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Faz@Jus 1-2015
Faz@Jus 1-2015
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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 5, n. 1/2015
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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 5, n. 1/2015
ISSN 2179-8222
Editor
Prof. Ms. Richardson Xavier Brant
Conselho Editorial
Prof. Ms. Edson Pires da Fonseca
Prof. Ms. Rafael Soares Duarte de Moura
Prof. Ms. Richardson Xavier Brant
Prof. Ms. Waldir de Pinho Veloso
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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 5, n. 1/2015
Editor
Prof. Ms. Richardson Xavier Brant
Conselho Editorial
Prof. Ms. Edson Pires da Fonseca (Faculdade UBRES – Bahia)
Prof. Ms. Rafael Soares Duarte de Moura (Faculdade de Direito Santo Agostinho – Minas Gerais)
Prof. Ms. Richardson Xavier Brant (Universidade Estadual de Montes Claros – Minas Gerais)
Prof. Ms. Waldir de Pinho Veloso (Faculdade de Direito Santo Agostinho – Minas Gerais)
Editoração Gráfica
Maria Rodrigues Mendes
Capa
Adriano Magno de Freitas
Maria Rodrigues Mendes
v. : il. 21 x 29cm.
Semestral
ISSN 2179-8222
CDU: 34 (05)
Ficha catalográfica elaborada por Edmar dos Reis de Deus CRB6 2486.
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FAS@JUS - e-Revista da Faculdade de Direito Santo Agostinho, v. 5, n. 1/2015
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................... 7
ENTREVISTA............................................................................................................................ 9
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AUTOR CONVIDADO
RESENHA
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APRESENTAÇÃO
Nas palavras bíblicas, a cada tempo são Fernandes Sales escreveu o artigo científico
creditadas as suas próprias preocupações. A cada denominado “Princípios Gerais do Direito e a
semestre que nasce, nasce com ele o desejo de Influência no Tratamento dado aos que estão por
ter mais um número da Revista Eletrônica Fas@Jus Nascer no Brasil e Argentina”, tratando o Direito
levada a lume. Nasce, também, o conforto da alma, de Família sob duas visões, a brasileira e a
por ver a concretização do sonho, a materialização argentina, quando se refere ao ordenamento
do intangível, a transformação da ideia em uma jurídico. No texto, a autora desfila análises
realidade. comparativas tanto da legislação quanto da
Neste primeiro semestre de 2015, a doutrina. E mostra diferenças de tratamento por
realização da ideia vem com o complemento da parte do ordenamento jurídico e dos aplicadores
Revista Eletrônica Fas@Jus, do Curso de Direito do Direito.
da Faculdade de Direito Santo Agostinho, que leva Por seu lado, o Professor Rafael Soares
a identificação como Volume 5, Número 1. Duarte de Moura alinha a sua área de pesquisa,
Significa que este é o primeiro volume do ano muito voltada à Filosofia do Direito, à Hermenêutica
sequencialmente contato como número cinco. E Jurídica e à Argumentação e Lógica, com a sua
representa, por si só, a consolidação, a segurança facilidade de expressar o que quer escrever. E,
e, sobretudo, a certeza de que, durante este tempo, assim, nasce o artigo científico que leva o
não houve atraso, não houve descontinuidade, não convincente título de “O Pensamento Egológico
houve desconexão entre a data constante da capa na Teoria de Carlos Cóssio: a experiência jurídica
e a data efetiva do lançamento. Especialmente para além do fixionismo normativo estrutural”.
porque há temas que são sazonais, especialmente Como dito, algo filosófico. Mas, sobretudo, um
no campo do Direito. Assim, o eventual texto entremeado de qualidades que envolvem ao
descompasso entre a época da publicação e a data leitor e trazem a quem o estuda a sensação de que
constante na capa pode fazer com que artigos há muito mais matéria de fácil compreensão do
fiquem mofando em gavetas, adquirindo o limo da que dotada de complicações.
desatualização. A Revista Eletrônica Fas@Jus, do Curso de
Com a Revista Eletrônica Fas@Jus, do Curso Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho é
de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho, uma das únicas publicações científicas do Brasil
graças à efetiva participação dos Corpos Docente que serve como efetiva prova de que o Curso de
e Discente desta Faculdade, não há descompasso. Direito apoia, verdadeiramente, a pesquisa
Prova é que a seção destinada ao Corpo científica. Embora a Missão da Faculdade de
Docente do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho seja a iniciação à
Direito Santo Agostinho, nos presentes Volume e pesquisa, a Fas@Jus é a prova viva de que, mais
Número, vem ocupada por dois Professores da do que fomento à iniciação, há efetivo suporte
Casa. Antes, porém, uma pausa para falar da seção aos Acadêmicos que pesquisam. Há um espaço
Entrevista. Para tal espaço, o convite foi feito à próprio para que os Acadêmicos publiquem seus
Advogada Fernanda Joyce Ferreira Botelho, textos científicos. E desta vez, são seis as
que faz parte da Diretoria da Subsecção montes- participações, sendo cinco artigos e uma resenha,
-clarense da Ordem dos Advogados do Brasil. como se verá. O Corpo Discente está de parabéns,
Há um desfile de falares múltiplos, passando pelo pelos seus representantes fixos neste Volume 5,
exercício profissional, a necessidade de Número 1, da Revista Eletrônica Fas@Jus.
atualização permanente quanto aos estudos do Em ordem alfabética pelos nomes dos
Direito e, principal foco, sobre a ética profissional autores, o primeiro artigo científico publicado neste
e o Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados número é de autoria da Acadêmica Betânia
do Brasil. Gusmão Mendes em parceria com o Acadêmico
Agora, especificamente sobre o segmento Patrick Luciano Guilhoto do Prado. Eles,
que é aberto aos Professores do Curso de Direito unidos em estudos e pesquisa científica,
da Faculdade de Direito Santo Agostinho. escreveram o texto jurídico sob a denominação de
A Professora Cyntia Mirella Cangussu “O Neoconstitucionalismo, a Supremacia
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ENTREVISTA
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Fas@Jus: Como é a sua função no Conselho segue para o Tribunal de Ética, em Belo Hori-
de Ética da Subsecção? zonte, que decide pelo acolhimento ou não do
Advogada Fernanda Joyce: A Ordem dos Ad- Parecer, sendo que nesta fase, o processo se-
vogados do Brasil, Seção de Minas Gerais, gue por mais três meses, totalizando assim um
desenvolve sem tréguas o seu trabalho em de- período médio de um ano e dois meses para
fesa da classe que representa, mantendo a sua decisão.
presença solidária e eficaz em prol do correto
exercício profissional. E, por isso, não se omi- Fas@Jus: Quais as punições possíveis, im-
te de seus deveres disciplinares com rigoroso postas pelo Tribunal de Ética, aos advogados?
efeito punitivo. Como membro do Conselho de Advogada Fernanda Joyce: Segundo a Lei n.º
Ética da 11.ª Subseção da OAB/MG, sou res- 8.906/94, que é o Estatuto da Ordem dos Ad-
ponsável por instruir e emitir pareceres em pro- vogados do Brasil, as sanções disciplinares
cessos movidos contra colegas de profissão, consistem em censura, suspensão, exclusão e
que poderão ser punidos com pena de adver- multa. As condutas infratoras também estão
tência, suspensão ou até mesmo exclusão. previstas neste mesmo ordenamento jurídico, no
artigo anterior ao que prevê as sanções. E es-
Fas@Jus: Quando um cliente não se sente tas serão aplicadas conforme a gravidade da
satisfeito com a atuação profissional de um infração.
advogado, em termos éticos, pode represen-
tar contra tal advogado junto à Ordem dos Fas@Jus: Como o advogado punido, após
Advogados do Brasil? cumprida a punição pela atitude imposta ou
Advogada Fernanda Joyce: O Tribunal de Éti- pelo decurso de prazo, pode voltar a advo-
ca pode agir de ofício ou mediante representa- gar?
ção, sendo que esta última não pode ser anôni- Advogada Fernanda Joyce: A condenação à
ma. Quando um cliente não se sente satisfeito exclusão encontra-se no rol das situações
com a atuação de um advogado que contratou, ensejadoras do cancelamento da inscrição. É
pode representar contra este, no prazo de cinco a punição mais gravosa imposta ao inscrito nos
anos – é prazo prescricional, significando que, quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
uma vez ultrapassado, o interessado perde o di- Tratando-se do cancelamento da inscrição pela
reito da representação – e tal prazo é contado a pena de exclusão, observa-se que esta se dá
partir do conhecimento do fato. O processo dis- em duas hipóteses, de acordo com o artigo 38
ciplinar é sigiloso, sendo que seu acesso é ga- da Lei n.º 8.906/94: nos casos de aplicação,
rantido às partes, seus representantes e autori- por três vezes, da pena de suspensão ou nos
dade judiciária competente. Recebida a repre- casos elencados nos incisos XXVI a XXVIII, do
sentação, o Presidente do Conselho Seccional artigo 34 desta mesma Lei. Com a exclusão,
ou Subsecção nomeia um Relator para presidir cancela-se a inscrição. O advogado poderá
a instrução processual e este pode determinar voltar a advogar, mas terá de se submeter a
as diligências que entender necessárias, ou ain- provas de reabilitação, decorrido um ano do
da propor o arquivamento da representação, cumprimento da pena imposta. É facultado ao
quando estiver desconstituída dos pressupostos interessado proceder à instauração do devido
de admissibilidade. processo, competindo-lhe o ônus de provar a
sua aptidão à reabilitação. No caso de exclu-
Fas@Jus: Qual a duração média de um pro- são pela prática de um crime, deverá, também,
cesso disciplinar contra um advogado? ser promovida a reabilitação criminal. E há
Advogada Fernanda Joyce: Na Subseção de punições que, no próprio dispositivo, já con-
Montes Claros, o Dr. Antônio Luís Nunes Sal- templa um termo final, como aquelas em que a
gado, que atualmente é o Presidente do Con- suspensão do direito de advogar vigorará “até
selho de Ética e Disciplina da 11.ª Subseção que sejam prestadas contas ao cliente”. Para
da OAB/MG, apurou que, em 2014, o tempo punições como esta do exemplo, uma vez com-
médio de duração da tramitação local é de onze provado junto à OAB que houve o cumprimen-
meses. Após a emissão do Parecer, pelo Relator, to da pena, a inscrição é restabelecida. Impor-
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tante dizer que os atos eventualmente pratica- vigentes do país. Ele pode representar pessoas
dos, durante o período de suspensão, não têm físicas e jurídicas. Além disso, o advogado que
validade. Assim, um processo ou uma sua par- optar por ter um escritório deverá gerir esta
te – como um recurso – pode ser estrutura, captar clientes (de forma ética!) e
desconsiderado e com perda para o cliente, buscar se especializar.
caso o advogado esteja suspenso e assine al-
guma petição. Se a pena é de multa, o paga- Fas@Jus: E a advocacia, para a mulher, em
mento da multa faz restaurar a situação de particular?
anormalidade. A censura é uma advertência, Advogada Fernanda Joyce: A mulher tem
ou conselho ou conserva, acerca de procedi- conquistado cada dia mais espaço na liderança
mentos e, em tal caso, não importa em inter- de empresas e de instituições, no cenário
rupção do exercício profissional. nacional e mundial. Supera os obstáculos e
dificuldades encontradas na rotina profissional,
Fas@Jus: Ainda dentro do tema, há outras e se dedica ao crescimento pessoal e profissional,
punições paralelas? na busca, ainda, da contribuição para com o
Advogada Fernanda Joyce: Há outras puni- fortalecimento da carreira dos advogados. Não
ções que não têm liame com a OAB. Por exem- somente na advocacia, mas no Direito como um
plo, se um advogado está em débito para com todo, a mulher está presente em todos os níveis,
a anuidade da OAB e, ainda assim assina al- em todos os órgãos, em todos os setores.
guma petição iniciando processo perante o Tri-
bunal de Justiça, o período de inadimplência Fas@Jus: Fale um pouco sobre sua trajetó-
não é considerado tempo de exercício da pro- ria como advogada.
fissão para efeitos de títulos. Há casos de pro- Advogada Fernanda Joyce: Atuo como
fissionais que, para pontuação como tempo de advogada desde quando me graduei e fui
atuação como advogado, em concurso de pro- aprovada no Exame da OAB. Desde a minha
vas e títulos, juntam “prova” de que advoga- formatura, procurei me especializar e escolhi
ram durante um determinado ano. Mas, por a atuar como advogada na área de Família e
entidade promotora do Concurso também exi- Sucessões. Sempre procurei agir de forma ética,
gir declaração da OAB de estar o concorrente com meu cliente, com a parte contrária, com a
em dia com suas obrigações, acaba o órgão Justiça e comigo mesmo. Por algumas vezes,
promotor do Concurso eliminando do tempo de recusei atender um possível cliente, por não
exercício da advocacia o período de compartilhar do mesmo entendimento deste
inadimplência. frente a determinada situação, agindo, assim,
de forma ética comigo mesmo e com meus
Fas@Jus: E como é a carreira do advogado? princípios.
Advogada Fernanda Joyce: A advocacia é,
talvez, uma das profissões mais antigas de que Fas@Jus: Destaque pontos positivos e
se tem conhecimento, haja vista que todo o negativos da atuação como advogada.
homem é dotado de direitos e obrigações. Em Advogada Fernanda Joyce: A profissão de
face das complexas relações interpessoais que advogado é controvertida. Por vezes, o
a vida impõe a todos nós e do nível de civiliza- advogado é confundido com o próprio cliente...
ção a que chegamos, tornou-se indispensável Muitas vezes sua competência não é
a atuação deste profissional. A Constituição reconhecida, mesmo “dando seu melhor” por
Federal do Brasil de 1988 consagrou e elevou uma causa – o cliente achará que, afinal, era
a profissão do advogado, ao assim dispor em um direito dele – e, não tendo êxito na causa, a
seu art. 133: “O advogado é indispensável à culpa é “do advogado”. Quem optar por ser
administração da justiça, sendo inviolável por advogado deve ter habilidade de saber lidar
seus atos e manifestações no exercício da pro- com esta situação e, independente do resultado,
fissão, nos limites da lei.”. A principal ativida- fazer o melhor. Vejo esta situação como um
de de um advogado é representar e defender ponto negativo. Além disso, trabalhando como
os interesses de seus clientes com base nas leis profissional liberal, no início da carreira, via
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como ponto negativo o fato de restrição de Nada na área deve ser despercebido. Tudo da
férias e baixa remuneração. Com o tempo, área deve ser do conhecimento.
consegui me organizar para ter um pouco mais
de tempo livre e uma remuneração condizente Fas@Jus: Um recado final...
com o tempo dedicado a minha atividade. Como Advogada Fernanda Joyce: Acredito que seja
ponto positivo, destaco o fim máximo do Direito, importante se especializar, optar por atuar,
que é a pacificação social. Atuando nas precipuamente, em um segmento do Direito. Isto
relações familiares, superando o conturbado porque é difícil, ou quase impossível, ser bom
período de dissolução de um relacionamento, em tudo, ainda mais na área do Direito, com tan-
tento trazer um pouco de paz, intermediando a tas mudanças na legislação e na interpretação
comunicação entre as partes e buscando das leis por nossos Tribunais. É fundamental
preservar os laços familiares. É gratificante escolher uma área de atuação e buscar bons
quando executamos bem o serviço que nos cursos, seminários, livros, para se manter atua-
propomos fazer. lizado. É importante também conhecer as leis,
defender o interesse do cliente e, quando ne-
Fas@Jus: E como escolheu a sua área de atu- cessário, ir até mesmo contra o que dispõe a lei,
ação? E qual a importância de se especializar? para que se mude a interpretação desta! Além
Advogada Fernanda Joyce: Durante a Facul- disso, acredito ser importante tratar com respeito
dade, fiz estágio em diversas áreas, penal, cível a todos os envolvidos na nossa atividade, prin-
e trabalhista. Na área cível, me identifiquei cipalmente nosso cliente, e estender esse trata-
muito com o Direito de Família, e iniciei minha mento aos membros do Poder Judiciário, aos
atividade atuando como advogada na área de servidores das diversas instituições por aonde
Família. Acredito que é fundamental melhorar passamos, a parte contrária num processo, bem
sempre, por isso, acredito na importância de como o colega advogado que a
se especializar. Em uma ciência tão complexa representa. Lembrando sempre que, como expos-
como o Direito, para o qual há um número infi- to no art. 6.º do Estatuto da Advocacia, “não
nito de legislação, doutrinas divergentes, há hierarquia nem subordinação entre advoga-
posicionamentos, jurisprudências majoritárias dos, magistrados e membros do Ministério Pú-
e minoritárias, atuar sem limitar uma área tra- blico, devendo todos tratar-se com considera-
rá, provavelmente, vários clientes ao escritó- ção e respeito recíprocos”. Por fim, recomendo
rio, mas levará a uma queda na qualidade do que, se se aventurarem pelo caminho da Advo-
atendimento e das petições elaboradas. cacia, conheçam a Ordem dos Advogados do
Brasil. A OAB é muito mais do que uma sala de
Fas@Jus: Especializar é... apoio nos Fóruns ou uma banca examinadora
Advogada Fernanda Joyce: Estudar, estudar e rigorosa do Exame da OAB. É uma entidade que
estudar. Fazer pós-graduação no segmento em representa uma classe de profissionais. Mas,
que atua... Estar sempre em dia com as novas além disso, atua na defesa do Estado Democrá-
leis, acompanhar o máximo possível sobre o tico de Direito. É Formada por diversas comis-
Direito como um todo e, obrigatória e necessa- sões, atuando incessantemente nas defesas das
riamente, conhecer toda a doutrina sobre a prerrogativas dos seus membros. Eu me orgulho
especialidade abraçada. Quando se opta por de fazer parte da OAB, ocupando atualmente o
um ramo do Direito, deve-se debruçar, a toda cargo de Conselheira, no Conselho de Ética da
hora, sobre assuntos relacionados ao tema. Subseção de Montes Claros.
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ARTIGOS DO
CORPO DOCENTE
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Advogada. Professora do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho. Especialista em Ciências
Penais. Inscrita no Doutorado em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires.
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Os princípios jurídicos são pensamentos Reale que alguns princípios podem ser frutos da
diretores de uma regulamentação jurídica. formação histórica de um determinado país; ou-
São critérios para a ação e para a constitui-
tros, entretanto, são de aplicação universal, e por-
ção de normas e modelos jurídicos. Como
diretrizes gerais e básicas, fundamentam e
tanto, seria um equívoco perceber os Princípios
dão unidade a um sistema ou a uma insti- Gerais apenas sob a perspectiva regional.
tuição. O direito como sistema, seria assim A segunda teoria, apresentada por Reale
um conjunto ordenado segundo princípios (2003) é a chamada de “Princípios de Direito Com-
(AMARAL, 2003, p. 92). parado”. Tem bom base esta teoria que os Princí-
pios Gerais não se conformam dentro dos estrei-
Nesse mesmo sentido, Reale (2003, p. 304) tos limites do nacionalismo. Acentua que alguns
afirma que Princípios Gerais do Direito “são Princípios Gerais do Direito estão presentes no
enunciações normativas de valor genérico, que Direito Positivo de vários países. E, mesmo apre-
condicionam e orientam a compreensão do sentando distorções em sua aplicação, tratar-se-ia
ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e de um mesmo princípio.
integração, quer para a elaboração de novas nor- Para essa corrente, os Princípios Gerais do
mas.”. Direito ganham maior relevância e objetividade,
Os Princípios Gerais do Direito, na atualidade, justamente quando são confirmados pelo estudo
desempenham no ordenamento, variadas funções. comparativo da legislação de diversos países. Reale
São considerados como a base estrutural do (2003) ilustra a afirmativa em destaque da seguin-
ordenamento jurídico, verdadeiras fontes do Direito, te forma. Ante a existência de lacuna na legisla-
constituem critérios orientadores para a criação ção de determinado povo, o intérprete deveria bus-
das normas jurídicas, como também exercem a car a solução encontrada por outra legislação que
função de norma de integração para preenchimento tenha com ela maior afinidade cultural e moral,
de suas lacunas. porque os Princípios Gerais de Direito, segundo o
Entre os estudiosos do Direito, porém, paira que acreditam, seriam os Princípios de Direito
sobre o tema grande controvérsia. Divergem acer- Comparado aptos a solucionar o conflito social.
ca da origem, natureza jurídica e até mesmo quan- Por último Reale (2003) traz a lume a teoria
to a normatividade dos Princípios Gerais do Direi- do “Direito Natural”. Segundo ele, nessa perspec-
to, dependendo da corrente de pensamento sob a tiva, os Princípios Gerais do Direito não existem
qual se sustentam. tão somente em função das normas positivas, re-
Reale (2003) destaca a controvérsia em re- veladas historicamente num dado país ou em vári-
lação à origem e ao fundamento dos Princípios as nações, mas como Princípios universais, supe-
Gerais do Direito. Explica que das várias teorias riores. Destaca (REALE, 2003, p. 310) que para
existentes, concentra seus estudos em três delas. essa corrente, os Princípios Gerais “se legitimam
As duas primeiras, de cunho histórico-positivista, como pressuposto de natureza lógica ou axiológica,
têm como variante apenas a extensão da aplica- isto é, como Princípios de Direito Natural.”.
ção desses Princípios. E a terceira, de cunho filo- Reale (2003) lembra que a ideia do Direito
sófico, sustenta-se no ideal de justiça. Natural foi solidificada com os pensadores gregos
Ensina o autor que a primeira teoria, à qual (Sócrates, Platão e Aristóteles; o último, que a
chama de “Princípio de Direito Pátrio”, trata dos estruturou). Em Roma, a teoria ganhou destaque
princípios que estão implícitos na legislação positi- a partir de Cícero, que difundiu a lei natural. Di-
va, da qual são extraídos mediante um processo vulgava que a Lei Natural não precisa ser promul-
de indução e abstração. Nesse caso, só seriam gada pelo legislador para ter validade. Ao contrá-
válidos no sistema jurídico de cada nação. Consti- rio, é ela que confere legitimidade ética aos pre-
tuiriam, portanto, as razões estruturais do ceitos da lei positiva.
ordenamento positivo de determinado país. Pensamento no qual norteia a discussão
Segundo o doutrinador em assunto, essa cor- trazida por Díaz Couselo (1971)2. O autor em
rente – ou tendência – é defendida por uma mino- referência destaca que o conceito/origem dos
ria. Pecam seus defensores ao perceberem todos Princípios Gerais de Direito varia conforme a
os princípios de uma mesma maneira. Apregoa posição adotada pelos juristas. Segundo o autor,
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Material discutido em sala de aula. Enero, 2012.
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para os jusnaturalistas, corrente que defende, os mas que contêm eficácia. Ora escritas, ora não
Princípios Gerais de Direito teriam sua origem no escritas. Ressalta que muitos desses Princípios são
próprio pensamento jurídico e “se referem a juízos encontrados no ordenamento, positivados, como
de valor inerentes à natureza do homem.”. acontece no plano constitucional ou mesmo
Amaral (2003, p. 96), porém, destaca que, elencados em códigos. Porém, a maioria dos Prin-
embora contraditórias as correntes, não são cípios Gerais do Direito não consta de textos le-
excludentes, mas complementares, pois os Princí- gais. E são tais Princípios detentores de força
pios Gerais do Direito “por sua amplitude abran- normativa tanto quanto os que estão escritos, pois
gem tanto os princípios superiores de justiça, como são aplicados eficazmente na solução dos confli-
também os que informam o ordenamento jurídico tos sociais.
do País.”. Rosenvald (2009) assevera que os Princípios
Alheios à posição de Amaral (2003), Gerais do Direito cumprem papel positivo e
anteriormente destacada, os positivistas e negativo no ordenamento jurídico. Atuam,
jusnaturalistas discordavam também quanto à positivamente, influindo na formulação de decisões;
normatividade dos Princípios Gerais do Direito. e, negativamente, quando impedem decisões que
Bonavides (1998) lembra que no sejam contrárias aos seus postulados fundamentais.
jusnaturalismo, a normatividade dos Princípios era Resta, pois, acentuada a importância dos
praticamente inexistente. E havia um reconheci- Princípios Gerais do Direito na configuração da
mento forte da dimensão ético-valorativa da ideia ordem jurídica. Seja qual for a corrente do pensa-
de justiça. Informa (BONAVIDES, 1998, p. 234) mento a que se filie, ou a função que se lhes atri-
que para os jusnaturalistas “o ideal de justiça im- bua, é indubitável o destaque dos Princípios no
pregna a essência dos Princípios Gerais do Direi- ordenamento jurídico. Assim, não há como negar
to.”. Por isso, devem apenas nortear o legislador a sua influência na construção, aplicação e
na criação das leis. estruturação do próprio ordenamento.
No positivismo, a visão quanto aos Princípios
era diversa. Bonavides (1998) demonstra que os 3 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO NA
Princípios Gerais do Direito passam a integrar os AMÉRICA LATINA
códigos como fonte normativa subsidiária. Para
essa corrente, os Princípios Gerais do Direito são As semelhanças históricas na “descoberta”,
extraídos da lei, e servem de fundamento para o exploração e independência, ditaram a similitude
Direito Positivo, pois expressam elementos cultural e modo de ser dos países latino-america-
contidos no próprio ordenamento jurídico. nos. Identidade presente inclusive nos
Informa o autor que com o pós-positivismo a ordenamentos jurídicos dos países que compõe a
discussão quanto a normatividade dos Princípios América Latina.
foi aplacada e, a partir de então, restou assentado Isso se deu, segundo Rabinovich-Berkman
entre os adeptos dessa corrente que a norma é (2006), porque a incorporação do território ameri-
gênero, do qual Princípios e regras, são espécies. cano pelos espanhóis, e também a efetivada no
Cita em reforço a esse entendimento, os pensa- território brasileiro pelos portugueses, contou com
mentos de Esser, Alexy, Dworkin e Crisafulli, para a semelhança cultural, social e jurídica de ambos
quem “os princípios são normas e as normas com- os países incorporadores.
preendem igualmente os princípios e as regras.” Segundo o autor, a identidade jurídica entre
(BONAVIDES, 1998, p. 243). Reforça que Esser esses países se dá também porque todos eles com-
reconhece que “o princípio atua normativamente, partem da mesma herança jurídica, descendem
é parte jurídica e dogmática do sistema de nor- comumente do mesmo tronco, o Direito Romano.
mas.”. A conformidade dos ordenamentos da Amé-
Para Bobbio (1999), os Princípios são normas rica Latina se materializa na codificação. E isso
como todas as outras, pois cumprem a mesma fun- se dá, na perspectiva de Rabinovich-Berkman
ção, qual seja, regular o caso concreto. E acrescen- (2006), porque os Códigos dessas nações sofre-
ta, quando utilizados como fontes de integração, tam- ram estreita e similar influência das codificações
bém atuam como norma, pois passam a regular um francesa e alemã, notadamente, firmados em raízes
comportamento social não regulado. romanas. E facultaram a difusão das mesmas ideias
Bonavides (1998) destaca, sustentado nos entre os povos que compõem esse território da
pós-positivistas, que os Princípios Gerais são nor- América Latina.
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Identidade presente também nos Princípios alguns países não lhe tenham atribuído personali-
Gerais do Direito porque, para Reale (2003), o dade.
homem fixado em uma mesma estrutura social Como salientado, de raízes romanas, os
tende a agir ou reagir, diante de um mesmo fato, países da América Latina absorveram seus uni-
da mesma forma, o que conduz a soluções ficados ideais de Justiça. Destaca Rabinovich-
normativas equivalentes. -Berkman (2011) que a proteção ao nascituro
Rabinovich-Berkman (2006) ressalta que os se dá pela difusão da ideia posta por Paulo, no
Princípios Gerais do Direito podem decorrer tanto Digesto, quando determinou que o amparo ao
do ordenamento, formando parte dele, como tam- concebido deveria ser integral naquilo que lhe
bém podem decorrer de uma tradição específica, fosse benéfico.
pela aplicação pacífica e reiterada de suas nor- Rabinovick-Berkaman (2006), em outra obra,
mas. Destaca que, ainda que não escritas, essas lembra que já no Digesto havia normas protetivas
normas seguem como princípios fora do das mulheres gestantes e em alguns artigos desse
ordenamento, porém, são aplicadas porque estão dispositivo chegam a tratar o ser ainda não nasci-
na mente dos juristas e juízes, bem como de toda a do como se nascido fosse.
sociedade. Embora seja presente e frequente o dissenso
No que concerne às normas escritas, os Có- entre os países componentes da América do Sul
digos dos vários países que compõem a América quanto ao momento da aquisição da personalida-
Latina muito bem traduzem essa realidade. Con- de, todos são uníssonos no entendimento de que o
forme ressalta Rabinovich-Berkaman (2006), o ser em desenvolvimento intrauterino merece a pro-
mesmo Princípio escrito em um ordenamento lati- teção do Direito.
no-americano será facilmente encontrado em ou- No Brasil, o artigo 2.° do Código Civil vigen-
tro, mesmo que não escrito com as mesmas pala- te determina que “A personalidade civil da pessoa
vras. Mas, comumente, traduz a ideia do mesmo começa a partir do nascimento com vida; mas a
Princípio Geral do Direito. lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
Com essa prática semelhante, os países lati- nascituro.”.
no-americanos compartem o mesmo ideal de Jus- Apesar da contradição – conceder direitos a
tiça, visto que os Princípios Gerais são postulados quem não é considerado como sujeito de direitos –
extraídos da cultura jurídica, que fundam o próprio apresentada pelo dispositivo em referência, o Brasil
sistema da Ciência Jurídica. busca, com isso, preservar a integridade do con-
Assim, como a América Latina teve a mes- cebido.
ma base cultural e jurídica, é factível que, quanto Adota a teoria natalista, a qual considera o
aos Princípios Gerais do Direito, os tenham tam- nascimento como o marco aquisitivo da personali-
bém na mesma medida, como preceitos fundamen- dade. Mas, embora o nascituro não seja pessoa
tais do ordenamento jurídico de cada um deles. para o ordenamento brasileiro, é considerado como
titular de direitos, digno de proteção.
4 A SIMILITUDE DA PROTEÇÃO A doutrina e a jurisprudência têm amenizado
DESTINADA À PESSOA QUE AINDA essa contradição sob o entendimento de que, ape-
NÃO NASCEU, NO BRASIL E sar de não se tratar de uma pessoa, deve o
ARGENTINA ordenamento primar pelos direitos que garantam
um nascimento viável e que, portanto, garantam a
Os Princípios Gerais do Direito têm aplica- aquisição da personalidade.
ção geral, quando repercutem em todos os ramos Por causa disso, o Brasil pune o aborto (arts.
do Direito, como o que acontece com a 124 ao 128 do Código Penal, instituído pelo De-
intangibilidade da pessoa humana. Nesse contex- creto Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940), e qual-
to, a proteção jurídica à pessoa natural, em qual- quer tipo de tentativa de ceifar a vida no ventre
quer que seja o ramo do Direito e nas mais varia- materno, pune dessa forma condutas capazes de
das ordens jurídicas, percebe-se a intangibilidade inviabilizar o nascimento do concebido.
da pessoa como princípio fundamental. Além dessa proteção, vários outros direitos
Proteção essa, destacada inclusive para as são garantidos ao ser que ainda não nasceu. Em 5
pessoas que estão por nascer. Os ordenamentos de novembro de 2008, foi editada a Lei 11.804,
jurídicos latino-americanos têm traçado como prin- denominada Lei dos Alimentos Gravídicos, com o
cípio a proteção integral ao nascituro, ainda que objetivo de garantir à gestante meios de obter aju-
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da do suposto pai na manutenção de uma gravidez tos têm sido concedidos ao nascituro pela jurispru-
saudável. dência brasileira, como as decisões proferidas pelo
A proteção ao nascituro está disseminada em Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em 2002, o
todo ordenamento brasileiro. O Estatuto da Crian- Tribunal em destaque beneficiou o nascituro com
ça e Adolescente, Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, indenização por danos morais sofridos em decor-
difundiu a ideia da proteção integral ao ser em rência do atropelamento e morte de seu pai.
desenvolvimento inclusive em desenvolvimento Recentemente, também o Tribunal Regional
gestacional. Para tanto dispôs expressamente essa do Trabalho (TRT) da 24.ª Região determinou o
proteção em vários artigos, tais como a que é en- restabelecimento do vínculo trabalhista da mãe ges-
contrada em seu art. 7.° que determina: “[...] têm tante como garantia do bem-estar do nascituro, con-
direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a forme Processo n.° 0046500-15.2009.5.24.0003, que
efetivação de políticas sociais públicas que permi- teve como Relator o Desembargador Amaury
tem o nascimento e o desenvolvimento sadio e Rodrigues Pinto Júnior (voto vencido) e, como Re-
harmonioso, em condições dignas de existência.”. visor, o Desembargador André Luís Moraes de Oli-
Além disso, apregoam o art. 8.° e seus respecti- veira.
vos parágrafos: Com essas medidas, o ordenamento brasilei-
ro só não diz expressamente que o nascituro é
Art. 8.° É assegurado à gestante, através pessoa, mas todo ele se coaduna com essa ideia,
do Sistema Único de Saúde, o atendimen- conferindo cada vez mais direitos ao ser que se
to, pré e perinatal.
encontra no ventre materno.
§ 1.º A gestante será encaminhada aos di-
ferentes níveis de atendimento, segundo
Na Argentina, adota-se a teoria
critérios médicos específicos, obedecendo- concepcionista. Sustentado na ideia do jurista bra-
-se aos princípios de regionalização e sileiro Teixeira de Freitas, o Código Civil Argenti-
hierarquização do Sistema. no, Lei 340, de 1.° de janeiro de 1871, apregoa no
§ 2.º A parturiente será atendida preferen- seu artigo 70 que “Desde La concepcion em el
cialmente pelo mesmo médico que a acom- seno materno comienza la existência de las
panhou na fase pré-natal.
§ 3.º Incumbe ao Poder Público propiciar
personas; y antes de su nacimiento pueden adqui-
apoio alimentar à gestante e à nutriz que rir algunos derechos, como si ya hubiensen nacido
dele necessitem. [...].”.
Segundo Ghersi (2011), ao afirmar que a exis-
Sintetizando a proteção conferida ao nascituro tência da pessoa se dá ainda no ventre materno, a
desde a concepção, Stolze e Pamplona (2011, p. Lei Civil acentua que é a concepção a esfera de
129 a 130), trazem um quadro esquemático que imputação na qual se reconhece direitos a esse
bem ilustra o tema: ser que ainda não nasceu.
Ao contrário do brasileiro, o sistema argenti-
a) o nascituro é titular de direitos no é coerente com o reconhecimento da persona-
personalíssimos (como o direito à vida, o lidade na concepção do ser humano, para que possa
direito à proteção pré-natal, etc.); atribuir direitos e dispensar a proteção necessária
b) pode receber doação, sem prejuízo do ao nascituro, visto que destaca no artigo 30, do
recolhimento do imposto de transmissão
Código Civil vigente naquele país vizinho, que “Son
inter vivos;
c) pode ser beneficiado por legado e heran- personas todos los entes susceptibles de adquirir
ça; derechos, o contraer obligaciones.”.
d) pode ser-lhe nomeado curador para a Nesse contexto, o Código Penal de La Nacion
defesa dos seus interesses (arts. 877 e 878 Argentina, nos artigos 85 a 88 pune o aborto tanto
do CPC); quanto o brasileiro, e permite a sua efetivação so-
e) o Código Penal tipifica o crime de abor-
mente em algumas situações excepcionais nele
to;
f) como decorrência da proteção conferida
definidas.
pelos direitos da personalidade, o nascituro O Código Civil da República Argentina trata,
tem direito à realização do exame DNA, para sob os Título III e IV, respectivamente, das pesso-
efeito de aferição da paternidade. as por nascer e a existência das pessoas humanas
antes do nascimento. Sob esses signos, o legisla-
Stolze e Pamplona (2011) ressaltam que, além dor argentino traça o momento da aquisição da
dos que linhas atrás foram elencados, outros direi- personalidade, define quem é considerado como
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MATO GROSSO DO SUL. Poder Judiciário. ______. Derecho civil: parte general. 2. ed.
Tribunal Regional do Trabalho da 24.ª Região. Buenos Aires: Astrea, 2011.
Disponível em: <http://www.trt24.jus.br/
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gregos ao pós-modernismo. Tradução de Jefferson ______. Lições preliminares de direito. 27. ed.
Luís Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2006. São Paulo: Saraiva, 2003.
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Quando se pensa a estrutura normativo-jurí- possa ser designado como “lei”. Ela não é,
dica proposta pela clássica corrente de pensamento com efeito, um enunciado pelo qual se des-
creva uma ligação de fatos, uma conexão
kelseniana, tem-se que analisar a necessidade da
funcional. Não é, sequer, um enunciado, mas
época em que foi desenvolvido o pensamento de o sentido de um ato com o qual se prescre-
uma Teoria Pura do Direito, de sorte que, à época, ve algo e, assim, se cria a ligação entre fa-
a afirmação do Direito, enquanto ciência, deveria tos, a conexão funcional que é descrita pela
possuir critérios marcadamente definidos por uma proposição jurídica, como lei jurídica
linguagem epistêmica e, por conseguinte, lógica. (KELSEN, 2003, p. 90).
Deve-se ressaltar que o pensamento desenvolvido
por Hans Kelsen se apresenta dentro de toda a Tem-se que “la teoría del Derecho se
escola normativista, surgida dentro da tradição encamina en busca de un nivel de mayor certeza
juspositivista. al subordinar las valoraciones contenidas en las
normas de Derecho positivo a un aparato lógico-
O normativismo é uma escola do pensamen- formal.” (CATALINI, 1991-1992, p. 50).
to jurídico de matriz juspositivista surgida Kelsen, nesse sentido, realiza uma crítica à
no início do século XX. Por ser ciência jurídica, consubstanciada por reflexões
juspositivista, o normativismo jurídico aceita desenvolvidas que atentam-se para “las formas
os seus dois principais postulados, quais propias del pensamiento de los juristas, de suerte
sejam: a) limitação do objeto de estudo ao que sus indagaciones no tienen un carácter
direito posto, ou seja, efetivamente existen- empírico, sino lógico y metodológico” (CATALINI,
te na realidade social, o que traz como
consequência a negação da existência de
1991-1992, p. 51). Exatamente nessa busca por
qualquer ordem jurídica metafísica, tal como uma identificação própria da ciência jurídica, um
a do direito natural; b) assunção de uma encontro identitário, enquanto ciência positiva, con-
postura epistemológica orientada rumo à duz o pensamento kelseniano ao expurgo de tudo
valoratividade e à construção de um dis- o que possa ser considerado como externo à ciên-
curso científico rigoroso, no que se perce- cia jurídica. Em suas palavras, tem-se que:
be a influência do Círculo de Viena de
Carnap, Neurath e Schlick (MATOS, 2011, Al calificarse como Teoría Pura, indica que
p. 45). entiende constituir una ciencia que tenga
por único objeto el Derecho e ignore todo
Convém, como complemento da fala sobre a lo que no corresponda estrictamente a su
tradição juspositivista, transcrever a seguinte e definición. El principio fundamental de su
valorosa doutrina: método es pues eliminar de la Ciencia del
Derecho todos los elementos que le son
Assim como a lei natural é uma afirmação extraños (KELSEN, 1963).
ou enunciado descritivo da natureza, e não
o objeto a descrever, assim também a lei Como interpretação de Kelsen, busca-se
jurídica é um enunciado ou afirmação des- pelas palavras de Matos (2011, p. 46), para quem
critiva do Direito, a saber, da proposição “Na Teoria Pura do Direito Kelsen se preocupa
jurídica formulada pela ciência do Direito, e com a forma do direito, acolhendo a lição de
não o objeto a descrever, isto é o Direito, a
Aristóteles, para quem só é possível fazer ciência
norma jurídica. Esta – se bem que, quando
tem caráter geral, seja designada como “lei” do universal, eis que o particular escapa à capaci-
– não é uma lei, não é algo que, por qual- dade generalizante e sintetizante própria do enten-
quer espécie de analogia com a lei natural, dimento humano.”.
1
Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas
Gerais, onde também se graduou. Professor de Direito Constitucional. Coordenador do Curso de Direito da Facul-
dade de Direito Santo Agostinho.
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Percebe-se que, em sendo o objeto da ciên- essas duas eliminações, uma epistêmica e outra
cia jurídica, o Direito, deve-se buscar uma “pure- ético-valorativa pavimentam a construção de uma
za”, enquanto necessária para que sua “identida- compreensão diferenciada do Direito e do seu
de” seja encontrada, verificada e preservada. Não estudo.
é sem menos que Kelsen denuncia o fato de que
Assim, analisar da maneira mais fiel possí-
la Ciencia del Derecho se ha ocupado de la vel determinado objeto de estudo não é,
Psicología y la Biología, de la Moral y la como querem os pós-modernos, heresia ou
Teología. Puede decirse que hoy no hay tolice. Trata-se apenas de uma postura
dominio científico en el cual el jurista no se gnoseológica que prefere – e nessa prefe-
considere autorizado a penetrar, más aún, rência está a semente da ideologia
estima que su prestigio científico se juspositivista – descrever a realidade me-
jerarquiza al tomar conocimiento de otras diante juízos de fato, rechaçando as propo-
disciplinas. El resultado no puede ser otro sições pseudocientíficas assentadas sobre
que la ruina de la verdadera ciencia jurídica juízos de valor (MATOS, 2011, p. 43).
(KELSEN, 1963, p. 50).
No campo das definições e conceituações,
Em outra obra, Kelsen (2003, p. 37) leciona mostra-se que,
que
A Ciência Jurídica, porém apenas pode des-
crever o Direito; ela não pode, como o Di-
Como ordem coativa, o Direito distingue-
reito produzido pela autoridade jurídica
-se de outras ordens sociais. O momento
(através de normas gerais ou individuais),
coação, isto é, a circunstância de que o ato
prescrever seja o que for. Nenhum jurista
estatuído pela ordem como consequência
pode negar a distinção essencial que existe
de uma situação de fato considerada
entre uma lei publicada no jornal oficial e
socialmente prejudicial deve ser executado
um comentário jurídico a essa lei, entre o
mesmo contra a vontade da pessoa atingida
Código Penal e um tratado de Direito Penal
e – em caso de resistência – mediante o
emprego da força física, é o critério decisivo. (KELSEN, 2003, p. 82).
Em meio à construção e uma ciência jurídica Percebe-se com isso que a ciência jurídica,
estruturalmente calcada em fundamentos próprios, enquanto normativa, não se restringe a mera pres-
Kelsen apresenta dois expurgos necessários. O crição de normas, mas, não se deve obliterar dois
primeiro se dá em relação “la primera, purifica al elementos de calibre, quais sejam: a observação
Derecho de su relación estricta con las demás normativa por um olhar objetivo, técnico e “impar-
ciencias llamadas ‘causativas’: la Sociología y la cial”2, bem como a análise do conteúdo normativo3,
Psicología.” (CATALINI, 1991-1992, p. 50), enquanto fruto das demandas e necessidades so-
consideradas como áreas epistemológicas externas ciais que categorizam a licitude ou não dos com-
ao Direito, em quanto objeto da ciência jurídica. O portamentos e atos em sociedade sistematizados
segundo expurgo “elimina del Derecho el aspecto em uma cadeira validativa em cujo centro
ético valorativo del ideal de justicia. Este ultimo gravitacional se acha a norma fundamental.
considerado como emocional y extracientífico es
Proposições jurídicas são juízos hipotéti-
desterrado a la Política, Etica y Filosofía de la
cos que enunciam ou traduzem que, de con-
Justicia como la denomina a la Filosofía Jurídica.” formidade com o sentido de uma ordem ju-
(CATALINI, 1991-1992, p. 50). Observe-se que rídica nacional ou internacional dada ao
2
O papel da ciência jurídica, segundo Kelsen, seria análogo ao da ciência natural: proceder à descrição de seu objeto
através da formulação de leis. Por isso, Kelsen admite que a proposição jurídica seja também denominada “lei”
jurídica, à semelhança da expressão “lei” natural e, nessa analogia não importa a diferença do objeto da ciência
jurídica e o da ciência natural. Enquanto ciências, ambas se destinam a descrever o objeto de que se ocupam e tanto
a lei natural como a lei jurídica são instrumentos para a descrição de uma conexão funcional (AFONSO,1984, p. 224).
3
Kelsen insiste na diferença existente entre as normas jurídicas, objetos formais da ciência do direito, e as propo-sições
jurídicas (Rechtssätze) que as descrevem. As primeiras, são criadas pelas fontes produtoras de Direito, tais como o
legislador e o juiz; as segundas, constituem o resultado teórico do estudo das normas jurídicas, cabendo a sua criação
unicamente ao cientista do Direito. Este não estatui normas jurídicas, apenas as descreve mediante pro-cedimentos
científicos e tendo em vista a categoria básica que lhes confere realidade, qual seja, a validade (MATOS, 2011, p. 48).
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conhecimento jurídico, sob certas condi- sistema e a coerência que se deva guardar, como
ções ou pressupostos fixados por esse requisito de validade e funcionalidade da parte
ordenamento, devem intervir certas conse-
normativa com o sistema jurídico como um todo,
qüências pelo mesmo ordenamento deter-
minadas. As normas jurídicas, por seu lado,
apresenta-se como ponto nevrálgico do pensamen-
não são juízos, isto é, enunciados sobre to kelseniano, base elementar para toda a produ-
um objeto dado ao conhecimento. Elas são ção teórica de Carlos Cóssio.
antes, de acordo com o seu sentido, man-
damentos e, como tais, comandos, impera- En sentido kelseniano, la Jurisprudencia
tivos. Mas não são apenas comandos, pois debe ser una ciencia normativa no porque
também são permissões e atribuições de da o prescribe normas, sino porque las
poder ou competência. Em todo o caso, não describe neutralmente, las estudia, las con-
são, como, por vezes, identificando Direito sidera su objeto científico. Su objeto es
como Ciência Jurídica, se afirma – instru- únicamente la norma ya sea desde una pers-
ções (ensinamentos). O Direito prescreve, pectiva estática, esto es, analizando la
permite, confere poder ou competência – relación de las normas en un sistema
não “ensina nada.” (KELSEN, 2003, p. 80- coherente, ya desde un punto de vista
81). dinámico, en su producción y aplicación
(CATALINI, 1991-1992, p. 51-52).
Quanto à cadeira validativa, tratada no pará-
grafo anterior, cabe a ilustração com as seguintes Não pode passar desapercebido que o pen-
letras: samento cossiniano deita raízes, igualmente, na
teoria egológica de Husserl que se passa a expor,
Dado que o fundamento de validade de uma em apertada síntese, para que se possa melhor
norma somente pode ser uma outra norma, compreender o pensamento de Carlos Cóssio.
esse pressuposto tem de ser uma norma: Não é sem relevância a construção teórica
não uma norma posta por uma autoridade
jurídica, mas uma norma pressuposta, quer
husserliana de uma fenomenologia que se preten-
dizer, uma norma que é pressuposta sem- da ao desenvolvimento do pensar que vise a con-
pre que o sentido subjetivo dos fatos gera- ferir ao pensado, ao reduzido pelo seu método
dores de normas postas de conformidade fenomenológico, uma universalidade valorativa,
com a Constituição é interpretado como o uma certeza que em muito se afastaria da ciência
seu sentido objetivo. Como essa norma é a empírica4. “Husserl irá conferir às ciências das
norma fundamental de uma ordem jurídica,
essências – ciências eidéticas – uma dignidade
isto é, de uma ordem que estatui atos coer-
civos, a proposição que descreve tal nor- ontológica. Sobre o tema, há a seguinte doutrina:
ma, a proposição fundamental da ordem
jurídica estadual em questão, diz: devem ser Convencido da excelência da tradição inte-
postos atos de coerção sob os pressupos- lectual do ocidente e da dignidade supre-
tos e pela forma que estatuem a primeira ma do espírito científico, Husserl inquieta-
Constituição histórica e as normas se com as bases inconstantes em que se
estabelecidas em conformidade com ela assenta o edifício do saber. [...] a lógica, a
(KELSEN, 2003, p. 224). O centro ciência das ciências, onde cedo perceberá
gravitacional do projeto universalista de Leibniz o germe de uma mathesis
Kelsen radica-se no conceito de norma ju- universalis, permanecerá a grande preocu-
rídica, dever-ser objetivo mediante o qual pação da sua vida. A fenomenologia
caracterizamos o Direito enquanto uma or- transcendental será uma mathesis
dem sancionatória diversa das demais – universalis pensada até o fim. Daí, essa
v.g., moralidade social, religiões – graças à concepção do trabalho filosófico exposto
possibilidade de reconduzir todos os ele- no famoso artigo sobre a filosofia enquan-
mentos do sistema a uma instância to ciência do rigor e que mereceu tanta no-
unificadora chamada de norma fundamen- toriedade (LÉVINAS, 1997, p. 12).
tal (Grundnorm) (MATOS, 2011, p. 46).
A própria fenomenologia enquanto análise da
Verificar, portanto, mediante critérios lógico- consciência constituinte será, segundo Husserl,
-objetivos o processo, produção e aplicação uma ontologia e uma ciência eidética.” (LÉVINAS,
normativa, observando-se a complexidade de um 1997, p. 28).
4
Para reflexão aprofundada e diálogo crítico sobre a temática, Cf. HUSSERL, 1989.
25
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A filosofia, porém, é por essência uma ciên- Se para Husserl “Descartes inaugura um
cia dos inícios verdadeiros, das origens, novo tipo de filosofia. Com ele, a filosofia muda
dos rizómata pánton. A ciência do radical
totalmente de estilo e passa radicalmente do
tem que proceder também radicalmente, e
sob todos os respeitos. Sobretudo ela não
objetivismo ingênuo ao subjetivismo
deve descansar antes de ter chegado aos transcendental.” (HUSSERL, 1990, p. 46), reco-
seus inícios, isto é, aos seus problemas nhece o mestre de Lévinas que muito a
absolutamente claros, aos métodos deline- Fenomenologia deve a este pensador que assen-
ados no próprio sentido desses problemas, tou as primeiras pedras que deram suporte funda-
e ao campo ínfimo da elaboração das coi- mental para o desenvolvimento de uma ontologia
sas de apresentação absolutamente clara
(HUSSERL, 1965, p. 72).
pautada pelo rigor da ciência. Dessa forma,
5
Para maior aprofundamento, Cf. MARCONI, D. Filosofia e scienza cognitive. Roma-Bari: Laterza, 2001.
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conceituações científicas que suplantaram a desde que remonte às suas origens extremas,
realidade observada e alcançaram a abstração o seu trabalho científico situar-se em esferas
de intuição direta, e constitui o maior passo
teorética que prescinde do homem como
a dar pela nossa época, reconhecer-se que a
observador e criador. Dessa forma, a propositura intuição filosófica no sentido autêntico, a
do método fenomenológico “não leva apenas a uma percepção fenomenológica do Ser, abre um
terminologia mais fixa e mais precisa. Ela introduz- campo imenso de trabalho e leva a uma
-nos numa nova dimensão de inteligibilidade.” ciência que, sem todos os métodos
(LÉVINAS, 1997, p. 23). indiretamente simbolizantes e matemati-
Husserl tece profundas críticas a forma com zantes, sem o aparelho das conclusões e
provas, não deixa de chegar a amplas
que “na base das ciências exactas humanas ou intelecções das mais rigorosas e decisivas
físico-matemáticas” se apresenta “um mundo dado para toda a filosofia ulterior (HUSSERL, 1965,
que se presta assim ao seqüestro e a manipula- p. 73).
ção.” (LÉVINAS, 1984, p. 16). Assim, o conheci-
mento científico é, igualmente, alvo de um profun- Neste mundo da vida se daria todo o processo
do refletir, um refletir a própria reflexão científica. de descoberta e significação. Seria ele uma
Chega-se, portanto o momento em que realidade dada, pré-existente ao observador.
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nexo global de sentido proveniente da Ela é, antes de tudo, uma estrutura signifi-
intencionalidade subjetiva. Os dados e as cativa e, justamente por isto, não se define
experiências singulares compartilham ser e apenas em função dos atos intencionais,
sentido com a totalidade na qual se inserem. mas também dos conteúdos noemáticos
O horizonte, entretanto, constitui uma destes. Põe-se, então, para Husserl, a ques-
totalidade aberta e viva (SOUZA; tão da constituição da subjetividade, pois
OLIVEIRA, 2001, p. 513). os vividos têm uma gênese temporal e uma
historicidade. O Ego transcendental é es-
É nesta esteira do rigorismo científico, que sencialmente temporal (SOUZA; OLIVEI-
RA, 2001, p. 19).
permeia todo o pensamento husserliano, que a vi-
são pautada pela transcendência é deixada de lado,
A subjetividade husserliana se evidencia na
pois a construção da consciência se verifica por
medida em que a consciência, por meio do exercí-
meio da redução da qual provém a ideia formada
cio da intencionalidade, seria anunciadora do sen-
do próprio objeto resultante desta por meio da evi-
tido. “A consciência de si determina, pois, o sujeito
dência6 dada na epoché7 – . “Pode-se dizer [...] mais do que uma simples constatação do seu
assim que é o método universal e radical exercício, é intelecção e, por conseguinte, luz e
pelo qual me percebo como eu puro, com a vida liberdade. Ela cumpre-se na consciência imanente
de consciência pura que me é própria, vida na qual do tempo.” (LÉVINAS, 1997, p. 53).
e pela qual todo mundo objetivo existe para mim
exatamente da forma como existe para mim.” A constituição ou a explicação do sentido
(HUSSERL, 1990a, p. 38). Neste sentido: de um Eu diferente que eu, partindo da ana-
logia entre corpos animados – síntese pas-
siva, realizando-se no eu primordial – ar-
Así, la evidencia es un modo universal de la
ranca o eu da sua hipóstase, do aqui, já que
intencionalidad referido a la vida de conciencia
seu caminhar de sonâmbulo não basta para
en su conjunto; gracias a Ella la conciencia
separar do centro do mundo. [...] Mas,
tiene una estructura teleológica universal, una
Husserl não separará o viver da vida e a
inclinación a la “razón” y aun una tendencia presença, condição do discurso filosófico.
continua hacia ella; tiende, en efecto, a Com ele, a própria espiritualidade do espíri-
comprobar la corrección y a suprimir las to permanece sempre saber. E essa neces-
incorrecciones (HUSSERL, 1962, p. 169). sidade para a filosofia de permanecer, en-
quanto saber, saber da presença e do ser,
Deve-se compreender que a subjetividade, não poderá, tanto em Husserl como no con-
aqui, é diferente do que predica Lévinas, pois, a junto da filosofia ocidental, não significar a
consciência subjetiva se pauta pela compreensão última figura do significativo (sensé) ou, o
que dá no mesmo, esta necessidade só po-
egolátrica dos fenômenos reduzidos. Isto é, o Eu, derá significar que o significativo (sensé)
por meio da sua própria percepção, é que se colo- tem seu sentido, no fundamental, no Mes-
ca como autor, senhor próprio da produção mo. O espírito permanece fundamentado na
perceptiva da vida. Neste sentido, tem-se que presença do ser, ele é o acontecimento des-
ta presença (LÉVINAS, 2008b, p. 50-51).
A subjetividade realiza, então, as operações
constitutivas da vida de experiência, e ela O sujeito, em posição de passividade, no sen-
possui igualmente estruturas invariantes. tido de receptividade, ante o objeto analisado, se-
6
Na evidência a coisa ou o “fato” não é somente vista, de maneira distante e inadequada; ela própria está presente
diante de nós, e o sujeito que julga tem dela uma consciência imanente. Um juízo que se limita a uma simples
presunção, se é passado na consciência à evidência correlativa, ajusta-se às coisas e aos “fatos” em si. Essa
passagem tem um caráter especial, pela qual a simples intenção vazia se preenche e se completa; ela assume o
caráter de uma síntese pela recuperação exata da intuição e da evidência correspondente, a intuição evidente de
que essa intenção, até então “distanciada da coisa”, é exata (HUSSERL, 1990a, p. 26).
7
Para realizar tal programa, Husserl recorre a “Epoche” ou Redução de todos os nossos conhecimentos científicos
e filosóficos, isto é, precisamos fazer suspensão de nossos juízos sobre as coisas. Pela “Epoche” começamos a
duvidar das crenças acerca da transcendência, desenvolvidas pela subjetividade mundana e pelos ensinamentos
que nos foram transmitidos a respeito das coisas, sedimentados pela tradição e pela cultura. Husserl ainda diz que
este ponto de partida é o mesmo de Descartes, mas não confundível com ele. Com efeito Descartes chegou ao Ego
Cogito mas deu a este uma interpretação substancialista, ou seja “mens” separada do corpo, tendo por garantia de
existência a transcendência divina (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p. 20).
28
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ria, então, conectado ao mundo, por meio dessa ma, seria conferido o sentido e, desta forma, po-
consciência intuitiva anunciadora de sentido. deria essa coisa ser definida como linguagem mes-
ma, na “absoluta claridade do estar dado.”
A fenomenologia husserliana impregnada de (HUSSERL, 1990b, p. 29).
razão enquanto presença do ser em original, O outro, nesta visão de subjetividade, não tem
e invocando como princípio dos princípios –
nenhuma esfera de interferência nesta produção,
como racionalidade da razão – a intuição, foi
entretanto a crítica mais rigorosa da evidên-
pois este outro é também um definidor próprio dos
cia e isso até na evidência dos encadeamen- fenômenos da vida, produzindo, de forma, até mes-
tos lógico-matemáticos (que a mo, absolutamente diversa do seu igual, valorações
fenomenologia, no entanto, preservou con- e conceituações advindas da redução, por meio da
tra toda psicologização, a ponto de passar, qual seriam descobertas “as potencialidades
notadamente após os Prolegômenos, por sua ‘implicadas’ nas atualidades da consciência.”
suprema garantia). [...] Às vezes, na obra
husserliana, o recurso ao subjetivo toma a
(HUSSERL, 1990a, p. 64). Portanto, “tudo o que
aparência de grande preocupação com a sub- vale para mim vale também para todos os outros
jetividade. Tanto é verdade que, à guisa de homens, que me estão à mão no meu mundo
psicológico, o subjetivo pertence a totalida- circundante. Experimentando-os como homens,
de do mundo e do ser. Assim, na sua Psicolo- compreendo-os e os aceito como ‘eu’, qual eu sou.”
gia fenomenológica, os modos subjetivos do (HUSSERL, 2006, p. 61).
aparecer do mundo e da natureza – as
A “redução” tratada no tópico anterior, me-
Erscheinungsweisen, os aspectos do real que
variam segundo as orientações e movimen- rece ser explicada: “A redução seria um despertar
tos do corpo – e, mais profundamente ainda, em que desponta uma racionalidade do pensamento
a camada hilética do vivido, em sua função – significância de sentido – que rompe com as
de sumários, ou “silhuetas” (Abschattungen) normas que ordenam a identidade do mesmo.”
constituindo “os aspectos subjetivos” do (LÉVINAS, 2008b, p. 41). Ou ainda:
objeto ( e mesmo a camada hilética despojada
dessa função e considerada como vivida por
A redução fenomenológica é, pois, uma ope-
ela mesma) – e, sem dúvida, aquém destas
ração pela qual o espírito suspende a valida-
orientações subjetivas, as condições sociais
de da tese natural da existência para estudar
da pesquisa e da identificação do verdadeiro
o seu sentido no pensamento que a consti-
(de que Husserl não fala) – tudo isso ainda é
tuiu e que, ele próprio, já não é um aparte no
ser e faz parte do mundo. A ponto de se pro-
mundo, mas anterior ao mundo. Voltando,
longar nas instituições de pesquisas, labora-
assim às primeiras evidências, encontro si-
tórios e anfiteatros das Universidades que
multaneamente a origem e o alcance de todo
orientam estas “condições” do aparecimento
o meu saber e o verdadeiro sentido da mi-
do “ser uma sua verdade” fazem evidente-
nha presença o mundo. [...] a evidência da
mente parte do ser e do mundo e justificam a
realidade do mundo nunca está concluída.
recuperação do psíquico pela objetividade e
[...] a infinita regressão que a questão pare-
pela extensão da ciência à psicologia. [...] sua
ce impor resolve-se graças à idéia do retor-
descrição fenomenológica é um caminho pri-
no sobre si (LÉVINAS, 1997, p. 48).
vilegiado que leva à Redução, isto é, ao “ab-
soluto” da consciência cujo sentido não é
mais devedor a nada que seja existência no Observa-se, neste ponto de reflexão, que o
mundo. [...]. A necessidade de ir em direção individualismo do humano não se apresenta como
ao sujeito e de refletir sobre a consciência e a algo questionável por Husserl, pois o que se apre-
vida intencional em que o mundo e os obje- sentava como mais importante para um dos pais
tos estão “noematicamente” presentes é, se- da fenomenologia era justamente desenvolver todo
guramente, motivada de vários modos, nos
diversos momentos da apresentação da obra
um método que proporcionasse às ciências huma-
husserliana, enquanto o gesto motivado é nas uma forma afastada das improbabilidades e
sempre o mesmo (LÉVINAS, 2008b, p. 36-37, incertezas da abstração e da transcendência. Dessa
grifos nossos). forma, o indivíduo torna-se, nessa busca por crité-
rios que proporcionem uma maior segurança
O mundo adentraria na consciência de for- conceitual, afastando-se das incertezas e abstra-
ma que, ao proclamar uma coisa como ela mes- ções, sujeito e objeto a ser analisado8.
8
Para reflexão aprofundada e diálogo crítico sobre a temática, Cf. HUSSERL, Edmund. L’idea di Europa, a cura di
corrado sinigaglia. Milano: Rafaello Cortina, 1999, p. 44.
29
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Será necessário fazer a redução da consci- tura que ela propicia, para a entrada no cam-
ência mundana ou empírica, do fatual, para po transcendental, tanto da subjetividade
se chegar à consciência transcendental em quanto dos fenômenos. O mundo torna-se
sua forma universal da temporalidade. O um “cogitatum” ou objeto de experiência
paradoxo da subjetividade humana, segun- do Ego transcendental. [...] É o plano da
do Husserl, é ser sujeito para o mundo e ao redução fenomenológica a via de acesso
mesmo tempo objeto no mundo. A subjeti- ao objeto puro e, segundo Husserl, ser um
vidade constitui o mundo e é também cons- objeto significa ter um sentido para um su-
tituída no mundo (SOUZA; OLIVEIRA, jeito, significa ser visado pelo Ego. [...] O
2001, p.13). resultado desta “Epoche”, como já disse-
mos, foi o de alcançar a estrutura “ego-
O pensamento husserliano é permeado em cogitatum”, onde o mundo se torna fenô-
meno para a consciência, ou seja, correlato
toda a sua extensão por critérios que se utilizam
da subjetividade absoluta doadora de sen-
de instrumentais lógico-sistemáticos, ainda que os tido (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p. 21-22).
tenha acrescido a uma percepção fenomênica, que,
juntos, evidenciariam o mundo analisado por meio O pensamento husserliano destaca esta
da síntese de identificação. enlevação do ser pensante como aquele que de-
senvolve sua vida psíquica pela passividade e pela
Assim, o cogito tem consciência de seu
atividade espontânea como dado na experiência
cogitatum não em um ato não diferencia-
do, mas em uma “estrutura de de si. “Eu sou, numa experiência evidente, cons-
multiplicidades” de caráter noético e tantemente dado como eu mesmo.” (HUSSERL,
noemático bem determinado, estrutura co- 1990a, p. 102).
ordenada de maneira essencial com a iden-
tidade desse cogitatum determinado Husserl distingue dois níveis da vida psí-
(HUSSERL, 1990a, p. 78). quica: o da passividade e o da atividade
espontânea, criadora do Eu. A passividade
Dessa forma, para Husserl, diante das incer- e entendida como receptividade pela sen-
tezas de uma metafísica etérea, necessário se faz a sibilidade. [...] Somente pela atividade do
“Eu quero”, podemos falar de espontanei-
compreensão e a utilização instrumentais lógico-sis- dade criadora do eu operante no conheci-
temáticos que, em não sendo utilizados, contribuiri- mento e na espontaneidade produtora dos
am para uma compreensão dos elementos da vida objetos. [...] um objeto não possa ser intuído
sujeitos a abstração que “veria sem dúvida uma a não ser que tenha sido pré-dado inicial-
ameaça à verdade, a que está votada a marcha ci- mente (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p. 14-15).
entífica dos homens.” (LÉVINAS, 1984, p. 17).
Este pensamento conduz ao descontenta-
A verificação da síntese de identificação se mento de Lévinas, pois o Eu é concebido como o
faz pelo presente, pelo preenchimento exe- ponto de partida e de chegada da intencionalidade
cutado pelo ato de visar. Assim, os objetos manifestada na Epoché.
nos são dados quer como apreensões do
agora (percepção presente), quer como Encontra-se, então, o Eu como ponto de
apreensões do passado (retenção ou lem- chegada de nossas afecções, e como ponto
brança primária), quer como protensão (lan- de partida de nossas atividades. É por isto
çar-se para o que advirá). Tais apreensões que os limites da passividade e da atividade
se entrecruzam e se situam como uma sín- não são rígidos. [...] A atividade judicativa
tese viva, já constituída de modo anônimo pressupõe objetos dados preliminarmente,
pela intencionalidade latente (SOUZA; para os quais se volta o juízo. [...] tudo isto
OLIVEIRA, 2001, p. 19). se instaura numa atividade de conhecimen-
to (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p. 16).
Não é sem razão que, por temor a essa ame-
aça à verdade, o pensamento husserliano tenha se Para Lévinas (2008b, p. 188-189), “Na
desenvolvido sob critérios rigorosamente estabe- fenomenologia husserliana – apesar da
lecidos, de forma que, por meio do conhecimento espontaneidade criadora conferida ao Ego
resultante da redução, encontrar-se-ia o sentido transcendental – os modos do conhecimento são
revelado. comandados – teleologia da consciência –
essencialmente pelo ser ao qual o conhecimento
O aspecto positivo da “Epoche” é a aber- acede.” A desconsideração da alteridade, assim,
30
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enquanto parte fundamental na formação da própria mentada toda filosofia radical.” (HUSSERL,
consciência constitui uma deficiência na teoria 1990a, p. 58).
husserliana, porquanto essa, por mínimo que se Mesmo que venha o Eu, por vezes, observar
cogitasse, não passa de um dado, um elemento a e analisar o outro, será este pensado sob o prisma
ser interpretado, analisado, reduzido sob a óptica da objetificação dentro do processo intencional
do Eu referencial 9. Husserl se propunha esse ensimesmado enquanto reflexo do “ego
questionamento ao perscrutar que “quando eu, o transcendental [...] é aquilo que ele é unicamente
eu que medita, me reduzo pela epoché em relação aos objetos intencionais.” (HUSSERL,
fenomenológica ao meu ego transcendental 1990a, p. 99).
absoluto, não me torno por isso mesmo solus ipse Nesse processo, o “eu constitui um campo
e não permaneço assim à medida que, sob o rótulo de investigação possível, particular e próprio.”
da fenomenologia, efetuo uma explicação de (HUSSERL, 1990a, p. 69).
mim?” (HUSSERL, 1990a, p. 104-105). Neste Constata-se, dessa forma, que, ainda que
sentido, apresentando reservas ao pensamento idealista,
segundo o qual a razão deveria ser o meio pelo
doutrina do saber absoluto, da liberdade qual se daria o despertar do homem, em detrimen-
do homem satisfeito, o hegelianismo – ao
to das incertezas da opinião, pois haveria um
qual, como a fenomenologia husserliana,
vão dar as diversas tentativas do pensa- solipsismo em torno da própria razão elevada,
mento ocidental – promoção de um pensa- Husserl, ao propor a vigília da ipseidade da alma,
mento que, na plenitude das suas ambições garantindo assim a existência da subjetividade
se desinteressa do outro enquanto outro como locus do pensar, por meio da consciência
que não se aloja em noema de uma noese advinda da redução, reduz a própria subjetividade
[...] o trabalho do pensamento leva a me-
lhor sobre toda a alteridade das coisas e à concepção da preponderância do ego, visão essa
dos homens, e é nisto que reside a própria que se encerra, igualmente no solipsismo (RIBEI-
racionalidade (LÉVINAS, 1984, p. 17). RO JÚNIOR, 2008, p. 39).
Ainda que Husserl tenha considerado o outro
Observa-se que a construção lógica na qual que não eu, essa intersubjetividade seria secundária
a consciência10 se apresenta como a única fonte no processo da busca pela experiência do si na exis-
da qual o sentido provém, por meio do qual o pró- tência, tendo em consideração que “evidentemen-
prio Eu pode ser colocado na condição de objeto a te, é preciso possuir a experiência dessa esfera de
ser intuído, e, como tal, ratifica, mais uma vez, o pertença própria do eu para poder constituir a idéia
solipsismo gnoseológico do sujeito que pensa. Se- da experiência de um outro que não eu.”
gundo Lévinas (1997, p. 61) “Husserl mostra como (HUSSERL, 1990a, p. 110). Dessa forma, essa “in-
se constitui a intersubjectividade completa a partir dependência” dos Eus se manifesta em uma não
do solipsismo da mónada. Solipsismo que não nega dialogicidade, na medida em que “se me decido, por
a existência de outrem, mas descreve uma exis- exemplo, pela primeira vez, num ato de julgamento,
tência que, em princípio, pode considerar-se como pela existência de um ser e por esta ou aquela de-
se existisse sozinha.” Ainda, “Façamos aqui, se- terminação desse ser, esse ato passa, mas eu sou e
gundo os passos de Descartes, o grande gesto de permaneço daqui por diante um eu que decidiu des-
voltar-se sobre si mesmo, o qual, se corretamente ta ou daquela maneira, ‘tenho uma convicção cor-
realizado, conduz à subjetividade transcendental: respondente’.” (HUSSERL, 1990a, p. 100-101).
o debruçar-se sobre o ego cogito, domínio último e Assim, o universo da consciência
apoditicamente certo sobre o qual deve ser funda- desconsidera o outro como presença essencial no
9
“Husserl estabelece o sujeito enquanto mónada. O sujeito pode dar conta do Universo no seu foro íntimo. Toda a
relação com outra coisa se estabelece na evidência e tem nele, por conseguinte, sua origem. [...] dizer que o sujeito
é uma mónada é negar a existência do irracional. [...] o sujeito é absoluto, não porque seja indubitável, mas é
indubitável porque responde sempre por si mesmo e a si mesmo. Esta auto-suficiência caracteriza o seu absoluto.”
(LÉVINAS, 1997, p. 61).
10
A sensibilidade é a consciência originária do tempo. Entre sensibilidade e consciência, Husserl traça uma ligação
muito estreita: as coisas são percebidas nas qualidades que as revestem. Porém, as qualidades são descobertas na
vivência que é um evento temporal (MELO, 2003, p. 51).
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cessidades vitais, perdendo o sujeito como [...] a fenomenologia é a evocação dos pen-
suporte de experiências pessoais e das samentos – das intenções subentendidas
intencionalidades que caracterizam os atos – mal entendidas – do pensamento que está
humanos. Para Husserl, a superação da cri- no mundo (LÉVINAS, 1982, p. 23).
se acontecerá quando a Filosofia se inte-
ressar de novo pelo homem e suas criações Husserl representa essa sede, essa busca pelo
culturais, pela sociedade e seus sistemas desvelar do mundo, por meio do processar o dado
de valores (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p.
na intencionalidade. Essa busca pela verdade que
517, grifos nossos).
reluz sem véus que obscureçam a compreensão
Não se pode olvidar que Husserl não se con- do dado. A busca pela certeza de que a
centra nas ciências naturais, apesar de toda a sua
transcendência do mundo não se constitui
histórica vinculação com o desenvolvimento das
fora da experiência do mundo; ela nada mais
teorias matemáticas e do mundo da física. O obje- é do que um sentido pertencente à esfera
to de verificação pelo método fenomênico desen- imanente da experiência. Por esta interpre-
volvido reside no ambiente sociocultural, no qual tação, a crença no mundo, como pressu-
se desenvolve as interações da sociedade, não posto da experiência, não pode ser destruída
sendo reduzidos a dados fictos, teóricos ou subs- pela atitude transcendental (SOUZA; OLI-
tâncias a serem trabalhadas11. VEIRA, 2001, p. 18).
Diante das inúmeras interações, extrema-
mente mutáveis, das relações em sociedade, das Representa, ainda, a expressão de toda a
possíveis crises de identidade de institutos, como a potencialidade humana que, para muito além de se
família, a forma de constituição de Estado, sua situar na mera contemplação das formas em um
estruturação, o desenvolvimento das atividades e plano ideal metafísico, poderá ela mesma, por meio
competências dos poderes que o compõe, concep- da intenção manifesta na consciência, diante de uma
ções sobre ideologias, manifestações culturais, postura proativa do próprio humano, conscientizar-
evolução das estruturas normativas para que res- -se do algo pensado, do objeto analisado. “Em todos
pondam as arestas deixadas pela rápida desinte- os níveis da vida espiritual – seja no estado da
gração de antigos preceitos normativos que a so- sensação ou do pensamento matemático – o
ciedade não credita mais, dentre outros, tudo isto pensamento é desígnio e intenção.” (LÉVINAS,
é, segundo Husserl, material para ser, por meio da 1997, p. 29). Ocorre que todo esse processo reflete
redução intencional fenomenológica, refletido de “a preocupação principal de Husserl, que o
forma a, compreendidos, poder se pensar soluções, acompanhou durante toda a sua vida, foi a de saber
como as coisas nos aparecem e como podemos
marcadas pela originalidade e realismos próprios,
restabelecer o contato com as coisas nelas mesmas
dado que surgidas na consciência.
e como o sentido de tais coisas se constitui em nós.”
Tudo dentro do esforço, já mencionado, de
(SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p. 20).
conferir certeza científica do saber por meio da
É exatamente por meio da consciência que
intencionalidade consciente do Eu. Portanto, en-
Husserl ratifica o agir na eticidade, tendo em con-
contra a fenomenologia um método que propõe um
caminho diferente da visão evidenciada pelo idea- sideração que a subjetividade, e o agir moral de-
lismo, ou, ainda, como via à moral apresentada pelo corrente dela, parte da elementar consideração do
universalismo do imperativo categórico (RIBEI- humano, do sujeito pensante, cujo sentido atribuí-
RO JÚNIOR, 2008, p. 47). do à coisa/objeto resplandece na consciência por
Ora, a fenomenologia pautada pelo pensa- meio do agir na subjetividade.
mento de Husserl representa essa capacidade O pensamento husserliano almeja uma via
mesma de: de concepção de agir moral, proveniente, não de
uma conceituação de sujeito moral abstrato12, de-
recuperar o meu próprio domínio de formu- corrente do pensamento kantiano, muito menos da
lar a pergunta: ‘Onde estamos?’, saber desconsideração por completo da subjetividade
exactamente onde se está [...] sentido mais (RIBEIRO JÚNIOR, 2008, p. 48), mas, sim, da
amplo e para além da visão das essências consciência doadora de sentido na intencionalidade.
11
Para maior aprofundamento, Cf. HUSSERL, Edmund. Renovación del hombre y de la cultura: cinco ensayos.
Barcelona: Anthropos; México: Universidad Autônoma Metropolitana (Iztapalapa), 2002, p. 28.
12
Para reflexão aprofundada e diálogo crítico sobre a temática, Cf. JAEGER, W. Paidéia, a formação do homem
grego. Tradução de Arthur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 10.
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E esse pensar do humano, essa autonomia Lévinas aponta uma possibilidade de, em uti-
advinda do desvelamento do mundo por meio da lizando a ideia de intencionalidade husserliana, que
redução fenomenológica, muito se afasta de uma reduz o objeto para que ele seja evidenciado na
visão de pensar como resultado do simples sua real constituição, apresentar a ideia de uma
equacionamento do agir histórico e das heranças intencionalidade irredutível para que a relação de
culturais. eticidade com a alteridade seja contemplada de
forma a não se desconsiderar o outro. Apesar des-
O pensador recorre à História não como sa possibilidade, reconhece o filósofo lituano que
ingênuo compilador de dados ou crítico de esse pensamento ocasionaria “a ruptura da
documentos, mas como leitor de um passa-
intencionalidade” (LÉVINAS, 1982, p. 25) mes-
do desde a perspectiva de um presente cons-
tituído por seu próprio mundo espiritual. O ma, ou pelo menos, como fora concepcionada pelo
filósofo busca a verdade inteira que esca- pensamento husserliano.
pa ao positivismo historicista: pelo fato de A grande contribuição husserliana, portanto, se
conceber ideias, o homem torna-se um ho- apresenta nesse agir moral, decorrente da existência
mem novo, que, vivendo na finitude, se ori- da subjetividade do humano que, como consciência
enta para o polo do infinito. A
intencional, procure a vivência ética pelo desvelamento
fenomenologia propõe-se a ser um método
no qual todo o conhecimento se constrói do pensar na redução fenomenológica. É o viver o
em referência à subjetividade (SOUZA; cotidiano, “este retorno ao mundo da vida [...] não
OLIVEIRA, 2001, p. 518). esqueçamos que é por causa disto que Husserl fala de
genealogia, de filiação, de origem, de historicidade.”
O que se apresenta do pensamento (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p. 17). Diante das várias
husserliano é, de certa forma, uma retomada da situações que se apresentam ao sujeito, este, por meio
intencionalidade da consciência que apregoa que do imergir na absorção do mundo pela consciência, na
intencionalidade, prover-se-á de uma consciência
toda a consciência é consciência de algu- sempre em estado de observação, buscando respostas
ma coisa, não é descritível sem referência e definições às questões analisadas, de forma a garantir
ao objeto que ela pretende [...] focagem in-
tencional que não é um saber, mas que, nos
esse infindável processo de geração de conhecimento
sentimentos e aspirações, é, com o seu pró- consciente diante do viver mesmo. “Caberá à
prio dinamismo, “afectivamente qualifica- fenomenologia reconciliar o mundo da ciência e da
da.” (LÉVINAS, 1982, p. 24). técnica com o mundo da vida a partir da teleologia ao
último.” (SOUZA; OLIVEIRA, 2001, p. 515).
Tem-se, desta forma, um posicionamento que As percepções decorrentes do viver
confere radicalidade a prioridade do não-teorético proporcionarão ao humano a experiência que será boa
que, posteriormente, terá sua ideia revisitada em conselheira ao se pensar os balizamentos do agir moral
Heidegger por meio da delimitação da noção de uten- no cotidiano da vida visando à atitude que conduza à
sílio. Assim, a maneira como a consciência acessa ética e, em última instância, ao agir na justiça.
os objetos se apresenta imbricada, em uma relação Influenciado por toda a teoria husserliana do
de simbiose, a forma como se dá a própria essência agir humano por meio da redução fenomenológica,
dos objetos. O acessar o ser, assim, se vincula a na intencionalidade, Carlos Cóssio desenvolverá
descrição do ser (LÉVINAS, 1982, p. 24). sua Teoria Egológica do Direito13 alicerçando-se,
13
“El problema terminológico consistía en que me era indispensable un adjetivo que correspondiera al substantivo
‘sujeto’. Si para la teoría egológica el Derecho es conducta y el objeto del conocimiento dogmático es la conducta
en interferencia intersubjeva; si el dato a conocer, por lo tanto, es el hombre plenario en tanto que es sujeto
actuante – pues la persona humana su libertad metafísica fenomenalizada y sus acciones cumplidas son
inseparablemente una y la misma cosa, según se explica largamente en mi libro de marras –, es claro que
encontrándome siempre con el sujeto actuante como objeto de conocimiento, necesitaría a cada momento el
adjetivo correspondiente a sujeto. Etimológicamente este adjetivo está dado pelo por el vocablo ‘subjetivo’, que
hoy en día este adjetivo tiene múltiples acepciones, todas ellas independientes ya de su correspondiente substan-
tivo. Imagínese la confusión que hubiera acarreado decir Teoria subjetiva del Derecho. Casi lo mismo hubiera
ocurrido si, derivando del substantivo ‘persona’, hubiera dicho Teoría personalista del Derecho. Es así que la
necesidad de permanecer al margen de todas las resonancias filosóficas sedimentadas hoy em el adjetivo ‘subjeti-
vo’, al par que la necesidad de recurrir a la calificación originaria que a este vocablo corresponde, me llevó al
vocablo ‘egológico’, derivado de ego yo.” (COSSIO, 2002, p. 215-216).
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14
[...] como el derecho es intersubjetivo e implica, por lo menos, dos conductas que se cruzan, ocurre que no hay en
la experiencia jurídica, ni puede hacer, una norma aislada. Siempre hay en ella, por lo menos, dos normas coordinadas,
cada una representando la conducta de cada una de estas partes; pero por la misma razón, en cualquier otro punto
de la experiencia jurídica, estas normas están cruzadas a su vez por otras normas, en plano horizontal (MACHADO
NETO, 1988, p. 53-54).
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15
Según la enseñanza de Husserl, la mención es tributaria del objeto. Y en la medida en que hay identidad entre
mención (norma) y objeto (conducta bajo este perfil), el tributo significa que la norma emerge, por abstracción, de
la conducta; y no que la conducta, para adquirir forma, se pliega a la norma (CÓSSIO, 2002, p. 218).
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16
El jurista va a la experiencia para conocerla y sin este contacto con ella nada conocerá; pero va desde cierto ángulo,
va como jurista, va aportando un modo de pensar que tiene cierta contextura para poder valer como pensamiento
(CÓSSIO, 2002, p. 91).
17
[...] la justicia resulta un valor de totalidad y por eso la justicia acompaña siempre como una sombra a cada uno de
los valores parcelarios; por ejemplo, si una institución realiza un buen orden, pero una mala solidaridad, ya, por
aquello, es parcialmente justa. En la justicia, la mera coexistencia aparece como razón suficiente en la medida en que
coexistir es entenderse y en que este entendimiento se vive con la emoción de la justicia (CÓSSIO, 1964, p. 611).
37
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heterónomamente así el valor positivo po- ______. La teoría egológica del derecho y el
der. Este último no se confunde con la fuerza concepto jurídico de libertad. São Paulo:
bruta, sino que consiste en la capacidad de
Livraria do Advogado, 1964.
inculcar sentidos espirituales. Si el poder no
es suficiente para dominar el conflicto
estamos aún en la discordia de los conflictos ______. La valoración judicial. Buenos Aires:
individuales, pero el conjunto de éstos El Foro, 2002.
proyectado sobre la jerarquía que es la
sociedad como tentativa del poder nos da la HUSSERL, Edmund. A filosofia como ciência
situación de impotencia. El desvalor especí- de rigor. Tradução de Albin Beau. Coimbra:
fico del poder le adviene por exceso cuando
la dominación excede los requerimientos del
Atlântida, 1965.
conflicto, constituyéndose así en opresión
(AFTALION; VILANOVA; RAFFO, 2009, p. ______. La philosophie comme science
317). rigoureuse. Tradução de Marc B. de Launay.
Paris: Puf, 1989.
Mas, não se deve sobrestimar suas estrutu-
ras em detrimento do horizonte histórico das múl- ______. A crise da humanidade européia e a
tiplas realidades e dimensões socioculturais em que filosofia. Tradução de Urbano Zilles. Porto
a sociabilidade se manifesta em intersubjetividade Alegre: Edipucrs, 2002.
criativa e possibilitadora de novos rumos, novos
olhares construtivos de uma realidade em cons- ______. Meditações cartesianas. Tradução de
tante processo de (des)identificação. Maria Gorete Lopes e Sousa. Porto: Rés, 1990a.
______. Panorama de la teoría egológica del ________. De Deus que vem a ideia.
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Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1982. 2003.
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ARTIGOS DO
CORPO DISCENTE
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Acadêmica do Sétimo Período no Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.
2
Acadêmico do Sétimo Período no Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.
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e Judiciário. No entanto, quando existe uma omis- nível de independência que passou a gozar
são latente pelo Poderes Legislativo ou Executivo, posteriormente. As constituições eram
pródigas na consagração de direitos, mas
surge o Poder Judiciário para colmatar essa lacu-
estes dependiam quase exclusivamente da
na social. boa vontade dos governantes de plantão
Resguardar os preceitos fundamentais para saírem do papel – o que normalmente
elencados na Constituição possibilita uma postura não ocorria. Em contextos de crise, as
ativa por parte do Poder Judiciário. Mesmo que, fórmulas constitucionais não eram
para tal posicionamento, seja exigida certa seguidas, e os quartéis arbitravam boa parte
mitigação da separação dos poderes para efetivar dos conflitos políticos ou institucionais
que eclodiam no país.
os direitos fundamentais. A atuação proativa por
parte do Judiciário enseja na realização do judicial
Tal movimento possui como objetivo funda-
review que visa dar sentido efetivo e alcance
mental as transformações de um Estado Legal em
almejado à norma constitucional. No entanto, tal
um Estado Constitucional, no qual se funda o Di-
prática não pode propiciar a supremacia absoluta
reito Constitucional com base em novas premis-
dos Tribunais.
sas como a difusão da perspectiva do desenvolvi-
Assim, faz-se necessário diálogo entre a po-
mento da teoria dos direitos fundamentais. Busca-
pulação e as Cortes, com intuito que a povo seja
-se, com o Neoconstitucionalismo, a efetivação e
parte do processo interpretativo e decisório. O pre-
a concretização dos Direitos Fundamentais, tendo
sente trabalho tem como objetivo, através do mé-
como núcleo axiológico a dignidade da pessoa hu-
todo dedutivo, analisar a tendência moderna de
mana. A visão neoconstitucionalista aponta para
abertura democrática da jurisdição constitucional
uma constituição que possui força normativa e visa
brasileira, ao passo que se abordará o possível
a expansão da jurisdição constitucional em conjunto
paradoxo existente entre o Constitucionalismo
de novas técnicas de interpretação da constitucio-
Moderno, como forma de limitação do poder, e a
nal.
teoria democrática.
Na atual percepção, tem-se a proposição da
Busca-se, promover uma análise da possível
supremacia constitucional, à qual se subordinam
participação social na interpretação constitucional,
os demais poderes. Nesse sentido aduz Barroso
a inserção de processo de aprofundamento das
(2009, p 36): “Em virtude desta primazia, a Cons-
instituições democráticas, fiscalização e
tituição encontra-se em posição hierárquica supe-
legitimação da atuação estatal e concretização de
direitos, bem como observar os benefícios e a for- rior às demais normas, de modo que leis e atos
ma para que ocorra a conciliação entre o judiciá- jurídicos não serão considerados válidos caso
rio e povo como intérpretes e efetivadores da Cons- afrontem alguma norma constitucional.”.
tituição com fim de garantir a democracia. A Magna Carta é a ordem fundamental e
possui posição de supremacia. Dessa maneira,
2 O NEOCONSTITUCIONALISMO, A como forma de garantia de aludida prioridade,
SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E elenca Clevé (2000, p. 36) que “são conferidos
O ATIVISMO JUDICIAL mecanismos de controle de constitucionalidade.”.
Compreender a Constituição como norma funda-
O Neocosntitucionalismo é um movimento mental, mais do que implicar o reconhecimento de
histórico e teórico do Direito que visa à suprema- sua supremacia no ordenamento, faz necessária a
cia constitucional para a garantia dos direitos fun- existência de instrumentos que tutelem sua condi-
damentais. Nesse sentido, leciona Sarmento (2009, ção prioritária na ordem jurídica. Leciona Barroso
p. 123) (2009) que é em decorrência da força e suprema-
cia constitucional que pode o intérprete se negar a
[...] até então, as constituições não eram aplicar uma norma entendida como violadora da
vistas como autênticas normas jurídicas, Constituição.
não passando muitas vezes de meras Com o advento da Constituição Federal de
fachadas. [...] Até 1988, a lei valia muito mais 1988 (CFBR/88) e com diversas modificações
do que a Constituição no tráfico jurídico, e,
no Direito Público, o decreto e a portaria
sociais e históricas, a perspectiva de
ainda valiam mais que a lei. O Poder Neoconstitucionalismo busca a garantia inviolável
Judiciário não desempenhava um papel dos direitos fundamentais e a possibilidade da
político tão importante, e não tinha o mesmo concretização destes pelos poderes Executivo,
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Legislativo e Judiciário. Para resguardar uma ju- Diniz (1992) preceitua que a tripartição dos pode-
risdição constitucional eficiente, a ação dos três res assegura a realização de um modo de vida
poderes deve ser realizada de maneira indepen- correspondente à democracia, ou seja, visa à rea-
dente e harmônica. lização de uma vontade legitimada pelas vias de-
No entanto, resguardar os preceitos consti- mocráticas, sob os crivos de um status em que os
tucionais exige, por vezes, uma postura ativa por poderes estão interligados, em que eles se comu-
parte do Judiciário, tanto no que tange à interpre- nicam e se harmonizam, porém também realizam
tação quanto na efetivação das normas, mesmo fiscalização mútua.
que tal interferência represente uma possível Uma das grandes críticas à atuação do Po-
mitigação da separação dos poderes. A forma es- der Judiciário na atualidade é a sua atuação ativa
pecífica e proativa de interpretar a Constituição, que estaria utilizando prerrogativas legislativas para
expandindo o seu sentido e alcance, instala-se em as quais não estaria apto, principalmente por seus
situações de retração do Poder Legislativo, de certo integrantes não terem sido eleitos. O que se verifi-
descolamento entre a classe política e a sociedade cará na sequência é que, diante da necessidade de
civil, impedindo que as demandas sociais sejam garantia de direitos fundamentais pelo Poder Judi-
atendidas de maneira eficiente. ciário, uma forma de legitimação de suas decisões
Na jurisdição constitucional moderna, a in- se dá pela oitiva das associações de pessoas dos
terferência proativa dos Tribunais – segundo o qual setores influenciados pelas decisões.
os juízes passaram a desempenhar um papel mais
político, observando as transformações sociais, 3 O JUDICIAL REVIEW E A DEMOCRACIA
econômicas e administrativas – mostra-se impres-
cindível a necessidade de tal ingerência quando O judicial review, ou revisão judicial, como
verificada a violação dos direitos fundamentais, leciona Silva (1992) consiste em atos do sistema
referentes à conduta omissa dos agentes públicos. de governo dos Estados Unidos, em que as ações
Assim como explicita Barroso (2009), com a dos Poderes Executivos e Legislativos estão su-
abertura e a indeterminação semânticas das nor- jeitas à revisão pelo Poder Judiciário, podendo ser,
mas constitucionais, que são em sua maioria prin- eventualmente, invalidados de acordo com a deci-
cípios, foi necessário ir bem adiante da tradicional são proferida pelos juízes do caso. A revisão judi-
subsunção e adotar uma nova hermenêutica, em cial permite que a Suprema Corte assuma uma
que o povo viesse a participar. Isso porque, como função ativa, no sentido que ela possa garantir que
aduz Sarmento (2008, p. 119), “as disposições da todos os outros poderes cumpram com os precei-
Constituição não apresentam sentido único, reve- tos da Constituição. Esta revisão judicial teve seu
lando-se como moldura em que se tornam possí- início nos EUA com o famoso caso Marbury vs.
veis diversas interpretações.”. Madison (1803).
Nesse diapasão, elenca Barroso (2009, p. E no que se refere à revisão judicial, é possí-
263): vel que se encontre em diversos âmbitos jurídicos
discussões acerca de sua defesa, assim como de
Deste modo, aumentou a importância polí-
tica do Poder Judiciário, que passou cada
oposição. O debate sobre o uso das revisões judi-
vez mais a ser responsável pela interpreta- ciais pelas Cortes Supremas sobre o controle de
ção constitucional e pela resolução de ques- constitucionalidade das normas que foram produ-
tões polêmicas e relevantes para a socieda- zidas pelos Parlamentos tem se tornado cada vez
de. Ainda, com a constitucionalização dos mais comum nos Estados democráticos.
direitos fundamentais, coube ao Poder Ju-
Na posição contrária à revisão judicial, muitos
diciário a sua proteção em face de ações do
processo político majoritário que podem doutrinadores questionam se os juízes deverão ter
eventualmente lhes ofender. autoridade para revogar leis quando estiverem
convencidos de que elas violam direitos individuais,
No que se refere à separação de poderes no dando caráter contramajoritário à Corte, na qual,
Estado Democrático de Direito, é de suma impor- por vezes, defendem interesses políticos mascarados
tância que seja bem definida a separação de po- pela proteção das minorias.
deres, instituto esse que permite a limitação dos Questionando sobre a legitimidade das Cor-
poderes, a garantia das liberdades políticas, a não tes Supremas decidirem e declararem inconstitucio-
influência política no Judiciário e a realização ple- nalidade, em determinadas leis, que fora produzida
na das funções fiscalizatórias dos diversos órgãos. por parlamentares, que tem em suas mãos a vonta-
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de do povo expressa pelo devido voto, surge outro o povo. Contudo, diante da doutrina que apregoa a
problema em relação a democracia e a separação Constituição como um produto da vontade de um
dos poderes. Este poder de invadir, em nome da povo, e que outorga poderes para que esta seja
Constituição, competências que pertencem ao par- escrita em seu nome, convém questionar diante
lamento como sucedâneo da soberania popular é o desse espírito democrático qual o porquê de não
que evoca maior problematização. perguntar diretamente ao povo, os verdadeiros ti-
Assim, como aduz Barroso (2010) verifica- tulares do poder constituinte originário, a sua opi-
-se, em verdade, que aludido debate reflete a tensão nião sobre as questões constitucionais, a fim de
entre constitucionalismo e democracia. Isso porque efetivar sua presença como característica de uma
a adoção de uma Constituição rígida, por meio de verdadeira democracia.
processo constituinte democrático, dificulta a Nisto, Peter Häberle, com a crise do proces-
deliberação pela maioria acerca dos temas nela so democrático nos anos 70 na Alemanha, em sua
dispostos, os quais passam a contar com critérios análise concretista dos problemas constitucionais,
rigorosos para serem rediscutidos. Assim, os que apresentou uma proposta na qual demais intérpre-
se consideram iluminados o suficiente para a tes integrariam a esse processo, participariam da
compreensão dos temas debatidos na Constituinte análise da Constituição, a fim de este não esteja
duvidam das gerações vindouras e proíbem a tão somente ligado com os intérpretes clássicos.
rediscussão. Ele ofereceu a proposta de uma dinâmica mais
A opinião contrária, em defesa da revisão vasta de intérpretes da Constituição. Para este
judicial, diz que, quando em uma sociedade, o seu autor, as normas constitucionais devem ser enten-
Parlamento não se apresenta um bom funciona- didas pelos seus destinatários e não deixada à pers-
mento, quando o senso popular apregoa pouca pectiva dos intérpretes oficiais da Constituição
confiabilidade, a transferência de confiança pode elencados pela teoria clássica.
ceder facilmente ao Poder Judiciário, que, na me- Häberle sugere uma sociedade com intérpre-
dida em que passa a ser o principal interlocutor de tes que possa abarcar o maior número possível de
demandas políticas não resolvidas na seara destinatários da Constituição, tornando uma inter-
legislativa. Barboza (2007) dispõe que o problema pretação mais democrática. Isso é o que ele cha-
com isso é que a partir do momento em que o Ju- mou de sociedade aberta de intérpretes, em oposi-
diciário assume como principal responsável estas ção à sociedade fechada, na qual há poucos intér-
questões podem conferir a essas decisões cargas pretes legitimados, e estes seriam os juízes e os
de imprecisões, podendo transferir todo o mal vis- tribunais constitucionais. Ou seja, trata-se de
to do parlamento ao Judiciário, e podendo também pluralizar a participação do povo em todas as fa-
sofrer posteriormente pela mesma falta de ses por que se perpassa a lei, da sua criação até
confiabilidade, uma vez à corrupção presente em uma posterior declaração de inconstitucionalidade,
todos os âmbitos. Com isso, o Judiciário pode ser dando fim à lei, pois a sociedade deve ter papel
legislador de si próprio. ativo na produção legislativa, dando um caráter de
Silva (1992) ensina que, para que haja a de- amicus curiae à criação legislativa.
mocratização do processo interpretativo e de apli- A proposta da sociedade aberta de intérpre-
cação constitucional, faz-se necessária a amplia- tes, embora seja de extrema importância, a sua
ção da comunidade de intérpretes, com a inclusão viabilidade, a efetivação, como democracia con-
de cidadãos, de partidos políticos e de associações, temporânea, não é tão simples. O conceito abarca
sem que se retire a Constituição dos Tribunais, a diversas críticas pontuais, quanto a sua viabilidade
fim de que sejam garantidos os direitos fundamen- uma vez que isso poderia abarcar mais conceitos
tais e a tutela das minorias. complexos que se pode analisar. O sistema de so-
ciedade aberta para interpretação das normas pode
4 O POVO COMO INTÉRPRETE se tornar o inverso de sua base, abrindo possibili-
CONSTITUCIONAL dades para sua inefetividade, ou até mesmo como
um sistema corruptível. Mas é preciso uma dis-
A teoria clássica do Direito Constitucional cussão constitucional para que seja o norte das
apresenta como intérpretes da Constituição ape- realizações para com este sistema.
nas os juízes e tribunais constitucionais. Ou seja, Nesse sentido, para Dworkin (2011), a con-
não caberia demais legitimados proferir aquilo que cepção de Direito Constitucional associada à de-
tenham entendido como sendo a vontade de todo mocracia pressupõe requisitos morais que não são
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suficientemente atendidos pelo processo sentido que elas estariam atuando em caráter
deliberativo majoritário, mas pela resposta certa Legislativo, mas também respondendo aos anseios
sobre direitos fundamentais, a qual é inspirada pelo sociais, propõe-se a participação social no proces-
ideal da igual consideração e respeito, e ajuda a so interpretativo constitucional. Assim, aproxima-
promover a filiação moral de cada pessoa à co- se o Estado, pelos braços do Poder Judiciário, da
munidade política. sociedade. E, por meio dessa interpelação, é
A democracia, para Dworkin (2011), requer conferida uma maior legitimidade a tais delibera-
mais que a garantia da decisão da maioria por meio ções, efetivando a democracia e permitindo uma
de procedimentos formalmente igualitários, exigin- conciliação entre o judiciário e povo como intér-
do incremento de teor substantivo. Considerando pretes e efetivadores da Constituição.
que todos merecem igual respeito e consideração,
os direitos das minorias devem ser resguardados, REFERÊNCIAS
e disso decorre a importância do judicial review.
Assim, faz-se necessária uma interpretação BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz.
constitucional conjunta, na qual os destinatários das Jurisdição constitucional entre
normas e a corte constitucional poderão chegar a constitucionalismo e democracia. Belo
uma justiça que seja democrática. Em sua teoria, Horizonte: Fórum, 2007.
Häberle apresenta uma proposta da participação
efetiva de intérpretes. Por tal proposta, a norma BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito
deve apresentar uma maior característica demo- constitucional. Tomo III. 2. ed. rev. Rio de
crática, aperfeiçoando e aumentando o sentimen- Janeiro: Renovar, 2009.
to de espírito do povo e supremacia do povo na
participação efetiva na política. BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito
constitucional contemporâneo. 2. ed. São
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Paulo: Saraiva, 2010.
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Acadêmica do Quarto Período Matutino do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.
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Ademais, impõe abordagem distinta aos desiguais precisamente, em virtude e como resposta às
na dimensão de suas diferenças, na medida em desigualdades social e econômica da sociedade
que, supridas as discrepâncias, atinja-se a igualda- liberal, que se instalaram no mundo no período pós-
de, de fato. -Segunda Guerra Mundial, constituindo-se como
A primazia do ordenamento jurídico brasilei- núcleo normativo central do estado democrático
ro não é apenas a vida, como bem de valor consti- de direito, como aponta Barreto (2013). Com vistas
tucional supremo, mas um viver com dignidade. a solucionar essa profunda crise de desproporção
Subentende-se um viver em que as pessoas pos- social – subtende-se a dicotomia entre pobres e
sam ter acesso a todos os meios para o seu com- ricos, em que os primeiros sobreviviam com
pleto desenvolvimento. recursos ínfimos e os últimos adquiriam cada vez
O presente estudo acadêmico se destina a mais – emergiu a necessidade de transição do
investigar se a efetivação dos direitos sociais modelo liberal de Estado para o Democrático de
pode ser condicionada à reserva do possível. Direito que se articula por meio de uma democracia
O texto mostrará a abordagem tendo como representativa, participativa e pluralista, além de
substrato as doutrinas, leis e pareceres de estudio- garantir a execução prática dos direitos
sos sobre o assunto tratado. E, por derradeiro, se- fundamentais abrangendo os sociais, por intermédio
rão catalogadas as considerações finais. de métodos apropriados outorgados aos cidadãos,
visando à dignidade humana (MAGALHÃES
2 CONTEXTUALIZANDO OS DIREITOS FILHO apud CARVALHO, 2006).
SOCIAIS Em síntese:
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São, portanto, imperativos que limita e im- Em última análise, Otávio Henrique Martins
põem deveres ao Poder Público a fim de resguar- Port, explica que
dar a população contra a ingerência do Estado,
sendo, em virtude do apresentado, designados como A ideia central que levou à incorporação
liberdades individuais – em consequência das de- dos sociais ao rol dos direitos fundamen-
tais tem seu alicerce na necessidade de que
mandas judiciais relacionadas à efetivação dos di-
a todos sejam garantidas condições míni-
reitos sociais em sua vasta maioria serem de cu- mas de bem-estar, assegurando-se a igual-
nho individual e não coletivo – consoante Piovesan dade de oportunidades, o que está intrin-
(2010). De forma análoga, afirma Lafer (2006, p. secamente ligado ao princípio da solidarie-
127) que “o titular dos direitos sociais continua dade (PORT, 2005, p. 9, apud GONÇALVES,
sendo, como nos direitos civis e políticos, o ho- 2015).
mem na sua individualidade”, consistindo em pres-
suposto substancial para o exercício da cidadania Notadamente, o objetivo é extinguir, ou no
ao disponibilizar circunstâncias materiais e execu- mínimo amainar, as desigualdades existentes.
tar condições fáticas que fomentem a homologa-
ção dessas liberdades. Fato que possibilita meios 2 DIREITOS SOCIAIS E ECONÔMICOS
favoráveis propícios a auferir a isonomia, mais
compatível com o exercício da liberdade (SILVA, Por outro lado, “não é fácil estremar, com
2014). Corroborando tal assertiva, vem a seguinte nitidez, os direitos sociais dos direitos econômicos”
explicação: (SILVA, 2014, p. 288). Conjuntura que pode ser
deslindada com a divergência no que tange aos
Direitos sociais são direitos fundamentais direitos dos trabalhadores pertencerem aos soci-
do homem, caracterizando-se como verda- ais ou aos econômicos – pelo seu inquestionável
deiras liberdades positivas, de observân- vínculo para com a economia. Válido atentar, to-
cia obrigatória em Estado Social de Direito, davia, que a Constituição classifica os supraditos
tendo por finalidade a melhoria de condi-
direitos no rol dos sociais, por ser de conhecimen-
ções de vida aos hipossuficientes, visan-
do à concretização da igualdade social, e to geral que o trabalho é um exercício laboral, tipi-
são consagrados como fundamentos do camente humano, que dignifica o homem por lhe
Estado democrático (MORAES, 2013, p. prover o sustento e demais necessidades. O que,
2013). decerto, conduz ao elo entre os direitos sociais e
econômicos considerando que os últimos também
Depreende-se, então, que tais garantias tencionam proporcionar o suprimento das neces-
objetivam ofertar ao homem como cidadão de di- sidades humanas, agraciando vida digna ao ho-
reito uma condição digna de convívio, relaciona- mem.
mento e sobrevivência dentro da sociedade. O que Nos dizeres de Silva (2014, p. 288):
acaba por demandar a intervenção ativa e frequen-
te dos Poderes Públicos. Evidente que reivindicam O direito econômico tem uma dimensão
do Estado, enquanto ente soberano, um leque de institucional, enquanto os direitos sociais
diversidade de ações e políticas públicas que de- constituem formas de tutela pessoal. O di-
reito econômico é o direito da realização de
vem ter por escopo a efetivação dos direitos soci-
determinada política econômica, ou segun-
ais, que por se enquadrarem na categoria dos sub- do Geraldo Vidigal “é a disciplina jurídica
jetivos, esteiam poderes de exigir. Importa de atividades desenvolvidas nos mercados,
relembrar o já anteriormente mencionado, que em visando a organizá-los sob a inspiração
contraste com os denominados direitos individu- dominante do interesse social”. Os direitos
ais, cujo cerne se respalda em um “não fazer”, um sociais disciplinam situações subjetivas
“não violar”, por parte das demais pessoas princi- pessoais ou grupais de caráter concreto.
palmente no que tange às autoridades públicas, em
contraposição o conteúdo dos direitos sociais acar- Silva agrega ainda a seguinte assertiva:
reta “um fazer”, “um ajudar” por intermédio dos
Pode-se admitir que os direitos econômi-
órgãos estatais (CARVALHO apud SILVA, cos constituirão pressuposto da existên-
2006). Ademais são instituídos pelo texto constitu- cia dos direitos sociais, pois sem uma polí-
cional como “valores supremos.” (BARRETO, tica econômica orientada para a interven-
2013, p. 205). ção e participação estatal na economia, não
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Há embate entre a efetivação dos direitos Ademais, elucida o recém-citado autor que
sociais e a reserva do possível. “O conceito de alguns alegam que a ideia dos direitos sociais está
reserva do possível é uma construção da doutrina alicerçada em expectativas às quais o Estado não
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possui condições de cumprir. O que, na visão de de vida. O que cabe menção ao juízo de Andréas
Barreto (2013), é uma falácia que se embasa no Krell citado por Fernandes (2014, p. 583) para
pretexto de que a efetividade dos direitos sociais quem a “leitura da reserva do possível é falaciosa,
depende da presença de uma economia estável, pois, se os recursos são incontroversamente
na qual as cifras de manutenção das prestações reconhecidos como insuficientes, devemos retirá-
sociais poderiam ser suportadas, simplificando o -los de áreas menos importantes do ponto de vista
intricado sistema econômico e social da do interesse público [...]”. Sobre tal declaração
contemporaneidade. Isto porque “parte do pres- legitima Barreto que é ilusória a racionalidade que
suposto de que somente os países ricos teriam distingue a reserva do possível como limite fático
condições de sustentar políticas sociais consisten- a efetivação dos direitos sociais prestacionais, por
tes e que atendessem aos ideais de justiça social.” esse argumento desconhecer em que pese ser o
(BARRETO, 2013, p. 213). custo consubstancial a todos os direitos
Canotilho (2010, p. 20) anexa, ainda, em sua fundamentais. Salienta o alto custo do conjunto
obra, a informação de que “no banco dos réus está estatal administrativo-judicial exigido para garantia
a célebre política do déficit spending: dos direitos civis e políticos.
endividamento do Estado com a finalidade de fi- Não obstante, a escassez de recursos termi-
nanciar a despesa pública, sobretudo a despesa na por afetar precisamente em razão da unidade
social.”. É a partir dessas premissas que alguns dos direitos humanos tanto os direitos civis quanto
operadores brasileiros do direito vão sustentar que os políticos (BARRETO, 2013). Obsta evocar que
a aplicação de recursos financeiros em defluência em nenhum momento o texto constitucional
à consumação de providências positivadoras de enaltece a importância que se efetive determina-
direitos sociais seria um conteúdo restrito e priva- do direito fundamental em detrimento de outro, uma
tivo das decisões gorvenamentais e parlamenta- vez que o ordenamento jurídico se constitui como
res, condensadas nos planejamentos de políticas um todo, uno, indivisível e harmônico. Aludindo a
públicas e em conformidade as previsões orçamen- Fernandes (2014, p. 575) “os direitos sociais não
tárias (FERNANDES, 2014), que continua lecio- só alargam a tábua de direitos fundamentais, mas
nando: também redefinem os próprios direitos individuais.”.
E “estabelecer uma relação de continuidade entre
A crítica de Dirley da Cunha Júnior é impor- a escassez de recursos públicos e a afirmação de
tante e deve ser marcada, pois, afinal, a
doutrina constitucional brasileira parece
direitos acaba resultando em ameaça à existência
estar deslumbrada pelo modismo e pela de todos os direitos.” (BARRETO, 2013, p. 214).
autoridade da doutrina alemã, importando Em um exame mais apurado do texto consti-
teses e institutos jurídicos sem a menor tucional, como um todo é pertinente citar o Pre-
preocupação de adequação (adaptação) âmbulo da Constituição Federal, que institui um
dos mesmos ao nosso contexto histórico- Estado Democrático destinado a assegurar o
-hermenêutico (FERNANDES, 2014, p. 583).
exercício dos direitos sociais e individuais, além
do bem-estar e desenvolvimento. Portanto, se o
Pode-se deduzir, então, que o princípio da
Estado não assegura tais direitos, está passando
“reserva do possível” nada mais é que uma
hipocrisia decorrente de um Direito Constitucional por cima de todo fundamento basilar da democra-
Comparado equivocado, no aspecto em que o cia social e representativa. O que representa, “em
cenário social brasileiro não se compara ao dos última análise, ignorar a exigência estabelecida no
países consignatários da União Europeia onde próprio Preâmbulo da Constituição de 1988.”
vigora a máxima da igualdade material. Informação (BARRETO, 2013, p. 212). Oportuno mencionar
prontamente testificada por Barreto (2013) que Cunha Júnior (2008), para quem “nem a reserva
constata serem estas justificativas arcaicas, com do possível, nem a reserva de competência orça-
vistas a eximir o Estado enquanto ente soberano mentária do legislador, podem ser invocados como
de suas responsabilidades, dado ao desnível da óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento e
realidade político-social da Alemanha pós-Segunda à efetivação de direitos sociais originários a pres-
Guerra Mundial e Brasil atual – em que este último tações.”. Compreende-se que o referido princípio
atravessa um momento de constantes crises sociais da reserva do possível denotaria, por conseguinte,
com a maioria das pessoas sendo socialmente um instrumento restritivo à exequibilidade dos di-
excluídas, vivendo à margem e sem perspectivas reitos fundamentais e sociais.
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tre normas jurídicas alusivas a progênie financei- vedação às medidas que fiquem aquém desse pa-
ra, tributária, administrativa e econômica do Direi- tamar. Além do mais, mediante a supressão de dado
to e normas imediatamente vinculadas aos direitos direito social, será também deflorado, a depender
fundamentais, as últimas nunca podem ceder às do caso, a própria dignidade, o que desde logo se
primeiras, sob penalidade de converter o ser hu- mostra como inadmissível. Portanto, a dignidade
mano em meio de satisfação de políticas públicas, situa-se no âmago da batalha contra o risco de
violando-lhe os direitos fundamentais e sua digni- desumanização (BARRETO, 2013), por ser um
dade primordiais do modelo do Estado Democráti- valor que norteia todo o corpo jurídico asseguran-
co de Direito, à qual toda norma deve se do a todos os cidadãos, os direitos a eles ineren-
contextualizar, aponta Gomes (2014). Pois, “a dig- tes.
nidade humana encontra-se na ordem daquilo que Em última análise, levando em consideração
não é demonstrável, mas existe como pré-condi- a natureza jurídica da dignidade humana, consta-
ção.” (BARRETO, 2013, p. 67). ta-se de que não se trata de um direito subjetivo,
Nítido reparar que “o conceito de dignidade mas ela possui competência para exigir que esses
humana repousa na base de todos os direitos fun- direitos sejam reconhecidos para o indivíduo
damentais (civis políticos e sociais)” – pontifica (BARRETO, 2013). E como proferido por Sarlet
Delpérée (apud Carvalho, 2006, p. 463), consa- (apud Carvalho, 2006,) “os direitos fundamentais
grando, assim, na redação constitucional um direi- representam explicitações da dignidade humana já
to de resistência em favor do homem. Conclui-se, que em cada direito fundamental há um conteúdo
então, que “a dignidade da pessoa humana, na sua e uma projeção da dignidade da pessoa.”, que a
acepção jurídica, não pode ficar restrita a campos permite gozar o dom da vida de forma digna, pois
definidos pelo direito positivo, mas pressupões para nada é tão belo quanto viver. Não importa a cor da
a sua materialização jurídica perspectivas mais pele, a nacionalidade, o físico, ou a moradia, nin-
amplas que permite o espaço jurídico positivado.” guém ocupa o lugar de ninguém no palco da vida
(BARRETO, 2013, p. 64-65). (CURY, 2002), sintetizando nas palavras de
Eldeman (apud BARRETO, 2013) no sentido de
No âmbito da Constituição brasileira de que a liberdade é a essência dos direitos humanos
1988, a dignidade da pessoa humana é o e a dignidade a essência da humanidade.
fundamento de todo o sistema dos direitos
fundamentais, no sentido de que estes cons-
tituem exigências, concretizações e desdo-
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
bramentos da dignidade da pessoa e que
como base nesta é que aqueles devem ser Considerando todo o relatado, capta-se que
interpretados (CARVALHO, 2006, p. 465). a finalidade do presente trabalho não foi esgotar o
tema discutido e tampouco se devota a uma pes-
Por conseguinte, a dignidade é basicamente quisa acadêmica em prol de mera satisfação inte-
um direito que irrompe em mister da lectual por meio de análise, comparação e expli-
imprescindibilidade de se atestar os outros direitos cação de textos, leis e doutrinas. Assume, antes,
da pessoa, que se situem além dos individuais, cons- relevância eminentemente prática e útil, por pro-
tituindo a fonte legitimadora de todos os demais duzir um esquadrinhamento da atual realidade so-
direitos (BARRETO, 2013). Pois, abarca não so- cial, auxiliando e esclarecendo tanto aos operado-
mente os direitos individuais como também os de res do Direito quanto àqueles que se interessam
cunho econômico, social e cultural. No Estado pelo assunto em pauta.
Democrático de Direito a liberdade não é mera- Das informações elencadas, presume-se que
mente negativa (ausência de constrangimento), os direitos sociais asseguram uma existência hu-
mas liberdade positiva que se funda na desoneração mana digna alicerçada na promoção da justiça so-
de obstáculos que possam impedir a completa re- cial, tratamento isonômico e respeito à manifesta-
alização da personalidade humana (CARVALHO, ção material da liberdade, além de consagrar o
2006). Estado Democrático de Direito no qual os direitos
Em consonância ao exposto, arrazoa Sarlet sociais obtiveram tutela máxima e efetiva.
(2010) que a dignidade da pessoa humana, deman- Não obstante, são cláusulas pétreas, não po-
da por meio de prestações positivas (direitos fun- dendo ser limitados ou relegados, dada à
damentais sociais) uma existência condigna para inexistência de motivos e argumentos que legiti-
todos. O que, consequentemente, implica em uma mem a limitação de seus efeitos. Portanto,
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condicioná-los ao princípio da reserva do possível GOMES, Marcelo Kokke. O ser humano como
seria, antes de qualquer coisa, afastar-lhes da for- fim em si mesmo: imperativo categórico como
ça normativa, contrariando o disposto no próprio fundamento interpretativo para normas de
texto constitucional por meio de uma tese do Di- imperativo hipotético. Revista Jus Navigandi.
reito Comparado que visa justificar as omissões Teresina, ano 9, n. 326, maio 2004. Disponível
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Em síntese, não se deve importar teses de-
senvolvidas no exterior por intermédio do Direito GONÇALVES, Leonardo Augusto. Origens,
Comparado sem a medida cautelar de adaptá-las conceito e características dos direitos sociais:
às necessidades do povo brasileiro. Afinal, o Di- uma análise das consequências do déficit na
reito é um produto social que regula a vida em segunda dimensão. Juris Way, Belo Horizonte,
sociedade. Portanto, deve haver uma relação har- 2009. Disponível em: <http://
mônica entre o Direito e seus destinatários, o que www.jurisway.org.br/3317>. Acesso em: 23 mar.
só é possível quando a realidade se torna um re- 2015.
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RESUMO 1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como finalidade analisar Buscando a necessidade de garantir as li-
os direitos do herdeiro especial frente à vocação berdades do cidadão afirmado pela Constituição e
hereditária, buscando uma equiparação entre as agregado aos direitos fundamentais e valorativos
garantias do cônjuge e do companheiro como as do ser humano, o Código Civil de 2002 contém um
tratadas constitucionalmente, sem distinção ou hi- Livro específico sobre a união estável, em seus
erarquia de direitos, conforme previsões legislativas artigos 1.723 a 1.727. Às regras referidas se junta
no que tange à sucessão. Através de apontamen- a orientação jurisprudencial e doutrinária, além de
tos citados no referido estudo, observa-se a evolu- regulares leis específicas sobre o regime de co-
ção que o tema adquiriu no decorrer do tempo até munhão, a saber: Lei 8.971/94 e Lei 9.278/96, já
os dias atuais, como os posicionamentos dos julga- revogadas parcialmente.
dos no que tange à constitucionalidade do artigo A união estável assume papel essencial na
1.790 do Código Civil e também no que diz respei- sociedade contemporânea, pois se realiza como
to à situação da entidade familiar. Desta forma, unidade fundamental de família, consolidando o
propõe-se uma interpretação inclusiva de direitos direito fundamental constitucional. E dá suporte
em razão da atual situação do companheiro, pre- para significativo feixe jurisprudencial e para a
valecendo perante o direito sucessório medidas construção de direitos.
garantidoras, conforme os ditames da Justiça. Há necessidade de tratar do surgimento dos
direitos da união estável, da busca incessante de
Palavras-chave: União Estável. Herdeiro Espe- garantia constitucional que se viabiliza na obten-
cial. Direito Sucessório. ção e na efetivação da sua tutela, como mecanis-
mo utilizado para que outras garantias possam ser
ABSTRACT desfrutadas no decorrer dos anos. Uma dessas
garantias, assegurada nos dias atuais, pode se
This study aims to analyze the rights of special heir materializar na classificação da união estável como
front heredity, seeking a match between the entidade familiar amparado pelo Direito de Famí-
guarantees of spouse and partner treated as lia.
constitutionally, without distinction or hierarchy of O presente Artigo também apresenta deta-
rights, according to legislative predictions regarding lhes quanto à discussão doutrinária e jurisprudencial
the succession. Through notes cited in the study, acerca da evolução do Direito Sucessório, tentan-
we observed the evolution of the subject acquired do sanar a diferença, existente na legislação bra-
through time to the present day, as the positions of sileira, em relação ao cônjuge frente à figura do
justices regarding the constitutionality of Article companheiro. Jurisprudência que, muitas vezes,
1790 of the Civil Code and also regarding the status vem impedindo que se desdobrem injustiças acer-
of the entity family. Given this it proposes an inclu- ca do herdeiro especial nas relações jurídicas
sive interpretation of rights due to the current sucessórias e garantindo a proteção da herança
situation mate, prevailing inheritance law against ao companheiro, em igualdade de condições àquela
guaradictates of Justice. dada ao cônjuge, prevista no artigo 1.809 do Códi-
go Civil, de forma que independente do núcleo
Keywords: Stable Union. Special heir. Succession familiar, tenha sustentação legal dos direitos dos
Duty. seus membros.
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em comum sobre o mesmo teto, ‘more uxório’, que se tem é o concubinato, como já restou dito.
não é indispensável à caracterização do E, quanto a este formato, em julgados, o Superior
concubinato.”. Tribunal de Justiça (STF) restringiu os direitos, ou
Por mais que tenham sido adquiridos direitos melhor, os efeitos patrimoniais, sendo afastada a
através das Súmulas anteriormente transcritas, a indenização pelos serviços prestados pela
relação de concubinato ainda não garantia direitos concubina. No entanto, a única garantia a favor
aos alimentos, passando a jurisprudência brasilei- da concubina, nos dias atuais, é o direito à partilha
ra a adotar os posicionamentos dos Tribunais fran- do patrimônio adquirido, comprovadamente, pelo
ceses, que reconheciam ao concubinato o direito à esforço comum. Orientação do STJ no que tange
indenização por serviços domésticos e sexuais a este direito pode ser vista no seguinte Acórdão:
prestados, sendo um significativo avanço que mais
tarde passou a Corte Máxima de Justiça a reco- [...] Inviável a concessão de indenização à
nhecer outros direitos como a inventariança. concubina, que mantivera relacionamento
com homem casado, uma vez que tal provi-
A competência para julgar as demandas re-
dência eleva o concubinato a nível de pro-
lacionadas ao concubinato era da Vara Cível, de- teção mais sofisticado que a existente no
vido não se configurar como entidade familiar (da casamento e na união estável, tendo em
competência das Varas de Família). Antes, porém, vista que nessas uniões não se há de falar
do tratamento por parte da legislação, começaram em indenização por serviços domésticos
alguns benefícios a ser atribuídos pelos Tribunais. prestados, porque, verdadeiramente, de
Foi com o advento da Constituição Federal serviços domésticos não se cogita, senão
de uma contribuição mútua para o bom fun-
de 1988 que o concubinato passou a ter a altitude cionamento do lar, cujos benefícios ambos
de entidade familiar, sendo submetido ao Direito experimentam ainda na constância da união.
de Família, ganhando um aparato estatal, passan- 1 - Na verdade, conceder a indigita indeni-
do o concubinato puro (pessoas que não queriam zação consubstanciaria um atalho para se
se casar) à condição de união estável. atingir os bens da legítima, providência
A Lei 8.971/94 passou a disciplinar o direito rechaçada por doutrina e jurisprudência. 2
- Com efeito, por qualquer ângulo que se
dos companheiros à sucessão e aos alimentos, tra-
analise a questão, a concessão de indeni-
zendo como requisito da união estável que os com- zações nessas hipóteses testilha com a pró-
panheiros fossem solteiros, divorciados ou viúvos pria lógica jurídica adotada pelo Código
e que houvessem uma convivência entre ambos Civil de 2002, protetiva do patrimônio fami-
de, pelo menos, cinco anos, ou a existência de fi- liar, dado que a família é a base da socieda-
lhos. de e recebe especial proteção do Estado
(art. 226 da CF/88), não podendo o Direito
Com a Lei 9.278/96, sem desconsiderar a Lei
conter o germe da destruição da própria
anteriormente citada, excluiu a convivência míni- família (STJ, Ac. unân. 4.ª T. REsp. 988.090/
ma de cinco anos passando a considerar como MS, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, j. 2.2.10,
requisitos da união estável a convivência duradou- DJe 22.2.10).
ra, pública, contínua entre o homem e a mulher
com o intuito de constituir família. Focando no âmbito regional, o Tribunal de
A partir do Código Civil de 2002, em seu art. Justiça do Estado de Minas Gerais vem mudando
1.727, o sistema optou em não conferir os efeitos seu posicionamento, por meio da decisão que deu
jurídicos aos concubinos como alimentos, herança, provimento ao recurso, garantindo a
habitação, estabelecimento de vínculo de constitucionalidade do artigo 1.790 do Código Ci-
parentesco por afinidade, sendo tratado pelo Direito vil. É o que se pode ver em análise à seguinte trans-
Obrigacional. Porém, a união estável recebeu crição jurisprudencial:
qualidades de casamento, em termos patrimoniais,
inclusive quanto à possibilidade de, ao ser AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO
formalmente constituída – extrajudicialmente, por DAS SUCESSÕES - UNIÃO ESTÁVEL -
escritura pública de união estável, lavrada em ART. 1.790, CÓDIGO CIVIL -
Tabelionatos de Notas, ou perante o Poder CONSTITUCIONALIDADE. 1 - A opção do
legislador em dispensar tratamento díspar
Judiciário – ser eleito regime patrimonial quanto
para regular a sucessão do companheiro,
aos adquiridos pelo casal durante a vigência da que está prevista no art. 1.790, CC, não vio-
convivência. la a Constituição da República. 2 - Recurso
Não se qualificando como união estável, o provido. (TJ-MG - AI: 10024121771752001
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MG, Relator: Jair Varão. Julgamento: 27/03/ Art. 1.790. A companheira ou o companhei-
2014, Câmaras Cíveis / 3.ª Câmara Cível. ro participará da sucessão do outro, quan-
Publicação: 22/04/2014). to aos bens adquiridos onerosamente na
vigência da união estável, nas condições
Já para o Poder Judiciário do Rio Grande do seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá
Sul, não houve essa evolução se associando aos
direito a uma quota equivalente à que por
demais posicionamentos, desprovendo os recursos lei for atribuída ao filho;
no que tange a ação de união estável no direito II – se concorrer com descendentes só do
sucessório, como visto na seguinte amostra: autor da herança, tocar-lhe a metade do que
couber a cada um daqueles;
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO III – se concorrer com outros parentes
CIVIL. SUCESSÃO. AÇÃO DE INVENTÁ- sucessíveis, terá direito a um terço da he-
RIO. O DIREITO SUCESSÓRIO DO COM- rança;
PANHEIRO ESTÁ DISCIPLINADO NO IV – não havendo parentes sucessíveis, terá
ART. 1.790 DO CC, CUJO INCISO III NÃO direito a totalidade da herança.
É INCONSTITUCIONAL. TRATA-SE DE
REGRA CRIADA PELO LEGISLADOR OR- Conforme observa Tartuce (2014, p. 248) “a
DINÁRIO NO EXERCÍCIO DO PODER
norma está mal colocada, introduzida entre as dis-
CONSTITUCIONAL DE DISCIPLINA DAS
RELAÇÕES JURÍDICAS PATRIMONIAIS posições gerais do direito das sucessões”. O tra-
DECORRENTES DE UNIÃO ESTÁVEL. tamento dado à união estável não incluiu na ordem
NEGADO SEGUIMENTO. (TJRS - Sétima de vocação hereditária o companheiro, por não
Câmara Cível. AI 70055608160 RS. Relator: constar este dispositivo no projeto original do Có-
Liselena Schifino Robles Ribeiro. Data de digo Civil de 2002. Percebe-se ainda em um pri-
Julgamento: 18/07/2013. Data de Publica-
meiro momento que “o caput do comando enun-
ção: Diário da Justiça do dia 22/07/2013).
cia que somente haverá direitos quanto aos bens
adquiridos onerosamente durante a união.”
Deve-se lembrar, em resumo, que os alimen-
(TARTUCE, 2014, p. 249).
tos em relação a conviventes estão assegurados
Assim durante a existência da união estável,
pelas Leis 8.971 e 9.278. O que acaba por se apli-
comunicam-se os bens adquiridos por um ou am-
car aos concubinos. O que ainda não recebe tra-
tamento em lei especial é a sucessão. bos os companheiros, excluindo-se os bens havi-
dos a título gratuito, como doação e sucessão.
4 A SITUAÇÃO DA COMPANHEIRA NA “Deve ficar claro que a norma não está tratando
VOCAÇÃO HEREDITÁRIA de meação, mas de sucessão a herança, indepen-
dentemente do regime de bens adotado.”
A união estável solidificou-se e está ampa- (TARTUCE, 2014, p. 1.392).
rada por égide constitucional, estabelecendo que a Diferentemente dos direitos que foram con-
lei facilitará a conversão da união estável em ca- feridos ao cônjuge, a sucessão do companheiro está
samento. Sendo assim, não há nenhum modo no restrita a uma parte da quota, igualmente àquela
intuito hierárquico entre as duas modalidades. Mas, atribuída ao descendente do falecido, em caso de
há divergência doutrinária quanto a sua equipara- concorrer com os filhos comuns, ou a metade da
ção, pelo menos quanto aos direitos sucessórios. quota, se concorrer com os filhos somente por parte
Em razão disso, o cônjuge concorre com os do autor da herança. A maior diferença entre as
descendentes do autor da herança, conforme pre- duas modalidades de união em que em caso de
visto no artigo 1.829, I do Código Civil de 2002, e concorrência com outros parentes, colaterais até
em caso de concorrer com os ascendentes do fa- o quarto grau, quando o companheiro terá direito a
lecido até a terceira classe, recebe a integralidade apenas um terço dos bens deixados (FARIAS,
da herança em relação a todos os bens, indepen- ROSENVALD, 2014, p. 525).
dentemente do regime de bens do casamento. Ressalta-se, aqui, a importância de uma
Mesmo a união estável sendo legítima, pois reformulação interpretativa com relação às regras
tem sua instituição prevista em lei, o companheiro, do Direito hereditário do companheiro. Quando se
dito com herdeiro especial, não está elencado jun- trata de união estável entre os indivíduos, sejam
tamente com os herdeiros previstos no artigo 1.829. do mesmo sexo ou não, no caso de apenas um
Encontra-se inclusão no seu Direito Sucessório no possuir um vasto patrimônio e em decorrência de
artigo 1.790 do Código Civil, conforme redação: um lapso temporal de dez, quinze anos juntos, mes-
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mo que este venha a falecer, o companheiro so- Sendo assim, torna-se necessário um novo
brevivente não terá direito à meação (pois os bens olhar dos legisladores brasileiros acerca do direito
não foram adquiridos na constância da união está- sucessório daqueles que vivem em união estável,
vel) e nem mesmo à herança (sendo que é neces- cabendo, antes de tudo, uma interpretação da Lei
sário que a ocorrência tenha sido a título oneroso). Maior, cobrando dos Tribunais uma pronta atua-
Detecta-se ainda que, segundo a doutrina, ção, garantindo assim a proteção efetiva do Esta-
“limitando o direito hereditário do companheiro aos do conferida à família.
bens adquiridos onerosamente durante a constân-
cia (chamados de aquesto), além de implicar em 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
injustificável discriminação do companheiro.” (FA-
RIAS; ROSENVALD, 2014, p. 517). Em caso de Como cediço, a união estável é reconhecida
negar esse direito, estará ignorando a realidade da no ordenamento brasileiro como entidade familiar.
maioria da população brasileira. De fato, o casamento e a união estável não são
E completam os autores: sociedades iguais, mas não há hierarquia entre eles.
Além disso, o Código Civil de 2002 traz um capítu-
Exemplificando: se imaginar um homem que
vem morrer deixando um sítio, que possuía
lo próprio sobre a união estável, contendo um con-
antes de iniciar a união estável e onde resi- junto de direitos relativos aos companheiros, como
dia e retirava o sustento com a sua compa- também o polêmico art. 1.790, que trata do direito
nheira, com quem dividiu a vida durante sucessório do companheiro.
mais de trinta anos, não tendo deixado qual- Dentre decisões dos Tribunais de Justiça es-
quer outro bem, nem deixando descenden-
taduais já se verifica uma mudança jurisprudencial
tes ou ascendentes, tem-se, segundo o
Código Civil (art. 1.790) que seus colaterais acerca do tema, que busca solucionar a desigual-
(imagine-se os seus primos) ficarão com o dade no caso do direito sucessório do companhei-
sítio, enquanto a companheira não fará jus ro, analisadas as divergências entre os Tribunais
a nada! Efetivamente, esse absurdo está de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Os
consagrado no direito brasileiro e precisa Acórdãos transcritos mostram que a interpreta-
ser repelido (FARIAS; ROSENVALD, 2014,
p. 517-518).
ção relacionada à equiparação entre as entidades
familiares ainda não é pacífica. Mas, os Tribunais,
De fato, não se pode negar o direito real do em dias mais atuais, têm concedido ao companhei-
companheiro de sucessão, visualizando uma ro a garantia dos direitos hereditários mesmo que
inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código não previstos no Código Civil de 2002, mas ampa-
Civil, defendendo assim o Estado Democrático de rado constitucionalmente.
Direito e a igualdade sucessória ente os cônjuges Observa-se, então, que a jurisprudência tem
e companheiros, baseando-se no art. 3.º, inciso I, se posicionado de forma favorável à situação do
da Constituição Federal de 1988. companheiro, interpretando relativamente o artigo
Conforme entendimento jurisprudencial já é 1.790 do Código Civil de 2002 e aplicando as me-
possível identificar uma correspondência com a didas mais benéficas previstas nas Leis 8.971/94
norma constitucional: e 9.278/96.
Em meio às formas discriminatórias tratadas
Sucessão – União Estável – no Código Civil de 2002, e visando à igualdade de
Inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC direitos previstas independentemente da configu-
diante do tratamento paritário entre a união ração da entidade familiar, há uma expectativa de
estável e o casamento por força do art. 226
da CF. [...] as regras sucessórias previstas consolidação das garantias previstas constitucio-
para a sucessão entre companheiros no nalmente que asseguram o tratamento indistinto
novo Código Civil são inconstitucionais. entre o herdeiro especial e o cônjuge.
Na medida em que a nova lei substantiva
rebaixou o status hereditário do companhei- REFERÊNCIAS
ro sobrevivente em relação ao cônjuge
supérstite, violou os princípios fundamen-
tais da igualdade e dignidade (TJ/RS, Ac. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
unân. 8.ª Câm. Cív. Ag. Instr, 70009524612, República Federativa do Brasil. Brasília: Senado,
Rel. Des. Rui Portanova, j. 18.11.04). 1988.
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RESUMO 1 INTRODUÇÃO
1
Acadêmico do Sexto Período do Curso de Direito da Faculdade de Direito Santo Agostinho.
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ramo do Direito Público que disciplina o exercício obedecerá aos princípios da legalidade,
da função administrativa, bem como pessoas e impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência [...] (grifos nossos).
órgãos que a desempenham.”. Corroborando com
estes, Carvalho Filho (2014, p. 8) assevera como
sendo “o conjunto de normas e princípios que, vi- O princípio da legalidade consiste na subor-
sando sempre ao interesse público, regem as rela- dinação à lei e não-contradição à lei. Noutros ter-
ções jurídicas entre as pessoas e órgãos do Esta- mos, só existe a atuação da Administração Públi-
do e entre este e as coletividades a que devem ca se houver previsão legal. A impessoalidade, ou
servir.”. Inobstante a diferença das palavras, atra- “não-discriminação”, consagra as práticas do Es-
vés de uma interpretação teleológica se chega-se tado por meio do agente público, não se confun-
que os mestres supramencionados sindicalizam o dindo com tal pessoa. A moralidade ressalta a le-
mesmo escopo: a supremacia do interesse públi- aldade, a honestidade, ou seja, a não corrupção no
co. trato com a atividade pública. A publicidade é a
Ademais, de nada convêm conceitos se não garantidora da transparência, é o controle da efi-
ofertados os mecanismos para realização do obje- cácia dos atos administrativos, excetuando-se os
tivo idealizado, e estes nada mais são que os prin- atos que pela intimidade e segurança que necessi-
cípios constitucionais e o regime jurídico adminis- tam, inviabilizem a perpetuação do referido princí-
trativo. pio, justificando a inaplicabilidade por meio da pon-
Em brilhante raciocínio, e com agudeza pe- deração dos interesses envolvidos.
culiar, preleciona Mello: Desta feita, em síntese apertada, abordam-
-se aqueles constantes no artigo retromencionado,
Princípio é, pois, por definição, mandamen- executando-se o princípio da eficiência, que será
to nuclear de um sistema, verdadeiro alicer- tratado com especificidade, adentrando a reforma
ce dele, disposição fundamental que se ir- administrativa, guardando para o próximo parágra-
radia sobre diferentes normas, compondo- fo dois outros, que por justificarem todo o regime
lhes o espírito e servindo de critério para administrativo, ganham espaço neste trabalho.
exata compreensão e inteligência delas, exa-
Decorrentes da busca pelo interesse públi-
tamente porque define a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, con-
co, os princípios da supremacia e indisponibilidade,
ferindo-lhe a tônica de que lhe dá sentido em fina sintonia, fornecem ao Estado o poder
harmônico. Eis porque: violar um princípio extroverso, ou seja, a restrição de direitos indivi-
é muito mais grave que transgredir uma duais na busca do interesse da coletividade, bem
norma. A desatenção ao princípio implica como a garantia de que o administrador não se
ofensa não apenas a um específico manda- empenhará em interesses individuais em detrimento
mento obrigatório, mas a todo o sistema de
comandos. É a mais grave forma de ilegali-
do interesse público. Destarte, resta o princípio da
dade ou inconstitucionalidade, conforme o eficiência.
escalão do princípio violado, porque repre-
senta insurgência contra todo sistema, sub- 2.1 Princípio da Eficiência
versão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço A busca pela eficiência atravessou séculos e
lógico e corrosão de sua estrutura mestra
mudou a história, sempre no intuito de impulsionar
(MELLO, 2014, p. 54).
as possibilidades de garantia de excelência na
Nesta necessária reflexão sobre o significa- realização dos fins do Estado, de forma concreta,
do de princípios, que se faz inesgotável pela pro- direta e imediata.
fundidade de virtudes que lhe são conferidos, pode- Negritou-se no artigo 37 da Constituição,
se iniciar breves comentários sobre os que alhures, a palavra eficiência. Passa-se a análise
embasam a Administração Pública. de suas diferentes conotações, visto que o
Citam-se e definem-se aqueles constantes na gerencialismo a aprecia como chave-mestra para
atual Constituição, especificamente os pertencen- alcance dos escopos da Reforma, epicentro da
tes ao artigo 37, caput, in verbis: pesquisa.
Em brilhante dissertação de mestrado, Oli-
A administração Pública direta e indireta de veira (2013) esmiúça as raízes da palavra eficiên-
qualquer dos Poderes da União, dos Esta- cia, aduz a sua origem, perpassa a sua utilização,
dos, do Distrito Federal e dos Municípios bem como assevera sobre as dissonâncias entre
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eficiência, eficácia e efetividade, até se chegar à mento a trajetória histórica na perseguição da efi-
aplicação na seara administrativa. Sustentada pelo ciência, esta já compreendida em todas as suas
artigo “The origins and restriction of efficiency formas. Será que realmente se está empregando
in public administration: regaining efficiency as o verdadeiro valor do princípio da eficiência?
the core value of public administration”, de Van
der Meer e Rutgers (2010), a autora ressalta as 3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ideias aristotélicas, guiando o significado de efici- PATRIMONIALISTA, BUROCRÁTICA
ência ao encontro da teoria da causalidade, E GERENCIAL
explicitando que a atribuição da palavra como “for-
ça motriz” enveredou a Administração Pública no Salienta-se que este tópico será guiado a
século 20. partir dos estudos de Neves (2010), que preleciona
Nesse sentido, as associações entre causa e em valioso artigo a reforma administrativa de
efeito presentes na teoria da causalidade, revelam 1995-1998 sob a óptica de Max Weber. Será agre-
de acordo com Van der Meer e Rutgers (2010, gado a este ínterim, também, as anotações do ex-
apud OLIVEIRA, 2013, p. 43), que: Ministro da Administração Federal e Reforma do
Estado, Pereira (1997), trazendo à baila a trajetó-
a eficiência está sempre ligada a um propó- ria para a mudança de paradigma.
sito ou causa final: fim de alguma coisa Através dos estudos de Weber, em que esse
(telos). O efeito real (alteração ou saída do
utiliza a dominação como elemento da ação social
repouso) da causa eficiente pode ou não
resultar na realização da causa final (a lei
(essencial), compreende-se as raízes sociológicas
pode falhar...). Fazendo um salto no tempo, da Administração Pública patrimonialista
isso significa que um gestor (agente efici- (tradicional) e burocrática (legal).
ente) pode ou não realizar as tarefas que Dentre os modelos de dominação, perfeita-
lhe são atribuídas. mente enquadráveis no meio administrativo, reser-
va-se dois, quais sejam: tradicional e legal, como
Nesse contexto, Oliveira (2013, p. 43-44) traz se vê, a seguir:
à baila o raciocínio feito por Benthan (1817) que,
ampliando o viés da teoria da causalidade, dife- No modelo tradicional a característica da
rencia eficiência e efeito, aduzindo que “enquanto impessoalidade, que é característica do tipo
a primeira se refere à produção, a última diria res- burocrático, deixa de existir, não havendo o
peito aos resultados ou efeitos que poderiam ou dever de servir à determinada finalidade
objetiva e impessoal mediante a obediên-
não servir à finalidade (causa final) da ação”.
cia de ordens abstratas que legitimam a
Desta feita, “a eficiência é, portanto, entendida conduta do dominado. Ao contrário, as
como um atributo capaz de contribuir para os fins normas que devem ser obedecidas têm o
perseguidos, e não como uma relação econômica caráter da pessoalidade e são ditadas pelo
entre recursos e resultados.”. Destarte, evidente mandante, tendo como fundamento a [...]
que a elevação dessa palavra ao status de princí- tradição; a crença na inviolabilidade daqui-
lo que foi assim desde sempre (NEVES,
pio não deve levar em conta apenas a produção
2010, p. 1).
com menores gastos possíveis (economicidade),
mas também efeitos que se traduzam em qualida-
Desta feita, pode-se elencar como caracte-
de e efetividade na vida da população.
rísticas do modelo patrimonialista a
Por derradeiro, indispensável a compreensão
discricionariedade do dominador (senhor), a
que Oliveira (2013, p. 45) propicia ao concluir que
inexistência de competência, a meritocracia em
a Administração, em seus diferentes aspectos e
segundo plano, prevalecendo indicações e nomea-
objetivos, sejam os de fortalecimento financeiro ou
ções para funções públicas. Trocando em miúdos,
a construção/manutenção de uma imagem sólida
sob um critério do “privilégio”. Esse modelo foi
e confiável, deve-se utilizar dos meios adequados
empregado pela nação lusitana no domínio do Bra-
(eficiência) para o alcance dos melhores resulta-
sil, e, com as transformações proporcionadas pelo
dos (eficácia), acompanhando a marcha do tempo
tempo, modificou-se, mas deixou como herança o
para se renovar e se aprimorar às demandas soci-
próximo modelo a ser analisado, o burocrático, em
ais, tornando a efetividade mais próxima da reali-
que a eficiência aparece, só que ainda tímida.
dade dos indivíduos.
O modelo burocrático (legal), em
Feita esta singela análise, culmina neste mo-
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contrapartida ao patrimonialista, possuía como ca- prestação de serviços. Resta saber se estas refor-
racterísticas determinantes as competências, atra- mas estão de acordo com um contexto social ou
vés das leis ou regulamentos administrativos. A se foram eleitas para beneficiar alguns poucos.
hierarquia de cargos e de instâncias prosperava, Passa-se a análise do modelo gerencial, per-
havendo clara distinção entre público e o privado, correndo suas peculiaridades.
acarretando em especialização e exclusividade do
funcionário com a Administração Pública. Esse 3.1 Administração Pública Gerencial
modelo se evidenciou no Brasil com a Revolução
de 1930, em que o Estado Novo colocou como Em janeiro de 1995 assumiu o Ministério da
primazia as características acima descritas, racio- Administração Federal e Reforma do Estado, no
nalizando os meios (eficiência), mas olvidando a Governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002),
efetividade na gestão administrativa em aspecto Luís Carlos Bresser Pereira. E ninguém melhor
geral, ou seja, ineficiência latente para produção do que o próprio ex-Ministro para desenhar as
de efeitos (eficácia). características da “nova administração pública”,
Nestes termos, percebe-se a análise acurada quais sejam: orientação da ação do Estado para o
de Max Weber nas reformas que a sociedade cidadão usuário; o enfoque no controle dos resul-
implementava, observando os reflexos de seus tados por meio dos contratos de gestão; a amplia-
estudos nos modelos administrativos desenvolvi- ção e o fortalecimento da burocracia estatal, valo-
dos no Brasil pré-reforma gerencial. Em corres- rizando os trabalhos técnico e político, agregados
pondência ao tema, pontificou Pereira (1997, p. no intuito de formulação das políticas públicas; a
41) que: separação entre as secretarias de políticas públi-
cas centralizadas pelo Estado das unidades des-
É importante apenas assinalar que a admi- centralizadas; criação das agências executivas
nistração pública burocrática, que Weber para realização das atividades exclusivas de Esta-
descreveu como uma forma de dominação
do, e os serviços sociais e científicos de caráter
“racional-legal”, trazia embutida uma con-
tradição intrínseca. A administração buro-
competitivo, em que o Estado não se pode envol-
crática é racional, nos termos da ver; transferência para o setor público não-estatal
racionalidade instrumental, na medida em dos serviços sociais e científicos competitivos;
que adota os meios mais adequados (efici- adoção conjunta de controles, seja através dos
entes) para atingir os fins visados. É, por contratos de gestão ou diretamente pela socieda-
outro lado, legal, na medida em que define de; terceirização das atividades auxiliares ou de
rigidamente os objetivos e os meios para
atingi-los na lei. Ora, em um mundo em ple-
apoio, mediante licitações.
na transformação tecnológica e social, é Nesse ínterim, de acordo com Pereira (1997,
impossível para o administrador ser racio- p. 44) o escopo seria diminuir o tamanho da atua-
nal sem poder adotar decisões, sem usar de ção Estatal, porém tornando-o mais forte finan-
seu julgamento discricionário, seguindo ceiramente, evitando crises fiscais, que assolaram
cegamente os procedimentos previstos em o país na década de oitenta, bem como a
lei. No século dezenove, quando a admi-
estruturação de sua área de atuação, mantendo
nistração pública burocrática substituiu a
patrimonialista, isto representou um gran- um núcleo estratégico de decisões, auxiliadas por
de avanço no cerceamento da corrupção e uma burocracia capaz e motivada.
do nepotismo. Entretanto, no século vinte, Diante o exposto, resta percorrer a ambiência
quando o Estado cresceu e assumiu novos que propiciou a Reforma Administrativa de 1998,
papéis, ficou patente a ineficiência ineren- traçando as influências da globalização até a Emen-
te a esse tipo de administração. Ao mesmo
da Complementar 19/1998.
tempo que a burocracia estatal, ou seja, o
conjunto de administradores públicos pro-
fissionais, via sua posição estratégica na 4 A REFORMA ADMINISTRATIVA DE
sociedade aumentar, ficava claro que se 1998: DA GLOBALIZAÇÃO ÀS NOVAS
tornava necessário adotar novas formas. INSTITUIÇÕES
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Nesse sentido, o mentor da reforma em tela Sob o prisma dos contratos de gestão, faz-se
preconizava que com a perda de autonomia do necessária a exposição de motivos que o fizeram
Estado, pela globalização, as crises fiscais esgota- surgir, para ponderação de críticas. Nesse bordo,
vam as formas de intervenção, acarretando em há as seguintes palavras:
obsolescência do modelo burocrático de adminis-
Ao mesmo tempo que a burocracia estatal,
trar, que se fazia ineficiente e de baixa qualidade. ou seja, o conjunto de administradores pú-
Nesse mister, o Estado deveria passar a atuar como blicos profissionais, via sua posição estra-
sócio, um agente facilitador, delimitando o seu pa- tégica na sociedade aumentar, ficava claro
pel com utilização de processos de privatização, que se tornava necessário adotar novas
publicização, terceirização, desregulação, aumen- formas de gestão da coisa pública, mais
tando a governança e a governabilidade. Em ou- compatíveis com os avanços tecnológicos,
mais ágeis, descentralizadas, mais voltadas
tras palavras, Pereira (1997) idealiza, respectiva-
para o controle de resultados do que o con-
mente, a lógica dos processos de redução do ta- trole de procedimentos. E também mais com-
manho do Estado, a diminuição de sua interferên- patíveis com o avanço da democracia em
cia nas atividades econômicas, o aumento da ca- todo o mundo, que cada vez mais exige uma
pacidade fiscal e administrativa, e o aumento do participação mais direta da sociedade na
poder político democrático dos governantes. gestão pública (PEREIRA, 1997, p. 41-42).
Em consonância com esse raciocínio, ponti-
fica Justen Filho (2014) que houve inúmeras cau- Nesse sentido, a intenção seria dinamizar
sas para a globalização, podendo citar o progresso os mecanismos de controle, diminuindo o “ta-
tecnológico, a influência militar, política e econô- manho do Estado”, terceirizando as atividades
mica dos Estados Unidos, bem como o “fim” da auxiliares, e, por conseguinte, viabilizando até
chamada guerra-fria, etc. Desta maneira, ressalta mesmo privatizações. Seria a fortificação es-
o autor que se torna difícil para o Estado a manu- trutural, financeira e estratégica da Administra-
tenção dos modelos difundidos em meados do sé- ção Pública.
culo 20. Conclui Justen Filho (2014, p. 108) assi- Em desacordo com os contratos de gestão,
nalando que, “há a redução da atuação estatal, com completa a doutrina:
a convocação da sociedade e da empresa privada
para promover a satisfação de necessidades de [...] consiste em instituto que, para não se
falar em outras violações à Constituição,
cunho coletivo.”.
se propõe a ensejar a ampliação da esfera
Ora, o desafio para a Administração Pública de liberdade de pessoas da Administração
passa a ser a sua transformação nos moldes do indireta por contrato. Ora, até mesmo um
gerencialismo. primeiranista de Direito sabe que a esfera
Nessa missão, instrumentos jurídicos foram de competências outorgadas por lei a uma
introduzidos. E passa-se à análise. entidade pública não pode ser ampliada ou
A Emenda Complementar 19, de 1998, alte- restringida senão por lei (MELLO, 2014, p.
rou a recém-promulgada Constituição Cidadã 1096).
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definir seus próprios procedimentos para contrato de gestão, passam a gozar do status de
licitação, podendo inclusive adotar moda- agência executiva, adquirindo vantagens especi-
lidades específicas como o pregão e a con-
ais, como maior independência e orçamento, com-
sulta (art. 54, parágrafo único). […] Nessa
ADIN, foram discutidos vários dispositi-
prometendo-se, no entanto, a aperfeiçoar seus ser-
vos da Lei n” 9.472/97. […] determinando o viços, ou seja, cumprindo o contrato de gestão.
STF que essa contratação se submeta às A Lei 9.649/1998, dispõe:
regras da Lei n.º 8.666/93. Com essa deci-
são, não resta dúvida de que a agência re- Art. 52. Os planos estratégicos de
guladora está sujeita à norma geral das lici- reestruturação e de desenvolvimento
tações, ficando rejeitadas as soluções institucional definirão diretrizes, políticas e
legislativas similares previstas em outras medidas voltadas para a racionalização de
normas, a exemplo da Lei n.º 9.478/97 estruturas e do quadro de servidores, a re-
(MARINELA 2011, p. 127). visão dos processos de trabalho, o desen-
volvimento dos recursos humanos e o for-
Ainda a despeito das agências reguladoras, talecimento da identidade institucional da
severas as críticas apontadas por Mello (2014, p. Agência Executiva.
1.096), que se fazem necessárias sobrelevar, as-
sim: Seguindo a linha de raciocínio de Carvalho
(2015, p. 188), a agência executiva não se confun-
No que atina às agências reguladoras, ao de com a reguladora, pois ao contrário desta últi-
que parece criadas para atender a exigências ma, não goza de regime especial de nomeação de
dos investidores estrangeiros, constituem- dirigentes e autonomia financeira, bem como
-se em instituto que não se acomoda bem inexiste o poder de edição de normas gerais de
ao Direito brasileiro e que, do modo como fiscalização de atividades.
foram reguladas, incorrem, além disso, em
inconstitucionalidade. Deveras, aos
Desta maneira, percebe-se que a qualifica-
diretores destas entidades, cujos mandatos ção como executiva apenas prima pela eficiência
ultrapassam o período correspondente ao dos serviços públicos, não ocorrendo modificações
do Chefe do Poder Executivo, atribui-se a no tanger as finalidades da autarquia.
garantia de não serem exonerados salvo em Sem mais delongas, oportunizando a contra-
decorrência de infração grave, após regular dita a respeito das inovações trazidas pela refor-
processo apurador. Ora, é da essência do
ma, Mello (2014) refere-se aos contratos de ges-
regime republicano a temporariedade dos
mandatos precisamente para que o povo tão como “um arremedo de contrato, sem qual-
possa sufragar quem altere a orientação quer valor jurídico”, pensamento esse que se coa-
político-administrativa rejeitada nas duna com toda pesquisa elaborada por este traba-
eleições. […]. lho.
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as necessárias ponderações entre os princípios e ministrativo. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tri-
os instrumentos inseridos pela emenda, reduzindo bunais, 2014.
o tamanho do Estado sem retirada de seu poder,
não se alcançará resultados satisfatórios para a MARINELA, Fernanda. Direito administrativo.
população, que anseia qualidade, transparência e 4. ed. Niterói: Impetus, 2011.
efetividade na prestação administrativa gerencial.
Apesar da introdução de mecanismos jurídicos MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
consideráveis, percebe-se que se alcançou a efi- direito administrativo. 31. ed. São Paulo:
ciência (meio), mas não a eficácia (resultado), Malheiros, 2014.
inviabilizando a efetividade. Nesse sentido, a Ad-
ministração Pública deve enfrentar os desafios da MORAES, Alexandre. Reforma administrativa.
eficácia, elevando o regime jurídico administrati- São Paulo: Atlas, 1999.
vo, ao revés do atalho perigoso que se chama “con-
trato de gestão”, e dessa forma olhar para si, e NEVES, Adriano Craveiro. A reforma administra-
não se idealizar nos países vizinhos que se acham tiva brasileira (1995-1998) sob a ótica weberiana.
“desenvolvidos”. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n.
Não se deve rejeitar as boas ideias. Não. Mas, 2596, 10 ago. 2010. Disponível em: <http://
deve-se amoldá-las para o que realmente se faz jus.com.br/artigos/17153>. Acesso em: 29 maio
indispensável na prestação administrativa, que nada 2015.
mais é, que efetividade em toda sua imensa seara
de atendimento à sociedade. OLIVEIRA, Ana Roberta Santos de. Edital efici-
ente: aplicação do princípio da eficiência em pro-
REFERÊNCIAS cedimentos licitatórios (CJU-PE, 2010 – 2012).
Brasília: Publicações Eletrônicas da Escola da
CARVALHO, Matheus. Manual de direito ad- AGU, 2013. Disponível em: <www.agu.gov.br/
ministrativo. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. page/download/index/id/16422515>. Acesso em: 29
maio. 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual
de direito administrativo. 27. ed. Rio de Janeiro: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do
Lumen Juris, 2014. estado dos anos 90: lógica e mecanismos de
controle. Caderno 01. Brasília: Ministério da Ad-
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito ad- ministração Federal e Reforma do Estado, 1997.
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1
Graduado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Pós-graduado em Didática e
Metodologia do Ensino Superior pela Unimontes. Acadêmico do Curso de Direito pela Faculdade de Direito Santo
Agostinho (FADISA).
2
Numa nova óptica da história, o que se percebe é que surge uma variedade de objetos possíveis de serem
estudados; nesse sentido, não só grandes feitos, grandes heróis, as nações mais “importantes” têm história, mas,
todos e tudo também as têm.
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fato de se saber o que faz e fez uma pessoa. Aju- Nos dizeres de Reale (2011, p. 64), “a pala-
da a entendê-la” (idem, ibidem, p. 54). vra Direito tem diferentes acepções, o que pode
Ainda sobre a importância e função da His- parecer estranho, mas já advertimos que é impos-
tória, Albergaria (2012) leciona que para que o ser sível nas ciências humanas ter-se sempre uma só
humano possa entender quem é, como pensa e palavra para indicar determinada ideia e apenas
como sente, é necessário que se tenha consciên- ela.”. Não se pode negar a verdade do comentá-
cia da sua história, do seu passado. Para ele, deve- rio de Reale. Todavia, pode-se acrescentar que,
se aprender, com a História, o que Homem já fez não obstante a palavra ‘direito’ se apresente com
e deu certo, para repetir; bem como perceber o uma diversidade de acepções, e cada uma com
que deu errado, para tentar evitar esses erros. Só suas peculiaridades, elas se inter-relacionam.
quem conhece a história consegue entender seu Sobre essa questão, discutida no parágrafo
sentido e utilizá-la como ferramenta para melho- acima, há o seguinte comentário, cheio de deta-
rar o presente e, quem sabe, antever um pouco o lhes, verbis:
futuro.
A fim de fornecer uma explicação à socie- O vocábulo direito pertence à classe das
dade sobre ela mesma e tentar repetir acertos e palavras analógicas4 – aquelas que têm sen-
tidos diferentes, mas com ligação, conexão,
evitar erros, a história, hodiernamente, aproxima-
entre si. Assim, se se diz que Direito é uma
se cada vez mais das outras áreas do conheci- lei, uma norma, há uma classificação de tal
mento que estudam o homem (a Sociologia, a An- ciência com objetividade. Para se entender
tropologia, a Economia, a Geografia, a Psicologia, Direito em sentido subjetivo, tem-se de
a Demografia, e outras). entendê-lo como uma possibilidade de dis-
A estas áreas do conhecimento, elencadas no por do que pertence a alguém ou conces-
parágrafo anterior, adiciona-se, nestas linhas, o Di- são de uma atitude a outrem na área que é
particular a alguém, e, se se pensa o direito
reito. Este sempre tem ajudado a história a dar al- como aquilo que é correto, reto, perfeito, a
gumas explicações para a sociedade. Muitas vezes qualidade justiça é que vale mais. Como
o Direito serve, até mesmo, de fonte para a história, palavra analógica, pode-se perceber que
e, em outras oportunidades, busca, na história, res- tanto o caráter objetivo quanto o subjetivo
postas para questões hodiernas; entretanto, sobre a ou na questão da qualidade, o que se fala
relação entre os dois, tratar-se-á adiante. em direito tem ligação entre si. Há, portan-
to, conexão de ideias, embora com signifi-
cados diferentes (VELOSO, 2005, p. 22).
3 DIREITO: CONCEITOS E ALGUNS
APONTAMENTOS Apesar de parecer simples dar uma defini-
ção para o Direito, esta é uma tarefa demasiado
Sobre a origem do termo “Direito”, há a se- complexa. Nesse sentido, o Direito pode ser defi-
guinte doutrina: nido, assim como a História (vide “tópico 2”), de
diversas maneiras. Deste modo, semanticamente,
A palavra ‘Direito’, bem como ele próprio
“o vocábulo direito é polissêmico, por ter mais de
no sentido amplo da Ciência do Direito, vem
dos Romanos antigos e é a soma da pala-
um significado para um único verbete.” (VELOSO,
vra DIS (muito) + RECTUM (reto, justo, 2005, p. 22). Entendendo, portanto, a palavra di-
certo); ou seja, Direito em sua origem signi- reito como polissêmica, ter-se-ão, assim, muitas
fica o que é muito justo, o que tem justiça acepções para ela. Dessa forma, Direito pode ser
(CASTRO, 2009, p. 2). um curso superior que forma bacharéis; pode ser
ainda, o ordenamento jurídico de um país (Direito
Sabendo, portanto, que a palavra “Direito” brasileiro, Direito argentino, alemão, etc.); pode,
formou-se desta junção latina (dis + rectum), pode- outrossim, ser um direito subjetivo de alguém; pode
se entendê-la, segundo um verbete de De Plácido ser utilizado como sinônimo de Justiça, como fato
e Silva, como “tudo aquilo que é conforme à ra- social, entre outras possibilidades.
zão, à justiça e à equidade” (apud NASCIMEN- Indo pelo mesmo caminho do parágrafo an-
TO, 2001, p. 7). terior, Dimoulis (2008) distingue quatro significa-
4
Assim como a “história”, como pode ser visto no tópico anterior, o “direito” também é uma palavra analógica
(sentidos diferentes, mas com ligação entre estes).
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dos diferentes do termo “Direito”. No primeiro, Spinoza, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant,
ele escreve que: “Direito é o justo, aquilo que cada Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Friedrich Carl von
pessoa deve fazer ou deixar de fazer em uma so- Savigny, Karl Magnus Bergbohm, Eugen Ehrlich,
ciedade bem ordenada e justa. Este significado está Hans Kelsen, Yevgeniy Bronislavovich Pachukanis,
relacionado com o termo latino directum, que sig- Robert Alexy, Eros Roberto Grau. E passa pelos
nifica reto, bem direcionado, correto.” estoicos, como fundamento.
(DIMOULIS, 2008, p. 18-19). No segundo signi- Pensando nas convergências das definições
ficado para o termo, ele diz que: “Direito é aquilo dos pensadores elencados acima, Dimoulis (2008)
que alguém pode fazer, exercendo uma faculdade percebe que os pontos em comum existentes nesses
[...], exigindo uma prestação [...] ou omissão [...]. conceitos são a relatividade histórica do Direito e o
Esta é definição do ‘direito subjetivo’” (idem, Direito como dever ser social e a coerção. Esses
ibidem, p. 19) – de onde a ideia da facultas agendi. são elementos presentes nas definições, daqueles
Em uma outra definição, Dimoulis registra: “Direi- autores citados, feitas em diversos períodos
to é o estudo das normas jurídicas [...]. Aqui o históricos.
termo ‘direito’ designa o conjunto das disciplinas Sobre a relatividade histórica do Direito,
jurídicas, que muitos denominam ‘ciências jurídi- Dimoulis (2008) leciona que a definição do Direito
cas’” (idem, ibidem, p. 19). não pode ser válida para todas as sociedades e
Em uma última tentativa de mostrar mais uma para todos os tempos. Nesse sentido, fica eviden-
definição que é a dada ao direito, Dimoulis ensina te o dinamismo do Direito. Como exemplo disso,
que este “é o conjunto de normas que objetivam têm-se as palavras de que “O direito que conhecia
regulamentar o comportamento das pessoas na Platão ou Aristóteles era diferente do direito cris-
sociedade. Essas normas são editadas pelas auto- tão da época medieval e este último é diferente do
ridades competentes e preveem, em caso de vio- direito capitalista da atualidade.” (DIMOULIS,
lação, a imposição de penalidades por órgãos do 2008, p. 35).
Estado.” (DIMOULIS, 2008, p. 19) – eis a ideia Em todas as definições, os autores dos con-
da normas agendi. ceitos de Direito consentem que ele é composto
Soibelman preleciona que: de normas que regulamentam o comportamento
das pessoas na sociedade, mostrando, assim, a
Existem dezenas de definições do Direito, e característica do dever ser social do Direito. Por
Kant admitiu que não havia uma definição
que satisfizesse a todos. É que a definição
fim, “um outro elemento em comum das várias
exige um estudo prévio para separar o di- definições encontra-se na constatação de que o
reito das normas de outra natureza que re- direito é um dever ser de particular natureza [...]
gem a vida humana, tais como as regras um dever ser particularmente forte e ameaçador.”
morais, a de adesão a uma filosofia que (DIMOULIS, 2008, p. 38), o que demostra a pre-
conceitua o jurídico desta ou daquela for- sença do elemento “coerção” nos conceitos de
ma, por antecipação ao conjunto com a re-
direito.
alidade que deverá ser reconhecida como
jurídica (SOIBELMAN, 1981, p. 120). Refletindo um pouco sobre as divergências
ideológicas nas definições de Direito, Dimoulis
Concorda-se, por evidente, com Soibelman, comenta que “esses elementos em comum não
quando ele enfatiza a dificuldade em se definir o escondem as grandes divergências entre as defi-
Direito. Já se mostrou, nos parágrafos acima, o nições do direito. Quando se trata de autores que
caráter analógico e polissêmico do Direito. Cabe, viveram em épocas diferentes podemos explicar
ainda, ressaltar, nessa oportunidade, que o concei- as diferenças lembrando da relatividade histórica
to de Direito sofre mudanças ao longo dos tem- das experiências jurídicas.” (DIMOULIS, 2008,
pos. Dimoulis elenca dezoito definições do direito p. 38). Todavia, quando os autores atuaram no
na “Lição 1” de seu livro Manual de introdução mesmo período e contexto, e às vezes até na mes-
ao estudo do direito, mostrando exatamente essa ma cultura, e mesmo assim divergem nas defini-
ideia de diferença entre os conceitos. Entre os ções do Direito, deve-se, a divergência, “ao fato
pensadores que ele, Dimoulis, trabalha, buscando de que cada um adota uma ótica diferente, devido
o conceito de Direito, pode-se elencar Platão, às suas concepções filosóficas e científicas.”
Aristóteles, Celso e Ulpiano, Tomás de Aquino, (DIMOULIS, 2008, p. 39), como já explicou
Thomas Hobbes, Samuel Pufendorf, Baruch Soibelman, em palavras anteriormente transcritas.
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Pensando o Direito em qualquer uma das suas ria do Direito, todavia, mesmo sendo um jurista,
definições, mas, observando, principalmente, a úl- pelas suas palavras, não desvalorizando o Direito
tima definição feita por Dimoulis, já supracitado, e (logicamente), percebe-se uma exaltação da His-
entendendo o Direito, em um sentido comum, como tória. Para ele, quando se diz “História do Direi-
“o conjunto de normas para a aplicação da justiça to”, faz-se referência a duas ciências: a histórica
e a minimização de conflitos de uma dada socie- e a jurídica. Dessa forma, assumir-se-ia como pro-
dade.” (CASTRO, 2009, p. 2), pode-se perceber posta a existência de uma terceira disciplina. Esta
o fator humano. Tanto é que “estas normas, estas teria suas peculiaridades, mas sempre seria uma
regras, esta sociedade [presentes no conceito aci- ciência histórica. Ainda sobre essa questão, escla-
ma] não são possíveis sem o Homem, porque é o rece:
Ser Humano quem faz o Direito e é para ele que o
Direito é feito.” (CASTRO, 2009, p. 2). Aqui, per- O fato de tratar-se de uma disciplina históri-
cebe-se a mister importância do indivíduo na con- ca significaria que as pessoas que a cultiva
buscam pesquisar, descobrir e recriar o pas-
fecção do Direito e a quem ele se destina.
sado humano. O fato de ser “jurídica” impli-
Ráo comenta sobre essa dependência do fa- caria que elas se interessariam especifica-
tor humano. Segundo ele, “o direito pressupõe, mente pelos aspectos do passado vincula-
necessariamente, a existência daquele ser e da- dos ao direito de modo mediato ou imediato
quela atividade. Tanto vale dizer que pressupõe a (RABINOVICH-BERKMAN, 2011, p. 1).
coexistência social, que é o próprio homem.” (1995,
p. 51). Nesse mesmo diapasão, a doutrina ensina Destarte, quem optar por trabalhar com essa
que: disciplina História do Direito deverá utilizar as
ferramentas críticas e as categorias terminológicas
O ser humano é gregário por natureza, não de ambas as disciplinas: a História e o Direito
só pelo instinto sociável, mas também por (RABINOVICH-BERKMAN, 2011).
força de sua inteligência, que lhe demonstra Ao contrário do que prega Rabinovich-
que é melhor viver em sociedade para atingir
-Berkman, Albergaria valoriza o Direito no que
seus objetivos. O homem é “essencialmente
coexistência”, pois não existe apenas, mas diz respeito a essa relação História-Direito, e, as-
coexiste, isto é, vive necessariamente em sim, ele acusa, tempestivamente, sobre a impor-
companhia de outros indivíduos. Com isso, tância da História do Direito e o seu papel sine
espontânea e até inconscientemente, é le- qua non para se entender a sociedade e a huma-
vado a formar grupos sociais: famílias, esco- nidade. Para ele,
la, associações esportiva, recreativa, cultu-
ral, religiosa, profissional, sociedades agrí-
é importante destacar que o Direito é a pró-
cola, mercantil, industrial, grêmio, partido po-
pria História da nossa humanidade. Não há
lítico, etc. (DINIZ, 2012, p. 260).
como separar os dois elementos. Apesar de
a História poder ser vista por várias facetas,
Nesse sentido, frente às reflexões tais como pelas artes, pela culinária, pela fi-
apresentadas sobre a História e o Direito enquanto losofia, pela medicina, pelo desenvolvimen-
ciências, fica evidente a importância das duas áreas, to científico e tecnológico, é justamente pela
bem como uma clara das suas relações com o noção jurídica dos povos que se tem uma
correta interpretação do mundo pretérito e
Homem. Não se faz História ou Direito sem se de cada cultura (ALBERGARIA, 2012, p. 4).
perceber as constantes transformações da
sociedade e os mecanismos tradicionais e legais que Dessa forma, percebe-se, portanto, que a
conformam as relações sociais. História e Direito, História do Direito, tratada como disciplina ou como
nesse contexto, se inter-relacionam, permitindo, segmentação para fins de estudos, é apresentada
dessa forma, compreender, com maior eficácia, uma como a História do próprio mundo jurídico, como
História do Direito. um todo. Nesse sentido, “o objetivo da história do
direito é a interpretação dialética do fenômeno ju-
4 HISTÓRIA DO DIREITO: CONCEITO rídico e seu dimensionamento em função do tem-
E CONVERGÊNCIAS DE DUAS ÁREAS po.” (DINIZ, 2012, p. 249).
DO CONHECIMENTO Wolkmer disserta que se pode, ademais,
Rabinovich Berkman (2011) entende que conceituar a História do Direito como par-
existem duas áreas do saber presentes na Histó- te da História geral que examina o Direito
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como fenômeno sociocultural, inserido num se formou e se desenvolveu, bem como de que
contexto fático, produzido dialeticamente maneira evoluiu na defluência dos séculos. Do
pela interação humana através dos tempos,
mesmo modo, o intuito é o exame crítico das legis-
e materializado evolutivamente por fontes
históricas, documentos jurídicos, agentes
lações passadas com a finalidade de exposição de
operantes e instituições legais reguladoras suas sucessivas transformações, frisando, com
(WOLKMER, 2010, p. 5). efeito, os modos por que estas ocorreram, confor-
me as mudanças da consciência, das condições e
Nesse ínterim, pode-se dizer que “a história necessidades sociais. Em resumo, a História do
do direito estuda as instituições jurídicas dos po- Direito tem uma finalidade precípua, que interpre-
vos civilizados nas fases sucessivas de seu desen- tar, criticamente, todos os caminhos que levam à
volvimento. Baseia-se em documentos, represen- visão das instituições jurídicas atuais, com alicer-
tados por escritos ou por monumentos chegados ce no que aconteceu alhures e em tempos idos.
até nós, como o Código de Hamurabi, de mais ou Tudo isso, em busca de fixação de normas que
menos 2000 a.C.” (KLABIN, 2004, p. 21). tornem o Ser Humano mais social, mais condizen-
É interessante destacar, ainda, que o “direito te com a sua condição de “humano”, cumpridor
não se conserva estático, mas se dinamiza e se das regras de convívio.
transforma na medida em que as condições soci- Conhece-se, agora, a importância da Histó-
ais assim exigem; não há como desvinculá-lo da ria do Direito, o seu conceito, qual o seu objeto e
realidade histórica, pois é preciso saber como este qual a sua finalidade. Assim, para complementar
direito foi, até ontem, para entendê-lo, hoje, e esse tópico, pretende-se relacionar, de maneira
melhorá-lo, amanhã” (AZEVEDO, 2005, p. 21). mais detalhada, a História e o Direito. Nesse sen-
Assim, com outros termos, mas que se com- tido, além de serem palavras em que ambas têm
pletam em termos de melhor definição, caráter polissêmico e analógico, como já tratado,
é “possível perceber que História e Direito têm
o historiador procura reviver ou reconstruir [ainda] algo em comum: o Homem. Assim, partin-
o fenômeno jurídico em sua singularidade do do Ser Humano, é necessário salientar alguns
específica a fim de compreender seu signi- pontos primordiais.” (CASTRO, 2009, p. 3).
ficado no tempo. Faz uma análise atual do
direito pretérito para, verificando os fins
Dentre todos os seres vivos, o Homem é, por
que perseguiram e seus efeitos sobre a so- excelência, o que produz cultura, o que manifesta
ciedade, assinalar as vantagens ou incon- raciocínio elevado, o que valoriza a memória (his-
venientes das normas ou instituições no tória). Para inteirar o tema, é interessante recor-
passado, comparando as soluções que se dar algumas formulações convencionais de Cul-
deram antes ou surgiram depois, para che- tura. Assim, cumpre assinalar que esta pode ex-
gar ao conhecimento de todo processo his-
pressar: “a totalidade das manifestações e formas
tórico do direito (DINIZ, 2012, p. 248-249).
de vida que caracterizam um povo.” (JAEGER,
Sabe-se que, para se fazer História do Di- 1979, p. 7); “o conjunto de tudo aquilo que, nos
reito é preciso se pesquisar as legislações da épo- planos material e espiritual, o homem constrói so-
ca. Mas, só as leis são suficientes como fontes bre a base da natureza, quer para modificá-la, quer
para esse tipo de pesquisa? A resposta vem assim: para modificar-se a si mesmo.” (REALE, 2011, p.
25); e, ainda, que “cultura é o conjunto das práti-
As fontes da história do direito, além dos cas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que
escritos propriamente jurídicos, tais como se devem transmitir às novas gerações para ga-
leis e obras dos jurisconsultos, utilizam tam- rantir a reprodução de um estado de coexistência
bém documentos de ordem histórica e lite- social.” (BOSI, 1992, p. 16).
rária. A ‘história romana’ de Tito Lívio; os
Os conceitos de cultura desenvolvidos no
discursos tratados de Cícero, por exemplo,
completam o manancial de documentos nos parágrafo acima vão, todos, pelo mesmo caminho;
quais se abebera o historiador do direito todos têm o mesmo sentido. Dessa forma, há con-
romano (KLABIN, 2004, p. 22). vergências nos conceitos, pois, Jaeger, Reale e Bosi
visualizam a Cultura como “o processo pelo qual
Pensando na finalidade de se estudar Histó- o homem acumula as experiências que vai sendo
ria do Direito, Wolkmer (2010) leciona que quan- capaz de realizar, discerne entre elas, fixa as de
to aos objetivos da História do Direito, o escopo é efeito favorável e, como resultado da ação
fazer compreender como é que o Direito hodierno exercida, converte em ideias as imagens e lem-
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branças. [...]” (PINTO apud CASTRO, 2009, p. são do passado que faz com que as regras do pre-
4). sente e do futuro sejam mais apuradas, mais jus-
Pode-se, portanto, perceber que o que se tem tas e, sobretudo, representativas da cultura do que
como cultura representa um tom temporal, é Bom, Justo, Humano e apreciável. Portanto, é a
marcador de um tempo, fixador do momento his- noção jurídica da História é que permite que se
tórico. A cultura indica, além das características compreenda melhor a cultura, a sociedade, a polí-
do indivíduo que a professa, também indica a épo- tica e o sistema de um determinado povo.
ca, o local e até o grupo social em que está mais Mesmo assim, um importante aspecto deve
presente quem a manifesta. E, para confirmar isso, ser reafirmado quando se procura interseções en-
tem-se o ditado árabe citado por Bloch, que diz: tre duas áreas: não se faz História sem compreen-
“O Homem se parece mais com seu tempo que der o Homem. Não existe Direito sem a importan-
com seus pais.” (BLOCH, 1976, p. 36). te consideração quanto aos atos do indivíduo em
Nesse diapasão, pode-se concluir que, sociedade. Logo, a História Jurídica só se legiti-
mará a partir da exata compreensão das transfor-
Sendo o Direito uma produção humana, ele mações sociais que alteraram a visão do homem
também é cultura e é produto do tempo his- sobre a História e sobre o Direito.
tórico no qual a sociedade que o produziu
ou produz está inserida. Plagiando o dita- REFERÊNCIAS
do árabe, poderíamos afirmar que o direito
se parece com a necessidade histórica da ALBERGARIA, Bruno. Histórias do direito:
sociedade que o produziu; é, portanto, uma
evolução das leis, fatos e pensamentos. 2. ed.
produção cultural e um reflexo das exigên-
cias desta sociedade (CASTRO, 2009, p. 4). São Paulo: Atlas, 2012.
Compartilhando desse pensamento, Altavila ALTAVILA, Jayme de. Origem dos direitos
(1963, p. 8) escreve que “os direitos sempre fo- dos povos. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos,
ram espelhos das épocas.”. Para o mesmo autor, 1963.
os direitos dos povos equivalem precisa- BLOCH, Marc Léopold Benjamim. Introdução
mente ao seu tempo e explicam no espaço à história. Tradução de Maria Manuel et al.
de sua gestação. Absurdos, dogmáticos, Mira-Sintra (Portugal): Europa-América, 1976.
rígidos, lúdicos e liberais, - foram, todavia,
os anseios, as conquistas e os baluartes de BORGES, Vavy Pacheco. O que é história.
milhões de seres que, para eles, levantaram São Paulo: Brasiliense, 1993.
as mãos, em gesto de súplica ou de enter-
necido reconhecimento (ALTAVILA, 1963,
p. 12).
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São
Paulo: Companhia das Letras, 1992.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
CASTRO, Flávia Lages de. História do direito:
geral e do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
Acredita-se que um maior diálogo entre a
2009.
História e o Direito contribuiria para um maior
avanço dessas duas áreas do saber. Com efeito, DIMOULIS, Dimitri. Manual de introdução
o Direito serviria como campo (ou como fonte) de ao estudo do direito. São Paulo: Revista dos
pesquisa para a História. E já esta poderia ser útil Tribunais, 2008.
para o melhor entendimento daquele.
Ainda pensando na relação entre as já DINIZ, Maria Helena. Compêndio de
supracitadas áreas do saber, “a história se mostra introdução à ciência do direito: introdução à
importante para o Direito no momento em que serve teoria geral do direito, à filosofia do direito, à
como conhecimento e acúmulo de experiências sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 2012.
passadas, possibilitando uma ampliação das análi-
ses de situações jurídicas e na interpretação dos FERREIRA, Eduardo Oliveira. A importância
textos normativos.” (FERREIRA, 2008, p. 1). A da história para o direito. Disponível em:
recíproca é verdadeira. A História, outrossim, pre- <http://cacyrodosanjos.files.wordpress.com>.
cisa do Direito. O Direito propicia à História a vi- Acesso em: 12 dez. 2013.
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KLABIN, Aracy Augusta Leme. História geral tos, metodologia, problemas e desafios. Rio de
do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, Janeiro: Lumen Juris, 2011.
2004.
RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos.
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidea: a formação 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
do homem grego. Tradução de Artur M. Pereira.
São Paulo: Martins Fontes, 1979. REALE, Miguel. Lições preliminares do
direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na
SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do advoga-
história: lições introdutórias. São Paulo: Max
do. 3. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1981.
Limonad, 2000.
VELOSO, Waldir de Pinho. Filosofia do
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de direito. São Paulo: IOB Thomson, 2005.
história do direito. Rio de Janeiro: Forense,
2001. VEYNE, Paul. Como escreve a história:
Foucault revoluciona a história. Tradução de
PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida Alda Baltar e Maria Auxiliadora Kneipp. 4. ed.
do direito. 11. ed. Rio de Janeiro: Thex, 2004. Brasília: Ed. UnB, 1998.
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AUTOR CONVIDADO
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Lafayette Pozzoli1
Álvaro Augusto Fernandes da Cruz2
1
Pós-Doutor pela Universidade “La Sapienza”, Roma (2002). Doutor (1999) e Mestre (1994) em Filosofia do Direito
pela PUC/SP. Graduação em Direito (1986) pela PUC/SP. Membro do Conselho Editorial da Revista EM TEMPO
(UNIVEM) e da Revista de Direito Brasileira - RDBras, do CONPEDI. Membro da Comissão de Ensino Jurídico da
OAB/SP. Advogado. Professor no UNIVEM e Professor na PUC/SP. Chefe de Gabinete na PUC/SP. Coordenador
do Mestrado em Direito no UNIVEM. Sócio fundador da AJUCASP. Avaliador para cursos de Direito INEP/MEC.
Foi membro do Tribunal de Ética - TED-1 e da Comissão da Pessoa com Deficiência da OAB/SP.
2
Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípides de Marília (2011); Graduado em Direito pelo Centro Univer-
sitário Eurípedes de Marília (2008); Especialista de Perícias em Avaliações Imobiliárias (2010). Professor e Coorde-
nador do Curso de Direito na Faculdade de Ciências e Tecnologia de Unaí (FACTU); Professor e Coordenador do
Curso de Direito da Faculdade Santo Agostinho de Sete Lagoas (FASASETE).
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Não se pode falar em dignidade sem propor- to à alteridade se faz cada vez mais neces-
cionar a igualdade entre os seres humanos. Igual- sário, devendo o Estado, na qualidade de
árbitro dos valores sociais, desfazer-se de
dade material e não igualdade no sentido formal
qualquer liame religioso que impeça o cor-
da palavra. reto exercício de sua função em prol do ver-
dadeiro interesse público.
Por outro lado, o conceito material de igual-
dade apresenta uma conceituação no cam-
Então, ao se tratar da fraternidade no uni-
po social e observa regra semelhante ao
conceito formal, pais a igualdade está em verso jurídico como uma essência da ordem jurídi-
tratar desigualmente os desiguais. A pre- ca, precisa-se atentar para as medidas que devem
sença do valor “justiça” é uma constante; assegurar ao ser humano digno um Direito frater-
assim, ao afrontar o princípio da igualdade no. O exemplo de maior amplitude e historicamente
tratando igualmente os desiguais, estaria marcado na vida humana foi, sem dúvidas, a ela-
gerando uma visível situação de injustiça.
boração da Declaração Universal dos Direitos Hu-
[...] A paz, assim como a justiça, tem em vis-
ta o bem de cada pessoa e de todos, numa
manos, da Organização das Nações Unidas
exigência de ordem e verdade. Estando a (ONU), maior documento jurídico produzido pela
paz sob a mira da ameaça, atinge simultane- humanidade no século XX. O conteúdo da Decla-
amente a justiça (POZZOLI, 2001, p. 106- ração demonstra, claramente, um único objetivo
108, passim). universal que é o da busca da paz, o que faz com
que o ordenamento jurídico tenha intrínseca liga-
Apenas o Direito fraterno poderá dar a efe- ção com o que se afirma ser fraternidade. Sobre
tiva igualdade entre as pessoas, eliminando o di- este assunto:
reito à igualdade baseado em um poder soberano,
ao qual todos estão subordinados, porque o direito A referida Declaração [...] consigna no seu
à igualdade deixa de ser efetivo em decorrência texto o reconhecimento da dignidade da
das desigualdades que ele mesmo impõe, a come- pessoa humana inerente a todos os mem-
çar pela subordinação dos povos a um poder so- bros da família humana e de seus direitos
iguais e inalienáveis como constitutivos do
berano, um poder desigual. Pensando neste senti-
fundamento da liberdade, da justiça e da
do, o Princípio da Dignidade Humana, como fun- paz. Foram elementos importantes que tor-
damento do Estado e garantidor da vida, é possí- naram os direitos da pessoa humana prote-
vel dizer que se está diante de uma humanização gidos, para que a pessoa não se veja leva-
do Direito ou, ainda, de um Direito mais digno. da ao supremo recurso da revolta contra a
Tal entendimento sobre a preocupação com tirania e a opressão (POZZOLI, 2001, p. 110).
a dignidade da pessoa humana nada mais é do que
falar de um Direito fraterno. A fraternidade é uma nova possibilidade de
A fraternidade, por mais que esteja impreg- integração entre os povos e nações, fundamenta-
nado na cultura em relação com a religião, aqui da no cosmopolitismo, em que as necessidades vi-
tais serão suprimidas pela amizade, pelo pacto ju-
fica claramente apresentada como o grande obje-
rado conjuntamente. Com a Declaração Univer-
tivo da organização jurídica. A ordem jurídica, fun-
sal dos Direitos Humanos, de 1948, o compromis-
dada no princípio da igualdade e da paz, voltada so dos ideários foi praticamente universalizado.
para a dignidade da pessoa humana, é o Conforme dispõe no seu art. 1.º, “todos os homens
ordenamento da fraternidade. O ser humano não nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
deve ser visto apenas como um ser que existe, dotados de razão e consciência e devem agir uns
mas deve ser visto essencialmente como um ser aos outros com espírito de fraternidade.”. E, no
que vive em sociedade. art. 29, item 1, outra importante disposição: “toda
A fraternidade não deve ser vista apenas pessoa tem deveres para com a comunidade, em
como uma ordem suprema ou mística mas, princi- que o livre e pleno desenvolvimento de sua perso-
palmente, como uma necessidade para uma me- nalidade é possível.”.
lhor convivência em sociedade. É assim que lecio- A ideia de “jurar em conjunto” é também um
na Toledo (2004, p. 240): requisito básico e que dá fundamento para que um
novo humanismo brilhe. Este novo conceito tem
Na medida em que vivemos em um mundo vínculos com um futuro mais fraterno, em que os
globalizado, não só econômica, mas cultu- acordos são estabelecidos entre os iguais. Não é
ralmente, o valor da tolerância e do respei- mais o direito comandado por um “Pai-soberano”.
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Um novo conceito ou novo/velho pressupos- julgar que as relações de convivência entre as pes-
to, muitas vezes esquecido ou contaminado é a soas e a sua respectiva comunidade política pos-
amizade, que no mundo moderno nada mais que sam a se reger pelas mesmas leis das forças e dos
se faz do que acelerar seu processo ambivalente, elementos “irracionais” do universo. Mas, a ver-
representada pelo paradoxo inclusão/exclusão. dade é que, sendo leis de gênero diferente, deve-
Certamente que estas reflexões sobre as -se buscar apenas onde as inscreveu o Criador de
questões suscitadas poderão contribuir para a cons- todas as coisas, a saber, na natureza humana.
trução de um novo paradigma para o sistema do São, de fato, essas leis que indicam clara-
Direito em especial, e, também, para o sistema da mente como regular na convivência humana as
política. relações das pessoas entre si, as dos cidadãos com
Vale aqui reproduzir o Preâmbulo da Consti- as respectivas autoridades públicas. As relações
tuição Federal de 1988, em que o Constituinte teve entre os diversos Estados, bem como as das pes-
inspirações fundamentadas nos valores que soas e comunidades políticas com a comunidade
permeiam a sociedade brasileira, notadamente a mundial, cuja criação é hoje urgentemente postu-
parte que faz referência a uma “sociedade frater- lada pelo bem comum universal que tem na
na”. In verbis: fraternidade um instrumento de grande valia.
Em uma convivência humana bem constituí-
Nós, representantes do povo brasileiro, reu- da e eficiente é fundamental o princípio de que
nidos em Assembléia Nacional Constituin- cada ser humano é pessoa, isto é, natureza dotada
te para instituir um Estado Democrático,
de inteligência e vontade livre. Por essa razão,
destinado a assegurar o exercício dos direi-
tos sociais e individuais, a liberdade, a se-
possui em si mesmo direitos e deveres, que ema-
gurança, o bem-estar, o desenvolvimento, nam direta e simultaneamente de sua própria na-
a igualdade e a justiça como valores supre- tureza. São direitos e deveres universais,
mos de uma sociedade fraterna, pluralista invioláveis e inalienáveis.
e sem preconceitos, fundada na harmonia O Estado de direito garante a inviolabilidade
social e comprometida, na ordem interna e da dignidade da pessoa humana por meio da or-
internacional, com a solução pacífica das
controvérsias, promulgamos, sob a prote-
dem jurídica. Assim, falar em paz é falar da De-
ção de Deus, a seguinte Constituição da claração Universal dos Direitos Humanos, da ONU,
República Federativa do Brasil. (Grifos nos- que representa um conjunto de aspirações procla-
sos). madas como ideal comum de todos os povos que
buscam a paz. Nela, foi resumido o conjunto de
5 CIDADANIA É PARCEIRA DA DIGNIDA- valores presentes nos quatro cantos do planeta,
DE HUMANA E DA PAZ tornando-a um documento histórico e da maior
importância, produzido em meados do século XX.
Nos últimos tempos, é possível constatar que A referida Declaração consigna no seu tex-
muitos relacionamentos entre pessoas (e também to o reconhecimento da dignidade da pessoa hu-
entre alguns Estados) têm sofrido pequenos aba- mana inerente a todos os membros da família hu-
los3. Talvez isto vem ocorrendo devido ao fato de mana e de seus direitos iguais e inalienáveis como
que todos se aproximam mais intensamente do constitutivos do fundamento da liberdade, da justi-
processo de globalização, intensificando a dimen- ça e da paz. Foram elementos importantes que
são da comunicação. tornaram os direitos da pessoa humana protegi-
Para analisar a questão, toma-se, de manei- dos, para que a pessoa não se veja levada ao su-
ra analógica, o seguinte exemplo: existe uma per- premo recurso da revolta contra a tirania e a opres-
feita ordem no universo e que – tudo indica – pa- são.
rece contrastar com uma assim chamada desor- Objetivando mais facilmente alcançar a paz
dem que costuma reinar entre as pessoas e povos, entre as nações, para que os Estados-membros da
como se as suas mútuas relações não pudessem ONU pudessem convalidar em seus respectivos
ser reguladas senão pela força! Aliás, uma con- ordenamentos jurídicos da Declaração, foram
cepção errônea, mas frequente, que leva muitos a aprovados em 1966 os Tratados Internacionais
3
Vale lembrar que a ONU proclamou o ano de 2009 como sendo o “Ano Internacional da Reconciliação”, conforme
Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas (61/17).
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denominados “Pacto Internacional dos Direitos O fim do Direito é ordenar a vida da socie-
Econômicos, Sociais e Culturais” e “Pacto Inter- dade, orientando a conduta de seus mem-
bros e a atividade de suas instituições. Para
nacional dos Direitos Civis e Políticos”4. Com isto,
esse objetivo, ele estabelece normas e pro-
os Estados-membros assumiram a condição de cura garantir a eficácia das mesmas, atribu-
coadjuvantes partícipes da paz. indo conseqüências positivas a seu cum-
Os respectivos Pactos, ou melhor, os Direi- primento e negativas ou punitivas à sua
tos Humanos, foram concebidos como proposta violação. Ver no Direito apenas o aplicador
de um sistema de vida integral que abarcasse to- de sanções punitivas é diminuí-lo
dos os âmbitos, o cultural, o econômico, o político (MONTOURO, 1999, p. 252, grifos nossos).
e o social, tanto em nível individual como coletivo,
e aplicável a todos, sem qualquer discriminação. É a nova forma de ver/analisar/aplicar o Di-
Este, um desejo de sobrevivência cada vez mais reito. Aliás, o uso de estímulos positivos, de ma-
profundo à medida que cresce a ameaça. Não se neira preponderante o fraternal, em relação aos
contentam em proclamar a sede da vida dos seres aspectos negativos, passa a ser uma característi-
humanos, mas tentam permitir concretamente a ca das diversas ciências, não se circunscrevendo
sobrevivência. Enfim, o exercício da cidadania pode tão somente ao Direito. Afinal, os humanistas, o
intensificar o processo de discussão de um projeto humanismo, estão presentes nos diversos setores
de desenvolvimento que aponta para o bem co- da sociedade.
mum, coisa salutar desde que seja observado o É com as indicações acima ponderadas que
respeito à dignidade da pessoa humana a todos, se busca supedâneo no contexto da Teoria do Di-
sem distinção. reito Formal para mais bem poder compreender o
Resta uma análise da efetividade da tipo de normas que tratam dos Direitos Humanos
fraternidade com sua correlação com a dignidade e, notadamente do Direito fraternal, considerando
humana. Para tanto, deve-se investigar o Direito tal Direito com a sua efetiva aplicação, ou seja, o
com a sua função promocional da pessoa huma- exercício da cidadania.
na.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
6 O DIREITO COMO FUNÇÃO
PROMOCIONAL DA PESSOA HUMANA Por fim, é neste sentido que a fraternidade
no Direito deixou, há muito, de ser uma preocupa-
O que caracteriza o Direito Positivo, no mun- ção somente para os teólogos ou filósofos. O Di-
do contemporâneo, é uma contínua mudança. Por reito fraterno, hoje, é um Direito do ser humano
isso mesmo, torna-se difícil identificar o jurídico só como pessoa digna, e é dever do Estado garantir
pelo conteúdo. Daí, a necessidade de conhecer, tal segurança.
identificar e qualificar as normas como jurídicas, Cabe, notadamente aos juristas, posicionar e
lutar por este Direito. Mas, também, uma tarefa-
pela sua forma. A este respeito, Kelsen deu uma
-dever de todos os cidadãos. O Direito fraterno é
contribuição teórica, de admirável rigor, ao elabo- racional, é lógico e totalmente possível como de-
rar, no âmbito da sua teoria, o Princípio da Dinâ- monstrado. E, por isso, merece a atenção de todos
mica do Direito, graças ao qual conhece-se que os cidadãos e, notadamente, a classe dos agentes
uma norma é válida não porque tem um certo con- do Direito que é a maior responsável pelas mais
teúdo mas, sim, porque foi formalmente criada de diversas doutrinas existentes no mundo jurídico.
acordo com as normas previstas no ordenamento. A defesa por um Direito fraterno é a garan-
E, dentre elas, as do Preâmbulo da Constituição tia de que se terá uma ordem jurídica voltada para
Federal de 1988, como visto no item anterior. o ser humano na sua vida digna e com isso, a con-
Com isto, não é difícil identificar no Direito quista de um Direito cada vez mais justo, atingindo
um instrumento promocional da pessoa humana, a máxima eficácia no controle social pleno para o
não sendo tão somente um Direito punitivo mas qual foi criado.
um Direito fraternal. Neste ponto, há harmonia Deve-se ter em mente um Direito que não
com a seguinte doutrina: deve ser pensado como mecanismo para legalizar
4
O Brasil já convalidou em seu ordenamento jurídico os respectivos Pactos em 1992.
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punições ao cidadão por seu descumprimento mas, MOREIRA, Edson Fábio Garutti. Humanismo
o Direito com sua função promocional, que o faz de Maritain e a burocracia. São Paulo:
ser obedecido pela consciência do homem à im- Loyola, 2001. (Coleção Instituto Jacques
portância da norma. Maritain do Brasil).
O começo da concreta efetivação de uma
norma jurídica se dá com a sua plena correlação MORENTE, Manuel Garcia. Fundamentos de
com os valores existentes na sociedade, num pro- filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1980.
cesso de conscientização. Assim, como analisado,
no contexto há que ser observado o Princípio da NALINI, José Renato. Uma nova ética para
Fraternidade, lastreado como um farol que ilumina o juiz. São Paulo: RT, 1994.
todo o Ordenamento Jurídico que é o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Em síntese, vale NUNES, Rizzatto. Manual de filosofia do
ressaltar, um Direito voltado para a proteção e direito. São Paulo: Saraiva, 2004.
segurança da dignidade da pessoa humana, que
muito ajuda na construção de uma cidadania res- PLATÃO. A república. Tradução de Maria
ponsável na busca de uma sociedade solidária e Helena da Rocha Pereira. 5. ed. Lisboa:
fraterna, sem exclusões de qualquer segmento Calouste Gulbenkian, 1987.
social.
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Tradução de José Martorell Capó. 2. ed. Madrid: Norma Sueli; MACHADO, Edinilson Donizete
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São Paulo: Loyola, 2001. (Coleção Instituto
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um estado laico? um estudo histórico-constitucio- Tradução de João Vasconcelos. Rio de Janeiro:
nal. Prisma Jurídico, São Paulo, Ed. Uninove, v. Forense, 1990.
3. p. 221-241, 2004.
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RESENHA
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Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Santo Agostinho; Pós-Graduanda em Direito Público pela Faculdade
Damásio.
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Com isso, procura demonstrar que a literatura, di- “mulher honesta”, pessoa de “reputação ilibada”
ferentemente do direito, não se prende a regras e de “notório saber jurídico”, entre tantas outras.
postas, mas sim desordena o que se mostra rígido Já nos personagens literários, sua natureza
permitindo uma interpretação por vezes colidente ambivalente se constrói a depender da situação
ao que a ordem jurídica instaura. enfrentada por estes, metamorfoseando-se e in-
A literatura se apresenta como a crítica, o vertendo papéis sem obedecer a uma padroniza-
não estar conforme que caracteriza seu poder ção. Ao explicar mais detidamente a diferença
mutacional e a imprevisibilidade do desfecho, bem exposta, o autor traz a distinção que P. Ricoeur
como é mencionado pelo autor no exemplo de estabelece entre duas formas de identidade, sen-
Ésquilo. Em contrapartida, o direito preocupa-se do estas:
em fixar regras de conduta, limitando os compor-
tamentos e os codificando, como forma de prever [...]a identidade idem, que corresponde à
respostas ao que a realidade utopicamente questão “o que eu sou?” e que se traduz
por traços fixos, e a identidade ipse, que
construída exigir, sempre condizente ao ponto de
corresponde à questão “quem eu sou?”,
vista dominante, a despeito das minorias. A litera- ligada às variações de uma personalidade
tura também se presta a demonstrar os desarran- que evolui com o tempo e com os outros
jos originados pelo excesso de direito, ou seja, quan- (OST, 2004, p. 18).
do este é aplicado ferrenhamente. Ost cita as inú-
meras fontes de saber que as narrativas de ficção A literatura é quem abre espaço para a dis-
guardam e que deviam ser aproveitadas pelas ci- cussão do idem esclarecendo que os seres huma-
ências sociais vez que trazem uma nova interpre- nos não são estereótipo imutável e fixado, mas sim
tação do texto normativo que expõe suas fragili- que respondem por si mesmos e se modificam
dades e sugere inovações. Ainda segundo o autor: conforme as circunstâncias também se modifica-
rem.
[...] o direito faz escolhas que se esforça A quarta e derradeira diferença diz respeito
por cumprir, em nome da “segurança jurídi- ao fato de que o direito se declina para o registro
ca” à qual atribui a maior importância. Entre
da generalidade e abstração, isto é, procurar abar-
os interesses em disputa, ele decide; entre
as pretensões rivais, ele opera hierarquia. car, abstrativamente, o maior número de situações
Assim o exige sua função social que lhe e pessoas possíveis, ao passo que a literatura se
impõe estabilizar as expectativas e desdobra no particular e no concreto, singularizan-
tranquilizar as angústias. Livre dessas exi- do uma determinada história condizente com igual-
gências, a Literatura cria, antes de tudo, a mente determinado personagem.
surpresa: ela espanta, deslumbra, perturba,
Após apresentadas as diferenças, François
sempre desorienta (OST, 2004, p.15)
Ost alude ao fato de que, malgrado todas as distin-
ções feitas e sem lhes retirar o devido apreço, a
Ainda nessa perspectiva, é traçada a segun-
discussão não finda com o mero elencar de pontos
da diferença que se perfaz no poder explorador da
divergentes posto que estes se comunicam e atu-
literatura enquanto desvendadora de todas as saí-
am convergentemente em alguns aspectos. O au-
das do caminho. Nesse diapasão, esta vislumbra
tor trata, por conseguinte, das posições instituídas
conhecimentos novos e engendra novos olhares
e funções instituintes do direito e, de maneira in-
sobre o fato enquanto que o direito não dar-se a
versa, a vertente instituinte do imaginário e suas
conhecer essas saídas, tendo em vista o fato de
formas instituídas. O direito, enquanto
que este direciona o caminho a ser seguido e não
regulamentador da realidade social não é uma for-
abre margem a possibilidades.
ça estática, apesar de se pautar em normas previ-
A terceira diferença concerne ao estatuto dos
amente fixadas, visto que este se depara, constan-
indivíduos de que fala cada um desses discursos.
temente, com práticas e interesses contrastantes
Citando Ch. Biet, François Ost assevera que: “o
com a norma que lhe exigem uma criação imagi-
Direito produz pessoas, a literatura, personagens.”
nária e desconstrução de significações instituídas.
(p. 16). O Direito impõe aos indivíduos uma más-
Nesse contexto, o direito possui a capacidade de
cara normativa na medida em que dita comporta-
se mobilizar e refundar-se de acordo com os dita-
mentos padrões e características pessoais que
mes individuais e situações vislumbradas no caso
qualificam ou desqualificam as pessoas, como, por
concreto. Logo, o imaginário jurídico concebido
exemplo, cite-se o “homem médio”, a já rechaçada
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enquanto intérprete inovador, em muito se asse- do-a, promovendo assim sua refundação alicerçada
melha à literatura em seu poder inventivo e explo- na razão prática. A literatura faz uso de sua lin-
rador. guagem para dar voz às minorias marginalizadas.
No que reputa às formas instituídas, a O autor propõe uma compreensão do direito
literatura não se mostra alheia a estas, o que pode contemporâneo evocando a pertinência das noções
ser verificado em sua “submissão” às regras de de “comunidade narrativa” e de “narrativa
linguagem e ao jogo da comunicação. Ainda que fundadora” demonstrando a importância jurídica da
se tente desformalizar as chamadas “leis universais interpretação de mundo feita por esta última na
de produção de sentido”, o princípio de uma criação de comunidades políticas, por exemplo. Nesse
codificação mínima não pode ser abolido bem como passo, os juristas operam dentro da comunidade
não se pode ignorar a linguagem. Outrossim, a narrativa partilhando de suas significações e
literatura deixa-se dominar pela ética e não se produzindo, ao se basear nestas, um direito vivo,
desvincula do que é justo, mormente, quando esta debatido e condizente com a história do homem.
se propõe a representar um dispositivo de Por fim, Ost apresenta a tese de Ronald
manutenção do vínculo social. Conforme apregoa Dworkin que trata o direito como “prática social
o autor, a narrativa deixa-se apoderar pela norma argumentativa” e defende que:
e se traduz numa obrigação de contá-la e revivê-
-la em significações novas, a exemplo das normas [...] cada caso sendo, para o magistrado que
religiosas, pedagógicas e políticas. Destarte, resta dele se ocupa, a ocasião de escrever um
novo capítulo da história jurídica da nação,
comprovado que a relação direito-literatura permite
sob a dupla exigência do respeito à integrity
um entrelaçamento de ambos os discursos do direito e à necessidade de particularizar
fazendo-se necessário compreender o que de da melhor maneira a solução proposta (OST,
comum existe entre estes. 2004, p. 30).
Ost defende que, diversamente do que se
entabula nas faculdades de direito, este não se ori- Com isso, o autor reafirma sua convicção de
gina do fato e sim da narrativa, posto que este é que o direito deve ser reavivado na análise de cada
construído e reconstruído a partir das realidades caso, levando em consideração as particularida-
individuais de personagens reais que vão além das des apresentadas e situações contextualizadas,
pessoas juridicamente criadas pelo direito. Direito assim como é vislumbrado na literatura que se
e literatura assemelham-se em sua raiz igualmen- amolda e readapta.
te fundada no imaginário coletivo que induz à co-
incidência e confusão entre ambos de modo que, Conclusão
excluindo a literatura do direito, este padecerá de
perdas imensuráveis como o empobrecimento da Com o estudo exposto, pode-se concluir que
linguagem. pensar o direito assumindo como pressuposto o
Questão 2: O que ganha o estudo do direito horizonte literário propicia a compreensão da rea-
nesse confronto com o espaço literário? lidade jurídica aportada sob um aspecto ficcional
Para François Ost, a referência literária pro- que instiga a reflexão, imaginação e um olhar so-
duz uma “diversão erudita” capaz de ornamentar bre si mesma enquanto realidade carente de
e florear os discursos jurídicos e reduzir o uso da completude, vez que as respostas nem sempre se
literatura a um discurso de apoio capaz de banali- encerrarão na legislação crua mas sim deverão
zar os textos literários que perdem sua força, esti- ser criadas, em observância aos contextos fáticos
lo, efeitos de narração, contexto e textura. O gan- e ao que o imaginário coletivo anseia.
ho do direito deve, pois, calcar-se na função de
subversão crítica que aquela agrega a este quan- REFERÊNCIA
do assume o viés de narrativa fundadora que pro-
picia um pensar a norma e saber crítico sobre as OST, François. Contar a lei: as fontes do
construções jurídicas, valorizando-a e prescreven- imaginário jurídico. São Leopoldo: Unisinos, 2004.
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digitado em letras minúsculas – exceto em se tra- 8) notas esclarecedoras como título original ou a
tando de nomes próprios – e após o título, tendo qual coleção pertence, se houver;
dois pontos imediatamente após a última letra do XV – o material gráfico e ilustrações devem:
título e antes do subtítulo; a) ter largura entre 8,5cm e 16cm;
X – o nome completo do autor do texto deve ser b) ser numeradas sequencialmente em algarismos
digitado em tamanho 12, alinhado à direita, com arábicos;
nota de rodapé contendo a qualificação resumida c) estar localizados(as) dentro do texto, quando
do autor (títulos e Instituições de Ensino às quais tratado do assunto em que a ilustração, quadro,
se acha ligado ou nas quais obteve os títulos); tabela ou outra forma de ilustração se referir;
XI – o Resumo deve: d) ter legendas escritas em tipos Times New
a) ter o máximo de 200 palavras, em único pará- Roman, tamanho 8, logo abaixo da figura.
grafo;
b) estar digitado em espaço simples (espaço 1);
c) ser redigido em Língua Portuguesa; TERCEIRA. O TEXTO E OS SUBTÍTULOS
d) conter até cinco palavras-chave, estas escritas O texto deve ser apresentado em estilo “justifica-
na última linha; do” (de um lado ao outro da página) e separado
XII – o Resumo deve ser traduzido, preferencial- por subtítulos, precedidos de algarismos arábicos.
mente em inglês, na mesma condição do Resumo, Quando se tratar de numeração primária (exem-
sob a forma de ABSTRACT, inclusive as cinco plos: 1, 2, etc.), o subtítulo dever vir todo escrito
correspondentes keywords; em letras maiúsculas, com efeito negrito. Quando
XIII – os destaques devem ser feitos exclusiva- se tratar de numeração secundária (exemplos: 1.1;
mente com utilização de tipos itálicos, não se ad- 1.2; 2.1; 2.2, etc.), o subtítulo deve ter somente as
mitindo negrito e sublinhado; iniciais maiúsculas, exceto partículas de ligação e
XIV – a Bibliografia deve: palavras monossilábicas (exemplos: de, para, por,
a) ser inserta ao fim do texto, exclusivamente; as), com efeito negrito. Subtítulo com numeração
b) ter o subtítulo como, apenas, REFERÊNCIAS; terciária (exemplos: 1.1.1; 1.1.2, etc.) deve conter
c) ter espaço simples entre as linhas; apenas a primeira inicial maiúscula, e sem efeito
d) estar alinhada à esquerda; negrito.
e) conter:
1) nome de família do autor, em letras maiúsculas,
seguido de vírgula; QUARTA. NOTAS DE RODAPÉ
2) restante do nome do autor somente com iniciais Somente são admitidas notas de rodapé para iden-
maiúsculas, exceto partículas de ligação que ficam tificação resumida do autor (inciso X da nota SE-
escritas em minúsculas (exemplos: de, da, e), se- GUNDA) e para notas explicativas. Não são ad-
guido de ponto final; mitidas referências bibliográficas como nota de
2) título da obra somente com a primeira inicial rodapé. Os tipos das notas de rodapé devem ser
maiúscula, exceto em se tratando de nomes pró- de números 9 ou 10.
prios, com efeito itálico; seguido de dois pontos se
houver subtítulo ou ponto final quando não houver
subtítulo; QUINTA. ABREVIATURAS, ABREVIAÇÕES
3) se houver, subtítulo da obra somente com inici- E SIGLAS
ais minúsculas, exceto em se tratando de nomes A primeira utilização de iniciais, abreviatura e si-
próprios, sem efeitos; gla somente será admitida após o nome por exten-
4) nome do tradutor, se houver, seguindo de ponto so da sequência abreviada, e entre parênteses. A
final; partir da primeira utilização de iniciais, abreviatu-
5) número da edição indicada apenas pelo algaris- ras e siglas, pode-se utilizar, opcionalmente, todo o
mo arábico seguido de ponto final e somente em nome ou a forma diminuída. Não se admite o uso
sendo da segunda edição em diante, e seguido da de abreviações (exemplos: cine, fone).
palavra “ed.”, em letras minúsculas seguidas de Notar que não há pontos finais em iniciais ou si-
ponto final, como forma de abreviar “edição”; glas.
6) o nome da cidade em que houve a publicação, Exemplos de siglas: Faculdade de Direito Santo
seguido de dois pontos; Agostinho (FADISA) ou Faculdade de Direito
7) o ano da edição, seguindo de ponto final; Santo Agostinho (Fadisa) (nos exemplos, a pala-
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vra formada tem mais de quatro letras e, por isso, ta analisar resenhas que lhe sejam submetidas. A
pode aparecer em caixa-alta ou somente com a elaboração de resenhas deve obedecer, em tudo,
primeira letra em maiúscula; se fosse composta as normas para publicações de artigos, exceto as
de até quatro letras, o uso seria, exclusivamente, seguintes particularidades:
exclusivamente com letras maiúsculas). I – admite-se texto sem subtítulos ou com subtítu-
Exemplos de iniciais: Fundo Monetário Internaci- lo sem numeração;
onal (FMI); Núcleo Docente Estruturante (NDE). II – o texto deve ter, no mínimo, cinco páginas;
III – não há resumo e/ou abstract;
IV – as obras resenhadas devem, obrigatoriamen-
SEXTA. NUMERAIS te, envolver o Direito, não se fixando quais as
No texto, os numerais são escritos por extenso modalidades intelectuais em que a arte analisada
entre um e vinte e a cada vez que a indicação for é apresentada (exemplos: filmes, livros literário,
em números pronunciados com única palavra peças teatrais e outras).
(exemplos: trinta, cem, quinhentos, mil) e em alga- V – admite-se Referência com apenas dados da
rismos nos demais casos (exemplos: 21, 45, 135, obra resenhada.
1.011). Deve-se notar que a partir de mil, há ponto
final entre o milhar e a centena. Não se usa ponto
final entre o milhar e a centena é em datas. Exem- 5 NORMAS DA ABNT
plos: 2015, 1968; 2045.
Em quaisquer textos submetidos à análise do Con-
selho Editorial da Fas@Jus, a e-Revista do Curso
4 NORMAS ESPECÍFICAS PARA PUBLI- de Direito da Faculdade de Direito Santo Agosti-
CAÇÃO DE RESENHAS nho, devem ser observadas as normas da Associ-
ação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em
A Revista Eletrônica Fas@Jus, do Curso de Di- tudo que não ficou descrito nas regras anterior-
reito da Faculdade de Direito Santo Agostinho acei- mente descritas.
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