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epITORA DA UNIVENSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS UNICAME ever Caos ease dere Crt Ae Pra” Antn Catr Banat Ine RCo Polo Francie = Tee Aide EB, P. Thompson AS PECULIARIDADES DOS INGLESES E OUTROS ARTIGOS Organtzagao Antonio Luigi Negro Sergio Silva ienaextauoonamica eLaponann re.a Binticreca CENT Rat ba UNieaN Thompion, EB Ts72p "Ar peculiridader dos imgleses « outtos argos / EP Thompron; ergimizadores: Antonio Luigi Negro « Sersto Silva = Compinss, SP Editors éa Unscamp, 201 |, Hsténs socal. 2. lnglaterca- Histns, 3. Chasse média (lagisterra) - Historia. 4. Movimento opersesa. 5 CComunisme, 6 Sociaismo, 1. Negro, Antone Luig. Ul. Silva, Sergio. Titulo. opp 301 ass4 oan 520531 3014410942 ISBN 85.268-0535-5, s22.20002 Tadiees pars eailogo antemiuco 1, Hinges social 01 2 inglters ~ Histona on 3 Clase misia(lnglstera) ~ Histon 01410942 4. Movimento operare 320982 5. Gomenisme basa 6 Socislisma 320531 CCopynght © by Editors ds Uneasy, 2092 Nenhuma pate deste publicgio pode ser grvadh, srmazenads ¢m sssiema eletrénico,fotocopiada, repreduzids pot melos mecanicos 0 (tron qusnguer sem autonzagio previa do editor Imagem de cara Willen Hogarth, ct enmpenin eat « nf de eis, USB, Soane's Mico, Londres. Edward Thompson era o historiador contemporineo britinico mais conhecide fora da Inglaterra. Sua influéncia mundial <0: re-08 estudances de histéria tem sido ineaiculivel, Mas ele nfo cera igualmente aprecinde pelo extablisimens tustértca wnglés: a ‘Academia Beitinica tardou em elegé-lo como membro até 1992. ‘O que irritava era o vasto sucesso de seu grande livra A forma fade clause operira riglcra (de 1963), que fundou o valor da hnstéra 3 partir de ba1xo. Como Karl Marx, Thompson cam! rnhow nia conteacortente 20 usae a literatura como Fonte para 2 hnstdria soctal eecondmicas seu primeno liv fos sobre William Morns. Quem — serie Thompson — citania Chaucer, Tistram Shana, Worasworth, Dickeas ¢ as poetas do séeulo XVITE Stephen Duck e Mary Collier em um artigo sobre “Tempo, dis ciplina de trabalho e eaprtatismo mdustriai” Ele nao tna pa- cigncia alguma com o determinism demogrifico e estatscico rem com termos enganosimente “newtros” coma “moderni= 2agio" ¢ “industeilizagao", usados como fito de evitaro cude cermo “eapitalismo” © marsismo de Thompson era snreiramente alhero « dogmas preconcebidos. Coniston FL I SUMARIO ADRESENTAGAO, Intropucao E, 2 Thompson (E. J. Hobshiwm) 9 15 Peculiaridades de E. B Thompson (Alexnadre Fortes, Antonio Luigi Negro ¢ Passlo Fontes) ‘Thompson, Marx, os marnistas € os outros (Serpe Sibva) [AS PECULIARIDADES DOS INGLESES £ OUTROS ANTIGOS As peculiandades dos ingleses ‘Nota sobre “As peculiaridades dos ingleses” A hustéia vista de baixo ‘Modos de dominagio e revoluges na Inglaterra Folelore, antropologia ¢ historia social Algumas observagées sobre classe ¢ “falsa consciéneia” Oumos escutos & eTuEVISTAS DE THOMSON 1 9 2 5 181 185 203 227 269 : : ' i ' ' / { APRESENTAGAO, Este trabalho comegou anos atras, com a traducio de “As peculiaridades dos ingleses”, a fim de estudar ¢ diseutir, mais facilmente, um ensaio fundamental para a compreen- si do pensamento de Thompson entéo indisponivel em portugués. E esse 0 objetivo desta coletinea. Escolhemos “outros artigos” em que Thompson apresenta preocupagées tedri cas, textos que podem ser estudados ao lado de outros jai traduzidos, como “Patricios ¢ plebeus” (Costumes cnt co- mien), “© dominio da lei (‘Senhores ¢ eagaitores) ou 0 polé- mico ensaio A miséria da teovia, Nem de longe pretendemos negar que a contriburga tedrica de Thompson para a historia ¢ as ciéncias sociais possa — ou mesmo deva — ser estudada a partir de seus trabalhos mais propriamente histéricos: como teoria em agao. Isso significaria negar exatamente um de seus pontos centrais, Este livro pode ser consiclerado como uma outra forma de examinar suas idéias. Uma forma certamente comple- aa largo do meni r, na medida em que nfo se pode pass: 9 | | | eseudo de suas obras principais, mas uma forma também fundamental, na medida em que permitiria novas leitucas dessas obras ¢ facilitaria sua contraposi¢io direta as teortas sociais, A tradi¢o marxista abragada por Thompson esti pre- sente em todos os textos que selecionamos: ~ seu entendimento do materialismo histérico como sim ples ¢ indispensivel orientagio teér & pesquisa das “pe- culiaridades” dos processos histéricos reais; —a necessdria opgio por uma “histéria vista a partir de baixo” que ela determina; = a variedade dos “modos de dominagio € revolugées”, das lutas nas quais as classes se fazem c fazem a historia; ~ a afirmagio de “classe” ¢ “consciénera de classe” como con- ceitos histérieos; = a discussio sobre concertos bisicos de Marx & luz da re- lagio entre antropologia ¢ histéria Introdwzimos este conjunto com uma biografia unce- Jectual — as peculiaridades do préprio Thompson — e um pequeno ensaio sobre sua critica a Marx e, sobretudo, a tra digdo marsista dominante, estes dors antecedidos por um artigo de Eric Hobsbawm, escrito imediaramente apés a morte de Thompson. Uma bibliografia sua pode ser encon- la no final do livro. Esperamos ter preparado um livro util ¢ de jeitu agradavel, nfo somente paca professores ¢ estudantes de histéria, ciéncias sociais e humanas em geral, mas também para todos aqueles que se interessam pelos caminhos — ¢ descaminhos — da reflexio tedrica ¢ politica sobre a socie- dade em que vivemos 10 t i Agradecemos a todos aqueles que colaboraram com es- te trabalho © & Editora da Unicamp, por transformd-lo em livro. Os eréditos relativos As tradugdes e revisées « em notas de pé de pagina, no inicio de cada artigo. Neste mesmo local, 0 leitor encontrard as referéncias as publica des onginais. Agradecemos a Hobsbawm ¢ a todos aque: les que nos permitiram republicé-tas em portugués, Um agradecimento especial a Dorothy Thompson, cujo imediato acordo com a edigio deste livro veio acom- panhado de gentil comentirio; “Embora Edward nio tenha escrito muita coisa sobre teoria — preferinde demonstri- la no processo de escrita da histéria —, ele sempre se mos- trou muito preocupado com as quest6es de seu uso ¢ abuso e, estou certa, estarta interessado nesta coletinea” Anton Liye Negro Sergio Silva a IntropucAo E. P. THompson* E. J. Hobsbawmn E, P, Thompson, hustoriador, socialista, poeta, atnvista, orador, escritor — em seu tempo — da mais fina ¢ polé- mica prosa do século XX, provavelmente gostaria de ser lembrado pelo primeiro termo dessa lista. B, de favo, quan- do suas varias campanhas tiverem sido esquecidas, A forma- pao da classe opertiria wglesa € muitos outros trabalhos seus ainda serio lidos com admiragao € inflamagio. Tanto como historrador quanto na vida piiblica, Ed- ward Thompson projetou-se como um foguete. A forma- edo, publicado em 1963 ¢ escrito por um professor da area de educago popular praticamente desconhecido fora dos estreitos circulos da velha € da nova esquerdas, foi instan- taneamente reconhecido como um clissico ¢ tornou-se aquilo que foi certamente o mais influente livro de historia oriundo do radicalismo anglo-saxio dos anos 60 ¢ 70. E * Oniginaimente publicado no jarnal The bndependenr, de 30 de agosto de 1993. Republicado em Radical History Review, n® 58, 1994, Trade: Go: Anronso Luigi Negro, Revisio: Michael Hall, 1s do s6 entre os radicais, diga-se. Nos anos 80, Thompson | fers de acordo com Arts and inumanities citation index, 0 historiador do século XX mais recorrentemente citado em todo o mundo ¢ um dos 250 autores mais frequentemente citados de todos os tempos. Quando se langou nas campa- has contra o desarmamento nuclear nos anos 80, galgou, com rapide impressionante, uma posigao similar & desfru- tada — numa fase anterior do movimento — por Bertrand Russell. Nao fosse 0 isolamento da pequena esquerda mar- xista, 0 dom de Thompson para a proeminéncia teria sido reconhecido desde logo ¢ de forma mais ampla. Em 1956, foi (junto com Tohn Saville) o primeiro lider da oposigao publica ao stalinismo no interior do Partido Comunssta — do qual era, hi muito, dedicado integrante. asitaram em seu a_para uma crianga.filha de | distas anglo-americanos magnanimos, liberais ¢ de longa As fadas que data antiimperialistas — trouxera um amabilidade, charme, presenga de espirito, uma voz ma- ravilhosa, uma admurdvel expressio dramdtica, que ficou grisalha ¢ fendida com o passar do tempo, carisma ¢ cele- bridade em profuséo. As tinicas coisas negadas por elas foram capacidade de cdigio — cle invariaveimente escreveu mais que pretendia — ¢ habilidade para planejar sua carreira (com a exeecao de, logo cedo, esposar sua parceira ¢ colega historiadora Dorothy). Seguindo um curso ituitivo € flexivel, moveu- se segundo os ventos ¢ correntes da experiéncia politica ¢ da privada, ou da combinagio de ambas. Assim, a produgéo historiogréfica de Thompson for interrompida por sua nogio de tsolamento, como um homem de esquerda das 16 varias “novas esquerdas” dos anos 60 ¢ 70 ¢, de novo, por sua militincia antinuclear. Repetidamente, ele parecia sus- Pender um veio de pesquisa cnormemente promissor para perseguir uma outra presa intelectual. Seu trabalho acerca da historia social da Gri-Bretanha pré-industrial, cuja es- rita comegou 4 transformar por meio de profundos ensaios no inicio dos anos 70, produziu finalmente a coletanea Cas- tumes ent conus (1991), publicada em edigio de boiso pela Penguin nas suas tiltimas sem nas de vida. Seu livro sobre Blake (a quem, junto com Vico, Marx ¢ William Morn, via como antepassado) encontra-se no prelo.* Com o tempo, as fronteiras entre histéria ¢ auto biografia tornaram-se indistintas, tanto que, em certas oca- sides, voltou-se para inquiric algum aspecto da trajetéria dos Thompsons, pois se pensava profundamente marcado Por suas origens, em que despontavam sua trayctéria ca re~ lagio péstuma com seu irmao mats velho, nk, suposta- mente mais brilhante ¢ certamente mats favorecido. Frank © precede no Partido Comumista ¢ foi morto aos 21 anos, enquanco trabalhava no Executive de Operacées Espectais na Bulgiria, onde recebeu o modesto reconhecimento de herdi do povo bitlgaro. Tradigao ¢ lealdade, dentro ¢ fora do ciculo familiar, eram caras a Edward Thompson. Progressivamente, escreveu sobre historia ¢ qualquer outra coisa na apresentivel figura de um cavalheiro rural inglés (e nao briténico) € tradicional da esquerda radical Esse papel, embora nao persuasivo, coadunot-se bem com a profundidade de sua imersio na historia de seu povo ¢ sua Constituigio e com a parxio de sua vinculagio a homens O livro isc encontea publicado: 1Wirness agmtt she beast. Cambridge: ‘Cambridge University Press, 1993, (N. do) 7 e mulheres do pasado que ele ranto interpretou ¢ que, em sua magnifica sentenga, buscou “resgatar [...] dos imensos ares superiores de condescendéncia da posteridade” O primeiro trabalho importante de Thompson for a biografia de William Mortis, Romantic ro revoluttenary (ju blicada em 1955 e revista m 1977), Suas mais mportan- es publicagdes em histévia depois de A formagiio dn classe operdivia inglesn vieram a piiblico durante os anos 70 prin- cipalmente ¢ eram referidas a0 século XVIIL. Seubores e ca~ radores © Albson’s faral tree (de que era co-autor) sairam em forma de livro, assim como a coletinea alema de seus bri- Ihances ¢ enormemente influentes argos. Uma versio in- glesa, mais claborada, surgi com Costumes em comuin.* Sua influéneia internacional expandiu-se apds 1969, quando passou a integrar 0 corpo editorial de Past and Present e comegou a participar de mesas-redondas mrernactonais sobre histéria social, organizadas (principalmente} sab os auspicios da Maison des Sciences de "Homme em Parts, Sua principal obra tedrica, A muséria da teoria, elaborada em cama de criticas dinigidas a Althusser (entio muito imfluen- te) € a algumas teses defendidas por Anderson ¢ Nairn na New Left Review, aparecea em 1978 A obra de Thompson aliou parxio e intelecto, os dons do poeta, do narrador, do analista. Ele foi o tinico historia- dor que conheci dono nao sé de talento, brilhantismo ¢ erudigio — e da diva da escrita — como também capaz de produzir algo qualitarivamente diverso de tudo aquilo gue 6 resto de nés produzimos, implausivel de ser medido * Outra coletinea de Thompson for publicada recentemente sob 0 elo (ture, Nova York: The New Press, Mosk lasers, Wary rlnstery ant 1994. (N. do.) 18 pela mesma escala. Chamemos simplesmente de genral, no sentido tradicional da palavra, Nenbum trabalho de sua maturidade poderia ter sido escrito por qualquer outra pessoa, Seus admiradores perdoam-no muito por isso, 1n- clusive por seu humor flucuante, uma incerta relagdo com orgamzagdes politicas ¢ seus dirigentes € ocasionals erros € acertos das incursdes do seu imaginative inteleeto pela teo- ria, Seus amigos perdoam-no por tudo. Apos romper com o Partido Comunista em 1956, persistiu, essencialmente, como um Jobo solitirio da es querda, posigio da qual derivou um certo conforto ao nie trajar insignias do sistema, algumas das quais a ele snjusta~ mente negadas, Por um periodo breve, lecionow em uma untversidade britanic mas depots disso viveu como um estudioso independente, ora ensinando em universidades esi angeiras, ora escrevendo histéria, teoria e polémica politica, para nfo mencionar poesia ¢ pelo menos um ro- mance de ficgio crentifica, The Splinos papers (1988). Por fim, quando nao atuava, cundava de sew jardim em Worces tershire. Morreu apés longa enféermiciade, Igualmente me- morivel como escritor, como trajetéria publica e privada, legou tagos profundos a todos os que o conheceram ¢ § maioria de seus lestores. ‘Sua morte os dessa desolados. A perda para a vida in telectual, para a histéria € para a esquerda britinica nio pode aida ser dimenstonada. 19) PECULIARIDADES DE E. P. THompson* Alexandre Fortes Antonio Lagt Negro Paulo Fontes [Ja hstérta nfo poue ser comparada a lum inet por onde um zvem expresso corre sé levar suc de passagearos em dire- io a planicies ensoiaradas. Ow entin, caso 0 sia, gers apds geragdee de passageitos naseem, vwvem na escurido e, lenquanto o trem sida esti no anterior do. tunel, ai também mocren, Um histor dor deve estar decididamente unteressa- do, muta além do permtido pelos telco logistas, na qualidade de vida, nos soft mentos ¢ satisfagies daqueles que vivem morrem em tempo nio redimido. ED. Tuoursons, “As peculinnndades dos ingleses” * Ageadecemos a Adelnide Gongalves, Cliudio Nascimento € Huw Beynon a cessio de virtos textos usados agi, a Vide e instévia ard Palmer Thompson era uma pessoa de muitas idéias, murtas Naseido em Oxtord a 3 de fevereiro de 1924, palavras ¢ muntas atitudtes, Isso nao significa que Fosse vohi- vel; ao contrano, suas motwagSes foram bastante estavess Iddias, palayras atitudes se alimentaram mutuamente, refletindo-se na sua vida de modo duradouro. Dono de um ensamento habil ¢ original, elogiiente ¢ aparsonado, lan- gou-se em imimeros “combates pela histéria” Nao se wa cireunscritas 4 universidade, tou, als, de campanh s salas de aula e a encontros académicos, Muito além desses reeintos, sua biografia foi histéria estudada ¢ a historia wvida, arcada pela mbricagio entre a Durante a Segunda Guerra Mundial, Thompson inter- rompeu seus estudos na Universidade de Cambridge (onde, ao acompanhar © caminho do irmao mais velho Frank, havia aderido 20 Partido Comumista) ¢ for servir no Exér- eito, sendo deslocado para as frentes africana e italiana, (Hi registros sobre ter sido oficial de comando.}! No fim do conflita, carregava consigo as esperangas abertas com a vi- r6nia sabre © nazi-fascismo € com a ascensio de forgas de esquerda em varios paises europeus, tanto no “Leste” como no “Ocidente” Porém, igualmente, trazia uma grande dor, a morte de Frank, capturado e evecurado em 1944 na Bul- gira (a quem Eric Hobsbawm — como se pode ler nessa coletinea — reputa ainda mais brilhanusmo).? Formado em 1946, Thompson alistou-se como volun- tirio em uma brigada de solidariedtade A Iugoslivia e con- rribuin para @ reergmmenta do pais aa lada de outros va huntirios (com origens as mais diversas), participando da construgio de estradas de ferro. Ai ficou até 1947 No ano seguinte, casou-se com Dorothy Towers, com quem part Ihara no s6 a experiéneia de brigadista como também o snteresse pelo ativismo politico € pela histéria social (de fato, Dorothy ¢ uma das maores especialisea do cartismo).? Entre fins dos anos 40 e meados dos 50, Thompson dedicou-se intensamente a grandes predilegdes suas: a eca- disdo da dissidéncia,# a educagio “popular” (ou de adultos), em historia num ramo universitine classificado como “extramuros” “extracurricular”, porque dirigido a um ptiblice nao aca mico, € o Partido Comunista da Gri-Bretanha (Peon), do qual sairia em 1956, convencido da necessidade de um “so alismo humanista”, indo engayar-se na New Left (Nova Esquerda) Em 1963, for impresso seu mais Famoso livro, -A for mogéo da classe operina nyplesa, mstantaneamente acolhido como profundamente renovador — nio s6 no ape da historia operiria, diga-se, Dois anos depos, jd reconheerdo: como pesquisador, publicou “As peculianidades dos ingle- ses”, ensaio que constinus o micleo fundador desta cole tinea, Em ambos os trabalhos, desponsa seu dom de aliar a boa cerita, a incisividade de suas afirmagées eo pendor a polémica, Além da epigrafe deste artigo, destacamos do prefiicio de A formaemo® nao s6 a tradicional passagem na qual afirma pretender resgatar os excluidos da historia dos “imensos ares de condescendéncia da posteridade”, mas ainda outro trecho — lido com igual entusiasmo em di- ferentes épocas ¢ lugares — no qual reyeita a lertura histé- rica feita “& luz da evolucio posterior”, apontando “causas [.--] petdiclas na Inglaterra”, mas que podem ser “ na Asia ou na Africa” (F na América Latina, actescen- tamos.) has Em meio a cantos outros, esses momentos da obra de ‘Thompson, que versou nio s6 acerca do movimento operi- rio, mas também sobre crime, protestos (indivrcuais ¢ cale- tivos) ¢ 0 cariter tradicional € ativo da cultura popul concorreram decisivamente para inspirar e dar forma e con tetido a um modo diverso de se pensar, pesquisar, analisar ¢ redigir a histéria, vista a partir “de baix A amplidio de suas pesquisas ¢ a forga de suas interrogagées ¢ reflexio Ihe garantiram 0 que o tradicional establishment univers: tirto britanico Ihe negou: uma recepsio entusidstica. Se gundo Christopher Hill, na Europa, India, Australia, Br sil ¢ Estados Unidos, ele tem sido o historiador briténico mais reconhecido.® Essa disseminagio mundial se deve, entre varias \28es, a uma postura caracteristica: “somente a0 cnearar a oposigio sou minimamente capaz de organi- Zar meus pensamentos”, Thompson revelou,? © debate, a polémuca ¢ os compromissos politicos assumidos, aspectos determunantes tanto para sua distancia ante @ academia quanto para o largo aleance de seu traba- Iho, séo decorréncia nfo s6 da experiencia da luta antifa cista ou da militincia no Partido Comunista, na Nova Es- querda, no movimento pacifista, ou ainda da sua formagio familiar. As bases para a repulsa ¢ 0 apoio foram angariadas nas salas de aula onde Thompson encontrava interlocusio € estimulo, classes freqiientadas por homens ¢ mulheres comuns (trabalhadores manuats, bancérios, funcionsrios de eseritério, profissionais da seguridade social ¢ professores da rede de ensino nao universitiria), durante os cursos de educagio de adultos da Universidade de Leeds. “Quando fatava com eles do mundo do trabalho”, relembrou, percebia uma tradigio oral muito vivaz eum grande ceticismo com relagio a histérta oficial. Com fre- giléncia, esse cetrcismo esti bem fundamentado. Por a4 exemplo, 0s livros dizem s mplesmente que em tal ou qual ocasito for aprovada uma série de leis sobre @ yornada de trabalho. Porém nfo contam como me- unos cram escondidos em cescas erguidas até 0 eto quando da passagem dos inspetores.* Os desdobramentos desse encontro Ihe valeram o fer to de enfrentar, com firmeza de opinifo ¢ original anilise, varias vis6es consagradas da Historia Inglesa Oficialmente Correta, Mencionadas no preficio deA fermagao, a escola funcionalista, a marxista estruturalista, a ortodoxia fabrana, 4 ortodoxia dos historadores econdmicos empiticos, bem como a ortodoxia do Progresso do peregrina, foram encara- das com posigées cultivadas desde 1948, quando se mu- dou para Halifax e trabalhou para a Universidade de Leeds. Lecionando extramuras Aos 24 anos, Thompson for admitido nos quadros do Departamento de Cursos de Extenséo da Universidade de Leeds. Fundado em 1946, 0 departamente fazia parte da expans io da universidade inglesa no pés-guerra, ¢ seu che- fe era 0 economista Sidney Raybould, muito reputado na época. Apontado como o grande responsiivel pela respetta~ bilidade adquirida pelo departamento — um dos marores no setor extramuros —, Raybould se notabilizou por sua atuagio na drea administrativa € por sua iniciativa quanto a publicagdes, ganhando a confianga da diregio da univer sidade.* Como vimos, Thompson for militante do Partido Comunista até 1956 ¢ for, portanto, como membro desse partido que viveut o periodo de euforia ¢ retrace politicas 25 SSS SSS eS eee oe eee ee ee eee ee na Gri-Bretanha. Aparentemente, jd no momento de sua contratagio em Leeds, a estrutura umversitaria briranica comegava a se tornar refratsria a professores vinculados as esquerdas.! Nfo obstante, nu a entrevista, esse tempo ainda péde scr recordado como uma época quando “a so- dade estava muito aberta estimulante, cheia de espa- es para ocupar” De todo modo, deve cer causado contragosto e mitla- 10 uma declaragio de Thompson em un a de suas pei meiras reuniGes de departamento. Quando afirmou ter em mente far revolucionsrios”, nJo encontrou mais que dois aliados, formando ume pequena mimoria. Tal divisio aria, a bem da verdade, além de principios politicos. © depar- tamento mantinha convémios coma AET (Associagio Kdu- cacional dos Trabalhadores, fundada em 1903), mas essa parceria nfo era vista com bons olhos por Raybould, al- guém anstoso por equiparar o sett departamento aos mats altos padrées académicos da tradicionalissima umversida- de inglesa. Ja 0 pequeno gr po de Thompson propugnava uma relagio entre professor ¢ aluno pouco afeita aos rigicos pacirdes vigentes. O grupo queria, antes de mais nada, rom per a relagio entre professor-expositor e audiéneia passive: receptora, advogando que 2 experi trazida para den tro das salas de aula pela “gente comum’” era um poderoso recurso didtico, no qual og alunos nfo deviam enxergar motivos de vergonha ou de ausodesmer mento." Para Thompson, seus alunos ofereciam um reterno fabuloso, alimentando duas grandes paixées, a literatura ¢ a histdria social. “O professor acredita”, escreveu em um relatério sobre suas atlas em Cleckheaton no ano letivo de nto comumicou” 1948-1949, “que aprendeu tanto qu sta 26 relagio foi, evidentemente, de particular importincia par cedigir A forming. Em outro relaténo, sobre as aulas em Morley no ano letivo de 1963-1964, 0 professor cogitou ser dificil acreditar que a Revolugio Industrial j4 tinha passado por li, Impresstonado com o “fundo de meméria” emergido nas discussdes, parecen-lhe que toda uma atmos- Fera do tempo de seu livro era ali revivida. Nao apenas o mestre registrou esses fatos. Seus alunos também o fizeram, Em uma das entrevistas feitas por Peter Searby, uma ex-aluna recorda que as “aulas (...] anham esse efeito de wer com que vocé se dé conta de que a histéria nao era algo separado ¢ a parte” Pelo contririo, quando 0 assuinto era a Revolugio Industrial, os teceldes de Yorkshire ou 08 ludditas, “rapidamente se apercebia 0 quanto vocé € sua gente cram parte daquilo rudo” Os Juddiras, por exem- plo, eram uma matérta central dessa nova versio da histéria inglesa; a de que, novamente segundo sua aluna, “inham lum problema terrivel, que estavam tentando resolver, viven- do em uma sotiedade por cles vista como depreciadora s um capitulo Jivro sobre a histéria do movimento ope gigs cornou-se A formagéu da classe operdirin inglesa. O re- cuo em diregio ao final do séeulo XVIII, quando a Soeie- dade Londrina de Correspondéncia for organtzada, pensa do talvez como um recurso de narrativa, veto a dar origem No por acaso, o que era pa a ser apen de ui ro An a um dos livros mais importantes da historiografia Como professor, Thompson ¢ relembrado com acu dade por seus ex-alunos nao académicos. Severo mas gentil, incisive mas eiegante, polémico, carismatico, snreligence, elogitente. Amante do debate, neles provocou a curiosidade pela histéria ¢ literatura. Ou mais, suscitou o aprego por essas duas marérias. Nao terd sido ficil, decerto. Mas o tes- temunho de uma ex-aluna mostra quanto os objetivos da AET foram alcancados: “o calor humano e afeigo que mnt- fos de seus ex-alunos ainda nutrem em relagio a ele nko se devem aquilo que se tornou mais tarde, mas ao que era” Em 1965, Thompson transferu-se para a Universidade de Warwick, onde Ihe for oferecida a direcio do recém-cria- do Centro de Estudos de Histéria Social, Todavia, mesmo 31, no viveria uma carretra académica absolutamente plena, Mesmo assim, tal como Raybould em Leeds, foi um ele- mento decisivo para a consolidagio do centro. Montou-o a partir de seminarios que rcuniam pesquisadores seniores ¢ das novas geragGes. Asa Briggs, Royden Harrison, John Sa- ville ¢ Eric Hobsbawm 14 estiveram, assim como David Montgomery, um dos norte-americanas visitantes, que para {a for como parte das estreitas relagdes entre 0 estudo da historia socral estadunidense ¢ britimica.'> Entre os jovens Pesquisadores, nem todos orientandos de Thompson, pu- dem-se citar Iorwerth Prothero, Gareth Stedman Tones Eileen Yeo, Stephen Yeo, Peter Linebaugh, Sheila Row- botham, Dougias Hay, entre outros Das pesquisas ¢ discusses provém Albron’s fatal tres Adicionalmente, Thompson comegou a publicar seus arti= gos sobre o século XVIIT (hoje reumidos na coletinea Gor fines em conn), aderindo ao encontro entre historia ¢ a= tropologia. De novo, o que era apenas para ser um capitu- lo (desta ver, para a coletinea Albion's fatal tree) tornow uma empreitada de folego muito maior. Seu artigo sobre a Let Negra, determinagio que aumentou 0 mimero de pe- nas capitais na Inglaterra, deu origem ao livro Senbaree = cagardores. Acontecimentos relativos 0 movimento estudantil abre- viaram sua permanéncia em Warwick. Ao vasculharem os 28 arquivos da universidade, ocupada pelos estudantes, estes descobriram que David Montgomery estava na mita da es- ptonagem da Policia, que visava a sua expulsio. Até entio pouco toicrante com a rebeldia ove de fins dos anos 60, Thompson nao silenciou. Divulgou os pianos ¢ abreviou sua carreira na universidade como professor regular, desli- gando-se em 1971. Somente quatro anos mais tarde publi- caria a coletinea ¢ 0 livro citados.® O grupo de instoriadores do Partido Comumnsta Britdnico Um aspecto fundamental na formagio intelectual de Thompson for sua militincia no Poss. Sem duvida, cle pode ser considerado tm dos exemplos mais destacados da ligagio indissolivel entre militincia e produgfo intelectual, gue Hobsbawm aponta como uma das principais caracte- risticas dos historiadores formados entre 1946 ¢ 1956.7 Constituido pela vontade de A. L. Morton de discu- tir com outros historiadores marxistas uma segunda edigéo do seu livro A people’s hnstory of England, 0 grupo de histo- riadores viria a se tornar néo apenas uma das segées profis. sionais ¢ culturais mais ativas ¢ promussoras do PC como também um dos principais niicleos de claboragio do mar- xismo nna Inglaterra, Com o rapido crescimento da ade io de membros, a matoria dos quais jovens recém-formados, que em 1946 nem sequer tinham defindo claramente qual viria a ser sua firea de pesquisa, 0 grupo desenvolveu em pouco tempo uma estrutura organtzacional propria no interior do parti- do (coordenagao, secretaria ¢ comité) ¢ passou a organizar- se por segées de “periodos” (antiga, medieval, séculos XVI- 29 XVI e mos locais estabel lo XIX), além da segio de professores ¢ dos ra- jos em Manchester, Nottingham ¢ Sheffield. As atividades desenvolvidas ¢ 0 contetide dos de bates do grupo passaram também a ser divulgados em um boletum proprio (Our History), além de outros Srgios da amprensa partidéria."* Nos seus dez anos de atuagio, 0 impacto desta produ- so intelectual sobre os comumstas ingleses for tamanho que a historia veo a substtmr as cién as naturats (repre- sentadas no interior do partido por ilustres membros da Cambridge High Science, que predommaram por um lon- go tempo em seu periddico tedrico Modern Quarterly) como principal paradigma de andlise marwista. Essa mudanga, largamente desenvolvida num periodo posterior pela Nova Esquerda, possibilicou a critica a uma visto devermunista pela qual o socialismo considerado tanto 0 apogeu da realizagao histérica da racionalidade cientifica (com éntase na economia planerada) quanto a passagem para um en foque na capacidade de opgio ¢ agio humanas na constr Gao de um novo projeto de sociedade Ja no que diz respeito 4 influéncia mais geral da arua- ‘0 do grupo e de seus desdiobramentos, Hobsbawm lista co grandes legados: 1) © prdprio estabelecimento das idéias de “historia social” ¢ da “histéria de baixo p ra cima”, com a incorporacio de movimentos ¢ formas de ex- pressio populares como parte ativa do proceso histérico; 2) © desenvolvimento de uma histéria social contra a hagiogeafia e a propaganda, mas arendendo aos requisitos disciplinares da produgio de conhecimento historico: 3) uma redefimgo do campo de debates sobre a Revolugio Inglesa do século XVI, seu significado € carter (incluindo a parcicipai 10 dos setores populares € a existéncia de pro- 30 jetos alternativos ao que acabou se estabelecendo); 4) uma mudanga significativa no ensino de histéna, a parar até mesmo de livros didtietcos; 5) a consolidagio de Past and Present, criada a partir da imeciativa de membros do grupo, em plena Guerra Fria, para ser um espago de debare entre historiadores marxistas € no maruistas, como uma das revis- tas hist6ricas de maior umporténcia internacional.” A influéncia historiografica de maior destaque nas origens desse trabalho coletivo foram, sem dhivica, a publi- cago, ainda em 1946, de Studies in she development of eapi- tnlism, de Maurice Dobb® (sendo ele um dos tinicos senio- res), © a poléma de carter internacional que se seguin, na qual outros integrantes, como Christopher Hill e Rod- ney Hilton, romaram parte ativa, Conforme Hobsbawm, Dobb “formulow nosso problema principal e central” 2" A necessicade de uma compreensio fnstérica do desen- volvimento do capitalismo inglés numa perspectiva mar- Nista tornou-se, assis n, © elemento aghuti ante das energias intelectuais desses jovens historiadores. Essa grande tarefa mente As ne- coletiva, por outro lado, adequaya-se perfes cessidades politicas do Peas, 0 qual, apés a experiéneia de luca antifascista, passava abandonay progress mente a estratégia “soviética” de revolugio € a esbogar o que for a via britinica consagrado no Congreso de 1951 como para o socialismo” Tal estratégia envoivia basicamente a busca do alargamenco das conquistas democriticas, herda- das de lutas populares ancestrais, como caminho para a construgio do socialismo. A conjuncura, que rapidamente evolu da euforia do pos-guerra (com as perspectivas de uma ampla frente demo sitica antifascista) para a Guerra Fria, mostrava-se, entr tanto, adversa a este tipo de vinculagao entre tradig&es al democriticas ¢ socialismo. Afora isso, no campo da histo- rrografia, nomes como Hayek” nao apenas semeavam as bases do que viria a ser 0 neoliberalismo, com sua afiemagio da superioridade do capitalismo como modelo de desenvol- vimento cconémico, como também moldavam retrospec- tavamente a interpretagio de processos histéricos decisivos — como @ Revolugo Industrial —, invocando a raciona- lidade de leis histéricas excludentes das resisténctas e alter- nativas politicas derrotadas ¢ negando qualquer credito as lutas sociats do passado na construgio da democracia v da prosperidade britinicas Neste contexto de estreita relagio entre politica ¢ his- tortografia, recons rut historicamente o processo de desen- volvimento do capitalismo numa perspectiva macxista sava a ser, imperiosamente, resgatar f (0 apenas os antece- dentes histéricos que pudessem situar © PC como herdeiro de um longo p: ssado de futas populares, mas ainda © mo- do como essas futas tinham contribuido efetivamente para as conquistas materiais ¢ culturais do povo inglés, assim como a permanente a no sentido de ali repressiva das classes dominantes io do processo histérico, Na pauta das palestras publicas progra madas pelo grupo, esta tradi¢io de jutas incluia a rebelizo camponesa de 1381, 0 utopista Thomas Morus, os setares extremados no interior da Revol a8 matorias populares da condugi Jo Inglesa (levellers diggers), 0 socialismo utépico de Owen ¢ os cartistas, as- sim como a lideranga socialista de Tom Mann na cons- tituigio do “nove sindicalismo” do final do século XIX. As ferramentas tedrico-metodolégicas utilizadas pelos membros do grupo para o desenvolvimento deste projeto ambicioso de construgio de uma visio alte! riva articu- jada sobre © desenvolvimento do capitalismo na Inglater- 32 ra provinham (além da obra de Dobb citada acima) de tnd vertentes principats A primeira delas eram o resgate ¢ aprofundamento de problemas historicos presentes nas obras de Marx, Engels ¢ Lénin, os quais Dona Torr, uma das principais articu- ladaras do grupo, traduzira e editara a partir da década de 30. Tanto Hobsbawm quanto Thompson salientam 0 im- pacto da Selected correspondence of Mars and Engels sobre 0 grupo, especialmente no que se refere As questées relativas 20 papel da agio humana no processo histérico diante do peso das determinagées estruturais, formuladas, por exem- plo, nas tiltumas cartas de Engels. Em segundo lugar, 0 trabatho do grupo era nao ape- nas influenciado como também se considerava seguidor da longa tradigao da histortografia liberal-radical inglesa, cujo exemplo mais recente se encontrava na obra The common peo- ple (1938), de Cole ¢ Postgate. Sob foge cerrado das cor- rentes conservadoras € neopositivistas predominantes no meto académico inglés, essa histortografia seria resgatada de modo critico, mas simpatico, no trabalho posterior de membros destacados do grupo, como ocorreria com Chris. topher Hill em relagio a Tawney (um dos formuladores da teoria da importineia da ética protestante na ascensio do capitalismo} ¢ com E. P. Thompson em relagio aos Ham monds* (pionciros da histéria do movimento operdrio inglés) Finalmente, os hhistoriadores do Pardo Comunista Briténico seria profundamente afetados pelos debates no Ambito da critica literdria, tanto no envolvimento de bros © simpati m- inres do partido como nas polémicas com © setor aglutinado em torno da revis a Serutiny, cujo mem- bro de maior destaque era Q. D. Leavis. Apesar da abor: 33 dagem clitista de Leavis, que considerava os grandes es- eritores sinteses 1soladas da cultura nacional e negava qua guer capacidade de produgio cultural prdpria as classes ec dominadas, sua visio da Yorganierdade” entre cultu: io (associada a uma vaga nogio de “cultura pop far”) como base da mats alta tradiga0 de literatura inglesa ea dentincia dos maleficios da massificagao faziam com que © PC 0 visse como um aliado nessa frente de hiea “ideo logica”, Essa relagao com o debate literirio e a problema luca cultural teria servido, na visio de Hobsbawm, como uma garancia contra 0 determinismo econdmico e viria a contribuir para que os membros do grupo se empenhassem em desenvolver uma “histéria social das dias” * espe- Imente da relagio entre valores, crengas ¢ representagsies © as formas de agio histérica dos setores populares, en- contrando um de seus pontos altos no desenvolvimento dos trabalhos de Christopher Hill sobre a Revolugio In- glesa e nas andlises de Thompson sobre William Morris ¢ William Blake. Embora simpatizantes dessas trés vertences, os histo- riadores comunistas distinguiam-se delas pelo sew projeto soletiv de construgio de uma histéria briténica a partir I-popular. A enorme dimensio des- da perspectiva naciona sa tarefa, seja no aspecto da pesquisa, seja no do debate tedrico-metodolégico, fortaleceu o cariter coletivo da atuagio desses historiadores. Deste modo, mais do que se~ gurdores de algum membro mais destacado no seu meio (como do préprio Dobb, que permaneceu participando at vamente dos debates), eles vieram a conseruir a sua identi- dade intelectual como parte de um grupo. Seria possivel afirmar que, no dificil contexto coloca- do pela Guerra Fria, 0 voluntarismo antifascista cent stos dos jovens membros clo grupo for canalizado para o Fesgate dos vinculos entre lutas passadas ¢ os problemas e necessidades colocados pela construcio de um proyeto so- cialista nacional, antes que absorvido por um envolvimento tals itenso na milicancia tradicional dentro de um pattt- Go cujo debate anterno era cada vee mais dificil. Deste modo, chama a avengao 0 faro de que, apesar do deseaque tarelecrual ¢ da importincia relativa do grupo como orga: hismo partidiitio, cle possuia peso praticamente nulo ma diego do PC, € 0 tinico de seus membros a possur algum S1#g0 em 1956 (apds dez anos de atuagio no grupo € 16 de filiacdo individual) cra Edward Thompson, membro do Comité Distrital de Yorkshure.25 Afistados da condugio polinca geral do partido € con: fando com a simpatia dos responsiveis pela area cultural, os membros do grupo poderiam, segundo Hobsbawm, gozar de uma boa margem de autonomia intelectual. Esta independéncia adviria de quatso fatores: 1) 0 fato de gue 8 produgio historiogrética marsista existente no periodo lida com “problemas histéricos reais” com significado re. ‘evante para a evolugio da histéria como diseiplina, em veo Ge simples justificages idealdgicas para a acdo partidarias 2) @ tnexisténcia de uma “linha” partidiria definida para a tnrerpretagso da maior parte da histéria inglesa; 3) 0 fato Ge 4 mator tarefa do grupo ser 0 combate a historiograffa conservadora e suas implicagdes reactondrias; 4) um certo “realismo anaiquado” no ineerior do partido, que tendia a evitar que absurdos derivados de formulacdes tedricas abs fracas fossem impostos a andlise histérica,2 A excegio dizia respeito a historia recente do movi- mento operario € do préprio partido. A dnica rentauva de Prodiusdo respeito fracassou pela impossibilidade de se 35. chegar 2 um projeto que compatibilizasse os interesses da di- regio partidiria com a abordagem dos historiadores.2” Poderiames localizar aqui a origem do no central da crise de 1956 que levou a maior parte do grupo a abando- 0 partido, De um lado, este desenvolvimento de uma produgio historiogrifica critica ¢ aberea a investigagio possibilitou ao grupo um alto desenvolvimento de qui honamentos éticos ¢ politicos que colocavam 0 imperati- vo de um posicionamento explicito sobre as questdes his- toricas do presente, incluindo os préprios problemas do partida € da construgio do socialismo. De outro, 0 trata- mento dado peia diregio partidiria a esses mesmos pro: blemas pautava-se, no auge do stalinismo, pela supressio do debate ¢ ocultagio de fatos “desagraddveis” ou “incd- modos”, 0 que chocava com a postura tedrico-merodo- {6gica dos histor:adores De um lado, 0 grupo comegava a ganhar visibilidade ptiblica, por meio de trabalhos como Democracy and the Inbour movement (1954), no quai Hill apresentava seu ar- go sobre o “jugo normando” ** colocando em novas ba- ses 0 debate sobre soberama popular ¢ democracia. De outro, a morte de Stilin abria caminho para que a dimen- sio do significado de seu toralicarismo fosse pela primeira vez plenamente conhecida pelos comunistas ocidentais, muitos dos quais tinham passado quase duas décadas atri- buindo as informagées a respeito apenas a propaganda im- pertalista. Um choque de grandes proporgées se aproxima- va, € a partir dai os caminhos abertos pelo grupo de histo- niadores se afastariam em grande medida do Peer, ainda que aiguns de seus membros (a exemplo do proprio Hobs- bawm) tenham permanecido até sua extingio, no inicio dos anos 90. 1956 Quando 0 XX Congreso do Partido Comunista da Unio Sovctica encerrou-se, em fevereiro de 1956, suas resolugées pareciam abrir perspectivas de uma geadativa flexibilizagio e democratizacio, tanto da Uxss ¢ paises do Leste Europeu quanto do movimento comunista inter cional. A avaliagdo feta sobre o periodo stalinista nesse tibuia sua res- congresso assumia a cxisténcia de erros © ponsabilidade ao préprio Stalin. Porém no tardou para que rumores sobre a existéncia de um informe secreto na sessio de encerramento (em que a referencia a “ertos” gencricos era substituida por um re- Into detalhado de crimes atrozes) comegassem a sc espalhar. Embora os “deiegados fraternos” do estrangeiro estivessem oficialmente fora dessa sessio, havia evidéncias (que somen- te se ampliaram desde entio) de que tiveram acesso 20 menos as informagdes centrais sobre o seu contetido, que pouco a pouco comegou a ser debatido em argios dos par- udos comunstas da propria Unss, Polonia, Ieilia, Estados Unidos, entre outros, meses antes que a propria grande Imprensa britanica viesse a publicar na integra o informe secteto, Fi no que diz respeito A Inglaterra, os teés mem- bros presentes, Harry Pollitt (secretirio-geral), George Mattews (secretario-geral assistente) ¢ R. Paime Dutt (vice- lider do partido € seu principal teérico), omutiram duran: te meses qualquer referéneia ao informe secreto e, posterior- mente, minimizaram reiteradamente sua geavidade ¢ m= portncia, A possibilidade de accesso a publicagées estrang levou os historiadores do partido a uma conscigncia pre- coce (cm relago a0 conyunto da militincia) sobre a dimen- 37 Ss See sio do problema politico colocado. Por outro tado, como salienta Hobsbawm, a situagio os questionava direcamen- te por meio de dois problemas histéricos bisicos: © que havia acontecido? E por que tinka sido ocultado?# Nao € de espantar, portanto, que os trés episddios mars marcantes de oposigio 4 forma como a diregio partidiria tratou a questo tenham sido protagonizados por historia: dores do grupo: a publicagio da revista Reasouer por E. P. Thompson ¢ John Saville, a carta publicada nos periodi- cos particiirios New Statement ¢ Tribune e, finalmente, 0 informe da minoria no XXV Congreso, em 1957 *! No caso particular de Thompson e Saville, filiados em Yorkshire, iniciativa originalmente adotada foi a de es- crever cartas ¢ artigos para a imprensa partidéria, intcial- mente respondides de forma oficial ¢ burocritica e, depots, a medida que incluiam réplicas, exeluidos da publicagio, Baseando-se na identificagio de uma ampla « tudérra, que exigiria livre & profi se par: nda discussio, ¢ rendio © espago interno negado, ambos langaram-se 4 edigio da Remoner, publicagio mumeografada que possuia, na prime! ra edigio, 32 paginas, datilografadas pelo proprio Thomp- son © remetidas por trem a Saville, que as duplica eseritério de um amigo € organizava muuirées pa ano mon- tar e grampear 08 exemplares em sua casa, apés transportar as copias de bicicleta. E a este amadorismo voluntarista na defesa de uma causa identificada como moralmente smpe rativa que Thompson se refére na pagina final de “As pecu liaridades”, ao dizer que contra esta negacao da experiéncia € da investigacao (representada entio pelo stalinismo e, posteriormente, pelo estruturalismo althusseriano © sua versio ingiesa de Perry Anderson © Tom Nairn) “uns pow. cos dentre ds pilotames noss: 5 copraoras em 1956” A enorme repereussio da Reasoner provocou una ad- verténcia, feita inicialmente pelo Comité Distrital e, pos tertormente, pelo Comité Central do partido. Apesar das ameagas, a publicagio (que jd estava com o segundo nui- mero pronto) nio seria encerrada enquanto nio houvesse garantias de livre debate nos canais oficiats do partido. ‘Thompson ¢ Saville afirmavam estar, entretanto, dispostos, antes da impressio do nove niimere, a recorrer das medi- das disciplinares que Ihes seriam imputadas (suspensio ou expulsio) ¢ levar adiante a luta no interior do paruido até onde fosse possivel, Durante este processo, srrompew a crise do Canal de Suez ¢ deu-se uma intervengio brutal dos exér citos inglés ¢ francés contra 0s egipcios, mobilizando toda a militancia soctalisca inglesa na dentincia da agressio impe- nalista ¢ em defesa da paz mundial. Porém, na véspera da impressio da Reasoner, a Uns desencadeou uma interven: do militar na Hungria, encerrando as expec anivas de que seria possivel, no Leste Europeu, 0 desenvolvimento de um proceso de desestalinizago € democratiz: fo gradativa Diante da avaliagio deste quadro internacional ¢ do esgotamento das esperangas de abertura de canais de dis- cussio internos ao partido n Inglaterra, Thompson ¢ Saville, ao serem suspensos em decorréncia da publicag do terceiro mimero da Reasoner, optaram pela destilia assim como a maioria dos membros do grupo de historia dores ¢ 7 mil outros militantes comunistas (quase um guinto do total de afiliados). De uma s6 vez, o PC Buta nico perdew no apenas um brilhante grupo de nteleccuais engajados, com crescente projegio € influéncia internacio nal, como também uma grande possibilidade de vir a se constitmr em uma organizago importante ¢ influente no interior do movimento operinto inglés. 39 Nova Esquerda ¢ peculiaridades Os dissiclentes do Poss cipal micleo do movimento politico que passou a ser co- nhecido como Nova Esquetda. Dele faziam parte grandes homes da intelectualidade marxista imglesa, como Raymond Williams, Doris Lessing, Raphael Samuel, Ralph Miliband, Dorothy Thompson, E. P. Thompson, John Saville outros, Thompson e § do como dois dos mais proeminentes dissidentes comu- m 1956 consticuiram © prin tee aville, dando continuidade a sua ata nistas, partiram da experiéncia na publicagi para fandar tornou o principal porta-voz da Nova Esquerda britimca © proprio nome da revista, inspirado em uma publicagio editada no inicio do sécuio XIX por John Bone, jé indica va.o interesse de seus fundadores em contintsar recuperan= da Reasoner a revista New Rensoncr, que imediatamente se do os los de ligagio com socralistas ¢ radicais ingleses do pasado. Particularmente Thompson, empenhado <1 estudos sobre William Blake ¢ William Morris, msistia nas seus possibilidades da confluneia destas tradig6es com o mar- xismo para a renovaga “socialis da esquerda ¢ a eiaboragio de um no humanista A revista era um espaco aberto tanto de debate ¢ divul- gacio de reflexées da dissidéncia comunista quanto de critica 20 stalinismo ¢ & politica soe: I- pialistas arsirios, uma peculiaridade yaglesa, x no date, eeepeional Ver, neste livro, 0 tem "As chsses: gentry e pel snagio € revolugbes na Inglsterea” (N. dos.) m “Mods de dow 90 bane: 30, 218 ou interesses clos proprietinos de terra no c: eransporte, madeira), socias (casamentos preestabelect dos}* ow politicos (compra de influéncta politica ow terra como um passo nesta diregio) — pelos quais tal interpene tragio era regulada nio derxaram de ser examinados. A co- média de costumes ocorrida neste proceso de ajuste de estilos for de fato uma preocupagio central da eultuca lite- niinta do século XVITL Todo novo rico de fortuna, equipado de aderecos da moda, desfila em Bath {..-} agen- res clas Indias Orventais abarrorados de espélio das provineias saqueadas; senhores dle engenho, ferro tes de nossas fazendas amerieanas, en: se 1s riquecidos sab € empreiteiros que engordaram, em duas guerras su- cessivas, com 0 sangue das nagdes} agioras, corre tores © atravessadores de coco tipo; homens sem bergo, ¢ nenhuma educagio, encontraram-se repen- tinamente clevados a um estado de afluéncia, des conheeido em épocas anteriores, € nfo admira que seus eérebros estejam sntoxteados de orgulho, vaidade © presungio [...J. Todos eles correm para Bath, por- que aqu a, podem sturar-se aos principes © nobres da terra, Mesmo sem nenhuma qualificas as esposas ¢ filhas de pequenos homens de negécios, que, como tubardes de faro acumulador, sugam dleo daquelas incultas baleias da fortuna, sio infeccadas com a mesma mania de ostentar sua importanesa, € 4 minima indisposigio serve-thes de pretesto para in sistir em ser levadas a Bach, onde podem coxear dan- gas campestres © quadrilhas em meio a frangores de No original, marringeseerements, quer dizer, convergénets ow criagio dle estarutos de propriedade para manter os bens na mesma familia, ou para juntar os de duas diferentes. (N. dos Ts.) a1

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