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Paulo Freire A IMPORTANCIA DO ATO DE LER em trés artigos que se completam 51° edicao A importancia do ato de lex” lo a ve 10 longo de tan por isso politica, em que m¢ 4 de inaugura lo agora, d i vir aqui para f 1 indispensavel, ao } r r algo do moment T aqui estar hoje; dizer alg« x yuanto ia escrevendo este texto que agor envolvia uma compreensao se esgota na decodificagao fF linguagem esc rita, mas nteligéncia do mundo. A leitura do n ind 1 da palavra, dai que a posterior lei sso Brasileiro de sresentado na abertura do Congre as, em novembro de 1981 PAULO FREIRE 20 la continuidade da jeitura daquele. ndem dinamicamente. A ngada por sua leitura criti- o texto € 0 con- nao possa prescindir d: Linguagem e realidade se pre compreensao do texto a ser alca ca implica a percepgao das relagdes entre ever sobre a importancia do ato de ler, © até gostosamente — a “reler" mo- mentos fundamentais de minha pratica, guardados na me-~ moria, desde as experiéncias mais remotas de minha infan- cia, de minha adolescéncia, de minha mocidade, em que 4 compreensao critica da importancia do ato de ler se veio em mim constituindo. texto, Ao ensaiar eu me senti leyado ~ Ao ir escrevendo este texto, ia “tomando distancia” dos diferentes momentos em que 0 ato de ler se veio dando na minha experiéncia existencial. Primeiro, a “Jeitura” do mundo, do pequeno mundo em que me movia; depois, 4 leitura da palavra que nem sempre, ao longo de minha escolarizacdo, foi a leitura da “palavramundo’. ‘Aretomada da infancia distante, buscando a compreen- so do meu ato de “ler” 0 mundo particular em que me movia — ¢ até onde ndo sou traido pela meméria —, me € significativa. Neste esforgo a que me vou © er forma das foll i asmuin. no corpo d lade diftere te i entos distintos: o ve rde r j anga-espada inchad jeado da mest manga amadurecend ém de madura. A rela oar sver- aS pintas negras stas COres, r ivelmente 1 nificagao da e movia, permit me rep¢ que escrevo xperiéncia viv nda nfo lia a palavra. E algo que 10 contexto ger que vent inuando a sua presenga no Corpo 1 meu medo das almas penadas era permanente objeto das con AUMPORTANGIA DO ATO DELER versas dos mais velhos, no tempo de minha infancia. AS almas penadas precisavam da escuridéo ou da semiescuri- dao para aparecer, das formas mais diversas — gemendo a dor de suas culpas, gargalhando zombeteiramente, pedindo oragées ou indicando esconderijos de botijas. Ora, até pos- sivelmente os meus sete anos, 0 bairro do Recife onde nasci era iluminado por lampiées que se perfilavam, com certa dignidade, pelas ruas. Lampides clegantes que, ao ‘air da noite, se “dayam" A vara magica de seus acendedo- res, Eu costumava acompanhar, do portéo de minha casa, de longe, a figura magra do “acendedor de lampides" de minha rua, que vinha vindo, andar ritmado, vara ilumina- dora ao ombro, de lampifio a lampiao, dando luz a rua. Uma luz precaria, mais preciria do que a que tinhamos dentro de casa. Uma luz muito mais tomada pelas sombras do que _ ilwminadora delas. 1 tc imy m el x em Cert ym ela palavra, da ignifico l com a a leitur | t profunda emogao, V1 itei a ¢ hfio em que me pus ae pé, andei, profe jo errOnea que As ve ndarilhagem pelo mund I que jovens estudantes n fa com extensas bibliografia r i na a yradas” do que realmente lidas ou ¢ idadas. Verdadeira licdes de no sentido mais tradicional desta expres 540, a Que se achavam submetidos em nome de su forma AIMPORTANCIA DO ATO DELER ¢Go cientifica e de que deviam prestar contas através do famoso controle de leitura. Em algumas vezes cheguei mes- mo a ler, em relagSes bibliograficas, indicag6es em torno de que paginas deste ou daquele capitulo de tal ou qual livro deveriam ser lidas: “Da pagina 15 4 37". A insisténcia na quantidade de leituras sem o deyido adentramento nos textos a serem compreendidos, ¢ nao mecanicamente memorizados, revela uma visio magica da palavra escrita. Visio que urge ser superada, A mesma, ainda que encarnada deste outro Angulo, que se encontra, por exemplo, em quem escreve, quando identifica a possi- vel qualidade de seu trabalho, ou nao, coma quantidade de paginas escritas, No entanto, um dos documentos filos6ficos mais importantes de que dispomos, As teses sobre Feuerbach, de Marx, tem apenas duas paginas € mcéia... Parece importante, contudo, para evitar uma com- _ preensao errénea do que estou afirmando, sublinhar quea =~ _ minha critica a magicizagao da palavra nao significa, de _ maneira alguma, uma posi¢ao poco see ae PAULO FRERRE ado. ‘Textos que eu levava de casa e que sublinhando aspectos de sua treitamente ligados ao bom gosto de sua lingua- va comentaérios em torno de Ams ja lendo com os estudan' Ramos, de Jorg sintaxe e es jur entre o portugués de Portugal e © as andlis gem. Aque. difer necessar portugués do Brasil Venho tentando deixar claro, neste trabalho em torno da importancia do ato de ler — ¢ nio é demasiado repetir agora —, que meu esforgo fundamental vem sendo o de explicitar como, em mim, aquela importéncia ver sendo destacada, E como se eu estivesse fazendo a “arqueologia’ de minha compreensio do complexo ato de ler, a0 longo de minha experiéncia existencial. Dai que tenha falado de momentos de minha infancia, de minha adolescéncia, dos comegos de minha mocidade e termine agora re-vendo, em tragos gerais, alguns dos aspectos centrais da proposta que fiz no campo da alfabetizacao de adultos ha alguns anos. Inicialmente me parece interessante reafirmar que sempre vi a alfabetizagao de adultos como um ato politico ¢ um ato de conhecimento, por isso mesmo, como um ato criador. Para mim seria impossivel engajar-me num traba- tho de memorizagio mecanica dos ba-be-bi-bo-bu, dos AIMPORTANCIA DO ATO DE LER - educador, como ocorre em qualquer relagdo pedagogica, nao significa dever a ajuda do educador anular a sua criativida- de ea sua responsabilidade na construg4o de sua linguage™ escrita e na leitura desta linguagem. Na verdade, tanto 0 alfabetizador quanto o alfabetizando, ao pegarem, por exe™> plo, um objeto, como fago agora com o que tenho entre 08 dedos, sentem 0 objeto, percebem 0 objeto sentido € 80 capazes de expressar verbalmente 0 objeto sentido ¢ perce bido, Como eu, 0 analfabeto é capaz de sentir a caneta, de perceber a caneta e de dizer caneta. Eu, porém, sou capaZ de nfo apenas sentir a caneta, de perceber a caneta, de dizer caneta, mas também de escrever caneta e, consequentemen- te, de ler caneta. A alfabetizagdo ¢ a criagdo ou a montagem da expresso escrita da expressio oral. Esta montagem n&io _ pode ser feita pélo educador para ou sobre o alfabetizando. Aitem ele um momento de sua tarefa criadora. _Creio desnecessario me alongar mais, aqui e agora, C0 cs tenho desenvolvido, em Cree je sua apreensaéo @ nfo de sua me tumAévamos desafiz ituacdes codificadas de 1a percepcao critica ¢ da pratica ou do trabalho hums ido. No fundo, esse conjunto de represe mador do m cdes de situagdes concretas possibilitava aos grupos popu _ AIMPORTANICIA DO AYO DE LER Jares uma “leitura’ da “leitura” anterior do mundo, antes 44 leitura da palavra. Esta “leitura” mais critica da “leitura” anterior memos critica do mundo possibilitava aos grupos populares, vezes em posigio fatalista em face das injustigas, uma com preensiio diferente da sua indigéncia. neste sentido que a leitura critica da realidade, dan- do-se num processo de alfabetizagiio ou nao ¢ associada 80- bretudo a certas praticas claramente politicas de mobilizagao e de organizago, pode constituir-se num instrumento para © que Gramsci chamaria de ag&o contra-hegemOnica- A importancia do ato de lex” lo a ve 10 longo de tan por isso politica, em que m¢ 4 de inaugura lo agora, d i vir aqui para f 1 indispensavel, ao } r r algo do moment T aqui estar hoje; dizer alg« x yuanto ia escrevendo este texto que agor envolvia uma compreensao se esgota na decodificagao fF linguagem esc rita, mas nteligéncia do mundo. A leitura do n ind 1 da palavra, dai que a posterior lei sso Brasileiro de sresentado na abertura do Congre as, em novembro de 1981

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