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Gilmar Mendes vota contra liberar

cultos e missas na pandemia; STF


retoma julgamento nesta quinta

Ministro criticou 'política negacionista', contrária,


segundo ele, à fraternidade. Para advogado do
governo, 'verdadeiros cristãos estão sempre dispostos a
morrer' pela liberdade de culto.
Por Rosanne D'Agostino, G1 — Brasília
07/04/2021 18h27  Atualizado há 13 horas

O ministro Gilmar Mendes votou nesta quarta-feira (7), em julgamento


no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a liberação de celebrações
religiosas presenciais, como cultos e missas, em razão da pandemia
de Covid-19.

Relator do processo, Mendes foi o primeiro ministro a votar. Após o


voto dele, já no fim da tarde, o julgamento foi interrompido e será
retomado nesta quinta-feira (8).

A discussão no Supremo se dá no momento mais crítico da


pandemia — 4.211 mortes por Covid-19 em 24 horas. Ao todo, até
esta terça-feira (6), o país registrava 337.364 vítimas. Os casos
confirmados desde o começo da pandemia são 13,1 milhões —
brasileiros que têm ou já tiveram a doença.

O início do julgamento foi marcado para esta quarta-feira pelo


presidente do STF, Luiz Fux, após decisões conflitantes de Nunes
Marques e do próprio Gilmar Mendes sobre o assunto.
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Decisão sobre missas e cultos: ministros do STF divergem no pior momento


da pandemia

No sábado (3), ao julgar pedido da Associação Nacional dos Juristas


Evangélicos (Anajure), o ministro Nunes Marques aceitou o argumento
da liberdade religiosa e proibiu que celebrações em templos e igrejas
sejam vetadas por estados, municípios e Distrito Federal em razão da
pandemia.

Na segunda (5), o ministro Gilmar Mendes tomou decisão divergente.


Ele rejeitou ação do partido PSD — que pedia a derrubada do decreto
estadual que proibiu cultos e missas em São Paulo devido à pandemia
— e enviou o caso ao plenário do STF.

“Quer me parecer que apenas uma postura negacionista


autorizaria resposta em sentido afirmativo, uma ideologia que
nega a pandemia que ora assola o país e que nega um conjunto
de precedentes lavrados por este tribunal durante a crise
sanitária que se coloca”, escreveu o ministro.

Voto do relator
Ao votar na sessão desta quarta, Gilmar Mendes afirmou que o
Supremo já assegurou autonomia aos estados e municípios para que
tomem medidas de combate ao coronavírus, inclusive com restrições
a atividades religiosas.

“Temos diante de nós a maior crise epidemiológica dos últimos 100


anos”, disse Gilmar Mendes. “Uma tragédia cujo enfrentamento requer
decisiva colaboração de todos os entes e cujas consequências
administrativas são sentidas de modo mais intenso pelos pequenos
estados.”

O ministro criticou a “agenda política negacionista, que se revela,


em toda a dimensão contrária à fraternidade tão ínsita ao
exercício da religiosidade” e afirmou que a proteção constitucional
"jamais pode ser diminuída”.

O ministro lamentou o número de mortes causado pela Covid-19


e afirmou que o advogado-geral da União, André Mendonça,
parece ter vindo de uma “viagem a Marte e que estava descolado
de qualquer responsabilidade institucional”.

Mendes também criticou o procurador-geral da República.


Augusto Aras havia pedido ao STF que a ação fosse
encaminhada a Nunes Marques. “Não se escolhe relator”, disse.

“Parece que está havendo um certo delírio. É preciso que cada um de


nós assuma sua responsabilidade”, afirmou o ministro.
Ainda segundo Gilmar Mendes, a liberdade religiosa é a liberdade
de manifestar a religião, “direito submetido à reserva legal”, e a
Constituição "não alberga proteção somente à fé cristã”.

O ministro argumentou que diversos países já adotaram medidas


semelhantes e não foram taxados de autoritários.
“A lei deve proteger os templos e não deve interferir nas liturgias,
a não ser que assim o imponha algum valor constitucional de
maior peso.”

Para o ministro, "não há como articular as restrições impostas com o


argumento de violação ao dever de laicidade. Também não comove a
tentativa de atrelar excessividade à medida”.

Mendes disse que o pior erro na formulação das políticas públicas é a


omissão.

"É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa,


premiem-se as inações do governo federal, impedindo que
estados e municípios, no âmbito de suas respectivas
competências, implementem as políticas públicas essenciais. O
estado garantidor dos direitos fundamentais não é apenas a
União, mas também os estados e os municípios."
Segundo argumento o ministro, não fosse o reconhecimento pelo STF
da autonomia de estados e municípios para atuar na pandemia, a
situação sanitária do país estaria ainda pior.

"E esse é um aprendizado que temos no Brasil, infelizmente — é que


as situações trágicas ou graves ainda podem piorar. Às vezes, o poço
parece que não tem fundo", declarou.

Ao finalizar o voto, Mendes afirmou que o país se tornou um


"pária internacional" no âmbito da saúde. "Diante desse cenário,
faz-se impensável invocar qualquer dever de proteção do estado
que implique a negação à proteção coletiva da saúde".

"Ainda que qualquer vocação íntima possa levar à escolha individual


de entregar a vida pela sua religião, a Constituição de 88 não parece
tutelar um direito fundamental à morte. A essa sutil forma de erodir a
normatividade constitucional deve-se mostrar cada vez mais atento
este STF, tanto mais se o abuso do direito de ação vier sob as vestes
farisaicas, tomando o nome de Deus para se sustentar o direito à
morte”, complementou.

Governo e PGR defendem manter cultos


No começo da sessão, o ministro da Advocacia-Geral da União
(AGU), André Mendonça, defendeu que os cultos devem ser
autorizados e que “sem vida em comunidade não há cristianismo”.

“Não estamos tratando de um debate sobre vida e morte. Todo cristão


sabe e conhece os riscos dessa doença e sabe que precisa tomar
cuidados e cautelas diante dessa enfermidade. Não se trata de uma
discussão política. Todos nesta discussão defendemos a vida”, disse.
O advogado-geral disse ainda que é injusto fechar templos e
atividades religiosas. Segundo ele, “os verdadeiros cristãos estão
sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de
culto”.

Oito interessados na ação também apresentaram seus argumentos à


Corte. Enquanto entidades religiosas afirmaram que as medidas
sanitárias são excessivas, que a igreja é alvo de discriminação e que
não existe culto virtual, representantes de partidos argumentaram que
o isolamento social é necessário e que muitos outros
estabelecimentos também estão fechados.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, argumentou que os
cultos e missas devem ser permitidos, desde que tomadas as medidas
preventivas.

Aras disse que estados e municípios têm competência e autonomia


para estabelecer regras, mas que a liberdade religiosa é cláusula
pétrea.

“A Constituição, ao dispor sobre liberdade religiosa, assegura livre


exercício dos cultos religiosos. Decretos e atos, ainda que decorrentes
de uma lei ordinária, podem ter força para subtração e direitos
fundamentais postos na lei maior? Parece-nos que não”, acrescentou.
Ainda segundo Aras, “é necessário relembrar o lugar da religião num
estado democrático de direito e ter presente que o estado é laico, mas
as pessoas não são”.

“A ciência salva vidas. A fé também. Não há oposição entre fé e razão.


Onde a ciência não explica, a fé traz a justificativa que lhe é inerente”,
disse.

O plenário do Supremo já decidiu que estados e municípios têm


autonomia para tomar medidas relacionadas à pandemia, o que não
isenta o governo federal de agir.

FONTE: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/04/07/julgamento-
cultos-pandemia-stf.ghtml

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