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Pedagogia da alternância na educação profissional contextualizada: atuação


dos egressos das Escolas Famílias Agrícolas (EFA) da Rede das Escolas Famílias
Agrícolas Integradas do Se...

Article  in  Revista de Educação Popular · June 2019


DOI: 10.14393/REP-v18n12019-45467

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Tiago Pereira da Costa Helder Freitas

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Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF)
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Cristiane Marinho
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Pedagogia da alternância na educação profissional
contextualizada: atuação dos egressos das Escolas Famílias Agrícolas
(EFA) da Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido
(REFAISA)
Tiago Pereira da Costa1, Hélder Ribeiro Freitas2, Cristiane Moraes Marinho3

Resumo

Este trabalho consiste em analisar e sistematizar as contribuições


das Escolas Famílias Agrícolas (EFA) ligadas à Rede das Escolas
Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido (REFAISA) na
formação dos jovens do campo, por meio dos cursos de educação
profissional técnica de nível médio em agropecuária integrado ao
ensino médio, para atuação desses sujeitos nos processos de
desenvolvimento local e sustentável em regiões do Semiárido
e Agreste do Nordeste brasileiro. Para tanto, optou-se por uma
abordagem qualitativa, usando a pesquisa-ação como método
de pesquisa e as metodologias participativas como ferramentas
de diálogos e de problematização das realidades ao longo das
atividades desenvolvidas entre os meses de junho de 2017 a junho
de 2018, com os grupos sociais e sujeitos do campo constituídos
nas EFA de Sobradinho, Correntina, Brotas de Macaúbas, Rio
Real, Irará, Alagoinhas e Monte Santo, no estado da Bahia, e
Ladeirinhas, estado de Sergipe. Os resultados evidenciam a
trajetória e relevância da pedagogia da alternância na educação
profissional de jovens do campo para o exercício pleno da vida, a
partir de processos educativos contextualizados com a realidade
dos sujeitos, por meio da educação básica integrada à formação
profissional.

Palavras-chave

Pedagogia da Alternância. Educação Profissional. Escola Família


Agrícola. Educação Contextualizada no Campo.

1. Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal do Vale do São Francisco, Pernambuco, Brasil; Diretor-
Secretário da Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido, Pernambuco, Brasil. E-mail: tiago@
irpaa.org.
2. Doutor em Solos pela Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brasil; professor adjunto na Universidade
Federal do Vale do São Francisco, Pernambuco, Brasil. E-mail: helder.freitas@univasf.edu.br.
3. Doutoranda em Extensão Rural na Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil; professora
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano, Campus Santa Maria da Boa
Vista, Pernambuco, Brasil. E-mail: cristiane.marinho@ifsertao-pe.edu.br.

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Pedagogy of Alternation in vocational education
contextualized: performance of Agricultural Family Schools (EFA)
from the Network of Integrated Agricultural Family Schools of the Semi-Arid
Region (REFAISA)
Tiago Pereira da Costa*, Hélder Ribeiro Freitas**, Cristiane Moraes Marinho***

Abstract

The objective of the present work is to analyze and systematize the


contributions of the Agricultural Family Schools (EFA) linked to the
Network of the Integrated Agricultural Family Schools of the Semi-
Arid Region (REFAISA) in the training of young people of the field,
through the medium professional technical education courses
in agropecuária integrated to high school, for the performance
of these subjects in the processes of local and sustainable
development in the semi-arid and Agreste regions of the Brazilian
Northeast. For that, a qualitative approach was chosen, using
action research as a method and participative methodologies as
tools for dialogues and problematization of realities throughout
the activities developed between June 2017 and June 2018, with
the social groups and subjects of the constituted field in the EFAs
of Sobradinho, Correntina, Brotas de Macaúbas, Rio Real, Irará,
Alagoinhas and Monte Santo, in the state of Bahia, and Ladeirinhas,
state of Sergipe. The results show the trajectory and relevance
of the pedagogy of alternation in the professional education of
young people from the countryside to the full exercise of life,
through educational processes contextualized with the reality of
the subjects, through basic education integrated to professional
training.

Keywords

Pedagogy of Alternation. Professional education. Agricultural


Family School. Contextualized Education in the Field.

* Master in Rural Extension, Federal University of Vale do São Francisco, State of Pernambuco, Brazil; Director-
Secretary of the Network of Integrated Semi-Arid Agricultural Family Schools, State of Pernambuco, Brazil. E-mail:
tiago@irpaa.org.
** PhD in Soils, Federal University of Viçosa, State of Minas Gerais, Brazil; assistant professor IV, Federal University
of Vale do São Francisco, State of Pernambuco, Brazil. E-mail: helder.freitas@univasf.edu.br.
*** PhD student in Rural Extension, Federal University of Santa Maria, State of Rio Grande do Sul, Brazil; professor
at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Sertão Pernambucano, Campus Santa Maria da
Boa Vista, State of Pernambuco, Brazil. E-mail: cristiane.marinho@ifsertao-pe.edu.br.

141
Introdução

O processo investigativo do presente Monte Santo, Rio Real, Irará, Correntina,


trabalho realizou-se no âmbito das Escolas Brotas de Macaúbas e Sobradinho, todas
Famílias Agrícolas (EFA), que compunham a localizadas no estado da Bahia, e Japoatã
Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas (Ladeirinhas), localizada no estado de Sergipe.
do Semiárido (REFAISA). Para tanto, recorreu- O processo de ensino e aprendizagem
se à sistematização e às análises da proposta nas EFA se efetiva por meio da aplicação
pedagógica de educação profissional em dos instrumentos pedagógicos da pedagogia
alternância desenvolvida por esta rede. Nesse da alternância no âmbito da escola e
contexto, esse artigo pretende revelar e da comunidade, das disciplinas da Base
discutir a contribuição das EFA na formação Nacional Comum Curricular (BNCC) e da
dos jovens do campo e suas atuações na parte diversificada, bem como nas atividades
condição de egressos dos cursos de educação complementares e interdisciplinares nos
profissional técnica de nível médio em cursos de educação profissional. Nessa
agropecuária integrado ao ensino médio. perspectiva, o ensino fundamenta-se em
As EFA ofertam educação escolar uma pedagogia libertadora, preconizada por
na modalidade comunitária/conveniada, Paulo Freire, tendo a pedagogia da alternância
de natureza pública, bem como formam como forma de estruturação e organização
e certificam os sujeitos do campo, filhos e pedagógica, que articula a formação contínua
filhas da classe trabalhadora, historicamente de adolescentes e jovens do/no campo nos
marginalizados pelo Estado no acesso aos seus Tempos Escola (TE) e Tempos Comunidade (TC).
direitos básicos. O acesso à educação por meio Por intermédio da pedagogia da
das EFA pode possibilitar que esses sujeitos, de alternância, como método de ensino, os/as
posse dos conhecimentos clássicos, científicos estudantes podem dispor de conhecimentos
e técnicos, possam contribuir com a melhoria técnicos que devem ser trabalhados na escola
de suas realidades e de suas condições de de forma didática e objetiva. Além disso,
vida. Assim, poderão aplicar os conhecimentos também se devem articular os conhecimentos
construídos no processo formativo e gerar técnicos aos conhecimentos das vivências nas
múltiplas formas de atuação em suas localidades. comunidades, ou seja, empíricos, por meio
Há quase duas décadas, as EFA da contextualização dos processos formativos.
começaram a implantar em suas unidades de Ao longo de todo esse processo formativo,
ensino a educação profissional por meio do os/as estudantes retornam às comunidades e
curso técnico em agropecuária integrado ao realizam atividades em suas propriedades de
ensino médio nos estados da Bahia e de Sergipe. acordo com as práticas vivenciadas na escola.
Esta iniciativa tem sido direcionada aos filhos/ Eles têm o dever de conduzir atividades no TC,
as de agricultores/as familiares e comunidades juntamente com seus familiares, para discutirem
tradicionais, por meio da educação no/do campo problemáticas que são trabalhadas sobre
contextualizada e em regime de alternância. temas relacionados ao meio em que vivem.
No âmbito da REFAISA atualmente, As atividades desenvolvidas a partir dessa
somam-se oito EFA que desenvolvem prática são orientadas por um instrumento
um processo de ensino-aprendizagem na pedagógico adotado nas EFA denominado
modalidade profissional. Essas experiências Plano de Estudo (PE). A adoção desse
estão localizadas nos municípios de Alagoinhas, instrumento possibilita a produção do Caderno

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da Realidade a partir dos registros das atividades utilizar apenas um método, uma vez que a
desenvolvidas no TC, por via dos processos metodologia de pesquisa necessita analisar, de
formativos desenvolvidos ao longo do ano diferentes formas, os dados da realidade. Logo,
escolar de cada estudante. Posteriormente, é possível a utilização de mais de um método
no TE, ao longo do ano letivo, são feitas para se explicar uma determinada realidade,
as socializações com os demais estudantes bem como a aplicação de vários instrumentos
provenientes de outras comunidades rurais, ou técnicas na operacionalização de uma
gerando assim a Colocação em Comum (CC). pesquisa. Nesse caso, utilizamos a pesquisa-
O entrelaçamento das diversas áreas do ação e as metodologias participativas como
conhecimento, que tem como ponto central métodos norteadores dessa sistematização.
o PE feito nas comunidades dos estudantes, Para Thiollent (2011, p. 20), “a pesquisa-
são estabelecidas relações que se reproduzem ação é um tipo de pesquisa social com base
e produzem, tendo como base as relações empírica que é concebida e realizada em
global e local, rural e urbana, micro e macro, estreita associação com uma ação ou com a
seca e chuva, homem e mulher, conflitos de resolução de um problema coletivo”. Nela, os
gerações, paz e guerra, compreendendo um pesquisadores e os participantes representativos
contexto social bem mais vasto (FARIAS, 2009). da situação ou do problema estão envolvidos de
Com esse modelo diferenciado de se modo cooperativo ou participativo, permitindo,
fazer educação escolar no campo, as EFA têm assim, uma colaboração na produção de
formado profissionais a partir do exercício da conhecimentos. Tanto que a pesquisa-ação é
crítica e da cidadania, possibilitando outras vista como forma de engajamento sociopolítico
percepções de mundo e de desenvolvimento a serviço da causa das classes populares.
local e sustentável, tendo como princípio a No caso das EFA, verificou-se como
solidariedade, a sustentabilidade, a coletividade importante conhecer o contexto histórico,
e a justiça social. Esses processos formativos metodológico e pedagógico, utilizando análise
têm permitido um olhar diferenciado, de modo de documentos, seguindo-se de observações
a instrumentalizar os/as jovens na atuação participativas e sistemáticas, realização de
profissional e na vida, principalmente na entrevistas e aplicação de questionários.
implementação do Projeto de Vida no Campo Essas atividades possibilitaram a realização de
e das políticas públicas em seus contextos. seminários temáticos de formação, estudos,
problematizações e construções de novos
Metodologia referenciais para atuação escolar nos cursos
de educação profissional no âmbito da
Considerando-se a identidade REFAISA. Envolveram-se nestes seminários
epistemológica, teórica e metodológica desta educadores/as, egressos e parceiros locais,
pesquisa e os lócus, que são as EFA, opta-se, de modo que todos os fatos e processos
neste estudo, por uma fundamentação dialética, passaram por sistematização e análise.
por se tratar de um processo de investigação No processo da pesquisa-ação, a
de abordagem qualitativa. Assim, assumiu-se a participação dos sujeitos no processo é condição
pesquisa-ação como método de pesquisa e as necessária para a mudança. A condição para
metodologias participativas como ferramentas essa modalidade de pesquisa é o mergulho nas
de diálogos e problematização das realidades. práxis do grupo social em estudo, do qual se
Conforme aponta Oliveira (2014), extraem as perspectivas latentes, o oculto, o não
em estudos dessa natureza não se deve familiar que sustentam as práticas e, nela, as

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mudanças serão negociadas e geridas no coletivo. conjunto, possibilitando maior acesso ao
Nesse estudo, o grupo social foi formado poder decisório (empoderamento das pessoas
na REFAISA, por via das oito EFA pesquisadas, nas envolvidas e da organização) (KUMMER, 2007).
cidades de Sobradinho, Correntina, Brotas de A pesquisa-ação e as metodologias
Macaúbas, Rio Real, Irará, Alagoinhas e Monte participativas possibilitaram uma melhor
Santo, localizadas no estado da Bahia, e Japoatã aproximação do pesquisador, sujeitos
(Ladeirinhas), localizada no estado de Sergipe. envolvidos nos grupos sociais e com o objeto
É, de fato, necessário o uso contínuo de estudo junto às EFA que desenvolvem
de metodologias participativas, dentre elas educação profissional contextualizada por meio
destacamos linha do tempo, chuva de ideias, da pedagogia da alternância na REFAISA.
análise FOFA (análise de forças, oportunidades, Considerando os limites estabelecidos
fraquezas e ameaças), caminhada transversal neste artigo, as discussões e resultados
nas propriedades das EFA, árvore de problemas apresentados compreenderão apenas parte da
e mapeamento, como estratégia metodológica construção de sínteses e sistematização dos
para interação, problematização, sistematização resultados obtidos ao longo da pesquisa do
e produção de novos conhecimentos, conforme mestrado em extensão rural da Universidade
Pereira (2001); Chambers e Guijt (1995), citado Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
em Marinho e Freitas (2015, p. 18),
Trajetória e concepção política,
Ao longo das duas últimas décadas, as ações metodológica e pedagógica das EFA nos
de intervenção participativa orientadas pelas
Metodologias Participativas são reconhecidas estados da Bahia e Sergipe
enquanto instrumento metodológico que
possa mediar, orientar a intervenção baseada Os Centros Familiares de Formação por
em seus princípios éticos, reconhecer valores Alternância (CEFFA) surgiram na década de 1930
e elementos culturais (PEREIRA, 2001). Além
disso, Chambers e Guijt (1995) destacam que
não por acaso, nem tampouco dependeram
as metodologias participativas possibilitam o de alguma decisão dos poderes públicos. A
levantamento de informações qualificadas em Europa, naquela época (1920-1939), sofria uma
processos de mediação social, pois surgem transformação importante, principalmente na
questionamentos a respeito da banalização agricultura que passava por um intenso processo
destes métodos, bem como os princípios
e objetivos que orientam as equipes que de mecanização. Os mercados da carne, do
“fazem uso” dessas propostas de intervenção leite, do trigo, passavam por uma grave crise
social no campo. e os agricultores tomavam consciência dessa
situação e sentiam que precisavam se organizar,
A utilização efetiva das metodologias ainda que, infelizmente, fossem minoria
participativas contribui fortemente para a os que assim pensavam. (UNEFAB, 2017).
perspectiva de construção do conhecimento Para Ribeiro (2008), o surgimento das
participativo no campo, pertinente à concepção Maison Familliale Rurale (MFR), na década
de educação contextualizada em alternância, de 1930, na Vila de Lot-et-Garone, região
princípio fundante das EFA. Com as metodologias sudoeste da França, por iniciativa de um grupo
participativas se articulam vários métodos de agricultores que buscava educação para
(aqueles participativos), usando diversos seus filhos e melhorias produtivas para suas
instrumentos específicos, os quais se constituem propriedades familiares, com o auxílio do
em um convite à ação e ao aprendizado pároco da aldeia, está na origem da criação da

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primeira MFR. (CHARTIER, 1986; SILVA, 2003; camponeses que perderam o interesse pelo ensino
ESTEVAM, 2003; NOSELLA, 1977; PESSOTTI, regular porque ele se distanciava totalmente da
1978). vida e do trabalho camponês (RIBEIRO, 2008).
Conforme De Burghgrave (2003, p. 16), Pela alternância entre a teoria e a prática,
as MFR auxiliam o/a jovem agricultor/a se
O êxodo já era realidade e os jovens não adaptar às necessidades de sua terra e não de
encontravam nenhuma perspectiva de uma terra abstrata. Os pais aproveitam esse
permanência digna no campo, não dispondo
ensino que eles mesmos têm de completar
inclusive de nenhuma escola ou formação
adaptada a sua situação familiar e profissional. no processo formativo. A alternância entre
Insatisfeitos com esta situação, um pequeno a teoria e a prática não fornece ao jovem o
grupo de agricultores, com a ajuda do padre ensino somente dos livros, mas, sobretudo,
local, encontrou uma alternativa educacional ela lhe abre um grande laboratório, o único
que motivasse os jovens a permanecer no onde a consciência é associação à ação, o
meio, oferecendo-lhes a oportunidade de
se preparar melhor para o exercício de
livro aberto da natureza (CHARTIER, 1986).
sua profissão na propriedade familiar, sem No decorrer desses oitenta e três anos
negligenciar, todavia, os outros aspectos da (1935 a 2018), em nível internacional, houve
vida. o aprimoramento dessa experiência, sua
melhoria e desenvolvimento; entretanto,
Assim, surgiu a pedagogia da alternância, mantiveram-se seus princípios básicos.
uma metodologia educativa desenvolvida pelos Entre eles, a responsabilidade e a condução
próprios agricultores familiares, para educação da experiência pelas famílias, por meio
de seus filhos, na própria localidade de suas de associações próprias, e a adaptação da
residências e tendo como base formativa o pedagogia ao meio rural, como forma de dar
próprio conhecimento das famílias envolvidas. ao indivíduo uma formação integral e, com
Sabendo que a formação técnica não era isto, ajudar no desenvolvimento do seu meio.
suficiente, os agricultores decidiram investir Na experiência brasileira, a formação
na formação geral, necessária para formar a em alternância, advinda do movimento
personalidade, como também a formação internacional das MFR, compõe dois
humana e espiritual, pois somente o êxito movimentos distintos: o das EFA, diretamente
material não seria suficiente. Uma conversa entre influenciadas pelas experiências italianas e que
um pai de família com o vigário da sua paróquia a aqui se originaram nos anos de 1960 no sudeste
respeito da formação de seu filho e uma primeira brasileiro; e o que reúne as denominadas
reunião de três pais e de futuros estudantes Casas Familiares Rurais (CFR), implantadas,
foram os acontecimentos decisivos para o a princípio, no Nordeste e Sul do Brasil, a
surgimento das MFR, atualmente conhecidos partir dos anos de 1980, sob a influência
como Centros Familiares de Formação por das experiências francesas (SILVA, 2012).
Alternância (CEFFA) da França para o mundo. Essa última experiência surge
Oitenta anos mais tarde, centenas desses centros com forte aporte governamental da
seriam fundadas no mundo inteiro, inspirando- Superintendência de Desenvolvimento
se nos mesmos objetivos (UNEFAB, 2017). do Nordeste (SUDENE), quando ocorreu
A pedagogia da alternância é uma
uma expansão ofensiva das CFR’s em
alternativa metodológica de formação vários estados brasileiros integrantes da
profissional agropecuária para adolescentes e área de atuação da Superintendência de
jovens, inicialmente do sexo masculino, filhos de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE.

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Segundo Calazans (1993), esses diversos sendo realizada, não há alternância efetiva,
programas, assim como iniciativas, instituições a simplesmente uma alternância física,
e governos que atuaram e investiram puramente física, não há essa integração, essa
na educação rural brasileira, devem ser copulação entre a vida e o estudo, a vida e o
estendidos como partes de um todo que se trabalho, a vida e a escola, então a pedagogia
articulava na perspectiva de integração do da alternância tem como princípio fazer com
Brasil e de outros países da América Latina que haja ao redor da escola uma rede de
à sociedade capitalista de mercado. (SILVA, parceiros que possam colaborar com a escola,
2012, p. 58). para que ela se torne realmente formativa
e possa atingir os seus objetivos e formar
No ano de 2005, por ocasião do cidadãos críticos e atuantes em seu meio.
Eu acho que isso é o princípio norteador da
VIII Encontro Internacional da Pedagogia pedagogia da alternância [...] a gente nunca
da Alternância, realizado no Sul do Brasil, pode perder de vista, a vida ensina tanto
teve início uma articulação desses dois quanto a escola, esse é um princípio que a
movimentos, das EFA e das CFR, que culminou gente nunca pode esquecer e que torna
com a constituição de uma rede nacional a pedagogia da alternância tão cativante,
interessante, mas tão difícil também.
dos CEFFA, que busca articular e unir as (BURGHGRAVE, 2018, não paginado).
pautas (especialmente o reconhecimento e
o financiamento público) e as lutas tanto das
Em contraposição, na educação rural, o foco
Escolas Famílias Agrícolas, Casas Familiares
da educação profissional ou profissionalizante era
Rurais, quanto das Escolas Comunitárias Rurais
(SILVA; QUEIROZ, 2006; NOSELLA, 2012). a necessidade de mão de obra qualificada
Na ocasião desse Encontro, a educação para atender à demanda do crescimento das
para os povos do campo vivenciava, no cenário indústrias ainda era prioridade nos anos de
nacional, um verdadeiro descaso (FERREIRA; 1965 a 1985, momento em que o país passava
BRANDÃO, 2011), pensada pela elite, em que pelo que ficou conhecido como “milagre
econômico”. (IKESHOJI; TERÇARIOL;
os camponeses não participavam de nenhum
AZEVEDO, 2017, p. 59).
de seus processos, considerando elaboração,
execução, monitoramento e avaliação (SANTOS;
A educação rural foi adotada pelo Estado
SILVA; SOUZA, 2013). Por isso, muitas
na década de 1960 para evitar o êxodo rural
vezes essa educação rural negava muitos dos
(BRASIL, 2007). Essa educação relacionava-
princípios norteadores das EFA e da verdadeira
se à industrialização do campo e mão de obra
pedagogia da alternância, especialmente no que
qualificada para as atividades agropecuárias
se refere à educação profissional isso por que:
(TRANZILO, 2008). Isso porque, desde o
No Brasil a educação profissional muitas vezes surgimento das organizações industriais, a
quer excluir essa formação geral, separar da sociedade delega à escola a função de preparar
educação profissional, e as Escolas Famílias pessoas para o mundo do trabalho (IKESHOJI;
Agrícolas partem do princípio seguindo a TERÇARIOL; AZEVEDO, 2017).
alternância que a vida ensina tanto quanto
a escola, ou seja, se a alternância praticada Contrapondo-se a esse sistema educativo
pelas EFA’s não consegue fazer do período tecnocrata, surge a pedagogia da alternância,
em que o/a jovem passa no seu meio sócio como proposta/experiência de educação
profissional na comunidade, na família ou no contextualizada do/no campo, com a ideia
trabalho, se nesse período da alternância não
for tão formativo quanto o período escolar
de reivindicar e, simultaneamente, construir
em si presencial na escola, se não conseguir um modelo de educação sintonizado com
esse equilíbrio, a alternância não está as particularidades culturais, os direitos

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sociais e as necessidades próprias à vida dos produzir “uma tradição pedagógica que tenha
camponeses (BRASIL, 2007, p. 11). Resultado como referência o campo e as lutas sociais”.
(NOSELLA, 2012, p. 264).
das lutas de classes sociais por uma educação
que seja pensada para a população do
O trabalho desenvolvido pelas EFA
campo, pensada a partir do modo de ver e
incorpora a perspectiva educativa da Educação do
agir desses sujeitos (LINDEMANN, 2010).
Campo ao promover os meios e os instrumentos
Arroyo (2004, p. 10) destaca que:
de formação, adequados ao crescimento dos
educandos, que devem se constituir como
a Educação do Campo nasceu dos
pensamentos, desejos e interesses dos os principais protagonistas da promoção e
sujeitos do campo, que nas últimas décadas do desenvolvimento integral (profissional,
intensificaram suas lutas, qualificando-se intelectual, humano, social, econômico,
e territorializando-se, formando territórios ecológico e espiritual) e de todo o processo
concretos e imateriais, constituindo
de formação, tendo as seguintes características
comunidades e políticas, determinando seus
destinos na construção de suas ideologias, que são quatro pilares e fundamentos
suas visões de mundo. na formação por alternância, sendo eles:
A associação, responsável pela gestão e
A Educação do Campo4 se constituiu como manutenção das escolas, com a presença intensa
prática social, na medida em que as lutas sociais das famílias e ex-alunos/as; a pedagogia da
foram surgindo, para que todos tivessem direito a alternância, sendo uma metodologia adequada
uma educação voltada para seus interesses, feita à educação do/no campo, organizada a partir
pelos e não simplesmente para os sujeitos do dos tempos escolas e tempos comunidade; a
campo; deles e não para eles (CALDART, 2012). formação integral, considerando a formação
do ser humano como um todo, em que, além
Rejeitando o termo “educação rural” o “para da formação geral e profissional, levam-se em
o meio rural” considerando como “objeto consideração todas as dimensões da pessoa
e instrumento executor de políticas e de humana; e, por fim, o desenvolvimento local,
modelos de agricultura pensados em outros tendo o princípio da sustentabilidade e da
lugares para atender a outros interesses”,
solidariedade, no processo de formação dos
Caldart (2004, p. 20-21) cita três referências
prioritárias nas teorias da Educação do Campo, estudantes, das famílias e dos parceiros,
ou seja: o pensamento pedagógico socialista, com enfoque principal no fortalecimento da
focando a dimensão pedagógica do trabalho agricultura familiar e a inserção profissional e
e da organização coletiva; a Pedagogia do empreendedora no meio rural.
oprimido e as experiências da educação O sucesso da pedagogia da alternância
popular, tendo em Paulo Freire seu grande
expoente; e, enfim, a pedagogia chamada do
só acontece se esses quatro pilares forem
momento, a partir das experiências educativas desenvolvidos e aplicados conjuntamente,
dos próprios movimentos sociais visando a conforme Figura 1:

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Figura 1 – Conexões dos Pilares das Escolas dinâmico, ao transformar positivamente a
Famílias Agrícolas do Brasil sua realidade, a de sua família e, muitas
vezes, a de sua comunidade, agindo como
agente de desenvolvimento comunitário.
Ao concretizar isso, a escola sai do seu
ambiente interno confinado entre seus muros e
se abre para o mundo que fervilha ao seu redor,
ganhando assim em legitimidade, credibilidade
e visibilidade. Significa para as EFA, ao oferecer
sua experiência em termos de formação de
adolescentes e jovens, fazer parte de um
trabalho em rede que visa o desenvolvimento
de um determinado território no qual cada um
dos parceiros traz a sua contribuição específica.
Fonte: Gimonet (2007, p. 15) e site da UNEFAB
(http://www.unefab.org.br). Atuação dos/as jovens do campo
egressos das EFA em regiões do
Com a aplicação desses pilares, no Semiárido e Agreste
âmbito da educação escolar, as EFA foram
fundadas com a intenção de discutir as Conforme Estatuto da Criança e do
problemáticas do meio rural e apontar soluções Adolescente (ECA), Lei n° 8.069 de 1990, o ser
para os problemas vivenciados pelas famílias no humano na faixa etária entre 12 e 17 anos é
campo. Também se busca a permanência na considerado adolescente, e de 18 a 29 anos,
terra de modo a conter o êxodo da juventude jovem. Com isso, muitos estudantes oriundos de
para a cidade e para, numa relação escola- comunidades rurais saem do processo formativo
comunidade, construir novos conhecimentos, nas EFA na condição de Jovens, mesmo tendo se
fortalecendo o campo e a produção com novas ingressado no Ensino Fundamental II ou Ensino
tecnologias adaptadas às realidades locais. Médio Profissional na condição de criança e/ou
Para isso, as EFA apontam para propostas adolescente, tendo maturidade e compromisso
pedagógicas que promovam a produção e com as causas sociais neste novo e desafiante
sistematização de conhecimentos das famílias ciclo da vida e de atuação profissional no campo.
sobre a terra, a relação entre indivíduos e Nesse sentido, conforme constatado nesse
os grupos sociais, bem como a deles com o estudo, a importância da atuação profissional
ambiente. Nessa perspectiva, insere-se também dos egressos das EFA não está apenas na inserção
no Plano de Formação (Currículo), o respeito deles no mundo do trabalho. O propósito é que
às identidades e tradições das famílias e esse novo sujeito seja inserido na sociedade,
comunidades, que vão se perpetuando de geração sobretudo, nas organizações populares e nas
em geração na quase totalidade pela oralidade. lutas constantes pela transformação da realidade,
Tendo como princípio-finalidade uma efetivando, assim, a inserção profissional e
ação educativa que visa ao desenvolvimento a melhoria de suas condições de vida, por
local e sustentável, um dos instrumentos meio do pilar da pedagogia da alternância
pedagógicos que dão conta dessa dimensão em seus propósitos de contribuição com o
é o Projeto Profissional do Jovem (PPJ), que desenvolvimento pleno, local e sustentável.
torna o/a jovem alternante um empreendedor Considerando o grande desafio de

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assegurar a permanência da juventude no tendo como princípio o que já defendia Freire
campo, que perpassa na luta pela terra e (2003) sobre o ato de ler como processo que
pela permanência nela, e as raízes históricas envolve uma compreensão crítica e que não se
das desigualdades sociais e a má distribuição esgota na decodificação pura da palavra escrita,
fundiária no Brasil, é necessário lembrar mas que se antecipa e se alonga na inteligência
que o país se consolidou como território de de mundo. Portanto, a importância do ato de ler
grandes propriedades (sesmarias, capitanias pressupõe uma compreensão do texto em seu
hereditárias, latifúndios) e que a pequena contexto, ou seja, uma leitura deve ser refletida
propriedade ocupou e ocupa sempre um lugar e contextualizada, pois “a leitura de mundo
marginal. Com isso, Ribeiro (2008, p. 41) afirma, precede a leitura da palavra” (FREIRE, 2003,
p. 11), ainda, parafraseando o autor, o ato de
uma das contradições mais graves que ler implica percepção crítica e interpretação da
perpassam as experiências das CFR’s e das realidade empírica.
EFA’s é a formação para permanecer no
campo sem ter a garantia da posse da terra e
De fato, a formação por alternância dos
de acesso às políticas públicas. Essa análise é
CEFFA’s obedece a um processo que parte
efetuada por Clenir Fanck (2007) ao focalizar
da experiência da vida quotidiana (familiar,
a Casa Familiar Rural de Francisco Beltrão, no
profissional, social) para ir em direção à teoria,
Paraná. A autora observa que os pais de alguns aos saberes dos programas acadêmicos, para,
jovens já trabalham nas áreas urbanas porque em seguida, voltar à experiência, e assim
não possuem terra, e mesmo os pequenos sucessivamente. Um grande psicólogo, Jean
proprietários não têm como dividir a terra Piaget, definiu este processo por meio da
com todos os filhos e filhas. fórmula “praticar e compreender”. “Praticar”
significa o fazer, a ação, a experiência,
Essa realidade não é diferente na região enquanto “compreender” quer dizer a reflexão
Semiárida e Agreste do Brasil, pelo contrário, se sobre a experiência, sua superação, ou, ainda,
a passagem dos fatos às ideias, às leis, às
acentua a marginalização da classe trabalhadora teorias. Mas, ação e reflexão entrelaçam-se,
pela ausência do Estado, fragilizando, ainda dando lugar a esta outra fórmula de Piaget:
mais, a vida em suas múltiplas formas. “Agir em pensamento” e “Compreender em
Após um processo formativo imerso na ação”. (GIMONET, 2007, p. 16).
ação-reflexão-ação, tendo a terra e suas relações
com o território familiar e comunitário como Na pedagogia da alternância, difundida
elemento fundante por meio da pedagogia da pelas EFA, há uma valorização dos saberes
alternância, observa-se uma série de efeitos, construídos nas práticas sociais, principalmente
médio e longo prazos, para os/as estudantes. a experiência do trabalho. Nesse sentido,
Os resultados da aprendizagem desse processo as práticas pedagógicas das EFA’s requerem
metodológico agem na sociedade em geral, bastante reflexão pelos sujeitos envolvidos para
seguindo a premissa do Ver-Julgar-Agir, construção de novos conhecimentos sobre
contribuindo assim, no processo de formação, a realidade que os cercam, através de um
escolarização, organização e fortalecimento dos constante diálogo e intervenções no meio em
estudantes e das comunidades para dar conta que vivem, conforme exposto no relato4 abaixo:
das complexidades da vida.
A EFA tem um cenário rural apropriado a
Tal premissa formativa ajuda a ler e aprimorar os conhecimentos adquiridos
entender o mundo e suas complexidades, suas em sala de aula e passar a executar esses
demandas existenciais, seus marcos históricos, conhecimentos no campo, diante dos setores

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produtivos que existem na escola, com esses Conceição de Jesus tem 17 anos, aluna do
setores a gente (os alunos) já passa(m) a ter curso Técnico em Agropecuária, no 3º ano na
um contato aprofundado com as atividades EFA de Alagoinhas, 2018).
produtivas no próprio manejo, no cuidado,
no zelo e com isso a gente vai aprimorando A gente desenvolveu um projeto chamado
a nossa realidade de vida, porque na Projeto Profissional do Jovem - PPJ, que era
comunidade a gente já conhece, já vivencia uma atividade produtiva que a gente tinha
com nossos pais na nossa propriedade e na
que executar na nossa propriedade, seja
escola o cenário apropriado ajuda ampliar
ela, caprinos, ovinos, avicultura, qualquer
esses conhecimentos. (Rosivaldo Cordeiro
atividade que o aluno se identificasse, com
de Souza, ex-aluno da EFA de Monte Santo,
isso fortalecer a nossa atividade de agricultor.
colaborador do IRPAA).
(Rosivaldo Cordeiro de Souza, ex-aluno da
EFA de Monte Santo, colaborador do IRPAA,
Dessa forma, os anos em formação já 2018).
permitem um desprendimento dos adolescentes
e jovens, dos medos e incertezas sobre as Como síntese elaborada ao longo
possibilidades de vida, gerando, assim, uma maior desse processo de investigação, foi possível
aproximação e intervenção junto aos segmentos tipificar os principais espaços de atuação
sociais, políticos e econômicos, sem perder profissional dos egressos em cinco grandes
de vista a luta pela terra, a reflexão constante campos/espaços de inserção após formação:
sobre as desigualdades sociais e o acesso ao
conhecimento como direito constitucional. I. Produção Agropecuária no
Os depoimentos a seguir afirmam a âmbito familiar e comunitário: nela se
perspectiva de atuação dos egressos e as destaca a permanência dos jovens como
mudanças de paradigmas interpessoais e agricultores familiares, aplicando o PPJ
sociais dos sujeitos que passam pelas EFA: ou desenvolvendo um leque de outras
atividades inerentes ao modo camponês
A gente vê muitos jovens que saíram daqui,
hoje têm uma boa parte na sua propriedade, de vida e de produção no campo;
aqueles que não estão em sua propriedade, eles
estão em entidades ligadas aos movimentos II. Qualificação profissional formal:
(cooperativas, sindicatos, Banco do Nordeste), continuidade dos estudos em nível de
vejo que eles estão bem, estão procurando graduação e pós-graduação, assegurando
algo e aqueles que não estão trabalhando, uns a ampliação dos conhecimentos por meio
que estão dando continuidade nos estudos
fazendo faculdade, tem jovens que estão nos do acesso à educação formal/escolar;
projetos de ATER na região. (Gilberto Borges,
Monitor/Administrador da EFA de Alagoinhas, III. Composição das equipes
2018). de trabalho nas EFA: nele os egressos
atuam como educadores/monitores das
Após esse curso técnico eu pretendo me
aprofundar mais em agronomia ou zootecnia,
escolas, associações mantenedoras e
através da graduação, mas como eu tenho associações das comunidades, de modo
mais afinidade com o campo, com a terra a se efetivarem os objetivos das EFA de
eu prefiro a agronomia. E no meu PPJ eu contribuir e promover o associativismo
pretendo fazer sobre o cultivo da mandioca
porque no município onde eu moro que
nas regiões de atuação;
é Crisópolis a gente trabalha muito com a
cultura da mandioca e para eu pegar mais
IV. Liderança comunitária e
experiência, eu decidi fazer com a cultura da de assessoramento em processos
mandioca executando na comunidade. (Erica sociotécnicos e organizativos de

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promoção do desenvolvimento local e No relato a seguir, é possível observar
sustentável: uma grande parcela desses a dimensão do processo formativo das EFA,
jovens egressos está atuando na Assessoria sendo esse exemplo de vida uma das marcas da
Técnica e Extensão Rural (ATER), pluriatividade exercida pelos egressos:
implementação de tecnologias sociais,
realização do Cadastro Ambiental Rural Além do querer de gostar da área técnica, a
(CAR), elaborando projetos de fomentos escola me ensinou a lidar com a realidade
da agricultura familiar, trabalhar todo esse
à produção agropecuária, dentre outros,
manejo de técnicas apropriadas à região. No
em órgãos públicos governamentais, não meu processo formativo eu tive a escolha
governamentais e privados; de fazer meu Projeto Profissional do Jovem
- PPJ na área da criação de codornas, no
V. Exercício/ocupação profissional, início eu não tive como colocar em pratica
não necessariamente ligado à exploração por questões de acesso a alguns recursos
agropecuária com permanência no financeiros, mas, atualmente estou tentando
colocar esse projeto em prática, mas devagar
campo: nela se destacam as iniciativas
e com recurso próprio mesmo, eu não tenho
de empreendedores rurais, por meio da como ter acesso ao empréstimo no banco
diversificação das atividades geradoras de direto, mas eu estou colocando um recurso
ocupação e renda nas comunidades rurais próprio para ter esse projeto em prática.
até então não tidas como tipicamente Esse projeto tem a possibilidade de ter uma
renda financeira própria, ou seja, trabalhar
rurais, mas demandadas por essas
para nós mesmo na sua propriedade ou na
comunidades atualmente. comunidade, como o nosso projeto que a
gente fez e acredita que irá dar certo até mesmo
Nesse último campo de atuação, os que é uma escolha nossa, foi escrito por nós,
membros das famílias de agricultores, que residem então tem toda positividade para dar certo.
Em 2016 eu fui chamado para contribuir na
no meio rural, optam pelo exercício de diferentes
monitoria da escola, onde hoje sou monitor,
atividades ou, ainda, optam pelo exercício de trabalho com a disciplina de olericultura
atividades não agrícolas, mantendo a moradia dentro de agricultura com o 1º ano, hoje sou
no campo e uma ligação, inclusive produtiva, graduando em administração, mas vejo o meu
com a agricultura e a vida no espaço rural. futuro defender a agricultura familiar, trazer
a administração nas suas diversas formas,
Os estudos de Baumel e Basso (2004)
também para dentro da agricultura familiar,
defendem a tese da pluriatividade, na busca e, sobretudo, na escola para o curso de
do desenvolvimento da agricultura familiar: educação profissional, hoje também na vida a
a pluriatividade5 se estabelece como uma gente precisa saber administrar a base que nós
prática social, decorrente da busca de formas tivemos é importante para ter uma qualidade
de vida bem, uma renda financeira boa para
alternativas para garantir a reprodução das
se viver. (Clemerson Alan Silva Mota, Técnico
famílias de agricultores, um dos mecanismos de em Agropecuária, 20 anos, ex-aluno da EFA
reprodução, ou mesmo de ampliação de fontes (2013-2015) da região de Alagoinhas EFARA,
alternativas de renda; com o alcance econômico, 2018).
social e cultural da pluriatividade as famílias que
residem no espaço rural integram-se em outras Para Lambert (2002 apud RIBEIRO,
atividades ocupacionais, além da agricultura. 2008), a pedagogia da alternância prepara

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adequadamente os/as jovens para enfrentarem de vista dos fenômenos naturais, quanto
suas realidades de trabalho agrícola e pecuário. sociais, de modo que eles possam participar
de forma crítica e consciente dos debates e
Como eles são levados a diversos locais de decisões que permeiam a sociedade, faz-se
estágio, durante três ou quatro anos em necessário o estudante ter uma educação
formação, e a se adaptar a diferentes contextos básica completa, que lhe possibilite ter uma
e a práticas diversas, chegam ao mercado formação profissional e tecnológica, segundo
uma educação ampla para atuar nos aspectos
de trabalho com uma vantagem extra, em sociais e produtivos da vida. (IKESHOJI;
relação aos jovens que estudaram em escolas TERÇARIOL; AZEVEDO, 2017, p. 61).
tradicionais: constituem uma mão de obra
de primeira ordem para as organizações da Nas EFA, há uma constante preocupação e
região e muitos não encontram dificuldade busca por contextualizar o processo pedagógico
para ter trabalho no final de seus estudos. com a realidade vivenciada nas comunidades
Como defende Reis (2004), toda e qualquer de origem dos estudantes. Assim, para Machado
formação profissional deve considerar em seus (2017), a pedagogia utilizada nas EFA enfatiza
cardápios formativos a relação com o mundo do o meio como fator privilegiado do processo
trabalho, isso não significa dizer que devemos ensino-aprendizagem, valorizando, assim, os
fazer da educação instrumento que vai a reboque laços familiares e a herança cultural camponesa.
do mercado, pois este não deve ser pensado
no espaço de formação como um dos pontos Nas EFA’s a pedagogia da alternância é
a uma função social maior que a de contribuir construída historicamente e identificada
com o desenvolvimento crítico e emancipador como educação popular, tendo por referência
a relação prática-teoria-prática e o método
no plano do indivíduo e da coletividade. Paulo Freire (BRANDÃO, 1981; FREIRE,
Vale lembrar que há muito tempo 1978; 1980; BETO, 1981). Esse método
se vivia em uma educação hegemônica, está historicamente vinculado à campanha
descontextualizada em que os conhecimentos de alfabetização de adultos, nos anos 1960,
para a qual Freire cria um método que
trazidos pelos livros didáticos nos introduziam parte da realidade, vai à leitura e escrita
a um mundo imaginário, com textos que e produz a leitura/escrita compreendida
mostravam coisas que não podíamos sequer daquela realidade, ou a leitura do mundo.
tocar, tornando esse conhecimento sem sentido, Foi adaptado para o trabalho de educação
popular, articulado ao método utilizado pelas
sem conexão com nada. Diversas regiões
Comunidades Eclesiais de Base – CEB’s ligadas
do país e suas belezas naturais são exibidas, à Igreja Católica, do Ver-Julgar-Agir. Tornou-se
porém, quando se mostra de alguma forma o também referência para Educação Popular
“Semiárido”, não se tem beleza alguma, essa como prática-teórica-prática. (RIBEIRO,
região do país é apresentada como sendo uma 2008, p. 39).
terra “feia, com solo rachado e sem vida, uma
terra seca e de população faminta”, por onde o Andrade e Andrade (2012) afirmam que
desenvolvimento jamais passará. Ou seja, nossas um diferencial da pedagogia praticada pelas EFA
histórias são sufocadas, o Semiárido acaba sendo no Brasil é a influência da pedagogia libertadora
generalizado como “coitado” (REIS, 2004, p. 23). de Paulo Freire, a partir do tripé ação-reflexão-
Na busca por superar esses desafios, as ação. Nesse processo, os/as educandos/as
EFA visam à formação profissional e integral: alternam o período de quinze dias na escola
e quinze dias na família/comunidade, o que
formar profissionais que compreendam possibilita pensar a prática e retornar a ela
o mundo em que vivem, tanto do ponto para transformá-la (MACHADO, 2017). Tal

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diferencial pode ser observado no relato abaixo, extensão rural, por meio das políticas públicas
no qual ainda é possível observar que o processo de nível estadual e federal. Eles têm se destacado
formativo não se limita aos jovens, mas estende- na atuação junto à ATER, implementada há
se também às famílias e às comunidades locais. quase duas décadas no estado da Bahia e
Sergipe, conforme ilustrado no relato a seguir:
O fantástico e a diferença maior é justamente
esta questão dos jovens estarem buscando O que mais me preparou para estar hoje
essa formação profissional, para dar sequência acompanhando essas famílias na ATER foi
e está inserido nesse mesmo processo de dar o estudo na EFA, pois a EFA me preparou
acompanhamento aos agricultores, trazendo totalmente para estar em contanto, para
técnicas inovadoras, que está dentro do lidar com o/a agricultor/a da forma correta,
contexto da realidade que de fato faz o na EFA como o ensino é diferenciado,
homem e a mulher do campo perceber que sempre trabalha a prática, a teoria vinculada
pode mudar, [...] E ainda quando a gente a prática, eu pude me preparar melhor para
vai nas visitas as famílias, como é legal esse estar no campo, hoje atuando no serviço de
contato, aquilo que as Escolas Famílias Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER,
Agrícolas almejam e fazem, e também lá tem porque a gente sabe como chegar nas casas
os depoimentos que os pais, mães, avós que das famílias, porque a EFA nos preparou para
eles dizem como a escola mudou a vida, o isso, a gente tem um conhecimento bom
comportamento do jovem para melhor, essa sobre os setores de produção que as famílias
questão do se portar, de estar presente no trabalham, conhecimentos sobre a vida no
processo de formação, de estar contribuindo campo, as dificuldades também, porque a
nas atividades agropecuárias e familiares, isso gente vivencia isso nas nossas comunidades
para gente é valioso, bom demais e demonstra rurais, é minha realidade também, a realidade
que o projeto escola-família é um projeto que do agricultor é a minha própria realidade,
abrange a formação dos jovens, da família e então eu já tenho uma referência para lidar
das comunidades, e a gente percebe a sede melhor com as famílias, para saber o que as
das comunidades de sangue novo, de gente famílias estão necessitando no momento, as
que se importa, de gente que sugere, que suas necessidades, e as suas potencialidades
estar presente, acompanhando, propondo também, porque nas comunidades rurais
e fazendo junto uma sociedade melhor de não só encontram dificuldades, mas também
se viver. (Maria Vanilda da Silva, conhecida grandes possibilidades de melhoria e de
como “Didi”, da EFA de Correntina: Escola aumentar a produção. (Rosivaldo Cordeiro
Família Agrícola Padre André - EFAPA, atua de Souza, ex-aluno da EFA de Monte Santo,
como professora, 2018). colaborador do IRPAA).

Segundo Gimonet (2010), o sujeito do Com isso, percebe-se que a compreensão


campo, ao tornar-se estudante na proposta de educação escolar construída pelos egressos
metodológica da pedagogia da alternância, das EFA acontece por meio de processos
caracteriza-se também como sujeito alternante, formativos para a vida, tendo como referencial
ou seja, pertencente e envolvido no movimento, do ensino-aprendizagem a escolarização dos
nas experiências, na complexidade das relações e sujeitos do campo, para que, assim, possam
situações, ampliando, assim, as possibilidades de modificar suas realidades, transformando-as para
aprendizagens a partir da proposta pedagógica. melhor. Por meio da pedagogia da alternância,
Por serem oriundos de comunidades rurais, a escolarização permite o desenvolvimento
os/as profissionais formados nessas escolas têm de uma prática social, mediante a qual os
maior aproximação com essas comunidades, sujeitos do processo buscam a construção e
permitindo, assim, dormir e vivenciar mais sistematização de conhecimentos que os levam
tempo do que os previstos nos serviços de a incidir conscientemente sobre a realidade.

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Assim, o protagonismo da juventude no/ comunitária dos egressos das EFA que integram
do campo só é possível com o acesso às políticas a REFAISA. Essa contextualização se constitui
públicas e aos direitos constitucionais (educação, em elemento de aproximação dos estudantes
produção, terra, crédito rural, fomento à em relação às comunidades, organizações
produção, saúde, segurança, água, dentre sociais e populares, instituições sociais e
outras), e, com a ausência histórica dos gestores iniciativas em curso nas dinâmicas locais e
públicos do Estado no que tange às demandas da regionais, o que se manifesta nas diferentes
classe trabalhadora, nas EFA, os/as adolescentes formas de atuação profissional dos egressos.
e jovens são estimulados e preparados para, No que tange aos espaços de atuação
por meio da organização, conquistarem suas dos/das jovens do campo egressos das EFA,
demandas e necessidades junto às esferas com formação de Técnico em Agropecuária,
públicas e instituições sociais de maneira geral. constatou-se que, para além do espaço social
Para Ribeiro (2008), devem-se considerar de promoção dos/das jovens no campo, a
as contradições peculiares a uma sociedade de formação das EFA, no âmbito da REFAISA,
classes, de forma a apontar para um potencial tem também possibilitado a ampliação das
muito grande da exploração da pedagogia da opções de vida, inclusive fora do campo,
caso necessário. Nesse caso, destacam-se a
alternância nessa construção alternativa.
sua inserção em organizações de assessoria
sociotécnicas, por meio de ações de ATER e o
Considerações possíveis engajamento na atuação junto à própria rede
de EFA, movimentos sociais, organizações
As EFA que integram a REFAISA têm não governamentais e órgãos públicos.
construído experiências inovadoras no âmbito A experiência de educação profissional
da concepção de educação do campo por contextualizada em alternância da REFAISA
meio da educação profissional. Elas apontam tem contribuído com a formação de jovens
para novas possibilidades de educação escolar do campo, valorizando as origens e a cultura,
contextualizada para os filhos e as filhas dos de modo a promover os laços familiares e
agricultores e das agricultoras familiares em comunitários. Essa formação tem fortalecido
regiões do Semiárido e do Agreste brasileiro. o sentimento de pertencimento à região em
A contextualização do processo formativo que vivem essas pessoas e sua organização
e a escolarização para a vida se constituiu em um como classe trabalhadora, independentemente
dos aspectos mais relevantes para a diversidade dos diferentes espaços de atuação
e efetividade de inserção profissional e profissional identificados no âmbito da rede.

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