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‘+ A Historia 6 0 Conceito na Literatura Medieval — Katharina + Sociedade Feud! — Guorriras, saverdotes © abshodores — Francisco C. T. de Siva Coleco Tudo @ Histéria ‘= As Cruzadas — Hiério Franco 0 Foudalismo — Hiléio Franco Jr 0 Impbrio Bizantino — Hilério Franco Jr. A Inquisigio — Anita Novinsky + 0 Mundo Carolingio — Sonia Regina de Mendonca HILARIO FRANCO JUNIOR A Idade Média: nascimento do Ocidente _ 2 edicao revista € ampliada editora brasiliense 1988 Introducaio O periodo tradicionalmente conhecido por Idade Média abrange cerca de um milénio, durante o qual um conjunto de caracteres marcantes e especificos criou uma personalidade hist6rica prépria, que nos permite falar dela diferencialmente em relacdo a outras épocas. Que tenha sido adequado ou n&o ‘© nome que the foi dado — Idade Média — & questo que examinaremos no préximo capit De momento, lembre- ‘mos que se hoje se reconhece 0 de cidadania historica a Idade Média, ainda nao conhecemos sua certid&o de nasci- mento ¢ seu atestado de Sbito, Na verdade, nao se trata de um ponto essencial, mas por muito tempo a historiografia Procurou estabelecer as balizas cronolégicas medievai guindo uma perspectiva muito particularista (as vezes ca, as vezes religiosa), ja se falou, dentre outras datas, em (deposigao do ializagao do cristianismo) ou 330 (reconhecimento da liberdade de culto aos cristaios) como o ponto de partida da Idade Média. Para seu término j& se pensou em 1453 (queda de Constanti- Guerra dos Cem Anos), 1492 (descoberta da 7 (inicio da Reforma Protestante). fe, sendo a Historia um processo, deve-se re- nnunciar a busca de um fato que teria inaugurado ou encerra- do um determinado periodo. Porém ainda assim os proble- mas permanecem, pois nao ha unanimidade sequer quanto ao sécuio em que se deu a passagem da Antiguidade para a Idade 2 AIDADE MEDIA: NASCIMENTO DOOCIDENTE Média. O mesmo ocorre no que diz respeito & transigao dela para a Modernidade. Mais ainda, apesar da existéncia de estruturas basicas ao longo daquele milénio, nao se pode pen- 0, num imobilismo. Passou-se entdo a subdividir a em fases que apresentaram certa unidade terna. Mas, também aqui, nao chega a haver consenso entre historiadores. Desta forma, a periodizag4o que Propomos nfo é a tinica aceitavel, ainda que nos pareca mais adequada ‘Amaneira como montamos este liv to é, buscando a com- reensdo das estruturas (¢ ndo dos eventos) medievais. Sendo, vejamos. O periodo que se estendeu de icl- lo século LV a meados do século VILL, sem diivida, apre- uma feig4o propria, ndo mais “antiga’’, porém ainda '. Em fung&o disso, talvez seja de Primeira Idade Média do que usar 0 velho rétulo de Antiguidade Tardia. De qualquer forma, ¢ é isso que importa, tal periodo care izou-se basicamente pelo inicio da convivéncia, e da le srpenetragao, dos trés elementos hist6ricos que comporiam todo 0 periodo me- dieval. Podemos, portanto, chama-los de Fundamentos da Idade Média: Roma, germanos, Igreja. O Império Romano, 4ap6s a profunda crise do século III, tentou a sobrevivencia através do estabele lento de novas estruturas, que nAo im- pediram (e algum: mesmo acelerg sua decadéncia, ‘mas que permaneceriam vigentes por séculos, Foi o caso, por exemplo, do carater sagrado da monarquia, da aceitagao de germanos no exército imperial, da petrificagdo da hicrarquia Social, do crescente fiscalismo sobre o campo, do desenvolvi- mento de uma nova ic Nesse mundo em w6Oes reciprocas entre chefe e guerreiros, do deslocamento para o norte do eixo de gravidade do Ocidente, que perdia seu carater mediterrani- £0. A Igreja, por sua vez, foi o elemento que possibilitou a ‘articulagao entre romanos ¢ germanos, o elemento que ao fi intese daquelas duas sociedades for) essencial paraa civilizagao medieval. Isto foi possi- Yel pelo proprio carter da Igreja nos seus primeiros tempos, INTRODUGAO 8 De um lado ela negava aspectos importantes da civilizagao romana, como o carater divino do imperador, a hierarquia social, o militarismo. De outro, ela era um prolongamento da romanidade, com seu carater universalista, com o Cristianis- mo transformado cm religiio do Estado, com o latim que através da evangelizacdo foi levado a regides antes inatin- gidas. sintese — cuja melhor expressto seria entfio que se atingii riamente, uma nova unidade pol a com Carlos Magno, mas sem se interromper as forte Profundas tendéncias centrifugas que levariam posteriormen- tea fragmentagao feudal. Contudo, para se alcangar essa ef@- jidade, a dinastia carolingia precisou ser legitimada do seu poder sagrado se via como tinic: da, os soberanos c: torial italiano a Igreja, que ent&o se corporificava e ganhava condicdes de se tornar uma poténcia politica atuante. Ade- mais, dando forsa de lei ao antigo costume do pagamento do dizimo a Igreja, os carolingios vincularam-na definitivamente economia agraria da época. resses entre a Igreja e 0 Império possibilitou uma certa recupe- ago econdmica ¢ o inicio de uma retomada demografica. Co- Mesou ento a expansdo territorial crist& sobre regides pagis — que se estenderia pelos séculos seguintes — reformulando © mapa civilizacional da Europa. Por fim, como resultado disso tudo, deu-se a transformagao do latim nos idiomas neo- latinos, surgindo em fins do século X os primeiros textos lite- rarios em lingua vulgar. Mas a fase te ia em crise, devi- do as contradigbes do Estado carolingio e a uma nova onda de invas6es (vikings, muculmanos, magiares). ‘7 Dessa forma, a Idade Média Central (séculos XI-XII1) foi, grosso modo, a época do Feudalismo, cuja montagem tinha representado uma resposta a crise geral daquele mo- mento. De fato, utilizando material hist6rico que vinha desde 0 século IV, 0 Feudalismo, nascido no século X, conheceu seu periodo “‘classico" entre 0 século XI e o XIII. Assim ‘A IDADE MEDIA: NASCIMENTO DO OCIDENTE reorganizada, a sociedade crista ocidental conheceu uma for- te expanstio populacional ¢ uma conseqiiente expansio torial, da qual as Cruzadas sao a face jada pela maior procura de mercador evigorou e se di- u essa tendéncia, fe mais rica da Idade Média, dai ter merecido em todos os capitulos uma maior atengao. Mas dessa maneira a propria esséncia do Feudalismo — Sociedade fortemente estratificada, fechada, agraria, frag- mentada politicamente ingida. De de voncorréncia com ela, desen to urbano, ‘mercantil, que buscava outros valores, que expressava e a0 ia sobrepujando o primeiro, emergiam as cidades, as univer- sidades, a favam tais transforma- 90es, pois inegavelmente caminhava-se para novos tempos. sulo X1V-meados do século XVI) com suas crises ¢ seus rearranjos represenitou exatamen- levara o sistema aos limites, . Logo, a recuperacao a partir de meados do século XV dava-se em novos moldes, estabele- cia novas estruturas, porém assentadas sobre elementos me- brimentos (baseados nas viagens dos norman- Renascimento (no Renascimento do sé- , Absolutismo (na ico da Idade Média foi se acele- com ele nossos conhecimentos sobre 0 periodo. Sua e adolescénci IxtRoDUuGAo. 3 ponto de inflexao foi o século XI geral (demografica, econdmica, fase de expansdo, ¢ desta sairia a rocesso aos velhos tempi cronologicamente a diviso que acabamos de exami estudo desigual de cada uma das fases acompanha, grosso inversamente seu ritmo hist6rico e, diretamente, a dis- idade de fontes e trabalhos sobre elas. O (pre)conceito de Idade Média Se utitizéssemos numa conversa com homens medievais a expresso Idade Média, eles nao teriam idéia do que isso poderia significar. Eles, como todos os homens de todos os ericdos ‘eos, se viam vivendo na época contempori- mos de Idade Média, foi o século XVI que elaborou tal con- ceito. Ou melhor, tal precon: © termo expressava ir 8 localizados entre a ‘© Renascimento da civilizacao greco-l que estivera entre esses picos de criatividade a (de seu proprio ponto de vista, é claro) nao hiato, de um intervalo. Logo, de um tempo interme uma idade média. Admirador dos clissicos, o italiano Petrarca (1304-1374) ja se referira ao periodo anterior como de tenebrae: nascia 0 mito historiografico da Idade das Trevas. Em 1469 0 bispo i ipal, falava em media tem- mas também com o sen- ". A idéia se enraizou juma obra biogré- tido figurado de ‘‘flagelo’ ‘ruina’ quando em meados do século XVI Vasari fica de grandes artistas do seu tempo, po} Renascimento. Assim, por contraste, difundiram-se em rela- 1 A IDADE MEDIA: NASCIMENTO DO OCIDENTE ‘glo a fase anterior as expresses media aetas, media antiqui- fase media tempora. De qualquer forma, o critério era inicialmente filolé- gico. Opunha-se o século XVI, que buscava na sua produgdo literaria utilizar o latim nos moldes classicos, aos séculos anteriores, car idos por um latim “barbaro”. A arte medieval, por fugir aos padroes classicos, também era vista como grosseira, dai o grande pintor Rafael (1483-1520) chama-la termo entao sindnimo de ‘barbara’ Na mesma linha, Rabelais (1483-1553) falava da Idade Média como a “espessa noite g¢ No século XVII, foi ainda com aquele sentido filolégico que passou a prevalecer a ex- resso medium aevum, usada pelo francés Du Cange em 1678. Mas o sucesso do termo veio com o manual escolar do alemao Christopher Keller (conhecido também pela latinizacao de seu nome, Cellarius) publicado em 1688 e intitulado Historia Medii Aevi a temporibus Constantini Magni ad Constantino- polim a Turcis captam deducta. Esse livro completava outros dois do autor, um dedicado aos tempos “antigos” e outro 405 “'modernos' © sentido basico mantinha-se renascentista: a ia” teria sido uma interrupgdo no progresso hu- mano, inaugurado pelos gregos e romanos ¢ retomado pelos homens do século XVI. Ou seja, para o século XVII 0s sécu- los ““medievais"” também eram vistos como de barbarie, igno- rAncia ¢ supersti¢ao, Os protestantes criticavam-nos ‘como época de supremacia da Igreja Catdlica, Os homens ligados 4s poderosas monarquias absolutistas lamentavam aquele pe- riodo de reis fracos, de fragmentacao pol tura muito ligada a valores e: O século XVIII, is © anticlerical, acen- {wou © menosprezo @ Idade Média, vista como momento jobreza ¢ do clero. A filosofia da época, chamada de iluminista por se guiar pela luz da Razao, censurava sobre- is criticas, para Diderot ‘sem religito, seriamos um pouco mais felizes"”. Para Con- (© (PRE) CONCEITO DE IDADE MEDIA dorcet, a humanidade sempre esteve numa marcha em dire- S$lo 20 progresso, com exce¢o do periodo no qual predomi. nou o Cri . Para Voltaire, os do fanatismo e do atraso daquela fase histérica, por isso afirmava, vindade de seus caracteres terem sut A posi¢do daquele pensador sobre Contudo, com o Romantismo da primeira metade do sé- ‘culo XIX 0 preconceito em relagao a Idiade Média se inverteu. © ponto de partida fora a questio da que ganhara forte significado com a Revolucdo Francesa. conquistas de Napoledo alimentaram o fendmeno, com a pre- tenso do imperador francés de reunir a Furopa sob uma ti ca direcao, despertando em cada regiéo dominada ou amea sada uma valorizagao de suas especificidades, de sua persona- lidade nacional, enfim, de sua histéria. Ao mesmo tempo, tudo isso punha em xeque a validade do racionalismo, tao exaltado pela centiria anterior, € que levara a Europa aquele contexto de conturbagdes, revolugdes © guerras. Ai estavam as raizes do Romantismo e sua nostalgia pela Idade Média. Michelet em 1845 a exaltava como “aquilo que amamos, aquilo que nos amamentou quando pequenos, aquilo que foi o nosso pai e nossa mae, aquilo que nos canta- va tao docemente no bero””. Assi de origem das nacionalidades, ela satisfazia os novos senti- mentos politicos do século XIX. autoridade ¢ tradicgo, a Idade Média oferecia um remédio & inseguranga ¢ aos problemas decorrentes de um culto exage- rado ao cientificismo. Vista como fase hist6rica das liberda- des, das imunidades e dos privilégios, reforcava o liberalismo burgués vitorioso no século XIX. Desta maneira, 0 equilibri a harmonia na literatura e nas artes, que o Renascimento ¢ © Classicismo do século XVII tinham buscado, cedia lugar & paixdo, & exuberancia ¢ a vitalidade encontraveis na Idade Média. A verdade procurada através do raci rao Iluminismo do século XVIII, cedia lugar a valorizagao dos sentidos, do instinto, dos ‘sonhos, das recordacdes. Abundam entdo obras de ambientaco ou tematica medie- 20 ‘AIDADE MEDIA: NASCIMENTO DO OCIDENTE vais, como Fausto (1808 ¢ 1832) de Goethe, O Corcunda de Notre Dame (1831) de Victor Hugo, os varios romances his: téricos de Walter Scott (1771-1832), dentre eles fvanhoé e Contos dos Cruzados. Mas a Idade Média dos romanticos era t&o preconcei- {uosa quanto a dos renascentistas e dos iluministas. Para es- ia sido uma época negra, a ser relegada da memoria historica, Para aquel “a coisa mais elevada” que tha produzido. Dai o século do Romantismo ter lacios e igrejas neog6ticas, mas inventando detalhes, modifi- cando concepcdes, criando a sua Idade Média. Na erudicdo 0 século XIX foi mais feliz na sua paixao pela época medieval, fundando sociedades historicas, editando textos, organizan. do grandes colegdes documentais como a Monumenta alema (6) ¢ a Patrologia francesa (7). De qualquer forma, a Idade Média permanecia incompreendida. Aos preconceitos ante- da idealizacao, jé antecipado por Lessing te da Idade que seja! Mas era uma Finalmente, com o século XX se passou a tentar ver a Idade Média com os olhos dela propria, nao com os daque- les que viveram ou vivem noutro momento. A fungdo do his- toriador ¢ compreender, nao julgar 0 passado. Logo, 0 tinico referencial possivel para se ver a Idade Média, é a propria ia. A partir dessa postura, e elaborando, par intimeras novas metodologias e técnii riografia medievalistica deu um enorme salto qi Sem o risco de exagerar, pode-se dizer que o mediev: tornou uma espécie de carro-chefe da historiografia contem- Porinea, abrindo caminhos ao propor temas, experimentar Imétodos, rever conceitos, dialogar intimamente com outras ciéncias humanas. Curiosamente, isso nfo apenas deu um grande prestigio 4 produeao me istica nos meios cultos, bém popularizou a Idade Média diante de um sto, porém de forma bem mais consciente do jasmo revelado pelo século XIX. (© (PRE) CONCEITO DE IDADE MEDIA a Mas, enfim, que conceito tinham da “‘Idade Média"” os proprios medievos? Questo dificil, pois enquanto o clero Oferecia varias respostas, a partir de interpretagdes teoldgi- ‘648, 0s Iaicos de forma geral (sobretudo os camponeses) man- tinham-se ainda presos a concepgdes antigas, pré-cristds. Simplificadamente, essa bipolarizacdo quanto & Historia partia de duas visdes distintas quanto ao te agi, fortemente enraizada na psicologia col existéncia de um tempo ciclico, daquilo que : “‘mito da eterno retorno"’. Ou seja, as primeiras sociedades 86 registravam 0 tempo biologicamente, sem transforma-lo ‘em Histéria, portanto sem consciéncia de s de, Isso porque, para elas, viver no real era viver manos, arquetipicos. Logo, tanto o tempo is) quanto 0 profano (do quotidiano) so existiam por reproduzirem atos ocorridos na origem dos tempos. Dai a importancia da festa de Ano Novo, que era uma retomada do tempo no seu comero, isto é, uma repeti- ‘$40 da cosmogonia, com ritos de expulstio de demOnios e de doengas. Tal concepeAo sofreu sua primeira rejeig’io com 0 Judafsmo, que via em Iavé ndo uma divindade criadora de estos arquetipicos, mas uma personalidade que intervém na Historia. O Cristianismo retomou e desenvoiveu essa idéia, tornando a Histéria linear: hé um ponto de partida (Génese), ‘um de inflexdo (Encarnacéo) e um de chegada (Juizo Final). Portanto, linear mas no ao infinito, pois ha um tempo escatolégico* ¢ Ressurreicao de Jesus, quer dizer, o fiel ao participar da Teproducéo do evento divino volta a0 tempo em que ele se deu. Ou seja, a cristianizaao das camadas populares no aboliu a teoria ciclica, pelo contrario, permitiu por influéncia dela o reforco de certas categorias do pensamento m Colocada na confluéncia dessas trés concepedes (circu- jear, escatol6gica), a Sociedade medieval oscilava quan- portancia da quantificagio do tempo. Como na Anti 2 AIDADE MEDIA: NASCIMENTO Do OCIDENTE uidade, o dia estava dividido em 12 horas e a noite também, independentemente da época do ano. As formas de medi-las ram precérias até o aparecimento do reldgio mecanico no século XIV. Mas eram precarias por desinteresse em subme- ter as horas a um sistema rigido: como toda sociedade agré- tia, @ medieval guiava-se pelo ritmo mais visivel da natureza, Sol, a Lua, as estagdes. Apenas o clero, por neck tirgicas, estabeleceu um controle maior sobre as hot tando-as grosseiramente de trés em trés a partir da meia-noite (matinas, laudes, primas, terca, sexta, nona, vésperas, com- |. Este sistema, contudo, era impreciso ¢ nao ua jidades laicas. : eames A contagem dos dias agrupava-os em semanas de sete, adotadas no Ocidente por volta do século IV. No Sul os dias receberam nomes de deuses romanos ¢ no Norte de deuses Berménicos. Por exemplo, o dia da Lua (/unae dies) deu lune- di em italiano, lundi em francés e funes em espanhol, e mon- day (moon day = dia da va) em inglés ¢ montag em alemio. Curiosamente, em portugués nao se seguiu a tradicdo paga, baseando-se no habito cristao dos primeiros tempos de come. morar a semana inteira de Péscoa. Como todos aqueles dias ram feriados (Jeriae), precisou-se ordend-los (segunda, terga, etc.), mantendo-se os nomes apenas do domingo (dia de dominus=dia do senhor) ¢ do sibado (0 “repouso”” do Antigo Testamento). © agrupamento em meses, por sua vez de origem muito antiga, passou para a Europa medieval, lati- ha € germénica, com seus nomes romanos. Mais problematico era 0 cOmputo dos anos. Desde 0 Egito faraOnico atribuia-se 365 dias a cada ano, mas como isso nao correspondia exatamente ao curso solar, com o tempo surgiram diferencas significativas. Em funcdo disso, na Idade Média variou consideravelmente a forma de dataco. Mesmo © conceit de Era Crista, proposto pelo monge Dionisio, 0 Pequeno, no século VI e popularizado por Beda, 0 Venerd- 10 século VIII, nao teve aceitacdo geral. Carlos Magno adotou-o no século IX para a futura Fi s no século X, a Espanha no século X) inda. Agravando a situacao, o ial. do ano a de regio para regiao. Na Franga do Norte € ises-Baixos © ano comecava na Pascoa, que sendo festa (O(PRE) CONCEITO DE IDADE MEDIA a \Svel fazia alguns anos terem 13 meses ¢ outros apenas 11 fa Franca do Sul e parte da Italia, na festa da Anunciacdo 25 de marco). Na Inglaterra, Alemanha, Espanha e Portugal lia com 0 littirgico, comegando no Natal. As mudangas de sistema nao eram raras ¢ acentuavam a confu- slo, como na Inglaterra do século XIV, que passou a adotar 0.25 de margo. Apenas com o calendario gregoriano de 1582 uniformizou-se o inicio do ano para 1° de janeiro Diante de toda essa imprecisao ¢ instabilidade no cOm- puto do tempo, os medievos nao tinham um conceito muito claro sobre sua prépria época. De maneira geral prevalecia o sentimento de viyerem em “tempos modernos”’, devido cia que tinham do passado, dos “tempos antigos”, pré-cristios. Estava sempre presente também a idéia de que se caminhava para 0 Fim dos Tempos, nao muito distante. Sabe- mos hoje que os pretendidos ‘‘terrores do ano mil’” foram uma criagao historiografica, pois naquele momento nao hou- ve nenhum sentimento generalizado de que 0 mundo fosse se acabar. Na verdade, a psicologia medieval esteve constante- ‘mente (ainda que com flutuagi politicas eram freqitentemente chegada do Anticristo. Assim, havia uma difundida pessimista do presente, porém carregada de esperanca com 0 ‘eminente triunfo do Reino de Deus. Nesse sentido, tal visio trazia implicita em si a concepgao de um tempus medium que precedia a Nova Era. De qualquer forma, varias fases humanas se sucederiam até a Parusia,” a partir da qual nao havera mais repetic pois 0 mundo se salvar e a Historia enquanto tal deixaré de existir. Por isso, era bastante comum, ao menos entre 0 lero, se pensar naquelas fases histéricas como sendo seis, de acordo com os dias da Criagdio. Como no sétimo dia Deus descansou, na sétima fase os homens descansario no seio de Deus. Assim pensavam muitos, de Santo Agostinho (354-430) ¢ Isidoro de Sevilha (560-636) até 0 cronista portugués Ferniio Lopes no século XV. Também teve sucesso uma concepgao trinitaria da Historia, surgida no século IX com Scoto Erige- ha € que teve seu maior representante no monge cisterciense Joaquim da Fiore (1132-1202). Para este, a Era do Pai teria se ™ ‘AIDADE MEDIA: NASCIMENTO DO OCIDENTE. caracterizado pelo temor s pela sabedoria, f€ ¢ obediéncia hu (que comegaria em 1260) pela pl ina, a Era do Filho , a do Espirito Santo do conhecimento, do As estruturas demograficas © surgimento da Demografia Historica, hé menos de quatro décadas, enriqueceu consideravelmente o arsenal do historiador na sua tarefa de compreensao do passado, ¢ os medievalistas nao poderiam, é claro, ficar indiferentes a ela. Apareceram assim varios trabalhos metodologicos sobre as especificidades da demogr i grafias sobre as condigdes popi Tios, cidades ¢ mesmo regides mais ampl: estudos esbocaram-se sinteses parciais, ¢ ja vamos com certa clareza as estruturas demograficas medievais. Sem diivida, a Idade Média estava naquilo que os espe- ialistas chamam de Antigo Regime Demograti 0 das. Sociedades agrarias, pré-industriais: alta taxa de’natalidade e alta taxa de mortalidade. Em fungio disso, a conjugagao de certos fatores (estiagens, enchentes, epidemias, etc.) por i demografico a0 ¢levar ainda mais a mortalidade. Ou, pelo contrario, a ausén- cia de eventos daquelo tipo rapidamente produzia um saldo populacional positivo. Como Lopez acertadamente Atengao (76: 120), toda espécie, inclusive a humana, tem ten- déncia natural a se m . desde que nao haja obstaculos externos a isso. Ora, a historia demografica medieval ¢ exata- mente a historia da presenga e da remogao desses obstaculos. Nesse aspecto, a

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