (das eingreifende Denken, paradigma: Bertolt Brecht), desenvolvendo a partir dai uma série de reflexées, teses e palayras 7. uso fascista da midia parece uma aplicago conseqUente das teses de Emst Jinger sobre a técnica e a ddominagao; ver Cap. 5 deste estudo (“Culto da Técnica: a Modemidade Fascist’) 8. Weimars Ende, Prognosen und Diagnosen in der deutschen Literatur und poltischen Publizistik 1930-1933, org. Thomas Koebner, 1982. 9. Ver, naantologia de Koebner (1982), artigo de Rolf-Peter Janz, “Das Ende Weimars - aus der Perspektive WBS", pp. 261-270. 10, “Der Autor als Produzent, Ansprache im Institut zum Studium des Fascismus in Paris am 27. April 19347 (U*publicagao: 1966, em Versuche iber Brecht, org. Rolf Tiedemann), GS,ll, 683-701; OE, I, 120-136; FK, 187-201. 11. Umcomentirio detalhado de “O Autor como Prosiutor”, no contexto da critica militant dos exilados alemiaes a intelectunlidade francesa, encontra-se em Chiryssoula Kambas, 1983, WB im Exil. Zum Verhdlinis von Literaturpoliik und Asthetik, pp. 16-80. 282 Fisiognomia da Metrépole Moderna de ordem™. Com todo o impacto persuasivo que elas possam causar (foram entusiasticamente recebidas pelo movimento de protesto de 1968), nao se deve esquecet que, mesmo em 1934, com os escritores democraticos sepa- rados do seu publico, 0. texto ja nao tinha condigdes objetivas de ser “atuante”. Uma tiltima chance, nesse sentido, tinha sido 0 projeto da revista Krise und Kritik (1930-1931), coordenado por Benjamin e Brecht, onde uma elite da intelectualidade alema procurava elaborar reflexdes fundamentais sobre a crise da sociedade e das instituigdes"”: Ora, o projeto fracassou ja na fase preparatéria’*. Em vista disso, é importante reconstituir o perfil do escritor “atuante”. ‘Trata-se de resgatar uma utopia de escritor modero que nao se tealizou, mas chegou perto. Ameta que aqueles intelectuais propuseram - uma Tlustragao para todos, ou seja, uma emancipagio das massas na era da midia - continua como desafio a ser realizado pelos nascidos depois. Examinando as “energias litera- rias” de sua época, Benjamin verifica um “gigantesco processo de refundigao das formas”, O jomal e 0 conjunto da nova midia acarretaram mudangas revoluciondrias na configutagéo dos géneros e nas técnicas de expressio". Benjamin postula que esses recursos novos devem ser utilizados no sentido de uma “solidariedade do especialista [burgués] com o proletariado”"*. Para os textos a serem produzidos, ele se propée a mostrar que “a tendéncia de uma obra literaria s6 pode ser politicamente correta se ela for também literariamente correta””, Em outras palavras: a qualidade emancipatéria do texto ¢ intimamen- te ligada sua qualidade técnica, E 0 conceito de récnica que supera 0 “antagonismo infrutifero entre forma e contetido” ¢ que “torna os produtos literdtios acessiveis a uma andlise imediatamente social, e com isso, a uma analise materialista”. Esse seria o caminho para o autor tomar consciéneia do “seu papel no processo de produgao”. Em vez de set um mero fornecedor 12. Cf. GS, 1, 686; OF, I, 123; FK, 190 ¢ passim. 13. “Memorandum zu der Zeitschrift “Krisis und Kritik’ ", GS, VI, 618-621 ¢ notas dos orgs. 825-828, ~ As alas das discussdes do projeto (Benjamin-Archiv Ts 2468-2493) nao constam dos GS, Sua publicagao esta sendo preparada por Erdmut Wizisla (Bertolt Brecht-Archiv, Berlim), a quem agradego a permissto para consultar esses textos. 14. Sobre o projeto da revista, ver Erdmut Wizisla, 1992, ~ ‘Krise und Kritik’ (1930-1931). WB und das Zeitscheiftenprojeki”, em Aber ein Sturm weht vom Paradiese her. Texte zu WB, orgs. Michael Opitz © Bnihmst Wizsla, pp. 270-302; ¢ antes: Berd Wite, 1976," *Krise und Knitik’. Zur Zusammenarbeit Benjamins mit Brecht in den Jahren 1929 bis 1933", em Peter Gebhardt er al., WB ~ Zeitgenosse der Moderne, pp. 6-36. 1S. _Cf.GS, II, 687; OF, I, 123; FK, 190ss. 16. GS,11, 700; OE, I, 135; FK, 201. 17. GS, 11, 684; OE, 1, 121; FK, 188. Essa é, a0 mesmo tempo, a réplica de Benjamin a eritica lukicsiana da arte de tendéncia” (Tendenzkunsty, ef. Cap. 4/3 ("O critica e os escritores proletarios-revolucionsrios”), ‘A Modemidade como Pega de Aprendizagem 243 Pata 0 aparelho de produgio e distribuigdo, ele procuraria transformé-lo, “adapta-lo aos fins da revolugao proletiria™"®, Na situagao do exilio, tratava-se muitomais de uma declaragao de intengdes que de um. pensamento efetivamente “atuante”; mesmo no tempo da Republica de Weimar, a atuagio tinha sido dificil”. Esse momento utépico, no entanto, faz parte do legado de Benjamin como eritico. Nos anos de crise, 1929 a 1933, ele orientou seu trabalho pelo paradigma do autor “atuante”. Podemos observar uma dupla estratégia: 1. Diante do colapso do tradicional ideal burgués de formagao, Benja- min procuta “recriar a critica como género” e contribuir para o desenvolvi- mento de novas formas de organizagao dos intelectuais”, (Ver suas reflexdes sobre a “Politizago da Intelectualidade” — 1930, e o projeto da revista Krise und Kritik - 1930- 1931!) A idéia era reunir “especialistas burgueses” que “elaborassem um diagnéstico da crise has artes e na ciéncia™”. Os textos deveriam ser “algo fundamentalmente hovo” na literatura alema, “o que dificilmente se deixaria conciliar com as exigéncias da atualidade jomalis- tica"™™. Chama a atengdo, no Programa da revista, que os conceitos de “teflexao basica” e “propaganda” se encontram lado a lado, complementan- do-se ~ pelo visto, uma tentativa de incorporar a ciéncia aos debates Politicos". Por outro lado, Benjamin deixa claro que nao se tratava de “assinar manifestos” e sim de elaborar reflexGes basicas”, Infelizmente, a revista Krise und Kritik nao passou da fase de projeto. Benjamin se retirou no inicio de 1931 da fungao de co-editor, justificando esse Passo em carta a Brecht”. O malogro do projeto documenta a ineapacidade dos especialista’ 1 SE.GS.Il, 866 701; OF, 1, 122¢ 136; FK, 189¢ 201, Fasas teses cram compartthadas por Brecht 19. Sabemos,¢ isso fol abundantemente demonstrado nos ttimos dez anos, na Aleman, que o aparetho bhurgués de producto publicacio pode assinilar uma surpreendente quantidae de temas revoluciendsion, © até mesino propagi-los, sem colocar seriamente em risco sua propria existéncia e a existéncia da clan aus ocontrola.” GS, Il, 692; OF, 128; FK, 194. Benjamin percebe a cocxisténcia de principios de mercado (Ueda de opinido, sem se conformar, poré=, com essa contradigao consitutiva da sociedad burp, 20. Ver Cap. 3 (Weimar Berlim: Formacio Burguesa e Cultura de Massas”), 24. “Poltisierung der Intellizenz", GS, I, 219-225, DCDB, 116-120; sobre Krise und Kritk, ver notas 13 ¢ 14. Ver também Bemd Witte, 1976, WB~ Der intellektuelle als Kritiker, pp. 149-177 22. Carta de Benjamin, de fins de feveriro de 1931, a Bertolt Brecht, Briefe, 521, Note-se que, da lista dos ‘quase trinta presumiveis colaboradores (“Fachmdnner”), nao consta nenhuma mulher, 23. Briefe, $21. 0 conceito benjaminiano de “atualidade”, emborainclua um clcmento jomalistico, nio é 0 Jomulistico;estéfundamentado mama teoria do tempo de atuagao da literatura. (Ver Cap. 7/33 ¢ 73/5, “Acionar os sinais de alarme” e “Ad plures ire”) 24. A revista serviia para propagaro materialism dialtico, através de sua apicasaoa questoes ‘quea propria intelectualidade burguesa reconheceria como senulo de seu interesse”. Briefe, 521. 25. Briefe, 522 26. Carta de Benjamin, de fins de fevereiro de 1931, a Bertolt Brecht, Briefe, $20-522, 264 Fisiognomia da Metropole Moderna em ciéncias humanas de estabelecer um didlogo entre si, na esfera publica. Pelo visto, os intelectuais burgueses de esquerda nao conseguiram superar suas dissidéncias ¢ idiossincrasias, suas falhas e metas elitistas em fungao de umn objetivo maior. Para os “clissicos da Modemidade alema” a tarefa de toma parte ativa na democratizagao da esfera publica era muito mais dificil do que eles imaginaram”. 2, Além do trabalho de conscientizagao junto a intelectualidade burguesa, Benjamin procurou também 0 contato direto com o grande publico. Em ‘comparagao com a sua postura nos anos iniciais da Republica de Weimar - veja-se seu projeto da revista Angelus Novus (1921-1922)* -, ele passou por tum profundo processo de mudanga. Nisso, contam sua experiéncia como: critic militante do Literarische Welt e em outros jomais e revistas, bem como as observagoes feitas na Unido Soviética sobre a cultura proletaria de massas™. Benjamin nao era apenas um teérico. Como se pode ver pelos seus trabalhos tadiofonicos, ele se dedicou, em dezenas de programas, realizados ao longo de varios anos, a uma atuagao ctitico-pedagogica junto ao publico geral, sobretudo junto a ctiangas e adolescentes. Esse desdobramento da teoria em praxis marca uma diferenga decisiva com representantes da Teoria Critica como Adomo e Horkheimer, que permaneceram s6 no campo da teoria,além de descrer numa emancipagao em grande escala”. Na concepgao de Benja- min, 0 esctitor “atuante” tem seu campo de agao na midia. Seus trabalhos “Fadiofonicos 6 comprovam. ss 6.2 Os trebalhos radiofénicos de Benjamin. Dois tipos de popularizagao ‘Uma das principais tarefas da historiografia da cultura da Republica de Weimar consiste em apresentar a teoria e a praxis da midia de autores como Benjamin e Brecht, que deram uma das contribuigées mais originals da 27, Uma discussio das causas do malogro, ¢20 mesmo tempo uma tentativa de resgate, encontra-se no estudo de Erdiint Wizisla, 1992, sobre Krise und Kritik. Sobre o projeto da revista, ver também as anotagoes de Bertolt Brecht, “Entwusf 2u einer Zeitschrift Kritische Blatter’ ", Gesammelte Werke, 18, 1967, pp. 85-87 28 “Ankindigung der Zeitschrift: “Angelus Novas’ ”, GS, Il 241-246; ver Cap. 34 (Crise do intelecwal independente”) 29. VerCap.4 ("Viagem a Moscou..."). 30. Cf Horkieimer e Adore, 1986 (1947), “Kulturindustre. Aufklinung als Massenbetrug”, Dialekvik der “Aufelirung, pp. 128-176. er a has tice ‘AModeridade como Pega de Aprendizagem \ 0 C.OwKt 245 intelectualidade alema para a histéria da Modernidade™. Até 0 inicio dos anos 1980, Benjamin era visto pela critica essencialmente como um teérico, sobretudo em seu relacionamento com Brecht, cuja experimentagao pratica ele teria ajudado a comentar. A descoberta de novos matetiais nos arquivos levou a uma corregao dessa imagem unilateral”. Na verdade, como mostra Sabine Schiller-Lerg (1984), Benjamin dispunha de uma experiéncia pratica em trabalhos radiofénicos que o equiparava perfeitamente a Brecht Uma_ etapa preparatoria eram as atividades de Benjamin como iria expansao da midia™. Benjamin tespondeu ao desafio representado pelos novos tieios, ~ com uma visio integrada das tarefas do escritor e do jomalista™. Tsso faz parte do perfil de toda uma geragao de autores que desmistificou o conceito de literatura, sobretudo o de Dichtung, pondo-a em contato com o cotidiano prosaico. Desde 0 inicio, Benjamin esteve ligado a tevistas de programagao radiofénica, e, em margo de 1927, chegou a vez de ele realizar o seu primeiro programa diante do microfone. Seus contatos com o novo meio se intensi- ficaram, tanto assim que, em 1930, o trabalho para a radio chegou a ser sua atividade principal”. Como autor, critico, moderador, locutor e produtor de emissoes radiofénicas, Benjamin, entre 1927 e 1933, steve presente em mais de oitenta programas™. Um desses trabalhos era uma série radiofénica'sobre a metropole Berlim, inspirada no romance Berlin Alexanderplatz (1929), de Alfred 31. Ver Dieter Wehrle, 1988, Bertolt Brechus mediendsthetische Versuche, com ampla bibliografia; Norbert ‘Bolz, 1990, “Interface: WB", Theorie der neuen Medien, pp. 67-110; Gerhard Wagner, 1992, “Zum Bilde Benjamins. Aspekte seiner medienwissenschafilichen Rezeption in Westeuropa 1980 bis 1990", BFF, 41:170-190, 32, Verocstudo fundamental de Sabine Schiller Lerg, 1984, WB und der Rundfunk, baseado nos materiais dos arquivos da Akademie der Kinste, de Berlim Oriental 33. Ver Tobias Behrens, 1986, Die Enistehung der Massenmedien in Deutschland. Ein Vergleich von Film, Hérfunk und Fernsehen und ein Ausblick auf die neuen Medien. 34. No Trabalhodas Passagens, Benjamin cita uma observagio sobre sewaiter ego Baudelaire, que unia o estilo de um clissico, Racine, com o de um jornalista do Segundo Immpério, GS, 1, 603; FK, 121; OE, Il, 97 35. Schiller-Lerg, pp. 42s. ¢ 48-53, 36. Os trabalhos radiofGnicos de Benjamin sairam nas publicagdes avulsss Drei Hérmodelle (1971) ¢ Au/lé- ‘rung fr Kinder. Rundfunkvortrdge (1983); desta existe uma trad. em castelhano, por Joan Parra, 1987: El Berlin Deménico. Relatos Radiofénicos. - Nos GS, os trabalhos radiofSnicos, com seus subgéneros ¢ as. reflexdestedricas, encontram-se dispersos em virios volumes: “Hénmodelle”, GS, 1V, 627-720, “Rundfunk- ‘geschichten fir Kinder” ¢ “Literarische Rundfunkvortrige”, GS, VIL, 68-249 e 250-294; as conferéncias Tadiofénicas sobre Brecht, Hoffmann, Rcuter ¢ outros estio em "Vortrige und Reden”, GS, Il, 633ss; as reflexes sobre 0 ridio, nas nubricas “Berichte”, GS, IV (“Gesprich mit Ernst Schin”, 548-551), “Kultur- ‘Politische Artikel und Aufsitze”, GS, If (“Theater und Rundfunk", 773-776) ¢ “Geschichten und Novellis- hes”, GS, IV (“Auf die Minute”, 761-763) 246 Fisiognomia da Metropole Moderna Déblin”. A faixa de puiblico eram sobretudo criangas e adolescentes, para os quais Benjamin criou uma série de programas pedagogicos: reportagens sobre o mundo do trabalho, relatos sobre oprimidos, presos e perseguidos, descrigdes de catastrofes etc.”*. Um elemento essencial dessa Aufkldrung fiir Kinder (Ilustragao para criangas) consiste em desenvolver uma imuniza- sao dos ouvintes contra tudo o que é impacto e sensacionalismo, que teforgam a passividade e o consumismo. O autor reconhece a necessidade de fantasias e mitos; eles devem servir para o receptor desenvolver sua petsonalidade, levando-o inclusive a se transformar num produtor de textos”. Além disso, Benjamin criou também programas para adultos; eram concebidos sobretudo como ajuda de orientagao em questoes prati- cas do cotidiano, por exemplo, em como pedir aumento para o chefe”.Em todos esses programas, como também nas apresentagoes literdrias, o objetivo principal nao era o actimulo de informagées, e, sim, a formagao da capacidade de julgar. O ouvinte deveria aprender a discernir entre comportamento “errado” e “certo”, ou seja, entre a obediéntia a apelos mitificadores do poder e uma postura que tornava transparentes as arti- manhas de seus agentes“. A fungao da arte na era da midia, segundo Benjamin e Brecht, é, antes de mais nada, pedagégica’”. Os autores retomam, assim, um dos principais legados da ilustragao e do idealismo alemao, © programa da “Educagao emancipatéria” e “Educagao estética”, proposto por Kant e Schiller". Reto- mar a tradi¢ao significa, para Brecht e Benjamin, tentar salva-la de assimi- 37, “Rundfunkgeschichten fir Kinder”, textos 1 (“Berliner Dialekt”) a 12 (“Fontanes *Wanderungen durch die Mark Brandenburg’ "), GS, VII, 68-145, 38. “Rundfunkgeschichten fir Kinder”, textos 13 (*Hexenprozesse”) a 28 (“Wahre Geschichten von Hunden”), GS, VIL, 146-239, 39. Essas experiéncias praticas fundamentam as observagoes, no Trabalho das Passagens, sobre a “Mitologia ‘da Modemidade” (cf. Cap. 1, “A Metropole como Espaco Imagético”); tambem fazem parte da utopia ‘benjaminiana de wma arte e literatura realizada por todos 40. “Gchaltserhidhung?! Wo denken Sie hin!” GS, IV, 629-640. 41, Benjamin tentou transportar para oridioa forca desmitificadors do conto de fadas; ef, “Der Er Narrador”), GS, If, 457s, P, 75s, OE, 1,2148. Na proporgao de sua influéncia ctescente, o ridio merceewa atengio especial da censura. A partir de 1932 tomaramn-se cada vez mais fortes as tentativas dos nacional- socialistas de se assenhorarem do novo meio de communicagao. Em 29 de janeiro de 1933, na véspera da ‘nomeagio de Hitler para Chanceler do Reich, Benjamin se apresentou diante do microfone pela tltima ver 42, Vera teoria do radio de Brecht (1927-32), em Gesammelte Werke , vol. 18, 1967, pp. 119-134, sobretudo “Der Rundfunk als Kommunikationsapparat”, pp. 127-134. 43. Immanuel Kant (1784), “Beantwortung der Frage: Was ist Aufkinung?", Werke, vol. 11, 1968, pp.51-61 Friedrich Schiller (1784), “Die Schaubithne als eine moralische Anstalt betrachtet” (1795), e “Uber die Asthetische Erziehung des Menschen”, Schriften zum Theater (1954), pp. 7-18 e pp. 259-375 respectiva- mente; A Educagdo Estética do Homem, rad, Roberto Schwarz e Marcio Suzuki, 1989. ‘AModernidade como Pega de Aprendizagem 247 lagées falsificadoras. Sob a égide de um Estado autoritario, o programa humanista do idealismo alemo tinha-se deteriorado, ao longo do século xIx, em retorica e rotina. Com o abalo desse sistema, na guerra de 1914-1918, e a nova experiéncia republicana, juntamente com a expansio da midia e a atuagao de uma intelectualidade democratica, abriam-se novas perspectivas emacipatorias. As tentativas de Benjamin e Brecht visavam transformar a massa amorfa em “ptblico consciente” e em “coletividades responsaveis™*. Tal era, em termos genéricos, o horizonte de expectativa e a intengio pedagégica dos dois autores e de seus colegas mais proximos. Esse programa encontrou sua formulagao tedrica e expressao pratica mais conhecida na concepgao brechtiana da pega didatica’’. Esse género surgiu por volta de 1930, como resultado das experimentagées brechtianas com formas do teatro épico’”. Na época, Brecht escreveu um repertério basico de seis pegas diditicas, que de la para cé tiveram ampla difusio nos meios teatrais e pedagdgicos e chegaram a ser avaliadas pelo proprio autor, no fim de sua vida, como “a forma do teatro do futuro™*, Desde que conheceu Brecht, em 1929, Benjamin acompanhou de perto a experimenta- go literaria e teatral desse autor e sua estratégia de publicagdo. Nas duas versdes do ensaio “O Que é o Teatro Epico?”, discute detalhadamente os Pressupostos e procedimentos da pedagogia brechtiana, identificando-se com ela”. Ao contrario da visio tradicional burguesa ~ e da “est teatral do fascismo” - Brecht nao concebeu o teatro como um espago magico ctiador de ilusées, mas como um laboratério para artanjos experimentais e testes de comportamentos sociais. Tudo o que é irracional e obscuro, em termos de postura e ago individual ou grupal, é suscetivel de ser exposto a luz. Por meio dos procedimentos de ruptura, fragmentagao e distanciamento, 44. “Em cada época ¢ preciso tentar de novo resgatar a tradigao contra 0 conformismo prestes a apoxlerar-se dela”, declara Benjamin em Thesen, 6: GS, 1, 695; OE, I, 224; FK, 156, 45. Cf. *Reflexionen zum Rundfunk” ("Reflexes sobre o Radio"), GS, Il, 1506s; ¢ “Was ist das epische ‘Theater? (1), GS, Il, 528; OF, 87; FK, 209. 46. VerReiner Steinweg (1972), Das Lehrstiick. Brechis Theorie einer politisch-dsthetischen Erziehung, 2ed., 1976, com apresentacao cronolégica das fontes, isto ¢, das observagées de Brecht e seus colaboradores sobre ‘a pega diditica; ver também Ingrid Dormien Koudela, 1991, Brecht: Um Jogo de Aprendizagem 47. Sobre aimportincia da pega didatica na obra teatral de Brecht, ver Jan Knopf, 1980, Brecht- Handbuch, vol. 1: Theater, pp. 417-424. 48. Bertolt Brecht, Die Mabnahme, ed. critica Reiner Steinweg, 1972, p. 265. 49. “Was ist das epische Theater? Fine Studie zu Brecht", I? versdo, eserita ¢ censurada em 1931, publicada sSomente em 1966: GS, II, 519-531, OE, I, 78-90, FK, 202-212; "Was ist das epische Theater?”, 2? versio, escrita e publicada em 1939: GS, Il, $32-539, FK, 212-218. As observagies seguintes sobre o teatro de Brecht baseiam-se sobretndo nesses dois ensaios de Benjamin. 248 Fisiognomia da Metrépole Modema totna-se possivel isolar de um conjunto complexo e difuso 0 gestus, que éa meno unidade de atuagao social”. O novo meio de conhecimento, que torna transparentes os comportamentos tipicos cotidianos, é 0 assim chamado efeito de estranhamento ou efeito V (Verfremdungseffekt)’'. E. uma espécie de intervengdo cinirgica na realidade, permitindo retirar ou “citar”, para fins de exame, qualquer unidade significativa da massa viva do organismo social. Dominar essas técnicas, no entender de Brecht, requet uma pratica conside- ravel; tanto assim que, no limite, o pleno aproveitamento da pega didatica no é experimentado pelo publico, mas pelos atores. Conseqiientemente, Brecht chegou a propor uma denominagio diferente pata a pega didatica, chamando-a de “pega de aprendizagem” (Lernstiick)”. A peca didatica ou pega de aprendizagem brechtiana correspondem, na obra de Benjamin, os modelos radiofénicos. Com efeito, Benjamin transpés varios procedimentos da experimentagao teatral de Brecht para o novo meio do radio®. Antes de demonstra-lo num modelo concreto ~ a radiopega “O que os Alemaes Liam, enquanto Seus Classicos Escreviam”, de 1932 - é preciso esclarecer uma distingao fundamental, que se encontra num adendo tedrico a pega, intitulado “Dois Tipos de Popularizagio”™. Benjamin expée ali suas idéias sobre a transmissao do saber para o grande puiblico. O ponto de pattida de suas reflexées ¢ a popularizagao de estilo tradicional, a qual ele contrapoe uma forma nova e revolucionaria de educagao popular. © tipo 1 de popularizagao consiste em fazer uma selegdo de “um conhecimento cientifico consolidado e aprovado” e - seguindo o principio da “eliminagao dos pensamentos mais dificeis” - apresentar ao publicouma versio simplificada; jé que este é supostamente incapaz de compreender questées mais complexas®. Esse tipo de popularizagao trabalha com o 50. Sobre o gestus, ver Willi Bolle, 1976, “A Linguagem Gestual no Teatro de Brecht”, Lingua e Literatura, (5): 393-410. 3 51. Brecht, “Kurze Beschreibung einer neuen Technik der Schauspielkunst, die einen. Verfremdungseffekt hervorbringt", Gesammeite Werke, vol. 15, pp. 341-358, 52. Na versio inglesa de sua teoria da pega diditica (1935), Brecht usa o termo learning play, “que di maior énfase a atividade dos participantes do que o termo alemao Lehrsuick”, Steinweg, 1976, p. 83. 53. _Apesarde existitem diferengas de detalhe entre os modelos radiofinicos de Benjamin e as pegas diditicas de Brecht (ver Schilles-Lerg, 1984, pp. 201ss), sublinhamos aqui o que ha de comum no espirito desses dois. inovadores. Pela mesma razao, nao seguimos a risca a distingao estabelecida entre “modelos radiofénicos™ (Hérmodelle) eposas radiofenicas” (Hérspiele), Schiller-Lerg, pp. 193ss. Consideramos a “radiopega”“O que os Alemies Liam...” lambém como “modelo radiofonico”, inclusive para acentuar a analogia com os “modelos teatrais” (Theatermodelle) de Brecht. 54, “Zweierlei Volkstiimlichkeit. Grundsitzliches zu einem Horspiel” (1932), GS, 1V, 671-673; DCDA, 85s. 55. GS,1V 671s, DGDB, 85. ‘A Mdemidade como Peca de Aprendizagem 249 Pressuposto basico de uma dicotomia entre os que sabem, os que tém a competéncia e administram o saber, € os outros, que nao sabem ou pouco sabem, nao tém competéncia especifica e sio eternos teceptores - nunca produtores - do saber. Dessa forma, a separagao entre produtores e recep- tores do saber é mantida para sempre. © tipo 2 de populatizagao é definido por Benjamin da seguinte maneira: “Nao apenas o saber ¢ dirigido para a esfera publica, mas ao mesmo tempo esta é orientada em diregao ao saber”. Isso significa que o interesse pelo assunto e o tipo de enfoque partem da esfera publica. O saber é organizado em fungao das necessidades do publico, que reconhece as questées tratadas como suas. S6 assim se pode falar apropriadamente em socializagao e democratizagao do saber. O especialista, sem precisar negar seu tipo de formagao e suas motivagées e indagagdes proprias, teria de ter abertura de espirito e receptividade para as necessidades da comunidade. Assim é possivel elaborar um tipo de conhecimento novo, “que possa cativar ao mesmo tempo o especialista e o leigo, embora por razGes diferentes”. Esse modo de produgao e transmissdo de saber implica, como esclarece Benjamin, novas pesquisas e experimentagdes no campo dos géneros”, Quem atua com o tipo 2 de popularizagao teria de ter a disponibilidade do autor e ator de pegas didaticas, reconhecendo que, no fundo, ele é um aprendiz. 6.3 Desencontro entre os grandes escritores e 0 puiblico. Eram os mediadores a Voz da llustrago? A radiopega de Benjamin, “O que os Alemaes Liam, enquanto Seus Classicos Escreviam"™ tem caratet de modelo, assim como certas monta- gens teatrais de Brecht, consideradas exemplares pelo dramaturgo e regis- tradas em “livros-modelo” (por exemplo: 0 “modelo-Antigone”). Escrita e irradiada em 1932, nas vésperas da dominagao nazista, a pega expde um problema grave na vida cultural da nagao: o desencontro entre os autores classicos e 0 piblico para o qual supostamente escreviam. Metodologica- 56. GS,IV 672; DCDB, 86, 57. “A popularizagio [..] tomou-se uma tarefa com leis proprias de formas e péneros.” GS, 1V 671; DCDB, 85. 58. “Was die Deutschen lasen, wahrend ihe Klassiker schrieben”, GS, IV, 641-670, trad. Willi Bolle, 1986, DCDB, 63-84. 250 Fisiognomia da Metropole Modema. mente falando, o texto de Benjamin foi pioneiro, como se pode ver pela evolugao da historia social da arte e da literatura, da sociologia do publico, da estética da recepgao e da divulgagao da literatura. (O elemento sociol6- gico esta presente, hoje em dia, nao sé na tentativa de compreender os textos do passado em sua interag4o. com processos histérico-culturais, mas também na forma de sua apresentagao; predominam os trabalhos de equipe e as edigdes de bolso®.) Quanto ao tema, a tese benjaminiana do desencontro entre os classics e o seu publico é confirmada pela historia literdria atual. Para tealgar o valor modelar da mencionada radiopega, ela sera analisada aqui em comparagao com estudos mais recentes sobre a historia social da literatura”. ‘Aradiopega pode set entendida também como uma alegoria da situa gao dos escritores criticos na fase final da Republica de Weimar”. Com efeito, assim como, entre 1789 e 1800, os classicos de Weimar, Goethe e Schiller, ndo provocaram nenhuma transformagao maior no publico de sua época, também os “classicos da Modernidade”, como Brecht e Benjamin - apesar do grau muito maior de politizagao de seus textos e do publico -, nao conseguiram moldar de maneira decisiva a fisionomia politico-cultural do seu povo. Nao conseguiram impedir, com seus escritos, que as massas sucumbissem demagogia e optassem pela ditadura. O derradeiro ato do desencontro entre os classicos alemaes da Modernidade e seu povo foram o exilio e a queima de suas obras em praga publica”. Mas, voltando a época representada na radiopega: como ¢ que se configurou o desencontro a que se refere o titulo? A pega propoe ~ “em estreito contato com as pesquisas recentes sobre a sociologia do publico” - compreender a época a partir da “conversa literaria daqueles dias™". O ouvinte leitor é introduzido a dois circulos literarios por volta de 1790/1800, época da mais intensa inter-relagio entre Ilustragao, Classicismo e Roman- tismo. Nesses grupos, se discutem novidades literdrias, artigos de jornal e 59. Amold Hauser, 1953, Sozialgeschichte der Kunst und Literatur, 2 vols; Nirgen Habermas, 1962, Struktur- ‘randel der Offenlichket, Rezeptionssthetik. Theorie und Praxis, org. Rainer Waring, 1975. Sobre @ divulgagao de literatura, ver também nota 141 G. Porexemplo, Deutsche Literatur. Eine Sovilgeschicht, org. Horst Albert Glaser, 10 vos.,1980ss. Gi. Em sepuida, ecorreremos com freqGncia 20 vol. 5 da histéra teria org. por H. A. Glaser: Zwischen Revolution und Restauration: Klassik~ Romantik. 1786-1815 (1980), cit: Klassik— Romantik (1980). 62. Sobre esse periodo, ver Weimars Ende, org. Thomas Koebner, 1982 Ver "Das warein Vorspiel nur..”. Berliner Colloquium zur Literaurpolitikim“Driten Reich”, orgs. Horst Denier e Eberhard Lammert, 1985. “Zwvierlei Volkstmlichkeit", GS, 1V, 673; DCDB, 86. ‘A Modemidade como Pega de Aprendizagem 251 polémicas, censura, comércio e prego de livros, questées pedagégicas e de formagao e, naturalmente, as idéias dos autores. Entrando numa cafeteria berlinense, travamos conhecimento com 0 circulo em torno do editor Johann Friedrich Unger, que publicou, entre outros, Goethe, Schiller e Friedrich Schlegel. Ao seu lado, temos o escritor e diretor de colégio Karl Philipp Moritz e o pastor Grunelius, personagem inventado que representa a posigao do clero; e ainda dois escritores anénimos, tipicos, denominados Primeiro e Segundo Literato, representando respectivamente a “Voz da Ilustragao” e a “Voz do Romantismo”. O segundo grupo que encontramos na peca esta reunido cinco anos mais tarde na bodega de um livreiro em Leipzig, cidade da Feira do Livro®. Além de Unger e dos dois literatos, esto presentes o ator e dramaturgo popular August Wilhelm Iffland e o livreiro suigo Heinz- mann, personagem inventado, que defende uma Ilustragao pratica. Ambos 9s citculos, compostos por escritores e dramatutgos, editores e livreiros, pedagogos e atores, constituem um modelo da instituigao dos mediadores cultutais. No seu tipo de atuagao encontra-se - como seri mostrado em seguida ~ acchave pata a compreensao do desencontro entre os clissicos e o ptiblico®. O contato entre a época retratada e o ouvinte de 1932 é estabelecido no comego, no fim e na mudanga de cena pelo Locutor, espécie de alter ego do critico autor da pega. Sua fungao principal consiste em entrevistar trés Personagens especiais, trés figuras histéricas que sustentam a pega: a Voz da Tlustragao, a Voz do Romantismo e a Voz do Século xIx. Esta representa a Cultura Média, fazendo a ponte entre a época representada e a era do radio, meio especialmente apropriado para a apresentagao de Vozes. Estas sio entidades que transcendem o individuo, estilos de época, “grandes” projetos literatios e culturais, que se manifestam no cotidiano por falas individuali- zadas de personagens comuns. Os sintomas de desencontro entre os autotes classicos alemaes e os leitores seus contemporaneos so observados pelo livreito Heinzmann: 65. Com Berlim e Leipzig estio epresentados dois dos cinco centrosliterazios da Alemanha da época; 0s outros ‘eram Weimar, lena ¢~ Mogiincia (Mainz), onde a ocupagao pelastropas da Revolugao Francesa, em 1792, {nstaurou um regime republicano. Ver Gisber Lepper, “Literaritche Otfenilichkeit~lierarisehe Zentren", em Klassik - Romantik (1980), pp. 58-73, 66. No fragmento “Programm derliterarischen Kritik” (ca. 1929/1930), Benjamin caracteriza a sociologia dos Jeitores alemes em termos de uma dicotomia entre “o piblico”e “os ctculos":“O pablico’ vé a literatura ‘como um instrunento de entretenimento, de foment ou aprofundamento da sociabilidade, de diversio no ‘sentido alto baixo. Os ‘irculos’ véem na literatura os livros da vida, as fonts da sabedora, os statutos de seus ceniculos onde procuram a bem-aventuranga. Até agora, a critica - muito erroneamente - s6 se ‘ccupou das questdes do ‘priblico’.” GS, VI, 161. Essa dicotomnia € tematizada pela radiopesa. 252 Fisiognomia da Metropole Moderna senhor tem de considerar o piiblico tal como é. senhor sabe muito bem que ha vinte anos ndo perco uma Feira de Livros. Nessas ocasides, encontra-se muita gente e também se ouve uma série de coisas nio destinadas para o piblico. O senhor sabe quantos assinantes Géschen conseguiu para a edigao de Goethe que ele publicou entre 87 e 90? Peguei os niimeros com 0 proprio. Seiscentos. Quanto as edigdes de obras isoladas, parece que a vendagem era ainda pior. Da Ifigénia e do Egmont, trezentos exemplares, sem falar do Clavigo ou do Gérz". Metodologicamente falando, esses mimeros de vendagem de obras clissicas sinalizam a introdugao de dados e questées materiais na historiografia literdtia, desafiando as convencionais explicagdes idealistas™. A falta de interesse do puiblico pelos classicos é comprovada também pelas informa- ges fornecidas por Heinzmann sobre as bibliotecas circulantes: Na viagem para ca, fiz escala em Kreuznach. L, meu amigo Kehr se estabeleceu no ano passado com uma biblioteca circulante: Schiller, Goethe, Lessing, Klopstock, Wieland, Gellert, Wagner, Kleist, Hélty, Matthisson, etc. Pois é, ninguém quer ler esses autores: Confirma-se o dito de Birger, que distingue entre leituras do piiblico elevado e leituras da plebe®. Essas informagées factuais da radiopega sio confirmadas pela historia literdria mais tecente”. O piblico nao mostra pelos classicos o menor interesse - é um fato que deve ser levado a sério pela historia da cultura. Como o livreito Heinzmann se comporta nesta situagao? Ele recorre a uma explicagao em forma de trocadilho, opondo 0 Publikum ao Poblikum, ou seja, 0 piblico “seleto, sétio e criterioso”, a uma plebe de leitores “incultos e ignorantes”. Tal postura ndo é uma solugao, mas ¢ ela propria um dos dados do problema. E um claro indicio de que a questao do desencontro cultural nao se limita aos produtotes e receptores (autores e obras, tipos de publico), mas que boa parte da responsabilidade cabe aos mediadores”’. (O primeiro dos dois quadros da pega é organizado em torno da Voz da 67. GS,1V, 666s; DCDB, 81 Cf.W. Benjamin, “Fragment dber Methodenfragen ciner marxistischen Literatur-Analyse”, Kursbuch, 20 Ober dsthetische Fragen, 1970. ©. G5,1V, 667; DCDB, 81. 70. CE. Klassik-~ Romantik (1980), Peter Schmidt informa: “Entre antsiae sociedade, entre esertor e publica youve uma profunda ruptura, que nao 6 caraceriza omercado iteriro, mas foi essencialmentedeterminada ¢ causada por ee” ("Buchmark, Verlagswesen, Zeitschriften”, pp. 74-92, cit: p. 74). Marion Beaujean ‘Stosnva: "Fea em aberto a pergunta: por que justamente agora se abre oabismo entre ieraturareconhecida ‘Calleitura de massas” (“Fraven-, Familien-, Abenteuer- und Schauerroman”, pp. 216-228, cit. p. 228). 71. Observar, ao longo desta anlise, 08 termos nos quais os mediadores se referem a0 publica. ‘A Modemidade como Pega de Aprendizagem 253 Tlustragao. Na entrevista com o Locutor, ela se apresenta como sendo de origem revolucionéria, tendo nascido em 1789, com a tomada da Bastilha. Ja na Alemanha, ela atua de modo diferente, “numa de centenas de fi; iguras possiveis”: como “a voz do grande filésofo Immanuel Kant ou a do pequeno literato Merckel, a voz do médico judeu Marcus Herz ou a do chato e espalhafatoso Nicolai”; ou também como “a voz de um professor qual- quer””. Procurando saber o que a Ilustragdo trouxe efetivamente para as pessoas, o Locutor trava com ela o seguinte didlogo: LOCUTOR Eo que vocé trouxe para as pessoas? VOZDAILUSTRACAO __Iustiga e cultura ao alcance de todos. LOCUTOR _ De todos? Vocé fala evidentemente em sentido figurado. VOZDAILUSTRAGAO Como assim? LOCUTOR 0s livros de seus amigos custam caro [...]”. Pela justaposigao dos ideais propagados pela Ilustragio e o dado Ptosaico do prego dos livros - a Histéria da Guerra de Trinta Anos, de Schiller, custa 18 marcos, e a edigéo, de 1790, das obras de Goethe, 57 marcos -, ctia-se um choque entre as elevadas intengdes humanisticas ¢ as contingéncias materiais, suscitando no ouvinte a pergunta: quem é que tem. condigdes de participar da “vida cultural"? Esta técnica de montagens constrastivas provocadoras de questionamentos é usada no modelo radiof6- nico do comego ao fim. As contradigées e os equivocos da Aufkldrung sio expressas de modo mais evidente pela figura do escritor e mestre-escola Karl Philipp Moritz (1756-1793). Autor do autobiografico Anton Reiser (1785-1790), um dos Precursores do romance alemao de formagao, Moritz viveu, como o seu Protagonista, a ascenso social, de um meio pobte para uma posigdo na burguesia média”. Ora, quando ele, j4 como diretor de colégio, é confron- 72, GS;IV, 643s; DCDB, 64s. Com essa apresentagio, Benjamin acentua a defasagem da Alemanha em relagao 4 Franga: li, a Filosofia das Luzes atuou diretamente sobre a vida politica, preparando a Revolugo; aqui, a Aufklrung teve um papel bem mais reduzido. O anticlimax, do “grande fildsofo” até 0 “pequenoliterato”, contém, além da ironia, também uma fimcio cognitiva: Benjamin investiga o que a Aufeldrung significa na historia cotidiana, 73. GS,1V, 643; DCDB, 64. 74, Cf: “Livros eram extremamente caros.” “Bibliotecas publicas praticamente nao existiam.” Alberto Martino ‘© Marlies Stitzel-Prsener, "Publikumsschichten, Lesegescllschaften und Leihbibliotheken”, em Klassik — Romantik (1980), pp. 45-57, cit: p. 53. 7 75. Oénero autobiogrifico ¢ o romance de formagio sio tratados com destaque, como mostramas referencias 0 Anton Reiser, de Moritz; a Levana, de Jean Paul; ¢ a Der arme Mann im Tockenburg, de Ulrich Beaker 254 Fisiognomia da Metropole Modema tado com um grupo de meninos pobres que cantam na rua para garantir sua subsisténcia (Kurrendejungen), manifesta-se uma total incongruéncia entre a experiéncia social de Moritz e sua postura pedagégica. Diante desses menotes abandonados, cuja condigao conheceu na propria pele, a atitude de Motitz nao vai além de um sentimentalismo vago e inoperante”*. Nao é para eles que se volta sua obra pedagégica, mas sua Légica para criangas se destina as criangas “das familias mais respeitadas””. Também como professor de literatura, Moritz se mostra incapaz de contribuir para o didlogo entre as “obras sérias” - aprovadas pelo “puiblico culto” e de leitura obrigatéria na escola - os livros que suscitam esponta- neamente o interesse dos jovens™. Comprova-o o episédio do aluno sur- preendido por ele na aula de grego, lendo debaixo da carteira um “glfarrabio””. Em tom de indignagao e denuncia, Moritz exibe diante de seus interlocutores a obra nefasta: a Biografia dos Loucos (1785), de Christian Heinrich Spie8 (1755-1799). Ocorre que todos os ilustres presentes sedebrugam sobre o livro de SpieS com a maxima curiosidade, sem deixar de reiterar a todo momento seu desptezo e sua repulsa por essa “porcaria”. Um flagrante da hipocrisia dos mediadores. Leituras clandestinas sao transformadas em tabus, quando poderiain set aproveitadas para um diélogo com uma genuina necessi- dade de saber™. Quando o grupo debate questdes de censura™, percebe-se que ha pouca diferenga entre a posigao francamente reacionaria do Pastor e a Tlustragao equivocada e classista de Moritz. O unico a se posicionar categoricamente contra é o Primeio Literato: “E a censura que priva o publico dos escritos honestos e proveitosos e ditige sua curiosidade e seu prazer de leitura para os especuladores mais velhacos”. Todos os demais justificam a censura de (GS, 1V, 659s € 663s, DCDB, 75s ¢ 78s). 76. Cf. GS, 1V, 645s; DCDB, 66. 71. GS,1V, 654; DCDB, 72. 78. Ver, como complemento a0 episédio seguinte, a apresentagao que Benjamin faz de suas leituras de adolescéncia m Berliner Kindheit..lnfincia em Berlim..: “Schioker” ¢ “Knabenbiicher", GS, 1V, 2745, GS, VIL, 396s; OE, Il, 113s; ele também fala do conflito entre leituras obrigatérias ¢ espontineas: “Schiilerbiblicthek”, GS, IV, 276-278, OE, It 114-116. G5, 1V, 649; DCDB, ©. [Num programa radiof@nico infantil sobre Cagliosiro, Benjamin pergunta por que o grande charlatao teve tanto sucesso justamente na época “esclareeida” da Ihistragao. Sua explicagio: a convicgao de que 0 sobrenatural nio existe fez com que as pessoas subestimassem as artimanhas do prestidigitador, que soube ‘envolvé-las na ilusio do sobrenatural. © autor advoga “menos convicgio © mais observacio". Aufkldrung fiir Kinder, 138s © VI, 194. 81, GS,1V, 6535; DCDB, 713. 83 ‘A Modemidade como Paga de Aprendizager 255 uma ou de outra maneira: o editor Unger acha que nao vale a pena discutir pot causa de tais “questitinculas”; © escritor Moritz argumenta que “os censores também precisam viver”, manifestando sua empatia com “esse ganha-pio nada facil”; e o Pastor, como representante da Anti-Ilustragao clerical, justifica plenamente a censura e a circulagao restrita dos meios de informagio, porque so assim se poderia lutar com algun éxito contra a “terrivel epidemia de leitura” que estaria assolando o pais: ‘Mas afinal, meu carissimo, 0 senhor nao vai querer ver os jomais na mao do puiblico inculto. [...] Olhe, como pastor, estou muito mais apto do que qualquer outra pessoa a ter uma visio de conjunto da terrivel epidemia de leitura que tomou conta do nosso piiblico, e quanto ‘mais incultas as pessoas, mais desesperado o seu caso, Hoje em dia, véem-se leitores em lugares onde, vinte anos atrés, ninguém sequer pensava em livro. [..] A moga burguesa, cujo lugar certo seriana cozinha, esta lendo no corredor o seu Schiller e Goethe, e a desnaturada mosa camponesa troca a roga pelos espetculos de Kotzebue. Meu caro irmio, o Pastor Superintendente da Corte, Sr. Reinhard, tem toda razio quando diz que a falta de felicidade no lar, sobre a qual se ouvem tantas queixas agora, é resultado dessa terrivel epidemia de leitura®?. Qual ¢, afinal, o legado da Ilustragao que a pega apresenta ao leitor? Estamos longe da Ilustragao nascida na Bastilha e da Aufklirung de um Kant ou Lessing, que militavam contra a tutela do cidadao pelos donos do poder”. Se as posturas do Aufklarer Moritz fossem representativas do comportamento das camadas cultas na Alemanha, teriamos ali o quadro de uma mediago cultural realizada exclusivamente “de cima”, ou seja,o tipo 1 de popularizagao. ‘Uma mistura de idealismo e pensamento privilegiado, que nao visa, de forma alguma, a colocar “a justica e a cultura ao alcance de todos”. E uma Ilustragao de cfrculos de notaveis. Ela passa ao largo das questées politicas e sociais candentes, neutralizando todos os conflitos™. Diante dos materiais apresenta- 82. G5,1V, 652; DCDB, 70s. Cf. a mesma passagem em Martino e Stitzel-Priisener, Klassik ~ Romantik (1980), 48: "Naoé nenhuma novidade, entre os fatos que observamos com desgosto, que a filha de familia burguesa, (que nés prefeririamos ver na cozinha, esteja ldo no comedor 0 seu Goethe ou Schiller, e que a desnaturada ‘moga camponesa troque a ro¢a que ela odeia pelos espeticuilos de Kotzebue”. A fonte ¢ um artigo intitulado “Beobachtende Blicke auf Leihbibliotheken und Lesecirkel”, publicado nos Sclilesische Provinzialblaiter, de 1806, E uma amostra de que a reconstruc de um assunto tao “superficial” comoa conversa literiria de uma época exige “notiveis esforgos de pesquisa nas fontes” (ef. GS, 1V, 673; DCDB, 86) 83. Cf, Immanuel Kant (1784), “Was ist Aufklanang?” - ver nota 43. 84. Lembrando a critica de Friedrich Schlegel ao “Aufklirungsberlinism”, Gisbert Lepper (em Klassik ~ ‘Romantik, 1980, pp. 69s) comenta: “O que ele quer apontar, éa Hustragio dos honoriveis, como a pratica © editor Nicolai com sua revista de resenhas Allgemeine deutsche Bibliothek, - além dos grupos dos quais cle faz parte [..J. A composicao esquisita do circulo de honoriveis provavelmente se explica assim: os ‘senhores ministros no tém nada contra Ilustragio enquanto assunto dos eruditos - contanto que os pastores nia divulguem”. 256 Fisiognomia da Metrépole Moderna dos, o ouvintefleitor é levado a se perguntar se a heranga historica de maior peso consistiu em 150 anos de Ilustragao ou de Anti-Iustragao. 6.4 Revolugao literaria ou explosao do mercado editorial? AVoz do Romantismo “Desde que o mundo existe”, escreve Johann Georg Heinzmann em 1795, em Appell an meine Nation, “nao ocorreram fendmenos to singulares como a Revolugao na Franga e a leitura de romances na Alemanha™*. De fato, na Alemanha de fins do século xvull, a revolugao politica que nao aconteceu, foi, por assim dizer, compensada por uma “revolugao literéria”. Essa tese pode ser identificada na radiopega de Benjamin e é corroborada por diversos estudos de historia literaria mais recentes™. Como introdugao ao segundo quadro da pega, organizado em torno da Voz do Romantismo, 0 Locutor caracteriza a situagdo socioeconémica da Alemanha em torno de 1800, derivando, a partir dai, elementos da mentalidade do povo e da produgao literatia: © cidadio alemao ainda vivia quase inteiramente sob 0 signo da manufatura, da industria caseirae da agricultura: tudo o que era necessario ou quase tudo era produzido dentro daesfera doméstica. Dai a estreiteza do campo de visio, o fechamento psicologico, a lerdeza intelectual, mas também uma calorosa intimidade e nobre auto-suficiéncia. Trés quartos da populagao viviam no campo, mas mesmo a maioria das cidades nao era muito mais que grandes aldeias, cidades agrérias; nao havia grandes cidades do tipo Paris, Londres ou Roma. [...] Por toda essa forma de vida, o homem daquela época era incentivado a inventar fantasias e construir castelos no ar, do mesmo modo como hoje em dia esta impedido de fazé-lo. A partir dessa situag3o nasceu a época classica da literatura alema. Enquanto 0s outros corriam e suavam, Inglaterra carregando barras de ouro e sacos de especiarias, a América do Norte comegando a transformar-se no truste gigantesco e monétono que ¢ hoje, a Franga estabelecendo as bases politicas para a vitGria da burguesia no continente europeu ~ enquanto tudo isso ocorria, a ‘Alemanha dormiu um sono honesto, sadio e reconfortante™”. 85, _J.G.Heinzmann, cit. por Martino e Stitzel-Priisener, em Klassik - Romantik (1980), p. 57. 86. Cf. Rolf Engelsing, 1973, Analphabetentum und Lektire. Zur Sovialgeschichte des Lesens in Deutschland ‘wischen feudaler und industrieller Gesellschaft, © 1974, Der Biirger als Leser. Lesergeschichte in ‘Deutschland 1500-1800. Para ele, a “Revolusao de leitura” (Leserevolution) consiste “na passagem da {eitura intensiva - leitura repetida de um livro \inico ou de um miimero pequeno de livros, geralmente de ‘conteido religioso ou moral - para leitura nica de livros mumeroses, geralmente profannos”. Martino ¢ ‘StOtzel-Prisener, p.45. 87, GS, IV, 657s; DCDB, 74s. ‘AModemidade como Pega de Aprendizagem 257 Combinam com esse quadro as observagdes de uma viajante da época, Mme. de Staél. Na Alemanha do inicio do século x1x, ela constata uma falta de coesio social e de “espirito piblico”. A esfera publica é constituida por uma casta de pessoas “cultas”. O trabalho dos escritotes e filésofos se realiza de maneira individualista e isolada, e a formagao do homem publico por meio do amplo debate de questdes politicas e sociais é substituida pelo ideal restrito de uma “reptiblica das Letras”. Uma amostra desses citculos de letrados nos é ofetecida na radiopega®. Num dado motnento irrompe ali a Voz do Romantismo, através de uma agio do Segundo Literato, que sur- Preende © provoca os “ilustrados” com uma pilha de livros: ““Almanaque Alemdo das Musas, Almanaque para Almas Nobres, Calendério das Musas © Gragas, Calendério Genealégico dos principes de Braunschweig-Liine- burg, Almanaque para Amantes da Satide, Almanaque Eclesidstico-Heréti- co, Manual de Jogos Sociais, Almanaque para Criancas ¢ Adolescentes, Almanaque para o Incentivo da Felicidade Doméstica”™. A teago dos ilustres mediadores de cultura é de indignada recusa e vituperagio: “coisa do diabo", “tudo ¢ fragmento, aparéncia, engodo”. A cena funciona como introdugio ao tipo 2 de populatizagio, a que “orienta o publico em diregao ao saber”. De fato, é a primeira vez que vem 4 tona a grande “figura secreta” da pega: 0 piiblico comum. Até aqui, nto teve voz direta, s6 apareceu nas frestas do discurso dos mediadores, que Planam acima da massa dos leitores “incultos” (das ungebildete Publikum, die einfachen Leute, das Volk) e emitem seus juizos de valores em conso- nancia com “a parte melhor do piblico” (das gebildete Publikum, die besten Hauser, das bessere Publikum). Como se vé, atrés do Publikum surge © POblikum, insténcia incémoda e imprevisivel que, na forma de uma “terrivel epidemia de leitura”, assusta o pastor Grunelius e nao poucos membros da camada culta, como se vé pelas queixas dos jomais e revistas da época”. Em que medida é justificado falar em “revolugio da leitura"? Rudolf Schenda (Volk ohne Buch, 1970) levantou essa petgunta, tendo em vista os Net Germaine de Stabl (1809), De Allemagne, comentada por Gisbert Lepper, “Literarische Offentlich- eit", em Klassik ~ Romantik (1980), p. 58s, Sobre o¢circulos literirios, ver nota 66. GS,1V, 647; DCDB, 67, GS, 1V, 672; DCDB, 86; cf. o seem. 2 deste Cap, Sobre democratizagio da leiturano fim da século XVIII ea resistencia dos privilegiados que procuravam deteroseuavango, discriminanvdo-acomo “mania”, “doenga” ou “epidemia de leu” (Lesesucht, Lesewun Leseseuche), ver Martino e Stitzel-Prisener, pp. 46-51 S2se 28 258 Fisiognomia da Metrépole Moderna dados estatisticos, segundo os quais o nimero de leitores na Alemanha por volta de 1800 era pouco maior que 1% da populagao total”. Segundo um. escritor da época, Jean Paul, o piblico era constituido por uns 300 000 leitores™. Os dados sobre livrarias, sociedades de leitura e bibliotecas tornam plausiveis tais nimeros. No mais, a maioria da populagao, da qual 80% viviam no campo, era analfabeta. Por isso, a pergunta de Schenda, se houve efetivamente uma “revolugao da leitura”, ou se isso nao seria uma “falsifi- cagio ideolégica”. E verdade que, em comparagaio com o Ancien Régime, ocorreu em fins do século XVIII uma transformagao cultural explosiva: dispararam os mimetos de produgao de livros e revistas, de livrarias, biblio- tecas circulantes e sociedades de leitura. Ao mesmo tempo, mudou a fungao social da leitura; formou-se uma “opiniao publica” e comegou um processo de democratizagao da leitura. No entanto, o centro dessa cultura literaria era © publico “culto”, formado por funcionatios da administragao, tedlogos, professores, médicos, advogados, estudantes ete.; a pequena-burguesia, 0 proletariado urbano e a populagao rural sé forneceram “um contingente relativamente pequeno de leitores” (“como ocorte, alids, até hoje”)"’. Como & que, diante desses fatos, sho colocados os acentos de interpretagao histé- rica? A nova historia literdria esta indecisa nesse ponto™. Jé a pega radiofo- nica de Benjamin procura flagrar retratos tipicos: assim, pot exemplo, a invectiva do livreiro Unger contra as bibliotecas circulantes”’; ela é repre- sentativa de um comportamento de intelectual ilustrado que é a favor da democratizagao da cultura, contanto que ela ndo ameace seus interesses € privilégios. 93, Oseguinte esboso sobre a “revolugio de leitura” é baseado no artigo de Martino ¢ Stitzel-Prisener (1980), pp. 5457, que comentam também o trabalho de Rudolf Schenda, 1970, Volk ohne Buch. Studien zur Sozialgeschichte der populdren Lesestoffe 1770-1910. 94, Uma comparagie com o Brasil dos anos 1960: Segundo Roberto Schwarz (1970),a “cultura neste Pas de So nalthdve de habitantes, do passou de um pablico de 50.000 pessoas; “Cultura ¢ Politica, 1964-1969", 0 Paide Familia ¢ Outros Estudos, 1978, p.91. Sendo ese ji oresultado de uma “democraizasio daleiturs' qriciads nos anos 30; ver Antonio Candido (1980), "A Revolucio de 1930 a Cultura", A Educagdo pela Nolte e Ouros Ensaies, 1987, pp. 181-198. Candido (1970) chama a atensio para o fato de que 0 cserter lotnamericano tem sido “urn produtor de bens culturais para minors”, enquanto “as grandes massas", arena da midia, “quem sabe irio buscar fora do lio os meics de saisfazeras suas necessidades de fico ccpoesia" “Literatura e Subdesenvolvimento”, opi. pp. 140-162, cit: p.144 95. Martino Stitzel-Prisener, .57. 96. “Apesar de o processo de democratizagao da leitura nio se ter estenido a todos, le alingh sein davida todas as camadas sociais, embora de modo muito irregular.” Ibidem. 97. Lavo Unger “As biblitecas piblicascirculantes ~ cis a causa de toda a nossa miséria", GS, IV, 65 DCDB, 71_As biliotecas circulates, que cram “os veiculos mais importantes do processo de democrat zasio da litua”, foram proibidas por decreto.em 6 de abil de 1799. Martino. pp. 49 € 52- ‘A Modemidade como Peca de Aprendizagem 259 O auto-tetrato do Romantismo, na entrevista com o Locutor, é ambiguo. Por um lado, ele se apresenta com os nomes de Clemens Brentano, Friedrich Schlegel, Novalis, Tieck, Bonaventura, Jean Paul - portanto, autores canoniza- dos pela histétia literdria; por outro lado, insiste em sua esséncia andnima: “A Voz do Romantismo nao tem nome”. E interessante observar como Benjamin, que, em sua tese de doutorado, se dedicou a estética de Schlegel e Novalis, aborda aqui o Romantismo de um Angulo diametralmente oposto, como se vé pelos géneros escolhidos. O Romantismo representa aqui, em grande parte, a causa da literatura de consumo (Trivialliteratur) - introduzida pela irrupgao do Segundo Literato com sua pilha de livros, que deixa claro “o que os alemaes liam”. Mais sensivel as questdes de popularizagao que a Voz da Ilustragao, a Voz do Romantismo expressa as necessidades de ficgao de uma massa de leitores andnimos, diferentes das elites, com padrdes de “gosto médio” que, mais tarde, se impuseram na era da midia. Dos fragmentos da radiopega resulta um tableau da literatura de consumo nos seus ptimérdios. Antes da revolugao cultural, em fins do século XVIII, o nico tipo de leitura da pequena-burguesia e da gente do campo eram a Biblia, 0 catecismo, o livro de canticos ou, como lembra nostalgicamente o pastor Grunelius, “um daqueles livros honestos e apro- yados: uma cronica familiar, um compéndio de ervas, um brevidrio™. Juntamente com o abalo da autoridade da Igreja pela Filosofia das Luzes, comegou a set contestado o seu monopélio pedagégico por uma literatura profana: calendarios e almanaques, que atraem, como vimos, a ira do reptesentante do cleto e do sisudo diretor de escola. Tais escritos represen- tavam necessidades reais das pessoas de conhecer melhor as novas condi- 0s de vida; informagées praticas e observagées edificantes se misturavam: ‘Almanaque para Amantes da Satide, Manual de Jogos Sociais, Almanaque para 0 Incentivo da Felicidade Doméstica. Sem falar dos Livros Populares de Pestalozzi ou do Pequeno Manual e Guia para a Gente do Campo, “do qual em 1788, ano do langamento, foram vendidos 30 000 exemplares™. Como se G3, 1V, 658s; DCDB,75. GS, 1V, 652; DCDB, 71, Cf:*"0s eamponeses, cujas leturas se limitaram até entdo a us poucos livros religiosos (Biblia livro de cinticos, brevidrio, catecismo) eas fothinbas,(.] transformaram-se de repente, ‘como a autoridade notou com espanto e preocupasao, em leitores de jomais, ov melhor ~ ji que a maioria cra analfabeta ~ em ouvintes dos que liam o jomal para o piblico.” Martino op. cit, pp. 45s. Sobre os ‘compéndios de ervas e sobre o género do bestseller, vera critica de Benjamin, “Wie erklren sich groBe Bucherfolge? ‘Chrat und Uchrut’~ ein schweizerisches Kriuterbuch” (1931), GS; If, 294-300. 100. G5, IV, 643; DCDB, 6s. 83 260 Fisiognomia da Metrépole Moderna vé por esse exemplo, a formagao da nova cultura literdria cotidiana andava de maos dadas com surgimento do mercado, com a concepgae do livro como mercadoria’”’. A parte mais expressiva da nova literatura de consumo foi constituida pelo género que esté na raiz da palavra “romantico”; o romance’. Na radiopesa, ele se faz presente através de seus subgéneros mais importan- tes": o romance de cavalaria, com ‘Adelmar de Perlstein, o Cavaleiro da Chave Dourada ou As Doze Donzelas Adormecidas, Proteroras do Jovem Encantador'™; 0 romance de fantasmas & de terror, com O Fantasma da Mulher de Trajes Pretos e O Acampamento dos Espiritos perto de Saaz na Boémia. Uma Lenda Terrifica dos Tempos Obscuros da Era Magica"; 0 romance de bandidos, com Rinaldo Rinaldini, de Christian August Vulpius, gue se tomou modelo do género™®. Uma vetsatilidade extraordinaria na representagao do irracional se nota em Christian Heinrich SpieB (1755- 1799), mestre no géneto das “biografias de criminosos e infelizes”; dentre suas obras sao lembradas a Biografia dos Loucos (1795) e As Viagens pelas Cavernas das Lagrimas e os Aposentos da Miséria (1796-1799), trazendo a tona um complexo de problemas recaleados pela ideologia do “esclareci- mento"”, Ha também os livros erdticos que os mosqueteiros mandam 101, Sobre osurpimento do mercado literiro, ver Peter Scumidy"Buchmarki Verlagswesen und Zeitsciften”, fem Klassik ~ Romantik (1980), pp: 74-92- 102, Relembrames aqui as principais etapas da histria da palavra “rominiico™ Do médlo latim romanice, teratura eserita na vga do pov, ao francés romant:o geno de maior siceso:o romance": 2. do ingles romantic (por volta de 1650-1660), “como nos antigosomances” "algo di 56 ocorte nos romances, aa vida eal" ao francés romantique, como dexignorao de “lugares ov alsagens qv 0% adescrigao de poemas e romances”; 3. finalmente 0 alemao romantsch, segundo Friedrich Schlegel, sindnimo de See Cf, Hans Robert SauB, 1970, “Literarische Tradition und gegenwiriBe BewuBtsein der “Modemitit” Literaturgeschichte als Provokation, pp. 44-50. 103. Lhcnenposicao de Benjanin com tipologia do "romance deconsuo” ene 776) € 1815, apresentada por schaion Beaujean, “Frauen, Famili, Abenteur-nnd Schaveroman™ em Klass = Romantk (1980), P2- 216-228, 104. G5,1V, 648; DCDB, 68. “Tra-se provavelmente dea montagem:coxno aor, consia Wakes mas Bena Farece er incorporad ambi wn romance de Spi Die wolf schafonden frauen (1795-1796) 10s. GS, 1V, 648; DCDB, 6. Ointeresse da Auftlrung tarda pela "estas séticas”, com seus clementos de sersmnbraga0e terror, ¢comentado por Marion Beaujean (p. 226) nests termes: Peto visto, um excesso aaa maidadesusita um dsejo peo iracional 0 necessirios novos mito para exPCA fendmenos ‘comoo destino, omedo, o mal, a sexualidade ¢ 0 poder politica”. 06. 65, 1V_ 48, DCDB, 68, Uma breve caracterizacio do Rinaldo Rinadin! (1798), de Ch. A. Vulpins (1762-1827) é dada por Beaujean, pp. 2268. 107. GS, 1V, 649, DCDB, 69. Alm dessas duas obras de Spie8, Beaujcan (P25) também as Biograyics “dos Suicidas (1792). Benjamin se interessou pelos mesmos temas que SpieB: ver"Biicher von Geisteshran te ies meiner Sammlung”, GS,1V, 015-619; suas obeereagoes sobre osisiio nt Modemnidade, GS. 1, 578s. ¢ 5885; FK, 99s € 108s; OB, IIL, 74s € 836 ‘A Modemidade como Pepa de Aprendizagem 21 buscar nas bibliotecas circulantes™. Finalmente, aparecem na pega os dois dramaturgos mais encenados nos palcos alemies da época™. August Wil- helm Iffland (1759-1814), representado com o melodrama Os Cagadores (1785), eultivava © moralismo sentimental, fazendo com que o ptiblico Pequeno-burgués se sentisse reconfortado em suas virtudes"”, August Fried- tich Kotzebue (1761-1819), cuja pega Indios na Inglaterra é brevemente comentada, introduziu no palco elementos frivolos e exéticos, propicios a fazer esquecet ao piblico por algumas horas 0 seu cotidiano cor-de-cinza'"'. Todos esses géneros representam a reviravolta de uma “leitura de formago”, propagada pela Ilustragao, para uma “leitura de diversao”; eis a dicotomia que marca o inicio da literatura moderna enquanto instituigao'", A Voz do Romantismo como ilustragéio e defesa da literatura de consumo? E a impressao que se pode ter na aptesentagao dos livros preferi- dos pela grande maioria, nas consideragdes sobre a quantidade de exempla- tes vendidos e nas declamagées de Iffland, cujo critério é a aprovagao do texto pelo publico. Estatistica literaria em vez de estética? Quais os critérios para se medir o valor de um autor? O que significa o confronto dos classicos Goethe e Schiller com os autores de sucesso Iffland e Kotzebue, ou do tefinado Jean Paul com o plebeu Briker, para os rumos da literatura? O Romantismo proclamou uma revolugio literdria ou a explosao do metcado editorial? Com suas montagens contrastivas, suas constantes justaposigoes de opinides divergentes, a radiopega de Benjamin langa pata o ouvinte a tarefa de se formar uma opiniao propria. 6.5 Os classicos e a cultura média, ou: Amidia como medium-de-reflexao? Depois das entrevistas do Locutor com as Vozes da Ilustragio e do Romantismo, a radiopega aproxima-se do seu fim, sem ter atingido, no plano do tempo representado, seu objetivo teérico: o tipo 2 de popularizagio. A 108. GS, IV, 652 s; DCDB, 71. Nahistéria social da literatura org. por Glaser, Klassik - Romantik (1980), faltam informagdes sobre a literatura erética 109. Para completar as informagdes de Benjamin, ver Marks Krause, “Trivialdramatik”, em Klassik ~ Romantik (1980), pp. 313-326, 110. Iffland, Die Jager, cit. GS, 1V, 664s; DCDB, 79s. 111, Kotzebue, indianer it England, cit. GS, IV, 666; DCDB, 80. 112. Ver, entre outros, Marion Beaujean e Maras Krause, em Klassik — Romantik (1980), pp. 216€ 313, 262 Fisiognomia da Metrépole Moderna Ilustragao revelou-se como um saber ministrado de cima para baixo, como “pensamento ptivilegiado”. E verdade que, com a Voz do Romantismo, o publico passou para 0 ptimeiro plano; mas a possibilidade de que isso contribuisse para a formacao de “espirito publico” foi sobrepujada pelos jnteresses do mercado e do consumo, Sera que © tipo 2 de popularizagao se realizara no final da pega, na entrevista do Locutor com a terceira e ultima das Vozes? Essa Voz, a do Século xIx, € 0 elo entre a época dos classicos e a de Benjamin. Ba Voz da “Cultura Média”, que desemboca na cultura da midia: “Divulguei em ampla escala uma cultura média, tal como Goethe profetizou”"’. Em sua auto-apresentagao, a Voz do Século xix recorre a autoridade do classico: Sobre mim disse Goethe: “Tudo hoje em dia ¢ ultrapassado, tudo transcende incessantemente. No pensamento como na ago. Ninguém conhece ninguém. Ninguém compreende o meio em que vive ¢ trabalha, nem © material com que est trabalhando. Riqueza e rapidez, eis o que o mundo admira eo que todo mundo quer. Ferrovias, correio expresso, navios a vapor e todas as possiveis facilidades de ‘comunicagio sio as coisas que ‘o mundo culto deseja a fim de se sofisticar e assim persistit na mediocridade. No fundo, é © século dos homens praticos, de compreensao répida, de muitas aptidées, homens que se sentem superiores em relagao @ massa, embora eles proprios nao tenham talento para as coisas mais elevadas. Atenhamo-nos tanto quanto possivel ao espirito em que fomos teducados; nés seremos, com mais alguns poucos, 0s lltimos remanescentes de uma época que tio cedo nao retornara”!"*. O Locutor tenta fazer ver a Voz do Século xIx que essas palavras nao sao elogiosas, de forma alguma. Pelo contrario, a cultura média, que gostaria de se fazer passar pot herdeira de Goethe, sofre uma critica implacavel. Mais ‘uma vez, Benjamin se opde a uma tentativa de seqiiestro do autor classico pela ideologia burguesa'. Neste conttexto, deve ser lembrada a etimologia da palavra “classico”. Ela chama a atencdo sobre a relagao entre escritor e classe social: lat. classicus = “pertencente a classe mais alta de impostos”, dai: “emninente” e “de valor estético eminente e exemplar”"*, Observando-se, sob esse prisma, a época representada na pega, © classicismo de Weimar aparece como uma 113. GS, 1V, 670; DCDB, 83. 114. GS, 1V, 6695; DCDB, 83. LIS, Vero igo de encielopédia “Goethe” (GS, I, 705-739; DCDB, 41-62), comentado no Cap, 3/5 (’Resgate de um clissico - Critica da formagao burguesa”), 116, Gero von Wilper, SachwOrterbuch der Literatur, 5 ed. ampl. 1969, verbete “Klassik.

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