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MICHAEL BAXANDALL O OLHAR RENASCENTE PINTURA B EXPERIENCIA SOCIAL NA ITALIA DA RENASCENGA mL. QUADROS E CATEGORIAS 1. Poder-se-ia alegar que a imagem do homem do Quattrocento apresentada ao longo do segundo capitulo xomente a de um homem de negécios que freqienta 2 igreja e tem gosto pela dana. A iso se pode responder de forma ofensva, isto é, reafirmanda a validade da {ese que se sustenta, ou de forma defensva, isto é, com outrasexpli cagdes. De qualquer maneira, pode-se afirmar que realmente ex ram homens de negécis que freqientavam a igreja e dancavam, ‘entre ese se inclufaa tradicional figura tipica do Quattrocento, Lo ‘enzo de’ Medici, e que ests 830 mais justos e representativos do ho ‘mem do Quattracento que outros comumente reconbecidos como “hu ‘manistas efvicos", por exemplo. ‘As praticassocais mais imediatamente elevantes & percepefo das pincuras sio as praticas visuals. A maior parte dos habitos viswai de ‘uma sociedade nao estd, naturalmente, reistrada em documentos es: critos.Pelo tipo de fontes dspontveis no capitulo I, emerge urn mo: do particular de ver do pablico, persnificado pelo comerciante que — _— 13 freqientava a igrejae dancava, Este nfo é absolutamente apresenta: do como um tipo ideal, mas tra em sios elementos do problema — religio, boas maneirase negécias. Nenhum homem do Quattrocento pertencente a categoria daqueles que pagaram or pintores era de ¢o- fo privado dessas caracterisicas. Um principe como Leonello dEste talvertenha sido mais dotado em boas maneiras do que em matemé tiea, mas nfo ignorava eseadiscipina; aide, alguns dos principes mais ativos como contratantes de boa pintura em particular Lodovieo Gonzaga, de Mantua, empregador de Mantegna ede Alberti e Fede igo da Montefeltro, comitente de Piero della Francesca em Urbino —"possufam alto grau de conhecimento em matemética. Um finan- cista como Giovanni Rucellai conhecia perfeitamente a regra de trés ce talve nao dangasse quase nada, mas certamente absorveu os padres de correto comportamento social, tfpicos da sociedade em que vivia, Para esses dois tipos de homens, abservancia da religizo tinba um cardter de tal modo institucional, a ponto de tomnar a questio da fé individual quase irrelevant. ‘Contudo, uma boa parte do estilo cognitvo de maior importin- «ia para a pintura ndo est representada no capitulo II, e€ tempo de se tentar uma abordagem diferente do problema. O leitor se lembra ‘de que o primeira capitulo terminou em um impasse, pela ineapacida de de se ler o registro que um agente milanés fr sobre quatro pintores gue trabalhavam em Forenca. De fat, se relembrarmos a carta (p. 438), alguns dos problemas que ela possua seelucidaram um pouco 3 Juz do contetido do segundo capitulo, Oar vil de Botticelli im pou ‘comais acitavel agora que aprendemoea abordar ar suas pinturas co ‘mo um modo de representagao ligada & basea danza (p. 7): de fato, pode-se quase falar de a viril. Ou ainda, agora que vimos a impor: {ancia da vegra de ws (p- 173-174), podemes pensar que o autor de- via ter provavelmente uma sensagio bastante imediata do que fost pro- porgio, e que sua observacio sobre a integra proportions de Bot 186 Licelli devia provavelmente refletr um genisino sentido de interval, ‘A aria piu dolce de Filippino Lippi, seu ar mais dace, € ainda relat ‘vamente incompreensvel, mas se quisemes procurar em outra parte ‘lementor de ajuda, encontraremos, por exemplo, un poema publi ‘eado por Francesco Laneilotti em 1508, e que é uma espécie de exor ‘apo 20 pintor (ve bina aia dle, ala Bers ‘Vatve oat at, eta igh, \Gome fir varia pra primavera 1 onde & precio exprimir am ar doce sive ‘Vari ada are, cada cae e cada figura, ‘Asim come pavers sata floes nat apis, ‘Anim, arias refere ao carder de movimento, da cabeca ¢ da figura, e dole contrasta com avo tanto quanto coma vis, © ane sg- tifca erie angelice (ar angelica) de Perugino je fl eluckiado racas As informagdesrecolidas sobre sisunton tals como 0 geo religaso (p. 68). A to podemorarecenar Aa Quatro Dadivas Correa ov Beaton, exports em mitorermoes erste quatrocentias la tes, impastbiltes,agiltas, subtle explender,invunerablidade, viveciade, acuidade, Quanto 4 buona ara atribuda 8 Ghirlandao, {sta permanece uma desrgtoindfinvel de um arta de caracteris Sm divide, a falta de clareza da carta enviada a Milf se deve em pare incertra do autor no emprego do vocabularo: leno tem Capucidade para deserve com palawrar eno pctral de modo pre Clo ou complet, Apesar dio, uma ves que se conegue abr ca. tho ee chegata um signfierdo através de suas pelavas, elas nos ‘0 muito den. Cada wm don ermos qu o stor uta pode ser enen fide de duas formas: como uma eacto Bs pintuas, ridentemente, ‘mas também como a origem Iatente dese xquemas de julgemento 18s er Vin, proporcdo e angélico remetem as pinturas aos sistemas de las siffeactotipicos da pestoa bem-educads, do comerciante edo religio: ‘0 a0equaie cle atingia. Se um texto como ese €compreensivel, € pr ‘vel que um texto escrito por um homem mais habil no uso das pala- ‘rato seje ainda mais, Por esse motivo € il que se Ieia atentamente tum breve texto de Cristoforo Landino, o maior ertico de arte — em ‘oposcdo aos teGricas da arte. Nio € 0 telato “inocente” sobre pintura {gue no conseguimes encontrar antes: o homem comum nio escreve Critica de arte. Mas Landino, embora dotado de uma sensibilidade fcima do normal, de conhecimento sobre pintura, e embora se expr ‘ma em uma linguagem completamente insoit, drigia-se aos homens Comuns com o abjetivo de ser compreendido por eles. O texto faz par- te de uma introducio de cardter patriético ao seu comentério sobre Dante, apresentado a0 governo de Florenca em 1481, e que constitu a edigio dantesca mais difundida durante os cingienta anos que se ‘Seguiram, Iremos examinar deressistermos que Landino usa parades ‘rever quatro pintoresflorentnos. Alguns termos sero especificamente Dietéricos, deueo comum os atelies de pincura: eles nos dirdoo tipo {Ge coisa que provavelmente of ndo-pintores soubesem sobre arte — ‘a vagione pictural & qual o agente milanés se referia, Outros termos Serio do ipo de vin, proporedo e anglico,tratados em um discurso ‘mais amplo; esses noe dirgo algo sobre as origens socais mais geras dos crterios de julgamento do Quattrocento. E, todos juntos, 0 de ‘ewes termos consiturao uma sdlida bagagem culeural quatrocentis- ta para examinar as pincuras dese século. 2. Mas antes diso, seria wil fazer uma r&pida andlise de como cera vista naquela época a histria geral da pintura do século XV: re trospectivamente, a partir do final do século, quais eram os pintores ‘quese destacaram dos demais?E surpreendentemente diffi determi far. A primeira razio € que, enquanto a pintura do século XIV tinha 186 sido compreendida, ao menos em Florenga, em fangZo de um esque tha muito caro — Cimabue, Clot o alunos de Goto: respect mente o profeta, 0 sibio e os apéstlos da pintura —, 0 s6eulo XV ‘nunca produziu um esquema to simples como ene. A tegunda F250 ‘que, quando alguée faz uma lista dos grandes artis, natural: ‘mente se inclinava por aqueles que havi trabathado em sua ida portava se fee Floenga ou, digamos, Padua A Ista mai fale mas rea em informagdes gerne encontra em um poe sma crit por um pintor que rabalhou em Urbino, Giovanni Sant Ele tinha tanto a vantagem do conhecimento profisonal, como de uma posi neues Giovanni Santi, que faleceu em 1494, rao pai de Rafael Sano comm consderd-lo tanto um pintorisignifcante como wm mau poeta, mato nlo ¢ de todo justo. NBo € um artista importante ‘asf um pintoreléco e muito precio, trabalhando no ambiente ‘de uma escola da ledia oriental da gual Melon da For, que ele a rmirava muito, €o upico expoente.O panel de alta asinado por cle fem Montfiorentina ets reprodiido aqui (I62) como um testem ‘ho de seu profisionalismo c como uma cneretaafirmagdo de seu el, Quanto ao seu poema, € uma longutsima conicarimada — tama forma despretesiom "em terca ria, relatando a vida e os al {ot fits de eu patrao Federgo da Montecito, dugue de Urbino; 2 casio para a disertagao sobre pintura € una vita de Fderigo 2 Mantua, onde ve obra de Andrea Mantegna, patcularmente elo flado como mesre em todos on aspects ds pinta: ‘ls impo «char corpo i powede Pla che hom de Teal 9 dee externe pane ‘Mas breve € apresentada uma lista em rima de outros grandes smestres da pintura! 187 [Nel ci ane splendid e gentle ‘Ne Seal not, ran ear son sat (Ge Scam alt far per pn le ‘A‘Srogia fy fn gl let pia aa ‘gran Jnnts€ dicepal ger (Gum tad excellence does Nola arte e ato magiteo ‘Dy color, nm ea st exelent Che han sper mole sole el eo si hla, tm quate presente "Wel dogo Cent ds Fabriano ‘Ghnin da Few rate al bene dene, ‘in medagli In peters. ol Pano "rate Pippo ¢ raneso Pesel Damen, ciamato ol Venetian, Mansccio Andrei, Palo Oc ‘Antonio’ Pe, gran designator Peo dal Borg, nsco pd quli ‘bal povin par dee e par amor ‘smatdadaVine «1 Perino Por dalla Pree ch cn divin pcre, 1 Ghislandala. ol givin Piippne ‘Sandro di Boul, 1 Cortana ees, de ingegnoe spiro pelgrine Hor, landed Eturae bel pose “Antone de Cilia, hom tanto ciao, ‘Giran Belin, che we loge tm diese, Gena uo fate € Ces cum Ia al par, Herc ancora, mol che or wapaso, [Nom lamando icos, a me deat, Cohen prompecti ha eno tnt el as Nesta te plea © nbre, “Fenton so orideradascebres em ow sao, Que fas qualquer ora epoca parece pobre 1 Braga a Juvadar foram ‘grande Jan van fy seu cpu Rogier van der Weyden 188 Asin como mor outros dtados de excinia, ‘eestor foram io exclents, ‘Que malas vers superar » peopl veaidade citi ett, nee tempo presente rn Govan Angeico de Fl, de € ardent, em medals © ptare Poel Fa Pipe Lipp France Domenie, chamado 0 Venean, “Sntnio« Pie Pollsiaola, grandes meses do desea, ero della Francesca, mas ang que Ste is ovens, igual em dade © tenome, ‘conardo da Vie! © Pleo Peragino De Pie, um pinto vse (hirendalo oven Flpao Lipp, ‘Sandro Bosl ,de Caton, {ica Sigoorell, um rato tet «expo Ett, mse al na arte tern a Tseng, "Hd Antonella della Menta, de grande rena Giovani Belin, cja gris we pal long, 1 Genie seu iro: Cosi Tara es tal Ercole de Robert « mutor otro que emia, ‘Musso Melon ds Ford. que me € to cro 1 que ett emincne em pernpecia Se redustsemos todos eses nomes a um esquema, terfamos ose suinte painel: FLORENGA ra Anglo (e 87185) + Pall Ulla (13967-1815) + Nasco aor) + Poli (e 121057) + pp Logs (e 106.1869) (alee em) ‘Snir del Castano ‘arse = Ghandie (38-1000) “Aono Pleo Pallas Ge 1828, 141096 Boxsets (185.510 + mde da Vine Gasz isi) {Fino Lips (aer509) Imac + ero deta Franomca (t0/20.1492) + Mela da Fr dase) ( Has/s0108) + Erle de Robert (ate-1086). lvENEZA fe an19) + Gente Belin uses) |= Goran Relish (Ge at8/s01507) lpAbua — MANTUA + ancora (ar i506) juss ( Misisoases + Lacs Sigorel (enn) + nile da Fain (eit) + Pisadl (03514656) PAISES BAIXOS Jane By (Gece 1441) Roger van der Weyden (assnrsto 1464) ‘vel A qualidade da pintura dos Pafes Baitos, conhecida e adquirida fem Urbino, Mas 0 maior peso € atriburdo, como seria logico, a Flo- renga — 13 dos 25 artistas italianos — e € sempre a Florenga que se eve ir para se encontrar a melhor erica, Jf Wnhamos encontrado {quatro pintores da lista de Santi no relatrio do agente milanes: Bot. Uiceli,Flippino Lippi, Ghirlandaio e Perugino. Examinaremoe ago. +2 como Cristoforo Landing caracteriza outros quatro artistas: Ma. sccio, Flippo Lippi, Andrea del Castagno ¢ Fra Angelica. 3. Cristoforo Landino (Il. 68) era um estudioso do Tatim e um fi \sofo platonico, um expoente da lingua italiana vernécula — do ita. liano modernizado & luz do latim —, « ensinava poesia eretérica n Universidade de Florenca; ea também secretario de correspondencia publica da Signoria de Florenga, Em resumo, sua profissao consistia ‘ho uso exato da Ifngua. Outros dois elementos o habilitavam a falar sobre ot pintores: era o amigo de Leon Battista Alberti (1404-1472), cera otradutor da Hitéria Natural, de Plnio, publicada no ano 77 .C. O proprio Landino dé uma descrigio de Albert Onde sat Abe cm qual categoria do eran colo? Sm {a Qual nods matenca lurve Folge aac, ens. ‘ho, medic, eo als exten epecalta em pepe Por Mot ‘cl Se ro em ada es dips se ot armen em eas nove Irons rquesra dame thor por, oul cnt tds wt tivo de"simples” como a0 conceto negativo de “pobre”: logo, ndo bas tava dizer que alguém era sem ornamento, Puro (pure) significa que Maraccio nio era nem adornado nem despojado. O termo assume teu significado pelo fato de se opor a ornato:¢ aquilo que Landino enten ‘de por omato é um problema que serd elucidado mais adiante, quan- ‘dole usa esse termo em sentido postive para outros pintores: Filippo Lippi e Fra Angelic, Mas Landino esta situando Masaccio numa es ‘ala de exilos ~, mais “natural” do que floreado ou grande — o que essencalmente funcional, na medida em que o estilo € adaptado a ‘um objetivo espectfico. ‘Quiniiano descreveu um estilo puro, sem ornamento, limpido, disinto, nfo grandioeo (sermo purus et diweidus et distincus cet ‘rum minime elatus ometusque), que as pessoas aereditam apropriado ‘para a argumentagao intelectual, embora ele préprio pensase que Uh [pequeno ornamento nao faria mal 4 argumentacio. Num lio que Landino nio conheceu, De vulgar’ eloguentia (Ili). o préprio Dan: ‘wergueu um estilo rapido mais puro (pure sapidss), contra um igno ‘ante estilo insipidus e um estilo retSrico primitvo, Para Dante, oes tilo puro era exatamente o estilo de estudantes e professores.e possufa ‘eu proprio encanto, Masaccio tinha sex préprio conhecimento sste ‘mético de rilievo prospectivo. Seria muito diffe forgar 0 caso no sentido de ver suas pinturas como argumentos, ou como modelos para 4 imitagdo da naturera através de sntemsticos riliewo e prospectico: tra como Leonardo (pp. 195-196) as via. E claro, puro fora de props: Sito ndo recobre a sugestio de que as pinturas de Masaccio sejam ar ‘gumentos instintvose esolares de um estilo austero; ele apenas har ‘moniza com o vsivel modo de ser que as caracteriza, 4. Fact = facilidade 0 sentido deste termo se situa entre a nossa “Taclidade” e “babi lidade", mas sem a conotacdo negativa do primeiro. Era muito usado 198 ‘em erica literdriae, com todo rigor, designava o produto (1) de um talento natural e (2) de capacidades adquiridas e desenvolvidas stra ¥6 (3) de exerefcio, embora se usase freqientemente a palavra com ‘mais lberdade e desenvoltura. A agilidade resultante da prt da facilidade (facilta) era uma das qualidades mais apreciadas pela Rey Alifcil de definir com precisfo. Albert se rele: smando-a de dilgtncia asociada & prsteza dligensa con. sgiunta con prestezza) ou o invero (prestezea di fare congiunta con i. ligentia), ede forma ortodoxa explica sua origem como sendo o tale. to adquirido através do exercicio, Esa qualidade se manifeaa em uma pintura que parece completa mas ndo ext ainda conclufda: seus i 'migos sf0 os pentimenti ou correcdes, uma certa elutdncia em aus. Pender o trabalho em uma obra, e aquela espécie de saturacio de que ‘podemos nos prevenir fazendo uma pausa. Tudo iso se apliea ope forme uaa lina diets com © membre que Ie etd promo, CComeca-sea ver por que Filippo Lippi, tio dotado de graca(gra- ia), tina menos velevo (revo) que Masaccio ou Castagno: as duas ‘qualidades ndo sio plenamente compativeis. A férmula de Leonardo © pritica comum de Desiderioe Filippo permitem uma descricdo a graca (gratia) pictriea, mas ndo nos fornecem uma definigdo. E de Se perguntar, als, se uma definicio & desejével: mais tarde, no século XVI, fildsfos e tricor da arte tentaram com grande esforco definiegraca (grazia) em termos neoplatonicos,e mais particularmente ‘colocar em evidéncia em que ela difere de beleza, porém com resulta- ‘dos excesivamente elaborados e académicos. Mas uma definicto ul, ‘etambém apropriada ao contexto no qual se inseria Landino em 1480, fra aquela dos crticos ltersrion nevelssico, seus colegas. Segundo cles, graga (gratia) era o evultado de (I) variet ¢ (2) ornato. E si0, precisamenteessas duas qualidades que Landino mais adiante atribui 4 Filippo Lippi. 1 Omato — omamenta ‘A maior difculdade para se captar 0 sentido dado no Renasei ‘mento ao termo “ornamento” exté no fato de que este evoca em nds 4 idéia muito forte de enfeites © oramentos aplicados; para nds, o. ‘amento (omato) é um elemento decorativo. Mas no Renascimento isso era somente uma pequena parte discutfvel do ornamento (orna: to), cuja extensio era muito mas vasta. Aqui, mais uma ver, €3 ert ca lterdra neoclésica que di as mais claras formulagées sobre o que ‘era omamento (ornato), especialmente no livro IH da Educacao de tum Orador, de Quintliano. Para os exticos lterdros, as duas pi 205 imeiras qualidades da linguagem eram a clareza a preciso, insufi ‘Gentes por si s6s,contuda, para se obter um resultado brithante, € tudo aguilo que se acrescentass 3 clarezae & preciso era omamento (ornate), Quintliano afirmara que "é ornamento tudo aquilo que é {hais que simplesmente claro ecorreto”. Boa parte daquilo que carac {risa uma prodagio aritica € ormamento. Quintliano apresenta uma Ista de scur componentes gerai sutilera,elegincia, abundancia, vi vracidade, charme e inca (acutum, nitidum, copiosum, hilar, iu Tuned, accuratum), Tudo iso foi ainda subdividido eanalisado mais ind pelos teGricos da literatura, mas foi essa a nogio geral de orna fnento (omato) que ve expalhos para outrasaividades, como por exem plo a pintura, Para Landino, as pinturas de Filippo Lippi e de Fra lngelico crata omato, enquanto que a de Masaccio era sem ornato ‘ponguc perseguia outros valores, Ist significa dizer que Filippo Lippi Fre Angelico eram suts, clegantes, generosos, alegre, charmosos cuidadowor, ao paso que Maracciosacsficaya essas virtudes em fa ‘or de uma clara ecorretaimitacZo do real. E importante que s en emda que "sem omato” € uma observacio muito mas forte e mais in- eresante sobre Maraccio do que “nao adornado” o seria para nés ‘Masaecio, do ponto de vita de Landino, excedeu aose sacrificar muito ‘Tudo isso € muito genérico, obviamente, asim estédestinado a per rmanccer. 0 legitimo omato é um elemento muito difundido através ‘To eatlopictrico para que se posta iold-lo como se faz com o rilew ‘ou a perspectiva, Mas € claro que quando 0 Quattrocento usava esse ferma no eontexto de motivo paticulares nos quadros,pretendia muito freqlentemente ve referir 8 atitude ou a0 movimento de um figura “Albert, por exemplo, sugere: “Que os movimentos de um homem (em ‘posigzo as de um menino ou de wma jovem) sejam mais firmemente Shornados (orate) com belas poses, plenas de habilidade”. Nisso a Renascenga estava proxima da Antiguidade clissica. Em uma passa- gem famora Quintliano, na tentativa de explicaro efeico produrido 206 cm retGrica pela figuras de eso, usa a imagem de uma estétua; a ‘tit rigia e ereta com os bracos coladoe& figura, Falta-The gratia ‘comamento, a0 pasio que uma pose curva, mévelevariada é dotada {de gratia « 0 equivalente de uma prosa adornada. F iso talverseja ‘imagem mental que mais se adapta x0 nosso propésito: a figura de ‘did e ereta (Masaccio) € sm ornao (Il 84), e a igura flexuosa que 2.0 grupo (Filippo Lippi) € orato (Il. 71) Landino nota também que Filippo Lippi se sobressafa em todas as formas de “ormamentos (omanient), quer foeem imitagbes da rea Tidade ov inventados". Pelo costume do Quattrocento, os oramentos (omamenti esto geralmente mais préximos do que entendemos por fernamentos e motivs decorativos. Usados de modo apropriado e com ‘moderacao em figuras ou ediffcos, comam-se uma parte do orna ‘Leonardo esreveu: “Nas pinturas de narativa jamais aplica sobre cuas figuras ¢ outros objetos tantos ornamentos (omament?) que ocultem forma ea attude desas figuras ou a esncia (essentia) desses objes hh, Parieta — vatiedade [A clésica explicacdo quatrocentista sobre a variedade pictural, ‘¢que era também a mais familiar para Landino, igurava no teatado de Alberti, Della pictura, de 1435. Alberti se preocupou em aprimo- rar a nocio de vatiedade e em diferenci-la da pura e simples abun- ‘dancia de materiis, Ele extabclecew portanto uina distingao entre os ‘dos tipos de interes: (1) abundancia (copia), que € uma profusio ‘de asnintor, e 2) variedade (warieta), que é, ao contrério, a diversida ‘dede assuntos, Um quadro é"abundante” quando "nee se encontrar ‘misturadosvelhos,jovens, menines, senhoras, mocas,criangas, aves domestics, filhotes de cachorro, pequenos psssaros, cavalo, ovlhas, ‘ediffeios, extensdes de terra, assim por dante"; o que nos faz lem: brar da lista conta no contrato de Ghirlandaio-Tornabuoni de 1485 (p. 28) Tudo ino € bastante ageadavel, contanco que seja apropriay 207 do eno confuso; mas, diz Alberti, “desejaria que essa abundancia fosse ornada (ornato) de uma ceta variedade (variet2)", A variedade um valor absoluto, enquanto a abundncia nao 0, e, como explica “Albert, a variedade reside particularmente em dois fatore: primeiro ‘em uma diversidade e um contraste de tintas, como jf tharos visto (pp. 166-167); segundo e acima de tudo, em uma diversidade © um contraste de atitudes nas figuras representadas: ‘Agumas eaio em pée mostra itiamente face, com o rage ‘levados sme aera em snl de lees, anced se sobre um pe AE ‘uta terdo o resto vole es raga ombud, op jo ai ca Tigra trd uma stede eexso de membror que he sro propio slgumat start sntadas tan speed, ours deadas ef for sontado, ‘qe uma figure que nase outrsparclaimente vein ‘Um exemplo de variedade é © mosaico de Navicella (Il. 72) bo qual aso patrtxcano Giotto cataca one dca, ton maids pe To medo ao ver um de seu companhereecaminhar mre gust pore lee ato represen ca gra com me sonar eum pte Gus ‘im um etado de espitoyerturbado, deal modo qu cada tina eeeuats ‘movimento diferentes ¢sumia wine pone qu Ine era paral. Exitem pinturas de Filippo Lippi que so tio abundantes quan- ‘to varadas, mas slo os quadresvariados, porém com uma quantida- de reduzida de elementos, que os erfticos do Quattrocento mais a raram: um desenho para uma Crucificaedo (I. 78) iustra perfeita ‘mente 0 que Alberti ¢ Landino entendiam por variedade de figuras. Hd uma correspondéncia muito forte entre o valor aribusdo & vat dade na pintura e em outros campos da cultura do Quattrocento — tais como a critica lterdria ecertas conjecturas metaisicas que jd exa rminamos (pp. 178-179) © termo compass, entendido como harmoniacio stems de cada elemento tm um quadro tendo em va ober lens at desea, fo inventado por Albert em 1438: € dele sue Lenaiee ce, ea, bel nemo moll se ee sca dos humanists, para os quai composite (compostio dea ‘aaa mancira como uma oragio cra comms Morne woe ‘eis hier drqucos Alberti transferiu 0 termo e 0 modelo para a ‘ouse om, /S (Os quadros sio compostos de corpos, os quais s8o compostos de ‘partes, que sio compostas, por sua vez, de superficie plants, a Perficies planas estdo organizadas nos membros, os menibros nos con pos, os corpos nos quadras. Com esa teria o Quatérvcente polis ana. lisar afundo a estrutura de um quadro, examinando minudosasnenee sua artculagio,rejitando osupéruo,e colocando em rlagao os mciog formais com os fins narracivos, Consiufa tambem o eaqucma image, 209 nativo segundo qual oars consrufa © rfc ju (eorct) De fato os dos concitor carta et compotion) si com: plementare: nem a variedade (area) cenrfuga nem a composiczo {composione)cenripeda sf completa una sem aout. Acompo- Selo composvions)daciplina svatedade fered) ea variedade ot Feta alimenta a composedo(compostone). Landino compreenieu iSo e elogiou Filippo pea composi compositions) evatedade cw Feta) mando or do terman’e aqul tor uma corelago, pols le ‘ogi um outro ats, 0 ecultor Donatello, peas mesmasgualida ‘Sot Donatello ¢ admirévcl em composgtoe em varedade (miabie incompootion et in crit), Deintcio cna proximidade€ desconcer tc que merncomam aging energie era por de relevos de Donatello com o gracias e reserva il Niue, cm conseqhenca dao, « andino, que sabia farer compara: ‘tes pofundas, noe ncta a reconhecer ene els uma eal simlcude ‘Sibjacemte Eos dois sritarcompuseram grapos no quis varia {Zuras se combina em grupo simetsicos com resultados stn arion Fecstocgliigcneraedadee ua 7479), Amboy {Em sng uo tno para fine narrativos, crlando una compoigio fica ecoetente de arin "movimentos do corpo e da mente" (I. 73, 16), na qual ambos inclfam algumas vere ui grande admero de {fas Ambosconstruam mands irveaismaspefetament compes- {Excomo pano de fundo para ses protagonists, inseindo ese espace ‘ompsto ato fundo do quadro, quer sjam clementan como drvore ‘urochas, como feqhentemente no caso de Flppo I 65) ou fan ‘Sas arquittOnlear, como se encontra geramente em Donate (76). ‘Repoutio entre os dois arias nos 44, portant, oporunidade para ‘onstatar que oprinfpo de ord comin a ambor (compara 74 ‘om 7501, 98 com I 76, eT. 8b com 76), A parte as emelha ‘ar acidentls ou superiia, consist ewencialmente de compaigho ‘Gevaredade confontionee erat), uma ves quetenhamor spre ido a reconheccr tea qualidade, teremos adguitido um dos pine! iow copntivs de base Bo Quatroceno 210 4}. Colorire — eolorir Esse termo nao significa “colorir" na acepeo comum do termo, ‘© qual se refere sobretudo as tntas. Um aspecto neyativo do sistema, txitico de Landino € 0 fawo de ele nunca fazer um clogio ao pintor por sua cor enquanto tal, como 2 entendemos: para se encontrar este _gtnero de coisa & preciso air de Florenca. Giammario Filelfo se diige 4o veneziano Gentile Belin Veda ho lpr ta cols clore, [venta al mao apuardo bene, ‘Opn sa movimentse nb goo, Ccheben denon fun pen lor, Vi tas obra com ua con Sua frmonara «tea th gener, ‘Cada un de seus movimento getornobes, © contentarse com uma impressio agradvel denota uma sensi Dilidade mais ingenua e mais pasriva que's de Landino, Por colori (olorre) Landino entende a aplicacio de pigmento, Ese trmo era ‘muito geral, quate equivalente "de acordo com 0 bidgrafo Verpasiano da Bistct, Federigo {da Montefeltro, "por nao encontrar na Italia mestres a seu gosto que soubesem colori (colorre) em paingis a eo, mancdou buscar em Flan ‘des. Mas havia um sentido mais espectico emais interessante, oqual corresponde a algo que Landino tem em mente, Piero dela Francesca {44a isto uma definigao em seu ratado A Perspect do Pintor: "Por

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