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© Stephanie S INTRODUCAG VISUAL Parte de ser humano é a fascinago que temos por nés mesmos. De onde viemos? Por que agimos de certas ‘maneiras? O que nos move? Enquanto alguns respondem a essas perquntas com mecanismos biolégicos e ou- t1os, com explicagdes socials ou espirituais, a disciplina de antropologia procura respondé-las através de uma abordagem holi lugar, inextricavelmente entrelacadas, uma influenciando a outra de modo relevante. Esta imagem, realizada a e integrada. A antropologia considera a cultura ¢ a biologia humanas, em todo tempo e erm uma clinica especializada em Gujarat, India, representa um caso especifico. Como a barriga de aluguel ~ a prética de pagar alguém para gerar uma crianga ~ 6 congiderada legal na india desde 2002, pessoas ricas @ sem filhos de todas as partes do mundo viajam para lé em busca desse servico. Escolhidas por estrangeiros pelo estilo de vida sem drogas e de baixo custo, as mulheres indianas assumem um risco biolégico extra para fazer com que outros possam reproduzir os préprios genes. Intimeras complexidades biolégicas e culturais cercam avida de cada pessoa envolvida, 2 Prince znroplogia Pespectivaantropoligica Areas da topos -Antoplogia ica Antcplogiacutrl Anoplogiatingistia Arquelgia Antropoogia,dénciae umanidades Pesquisa decampe Métodos de pesquisa de compo Métodsauedigiose palecanpogcs Métodosetoifcos Método comparativo da antropologia uestées tas Antropoogiaeglobalizagio Resume do capitulo catentd ipl pate mercer merdependénca PERSPECTIVA ANTROPOLOGICA Antropologia € 0 estudo da humanidade em todo tempo lugar. Naturalmente, muitas outras disciplinas preocupam- -se de uma forma ou de outra com o ser humano. Por exem- plo, a anatomia ea fisiologia estudam 0 homem como or- ganismo biol6gico. As ciéncias sociais estudam as relacdes humanas, e a érea de humanidades examina as realizagoes artisticas e filos6ficas da cultura. A antropologia se distin- ‘gue porque focaliza a interconexao e a interdependéncia de todos os aspectos da experiéncia humana em todo lugar, no presente e no passado remoto, muito antes do surgimento da escrita. Essa perspectiva holistica, tinica e ampla, per- mite que 0 antropélogo se concentre nesse aspecto, dificil de definir ou descrever, chamado natureza humana. antropélogo recebe com gratiddo a contribuigio de pesquisadores de outras disciplinas e, em troca, oferece a eles as proprias descobertas. O antrop6logo ndo pretende conhe- cer profundamente a estrutura do olho humano, como 0 especi c6logo. Como sintetizador, entretanto, esta preparado para 'a em anatomia, ou a percepcdo da cor, como o psi- entender como essas areas de conhecimento se relacionam com a pratica de dar nome as cores em diferentes sociedades. ‘Como busca uma extensa base de ideias e préticas sem se li- mitar a um Gnico aspecto social ou biol6gico, o antropélogo pode ter uma visdo especialmente ampla e inclusiva do or- ‘ganismo biol6gico e cultural complexo que € 0 ser humano. A perspectiva holistica também ajuda o antropélogo a ter consciéncia profunda do impacto que seus préprios valores (concep¢des/conceitos) culturais podem causar na pesquisa. Como diz 0 ditado, as pessoas enxergam aquilo em que acreditam, ndo 0 que est4 diante dos olhos. Ao manter a consciéncia critica com relagao as proprias supo- sigdes sobre a natureza humana — verificar varias vezes se as, proprias crengas e ages estdo influenciando a pesquisa -, 0 antropélogo se empenha em obter conhecimento objetivo sobre as pessoas. Tendo isso em mente, ele procura evitar as armadilhas do etnocentrismo, a crenga de que a propria cultura é a dinica forma adequada de viver. Portanto, 0 an- tropélogo contribui muito para o entendimento da diversi- dade do pensamento, da biologia e do comportamento hu- mano, assim como para 0 entendimento de muitas coisas que os seres humanos tém em comum. 7 pit irodgo 3 antopolgia 3 Enquanto outras ciéncias sociais predominantemente se concentram nos povos contempora- neos que vivem nas sociedades da América do Norte e da Europa Ocidental, 0 antropélogo tradi- cionalmente otha! os povos ¢ culturas nao ocidentais ¢ de outras regides do mundo. Ele entende que, para avaliar inteiramente a complexidade das ideias, do comportamento e da biologia, todo ser humano, de qualquer tempo e lugar, deve ser estudado. A perspectiva evolutiva intercultural (eros cultural) e de longo periodo distingue a antropologia das outras ciéncias sociais. Essa postura tedrico-metodolégica procura evitar 0 conceito de que as teorias do comportamento humano séo limitadas pela cultura, ou seja, baseadas em suposig6es sobre 0 mundo ¢ a realidade provenientes, da propria cultura do pesquisador. Considere, por exemplo, o fato de que nos Estados Unidos os bebés dormem em quartos separados dos pais. Para pessoas acostumadas a casas com varios quartos, bergos e cadeiras especiais para carros, isso pode parecer natural, mas a pesquisa intercultural (cross-cultural) mostra que “dormir junto”, principalmente com a mae, é a regra geral. Além disso, a pratica de a crianga dormir em quarto sepa- rado nas sociedades ocidentais industrializadas tem apenas cerca de 200 anos. Estudos recentes mostram que a separagdo da mae, nas sociedades ocidentais, apresenta con- sequéncias biolégicas e culturais significantes para o bebé. Em primeiro lugar, aumenta a duracéo das crises de choro. Algumas mées interpretam erroneamente 0 choro da crianga como fome e @ alimentam com mamadeira, © que nao € tio saudavel. Em casos extremos, o choro pode incitar © abuso fisico. No entanto, os beneficios de dormir com os pais vao além da redugao significati- va do choro: frequéncia e tempo de alimentacao maiores, a amamentagao no peito faz com que 0s bebés recebam mais estimulos, 05 quais sio importantes para o desenvolvimento do cérebro. Aparentemente, ficam menos suscetiveis a sindrome da morte sibita do lactante (SMSL ou “morte no ber¢o"). Hé beneficios para a mae também: a amamentagao frequente evita a ovulacdo precoce apés o parto e ajuda a perder o peso ganho durante a gestacdo; além disso, as maes que amamentam conseguem dormir tanto tempo quanto aquelas que dormem separadas de seus bebés.” Esses beneficios levantam a seguinte pergunta: por que muitas maes continuam a dormir longe do bebé? Nos Estados Unidos, os valores culturais de independéncia e consumismo entram em cena, Para comegar a construir sua identidade individual, o bebé tem seu proprio quarto (ou, pelo menos, 0 proprio espago), local onde os pais podem colocar brinquedos, méveis e outros objetos associados a “bons cuidados” dos pais. AREAS DA ANTROPOLOGIA © antropélogo geralmente se especializa em uma de quatro éreas ou subdisciplinas: antropologia fi- sica (bioldgica), antropologia cultural, antropologia linguistica ou arqueologia (Figura 1.1). Alguns antrop6logos consideram a arqueologia € a linguistica parte do estudo mais amplo das culturas humanas, mas ambas também estado estreitamente ligadas 4 antropologia biol6gica. Por exemplo, a antropologia linguistica estuda os aspectos culturais de uma lingua, mas tem ligagdes profundas com a evolugao da linguagem humana e as bases biol6gicas da fala e da linguagem estudadas pela antropologia fisica, ‘A nocio/expressdo “olhar”€ cara 3 antropologia brasileira, expondo toda a abrangéncia que a palavra possul. (NRT) * Bats, RG. The crying game. Natural Histor, p. 47, out. 1997. McKenna, J.J. Breastfeeding and bedsharing. Mothering, p. 28-37, set-out, 2002. 4 Pins de anions Cada uma das areas da antropologia pode ter uma abordagem distinta no estudo do ser huma- no, mas todas coletam € analisam dados essen- ciais para explicar suas semelhangas e diferencas, a0 longo do tempo e no espaco. Além disso, todas produzem conhecimento com intimeras aplica- oes praticas. Em todas as quatro dreas, a antro- pologia aplicada é empregada, 0 que exige 0 uso de métodos e conhecimento antropolégicos para resolver problemas priticos. Ao desenvolver seu estudo, 0 antroplogo aplicado nao deixa de lado sua perspectiva, Ao contrario, colabora ativamen- te com a comunidade na qual realiza seu trabalho, estabelecendo objetivos, resolvendo problemas conduzindo pesquisas conjuntas. Neste livro, va- GLOSSARIO etnocentrismo A crea de que appa cuit a ica forma adequata de vive Timitad pela cultura Teois sobre o mundo a eadade seats emsipesiiese valores da propia cut, antropoogia aplicada Uso doconhecmen dos minds atopic para reser problemas rts geramente pare um ete pec. antopologia média Are da animploga que emprega abordagens tras apiadas da ano uta e bagka a0 st da sad eds doencas humans. antyopoogia sia Fstudo sistem dose umano como gaia bilgi Tab conheia como antropclogia bilgi. antropologia molecular Ramo di antoplogia bcc que campiea tices gents Bogus rates hipsteses Sabre etlohumans, sua adapta e vaio tios exemplos de como a antropologia contribui para a solugdo de muitos desafios enfrentados pelo homem aparecem na se¢ao “Antropologia aplicada”. Um dos primeiros contextos em que o conhecimento antropolégico foi aplicado a um problema pratico foi 0 movimento internacional de satide piiblica, na década de 1920, que marcou o ini antropologia médica — uma area que emprega abordagens tebricas e aplicadas da antropologia cul- tural e da biol6gica no estudo da sade e doengas humanas. O trabalho dos antropélogos médicos esclareceu as conexdes entre satide humana e forgas politicas e econémicas, local e mundialmente. Exemplos dessa rea de especializagao estao na sec: io da Conexao Biocultural, incluindo o artigo apre- sentado neste capitulo, “Antropologia dos transplantes de érgaos” Antropologia fisica Antropologia fisica, também chamada antropo- logia biol6gica, otha 0 ser humano como organis- ‘mo biolégico. Tradicionalmente, a antropologia biolégica se concentra em evolugdo humana, ptimatologia, crescimento e desenvolvimento, adaptagdo humana e na érea forense. Atualmen- te, a antropologia molecular, o estudo antropo- logico dos genes e das relagdes genéticas, € impor- tante sub-ramo da antropologia fisica, e contribui significativamente para 0 estudo contempordneo, da diversidade biol6gica do ser humano. Compa- rages entre grupos separados por tempo, geogra- fia ou frequéncia de um gene especifico podem revelar de que forma os seres humanos se adapta- Figura 1.1 As quatro dreas da antropolo: Observe que as divsbes ndo si nities, indicando que sites se sobrepsem, ram e para onde migraram. Como especialista na pile inodio 3 antoponga 5 anatomia de ossos e tecidos humanos, o antropélogo fisico aplica seu conhecimento sobre o corpo em Areas especificas, como laboratérios de anatomia geral, satide piblica e investigagdes criminais, Oe auioic | COU ROCCE OE ad “Em 1954, 0 primeiro transplante de érgao foi realizado em Boston. Cirurgiées removeram um rim de certo rfie0 Idéntico eo transplantaram no ifmao doente. Embora alguns transplantes dependam de doado- 18s vivos, 05 rotineiros dependem muito da disponibilidade de érgaos obtidos de pessoas qué acabaram sde falecer. "Da perspectiva antropol6gica,o significado dé morte e corpo varia entre as culturas. Enquanto se pode afirmar que a morte representa um estado biolégico em particular, a opiniso social sobre o significado des- estado 6 de extrema importancia. A antropdloga Margaret Lock explorou as diferencas entre a aceitacao 2148 estado biologico deinorte cerebral” © como esse aspecto influi a pidtica de transplantes no Japio nib Estados Unidos #/Amorte cerebral é constatada a partir da auséncia de correntes elétricas e da incapacidade de respirar "ein auxilio'de aparelhos. O individuo que apresenta morte cerebral, embora ligado a maquinas, parece ‘Vivo, ja que 6 coragso bate € o rosto parece corado. O norte-americano aceita a morte cerebral! ém parte, “porque a8 nogdes de pessdalidade e individualidade estdo culturalmente localizadas no cérebro. Nos Es- “ tallds Unidos, o conforto da morte cerebral possibilita o“presente da vida" através da doacao de érgaos € Srrarispiantes subsequentes: + Em comparacao, no Japo, o conceito de morte cerebral é contestadio Com veeméncia € os transplan= “488's80 raros. O japonés nad incorpora a divisdo mente-corpo e situa a nogao de pessoalidade em todo o “colpo, nao apenas no cérebro. Ele resiste a aceitar que um corpo cofado esteja morto € que seus 6rgaos /possain ser retirados, Além disso, os 61g4os ndo podem ser tranisformados em “presentes’ pois a doacdo ‘andnima nao é compativel com o padrao social japonés de reciprocidade. Geli ag td posit sgn soa rita ator yd o simples movimento tokio Paleoantropologia Os estudos sobre a evolugio humana (conhecidos como paleoantropologia) se concentram nas mu- dangas biolégicas que ocorrem ao longo do tempo para entender como, quando e por que nos tor- namos 0 tipo de organismo que somos hoje. Em termos biolégicos, nés, humanos, somos primatas, 08. Como temos ancestralidade comum com outros primatas, mais iadamen- ‘um dos diversos tipos de ma especificamente com os macacos, o paleoantropélogo estuda os primeiros primatas (apro: te 65 milhdes de anos), ou mesmo os primeiros mamiferos (225 milhdes de anos), para reconstruit © complexo caminho da evolug4o humana. A paleoantropologia, a0 contrario de outros estudos da evolugao, tem uma abordagem biocultural que se concentra na interagdo entre biologia e cultura {6 Pins de antoplogia Os esqueletos fos: trais permitem que os paleoantropélogos re- paleoantropologia‘Estudo das origens e dos ancesvals da aval biocultural Que esd 2 intraao enve bclgi cult, primatologia Estuda de ssl de primatasé também ds primatas. espécies. Para os paleoantropélogos cada novo atuais. Ri fossil descoberto acrescenta mais informagées historia da evolucdo humana. Os estudos biog. construam © curso da historia da evolugo hu- mana. Eles comparam o tamanho € © formato esses fosseis entre si e com os ossos de outras nicos e genéticos aumentam consideravelmente as evidéncias apresentadas pelos f6sseis. Como veremos em outros capftulos, a evidéncia genética estabelece a relagdo proxima entre homens e espécies de grandes simios? ~ chimpanzés, bonobos (ou chimpanzés-pigmeus) e gorilas. A andlise genética indica que a linhagem humana originou- se entre Se 8 milhdes de anos atrés. A antropologia fisica, portanto, lida com perfodos de tempo muito maiores que a arqueologia, ou outros ramos da antropologia. Primatologia O estudo da anatomia e do comportamento de outros primatas nos ajuda a entender quais aspectos compartilhamos com nossos parentes mais préximos e 0 que torna o ser humano tnico. Assim, a primatologia, o estudo de fésseis de primatas e também dos primatas atuais, é uma parte vital da antropologia fisica. Os primatas incluem os grandes simios asiaticos e africanos, assim como maca- cos, lémures, l6ris e tarsios.* Biologicamente, o homem faz parte da familia de monos ~ primatas de corpo grande e ombros largos, sem cauda. Estudos detalhados do comportamento dos antropoides superiores modernos (apes) na natureza indicam que 0 compartilhamento de comportamentos aprendidos é parte sig- nificativa de sua vida social. Cada vez mais, os primatologistas designam 0 comportamento apren- dido e compartilhado dos grandes simios, isto é, dos antropoides nao humanos (macacos), como cultura, Por exemplo, os sistemas de comunicacao e 0 uso de ferramentas indicam a base elementar da linguagem em algumas dessas sociedades simias. O estudo dos primatas apresenta perspectivas fundamentadas cientificamente sobre 0 comportamento de nossos ancestrais, assim como maior apreciagao e respeito pelas hal idades de nossos parentes mais proximos. Como a atividade huma- na se estende por todas as partes do mundo, muitas espécies de primatas esto ameagadas. Os prima- tologistas geralmente defendem a preservacao de seus habitats para que esses animais continuem a habitar a Terra conosco. Crescimento humano, adaptacao e variago Outra especialidade da antropologia fisica 60 estudo do crescimento e desenvolvimento humano. Os antropélogos examinam os mecanismos biol6gicos do crescimento, assim como 0 impacto do meio, ambiente sobre 0 processo de crescimento. Franz Boas, pioneiro da antropologia norte-americana Astrés nomenclaturas sao intercambiaveis para esses animais (incluindo os orangotangos: 1. primatas superiores(incluindo ‘os homens), 2. antropoides nao humanos (c,b, § & 0), 3. grandes simlos (€, b, & & 0) (NRT) Em inglés ha distingao entre apes (macacos, imitador),indicando os grandes simios, e monkeys (macacos),Indicando macacos em geral Apes serve para designar os antropoldes superiores(gorila, chimpanzé, bonobo e orangotango}, distinguindo-os dos ‘macacos no antropoides (monkeys). (NRT) pio oduio’ antopologia 7 no inicio do século XX, comparou a altura de imigrantes europeus, os quais passaram a infancia em seu pais de origem, com o aumento de estatura de seus descendentes que cresceram nos Estados Unidos. Atualmente, a antropologia fisica estuda o impacto de doengas, poluicao e pobreza no cres- cimento. A comparacao dos padres de crescimento entre primatas humanos endo humanos pode mostrar indicios da historia da evolugéo do homem. Estudos antropolégicos detalhados das bases hormonais, genéticas e fisiol6gicas do crescimento saudavel do ser humano também contribuem significativamente para a satide das ctiangas de hoje. Os estudos sobre adaptagao se concentram na capacidade humana de se ajustar ao ambiente material, biol6gica e culturalmente. Esse ramo da antropologia fisica adota uma abordagem com- parativa em relagdo ao ser humano que existe hoje em meio ambientes variados. Os humanos se destacam entre os primatas, pois habitam praticamente toda a terra. Embora as adaptagdes culturais permitam que eles vivam em alguns meios ambientes extremos, as adaptagGes biol6gicas também contribuem para a sobrevivéncia humana no frio e no calor extremos e em grandes altitudes. Algumas dessas adaptagdes biologicas se desenvolvem na formagao genética das populacoes. O longo periodo de desenvolvimento e crescimento do ser humano oferece muitas oportunidades para que 0 corpo se adapte ao meio ambiente. Adaptacdes de desenvolvimento sao responsaveis por algumas caracteristicas da variagio humana, como o aumento do ventriculo direito do coragao, para ajudar a levar sangue para os pulmdes, entre os indios quichuas do altiplano peruano. Adapta- $0es fisioldgicas sAo mudangas de curto prazo em resposta a um estimulo ambiental especifico. Por exemplo, uma pessoa que normaimente vive no nivel do mar pode sofrer uma série de respostas fisiol6gicas, como aumento da produgdo de globulos vermethos do sangue, que transportam oxige- nio, quando muda repentinamente para altitudes maiores. Todos esses tipos de adaptagao biol6gica contribuem para a variago humana dos dias de hoje. As diferencas humanas incluem tracos visiveis, como altura, biotipo fisico e cor da pele, e fatores biog 0s, como tipo sanguineo € suscetibilidade a certas doencas. Ainda assim, continuamos a fazer parte da mesma espécie. A antropologia fisica aplica todas as técnicas da biologia moderna para entender de modo mais completo a variacdo humana e sua relagio com os diferentes meio ambientes em que as pessoas vivem. A pesquisa da antropologia fisica desbancou a falsa nocao de racas biologicamente definidas, baseada na interpretagdo errénea da variagio humana, ET Perc) ET Ose a CRT rings de antropolca 1no Brasil, onde identificou os restos mortais de Josef Mengele, notério criminoso nazista. Clyde também teve participacdo importante quando foi criado o primeiro grupo forense dedicado a documentar casos de abuso de direitos humanos em todo o mundo. Isso comegou em 1984, quando ele foi para a Argentina, a pedido do govemo civil recém-empossado, a fim de ajudar na identifcagao das ossadas dos desaparecidos, mais de 9 mil pessoas eliminadas pelos esquadrées da morte do governo, durante sete anos de regime militar. Um ano depois, retornou a Argentina como testemunha especialista no julgamento de nove membros da junta militar. Na ocasido, também ministrou cursos sobre como recuperar,limpar, reparar, preservar, fotografat, fa- zer raios X eanalisar ossadas. Além de apresentar relatérios efetivos sobre o destino das vitirnias aos farniliares e refutar as declaracoes dos "revisionistas" de que os massacres nunca aconteceram, 0 trabalho de Snow e de seus colaboradores argentinos foi fundamental na condenacéo de varios militares por sequestro, tortura e as- sassinato, Desde o trabalho pioneiro de Snow, os antropélogos forenses envolvern-se cada vez mais na inves- tigacao de abusos dos direitos humanos em varios pafses: Chile, Guatemala, Haiti Filipinas, Ruanda, Darfur, Iraque, B6snia € Kosovo. Enquanto isso, eles continuam a realizar trabathos importantes para outros clientes. Nos Estados Unidos, esses clientes incluem o Federal Bureau of Investigation (FBI) e institutes riiédicos legals. O antropélogo forense especialista em ossadas geralmente trabalha com o arquedtogo forense. A re- lacao entre eles 6 a mesma que a do médico legal, que examina 0 corpo para estabelecer a hora e a causa da morte! é o investigador criminal, que examina a cena do ciime em busca dé pista’, Enquanto o antropo- logo forense lida com restos humanos, geralmente ossos € dentes, o arquedlogo foretise avalia 0 local, te" gistrando a posigdo de todas as pistas relevantes ¢ recuperando quaisquer evidéncias associadas a vitima. Em Ruanda, por exemplo, uma equipe formada em 1995 para investigar uma atrocidade em massa, para as. 'Nag6es Unidas, incluiu arquedlogos do US, National Park Service's Midwest Archaeological Center (Centro Arquéoligico do Meio-Oeste dos Servicos de Parque Naciénals dos Estados Unidos). Eles executararn os * procedimentos arqueolégicos padrio de mapeamento do local, determinaram seus limites, fotografaram € registraram todas as evidéncias de superficie, além de fotografar e registrar as ossadas e materials asso- ciados entérrados em covas comuns.* Em outro exemplo, Karen Burns, da Universidade da Geérgia, participou de uma equipe enviada ao norte do lraque, apés a Guerra do Golfo, em 1991, para investigar supostas atrocidades. Em uma base militar, onide ocorreram muitas execugées, ela escavou os restos do corpo de um homem, que estava de Jado, com g tosto voltado para Meca,de acordo com a praticaIslimica. Embora as roupas nao estivesseri Intact fain sneontrados 20 lado de ambas és pernaydospelagos dna da.poister Apeser de ite, las an Je Nova York ‘geoue dep vote 2 ea Gpitlo1 Inoduciodantoplogie 9 Préximo dali, em 1991, 05 operarios de uma construcio.encohtraram um cemitério afticano dos sé- culos XVILXVII (ver Capitulo 13). A investigacéo arqueolégica da drea revelou o horror da escravidio nos Estados Unidos, mostrou que até criangas pequenas trabalhavam além de suas forcas, tanto que se cons- tatou que suas colunas vertebrais estavam fraturadas. Michael Blakey, arquedlogo biol6gico que chefiow. 2 equipe de pesquisa, observa: “A bioarqueologia é geralmente confundida com antropologia forense. Quando 0 bidlogo, ao éstudar a ossada, emprega a populacdo.como unidade de anilise (ho 56.0 indivi duo), incorpora 0 contexto hilst6rico e cultural (ndo descreve apenas as caracteristicas biolégicas) ¢ mostra omodo de vida'de uma comunidade do pasado (nao um crime para a policia e 0 tribunal), esta aplicando a bioarqueologia, n30 a antropologia forerise”* j Poitant6; varios tipos dé antropélogos analisam restos humans ot motivos variados, conuibuindo- para a documentacio ¢ correcio de atrocidades cometidas no passado eno presente. “Blakey, M.Comunicacdo pessoal, 9 out. 2003, Antropologia forense Uma das aplicag6es mais praticas da antropologia isica € a antropologia forense: a identificagao bora sejam requisitados pelas autoridades para identificar vitimas de assassinatos, os antrop6logos forenses também investigam abusos de direitos humanos, de restos de ossadas para fins legais. Ei tais como genocidio sistemético, terrorismo e crimes de guerra, Esses especialistas fazem uso de detalhes da anatomia do esqueleto para estabelecer idade, sexo, relago populacional e estatura do individuo. Os antrop6logos forenses também podem determinar se a pessoa era destra ou canhota, apresentava anomalias fisicas ou se havia sofrido algum trauma, Embora a antropologia forense dependa de aspectos diferentes das caracteristicas do esqueleto para estabelecer a relagao popula- ional, é falso afirmar que todas as pessoas de uma determinada populagéo tém um tipo especifico de esqueleto. (Ver a seco “Antropologia Aplicada” para conhecero trabalho de varios antropélogos € arquedlogos forenses.) Antropologia cultural A antropologia cultural (também conhecida como antropologia social ou sociocultural)’ estuda os Padres comuns de comportamento, pensamento e sentimentos humanos. Concentra-se no ser humano como criatura produtora € reprodutora de cultura. Desse modo, para entender o traba- Iho do antropélogo cultural, precisamos esclarecer o significado de “cultura”. Este conceito sera discutido detalhadamente no Capitulo 9. Para atender nossos objetivos, neste capitulo, podemos pensar em cultura como padrées (geralmente inconscientes) através dos quais uma sociedade —um grupo estruturado de pessoas - opera. Esses padres sdo aprendidos socialmente, nao sio adquiridos pela heranga biolégica. As manifestagées da cultura podem variar consideravelmente de lugar para lugar, mas, no sentido antropol6gico, uma pessoa nao possui “mais cultura” que qualquer outra. se faz a distingdo entre A.C.€ A. S. ,4 segunda, os aspectos culturals, (NRT) 5 Nos Estados Unidos usa-se “A. cultural”. Em outros paises, como Inglaterra ¢ Br A primeira tem como foco as estruturas Soc 10 Pincpios de atropoogia A antropologia cultural apresenta dois com- ponentes principais: Etnografia é a descrigao detalhada de uma cultu- etnografia e etnologia. ra especifica, com base em pesquisa de campo, termo empregado por todos os antropélogos para a pesquisa realizada no local estudado. Como a caracteristica principal da pesquisa etnografica é a combinacao da participacdo social com a ob- servagio pessoal na comunidade estudada, assim_ como entrevistas e discusses com membros do grupo, 0 método etnografico € normalmente descrito como observacio participante. Hoje © trabalho de observacdo participante leva em conta a colaboracao ativa entre os antropélogos tice) j antropoogiaforense Subsea da npg Se apiad ue se especazara ei de sts de esqudeoshamaros pra fsa. antropologia uta Ianbém onheia a apo sca cu seca td de pts om do onpranen pensameni & stints hurians Cont eno et uno como atu prs cepa ec. ‘altura ia sae ans scented lores «pees ots empeas paisa erence gr comporaets gst, etnografia Desig ab ana csdege, basta em pesqusadecnpo. pesquisa de campo lene resid pes apa design apes aaa cal esti € as comunidades nas quais eles trabalham. A etnografia apresenta informacées utilizadas para fazer comparagoes sistematicas entre as culturas bservagéo partdpante fm enagiahis 2c wat pra ented u its feo cd observa pel edapetipaio Socal na oma inestiads, asin or bei enti & disuse co eto grupo tare nna peo etnologia Eto ane de cts cerns de wm poo de vita compart outs empregando las eons eso eis aplasia accarpoc que ceases seismic evr gus: em todo 0 mundo. Conhecida como etnologia, essa pesquisa intercultural permite aos antrop6- logos desenvolver teorias que ajudam a explicar por que certas diferencas ou semelhangas impor- tantes ocorrem entre os grupos. Etnografia Por meio da observacao participante — residir em uma comunidade, compartilhar atividades roti- neiras, fazer refeicdes com as pessoas, aprender a falar e a se comportar de maneira adequada, viven- ciar habitos e costumes ~ 0 etnégrafo se habilita a entender a cultura da sociedade na qual realiza © seu trabalho de campo plenamente, o que um pesquisador nao participante jamais conseguiria. Ser observador participante nao significa que o antropélogo deva partilhar de brigas ou discusses para estudar uma cultura onde existem conflitos visiveis; mas, ao viver em uma comunidade onde a violencia é comum, o etndgrafo deve ser capaz de entender de que modo a agressdo se encaixa na estrutura cultural geral. Ele deve observar atentamente para ter uma nogao geral, sem enfatizar demi ‘um aspecto em detrimento de outro. O etndgrafo somente comega a entender o sistema cultural depois de descobrir como todos os aspectos de uma cultura ~ ser social, instituigdes e pré- ticas sociais, politicas, econdmicas e religiosas ~ relacionam-se enttre si. Suas ferramentas essenciais so: lépis e caneta, cadernetas de campo, maquina fotografica, gravador, didrios de campo e, cada vez mais, computadores. Porém, o aspecto mais importante de todos: 0 etnégrafo precisa ter habi- lidades sociais flexiveis. A imagem popular da pesquisa de campo etnografica é de que seja realizada com povos que viver em lugares distantes ¢ isolados. Certamente, muitas pesquisas etnograficas ja foram feitas/ conduzidas em vilarejos remotos da Africa e da América do Sul, na: vas indigenas da América do Norte, nos desertos da Australia, entre outros. Entretanto, com o has do Pacifico, em reser- pio nvodugo 3 antopolgia 11 desenvolvimento da disciplina, as sociedades industrializadas do Ocidente também vieram igual- mente a ser objetos legitimos de estudo. Parte dessa mudanga ocorreu medida que estudiosos oriundos de culturas nao ocidentais se tornaram antropélogos. A pesquisa de campo etnografica se transformou; antes, 05 antropélogos ocidentais estudavam grupos em “outros” lugares; agora, existe colaboragdo entre profissionais de todas as partes do mundo e as comunidades variadas onde trabalham. Atualmente, antropélogos do mundo inteiro empregam as mesmas técnicas de antes para explorar assuntos diversos, como movimentos religiosos, gangues de rua, direito a ter- ra, escolas, praticas de casamento, resolucao de conflitos, burocracia das corporagdes e sistemas de satide, 56 que agora nas culturas ocidentais. Etnologia Altamente descritiva por natureza, a etnografia apresenta os dados necessérios para a etnologia area da antropologia cultural que envolve comparagoes entre culturas e teorias que expliquem as seme- Ihangas e diferengas entre grupos. Conhecimentos intrigantes sobre crengas e praticas podem resultar da comparagao entre culturas. Considere, por exemplo, o tempo gasto em tarefas domésticas pelos Povos industrializados € forrageiros* (cuja subsisténcia depende de recursos animais e vegetais). A pesquisa antropolégica mostra que os membros de grupos forrageiros fazem muito menos tarefas do- mésticas e outras atividades de subsisténcia em comparagdo com as pessoas de sociedades industrial zadas. Nos Fstados Unidos, a mulher que vive nas cidades e que nao trabalha para ajudar no sustento da familia dedica 55 horas por semana a trabalhos domésticos, apesar de utilizar eletrodomésticos como maquina de lavar roupa e lougas, secadora de roupa, aspirador dle p6, processador de alimento € forno de micro-ondas. Em comparagao, a mulher aborigene, na Australia, devota 20 horas por se- mana a essas tarefas.” Contudo, nos Estados Unidos, 0s aparelhos domésticos se tornaram indicadores importantes de padrao de vida alto, em virtude da crenga generalizada de que esses equipamentos diminuem o trabalho e aumentam o tempo de lazer. Considerando tais comparagées entre culturas, pode-se acreditar que etnologia é 0 estudo de formas alternativas de se executar tarefas. Todavia, muito mais do que isso, ao fazer comparagoes sistematicas, os etndlogos procuram tirar conclusdes cientificas com relagdo a fungao e operagao de praticas culturals em todos 0s tempos e lugares. Hoje, a antropologia cultural contribui com a antropologia aplicada em contextos variados: negécios, educacao, ajuda humanitéria. tervengdes governamentais € Antropologia linguistica Talvez 0 aspecto mais caracteristico da espécle humana seja a linguagem. Embora os sons e gestos feitos por alguns animais - principalmente os macacos - possam ter fungdes comparaveis as da Tinguagem humana, nenhum outro desenvolveu um sistema de comunicagao simbélica tio com- AERA plexo. A linguagem permite a transmissio e pre- servacdo de detalhes incontaveis da cultura, de geragdo para geragio. 5 Powvos coletores némades. (NRT) »Bodley, J. H. Anthropology and contemporary human problems. 2. ed. Palo Alto, CA: Mayfield, 1995. p. 69. 12 Princip deanna A antropologia linguistica é a érea que estuda a linguagem humana. Embora compartithe dados e métodos com a linguistica, difere da mesma, pois os emprega para responder questoes antropolégi- cas. Quando essa area surgiu, enfatizava a documentagdo de linguagens e culturas dentro de estudos etnograficos, principalmente daquelas cujo futuro parecia precdrio. O estudo das linguas nativas norte-americanas, com estruturas gramaticais muito diferentes das linguas indo-europeias ¢ semiticas a que os especialistas europeus e norte-americanos estavam acostumados, sugeriu a nogao de relativi- dade linguistica, Isso se refere a ideia de que a diversidade linguistica reflete nao somente as diferencas gramaticais e sonoras, mas também as diferentes formas de ver 0 mundo. Por exemplo, a observagao de que a lingua dos indigenas Hopi, do sudoeste dos Estados Unidos, nao apresentava palavras para indicar passado, presente e futuro fez. com que os proponentes da relatividade linguistica sugerissem que os Hopi possuem uma concepgdo tinica de tempo.’ Da mesma forma, a observagdo de que os norte-americanos empregam varias girias - como dough (massa, comida), greenback (qualquer nota de délar ~ por causa da cor verde), dust (merteca), loot (prata), bucks (cobres), change (trocados), paper (cédula), cake (bolo), moolah (bufunfa), benjamins (nota de cem délares com a efigie de Benjamin Franklin) e bread (piio) ~ para se teferit a dinheiro pode ser resultado da relatividade linguistica. A va- riedade de palavras ajuda a identificar algo de importancia especial para uma cultura, Da mesma for- ma, 0 valor do dinheiro para a cultura norte-americana também fica evidente na relacdo entre tempo € dinheiro em expressdes como “tempo é dinheiro”, “perda de tempo” e “gastar algum tempo”. Ideias e praticas complexas essenciais para a sobrevivéncia de uma cultura também se refletem na linguagem. Por exemplo, entre os nuer, grupo némade que vagueia na companhia de animais por toda a regido sul do Sudao, um bebé que nasca com deformidades visiveis nao € considerado humano. £ chamado filhote de hipopétamo. Esse aspecto possibilita o retorno seguro do “hipopé- tamo” ao rio a que pertence. Esses bebés no conseguiriam sobreviver na sociedade nuer, assim, a pratica linguistica ¢ compativel com a escolha repleta de compaixio que os nuer tiveram de fazer, A nogao de relatividade linguistica tem sido questionada por teéricos que propdem que a capa- cidade da linguagem baseia-se em aspectos universais que per- meiam o pensamento humano. Recentemente, Stephen Pinker sugeri que, no nivel biologic universal, o pensamento nio é verbal.’ A abordagem antropol6gica holistica considera a lin- guagem dependente tanto de uma base biolégica compartilha- da pelo ser humano como de um padrao cultural especifico. A fim de examinar as questdes antropolégicas mediante a andlise linguistica, Dell Hymes, antrop6logo linguistico, desen- volveu uma série de suposigdes referentes a eventos especificos de elocucao verbal."° Tais eventos formam um discurso, uma comunicagdo prolongada sobre determinado assunto. Em uma elocugdo ou uma série de elocugdes, 0 pesquisador pode se con- centrar em caracterfsticas como aspectos fisicos e psicolégicos, participantes, objetivo, sequéncia da elocugao e regras sociais. Whotf, B. The Hopi language, Toreva dialect. In Linguistic structures of Native America. Nova York: Viking Fund., 1946, Pinker 8. The language instinct: How the mind creates language. Nova York: William Morrow, 1994. " Hymes, D. Foundations in sociolinguistcs: An ethnographic approach. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1974 pitlo 1 Inveduio dantropologa 13. Por exemplo, 0 antropélogo linguistico pode estudar a relacdo entre linguagem e papel social/iden- tidade em uma sociedade. De que maneira o status, a idade ou o género afetam a forma com que 0s individuos empregam a linguagem de sua cultura? © antrop6logo linguistico pode examinar se a tendéncia das mulheres nos Estados Unidos de terminar uma frase com entonagao ascendente, embora a frase seja interrogativa, reflete um padrao de dominagdo masculina nessa sociedade. Como 0s membros de qualquer cultura podem utilizar varios registros e entonagdes diferentes, aqueles que esses membros escolhem usar em determinada situagao para expressar seu pensamento apresentam significados especificos. 0 antropélogo linguistico também estuda o processo de socializacao pelo qual um individuo se torna parte de uma cultura. A crianga passa por esse processo fundamental enquanto cresce e se de- senvolve, mas esse aspecto também pode ser observado no adulto. O adulto pode sentir necessidade de assimilacao em virtude de movimentacdo geografica ou de assumir uma identidade profissional. Os alunos do primeito ano de medicina, por exemplo, acumulam cerca de 6 mil palavras novas e uma série de conveng0es linguisticas, a medida que assumem o papel de médico. Da mesma forma que a perspectiva antropolégica sobre a cultura, a linguagem também é con- siderada viva, flexivel e mutante. Algumas ferramentas da internet, como o Urban Dictionary, acompanham as mudangas das girias norte-americanas, e dicionarios tradicionais incluem novas palavras e usos a cada ano. Essas mudangas linguisticas tém implicag6es importantes, a medida que © antropélogo linguistico as acompanha para aumentar nosso entendimento sobre o pasado. Ao revelar a relagdo entre as linguagens e examinar sua distribuigdo espacial, o antropélogo linguistico pode estimar hé quanto tempo o falante vive em determinado local. Ao identificar, em linguas relacionadas, palavras que sobreviveram de uma antiga lingua ancestral, o antropélogo linguista também pode sugerir no apenas onde, mas também como era o modo de vida dos falantes dessa lingua, Esse tipo de trabalho j4 mostrou, por exemplo, lagos linguisticos entre grupos geografica- mente distantes, como os povos da Finlandia e da Turquia, Aantropologia linguistica é praticada em varias situac6es diferentes. Por exemplo, antropélogos linguisticos ja ajudaram minorias étnicas a revitalizar linguas proibidas ou perdidas durante perio- dos de opressio por parte de outro grupo étnico. Também jé propiciaram a criagdo da forma escrita de linguas exclusivamente orais. Esses exemplos de antropologia linguistica aplicada representam 0 tipo de colaboragio real, que é caracteristico da pesquisa antropolégica atual. Arqueologia Arqueologia é 0 ramo da antropologia que estuda a cultura humana através da descoberta e anélise de restos materiais e dados ambientais. Esses materiais incluem ferramentas, ceramica, moradias e Areas que permanecem como indicios de praticas culturais no passado, além de restos humanos, marinhos e de plantas, alguns com 2,5 milhdes de anos. Esses indicios e sua organiza- cdo refletem ideias e comportamentos especificos. Por exemplo, concentragées rasas e restritas de carvéo que incluem terra oxidada, fragmentos de oss0s € restos de plantas queimadas, localizadas perto de rochas com fissuras causadas pelo fogo, cerdmica e objetos proprios para a preparagio de comida indicam cozimento e preparagio de comida. Isso tudo pode revelar muito sobre a dieta € as praticas de subsisténcia de um grupo. Juntamente aos restos de esqueleto, esses materiais ajudam os arquedlogos a reconstruir 0 context biocultural de estilos de vida no passado. O 14 rips de antropoloia Rete arquedlogo organiza esse material por periodo i Rae Loe © 0 utiliza para explicar a variagao cultural ¢ a arqueologia Esto da citi Burana mediante a ecaperagioe mudanga da cultura a0 longo do tempo. anaes mao abanena vomeets Aiangoiois Ed pinta iti Como a pesquisa arqueolégica esta estreita- a pees de process eet nequlta mente relacionada a escavaciio de restos materiais gerendameato de recursos culturis Ramo de arquetoga em contextos ambientais especificos, varias ino- ue pest efou faeries deresnshstncaseampenligins: ages nas ciéncias geograficas e geol6gicas fo- areagios pr canstes mbm pnavemadeserolineriode ram prontamente incorporadas. Inovacdes como ara Pb oe ean epee ean I: © geographic information systems - GIS (sistema de informagao geogrifica ~ SIG), sensoriamento remoto € ground penetrating radar — GPR (radar de penetracao no solo) complementam a explora- (40 tradicional de escavagdes arqueologicas. © arquedlogo pode investigar indicios do comportamento humano muito além dos 5.000 anos a que os historiadores se restringem, uma vez que dependem de registros escritos. O fato de esse perio- do se chamar “pré-hist6rico” nao significa que essas sociedades tinham menos interesse na propria historia ou que nao contassem com formas de registrar e transmitit. Significa, simplesmente, que nao hd registros escritos. Portanto, os arquedlogos nao se limitam ao estudo de sociedades que nao possuem registros escritos, eles também estudam aquelas que possuem documentos histéricos para complementar os restos materiais. Na maioria das sociedades letradas, os registros escritos esto as- sociados as elites governantes, nao a agricultores, pescadores, trabalhadores bragais ou escravos. Na verdade, de acordo com James Deetz, pioneiro em arqueologia hist6rica nas Américas, em muitos contextos historicos, “a cultura material pode ser a fonte de informago mais objetiva que temos”."* Subéreas da arqueologia 0 arquedlogo tende a se especializar em deter minadas zonas de cultura ou periodos de tempo re- lacionados a regides especificas do mundo, mas existem varias subareas de especializagdo. A bioar- queologia, por exemplo, é 0 estudo arqueoldgico de restos hu- manos, que enfatiza a preservaco de processos sociais e cul- turais no esqueleto. Por exemplo, as ossadas mumificadas do altiplano andino, na América do Sul, preservam nao somente a pritica dos funerais, mas também apresentam evidéncias so- bre algumas das primeiras cirurgias no cérebro jé documenta- das. Além disso, esses restos bioarqueol6gicos exibem técnicas de deformagao do crinio que distinguem a nobreza de outros membros da sociedade. Outros arquedlogos se especializam em etnobotanica, que es- tuda como os membros de uma determinada cultura empregam as plantas nativas. Outros ainda se especializam em zooarqueolo- gia, que estuda os restos de animais recuperados nas escavagoes arqueolégicas. "© Deetz, J. tn smal things forgotten: The archaeology of early American Ife, Garden City, NY: Anchor Press/Doubleday, 1977. p. 160. t Gpiulo 1 Inrodugo 3 antogeloga 15 Embora a maioria dos arquedlogos se concentre no passado, alguns estudam objetos materiais no cenatio contemporaneo. Um exemplo € 0 Projeto Lixo (The Garbage Project), fundado por William Rathje, na Universidade do Arizona, em 1973. Esse estudo antropol6gico, cuidadosamente controlado, do lixo doméstico dos residentes de Tucson continua a produzir informagoes instigan- tes sobre questdes sociais contemporaneas. Por exemplo, ao responder o questionario da pesquisa, apenas 15% das familias confirmaram o consumo de cerveja, mas nenhuma relatou que consome mais de oito latas por semana. A anélise do lixo da mesma area mostrou que mais de 80% das fami- lias consumiam cerveja e que 50% descartaram mais de oito latas por semana. Além de apresentar dados concretos sobre 0 consumo de cerveja, 0 Projeto Lixo testou a vali- dade de técnicas de pesquisa de que dependem socidlogos, economistas e outros cientistas sociais e formuladores de politicas ptiblicas. Os testes mostram uma diferenga significativa entre o que as pessoas dizem que fazem e 0 que a andilise do lixo comprova que realmente fazem. As ideias sobre comportamento humano com base em técnicas simples de pesquisa, portanto, podem apresentar sérios erros. Gerenciamento de recursos culturais Embora a arqueologia possa evocar imagens de pirimides antigas e coisas do género, grande parte do trabalho de campo arqueolégico é realizado como gerenciamento de recursos culturais. Esse trabalho se distingue da pesquisa arqueolégica tradicional por ser parte de atividades regidas por lei para preservar aspectos importantes da heranga histor ca e pré-histérica de um pais. Por exemplo, nos Estados Unidos, se a secretaria de transportes de determinado estado planeja substituir uma ponte em uma rodovia, é preciso identificar e proteger quaisquer recursos hist6ricos ou pré-hist6ri- cos que possam ser afetados pela nova obra. Desde a aprovacao da Lei de Preservacao Historica (His- toric Preservation Act), de 1966, a Lei Nacional de Politicas Ambientais (National Environmental Policy Act), de 1969, e da Lei de Preservacio Historica e Arqueolégica (Archaeological and Historical Preservation Act) de 1974, o gerenciamento de recursos culturais € exigido para qualquer projeto de construgéo que seja custeado ou licenciado pelo governo federal norte-americano. Como resultado, a drea de gerenciamento de recursos culturais prosperou. Muitos arquedlogos sio contratados por Orgdos como Unidade de Engenheiros do Exército (Army Corps of Engineers), Servico de Parques Nacionais (National Park Service), Servico de Conservacéo de Recursos Naturais dos Estados Unidos (US. Natural Resource Conservation Service) para ajudar na prevengio, restauracao e salvamento de recursos arqueol6gicos. ‘Quando o trabalho de gerenciamento de recursos culturais ou outra investigacdo arqueologica encontra artefatos culturais nativos ou restos hiumanos, as leis federais também devem ser obser- vadas. A Lei de Protecao e Repatriago de Tumbas Nativas (Native American Graves Protection and Repatriation Act - Nagpra), aprovada em 1990, determina um processo para o retorno desses restos aos descendentes lineares, a tribos culturalmente relacionadas e a organizagdes havaianas nativas, Ela é extremamente importante para o trabalho dos antropélogos que estudam as culturas paleoindigenas nos Estados Unidos. A controvérsia sobre o Homem de Kennewick ressalta alguns dos debates éticos a ela relacionados. Além de atuar em todas as areas mencionadas, o arque6logo também pode trabalhar como consultor para empresas de engenharia na preparagdo de documentos relacionados ao impacto 16 Priniis ambi ntal. Alguns desses profissionais trabalham em universidades e faculdades, enquanto outros sdo membros de empresas independentes de consultoria. Quando o governo financia qualquer tipo de trabalho arqueolégico, este recebe o nome de arqueologia puiblica. ANTROPOLOGIA, CIENCIA E HUMANIDADES. Por causa da grande variedade de assuntos € métodos, a antropologia as vezes é considerada a ci- éncia mais humana e a area de humanidades mais cientifica, uma designacao que a maioria dos antropélogos aceita com satisfacao. Em virtude do envolvimento com individuos de todo tempo e lugar, os antropélogos acumulam informagGes consideraveis sobre sucessos ¢ fracassos, fraquezas e grandezas ~ a verdadeira natureza das humanidades. Embora os antropélogos evitem uma aborda- gem-cientifica impessoal e “fria” que reduza pessoas, atividades e pensamentos a simples ntimeros, as suas pesquisas quantitativas contribuiram significativamente para o estudo cientifico da con- dicdo humana, Contudo, mesmo profission: rigorosos sempre tém em mente que as sociedades, humanas sto compostas de individuos com grande diversidade de emogdes e com aspiragdes que exigem respeito, Alem disso, o antropélogo permanece comprometido com a proposi¢ao de que nao se pode entender completamente uma cultura por meio da simples observagdo; como implica a expresso observacao participante, também € preciso vivenciat. Esse mesmo comprometimento a pesquisa de campo e a coleta sistematica de dados, sejam eles qualitatives ou quantitativos, também é uma evidéncia do lado cientifico da antropologia. Esta ¢ uma ciéncia social empirica com base em ob- servagdes ou informacées sobre o ser humano obtidas por meio dos sentidos e verificada por outros aspectos além da intuicao ou de crengas. Mas a antropologia se distingu de outras ciéncias pelas ‘a € conduzi formas diversas com que a pesquisa cientifi la A cigncia, uma forma cuidadosa de produzir conhecimento, tem como objetivo revelar e explicar a l6gica implicita, os processos estruturais que fazem 0 mundo “girar”. O empenho cientifico criativo so As expresses "0 Antigo “Homer de Kennewick’ se refrem a0 esqueleto de 9300 anos, encnrado em 1996, peta de Kennewick, Washington Cecado de ontrvésas desde sua descobeta,o Homem de Kennewick fi um ds primes a cheat 2 Ocdente eapresenta gandepotencial para oavanc dos studs cs sore ets de vida antgose paces de miraionas Amica. O Homer de Kennewick fol encntado em tras ancestas de um grupo de bos natives, qu elamou os restos morta, segundo a Lei de Poteoe Repatiacdo de fambas Nats (Native American Graves Poection and Repatriation Act — "Nagra. Coma, press natios, 0 0805 pertencem a um ancestral, desejam fae cam que setae tra em uma cerimdni adequada, Os cenistas pea ao Tribunal Federale em 2004, conseguiam permis para continua as pesquises anes. Dong Ouse, antopologo fens dolnstituto Smithsorian qu lie 0 grupo de pesquisa aa que ainvestigaéo clentiicaapresenta muito mas infmaes do que esperavam, Como no cnto dessa conto exist vies conftants, ber prove! que ela nd sej esohida face procura explicagdes que podem ser testadas para fendmenos observados, de modo ideal em termos do funcionamento de leis ou principios ocultos, ‘mas imutavels. Para isso, sdo necessérios dois in- gredientes basicos: imaginacao e ceticismo. A ima- ginagao, apesar de ter 0 potencial de nos induzir opto Inrasugio’ antoplogia 17 tir ‘empiicoBsva-se nas cbseracbes do mundo, nora inuigo ov emcrengs hipstese spagoprvsra sobre as ees en cra fendenes teoria Fm inca, uma explicagao sober enéeno natural, fundamentada por um conunta de dados confines. doutrna Delraio de opinido ou cena apesentada lomalmente or uma autoridade como verdaeiaauincotsvel a0 erro, nos ajuda a reconhecer formas inespera- das em que 0s fendmenos podem ser organizados € a analisar ideias antigas de novas maneiras. Sem ela, nao existe ciéncia. O ceticismo nos permite distinguir entre fato (uma observago verificada por ‘outras pessoas) e suposicdo, para testar nossas especulagdes e evitar que viajemos na imaginacao. Em busca por explicagées, os cientistas nem sempre supdem que as coisas sio o que parecem na superficie. Afinal, o que € mais dbvio do que a terra permanecer parada enquanto o sol gira em tomo dela todos os dias? Como outros cientistas, os antropélogos geralmente iniciam as suas pesquisas com uma hip6- tese (uma explicagao provis6ria ou suposigao) sobre as relagdes possiveis entre certos eventos ou fatos observados. Ao coletar varios tipos de dados que parecem fundamentar com evidéncias as explicagoes sugeridas, 05 antropdlogos elaboram uma teoria ~ explicagdo fundamentada por um conjunto de dados confiéveis. Na tentativa de demonstrar a ligagio entre fatos ou eventos conheci- dos, 0 antropélogo pode descobrir fatos, relagdes ou eventos inesperados. Uma funcao importante da teoria é direcionar nossas exploragdes, que podem resultar em novos conhecimentos. Também € importante ressaltar que 0s novos fatos descobertos podem apresentar evidéncias de que certas explicagdes sto infundadas, mesmo que sejam populares ou consideradas verdadeiras. Quando hé falta de evidéncias ou clas ndo fundamentam as explicagées sugeridas, as hipéteses promissoras ou suposigdes atraentes devem ser descartadas. Em outras palavras, a antropologia depende de evidéncias empiricas. Além disso, toda teoria cientifica, mesmo que esteja amplamente aceita pela comunidade cientifica internacional, é questionavel. £ importante distinguir entre teoria cientifica, que estd sempre sujeita a contestagées futuras que surgem com novas evidéncias ou novos conhecimentos, ¢ doutrina, Uma doutrina, ou dog- ma, é certa declaragio de opinido ou crenga apresentada formalmente por determinada autoridade ‘como verdadeira ou incontestvel. Por exemplo, aqueles que aceitam a doutrina criacionista sobre a origem da espécie humana, como desctevem os textos sagrados ou os mitos, o fazem com base na autoridade religiosa, reconhecendo que essa visio pode contrariar as explicagdes da genética, da geologia, da biologia ou outras. Tais doutrinas indo podem ser testadas ou provadas de uma forma ou de outra, sdo aceitas como crengas. Embora a abordagem cientifica possa parecer direta, sua aplicacdo nem sempre é facil. Por exem- plo, depois que uma hipotese é proposta, esta deve ser confirmada. Isso pode fazer com que incons- cientemente se ignorem evidéncias negativas e descobertas imprevistas. £ um problema familiar em toda ciéncia, como destaca 0 paleont6logo Stephen Jay Gould: “O maior obstéculo a inovacio cientifica é geralmente um bloqueio conceitual, nao um bloqueio real”."* Como a cultura estabelece Gould, S.J. Wonderful lif. Nova York: Notton, 1989. p. 226. 18 Pinplas de antroplogia conceitos e ideias, formular hipéteses ou desenvolver interpretagdes que nao estejam relacionadas a ela pode ser um desafio. Ao englobar humanismo e ciéncia, a antropologia conta com a propria diversidade interna para superar os bloquelos conceituais PESQUISA DE CAMPO. Todos os antropélogos consideram se sua cultura pode ter originado as perguntas cientificas que elaboram. Ao fazer isso, dependem muito de uma técnica que se tem mostrado proveitosa em outras disciplinas: dedicam-se incansavelmente 4 andlise dos dados obtidos. Durante o proceso, cles se familiarizam completamente até mesmo com os minimos detathes, e tém condigbes de co- megar a reconhecer padrdes implicitos que podem ter sido ignorados. Ao reconhece-los, 0 antrop6- logo consegue elaborar hipoteses significativas, que entdo podem ser submetidas a outros testes ou validagao no campo. Na antropologia, a pesquisa de campo apresenta rigor adicional ao conceito de imersdo total nos dados. Embora a pesquisa de campo tenha sido mencionada em relagdo 4 antropologia cultural, é uma caracteristica apresentada em todas as subareas da antropologia. Os arque6logos e paleoantropé- logos fazem escavagdes. Um antropélogo biolégico, interessado nos efeitos da globalizago sobre nuutrigdo e crescimento, ird viver em uma comunidade para estudar esse assunto. Um primatologista poder viver em meio a um grupo de chimpanzés ou babufnos, e um linguista, na comunidade cuja linguagem deseja estudar. A pesquisa de campo, imersdo em outra cultura, desafia 0 antrop6logo a estar constantemente consciente da maneira como os fatores culturais influenciam as perguntas da pesquisa. © antropélogo monitora a si mesmo verificando constantemente as prdprias tendéncias © suposigdes; 4 medida que desenvolve o trabalho, elabora essas reflexdes sobre si juntamente a observagdes, uma pratica conhecida como reflexividade. Ao contrario de outros cientistas sociais, os antropélogos geralmente nao vao a campo com questiondrios pré-elaborados. Embora tenham realizado pesquisas para conhecer a comunidade onde vao atuar e tenham criado algumas hip6teses, eles reconhecem que muitas das melhores descobertas sdo feitas quando mantém a mente aberta. A medida que a pesquisa de campo se desen- volve, selecionam as observagdes, as vezes formulando e testando hipéteses limitadas, ou usando a intuigdo. O antropélogo atua junto a comunidade para que 0 processo de pesquisa se torne um trabalho de colaboragio. A consisténcia dos resultados é verificada constantemente, pois, se ndo ha coeréncia, ele sabe que houve algum erro e que é preciso investigar mais. A validade ou a confiabi- lidade das conclusdes se estabelece através da reproducdo das observagdes e/ou dos experimentos por outro pesquisador. Assim, essa validade torna-se Sbvia se 0 colega “conseguiu’” A validagao tradicional realizada por colegas é um desafio na antropologia porque 0 acesso a observagao é sempre limitado. O acesso a um local de pesquisa pode ser restringido por uma série de fatores. Dificuldades para viajar, obter permissoes, fundos insuficientes, ou condigdes ambientais, sociais e politicas podem dificultar 0 proceso. © que pode ser observado em determinado contexto, em um periodo especifico, pode nao ser em outros, e assim por diante. Assim, um pesquisador nao consegue confirmar a validade ou totalidade do relato de outro. Por esse motivo, os antropélogos tm a responsabilidade especifica de elaborar relatos precisos ¢ cuidadosos. No relatério final da pesquisa, varios aspectos basicos devem estar bem claros: por que determinado local foi selecionado como area de pesquisa? Quais sao os objetivos da pesquisa? Quais foram as condig6es locais durante pile today antpaoga 19 ‘© desenvolvimento do trabalho de campo? Que individuos do local forneceram informagées im- portantes e as principais percepgdes? Como foram realizadas as coletas ¢ os registros dos dados? Como 0 pesquisador constatou sua tendenciosidade? Sem essas informagdes preliminares, é dificil julgar a validade do relato e a confiabilidade das conclusoes. Em relacdo ao nivel pessoal, a pesquisa de campo exige que o pesquisador saia de sua zona de conforto cultural e mergulhe em um mundo estranho e as vezes perturbador. m campo, é provavel que o antropélogo enfrente muitos desafios: fisicos, sociais, mentais, politicos e éticos. Talvez tenha de lidar com 0 desafio fisico de se adaptar 4 comida, ao clima e as condigoes de higiene diferen- tes. Tipicamente, quando esté em campo, 0 antropélogo lida com desafios mentais como solidao, sentindo-se um completo estranho, desajeitado e perdido no novo cenério cultural; ele precisa estar alerta 0 tempo todo, porque tudo 0 que acontece ou é falado pode ser importante para a pesquisa. Os desafios politicos incluem a possibilidade de inconscientemente se deixar usar por facgdes da comunidade, ou de ser visto com desconfianca por autoridades do governo, que podem suspeitar de que seja um espiao. Também ha dilemas éticos: o que fazer se enfrentar uma pratica cultural considerada perturbadora, como a circuncisio feminina; como lidar com a necessidade de comida ou remédios; a tentagdo de usar artificios para obter informagées vitais e assim por diante. ‘Ao mesmo tempo, a pesquisa de campo geralmente traz recompensas profissionais, pessoais ¢ sociais claras e significativas, que variam de amizades duradouras a conhecimentos e percepgoes vitais sobre a condi¢do humana que proporcionam contribuigdes positivas para a Parte do significado da pesquisa de campo antropol6gica —a utilidade e 0 impacto sobre o pesquisa- dor e 0 objeto da pesquisa — é apresentada no “Estudo Original”, de Suzanne Leclerc-Madiala, uma antropéloga que migrou do estado da Nova Inglaterra, ha quase 25 anos, para realizar pesquisas sobre a Aids com falantes de zulu, na Africa do Sul. O interesse na pesquisa modificou o curso de la das pessoas. sua propria vida, para néo mencionar a de pessoas portadoras do virus HIV ou que desenvolveram a doenga e 0 tipo de tratamento que recebem. RUC 7 Oe EER re me cM aE CCU SUL E cs 20 Pinipis de antopoiogia ‘Ao enfrentar imensas necessidades globais de cuidados com satide, a Organizacao Mundial de Satide aprovou uma série de resolugées na década de 1970, promovendo a colaboracio entre a medicina mo- demna e a tradicional. Isso teve relevancia especial para a Africa, onde os curandeiros tradicionais superam ‘umericamente os profissionais da medicina moderna, & raz8o de 100 para 1, ou mais. Em virtude da desi- ‘gualdade na proporcao dos responsdveis pela satide na Africa, 0 apoio a parcetias com curandeiros tradi-

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