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5 Géneros textuais Na constituicio dos capitulos anteriores, estivemos expostos — nos capitulos seguintes, também estaremos — a textos diversos: histéria em quadinhos, titinha, charge, crOnica, miniconto, fabula, poesia, antincio, cartaz, artigo de opiniio, artigo de divulgagio cientifica, piada, bula, hor6scopo, dentre outros. No processo de leitura e construgiio de sentido dos textos, levamos em conta que a escrita/fala baseiam-se em formas padrio e relativamente ilo ¢ € por essa razio que, cotidianamente, em estiveis de estrutura nossas atividades comunicativas, sto incontiveis as vezes em que somente lemos textos diversos, como também produzimos ou ouvimos enunciados, tais como: “escrev umacarta”, “recobi oe-mail” “achei 0 ‘amincio interessante’, “oartigo apresenta argumentos consistentes”, “fiz oresumo do livro’, “apoesia é de um autor desconbecido’. ‘li oconto”, “apiada foi boa’, “quetirinba engracadal’, “alista é numerosa" Ea lista € numerosa mesmoll! Tanto que estudiosos que objetivaram © levantamento ¢ a classificagio de géneros textuais desistiram de fazé-lo, em parte porque os géneros existem em grande quantidade, em parte porque os géneros, como priticas sociocomunicativas, sio dindmicos sofrem variacées na sua constituicdo, que, em muit ocasides, resultam em outros géneros, novos géneros. Basta pensarmos, 102. ingedore vias Koch « Vands Mara Eas por exemplo, no e-mail ou no blog, priticas sockais © comunicativas decorrentes das variagdes (transmutagdes") da carta ¢ do. diario, respectivamente, propiciadas pelas recentes invencdes tecnolégicas. Sobre a nossa atividade comunicativa e, portanto, a constituigio dos géneros, Baxsm (1992:301-302) afirma que Para falar, utilizamo-nos sempre dos géneros do discurso, em outras palavras, todos os nossos enunciados dispdem de uma forma padrao relativamente estivel de estruturacao de um todo. Possuimos um rico repertério dos géneros do discurso orais (¢ escritos). Na praitica, usamo- los com seguranca e destreza, mas podemos ignorar totalmente a sua existeneia teériea [..1.(grifos do auton) Fundamentada na afirmagio do autor, Koc (2004) defende a ideia segundo a qual os individuos desenvolvem uma competéncial metagenérica que Ihes possibilita interagir de forma conveniente, nal medida em que se envolvem nas diversas praticas sociais. E essa. competéncia que possibilita a produgao e 2 compreensio de} sneros textual, e até mesmo que os denominemos, conforme explicamos no parigrafo inicial e reiteramos, agora, com 0 texto 1, cujo enunciadol destaca a denominagio do género “curticulo”, ¢, com o texto 2, em que na “fala” do garoto revela-se a dlenomina‘ ero textual “recado™ produzido em suporte nao esperado ~ a parede — para desaprovacik do pai. Vejamos: € who $6 EScReNi Wo MED GORRICOLG GUE SOU *ALTAMEN- Te cRIATIVO™, cCowo NvENTH, Hf 0 coRRICULO INTERO ! i i F Fonte © Eta de 5. oo, 10 st 2005. Lerecompscender 103 Como vemos, se, por um lado, a competéncia metagenérica orienta fa producio de nossas priticas comunicativas, por outro lado, € es fmesma competéncia que ofients a nossa compreensio sobre os géneros fextuais efetivamente produzidos. Para exemplificar que essa competéncia fé dle fundamental importancia para a producao de sentido do texto, Jselecionamos os textos a seguir. Texto 3 Em relagio ao texto 3, 1 seguir, nossa competéncia metagenérica nos Jdiz que, por sua composig2o, contetido, estilo, propésito comunicacional lc modo de veiculacio, a ener tituido Sob a forma de outro 104 IngedoreVilaga Koch + varca Mara las Texto 3 CRUZADAS on estes 22nd wand oer» ME He oun 1am a ior secon one EE cesta ee A esse sonasesoaten te Mel nanan timgete NEB gan piso ernst at Ss ropeno carious en MeL Yeoganees Sree odie imaginar, Aqui tem. Forte: ant Vj S30 Fal: Abn, 1928, 48, 2p. 200, Lerecompreender 105 te Folta de 5. Palo, 28 br. 200 ‘Também, no texto 4, é de fundamental importancia a competé etagenérica para a producio de sentido, uma vez que estamos dia ‘uma charge que revela em sua constituicao o género “piada” em dois mentos: primeiro, pelo efeito de riso produzido por um enunciado ua fazer parte do repertério de piadas"; segundo, pela jpresentacdo, apés 0 riso, de um enunciado que, na sequéncia, anuncia tra piada, esta, porém, situada em um quadro (re)conhecido, esperado; a-se de uma piada de portugues. ‘A nogio de competéncia metagenérica ~ e de sua importinc 1a a produgto/compreensio de textos — esti implicitada no ponto de sta de Baxtrnn (1992:301-302), segundo 0 qual nae a mais desenvolta, moldamos nossa fala as formas pre géneros, as vezes padronizados e estereotipads, as vezes mais maledveis, mais plisticos € mais criativos. [...] Aprendemos a moldar nossa fal as formas do género €, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem. 106 ngedoreviagakoch Vanda Mara Es ras primeias palavras, pressentir-lhe o género, adivi extensto aproxiniada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, preverdhe o fim, ou seja, desde 0 inicio, somes sensiveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciaré suas diferenciacoes. Se nao existissem os géneros do discurso ¢ se nao os domindssemos, se tivéssemos de ctié-los pela primeira vez no processo da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciacos, a comunicacio verbal seria quase impossivel. No trecho, destaca-se a ideia de que os géneros textuais — priti sociocomunicativas ~ sto constituidos de um determinado modo, com uma certa funcio, em dadas esferas ce atuacao humana, o que nos possibilita Ge)conhecé-los € produzi-los, sempre que necessirio. Se no fosse assim, haveria primazia de uma producao individual ¢ individualizante desprovida dos tracos de um trabalho construido socialmente, 0 que dificultaria (e muito) o processo de leitura € compreensiio, segundo os pressupostos assumidos por nds nos capitulos anteriores. ‘Afirmar que 0s géneros so produzidos de determinada forma nao. implica dizer que nao sofrem variagdes ou que elegemos a forma como 0 aspecto definiclor do género textual em detrimento de sua funcio. Apenas chamamios a atengao para o fato de que todo género, em sua composicao, possui uma forma, além de contetido € estilo ~ segundo Bax (1997), elementos indissociiveis na constituicio do género. Composicgao, contetido e estilo Na perspectiva bakhtiniana, um género pode ser a caracterizado: + sao tipos relativamente estiveis ce enunciados presentes em cada cesfera de troca: os géneros posstem uma forma de composicio, um plano composicional; além do plano composicional, distinguem-se pelo contetido temitico € pelo estilo; ere compoceder 107 © trata-se de entidades escolhidas, tendo em vista as esferas de necessidade tematica, 0 conjunto dos participantes © a vontade ‘enunciativa ou a intencao do locutor, sujeito responsivel por enunciados, unidades reais ¢ concretas da comunicacao verbal. Desse modo, todo género € marcado por sua esfera de atuagao que promove modos especificos de combinar, indissoluvelmente, contetido temitico, propdsito comunicativo, estilo ¢ composicao. Veremos como se constitui essa combinacao nos exemplos apresentados a seguir: Texto 1 Pecado Que raiva que dé Quancio 2 Chica se pinta toda ‘56 pro Neno Ela que é toda assanhada Fle que come qual urs Eu que deitado na sombra Queria ter um carro igual Fone Ese Nno, Mays, Poets de Gave, Ono Texto 2 Sete Pecados do governo Lula Lula alsse na semana passada, depois de comungar sem confesssr, que ndo tem pecados. Bem, cada um sabe de sua vida particular. Mas, como governante, ele e seu gaverno tém pecados que nenhum frei, nem mesmo da Teologia da Libertacdo (aquela que alguns chamam de “progressista”), ‘pode expurgar em pouco tompe. Vou me limitar aos pecados capitas Soberba ou Vaidade - “Mée de todos os vicios", segundo Tomas de Aquino, se manifesta toda vez que o presidente diz que, por ser de origem proletéria, veio salvar o Brasil de 500 anos de inferno capitalista. Ou quando 108 incedore Vilaga Koch # Vanda ia Bis desdenha a educacdo formal porque ndo precisou de diploma universitaio jpara atingir 0 maior cargo politico do Pais que considera 0 melhor do pundo. Ou quando seus asseclas principals © comparam com Jesus, Moises @ outros personagens. reguica - Ou: Mecunaima no poder. O presidente, para néo faler de seus files, @ 08 ministres, pare néo flar de suas mulheres, néo trabalham. Despschar, para eles, &um verbo do dconario de candomblé. Ocupam © Tempo com discursos, viagens,factodes, lobbies, nomeacoes para todos ts escalbes ~ sem critéio exceto 0 do interesse. Flam em reforma, mas jamais metom 2 méo na massa. Ndo estudam seus assuntos © 80 ‘onsequem corlar gastos, apriorar gestoes, administer planihas, Claro «a dispersio convém. Invela ~ Esse 6 0 menos disfarcado dos pecados do atual governo. Lula quer se nc, Diceu quer ser Serio, Paloci quer ser Malan, Fcarom tantos Sos atacando 0 governo anterior que, numa reversso que 30 ainveja explic, hoje incluem no programa de partido todos os pontos que atacavam: meta deinflacSo, superévt fiscal, dar flutuante, boas relacdes com ot, ett. A tal ponto que nao sabem como derrubar 05 jros, pos, como a vida cai pouco e os investimentos cantinuam baixes, n3o da para tiar 0 olho do risco-pats. Luxira ~ Esse pecado também é viel por toda parte. Por exemple, quando o presidente viaja em seu Boeing “sob encomenda”, 0 Aerolla, para ser santificado como inimigo da fome por dtadoresaffcanos, em meio a gates ¢ ‘ravatas. Qu em seus roupées de algadzo egipcioejantares regados a Chateau pétrus, Qu quando se gaba de seu desempenho sex sra-Nio é apenas uma explosdo de ava, mas 0 sentimento de rgulno que se comerteem desejo de vingarca, Aes inimigo, os petistas sempre dedicam ar fem vez de contrapor argumentes eexercitar a rleranca, tratam de desqualia- Jos moralmente ou cerceé-os juridicamente. £, novamente como de habito, ringuém conhece melhor aia do governo petista do que os antgos aiados (quer "adicois" quer “histricos". Esa posture ndo aro aparece travestida de ‘requlamentagio" de setores como a imprensa e a cultura Gula — No sentido estrito, basta olhar es barrigas do Executivo, No sentido amplo, é a voracidade com que 0 governo avanca no bolso dos Contribuintes, engolindo toda migalha que vé pela frente. Os impostos Sabem, 2 arrecadacdo dispara, os agiotas comemoram. E é também @ guia por mais e mais poder, expressa na maneira como tods as estatais Lee compreerder 109 40 ocupadas por paltces e 0 nimero de funcionaris publics néo para de aumentar. Avareza ou Cobiga - Esse pecado seria 0 mais negado pelo atual governo, {J que anuncia “generosidades" a toda hora. Mas, ao mesmo tempo que esbanja em juros e luxos, ele & avaro, extremamente avaro na prestacao de sorvcos socais. Oferece “bols-esmole”, que frequentemente cai em mos abastadas, mas deixa 0 ensino, a satide e a seguranca (cadé 0 “maior plano nacional de seguranca jamais feito”?), por exemplo, piorarem a cada dia. ‘Quanto mais dinheio extra! da sociedade, menos the devolve. Ave Maria, rogai por nés Fonte: Ps, Dan. Sete pecs db gover Lua, 17 aby. 2005, hat estado, com brkoluntata cesta om 26 ma 2005, [anannk Vou FAZER UM sERWiO coLoQe Fonte: 0 Eco de Sas 9 mar, 2008 Sabemos, pelt nossa competéncia metagenérica, que o texto 1 é uma poesia, que o texto 2 é um artigo de opiniio.c que o texto 3. uma firinha. Por qué? Porque esses géneros tém um modo de composi¢ao (estruturacio, esquematizagao) que thes sto proprios: a poesia se estrutura ‘em estrofes ¢ versos, com rimas ou sem rimas; por sua vez, 0 artigo de opinio se estrutura em tomo de um ponto de vista ¢ da argumentacio ‘em sua defesa; ¢ a tirinha se estrutura em enunciados curtos, constituidos em baldes, para representar a “fala” de personagens, destacando-se nessa ‘composicio o imbricamento entre verbal ¢ ndo-verbal. Portanto, do ponto de vista da composicao dos géneros, deve-se evar em conta a forma de organizacio, a distribuicao das informagdes 110 ingedore via Koch « Vanda Mar as © 08 elementos nao-verbais: a cor, o padrio grifico ou a diagramacio tipica, as ilustragoes, Do ponto de vista do conteddo tematico, na poesia predomina expresso dos sentimentos do sujeito, sujeito esse que fala de si ed vaz20 ‘a emocdes, constituindo-se, preponderantemente, na primeira pessoa. Por sua vez, no artigo de opinido, veiculado em revistas ou jorais, © contetido, geralmente, consta de acontecimentos de ordem politica, ‘econémica, social, hist6rica ou cultural, ¢ raramente sobre acontecimentos ow vivencias pessoais. Por iiltimo, na tirinha, 0 contetido esperacio € a critica bem-humorada a coisas do mundo, modos de comportamento, valores, sentimentos. Coincidentemente, os trés textos selecionados estruturam-se em torno ‘do mesmo tema — pecado porém o fazem de modo diferente. Em se tratando de estilo, na poesia, hd a expresso maxima do trabalho do autor nas escolhas realizadas para a constituicio do dizer; no artigo de opiniio, geralmente, exige-se caracteristica do estilo de comunicacio formal, ditigida a um grupo privilegiado social, econdmica ¢ cultu- ralmente; na tirinha, apesar da escassez do espaco, que exige do autor ‘uma producdo breve, hi forte expresso do trabalho do autor marcada, geralmente, por maior grau de informalidade. Subjaz a essas consideragdes 0 fato.de que, nas escolhas que realiza, ‘0 autor imprime a sua marca individual, mas nao pode ignorar a relativa estabilidade dos géneros textual, o que no 0 caracteriza como um sujeito inteiramente livre, que tudo pode dizer em

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