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CAPITULO IL O DISCURSO DO DESEJO: A interpretacgdo de sonhos A respeito da Traumdeutung, Freud escreve o seguinte: “Contém ela (...) a mais valiosa de todas as descobertas que tive a feli- cidade de fazer. Compreenséo dessa espécie s6 ocorre uma vez na vida” (ESB, vs. LV-V, Prefacio 4 3# ed. inglesa). Essa decla- ragdo, feita mais de 30 anos depois da publicagéo da primeira edigéo, soa como um desabafo tardio por parte de quem viv serem vendidos upenas 351 exemplares de seu livro nos seis pri- meiros anos apés sua publicagao. De fato, A interpretagdo de sonhos foi muito mal recebida pelos psiquiatras, pela critica € pela intelligentsia da época. “A atitude adotada por criticos nos periédicos cientificos”, escreve Freud, “poderia apenas fazer com que se supusesse que minha obra estava condenada a ficar submersa em completo siléncio” (Prefacio 4 24 ed.). No entanto, apés esse fracasso inicial de ven- dagem, a obra foi conhecendo sucessivas edigdes a partir de 1909 € em pouco tempo a avaliagéo feita por Freud, transcrita acima, era compartilhada pela quase totalidade dos estudiosos da psicandlise. A interpretagdo de sonhos é, sem dévida alguma, um dos livros mais importantes deste século e Freud de certa man vislumbrou esse fato ao exigir que a primeira edigéo viesse datada com o novo século apesar de estar pronta desde novembro de 1899. A idéia de escrevé-lo data de trés anos antes de sua pu- blicagéo, 4 €poca em que Freud empreendia sua auto-andlise ¢ que, abandonando os problemas neurolégicos e metapsicoldgicos do Projeto, relomava a énfase sobre os problemas clinicos Entre a elabora do Projeto ¢ A interpretagGo de sonhos, oa porém um fato da major importancia para o desenvol- ro da psicandlise: a descoberta do complexo de Pa Freud ¢ 0 Inconviente datada de 31 de maio de 497, contra 08 pais sig agiio feita por Freud singe passara a ser conhecido como o reeiaréncia a lenda de Edipo 6 aparecers sc ipo’ inca meses depois (Freud, ESB, v. 1, yp carta eee confessa a Fliess a importincia essencial que 55059) lig gue estava empreendendo nha adqu'tido de morte conira a mi que mais ie E «completamente honesto consigo mesmo € uma boa norma Lum unico peasamento de valor generico revelouse a mim Verily Tambem no mev caso, 0 apaixonamento pela Jdero isso como um evento universal do inicin ‘a infaneia, (...) Sendo assim, podemos entender a forga de Cd. pus Rex, apesar de todas 38 objeySes levantadas pela razo contra Boa pressuposieao do destino; ¢ podemos entender por que os ule ores “dramas do destino” no tinham sendo como fracassar la qmentavelmente. (...) Mas a lenda grega apreende uma compulsio ue toda pessoa reconhepe porque sente sila presenca dentro de ai mesma, Cada pessoa da platéia foi um dia, em ponto menor ox em fantasia, exatamente um Edipo e cada pessoa reiroced= horrorizada diante da realizagéo de um sonho, aqui transposta para a realidade, com toda @ carga de represséo que separa seu estado infantil do seu estado atual. bid.) se quel do pai, © agora consi Freud no fala ainda em “Complexo de Edipo”: este term s6 aparecerd em 1910 (Freud, ESB, v. XI, p. 154); 0 que faz nessas cartas a Fliess € uma referéncia & lenda de Edipo como um modelo da relagdo das criangas com os pais, sendo que, nessa época, ele ni in extensa e aprofun- dada alguns capitulos adiante, deixo assinalada, de momento, su2 importincia no que se refere & sexualidade infantil ¢ & superac2o da teoria do trauma, sobretudo a importancia das faniasias is- : & $8 amculagdo com o desejo. Voltemos, pois, # Tram wy. initoretacio dos sonhos”, escreve Freud (ESB, ¥5 Midna Ok): “€ a via real que leva ao conhecimento 42s, 2 Eo malheeonscientes da mente”, € no apenas isso, mas tambot caminho para 0 estudo da neurose. A razdo disso est? Desejo 63 sonho dos neurdticos no difere do so © ° "Freud chega a dizer que a diferenca Sate ae rf yjgora apenas durante 0 dia, no se ‘atenée Ae esp, vs. XV-XVI, P. 532). Uma pessoa sadia € vinuae iy neurbtico, $6 que os tinicos sintomas que ela conse Jo os seus sonhos. Assim, os sonhos nio sig apenas privilegiada de acesso ao inconsciente, eles sio também o nro de aruiculagao entre 0 normal ¢ o patoldgico. ponte de sfomar como ponto de partida para esta exposigao da Traumdeutung duas afirmagées de Freud; a primeira é que ae gas nao sto absurdos mas possuem um sentido; e a segun- da € que os sonhos sao realizagoes de desejos. Enquanto fend- Ge gos, psiquices, 08 sonhos so produgdes © comunicacdes da pessoa que sonha, e é através do relato feito pelo sonhador que Prnamos conhecimento dos seus sonhos. O que é imterpretado poicenaliticamente no € 0 sonho mas 0 seu relato. Por outro Pio, o relato do sonho nos parece ininteligivel assim como a0 proprio sonhadar. O pressuposto de Freud ¢ que a pessoa que so- rhe sabe o significado do seu sonho, apenas no sabe que sabe, f isso corte porque a censura a impede de saber. A fungio da interpretagéo é exatamente a de produzir a inteligibilidade desse sentido oculto. Portanto, 0 que temos aqui no sio mais neurdnios catexi- zados mas sentidos a serem interpretados. Esse € 0 ponto em que a psicandlise se articula com a linguagem ¢ rompe definiti- vamente com o referencial neurolégico do Projeio. Mesmo quando no capitulo VIE a temética do Projeto é retomada, 0 tipo de tra- tamenio que ela recebe € outro totalmente diferente daquele que caracterizou os manuscritos de 1895. Exaininemos, pols, pti mieira das afirmagOes: a de que os souhos possuem um sentido SENTIDO E INTERPRETAGAO “Devo. afirmar”, escreve Freud, “que 0s sonhos tém_real- mente um sentido € que um método cientifico de interpreti-los & possivel” (ESB, vs. 1V-V, p. 107). Ocorre, porém, ave Semtido do sonho ‘nao & imediatamente acessivel nem ao sonks- dor, nem a0 intérprete. A razio disso reside no fato deo senho ser sempre uma forma disfarcada de realizacio de desejos © que nessa medida tncids sobre ele uma censura cujo efeito ¢ 2 det Nagao onirica, O sonho que recordamos apos © despertar € 4 G4 Freud e 0 Inconsciente relatamos ao_intér tien ie prete foi subm objetivo € Proteger'o sujeiio do carater ameara Teas Cujo Jos. O sonho recordado & poi aineagador dos seus de- outra coisa, de um conteide pret ubstituto deformado de chegar através da interpretagio. 8° al se pretend O sonho se ins. eve ported iin responde ito sonho lembrado e contado pala ere ue cor Ao material do primeiro, Freud chama eomeado manyensst She elee ida ence ae reud chama contetido manifesto’ do tented Eacohins Stee enone de pensamentos oniricos la- See roe toee eee &, Setido de um sonho € percorrer o caminho © procedimento que no: 0 aos pensamentos latentes, et Ss permite isso é a interpretacio. nvém recordarmos, porém, que o que se i 7 © sonho sonhado mas ¢ relato "de sonho" eso, pelo'menos, ¢ que ocorre numa situaga i One or aterpectel ee ae io analitica em que o intérprete ndo proprio sonhador, mas o seu analista. O trabalho de i tagdo € realizad i i oak et ide hal G0 & realizado a0 nivel da linguagem € ndo ao nivel das ima- gens oniricas recordadas pelo paciente. O que se oferece a in- terpretago sto emanciados, e exes dover sr substituidos pelo 2 Cn runciados, mais primitivos e ocultos, que seriam a expressio do desejo do paciente. Para Freud, a questio. do sentido do sonho prende-se aos varios elementos oniricos que funcionam como significante e que, uma vez estruturados, forneceréo o sentido do sonho. Essa € a Fazdo pela qual Freud distingue dois métodos de interpretacao anteriores aquele que ele vai apresentar em A interpretagdo de sonhos: 0 método’ da interpretagao simbdlica e 0 método da de- Sinacdo. Ambes esses métodos so anteriores ao seu, e enquanto ciifmeiro. considera 0 sonho como wma totalidade, procurando Sabstitulo por outro que Ihe seja andlogo ¢ inteligivel, o método saosifragdo considera 0 sonhio em seus elementos constituintes, da decitragos. quais funcionando como um sinal eriptografico que Gadd UM Cibstituido por outro, segundo uma chave fixe. Amos eerErocedimentos padecem de’ defeitos graves. O metodo simbé- OS Prema, impreciso € diffeil de ser colocado em ter0% gerais, HO mH aleangarse uma foi possivel & ma constituir uma questo de de intuico direta, e, por esse motivo, ie sonho, por meio do simbolismo, ser 6x3 “dente da posse de dons peculiares: © bom éxito deve idéia arguta, (op. cits — ot -—, @ Discurso do Desejo 7 segundo método tem por defeito principal i fistonario de sonbos), além de ignorar os mecanismos de des. Jocamento € condensa¢do que veremos mais a frente. x, orem, tocte segundo método que a psicandlise vai se aprosimar mais “smterpretagéo de sonhos proposta por Freud também eae sidera os sonhos em seus elementos. Escreve Freud: a Nosso primeiro passo no emprego desse método nos ensina que fo que devemos tomar como objeto de nossa atengio nic € 0 sonho Como um todo, mas parcelas isoladas de seu contetdo, (...) Assim cotnétodo de interpretagdo dos sonhos que jé pratico difere, sob Sse primeiro aspecto importante, do método popular, histérico Iendario de interpretagéo por meio de simbolismo e aproxima-se ‘do segundo método ou de “decifragio". Como o segundo, ele empre- ga a interpretagio en dérail e nao en masse; como o segundo, con- sidera 08 sonhos, desde 0 inicio, como sendo de cardter miltiplo, ‘como sendo conglomerados de formagées psiquicas. (op. cit., p. 111) Dizer que cada elemento do sonho funciona como um sig- cante de algo oculto e inconsciente significa dizer que 0 sen- {ido do sonho nao est presente, desde o inicio, no conteado manifesto, mas que surgird a partir de um trabalho de estrutu- fagdo cujos operadores Freud nao tardara em explicitar. O con- teado manifesto é uma transcrigao dos pensamentos oniricos latentes cuja sintaxe é dada pelo Inconsciente. O importante € compreendermos, desde ja, que esse Inconsciente nio é uma coisa no interior da qual os pensamentos latentes sio transfor- mados e distorcidos; tampouco cle é algo compardvel as “pro- fundezas” do psiquismo de cujas entranhas emergiré um mate- rial misterioso e inacessivel ao pensamento consciente, Como diz O. Mannoni, o Inconsciente comumente aparece como aquilo de que se fala, quando, na realidade, ele fala a sua mancica, com sua sintaxe particular, Dai a frase famosa de Lacan segundo @ gual o inconsciente “é estruturado como uma linguagem” (Man- noni, 1976, p, 53). _ Os significantes so, pois, tributdrios de uma sintaxe due nio Ihes pertence ou pelo menos que ndo pertence ao sistema Pré-consciente/Consciente, Sio as distorgdes a que 0s pensamets ‘0s oniricos Iatentes so submetidos que vao nos servir de mele Para chegarmos a sintaxe do Inconsciente. Nosso préximo Passo ee ey Sera, portant, a an pnsciente samentos }; ‘lise do mee atentes ¢: dont ™ contetido ma nstormag aa Mifesto, naedo dos 7 EUINTERPRED AG AG Sabemos 6 quanto, para Preud 0. lugar Wransparente da verdade,’é'y lus do ‘oe sentido que se apreende oculta ue, na € essa importincia sera tanto maio so entre a linguagem eg desejo, E Tacionalista procurava afastar @ dea desse aparecer na sua pureza essence exatamente a verdade do desejo. S desejo que o discurso oculta, & sss com toda a carga modo desse desejo F quanto maior for a jo para que a verdade pu. a psicanalise vai procurar ua fungdo é fazer aparecer o .€ esse desejo é 0 da nossa infancia, de interdigdes a que € submetido. O tnico aparecer, de transpor a barreira imposta con- tinuamente pela censura, é de uma forma distorcida, cujo exem- plo privilegiado é © sonho manifesto. O sonho manifesto, assim como 0s sintomas, sao 0 efcito de uma distorgéio cuja causa é a censura. E a esse trabalho de distorgdo que Freud da o nome de io onirica” ou “trabalho do sonh Freud compara a censura dos sonhos A censura da impren- sa (ESB, ys. XV-XVI, pp. 168-69). Esta iiltima opera de duas maneiras: sobre 0 texto jd pronto ou, previamente, sobre sua elaboracdo. No primeiro caso, impde ao jornal cortes sobre certas noticias que, por essa razilo, serdo retiradas, ficando apenas 0 espaco em branco no papel. Se o jornal for da oposicio, o né- mero de espagos em branco pode ser de tal ordem que sua leitu- ra se torna ininteligivel, ou entio ficaré para ser lido sane te aquilo que nao interessa ou cujo interesse € aad Tet Pee A outra forma de censura € a que opera antes de o jorna! ¢ il aso, os redatores sabem, de antemdo, quais eeiclag gue aie objeto de censura, podendo assim modi tes, noticias ue ses Se ereels delibera- substitui-las por alusées vagas ou escrevé 18s oe een rane! damente obscura, Nesse caso, ao inves tos cotieye houve Uma serio as obscuridades do texto os indicador; ensura_prévia. : jra_andloga. AS . A eensura dos sonhos funciona de eee ae form partes omitidas do sonho ou aquelas ian acdio, trabalho esiranhamente confusa sfio os indicios de sua ashe © sniesto, que transforma os pensamentos Jatentes O Discurso do Desejo or jmpondo-lhes uma distorgio qui ee ingore ma ee ie om inte ow inverso, que procura chegar ao contetido ideals Gene oe ae ine que visa decirar a elaboragio onca, € 0 abalto de interpretagdo. A interpretagio &, pois, 0 oposto siméioo rig io poragdo onirica. Enquanto esta tem por objetivo tae ad gitra aos pensamentos onircos, a interpretagdo tem Pebictive 9 seu deciframento. Pe pee Esse caminho inverso a0 da elaboragio onirica que a inter pretagio tem de percorrer coloca uma questio de extrema im- portancia mas que no possuimos ainda meios para explicita adequadamente: trata-se do fendmeno da regresséo, Para sua per- feita compreensio, faz-se necesséria a concepgio t6pica do apa~ relho psiquico que Freud vai apresentar no famoso capitulo VII. Por enquanto, vamos nos contentar com o trajeto progressivo da elaboragdo onitica para depois entio realizarmos 0 regressivo. Freud aponta quatro mecanismos fundamentais do trabalho do Paho: condensacio, deslocamento, figurago ¢ elaboragio se- cundiria (esta, correspondendo mais propriamente a um segun- {do momento da elaboragio onirica). "a condensacao (Verdichtung) diz respeito ao fato de o con- tedido manifesto do sonho ser menor do que o conteiido laten'e, ee & deo conteédo manifesto ser uma “traduco abreviada” i arente. O inverso no se dé nunca; jamais o conteiido mee et eate pode ser maior do que o latente, A condensagio pode perar de trés maneiras: primeiro, omitindo determinados elemet re do contetido latente; segundo, permitindo que apenas Wm ‘do sonho latente apareca no fragmento de alguns complexos Sono manifesto; terceiro, combinando varios elementos do con teiido latente que possuem algo em comum, num inico elemen- to do contetido manifesto. © mecanismo da condensagio nai cle também esta presente no dito espin quecimentos de palavras etc. Um exempl! sonho pode ser dado pelo fato de uma p > festo poder estar representando varias pessoas do conteddo 1a- tente. Assim, essa pessoa do sonho manifesto pode ser parecida com a pessoa A do conteddo latente, mas esi vestida como @ pessoa B, ter gestos parecidos com os da pesso# Ce ter a mesma profissio’ da pessoa D. Caracteristicas pertencente® © quatro pes: Soas distintas podem estar reunidas numa unica pessoa do son manifesto. ‘0 ocorre apenas nos sonhos, ‘tuoso, nos 1apsos, nos eS Jo de condensagdo 20 essoa do sonho mani- ndensagio, o cdo, elope 0 deslocay ( 7 men- ica basican a Numa aideia havia O juri decidi Gecidiu que © crime devia ser punido; um Ferreiro que cometera um crime ca ime capital orém, como o fetreiro © como, por out por outro Ia enforcado em seu lugar. (Frew era o ti Ta 0 tinico na aldeia ¢ e1 M6 havin tes alfaiates, um destes fot ean ESB, v5. XVXVI, p. 209) No capitulo 8, i Lacan como correlates das duay tguras iundenents te hon siisca: metonimia ¢ a met nas figuras fundamenta's da lin terceiro mecanismo da elaboragio oniriea & a figuragt ou consideragio a figurabilidade (Riicksiche auf Dawteliberkiy, Consiste ela na selegdo e transformagio dos pensamentos do sonho em imagens. Freud chama atengio para o fato de que essa transformacio nao afeta a totalidade dos pensamentos oniticos; alguns deles conservam sua forma original e apareesin no sonho manifesto também como pensamentos. Esse mecanismo ¢, por si s6, um dos responsdveis pela distorgio ,resultante da elabora- Gao onfrica, Para se ter uma idéia desse efeito de distorcao, basta tomarmos o exemplo de Freud € que consiste em nos, entregar- mos A tarefa de substituir um editorial politico de um,jornsl por ima série de ilustragoes. O editorial foi feito com palavras € frases, agora temos de ‘ranscrevé-lo apenas com imagers No que se refere a certas passagens ‘do editorial, essa sub: deria até ser vantajosa, mas para outras, sobretudo aque’ Ge partes do discurso zessem uso de palavras abstratas ou ¢ P CF extremament implicassem relacdes, 2 representagao figural sen iitfcit ¢ inevitavelmente o significado tue essa intengdo 240 distorcido mesmo q} ae Finalmente, temos a elaboracao sect tot fim de a siste numa modificacdo Jo T's compres” y jue cons istorii beitung), 4 a historia ele apareca sob 4 forma de umi 0 Discurso do Desejo oo sivel. A finalidade da elaboracio secundaria 6 fazer com que o Sonho perca sua aparéneia de ubsurdidade, aproximando-o do pensamento diurno. Em seu artigo “Psicandlise”, escrito para 0 Frandworterbuch de M. Marcuse, Freud declara que, “estritamen- te falando, este ultimo processo (a claboragio secundaria) nao faz parte da elaboracéo onfrica” (Freud, ESB, v. XVII, p. 293), pois ela incide sobre um material ja elaborado pelos outros ine- ‘anismos. No entanto, em A interpretagdo de sonhos (ESB, vs. 1V-V, pp. 525-27), ele confere a elaboragiio secundaria um papel ativo na propria formagio do sonho ao upossar-se de um mate- rial j4 pronto — o das fantasias diurnas — ¢ introduzindo-o no contetido do sonho. Os mecanismos de elaboragéo do sonho, particularmente a condensagdo € 0 deslocamento, nos remetem a uma questio cuja importancia foi ressaltada pelo proprio Freud e que hoje em dia transformou-se em objeto privilegiado de estudo: a questio da sobredeterminagao ¢, como decorréncia, a questio da superinter- pretagao. SOBREDETERMINAGAO E SUPERINTERPRETAGAO © sentido de um sonho nunca se esgota numa nica inter- pretaco, e isso porque todo sonho é sobredeterminado, isto 6, um mesmo elemento do sonho manifesto pode nos remeter a séries de pensamentos latentes inteiramente diferentes. ‘A sobredeterminagdo nao é uma caracteristica apenas dos sonhos mas de qualquer formacio do inconsciente. Estas nos remetem sempre a uma pluralidade de fatores determinantes, tor nando impossivel esgotarmos o sentido de um sonho ou de um sintoma numa nica explicagio. A sobredeterminagao atinge tanto 0 sonho considerado como um todo, como seus elementos considerados isoladamente, ¢ isso acontece porque o sonho é cons- truido a partir de uma massa de pensamentos oniricos na qual aqueles elementos que possuem articulagdes mais fortes e nume- Tosas passam a formar 0 cortetido onfrico. Ocorre, porém, que os pensamentos que formam 0 contetido latente do sonho em nada diferem dos pensamentos da vigilia; © fato de serem censurados e inaceitaveis pode ser, inclusive, oo como um indicio de que séo construfdos da mesma forma £,fom a mesma corregio dos pensamentos da vigilia. E é pre- ‘amente por nao diferirem destes iltimos que cles tém de ser —_—__ Freud ¢ 0 Inconsciente 70 - Esse & » portato, a elaboragio onitica gue constitu: propriamente © sonhe, € nio'o conteido manifese i sobretudo através da condensagio © dio deslocamento que os pensamentos oniticos portadores de um valor psiquico muito elevado sio wansformados no contedde esto, A sobredeterminagdo diz respeito a telagiio do conted- Hesto com os pensamentos latentes e no 20s Pensamen- tes entre si, Os elementos do conteddo latente que estio associidos, por exemplo, a um determinado conteiido manifesto nao precisam estar associados entre si a nivel de conteudo la- tente, cles podem pertencer As mais diversas Tegides da contex- tura dos pensamentos oniricos, O problema da sobredeterminagio jé existia para Freud desde @ poca dos Estudos sobre a histeria. Nessa €poca, ele ja afirma- va que a génese das neuroses ¢ sobredeterminada, isto & que Watios fatores devem convergir para a sua formagao. Bese mul- uplicidade de fatores pertencia a duas ordens distiatas: uma que se referia as predisposigdes constitucionais, e outra que dizia res- Peito a pluralidade dos acontecimentos traumaticos. Freud foi concedendo cada vez mais importancia teérica a esse segundo Erupo de fatores. J4 ao final dos Estudos, ele escreve: A cadeia légica (que liga o sintoma ao nucleo Patogénico) corresponde niio somente a uma linha em 2iguezague, retorcida, mar antes @ um sistema em ramificagio de linhas © mais particularmnente & uma linha convergente, Contém pontos nodais nos quais, dois ou mais fios se reiinem © dai continuum como um sé; ¢ em geral vA. Tios fios que se estendem independentemente, ou sao ligados em varios Pontos por caminhos laterais, desembocam no nuicleo. Expressan. flo-o em outras palavras, ¢ notivel como muitas vezes um sine toma € determinado de varias manciras, é sobredeterminado. (ESB, - IL, pp. 346, 347) Volto a lembrar que, apesar de Freud ter desenvolvido, 0 Problema da sobredeterminagao mais a nivel dos processos oni- Ticos, ela se aplica a toda a formagio do incorsciente ¢ nao apenas aos sonhos e aos sintomas. . ‘A questo da sobredeterminagio nos remete diretamente a questo da superinterpretacao. Esta diz Tespeito a uma segunda oun i868 que se sobrepde A primeira e que nos fornece UM Inte srsStificado do sonho distinto daquele que foi obtido pela merpretagao original. A superinterpretagio ndo ocorre em vit- » do Desejo es u curs o tude de ter a prim revelado de forma incompleta o sentido dos 4 primeira interpretagio tenha sido corret jncompletude que Ihe € essencial, sido Figor, niio hit interpretagio completa (e isso io bredeterminagao do sonho, como veremos 1 we Freud: io chegou ao fim quando tem em miios un pleta, uma interpretagio que faz sentido, que “superinterpretagdo” que Ihe escapou, (Freud, ESB, vs. 1V-V, p. 558) (O emprego que Freud faz da nogio de superinterpretagiio niio & porém, muito preciso. Assim & que ela tanto pode aplicar-se ‘aos sonhos pelo seu cardter sobredeterminado, como pode ser de- Corrente do fato de o analisando apresentar novas associagdes ao material oferecido originalmente ao analista, No primeiro caso, 4 superinterpretacdo € imposta pela elaboracdo onfrica; no segun- do, cla é imposta pela multiplicagio do material associativo. Se empregarmos a nocao de superinterpretagio num, sentido amplia- do, abarcando tanto a sobreposigio das significagdes quanto 0 au- mento do material por decorréncia de novas associagoes, podemos dizer que 0 trabalho de interpretagiio pode prosseguir indefini- damente, Esse cardter de inacabamento essencial da interpre- tacio nfo decorre de uma deficiéncia do método mas & consti- tutivo dele. Significa, sobretudo, que nao hé comeco nem fim absolutos, que ndo ha uma verdade essencial & imutavel a ser descoberta, e, mais do que tuclo, que nao hd sentido sem inter pretacéo assim como nio hd interpretagdo sem sentido. Sentido sie que € interpretacdo néo so duas realidades exteriores entre se encontram na situacao analitica, eles no possuem nenhuma existéncia prévia quando considerados isoladamente. Nao ha sen- tido original, todo sentido jé € uma interpretagao, assim como de_ sentido. toda interpretagdo é uma forma de constitui¢do Em duas passagens exemplares de A interpretagao de sonhos, Freud faz referéncia ao fato de que “existe pelo menos um Po to em todo sonho no qual ele € insondével — um umbizo, pot assim dizer, que € seu ponto de contato com o desconhecido” re Freud e 0 Inconsciente (op. cit., p. 119, nota 2). Esse ponto do sonho deve ser deixado na obscuridade, ele € constituido por um emaranhado de pens. mentos onfricos que nfo deve nem pode ser desemaranhado e que nao pode acrescentar nada a0 nosso conhecimento do contewde do sonho (op. cit., p. $60). A aproximagio a esse “umbigo do sonho” é a aproximago a0 ponto de ruptura da prépria inte pretagao. 7 Ha ainda um outro aspecto da sobredeterminagéo ¢ da su. perinterpretacdo que deixei deliberadamente para o fim: 6 aque. Je decorrente do simbolismo inerente ao sonho. Deixarei esse’ ag. Pecto para ser examinado num item & parte. A razdo dessa sepa. ragdo € que a sobredeterminagio do simbolismo do sonho nis ¢ decorrente da elaboragdo onirica, mas um produto da propria cultura. O SIMBOLISMO NOS SONHOS A questio do simbolismo nos sonhos nao recebeu, de inicio grande importancia por parte de Freud e foi gracas A influénci, de Wilhelm Stekel que ele se propés reformular sua apresenta ao inicial do tema, introduzindo na quarta edicio de A inter pretacao de sonhos (1914) uma nova secSo sobre o simbolismo A importancia menor atribuida ao simbolismo, antes dessa data pode ser atestada pela oposicdo feita por Freud, por ocasiio d: primeira edig&o da Traumdeutung, entre a interpretacdo simbéd lica e © método de decifracao, e a afirmacio de que este ultime cra o que estava mais préximo do método psicanalitico. Nao pretendo entrar aqui na discussio sobre a natureza do simbolo nem apresentar as varias teorias existentes sobre o as- sunto. No entanto, dada a extrema diversidade de sentido de que se revestem termos tais como simbolo, simbélico, simbolismo, simbolizacao, funcao simbélica etc., vejo-me na obrigagdo de es- tabelecer alguns referenciais para 0 seu emprego neste trabalho €, sobretudo, para o emprego que Freud faz de alguns deles. Etimologicamente, a palavra “simbolo” vem do grego (sym- bolon) © era empregada dentre outras maneiras para designar as duas metades de um objeto partido que se aproximavam (La- lande, 1968). Esse significado etimoldgico é interessante por mi dicar que, desde suas origens, 0 emprego do termo jé era feito nfo no sentido de expressar uma qualidade de objeto mas uma relaciio, e, mais ainda, 0 simbolo ja era, desde Aristételes, visto © Discurso do Desejo Py como um signo convencional (ndo-natural). # essa navureza com vencional do simbolo que, para além das divergéacias teonen pode ser apontada como sua caracteristiea fundemennal 7 Tomemos como referencial a distingio feita por C. 8. Peirce (1977, pp. 63-76) entre icones, indices € simboios. Todos ce sio signos, ¢ um signo € considérado por ele como vendo aquie que, Sob ceito aspecto ou modo, representa alguma coisa face objeto). Em fungao de sua relagio com 0 objeto, um signe pode ser denominado indice, icone ou simbolo. Um signo é denomi- nado indice (ou sinal) quando mantém uma relacio diteta com 9 objeto que ele representa. Assim, uma rua molhada pode ser indice ou sinal de que choveu. Um signo & denominato icone quando sua relagio com 0 objeto é de semelhauga. E 0 caso, por exemplo, da relacdo exisiente entre um retraio e 0 retritado’ Umm signo pode ainda ser denominado simbolo, e isso aconiece quan- do sua relagéo com o objeto ¢ arbitréria ou convencional, isto é, ndo-natural. E 0 caso das palavras, Ao contratio dos indices € dos icones, os simbolos “nio sio procuradores de seus objetos, mas veiculos para a concepgio de objetos”, como diz S. Langer (1970, p. 70). Isso quer dizer que um simbolo no indica nenhuma coisa em particular; ele ape- nas denota uma espécie de coisa (Peirce, 1977, p. 73) E esse cardter arbitrério do simbolo que faz com que ele seja tomado num sentido mais ou menos amplo. O termo “ar bitrério” referido ao simbolo nao designa gratuidade ou ausén cia de ordem, mas o fato de que o simbolo ndo pertence a0 uni- verso fisico ou biolégico e sim a0 universo do sentido. Ele € arbitrério ou convencional porque ndo é natural. Ocorre, porém, que para alguns autores todo fendmeno social é considerado tam. bém como sendo arbitrério, 0 que pode fazer com que, por iden tificago, a nogo de simbolo adquira a mesma extensio. Para Marcel Mauss, por exemplo, seja ele 0 mais bem-adaptado aos methores e mais numerosos © mais racional possivel, o mais humano, ele € ainda arbiirdrio. (cit. P. Bourdieu, 1974, p. XXVI) a mesma linha de pensamento, Lévi-Strauss vai colocar o sim- lico como 9 Préprio a priori do I. Para ele, nao hd fatos “eciais que so, em seguida, simbolizsveis, mas, a0 costrario, a Pe } | 0 Discurso do Desejo 1 3 como um signo convencional (ndo-natural), yencional do simbolo que, para além dus. di pode ser apontada como sua caracteristin fundamen ‘Yomemos como referencial a disting 40 feitu por C. S$. Peirce (1977, pp. 63-76) entre fcones, indices © simbolos, “‘Yodos nee sio signds, eum Signo é considerady por ele como sendo ayulo que, sob certo aspecto ou modo, representa alguma coisa (eeu objeto). Em fungi de sua relagio com o objeto, um signo pode ser denominado indice, fcone ou simbolo. Um sign 6 denomi. nado indice (ou sinal) quando mantém uma relagio direta com 0 objeto que ele representa. Assim, uma rua molhada pode ser fndicz ou sinal de que choveu, Um signo é denominado icone quando sua relago com 0 objeto é de semelhauga. £2 0 caso, por exemplo, da relagdo existente entre um retrato ¢ 0 retratado. Um igno pode ainda ser denominado simbolo, ¢ isso acomtece quan- do sua relagdo com o objeto é arbitriria ou convencional, isto 6, ndo-natural. B 0 caso das palavras. Ao contririo dos indices ¢ dos icones, os simbolos “nio sio procuradores de seus objetos, mas veiculos para a concepgio de objetos", como diz S. Langer (1970, p. 70). Isso quer dizer que um simbulo nie indica nenhuma cojsa em particular; cle ape- nas denota uma espécie de coisa (Peirce, 1977, p. 73). E esse carter arbitrério do simbolo que faz com que ele seja tomado num sentido mais ou menos amplo. O termo “ar- bitrério” referido ao simbolo n&o designa gratuidade ou ausén- de ordem, mas 0 fato de que o s{mbolo néo pertence ao uni- verso fisico ou biolégico e sim ao universo do sentido. Ele é arbitrério ou convencional porque nao é natural. Ocorre, porém, que para alguns autores todo fendmeno social é considerado tam- bém como sendo arbitrério, 0 que pode fazer com que, por iden- tificagio, a nogio de simbolo adquira a mesma extensio. Para Marcel Mauss, por exemplo, essa nutureza con- vergencias tebricus, todo fendmeno social tem na verdade um atributo essencial; seja um simbolo, uma palayra, um instrumenio, uma instituigio; seja mes ™o a lingua, € até a ciéncia mais bem-fe'ta; seja ele o instrumento mais bem-adaptado aos melhores ¢ mais numerosos fins, seja ele © mais racional possivel, 0 1 P. Bourdieu, 1974, p. XXVI) humano, ele é ainda arbitrdrio. (ci Na mes Bélico soci ma Tinha de pensamento, Lévi-Strauss vai colocar 0 sim- £0mo © préprio a priori do social. Para ele, nao h4 fatos ue so, em seguida, simboliziveis, mas, a0 contrério, a Freud ¢ 0 Inconsciente tir do pensamento simbélico. O cial mas seu ponto de ‘A pripria comunicagao nfo & possivel seniio em fungio funda a linguagem e torna possivel ficamente humana ¢ su- de inconsciente. Voltarei Nida social s6 pode emergir ap: smbolico nao ¢ 0 ponto de chegada do so i de um sistema simbélico que © social. Essa funcdo simbédlica, especi jeita a leis, € 0 que Lévi-Strauss chama ninda a esse ponto. ‘A nocio de simbolo recebe, xima com E. Cassirer, que faz da Gor entre a subjetividade e o real. Para Cassirer, em lugar de de~ finirmos o homem como sendo um animal racional, deveriamos Gelinele como um animal simbélico, pois ndo é a racionalidade que torna possivel a simbolizagdo, mas, ao contrdrio, esta é que 25 precondigao da racionalidade humana (Cassirer, 1945a, b) ‘Assim, nao somente a linguagem verbal mas a cultura na sua to- Dalidade, incluindo os ritos, as instituigdes, os costumes etc., sio is. Como a questo do simbolo seré considerados formas simbdlica Snalisada de forma mais ampla quando estudarmos a contribui- Gao de J. Lacan para a psicandlise, limitar-me-ei a assinalar, por Enquanto, @ transformagdo que 0 conceito de simbolo sofreu nos primeiros escritos de Freud e 0 que representou 0 momento de ‘A interpretagao de sonhos. (O primeiro emprego que Freud {az da nocio de simbolo é em seu artigo de 1894: As neuropsicoses de dejesa. Utiliza-o fomo sindnimo de “sintoma mnémico” ou “sintoma histérico”, querendo com isso dizer que o fendmeno em questo funciona domo “simbolo” de um traumatismo patogénico (Freud, ESB, v. II, p. 61). Ao apresentar o caso de Elizabeth von R., Freud esereve que poderiamos supor “que a paciente fizera uma asso- ciago entre as suas impresses mentais dolorosas ¢ as dores corporais que sentia, e que agora, em sua vida de lembrangas, estava usando suas sensagdes fisicas como simbolo das_mentais” (ESB, v. I, p. 193). Fica claro, pelo exemplo, que Freud em- prega 0 termo “simbolo” como sindnimo de “sinal”, ao fazer das lembrangas de Elisabeth von R. um mero sinal temporal de um acontecimento traumatico. Nesse caso, 0 cédigo que permi- tira decifrar 0 “simbolo” € absolutamente privado, individual, nada tendo de universal. Um sinal dessa espécie niio pode set interpretado simbolicamente; a Gnica forma de chegarmos a0 seu significado € através das associagdes feitas pelo paciente, j4 que no entanto, sua extensdo mé- “fungdio simbélica” 0 media~ eee 0 Discurso do Deseio aa paralelamente a esse primeiro emprego da nogdo de simbolo, reud faz uso do mesmo termo com um sentido que jé demoas- wa certa independéncia com relacio ao de “simbolo mnémico”: que ele denomina “ato sintomatico simbélico”, do. qual nos roreve um excelente exemplo em A psicopatologia da vida coi- Srana (cit. p- Lorenzer, 1976, p. 17). Apesar de longo, vale a pena transerevé-l0: Eu estava almogando num restaurante com meu colega H. outor em filosofia, Falou das dificuldades dos estudantes antes da formatura, e mencionou de passagem que, antes de terminar seus cstudos, havia trabalhado como secretirio do embaixador ou, mais exatamente, do ministro plenipotenciario e extraordinario do Chile. “Mas entéo 9 ministro foi transferido e néo me apresentei 20 seu sucessor.” Enquanto diza a a sentenca, ergucu um pedago de bolo até a boca, mas deixou-o cair da faca de modo aparente- mente desajeitado. Entendi logo o significado oculto desse ato sin- como que cusualmente, v.m, dizendo ao mew no entanto, no percebeu que minhas palavras bom bocado.” El te referir-se a0 seu ato sintomatico, © poliam igualment mesmas palavras com uma vivacidade surpreend como se minha observagio Ihe tivesse tirado a palavra a. boca: bom bocado”, e em seguida aliviow'se com uma desctigio detaihada do modo desajeitalo pelo qual perdera aquele emprego bem pago. O significado do ato sin- fomitico simbilico torna-se mais claro tendo em vista que meu colega tinha escripulos de descrever, a um coahee'do bustante dis tante como eu, a precariedade di sua situaio material, Portanto, tal pensamento intrometido disfargou'se em ato sintomatico que primiu simbolicamente aquilo que estava para permanecer oculto, @ dessa mancira Ihe dew alivio proveniente de fontes inconscientes (Freud, v. VI, p. 240) im, certamente perdi ul LA diferenga entre 0 ato sinsomdtico simbélico e 0 simboro mnémico € que no primeiro podemos detectar uma ‘analogia de coateddo entre 0 signo e o referente, enquanto no segundo essa ee nio precisa estar presente. A analogia entre “perder um fem emprezo” e “deixar cair um bom pedaso de bolo da boca € bastanie clara, ao passo que nos simbolos mnémicos exis- S.Quslquer semelhanca entre o signo € 0 referente; 0 signo ndo PTESSa 0 ato traumético, apenas associa-se a ele temporalments retegé” Porém, em A interpretacdo de sonhos ave Freud vai se 2 simbolos que se distinguem fundamentalmente dos re- 76 Freud € 0 Inconsciente feridos anteriormente. A existéncia desses simbolos foi-lhe suge- rida pelo fato de que certos desejos ou certos conflitos eram re- presentados no sonho de forma scmelhante, independentemente ceeonhador. A’ esses sonhos, Freud chamou “sonhos tipicos’. Ensee sonhos (e nio apenas eles), langam mio de simbolos jé te de cada individuo. Encon- existentes ¢ presentes no inconscien famos esses. simbolos ndo apenas nos sonhos mas na arte, nds vane. na religiao, ¢ sua caracteristica basica é a, constancia da felagao entre 0 simbolo eo simbolizado, relagio essa Gv pode cer ie forma, de fungdo, de ritmo etc. Freud chama a esses Stl. bolos “elementos mudos” do sonho, pois sobre eles o paciente € incapaz de fornecer associagdes. “A cxisténcia desses simbolos nos sonhos faz com que sejam exigidas duas formas distintas de interpretagdo: wma ave faz uso see Gssociagoes fornecidas pelo paciente ¢ outra que se Txt diretamente sobre os simbolos. A razdo disso esté em que, no primeiro caso, a chave que permite ao intérprete decifrar 0 sen- tido do sonho é individual e pertence ao sonhador. O tnico meio de burlar a censura e chegar a0 significado oculto é através das se rites que 0 sonhador realizar. Nao existe, nesse caso, 66- sao poral ou universal. O cédiga & privado. No caso dos sonhos ue empregam simbolos, 0 sonhador se serve de algo j& prow pesar deo sonho ter sido uma produgao sua, simbolo utili- zado pertence a cultura ¢ seu significado transcende ao sonhador. repterpretagao nesse caso depende do conhecimento que o in: Lexprete. possui dos simbolos ¢ nao das associagdes fornecidas.! Freud chama atengo para o fato de que, apesar de os sim- polos empregados nos sonhos serem muito numerosos, os campos gos quais se confere uma representagdo simbélica so relativa ante reduzidos. O corpo humano, os pais, os filhos, o nasci- imento € a morte, a nudez e a sexualidade, so campos privilegia- dos pelo simbolismo onirico. O CAPITULO VII E A PRIMEIRA TOPICA Jé foi dito que o capitulo VII de A inter; ae é ‘ pretacao de sonhos € 0 herdeiro do Projeto de 1895 (Ricoeur, 1977, p. 83). Devemos en- tender por isso que no capitulo VII Freud retoma um ponto de 1 Na Conferéncia X das Conferénci Conternsin X das Conferéncian invedutéras, Freud fornece num:

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