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ANUARIO DE DIRBITO INTERNACIONAL 2016 ° 1D Ministério dos Negocios Estrangeiros TITULO ANUARIO PORTUGUES DE DIREITO INTERNACIONAL 2016 CONSELHO EDITORIAL SUSANA VAZ PATTO JOSE FREITAS FERRAZ MATEUS KOWALSKI DORA MARTINS EDIGAO CONJUNTA, DEPARTAMENTO DE ASSUNTOS JURIDICOS E INSTITUTO DIPLOMATICO MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS DESIGN DA CAPA, GRAFICOS A LAPA, LDA EXECUGAO GRAFICA EUROPRESS - INDUSTRIA GRAFICA, LDA. ISBN 978-972.9245.93-0 DEPOSITO LE 33392411 AGEM 390 exemplares PREGO euros OUTUBRO 2017 Acérdao do Tribunal de Justiga (Quinta Sec¢ao), Tipo: Partes: Objeto: Dispositivo: de 13 de julho de 2016 (C-18/15) reenvio prejudicial do Supremo Tribunal Administrativo. Brisal — Auto estradas do Litoral, SA e KBC Finance Ireland c. Fazenda Publica. interpretagao do artigo 56.° TFUE. i) artigo 49.° CE nao se opde a uma legislagao nacional por forca da qual a remuneragao das instituigdes financeiras nao residentes do Estado-Membro onde os servigos sdo prestados esta sujcita a um procedimento de retengao na fonte do imposto, ao passo que a remuneragao paga as instituigées financeiras residentes desse Estado-Membro nao esta sujeita a tal retengao, desde que a aplicacao da retengdo na fonte as instituigdes financeiras nfo residentes seja justificada por uma razio imperiosa de interesse geral ¢ no ultrapasse o necessario para alcangar 0 objetivo prosseguido; ii) 0 artigo 49.° CE opde-se a uma legislagao nacional como a que esté em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituig6es financeiras nao residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questo, ao passo que essa possibilidade ¢ reconhecida as instituigdes financeiras residentes; iii) cabe ao orgtio jurisdicional nacional apreciar, com base no seu direito nacional, quais as despesas profissionais que podem ser diretamente relacionadas com a atividade financeira em questao. ii, Anotagéo ao Acérdao do Tribunal de Justiga (Quinta Secgiio) de 13 de julho de 2016, Brisal — Auto-Estradas do Litoral, SA e KBC Finance Ireland contra Fazenda Pablica, processo C-18/15 Joao Sérgio Ribeiro 1. Resumo dos factos O litigio no processo principal tem por objeto a aplicagao do imposto portugués sobre o rendimento das pessoas coletivas aos rendimentos de juros obtidos em Portugal por uma instituigo financeira com sede na Irlanda. A sociedade de direito portugués Brisal - Auto-Estradas do Litoral, S.A. € 0 Banco irlandés KBC Finance Ireland estavam vinculados por um contrato de financiamento. No quadro desse contrato, a Brisal estava obrigada a pagar ao KBC juros. Sobre esses pagamentos, a Brisal fez retengdes na fonte que entregou a administragao tributdria portuguesa. Tanto a Brisal como o KBC opuseram-se a esta obrigagao de retengao de uma parte dos juros para pagamento do imposto portugués sobre o rendimento das pessoas coletivas, pelo facto de discriminar as instituigdes financeiras nao residentes, face as residentes de forma contraria ao direito da Unido. O KBC solicitou, em especial, que fossem fiscalmente considerados os custos de refinanciamento do empréstimo por ele suportados. 2. Quadro juridico a) Direito portugués Em conformidade com 0 artigo 4.°, n.°2, do Cédigo do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.°442-B/88, de 30 de novembro de 1988 (Diario da Republica, I série, n.°277, de 30 de novembro de 1988), na redagao resultante do Decreto-Lei .°211/2005, de 7 de dezembro de 2005 (Diario da Republica, I série-A, n.°234, de 7 de dezembro de 2005), as pessoas coletivas ¢ outras entidades que nao tenham sede nem diregao efetiva em territério portugués ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos. Entre os rendimentos em causa figuram, nos termos do artigo 4.°, n.°3, 237 alinea ¢), do CIRC, os juros pagos por devedores que tenham residéncia, sede ou diregdo efetiva em territério portugués ou cujo pagamento seja imputavel a um estabelecimento estavel situado neste Estado. | . . Na falta de uma convencao para evitar a dupla tributacao, tais rendimentos so, em principio, em aplicagao do artigo 80.°, n.° 2, alinea c), do CIRC, tributados a taxa de 20%, sendo a matéria coletavel constituida pelos rendimentos iliquidos obtidos em Portugal. Em conformidade com o artigo 88.°, n.° 1, alinea ¢), com 0 artigo 88.°, n.° 3, alinea b), e com o artigo 88.°,n.° 5, do CIRC, 0 IRC retido na fonte tem cariter definitive. sinanceiras imentos de juros recebidos pelas instituigdes fine reientes sdo,em virtude do artigo 80.°, n.°1,do CIRC, tributados a taxa de 25%, Todavia, a matéria coletdvel € exclusivamente constituida pelo montante liquide dos juros recebidos. Além disso, em conformidade com 0 artigo 90.°, n.° I, alinea a), do CIRC, no que respeita as instituigdes financeiras, o IRC nao é objeto de retengao na fonte. Convengiio relativa a dupla tributagdo entre a Republica Portuguesa ¢ a [rlanda - © artigo I1.° da Convengio entre a Repdblica Portuguesa ¢ a Irlanda para Evitar a Dupla Tributagao e Prevenir a Eyasio Fiscal em Matéria de Impostos sobre 0 Rendimento, celebrada em Dublim, em 1 de junho de 1993 (Diério da Repiiblica, I série-A, n° 144, de 24 de junho de 1994, p. 3310), prevé: «1 — Os juros provenientes de um Estado Contratante e pagos a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributados nesse outro Estado. 2 = No entanto, esses juros podem igualmente ser tributados no Estado Contratante de que provém e de acordo com a legislagao desse Estado, mas se a pessoa que recebe os juros for 0 seu beneficiario efetivo, o imposto assim estabelecido nao excederd 15% domontante iliquido desses juros. Asautoridades competentes dos Estados Contratantes estabelecerio, de comum acordo, a forma de aplicar este limite. 3. Questdes prejudiciais O Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), que entretanto foi chamado a pronunciar-se, submeteu ao Tribunal de Justiga, em 19 de Janeiro de 2015, ao abrigo do artigo 267.° TFUE, as seguintes questocs. |. Oartigo 56.°[...] TFUE opée-se a legislagao fiscal interna segundo a qual as instituigdes financeiras ndo residentes em territério Portugués estdo sujeitas a imposto sobre o rendimento de juros auferidos nesse territério e retido na fonte a taxa definitiva de 20% (ou a taxa menor caso exista conveneao para evitar dupla tributaeao), taxa que incide sobre o rendimento iliquido, sem possibilidade de deducao das despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade financeira exercida, a0 passo que os juros auferidos por instituigdes financeiras residentes so incorporados no rendimento global tributivel, procedendo-se A deducao das despesas associadas 4 atividade exercida quando se determina o lucro para efeitos de tributagto em IRC, incidindo, assim, a taxa geral de 25% sobre o rendimento de juros liquido? Essa oposigfo ocorre ainda que se apure que a base tributavel das instituigdes financeiras residentes fica ou pode ficar sujeita, apds adedugao dos custos de financiamento assaciados aos rendimentos de juros ou a dedugao das despesas com relaedo econémica direta com esses rendimentos, a imposto mais elevado do que aquele que € retido na fonte as instituigdes nao residentes ¢ que incide sobre o rendimento iliquido? Para esse efeito, os custos de financiamento associados aos empréstimos concedidos ou as despesas com relaedio econémica direta com os rendimentos de juros auferidos, podem ser comprovados através dos dados fornecidos pela EURIBOR (Euro Interbank Offered Rate) ¢ pela LIBOR (London Interbank Offered Rate) — entidades que representam as taxas de juro médias praticadas nos financiamentos interbancarios a que os bancos recorrem para levar a cabo a sua atividade? 4, Resposta As questies prejudiciais 1 O artigo 49.° CE nao se opde a uma legislago nacional por fora da qual a remuneragao das instituigdes financeiras nao residentes do Estado-Membro onde os servigos sao prestados esta sujeita a 239) um procedimento de retengao na fonte do imposto, a0 passo que a remuneragaio paga as instituigdes financeiras residentes desse Estado-Membro nao esta sujeita a tal _retengiio, desde que a aplicagao da retengdo na fonte as instituigdes financeitas nao residentes seja justificada por uma raz%o imperiosa de interesse geral ¢ nado ultrapasse o necessirio para alcangar 0 objetivo rosseguido; — _ 2. O artigo 49.° CE opde-se a uma legislagio nacional como a que estd em causa no processo principal, que, regra geral, tributa as instituigdes financeiras nao residentes pelos rendimentos de juros obtidos no interior do Estado-Membro em causa, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questo, 20 passo que essa possibitidade € reconhecida as instituigdes financeitas residentes; 3. Cabe ao érgio jurisdicional nacional apreciar, com base i Seu direito nacional, quais as despesas profissionais que podem ser diretamente relacionadas com a atividade financeira em que: Comentario O caso presente da continuidade a uma série de outros ee a ja se tinham pronunciado acerca de situagdes envolvendo rezengdo na 7 te, ‘designadamente Scorpio™, Truck Center”, Commissdo v. ortiga ” X™, Hirvonen* e Miljoen’™. Denotando- se, como vem Seno pr ees uuma preocupagdo em manter uma certa coeréncia ¢ nfo romper com o sentido de decisées anteriores. Nao obstante Brisal vir na linha de outros acérdiios, entendemos, especialmente num contexto como 0 atual, que 0 TJ levou longe demais a equiparagio dos residentes aos niio residents, pois é verdadeiramente disso que se trata, tendo demonstrado, segundo nos parece, alguma levezs no afastamento das justficagdes apr ena pela Repiblica Portuguesa ¢ Reino da Bélgica. A Preoeupasto la coeréncia, apesar de se ter mantido relativamente ao enquadrament 0 da retengdo na fonte e a tributacao de rendimentos liquidos, nao se manteve 201. C-290104, de 3 de outubro de 2006, ECLI:EU:C:2006:630. «edezembro de 2008, ECLI:EU:C:2008:762 p de 2010, ECLIEU:C:2010:345 ECLEEU:C:2012:635, 202 C-282107, de 203 C-105/08, de 204 C-498/10, de 18 de outubro de 201 205 C-632/13, de 19 e novembro de 2015, ECLLEU:C:2015:7 206 C-10V14, C-14/14 ¢ C-17/14, de 17 de setembro de 2015, ECLI-EU:C:2015:608, Tei 240 | no ambito da andilise das justificagdes apresentadas pelos Estados, pois, ho passado, algumas delas foram atendidas, ou pelo menos rebatidas de um modo manifestamente mais sustentado, Antes de nos referirmos ao teor da decisaio propriamente dita, julgamos importante dar nota de uma questao prévia importante que apesar de nao ter sido diretamente abordada, cremos que esteve muito presente quer na opinido da Advogada-geral quer, naturalmente, na decisio final Referimo-nos ao facto de muito frequentemente os Estados da fonte rescindirem da tributagdio de pagamentos de juros a bancos quando estes nao disponham aide um estabelecimento estavel. E dbvio que a Advogada- -geral ¢, depois, o TJ n&o sugeriram que fosse este o caminho a seguir pela Republica Portuguesa, mas as exigéncias relativamente ao regime Proposto sto de tal modo complexas ¢ de dificil implementagao que desfecho mais provavel serd uma solugdo daquele tipo, isto é, de isencdo na fonte. Aliés, em sintonia com o que ja se passa em muito paises, ¢ Segundo nos quer parecer, também em Portugal. Apesar de esta situagaio nao ter sido suscitada pelas partes, parece-nos que os juros tributados poderiam ter sido reconduzidos aos servigos relativos a atividade financeira € que, por isso, falharia a conextio com o ordenamento Portugués e consequentemente a possibilidade de ai haver tributagao. O que, em bom rigor, dispensaria todo este processo. De forma sintética, 0 art. 4.°, n.° 3, al. ¢), ponto 7), do CIRC, dispde, na sua primeira parte, que sio considerados rendimentos obtidos em territério portugués os derivados de outras prestagdes de servigos realizados ou utilizados em territério portugués. No caso concreto os servicos foram nao sé realizados mas também utilizados em territério Portugués, pelo que, a primeira vista, se verificaria a conexio. Contudo, © preceito em escrutinio nao se limita a expresso antes transcrita, sendo ainda composto por uma parte final que vem consagrar uma excegaio a regra antes firmada, ao dizer: «com excegtio dos relatives a transportes, comunicagdes ¢ atividades financeiras». Consideramos que os servigos que esto em causa sao relativos a atividades financeiras*”, pelo que se Poderia concluir pela falta de conexo com o nosso ordenamento para feitos de tributagio em IRC. O sentido sustentado 6, alids, confirmado pelos trabalhos preparatérios, Se atentarmos no Relatério da Comissio para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, de 30 de abril de 1996, que esteve na base da criagdo do preceito que analisamos (0 qual resulta de 207 Independentemente de do EBE ima eventual interpretagdo em sentido contrtio com base no tear do atigo 30° 241 uma adigdo ao texto inicial da norma feita pelo DL n.° 25/98, de 12 de fevereiro) verificamos que a proposta original — que, certamente, traduz aquilo que tera sido o pensamento do legislador — se referia expressamente 4 atividade bancdria que seguramente é suscetivel de ser reconduzida ao conceito mais lato de atividades financeiras, como ressalta do excerto que se transcreve de seguida. Os membros da comissdo estéo igualmente de acordo que nao deveriam ser abrangidos certos servigos, designadamente os préprios da actividade bancéria [negrito nosso)...’ Entrando agora no acérdiio propriamente dito ¢ fechando este parénteses relativo ao direito nacional, mas que consideramos ainda assim relevante, comecaremos por nos referir a violagdo da livre prestacdio de servigos para, depois, considerar 0 modo como o TS lidou com cada uma das justificagdes apresentadas pela Republica Portuguesa, e em parte, secundadas pelo Governo Belga. O TJ, no contexto da apreciagdo da compatibilidade das normas portuguesas com a livre prestagdo de servigos, concluiu num primeiro momento, em sintonia com 0 que jé tinha decido anteriormente™, que essa liberdade nao se oporia a uma legislagdo nacional, como a que estava em causa no processo principal, por forga da qual a remuneragio das instituigdes financeiras nao residentes no Estado-Membro, onde os servigos eram prestados, estava sujcita a um procedimento de retengao na fonte do imposto. Mesmo que a remuneracio paga 4s instituiges financeiras residentes nesse Estado-Membro nao estivesse sujeita a essa retengiio, desde que a aplicagao da retencfo na fonte as instituigdes financeiras nio residentes fosse justificada por uma tazao imperiosa de interesse geral e ndo ultrapassasse o necessario para alcangar 0 objetivo prosseguido*"”, Relativamente a esta conclusdo nao hé nada a comentar, parecendo-nos acertada, embora excessiva na parte em que exige uma razAo imperiosa de interesse para recorrer a retengao na fonte, em grande medida pelo que se referira de seguida. 208 tn: Relatdrio da Comissdo para © Desenvolvimento da Reforma Fiscal, Ministerio das Finangas, 30 d6 abril de 1996, p. 629, 209 Ver, neste sentido, Scorpio, C-290/04, de 3 de outubro de 2006,ECLI:EU:C:2006:630, n.° 37 €-Xy ‘C-498/10, de 18 de outubro de 2012, ECLIEU:C:2012:635, n° 39. 210 Brisal, C-18/15, de 13 de junto de 2016, ECLI-EU:C:2016:549, n° 22, 242 Num segundo momento, 0 TJ concluiu que a livre prestagdo de servigos se opunha a uma legislagao nacional que, regra geral, ao tributar os ndo residentes, tomava em conta os rendimentos iliquidos sem dedugdio das despesas profissionais, enquanto os residentes eram tributados pelos seus rendimentos liquidos, apds dedugdo dessas despesas*", Apesar de esta decisio vir na linha de outros acérdaos, nado podemos deixar de expressar as maiores reservas. E certo que o TJ tenta, por norma, manter uma certa coeréncia nas suas decisdes, contudo, esta no deve ser absoluta, especialmente quando a realidade, através das alteragdes que envolve, coloca desafios distintos. Ainda antes de nos referirmos a esses desafios, verifiquemos se realmente ha uma discriminago do néo residente no caso conereto. De acordo com argumentagao expressa, a regulamentagao nacional tem por efcito tornar a prestagio de servicos entre Estados-Membros mais dificil do que a prestagao puramente interna”, Parece-nos, todavia, que néo haverd condigdes menos favordveis para os nao residentes, ou pelo menos nao é evidente que assim seja, Desde logo a taxa de imposto a aplicar sera, como é admitido por todos os envolvidos, inferior 4 que incide sobre os residentes. Relativamente 4 suposta impossibilidade de considerar as despesas necessarias para prestar 0 servigo, que decorreria da tributagao de rendimentos brutos na fonte, a questio nfo é tio automatica e simples como se quer fazer parecer. Ainda antes de entrarmos na questao referente a distingdo entre o elemento conexao residéncia ¢ fonte e nos debrugarmos sobre o crucial papel que desempenham no equilibrio entre sistemas fiscais, podemos desde ja afirmar, sem prejuizo de virmos a desenvolver mais a questio, que, regra geral, as despesas necessdrias & produgio de um certo rendimento so consideradas no Estado da residéncia. Sendo essa a situago normal. Por outras palavras, a impossibilidade de deduzir despesas necessirias para produzir o rendimento no Estado da residéncia do sujeito passivo & algo de excecional e, de certo modo, improvavel. Pelo que, numa situagéio concreta como a que foi decida, a exigéncia de que a tributagdo de rendimentos liquidos fosse assegurada na fonte deveria ter como pressuposto que essa possibilidade no existiria no Estado da residéncia. Digamos que a discriminagfio dos nao residentes & AL Brisal, C-I8/15, cit, n& 24, Nesse sentido ver, Gervitse, C-234/01, de 12 de juno de 2003, ECLIBU:C:2003:340, n® 29 e 55; Sconpio, C-290/04, cit, n° 42 e Centro Equesine ela Lesiria Grande, ‘C-345/04, de 15 de fevereito de 2007, ECLE-EU:C:2007:96, n.° 23, 212 Chi Brisa, C-18/18, Opinide da Advogada-geral, de 17/3/2016, 1° 17. uma mera eventualidade?"? que deve ser comprovada, dado que 0 que normal, ¢ nao o contrario, é que o Estado da residéncia permitaa dedugao das despesas relativas ao desenvolvimento de uma atividade, sejam estas gerais ou especificas Verifica-se que 0 TJ nem sempre atende ao contexto geral no qual uma medida é aplicada, centrando-se, muitas vezes, num Estado conereto (ou o da fonte ou o da residéncia) quanto determina se uma certa medida é restritiva ou discriminatéria e, por isso, compativel com o direito da Unido Europeia?"', Entendemos, todavia, que a abordagem deve ser integrada, Isto é, que deve considerar simultaneamente o regime na fonte e na residéncia. Especialmente quando lidamos com questdes que nao necessitam de grande indagagao e que quase sempre se verificam, como 0 caso da dedugao na residéncia das despesas necessaria a produgio de um rendimento tributado que, em rigor, no é um beneficio, mas uma regra fundamental & determinagao do proprio lucro. Julgamos, por conseguinte, sobretudo no ambito tributario, e quando estiio em causa regras fundamentais como a tributagaio no Estado da residéncia e no da fonte, que as obrigagdes de cada um desses Estados devem ser analisadas de forma articulada. Curiosamente, em casos incontorndéveis como Schumacker e Marks & Spencer, para determinar se haveria ou nao violagao da liberdade de circulagao, foi considerado tanto 0 ordenamento do Estado da fonte como o da residéncia*”, O excerto que de seguida se transcreve, produzido a propésito da liberdade de estabelecimento, expressa na perfeigdo 0 que pensamos a este propdsito. — «Em termos mais gerais, creio que a cumulagao de obrigagdes fac: ao Estado de residéncia e ao Estado fonte deve, no que concerne as disposigdes sobre a livre circulagao, ser considerada como um todo ow 213 Fazendoumparalelocom Marks andSpencer,C-446,03,de [3dedezembrode2005, ECLLEU:C:2005:763, também a, no nosso entender, havia uma resrigdo meramente eventual, 0 que justifica nao s6o facto de este acérdao se ter tomado imensamente polemico, mas também a eitcunstineia de nao hi muito, no sede Comissio » Reino Unido, C-172/13, de 23/10/2014, se terem feito preeises impor certo mod limitam os efeitos daquela jurisprudéncia, 214 Ver Danner, €-136100, de 3 de outubro de 2002, ECLI:EU:C:2002:588, n° 56; Eurossings, C-294097, de . (ooijen, C-35/98, de 6 de junho de 2000, ECLL-EU:C:1999:524, n° 61 es, que de 26 de outubro de 1999; Ve 215. Ver Marks andl Spencer, C-446]03, cit: €em especial, Schunacker, C-279/93, de 14 de fevercito de 1995, ECLHEUC:1995:31, nA: im sites como ado proceso princi, 0 Esto de resid do 10 pessoal ¢ familiar do contribuinte, pois a carga fiscal a existente pode tomar em considerago a situagao pes sien no €suificiente para o permits. Quando tal acontece, 0 prineipio comunitirio da igualdade de tratament residente seja tomada em consideragio no Estado do em cexige que a situagdo pessoal familiar do prego da mesma forma que para os nacionais residentes e que Ihes sejam concedidos os mesmos benef 244 como tendo atingido um certo ponto de equilibrio. A andlise da situacao de determinado operador econdémico individual unicamente no quadro de um di sem tomar em conta as obrigagdes que o artigo 43.° CE impoe ao outro Estado —pode dar uma impressio desequilibrada © enganosa e pode néo captar a realidade econémica na qual se move este operadory?! Ora, se efetivamente se verificasse que as despe As para gerar rendimento em Portugal cram suscetiveis de ser deduzidas na Irlanda, como aliés € normal no Ambito da tributagao no Estado da residéncia, nao haveria qualquer discriminagao, Colocando 0 problema de forma diametralmente oposta ao sentido da decisio, diriamos que a primeira vista n&o haveria discriminagdo, e que esta apenas seria concebivel num cendrio, anormal e eventual, em que o Estado da residéncia nao permitisse a dedugdo das despesas. Nao obstante as discordancias e admitindo que a legislagao do Estado- -Membro*” que tributa os rendimentos iliquidos dos nao residentes sem dedugdes de despesas profissionais constituiria uma violagao da liberdade de circulagao de servigos"; entendemos que a maioria das justificacdes invocadas para justificar essa suposta discriminagdo deveriam ter sido aceites ou, quando muito, ter sido consideradas com maior atengio. Comegamos por analisar a justificagdo apresentada no sentido de que © tratamento desfavordvel seria compensado com outras vantagens, concretamente com uma taxa de tributagao mais generosa. Concordamos. tal como tem vindo a ser reiterado pelo TP”, que nao poderia vingar esta justificagio, tendo 0 TJ decidido como se impunha No que concerne & necessidade de assegurar a repartigdo equilibrada do poder de tributagao entre os Estados-Membros e consequente impacto na aplicagdo das convengdes sobre a dupla tributagao, julgamos que a abordagem nao foi a mais acertada. Pois, apesar de num primeiro momento Se reconhecer que «... no que respeita a repartigdo equilibrada do poder tributario entre os Estados-Membros, hd que recordar que o Tribunal de 216 fn: ACT GLO, Opinio do Advopadto-t 2006:139, n> 72 ral Geelhoed, C-374/04, de 23 de feversiro de 2006, ECLILEU:C 217 Por oposigao & tributagio dos residentes que sto tributados pelos seus rendimentos liquids, apos edugdo dessas despesas 218 No pressuposto de que os prestadores de servigos residentes e nto residentes estariam numa situagio comparavel 219 Nesse sentido, ver De Groot, C-385/00, de 12 de dezembro de 2002, ECLEEU:C-2002:750, n2 97; Diphman ¢ Ditkan-Lavaleife, C-233/09,| de julho de 2010, ECLE:EU:C-2010:397, n2 A; Comissdo! Belgica, C-387/I, de 25 de outubro de 2012, ECLIEEU:C:2012:670, n° 53. 245 Justiga reconheceu, efetivamente, que a preservagio da reparticaa do poder tributério entre os Estados-Membros constitui um objetivo legitimo e que, na falta de medidas de unificagao ou de harmonizagio adotadas pela Unido Europeia, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar, por via convencional ou unilateral, os critérios de repartigao do scu poder tributério, de modo a eliminarem as duplas tributagdes”»; num momento seguinte, o TJ. apoiado na argumentagio da Advogada-geral, nega que a repartigao equilibrada de poderes justifique um tratamento mais desfavordvel dos nao-residentes. Antes de lidar diretamente com argumentagiio apresentada ¢ importante firmar algumas ideias que nos parecem essenciais. ; ; Em ptimeiro lugar, tributar um residente ¢ um nao residente nao é, nem pode ser, a mesma coisa. Impde-se que se recorde que a repartigao de competéncias tributarias entre os Estados assenta, a nivel internacional, essencialmente na tributago com base na aplicagao articulada dos elementos de conexdo fonte ¢ residéncia, As proprias convengées sobre dupla tributagdio tem como pressuposto a diferente tributagao que existe na fonte e na residéncia. E, por consequéncia, tendencialmente universal aregra de que o Estado da residéncia tributa todo 0 rendimento do sujeito passivo, independentemente do local onde seja obtido, isto 6, tributa de acordo com uma base mundial, ¢, consequentemente, permite a dedugao de despesas. O Estado da fonte, por sua vez, dada a conexao mais ténue, normalmente tributa, através de taxas de retengao, rendimentos brutos. Este equilibrio, dado que os Estados vio assumindo alternadamente, em fungao da situagio tributdria que esteja em causa, a condigaio de Estado da residéncia ou Estado da fonte, tem-se mantido de forma estavel. Sem esta regra os problemas de articulagao entre sistemas tributarios seriam adensados e as convengdes para eliminagao da dupla tributagiio, pura © simplesmente, nao poderiam ser aplicadas. ; © proprio T] tem sido especialmente cauteloso na equiparagaio dos residentes aos nao residentes, Consideramos 0 caso Schumacker um bom exemplo dessa cautela”!, Isso sem prejuizo de a Advogada-geral” ter reputado como duvidosa a possibilidade de ser aplicada esta jurisprudéncia a0 caso concreto, dado que teria sido desenvolvida para pessoas singulares a propésito de despesas pessoais, ¢ ndo para as despesas relativas a uma atividade. Parece-nos, contudo, que na realidade, em Schumacker, 0 que 220 In Brisa, C-18115, ct, n2 35, 221 Ci C-279/93, cit, n°33, Ver no mesmo sentido, Marks and Spencer, C-446103, ct. n* 37. 222 Cli, Brisal, C-18/15, cit, Opinido da Advopada-geral, a." 41. 246 verdadeiramente esté em causa niio s&o tanto as despesas ou 0 seu tipo, mas essencialmente a equiparagao do regime de tributagao dos residentes no Estado da fonte, ao dos sujeitos passivos que ai nao sejam residentes, Essa é que é a grande consequéncia do acérdao, sendo precisamente nessa equiparagao que julgamos dever assentar qualquer paralelo. Nesse caso concreto considerou-se que a liberdade de circulagao de Pessoas deveria ser interpretada no sentido de obstar a aplicagdo da legislagao de um Estado-membro que tribute um trabalhador que exerga atividades profissionais no seu territério, sendo nacional e residente de outro Estado-membro, de modo mais gravoso do que os trabalhadores que residam no seu territério ¢ ai ocupem o mesmo emprego. Sobretudo quando os rendimentos do nacional e residente do segundo Estado provenham total ou quase totalmente do trabalho exercido no Estado da fonte, ¢ nao disponha no Estado da residéncia de rendimentos suficientes para ai serem submetidos a tributagao que permita tomar em consideragao a sua situagdo pessoal e familiar, Apesar da equiparagao entre residentes ¢ nao residentes, a situagao foi devidamente ponderada, com base na indagagao de se poderia ou nao haver dedugao no Estado da residéncia, ¢ além disso, exigiu-se que os rendimentos Proviessem quase totalmente do Estado da fonte, 0 que constitui uma abordagem muito diferente da adotada no caso de que cuidamos, _ Consideramos, face ao explanado, que o TJ deveria ter afastado a ustificagao assente na reparticao equilibrada do poder de tributagiio entre ‘os Estados, dado 0 seu cardter fundamental ¢ sensibilidade, com outra propriedade. Alias, como fez nos casos National Grid Indus? e Verder Lablec?*. O TJ limitou-se, todavia, a subscrever a argumentagao avangada pela Advogada-geral”*, 0 que nos suscita grandes reservas. Comegou por afirmar, no pressuposto, supomos, de que a Convengéio celebrada entre Portugal e a Irlanda nao se desviaria da Convengiio Modelo da OCDE, que o artigo 11.° da Convengao Modelo da OCDE, nao daria qualquer indicagao relativamente a0 modo como o Estado da fonte faria a tributagao, isto é, se incidiria sobre rendimentos brutos ou liquidos, estabelecendo apenas um limite maximo de tributagao, Nao nos Parece que dessa asserg&o se pudesse concluir que a tributaedo na fonte deveria incidir sobre rendimentos liquidos, Antes pelo contrario, até Porque a forma como se deve proceder a tributacdo é algo que incumbe 223 C-371/10, de 29 de novembro de 2011, ECLI:EU:C:2011:785, n° 46, 224 C-657/13, de 21 de mai de 2015, ECLIEU:C:2015:331, 42 ¢ 43, 25 Brisa, C-18/15, cit, Opinio da Advogada-geral, 12°59 a 62. aos Estados. Curiosamente 0 pardgrafo do comentario ao artigo 11." da Conveng’io Modelo da OCDE, a que a Advogada-geral fez alusio, considera como normal, precisamente, que o Estado da fonte tribute o montante bruto do juro, independentemente das despesas em que 0 sujeito passivo incorra para gerar esse lucro, Esse é que ¢ 0 cenario normal considerado pelo comentario’. Os problemas que decorrem de uma carga fiscal excessiva, especialmente quando ha custos de financiamento, ¢ que levam alguns Estados em que se situa a fonte a prescindirem da tributagao dos juros quer no Ambito das convengdes sobre dupla tributagao quer, unilateralmente, no ambito dos seus direitos internos””’, tém a ver com a compensagao da tributagao que existe na fonte, pelo Estado da residéncia, e nao com as despesas relativas a essas operagdes. Na argumentagéio apresentada pela Advogada-geral e, cremos, as duas questdes. E certo que quando os lucros out existem prejuizos no Estado da residéncia, pode nao vés do confundiram- sao modestos J er possivel, nos casos em que a dupla tributagao ¢ eliminada atra método do erédito de imposto, compensar a tributagao na fonte. Todavia, problema totalmente distinto sdo as despesas em que se incorreu para levar a cabo a atividade, onde quer que tenham sido realizadas, pois estas tém sempre impacto, determinando, ou a dimensao do lucto a tributar, ou do prejuizo a reportar, no Estado da residéncia. Sao, portanto, questdes diferentes ¢ que nao podem ser equiparadas sob pena de se iciar a argumentagao. io decorre, por conseguinte, da convengio ou dos comentarios qualquer posicionamento face a consideragio das despesas na fonte. Resultam, sim, argumentos a favor da nao tributag’o dos juros na fonte. A este proposito foi invocada pela Advogada-geral a Diretiva 2003/49/CE do Conselho, relativa a um regime fiscal comum aplicdvel aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de Estados- -Membros diferentes, para reforgar a ideia de que a tendéncia seria a de que nao haveria tributagdo na fonte™®, Sem prejuizo de haver alguma sintonia, importa salientar que a diretiva nao implica a isengao dos juros na fonte sem mais, exigindo 0 cumprimento de varios requisitos, designadamente 0 da associagio das empresas, que, como € dbvio, nao seriam cumpridos no caso em discussao. 11" da Convengao Modelo da OCDE., $s 7.1.€ 7.7. 226 Clr. Comentario ao ar 227 Como nos parece ser 0 easo de Portugal Ci. Brisal, 18/15, cit, Opinido da Advog 248, Percebe-se que o resultado desejado pela Advogada-geral e pelo TI legitimamente, admite-se, até porque simplifica as operagdes seria a nao tributagzo na fonte, Porém, esse designio no pode ser imposto aos Estados instrumentalizando a questo da dedugao de despesas na fonte. Sao _questdes distintas, pelo que a consideracado das ditas despesas profissionais ~ o que quer que isso signifique ~ nao resolve seguramente a questao que supostamente ser quer enfrentar Analisemos agora a forma como 0 TJ lidou com o argumento da prevengao da dupla dedugiio das ditas despesas profissionais. F.a propdsito desta justificagdo que a debilidade na argumentagao se revela mais ostensiva. A Advogada-geral limitou-se a reconhecer, de forma cnigmatica ¢ nao justificada, que quando ha dupla tributagao deverd haver dupla dedugaio de despesas. O TJ, a este propdsito, acre: argumento de que a Repiiblic centou o Portuguesa, ao limitar-se a invocar, sem mais explicagdes, a eventual existéncia de um risco de que as despesas em causa pudessem ser deduzidas uma segunda vez no Estado de residéncia do prestador dos servigos, sem demonstrar em que medida a aplicagao do disposto na diretiva relativa a asistencia mitua®", em vigor a data dos Actos No processo principal, ndo teria permitido evitar esse risco, nao colocou o Tribunal em condigdes de apreciar o alcance deste argumento2” Este argumento assenta em pressupostos que nos parecem incorretos. Desde logo, decorre de principios solidamente instituidos e que ja tivemos a oportunidade de veicular que, por regra, é 0 Estado da residéncia, com © qual a conexiio é mais forte, o local onde ¢ feita uma tributagdo de base mundial e, consequentemente, a dedugao das despesas. Esta dedugdio das despesas no Estado da residéneia ¢ uma pratica instituida e aceite pela generalidade dos Estados, pelo que, na maior parte das situagdes, ser de presumir, O énus da prova de que, contrariamente ao que é regra e normal, nao teria havido dedugao na residéncia é, naturalmente, do sujeito passivo que esta em melhores condigdes do que ninguém para comprovar que, contrariamente @ todas as probabilidades, essa dedugdo nao tera sido feita. Além disso, impor Repiiblica Portuguesa que demonstre que a utilizagao da diretiva teria sido insuficiente para eliminar o risco de dupla dedugao das despesas, parece-nos completamente desajustado e revela algum afastamento da realidade 229 Diretiva 77/799/CEE do Consotho, le 19 de dezembro de 1977, dades competentes dos relativa& assistneia mitua das autori- stados-Membros no dominio dos impostos dretosecos impostas sobre os prémios de seguro, eonforme alterada pela Diretiva 2001/106/CE do Conselho, de 16 de novembeo de 2004, 230 Brisal, C-18/15, cit, n2 38. 249 Jé é suficientemente questionavel que deva ser a Administragio Fiscal a verificar se as despesas foram ou nao deduzidas no Estado da residéncia. ugerir que 0 faga através da diretiva relativa a assisténcia miitua, ap. ser teoricamente concebivel, adensa o desajustamento ¢ revela um afastamento preocupante da realidade dos factos. Imaginemos 0 que implica, para as autoridades fiscais do Estado da fonte, por um lado, pedir informagdes acerca das despesas de todos os ndo residentes que ai obtenham rendimentos, independentemente da dimensao desses rendimentos; e por outro, o que significard para a Administragiio dos Estados-Membros da residéncia, obter esses dados relativamente a milhares de residentes, com a agravante de essa informagao poder nao estar imediatamente disponivel. A sua obtengdo, pressupondo que é sequer possivel, implica uma anilise de registos contabilisticos que, no caso dos bancos, pode revestir uma extensdio ¢ complexidade muito dificeis de gerir. Jd para no referir que essas despesas podem ser minimas no cémputo geral das despesas da multinacional ¢ estar insuficientemente especificadas nos registos contabilisticos. A verdade é que a assisténcia muitua esta pensada para informagdes que estejam normalmente na disposigio das autoridades tributarias ou cuja obtengéio seja naturalmente praticavel, pelo que invocar ‘0 que o TJ invocou revela alguma perda de contacto com a realidade. Parece-nos, por conseguinte, excessivo que Administragio Fiscal Portuguesa tenha de provar algo que é dado mais ou menos como assente e que seria até de presumir, que é 0 facto de as despesas necessdrias para gerar rendimentos serem, até por uma questio de diligéncia do sujeito passivo, deduzidas no Estado da residéneia, E certo quena jurisprudéncia que se seguiu a Gerritse tem sido sustentada a dedugdo de despesas profissionais sem cuidar de saber se estas teriam ou nfo sido deduzidas na residéncia, Importa, contudo, lembrar que esta no foi a abordagem original, pois, quando Gerritse foi decidido, ponderou-se 0 facto de nao haver a possibilidade de deduzir as despesas profissionais no Estado da residéncia. O Advogado-geral Léger revelou uma diligéncia que entretanto se parece ter perdido, ao lembrar que, e passamos a citar, «{plara além disso, A. Gerritse nao tem a possibilidade de posteriormente deduzir, no seu Estado de residéncia, as referidas despesas»*"! Nao obstante a tendéncia firmada a partir de Gerritse, parece-nos, ainda assim, que este acérdao padece de um vicio original que tem a ver com facto de, surpreendentemente, nao terem sido retiradas as devidas al, de 13/3/2003, n° 44 231. In Gerritse, C-234101, cit, Opinito do Advow 250 ee ilagdes de muitas das detalhadas consideragdes que fez a propésito: da contraposigdo entre tributagao na fonte ¢ residéncia, do caso Schumacker e da ténue ligacao que Gerritse tinha ao ordenamento alemao?”, Independentemente das criticas que nos suscitam tanto Gerritse como 0s casos que deram sequéncia A tendéncia firmada por esse acérdao ¢ admitindo a adequagao das decisdes num contexto de dificeis equilibrios, importa salientar, por um lado, que hé algumas diferencas entre os sujeitos passivos a que se referem os varios casos e, por outro, que 0 contexto dominante no momento em que foi decido Brisal ¢ distinto do de Gerritse e sequela As circunstancias dos artistas a que se referem Gerritse” ¢ Scorpio” € mesmo as da sociedade como Centro Equestre Leziria Grande" sio distintas das que estao patentes em Brisal. Sabemos, por exemplo, que em Gerritse nao poderia haver dedugdes das despesas na Holanda, ¢ que © mesmo se passaria provavelmente no que dizia respeito ao artista a que se refere Scorpio. Verifica-se também que o contexto em que foi decidido Brisal é, de facto, outro. Existe, hoje, na decorréncia dos desenvolvimentos referentes ao Base Erosion and Profit Shifting (BEPS) da OCDE, uma diretiva que estabelece regras contra as praticas de elisio fiscal que tenham incidéncia direta no funcionamento do mereado interno*®, Denota-se que, entre as Varias praticas que pretende evitar, considera a dupla dedugo, pelo que 0 posicionamento do TJ tem necessariamente de enquadrar esses desenvolvimentos ¢ ser sensivel a eles. O combate a erosdo da base tributaria ¢ transferéncia de lucros é hoje uma prioridade. Basta lembrar, para dar um exemplo de matérias que dificilmente se harmonizam com a liberdade de circulacao, que os impostos de saida nao sio sé admitidos na diretiva contra a elisdo, como terdio de ser adotados por todos os Estados -Membros. Ora, se em situagdes complexas como a dos impostos de saida se impde alguma concordancia pratica, acabando a necessidade de combater a elisio por justificar uma inevitavel compressio das liberdades de circulagao; por maioria de raziio, exige-se, no caso em analise””, por parte do TJ, no minimo, uma atuagio mais ponderada e integrada. 232 Cir, €-234/01, cit, n2 43 a SI 233 Gerrits, cit, C-23401 234 Scompio, cit, C-290104, 235 Cento Equestre da Leziria Grande, cit, C-345/04, 236 Diretiva (UE) 2016/1164, do Consetho, de 12/6/2016, 237 E em todos os aedrdios que impaem imentos liquids na fonte 251 Especialmente num dominio altamente sensivel como € 0 do equilibrio entre os poderes tributarios dos Estados. Nao deve o TJ, em nome da coeréncia relativamente a decisées passadas, proceder como se esses desenvolvimentos nao existissem. Sobretudo no momento sensivel como ‘© que a Europa vive. Desconsiderar regras que asseguram 0 equilibrio entre a soberania fiscal de Estados-Membros, face & auséncia de um critério que possa eficientemente substituir a relagdo tributagao na fonte v. tributagao residéncia, é algo que deveria ser evitado, Finalmente, relativamente a eficdcia na cobranga do imposto, 0 TJ reiterou a relevancia dessa justificagao, na linha dos acordaos Scorpio, X? @ Comissdo v. Espanha?®, ao admitir que, no plano abstrato, essa justificagao pode impedir que seja violada a livre prestacdo de servigos. Considerou, no entanto, que, no caso conereto, a restrigao imposta excedia © necessario para proteger a cobranga eficaz, Comegou, é certo, por considerar que a aplicagao do imposto com base exclusivamente no montante de juros devido seria, para todas as partes envolvidas, significativamente mais simples do que a eventual consideragao de todas as despesas profissionais diretamente relacionadas com a cobranga de rendimentos de juros. Dado que neste ultimo caso existiria um encargo administrativo acrescido para a AdministracZo tributaria, para o prestador de servigos e, para o destinatario do servigo. Todavia, com base na conclusdo de que esse encargo também seria valido para 0s sujeitos passivos residentes”"', acabou por concluir que 0 facto de a prova das despesas ¢ sua relagao com a atividade desenvolvida na fonte ser «{...] mais dificil nao autoriza um Estado-Membro a recusar de modo absoluto aos nao residentes, sujeitos passivos parcialmente tributados, a dedugdo que concede aos residentes, sujeitos passivos integralmente tributados, uma vez que nao se pode excluir a priori que um nao residente esteja em condicées de fornecer provas pertinentes que permitam as autoridades fiscais do Estado-Membro de tributagao verificar, de forma clara e precisa, a realidade e a natureza das despesas profissionais cuja dedugao € solicitaday”. Isso sem prejuizo de afirmar que «{...] nada impede as autoridades fiscais em causa de exigirem ao nao residente as 238 C-200/04, cit. 35. 239 C-4U8I1O, cits m2 38. 240 C-678/11, de 18 de outubro de 2012, ECLE-EU:C:2014:2434, 0°46 241 Brisal, C-18!15, cia? 41 242 In Brisal, C-18/15, 1°49, Ver Persche, C-31 8/07, de 27 de jancira de 2009, ECLL:EU:C:2009:33, n° $3; Koil et KahltSchlesser, C-30011, de 26 de mato de 2016, ECLI:EU-C:2016:361 Provas que considerarem necesséias para apreciar se 08 requisitos de Seduiitidade das despesas previstas pela legislagdo em questo estio reenchidos e, consequent a ai r A breenchidose, consequentemente, se hi ou nfo que conceder a deduigdo Propde ainda, na senda de Scorpio, e no sentido de desonerar o destinatario do servigo, que a etengaio na fonte seja feita sobre rendimentos brutos, podendo o prestador de servigos invocar mais tarde o seu direito de dedugao™*, © TI adota, em suma, a propésito da eficécia da cobranga, um posicionamento formalista, ao reconhecer ao Estado da fonte o direito de fixar as regras que bem entenda para que sejam possiveis as dedugdes, Isto € por muito complexo que seja o procedimento, admitindo o TJ, desde logo, que o sera, o que interessa é que ele exista em termos tedricos Neste contexto o TJ tenta desvalorizar a questdo, dizendo que também ara os residentes se levantam problemas que serdo semelhantes. Ora, ¢ Sbvio que quando estio em causa residentes, dada a proximidade. os entraves administrativos sdo muito menores, nao s6 para a Administragao Tributéria, mas naturalmente para os sujeitos passivos. Por outras palavras, o TJ ao assegurar que pelo menos teoricamente haja a possibilidade de deduzir as despesas, considera que estard protegida a liberdade de prestagao de servigos. Isso, por muito complicada que seja essa dedugio, incumbindo, como diz, ao prestador de servigos determinar se considera oportuno investir recursos na elaboragao ¢ na tradugtio de documentos destinados a demonstrar as despesas cuja dedugao solicita, Custa-nos a crer que 0 TJ nfo tenha consciéncia do alcance desta decisio que implicard, por uma lado, um énus pesadissimo para muitos dos ndio residentes que, num cendrio em que fosse regra a tributagao de tendimentos liquidos, provavelmente sustentariam que esse regime seria discriminatério e contrério a liberdade de circulagdo. Vale-nos o facto de essa dedugao ser opcional, o que permite afastar esse cenario. Por outro lado, obrigar os Estados da fonte a eriarem um regime de dedugaio de despesas para nio residentes e, nesse contexto, aplicd-lo com toda a carga administrativa que isso envolve, nao é uma proposta realista, para no dizer impraticavel. Sao milhares as operagdes, muitas delas muito modestas ¢ a ligagao a fonte mais do que ténue. 245 Biol C-185. ci, 8°50, Vor Prsche, C3187, cit, m® 44 Kohl et Koll Schlesser, CDOS, 244 Brisal, C18/15, cit, n2°42 Parece-nos que na realidade o TJ, nao sem algum calculismo, tem um propésito definido que ¢ nem mais nem menos do que levar os Estados da fonte a nio tributar esses rendimentos. Perante este cenario de complexidade, que claramente é apresentado pelo TS aos Estados- -Membros, espera-se que estes optem pela via mais simples ¢ nao tributem esses rendimentos na fonte. Concluimos que o impacto deste acérdao serd relativamente contido, dado que a maior parte dos Estados-Membros ja aboliram a tributagaio dos juros obtidos por nao residentes ¢ os que ainda nao o fizeram, perante este acdrdao ¢ as limitagdes que dele decorrem, provavelmente optarfio por seguir 0 mesmo caminho. 254

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