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Contextualizando o autor e a obra: Gilberto Velho (1945 – 2012), foi um importantíssimo

antropólogo Brasileiro, o pioneiro em Antropologia Urbana, trazendo consigo significativas


contribuições para a área antropológica. Dentre suas obras, uma das destacadas é o livro
“Observando o Familiar”, publicada em 1978, que traz a tona a maneira como o antropólogo
lida com o seu campo de estudo, seu objeto, para que ele possa aprimorar seus estudos e
garantir resultados satisfatórios e fiéis, seja trabalhando com algo distante do seu cotidiano ou
com o que lhe é familiar. Nasceu, cresceu e morreu na cidade do Rio de Janeiro, cursou sua
graduação na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ganhou o prêmio “Ordem
Nacional do Mérito Científico”, um prêmio de caráter honorífico, que é concedido à
personalidades que contribuíram de forma significativa com a ciência e seu progresso no
Brasil.

“Uma das mais tradicionais premissas das ciências sociais é a necessidade de uma distância
mínima que garanta ao investigador condições de objetividade em seu trabalho. Afirma-se ser
preciso que o pesquisador veja com olhos imparciais a realidade, evitando envolvimentos que
possam obscurecer ou deformar seus julgamentos e conclusões. Uma das possíveis
decorrências deste raciocínio seria a valorização de métodos quantitativos que seriam "por
natureza" mais neutros e científicos.” (p. 123)

[Já é constatada a importância de uma distância que garanta condições de objetividade no


trabalho do antropólogo, a participação do profissional não necessariamente é parcial, ele
precisa viver aquela experiência de uma forma que reflita sobre o ocorrido de maneira crítica.
Em seu diário pessoal, ele pode relatar seus próprios pensamentos e sentimentos, mas
também prezando pela reflexão crítica. Quando se trata de um campo de estudo que faz parte
do cotidiano, a imparcialidade é muito mais difícil, mas ainda assim é um exercício de
“estranhar o familiar e familiarizar o que é estranho”, essa prática nos permite exercitar a
alteridade, que seria o reconhecimento e valorização do outro que é diferente de mim. A
alteridade, para o antropólogo, é uma forma de lidar com o que é diferente, ele tem um
posicionamento crítico acerca de algumas práticas, mas permite que ele não seja
preconceituoso e demonize o que é diferente da sua própria cultura, fora que muitas das
nossas práticas que são culturais podem ser estranhas para outros grupos.]

“Sem dúvida essas premissas ou dogmas não são partilhados por toda a comunidade
acadêmica. A noção de que existe um envolvimento inevitável com o objeto de estudo e de
que isso não constitui um defeito ou imperfeição já foi clara e precisamente enunciada “

(p. 123)

[Como dito, pelo próprio autor, não são todos que partilham dessa ideia, e realmente, a
neutralidade pode ser um fator importante, do meu ponto de vista, mas talvez o envolvimento
seja inevitável, mas acredito que o envolvimento não necessariamente atrapalharia a
objetividade do estudo, pois em qualquer ramo, seja no noticiário ou em estudos
antropológicos, o fato de você escolher determinado tema para falar já mostra uma pontinha
de parcialidade. Não há como se ausentar 100%, por mais importante que seja, o que deveria
prevalecer é a reflexão crítica acerca dos acontecimentos e as evidências dos estudos sobre o
campo de forma fidedigna.]

“A Antropologia, embora sem exclusividade, tradicionalmente, identificouse com os métodos


de pesquisa ditos qualitativos. A observação participante, a entrevista aberta, o contato direto,
pessoal, com o universo investigado constituem sua marca registrada. Insiste-se na idéia de
que para conhecer certas áreas ou dimensões de uma sociedade é necessário um contato,
uma vivência durante um período de tempo razoavelmente longo pois existem aspectos de
uma cultura e de uma sociedade que não são explicitados, que não aparecem à superfície e
que exigem um esforço maior, mais detalhado e aprofundado de observação e empatia. No
entanto, a idéia de tentar por-se no lugar do outro e de captar vivências e experiências
particulares exige um mergulho em profundidade difícil de ser precisado e delimitado em
termos de tempo. Trata-se de problema complexo pois envolve as questões de distância social
e distância psicológica.” (p.123 - 124)

[Como dito acima, a alteridade é um sentimento (um valor) exercitado pelo antropólogo que
se difere da empatia, então quando o autor coloca essa “ideia de tentar pôr – se no lugar do
outro”, sabemos que não é viável se colocar no lugar do outro, visto que, todo ser humano,
suas experiências e culturas são únicos, então não é possível o antropólogo (quando vindo de
fora desse ambiente), compartilhar das mesmas experiências, sentimentos e etc, e por isso o
autor fala que para alcançar essas particularidades, há um grande nível de aprofundamento e
dedicação, o que ainda não vai garantir esse “colocar – se no lugar do outro”. O mais correto e
possível, nesse meio é, realmente, a alteridade, pois, alguém vindo de fora nunca vai alcançar
o mesmo nível de experiência, conhecimento e vivências construídos por quem é do meio.]

“Assim, volto ao problema de Da Matta, para sugerir certas complicações. O que sempre
vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente conhecido e o que não
vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido. No entanto estamos
sempre pressupondo familiaridades e exotismos como fontes de conhecimento ou
desconhecimento, respectivamente.

Da janela de meu apartamento vejo na rua um grupo de nordestinos, trabalhadores de


construção civil enquanto a alguns metros adiante conversam alguns surfistas. Na padaria há
uma fila de empregadas domésticas, três senhoras de classe média conversam na porta do
prédio em frente; dois militares atravessam a rua. Não há dúvida de que todos estes indivíduos
e grupos fazem parte da paisagem, do cenário da rua, de modo geral estou habituado com a
sua presença, há uma familiaridade. Mas, por outro lado, o meu conhecimento a respeito de
suas vidas, hábitos, crenças, valores é altamente diferenciado. Não só o meu grau de
familiaridade, nos termos de Da Matta, está longe de ser homogêneo, como o de
conhecimento é muito desigual. No entanto, todos não só fazem parte de minha sociedade,
mas são meus contemporâneos e vizinhos. Encontramo-nos na rua, falo com alguns,
cumprimento outros, há os que só reconheço e, evidentemente, há desconhecidos também.
Trata-se de situação diferente de uma sociedade de pequena escala, com divisão social do
trabalho menos complexa, com maior concentração ou menor número de papéis, etc.”

(p. 126)

[O autor fala sobre como buscamos e pressupomos o que é familiar e o que é exótico, a fim de
criar essas formas de conhecimento ou desconhecimento. Acreditamos, muitas vezes que tudo
o que é familiar, necessariamente é conhecido e o que é exótico é desconhecido e Gilberto diz
o contrário. O fato de eu conviver com outras pessoas, delas estarem compondo a paisagem e
eu estar convivendo direta ou indiretamente não quer dizer que eu conheça aquela realidade,
mas sim que pressuponho que aquela pessoa seja algo que eu idealizo, de certa forma. Ele
destaca também a diferença de uma sociedade em grande escala, de uma grande cidade e
maior divisão do trabalho e uma em pequena escala , com uma divisão de trabalho menos
complexa, não necessariamente quer dizer que as pessoas da segunda situação sejam mais ou
menos parecidas, mas que em certo grau, elas apresentam mais similaridades de grupos em
relação à religião, hábitos e costumes, do que pessoas de uma cidade maior e mais complexa,
mas em ambos os casos elas apresentam particularidades em familiaridades e conhecimentos,
ou seja, no caso de uma sociedade maior e mais complexa, pode ser que ao conhecer e se
deparar com certas realidades, o antropólogo sinta como se fosse um estrangeiro em sua
própria cidade, visto que, por mais que more a vida inteira naquele local, seu conhecimento
nunca será absoluto e sua familiaridade nunca será homogênea, em uma cidade menor é mais
“fácil” não estranhar o seu ambiente. ]

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