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CAPITULO | A histéria, ciéncia e ficgdo! “Ficcées" A semelhanga de “ciéncia”, seu termo correlato — “ficgio” — é palavra perigosa. Por ter procurado, em outro artigo,’ definir 1 estatuto, limitar-me-ei a sublinhar, neste texto, a titulo de nota iminar, quatro funcionamentos possiveis da ficgio no discurso historiador. 1. Figo e histévia. A historiografia ocidental se bate contra a jo; entre a historia e as historias, essa guerra intestina remonta a 1 posiges. Entretanto, por sua luta contra a fbulagio geneal6gica, nntra 0s mitos e as Jendas da meméria coletiva ou contra as derivas da ao oral, a historiografia cria um distanciamento em relagio a0 ‘© ao crer comuns, além de se instalar precisamente nessa diferenca ia como erudita ao distingui-la do discurso ordinario. Nio porque ela diga a verdade. (O historiador nunca teve se~ nce pretensio. De preferéncia, com o aparato da critica dos ntos, 0 erudito retira o erro das “fibulas”: a0 diagnosticar ganha terreno em relagio a estas. Na linguagem, admissivel, ele escava a posigio que acaba atribuin— como se ~ instalado no meio de narratividades redet O83. Ch CREAR GAIEE EapSeeorE EI estratificadas e combinadas de uma sociedade (tudo o que ela relata ou relatou para si mesma) — ele se empenhasse em rechagar 0 que ¢ falso ¢ nio tanto a construir o que é verdadeiro; ou como se ele 36 conseguisse produzir a verdade pela identificagio do erro. Seu trabalho consistiria em algo de negativo, ou — para tomar émprestado a Popper um termo mais apropriado — um trabalho da “falsific si0:Desse ponto de vista, no elemento de uma culuia, a ficgio € 0 que a historiografia institui como erréneo, obtendo assim um tertitério préprio. 5 se (exame e comperagio dos documentos), quanto das interpretagies eee aA _o (EHFOs caracteristicos da fiegio autoriza-se, por isso mesmo, a falar jem nome do real. Ao estabelecer, de acordo com seus proprios critérios, © gesto que separa os dois discursos ~ cientifico © de > swe ~, a historiografia adquire seu crédito de uma relagio com real, porque seu contririo esté colocado sob 0 signo do falso. Essa determinagio reciproca encontra-se alhures, apesar de se servir de outros recursos e de outras pretenses; ela implica uma dupla defasagem que consiste, por um lado, em fazer com que o eal seja plausivel ao demonstrar um e1ro e, ao mesmo tempo, em fazer crer no real pela denfincia do falso, Ela pressupde, portanto, “que 0 nio falso deve ser real, Assim, outrora, ao argumentar coritra “falsos” deuses, fizia-se crer na existéncia de algo verdadeiro. Ao repetir-se, inclusive na historiografia contemporinea, 0 procedi- mento é simples: a0 comprovar os erros, 0 discurso leva a consi~ derar como real o que lhes é contritio. Apesar de set logicamente ilegitimo, 0 procedimento fiunciona [" marche” e “leva na conversa” [fait marcher”], Desde entio, a ficeio ¢ transferida para o lado do irreal, enquanto o discurso tecnicamente armado para designar 0 erro est afetado pelo privilégio suplementar de representat o real; os debates entre “literatura” ¢ historia permitiriam facilmente ilus~ trar essa divisio. [ 3. Figito e ciéncia, Por uma reviravolta bastante légica, a ficgio encontra-se também no campo da cigneia, Ao discurso (1 € teoldgico) que decifia a o m dos seres © as vor 46 \ 2. Figgio e realidade, No plano tanto dos procedimentos de andli-| ‘Ansrtn, oN EnCRD autor, uma lenta revolugao instauradora de modernidade tomou o Jugar das escritas capazes de instaurar coeréncias a partir das quais venha a produzir-se uma ordem, um progresso e uma histéria, Desligadas de sua fungio epifinica de representar as coisas, essas linguagens formais dio lugar, em suas aplicagSes, a cendrios cuja pertinéncia se refere no mais 20 que eles exprimem, mas a0 que, por seu intermédio, se torna possivel. Eis uma nova espécie de ficcao: artefato cientifico, ela ndo se juiga pelo real que, suposta— mente, Ihe faz falta, mas pelo que ela permite fazer e transformiar” ficgio” no o que bate a fotografia do desembarque lunar, mas © que 0 prevé e o organiza. A historiografia utiliza também as ficgdes desse tipo quando constréi sistemas de correlacdes entre unidades definidas como tintas © estaveis; quando, no espago de um passado, ela faz modelos diferentes de sociedade; ou quando, mais explicitamente, como no caso calbcori jomitria historicd, ela analisa as consequéncias, dle hipéteses infactiveis (por exemplo: o que teria ocorrido com a cravidio nos UA se nio tivesse ocorrido a Guerra de Secessio? f. ANDREANO, 1977, p. 258ss.). No entanto, o historiador nao. deixa de alimentar desconfianga em relagio a essa ficgGo que se nou cientifica, acusando-a de “destruir” a historiografia: aspecto féitamente demonstrado pelos debates sobre aleconometria\ Tal resisténcia pode ainda fazer apelo ao aparato que, a0 apoiar-se em tos”, revela erros. Mas, ainda mais, ela baseia-se na relagio que » discurso do historiador, supostamente, mantém com o real; na (0, incluindo esta, o historiador combate uma falta de referen- uma lesio do discurso “rcalista”, uma ruptura do acasalamento, essuuposto por ele, entre as palavras ¢ as coisas. 4. A figio ¢ 0 “limpo”* A ficcao é, por fltimo, acusada de nio discurso univoco ou, dito. por outras palavras, de carecer za" [*propreté"] cientifica. Com efeito, ela lida com uma ido, relata uma coisa para exprimir outra, ago de s ce) iu u ? D ate configura-se em efeitos de sentido que no podem ser circunscritos, nem contro- lados. Diferentemente do que se passa com wma linguagem artifi- cial — em principio univoca — ela nio tem espago proprio [propre] Ela é “metaforica”. Movimenta-se, imperceptivel, no campo do outro. Nessas circunsténcias, o saber nio encontra lugar seguro e seu esforco consiste em analisia de maneira a reduzi-la ou traduzi-la em elementos estaveis ¢ combinaveis. Desse ponto de vista, a ficgio lesa uma regra de cientificidade: @ a feiticeira que 6 saber se empenha em fixar ¢ classificar, a0 exorcizé-la em seus laboratérios. Ela ja no traz, aqui, o sinal do falso, do itreal, nem do artefito, mas designa uma deriva seméntica. E a sereia da qual 0 historiador deve defender-se, a exemplo de Ulisses amarrado no mastro. (De fato, apesar do(Guiprogiid'de seus estatutos sucessives OU” Simultineos, a fico — sob suas modalidades miticas, liters Gientificas ou metaféricas ~ é um discurso que da forma [“informe”] a0 real, sem qualquer pretensio de representi-lo ou ser creden-, ciado_por clef Deste modo, ela opde-se, fundamentalmente, a ‘uma historiogtafia que se articula sempre a partir da ambigio de dizer o real —¢, portanto, a partir da impossibilidade de assumir plenamente sua perda. Essa ambigio parece a presenga e a forga de algo de original; ela vem de longe, 3 semelhanga de uma cena primitiva, cuja permanéncia opaca continuasse determinando a disciplina. De qualquer modo, ela permanece essencial, consti- tuindo, portanto, o centro obscuro de algumas consideragdes que eu gostaria de introduzir a respeito do intercimbio entre ciéncia € ficcio ao abordar apenas estas trés pistas de reflexio;{1. 0 “real”) (produzido pela historiografia constitui, também, o legendério da instituigo dos historiadores; 2. 0 aparato cientifico ~ por exemplo, a informatica — possui igualmente aspectos de ficgo no trabalho do historiador; 3. ao vislumbrar a relagio do discurso com quem produz — ou seja, alternadamente, com uma institui¢io profis- / sional e com uma metodologia cientifica~, ¢ possivel considerara historiografia como uma mistura de ciéncia e de ficgio, ow com {am lugar em que se reintroduz o tempo. 48 a medida em que » que foi; ela seduz e se impée através dos aconteci- tos dos quais pretende ser a intérprete, por exemplo, as iimas as de RK. Nixon na Casa Branca, ou a econonua capitalista das canas. De fito, qualquer autoridade alicerga-se no de que, supostamente, ela € a declaragio; € sempre em nome Iwo de real que se consegue “a adesio” dos crentes ¢ que estes produzidos. A historiografia adquire esse poder enquanto ela csenta ¢ interpreta “fitos”, O que 0 leitor poderia contrapor 20 jctrso que The diz 0 que é (ou foi)? Ele tem de consentir A lei que emuncia em termos de acontecimentos. No entanto, 0 “real” representado nfo corresponde ao real) « determina sua produgio. Ele esconde, por tris da figuragio de} passado, 0 presente que 0 organiza. Formulado sem rodeios,) problema ¢ o seguinte: a encenagio de uma efetividade (do pe | ido), ou seja, 0 proprio discurso historiogréfico, oculta o sistema social e técnico que a produz, isto é, a instituicio profissional. A speragdo em causa parece ser empreendida com bastante astticia: o/ iscurso torna-se crivel em nome da realidade que, supostamente, cle representa, mas essa aparéncia autorizada serve, precisamente| para camuflar a pritica que a determina realmente. A representagig dlisfarga a prixis que a organiza. 1, O discurso e a/da instituigao. A historiografia erudita no escapa 4s condicionantes das estruturas socioeconémicas que determinam as representagdes de uma sociedade. Certamente, a0 isolar-se, um citculo especializado tentou subtrair a producio dessa historiografia 4 politizagio eA comercializagio das narrativas que nos relatam nossa atalidade. Essa retirada — que assume a forma seja buroctitica (um segmento do Estado) ou corporativista (uma profissio) ~ permitiu a separagdo de objetos mais antigos (um passado), a selego de um ‘material mais raro (arquivos) ca definigao de operagSes controliveis 49 pela profissio (técnicas). Mas tudo se passa como se 08 procedimen- tos gerais da fabricaco de nossas “histérias” comuns ou de nossas Iendas cotidianas fossem no tanto eliminados desses Iaborat6rios, mas sobretudo submetidos prova, criticados e verificados pelos historiadores em seus terrenos de experimentagio. Antes de analisar a tecnicidade peculiar as pesquisas cientificas, convém reconhecer, Portanto, o que clas téin em comum com a produgio geral de nos sas historias pela midia, E & a prépria instituigio profissional dos historiadores que, a0 apoiar tais pesquisas, vai associé-las 3s priticas comuns das quais elas pretendem distinguir-se. (A erudigio deixou de ser — salvo marginalmente — uma obra individual; trata-se de um empreendimento coletivo. Para eopvecsa ecnamnnitaciralics Sontgts ove ta subjetividade los pesquisadores. No entanto, essa comunidade & também uma rusina, dstribufda em cadeias de montagem, submetida a exigéncias lorramentirias, associada, portanto, a politicas e 3s condicionantes lrescentes de um aparato sofisticado (infraestruturas arquivisticas, ‘omputadores, modalidades da edicio, etc); ela 6 determinada por ‘um recrutamento social bastante resrito e homogéneo; orientada por esquemas ou postulados socioculturais que impdem tal recrutamento, a prioridade /recursos afetados as pesquisss, os interesses do orientador/ patrocinador, as correntes da época, etc. Além disso, sua organizacio | intema baseia-se na divisio do trabalho: ela tem seus diretores, sua aristocracia, seus “chefes de trabalhos” (frequentemente proletitios | das pesquisas decididas pelos diretores de departamento), suas técnica, seus redatores mal remunerados e seus encarregados da manutengio. E deixo de lado os aspectos psicossociolégicos desse empreendimen- to— por exemplo, a “retdrica da respeitabilidade umiversitiria”, cuja anilise foi elaborada por Jeanine Czubaroff (1973). * Ora, os livros, produtos dessa usina, nada dizem de sua fabri- cago, ou tio pouco quanto nada, dissimulando sua relagio com esse sistema hierarquizado ¢ socioecondimico, Sera que a tese, por exemplo, toma explicita sua relagio com o diretor que superintende a pesquisa académica, ou com os imperativos financeiros a que ele esté subbmetido, ou com as presses exercidas pelo meio profi sobre 0s temas escolhidos c os métodos acd No entanto, convém sublinhar o fato de que tais determinagdes no dizem respeito a imperatives propriamente cientificos, nem | ¢ ideologias individuais, mas t&m a ver com o peso de uma reali de histérica atual sobre discursos que, sem Ihe fizerem a minima referéncia, pretendem representar o real. ay Certamente essa representacio do fazer historia desempenin |p wre seu papel, indispensavel, em uma sociedade ou em um grupo: ela joe ee procede, incessantemente, i reparasio das dilaceragies entre o pas- sado € o presente; assegura um “sentido” que supera as violéncias e 48 divisdes do tempo; cria um teatro de referéncias e ‘gue garantem ao grupo uma unidade e uma comunicagio simbélicas. Em suma, como afirmava Michelet, ela é 0 trabalho de vivos para “acalmar os mortos” e reunir toda a espécie de apartados em uma aparéneia de presenga que € a propria representagio, Trata-se de um discurso da conjungio, que luta contra as disjungSes produzidas pela competi¢io, pelo labor, pelo tempo e pela morte. Mas essa tarefa social exige, precisamente, a ocultagio do que particulariza a representagio, levando a evitar 0 retorno da divisio presente na cena simbolizante. Portanto, em vez da representagio de um pasado, © texto vai proceder 4 clucidacio da operacio institucional que 0 ica, Ele confere uma aparéncia de real (passado), a0 invés da s (presente) que o produz: uma é colocada no lugar da outra. “2. Do produto erudito & midia: a historiagrafia geral. Sob essa pers— pectiva, o discurso cientifico ja nio se distingue da narratividade pro- lixa ¢ fundamental que é nossa historiografia cotidiana, Ele participa sistema que organiza, por a comunicacio social ¢ a lo, &, por Outro, 0 dirio impresso ou televisionado diferenciam- ©, se apenas no interior do mesmo campo historiogrifico, consttufdo |" polo grande niimero de narrativas que relatam e interpretam os) | wcontecimentos{[O historiador “especializado” obstina-se, é claro, | 1 rejeitar essa solidaricdade comprometedora. Vi denegagio. A | _ J dessa historiografia forma ai apenas uma expécie ver também com um ‘o-que-se-passa. Sem tréguas, desde o inicio até o fim do dia, a hist6ria, de fato, relata-se. Ela privilegia 0 que nio funciona (o acontecimen- to 6, antes de mais nada, um acidente, um infortdinio, uma crise) porque impde-se, com urgéncia, voltar a costurar, acima de tudo, essas dilaceragSes com uma linguagem de sentido; no entanto, reci~ procamente, os inforttinios so indutores de nazrativas, autorizando sua incansével produgio. O “real”, outrora, assumia a figura de um. Segredo Divino que autorizava a intermindvel narratividade de sua revelagio; atualmente, ele continua a permitir indefinidamente a narragao, mas assume a forma de acontecimento, longinquo ou alheio, que serve de postulado necessirio A produgio de nossos dis- cursos de revelagdes, Esse deus fiagmentado nio cessa de ser objeto de comentirios; ele tagarela. Por toda parte, noticias, informacdes, estatisticas, sondagens e documentos que, pela conjungio narrativa, compensam a disjungio crescente criada pela divisio do tabalho, pela atomizagio social e pela especializacio profissional. A todos 08 apartados, esses discursos fornecem um referencial comum; cles instituem, em nome do “real”, a linguagem simbolizadora que leva a crer na comunicagio ¢ entretece a rede de “nossa” historia. essa historiografia geral, limitar-me-ei a sublinhar trés tragos peculiares ao género em sua integralidade, embora eles sejam mais visiveis na espécie “midia” e mais bem controlados (ou modalizados diferentemente) na espécie “cientifica”. a) A representagio das realidades histéricas é 0 meio de ca- muflar as condigdes reais de sua produgio. O “documentirio” niio mostra que ele é, antes de mais nada, o resultado de uma institui¢gao socioeconémica seletiva e de um aparato técnico codificador, 0 difrio ou a televisio, Tudo se passa como se, através de Dan Rather, © Afeganistio se mostrasse. Na verdade, cle nos € cniade em uma narrativa que é 0 produto de um meio, de um poder, de contratos entre a empresa e seus clientes, assim como da légica de uma técnica. A clareza da informagio dissimula as leis do trabalho complexo que a constrdi; trata-se de uma falsa aparéncia que, diferentemente da petspectiva iluséria de outrora, deixou de fornecer tanto a visibili- dade de set estatuto de teatro quanto 0 cddigo de sta fabricagio. A “elucidaci0” profissional do passado possuii o mesmo pm Ih, RNA ROCKO b) A narrativa que fila em nome do real é imperativa; ela “fxz conhecer”, 4 maneira como se di uma ordem, Nesse aspecto, a atualidade (o real cotidiano) exerce um papel semelhante a0 que a divindade desempenhava outrora: os padres, as testemunhas ou ‘os ministros da atualidade fazem com que ela fale para dar ordens em sew nome, Certamenite, “fizer falar” 0 real jé nao € revelar as vontades secretas de um Autor; daqui em diante, algarismos e dados wzem as vezes desses segredos “revelados”. No enitanto, a estrutura permanece a mesma: ela consiste em ditar, interminavelmente, © que deve ser dito, o que se deve crer ¢ 0 que deve ser feito. E 0 que opor a “fatos”? A lei que se relata em chdos e algarismos (ou seja, em termos fabricados por técnicos, apresentados como a manifestagio da derradeira autoridade, © Real) constitui nossa-ortodoxia, um imenso discurso da ordem. abe-se que o mesmo ocorre com a literatura historiografica. Eis o que é mostrado, atualmente, por um grande néimero de anilises: la foi sempre um discurso pedagdgico e normativo, nacionalista militante, No entanto, ao enunciar 0 que se deve pensar e fazer, esse discurso dogmatico nio tem necessidade de se justificar porque em nome do real. em nome do ) Ainda mais: esa narrativa é eficaz. Ao pretender relatar 0) |, ela o fabrica, Ela é performitica. Ela torna crivel o que diz ¢ w agir por essa razio. Ao produzir crentes, cla produz praticant ‘i 4 nossa portal” O pblico, imediatamente, arma-se e ergue icadas, A informagio acrescenta: “Existem indicios de que os suncia pessoas e vai votar em favor de sua condenagio 3 morte seu exilio.{A narragao do historiador desvaloriza ou privilegia 8, exagera a dimensio dos contfitos, inflama nacionalismos ou nos, organiza ou desencadeia comportamentos. Ela faz o que is o que foi analisado por Jean-Pierre Faye (1973) em seu ro, Langages totalitaires (Linguagens totalitirias], a propésito do 9s OuLTOS casos em que narrativas sio fabricadas a. As vores charmosas da narracio transfor a verdadcira representagio do que se passa ou do que se passou, A hist6ria profissional — pelos temas selecionados, pelas problemiticas que ela privilegia, pelos documentos e pelos modelos utilizados — tem uma operatividade aniloga. Sob o nome de ciéncia, ela arma também ¢ mobiliza clientelas. Assim, frequentemente mais Iicidos que os préprios historiadores, os poderes politico e ou econdmi- co empenharam-se sempre em coopti-l, lisonjeé-la, c orienté-la, colocando-a sob controle ow subjugando-a. Cientificidade e téria: a informaticaé Para combinar uma encenagio com um poder, © discurso Vincule-se a instituigio que Ihe garante, ao mesmo tempo, a legiti- midade diante do piiblico e a dependéncia em relagio a dindmica das forcas sociais. O empreendimento assegura o papel ou aimagem como discurso do real para os leitores ou espectadores, 40 mesmo tempo que, por seu fancionamento interno, cle aticula a producio sobre 0 conjunto das préticassociais. Mas existe interagio entre esses dois aspectos. As representacdes sio autorizadas « falar em nome -de.zeal apenas na medida em que elas fazem esqueter as condigdes de sua fabricagio. Ora, & a instituigo também que opera o liame ~ entre esses contririos, Dessas lutas, regras e procedimentos sociais coms, ela impée as condicionantes a atividade produtora, autori- zando sua ocultagio pelo discurso produzido. Garantidas pelo meio Profissional, esas priticas podem, desde entio, ser dissimuladas pela Tepresentago, Mas a situago ser, assim, tio paradoxal? O elemento excluido do discumso é justamente a garantia da coesio pritica do grupo (erudito). Essa pritica ndo pode ser, evidentemente, reduzida ao que a leva a ser classificada no género da historiografia geral. Como “cientifica’, ela dispde de tragos especificos; vou servir-me, como exemplo, do funcionamento da informatica no campo do trabalho Avistoan, o2Na4 EFEGHO historiogrifico especializado ou profissional. Com a informatica, abriu-se a possibilidade do quantitativo, estudo sequencial das rela es varidveis entre unidades estiveis, durante um periodo de longa duragio. Para o historiador, a ha Afortunada, Finalmente ele tert a possibilidade de livrar a historiografia de suas relagdes com- prometedoras com a retérica, com todos os usos metonimicos ou inetafSricos do detalhe supostamente significativo de um conjunto, © com todos os ardis oratérios da persuasio; ele teri a possibilidade de desvencilhi-la de sua dependéncia em relagio & cultura circun- dante, cujos preconceitos recortam antecipadamente postulados, idades ¢ interpretagées. Gragas informitica, ele torna-se capaz de controlar as quantidades, de construir regularidades, além de determiinar periodicidades a partir das curvas de correlagdes — trés pontos nevrilgicos na’estratégia de seu trabalho. Portanto, a histo~ jografia foi fisgada por uma embriaguez estatistica: os livros ficam repletos de algarismos, garantias de objetividade, Infelizmente, foi necessirio desenfeitigar tais expectativas, mes sem ter chegado a falar — como ocorreu, ultimamente, com as bservagGes elaboradas por Jack Douglas (1969) ou Herbert Simons 980) — de “retérica dos algarismos”, A ambicio de matematizar a storiografia.tem.a.contrapartida de uma historicizagio dessa mate- ca particular que é. estatistica, Nessa anilise da sociedade bascada matemitica, é preciso, com efeito, sublinhar: 1° sua relagio com as condigdes de possibilidade histéricas; 2° as redugdes técnicas la impde e, portanto, a relagio entre o que ela aborda e o que a de fora; por iiltimo, 3° seu funcionamento efetivo no campo istoriogrifico, ou seja, o modo de sua recuperagao, ou de sua assi- \cio, pela disciplina que, supostamente, é transformada por cla. Eis, forma de assistir ao retorno da fic¢o a uma pritica cientifica, 1. Aparentemente, nada de mais alheio aos avatares da historia essa cientificidade matemitica, Em sua pritica teorizadora, a imitica se define pela capacidade que seu discurso possui de nar as regras de sua produgio, de ser “consistente” (ou seja, no século XVII, John vislumbrasse calcula as probabilidades do testemunh em (Seu Theolagiae histianae prinipia mathematica, & no fanel do século, XVII que Condorcet funda uma “matemética socel” = empreende lum eélculo das “probabilidades” que regem, no seu entender, as ea uvaées para ret” e, portanto, as escolhas pritiens dee indivi- duos reunidos em sociedade (Conooncer, 1974). Somente entio |toma forma a ideia de uma sociedade matematizével, principio |Posttlado de todas as andlses que, nasequéncia, abortians realidad \social sob o prisma da matematica : 4 ~~ “4 no era evidente, embora o projeto de uma socie- dade ovientada pela razdo jd tivese sido propeste omy a Reptiblica de Fistio, Para que a “lingua dos efleulos”, de acordo con a expressio de Condillac, viesse a definit 0 discurso de uma cigncia social, foi rote aos om Primeiro lugar, considetar a sociedade vome uma ‘otalidade composta por unidades individuais que combinam suas Vontades: esse “individualismo”, surgido com a moderidade (Macererson, 1962; Macrarianz, 1978), & 9 Pressuposto de um maqumento matemético das relacSes possiveis entre exe tunidades, dem Come ele & na mesma época, 0 pressuposto da concepeio de uma sociedade democritica. Além diss, tes condigées cir Progress Vinculam essa ideia a uma conjuntura histOvea: ony { Progresso técnico das matemiticas (o céleulo das probabilidades, | Sto indissocigvel,aliés, da abordagem quantitaris a natuteza Ja dedusio das leis universas, caracteristicns de cientificidade no [sSculo XVIII (Kuve, 1972, p, 190-286); a organizagio sociopolitica de uma administrag uniformiza o territério, centralizando a Osseo sis por Contre 185 hid Por ARROW (9) stoma ges dada por BORDA 56 Anscan,cisenercclo eao 4 Essa tripla determinagio hist6rica — a primeira, de natureza técnica; a outta, sociopolitica; e a terceira, ideoldgica ¢ social — foi, © continua sendo, a condi¢io que torna possiveis as operagdes es. tatisticas. Ainda hoje, 0 progresso cientifico, o aparelho estatal ou internacional e o circulo techocrata servem de suporte 20 empre- endimento informitico.° Ou, dito por outras palavras, a matemitica da sociedade nao escapa 4 histéria, mas depende de descobertas cientificas, de estruturas institucionais e de formages sociais, cujas mplicages histéricas desenvolvem-se através de todos os campos de uma metodologid nist) cq 2. Além disso, o rigor matemitico exige uma estrta restrigo «lo dominio em que cle pode exercer-se, Ji Condorcet procedia a a tripla reducio. Em sua “matemética social”, ele pressupunha: que alguém age em conformidade com sua crenga; b) que esta pode inspirar-se em “motivages para crer”; e c) que tais “mo- Ses” reduzem-se a probabilidades. Impde-se absolutamente) ccortar no real um objeto matematizivel. Ele deixa, portanto, fora |! de seus célculos, um enorme detrito, toda a complexidade social i psicolégica das escolhas. Sua “ciéncia das estratégias” procede 3 | f nbinagio de simulacros. Génio da matemitica, o que é objeto de | ilculo, afinal de contas, na sociedade que ele pretende analisar? A rosa novidade do método tem como preco a transformagio de seu objeto em ficgio. Desde o final do século XVIII — alids, como i demonstrado por Peter Hanns Reill (1975, p. 23155), a propésito \los primérdios do historicismo alemio —, 9 modelo matemético & rejeitado em beneficio de um evolucionismo (que acompanha a historicizagio da linguistica) (Dz Cerreau; Juin; Reve, 1975),7 tes que o estruturalismo macroecondmico do século XX venha rar, também, esse modelo na historia. Atualmente, na histéria, 0 uso da estatistica — forma, no en- (unto, elementar da matemitica ~s6 & permitido mediante dristicas ', Assim, no proprio comeco da operagio, deve-se adotar © material suscetivel de ser constituido em séties (0 que uma historia urbanistica ou uma histéria eleitoral, em Horta EFacanvuee: DYRE CENCA FHEgAO detrimento de outras histérias deixadas de lado ou abandonadas a ‘um artesanato de amadores). Deve-se, também, definir as unidades tratadas de maneira que o signo (objeto calculado em algarismos) nunca seja identificado com as coisas ou palavtas, cujas variagdes hist6ricas ou seminticas viessem a comprometer a estabilidade do signo e, portanto, a validade do cilculo, As restriges exigidas pela “lavagem” dos dados, acrescentam-se aquelas impostas pelos limi- tes dos instrumentos teéricos: por exemplo, seria necessiria uma “logica imprecisa” capaz de tratar as categorias do tipo — “um pou- co”, “suficiente”, “talvex”, etc, — que sio caracteristicas do campo historico. Apesar das pesquisas recentes que, a partir das nogdes de “proximidade” ou “distanciamento” entre objetos, introduzem conjuntos “imprecisos” na analise (ver, por exemplo, Cone, 1975), os algoritmos informaticos reduzem-se a trés ou quatro formulas, Todos nés temos a experiéncia das eliminagdes que tiveram que ser efetuadas no material porque ele nao era abordavel de acordo com as regras impostas. Eu poderia relatar os avatares de pesquisas st6ricas ~ por exemplo, sobre os Estados Gerais de 1614 ou sobre 08 Cahiers de doléances [Cadernos de reclamagdes] de 1789 — objetos que acabaram sendo rejeitados do campo fechado da informitica, Desde o nivel elementar das unidades a serem recortadas, ¢ pot excelentes razdes, a operagio matematica exclui regides inteiras da historicidade; ela cria uma enorme quantidade de detritos, recusados pelo computador ¢ amontoados sua volta 3. Na medida em que elas sio respeitadas na pritica efetiva do historiador, essas condicionantes produzem um apuramento técni- co e metodol6gico. Els produzem efeitos de cientificidade. Para caracterizar tais efeitos, seria possivel dizer, de maneira geral, que ali onde o célculo se introduz, ele multiplica as hipéteses e permite tomar algumas delas falsificaveis. Por um lado, as combinagdes entre 0s elementos que foram isolados sugerem relagtes, até entio, insuspeitas; por outro, o célculo a partir de grandes quantidades impede interpretagdes baseadas em casos patticulares ou em ideias preconcebidas. Hé, portanto, aumento das possibilidades e det minacio de impossibilidades. crescer 0 niimero das 1 Avion, cmNcA Eo abstratamente definidos, além de designar as hip6teses a serem re- Jeitadas por serem malformuladas, ou nio abordiveis, ou contririas aos resultados da anilise (Tuy, 1973). Mas, deste modo, em vez de se ocupar, fundamentalmente, do 6 caleulo provede i gestio de unidades formais. A historia efetiva é, de fato, rejeitada de seus laboratérios. Assim, a reagio dos historiadores acaba sendo bastante ambigua: eles aceitam e, simul tancamente, rejeitam tal situagio, Seduzidos e, a0 mesmo tempo, rebeldes, Nao estou falando, aqui, de uma compatibilidade tedrica, mas de uma situagio de fito que deve ter um sentido. Ao analisé~ la tal como ela se apresenta, & possivel identificar trés aspectos, no minimo, do fiancionamento efétivo da informatica na historiografia. a) Ao estabelecer a distingao, como se impée, entre a inform’- tica (em que a estatistica desempenha um papel menos importante), © cileulo das probabilidades, a propria estatistica (e a estatistica aplicada), a andlise de dados, ete., pode-se dizer que, em geral, os istoriadores instalaram-se neste Gltimo setor: 0 tratamento quan- titativo de dados. O computador é utilizado, essencialmente, para constituir novos arquivos os quais, pablicos ou privados, duplicam progressivamente, substituem os antigos. Existem notiveis ban~ s de dados, tais como o Inter University Consortium for Political and ocial Research (ICPSR) da Universidade de Michigan (Ann Arbor), racas ao sistema Fox, ou os bancos arquivisticos criados, na Franga, into na instituigio Archives nationales, por Remi Mathieu e Ivan Cloulss, no que diz respeito 4 administragio municipal do século XIX, quanto no Minutier central [Arquivo Central de Minutas] dos otirios parisienses. Esse desenvolvimento consideriivel no deixa de estar circuns- ca, disciplina tradicionalmente considerada como STORE FSICANALIE: NTE CIENTIA ECD. de hicrarquizar as técnica, distinguia a reuniio de dados e a eluci~ aco do sentido. Essa combinagio permite que, em principio, 0 historiador utilize o célculo, sem ter de submeter-se a suas regras; cla explica, sem détvida, que haja, no plano das tentativas intelectuais, como havia sido constatado por Charles Tilly (1973, p. 333-334), um niimero tio reduzido de confrontos epistemoldgicos entre a operago matemitica e a operacio interpretativa, por um lado, e, Por outro, que seja mantida, apesar das tenses, porosidades e des Jocamentos reciprocos, uma espécie de bilinguismo epistemologico. -__ }) Utilizado pelos historiadores como um fornecedor de da- Jdos mais seguros ¢ mais abrangentes, em vez de ser praticado na qualidade de operagdes formais acionadas por ele, o computador laparece nos traballios dos historiadores sob sua figura atual de Ipoder tecnocritico. Ele introduz-se na historiografia, sobretudo, a titulo de uma realidade socioeconémica, ¢ niio como um con Junto de regras ¢ de hipéteses peculiares a um campo cientifico, |Bssa 6, aligs, uma reagio de historiador, e niio de matemitico: 0 computador inscreve-se no discurso do primeiro como um dado contemporineo, macigo e determinante. A instituigao na area da hist6ria refere-se a0 poder que, transversalmente, modifica todas as regides da vida socioecondmica, Assim, cada livro de histéria deveria comportar uma base es tatistica minima para garantir a seriedade do estudo e, a0 mesmo tempo, prestar homenagem ao poder reorganizador de nosso siste= ma produtor. Os dois gestos ~ o primeiro, que se conforma a um método técnico contemporiineo, enquanto 0 outro tem a ver com a dedicatéria 4 autoridade reinante — sao insepariveis, Trata-se do mesmo gesto. Desse ponto de vista, © tributo que a erudigio con- temporinea paga ao computador seria equivalente a “Dedicatoria ao Principe” nos livros do século XVII: um reconhecimento de divida em relagio ao poder que sobredetermina a racionalidade de uma época. A instituigio da area da informatica, atualmente — semelhanga da instituigio nobilidrquica e genealdgica de outrora aparece no texto sob a figura de uma forca que tem razio e s ao discurso a representacio. 40. ba, OBER E FEO Em relagio a esses dois poderes sucessivos, © historiador en~ contra-se, aliés, ignalmente, na posigio de ente préximo, embora estrangeiro; ele esti “junto” do computador, assim como, outrora, ele estava “junto” do rei, Ele analisa e imita operagSes que efetua apenas a distincia; vai utilizé-las, sem ser parte integrante delas. Em suma, cle faz hist6ria, mas nfo a histéria; € seu representante. ©) Pelo contritio, a dedicatéria a essa cientificidade confere crédito a seu texto, desempenbando 0 papel de citagio autorizante, FEntre todas as autoridades referidas pelo discurso historiogratico, ¢ esta «que The atribui maior legitimidade. Com eftito, 0 crédito é conferido sempre, em tiltima instincia, pelo poder, porque ele funciona como uma garantia de real, 2 maneira como um capital-ouro confere vali- dade aos papéis e cédulas de banco, Essa razio, que carrega 0 discurso la representagio até poder, é mais fundamental que motivagdes ysicol6gicas ou politica. Ora, 0 poder assume, atualmente, a forma tecnocrata da informitica; o fato de cité-lo & portanto, gracas a essa “autoridade”, conferir credibilidade 4 representacio. Pelo tributo que wa & informatica, a historiografia leva a crer que ela nio € fiecio. tentativas cientificas ainda articulam algo que nao 0 éa home- \gem prestada a0 computador consolida a antiga ambigio de fazer ssar 0 discurso histérico por um discurso do real. Essa problemitica do “levar a crer” pela citagio do poder € soma hhada, como seu corokirio, por uma problemitica do “crer” ciada 8 A citagio do outro. As duas estio eit ° poder cestabelecida por uma asciplina particular com outra. Na 1 perigncia das colaboragdes entre historiadores e informiticos, usio reciproca faz supor, de cada lado, que a outra disciplina nntit-Ihe-é o que Ihe faz falta ~ uma referéncia a algo de real. nformiitica, os historiadores solicitam ser credenciados por um nntifico suscetivel de fornecer “seriedade” a seu discurso; rafia, os informaticos, inquictos em relagio a sua propria po vizinho a desempenhat pesquisa cientifi (BISTONA E PEICANAUSES ENG CNC E ROCKO. ‘moderna: por um lado, sua limitagao (que é rentincia& totalizagio); © Por outro, sua natureza de linguagem artificial (que é renfincia 4 set um discurso do real), ou de representacao, Para se consttuir, uma cifncia deve fizer seu luto em relacio tanto a totalidade quanto & realidade. Mas o que ela deve excluir on Percer parse formar retomna soba figura do outro a respeito do qual continua havendo a expectativa de que seja uma garantia cont 4 plea ue se encontra na origem de nossos saberes. Um “crer no outro” é © modo em que se apresenta o fantasma de uma cigncia totaizante © ontol6gica, A reintroducio, mais ou menos marginal, dese modelo de ciéncia traduza reeigdo do luto que havia marcado a ruptura entre 0 dlscurso (a escrta) © “real” (a presenca). Nio 6 surpreendente Aue, de todas as disciplnas, a historiografia sea, sem david, + mot antiga € a mais obcecada pelo pasado, melhor dizendo, um campo Privilegiado para o retomo do fantasma, Nesse cso, 0 uso do com, Putador, em particular, indissocivel do fito ni s6 de permit que Os historiadores levem a crer, mas também de pressupor sua prdpra crenga. Este superacréscimo (essa superstcio) de passado manifests ce za mancira como eles utiizam as técnicas modemas, Assim, na prdpria relacio coma cientificidade, com a matemitica e com a informatica, & que a histoiografa € “histrica”: nfo mais no sentido em que ela produ uma interpretagio de periodos antigos, mas no sentido em ae 0 passado (0 que a cincias modemnasrejeitaram ou perdenm ¢ Consttuiram como passado ~ uma coisa finita, separada) produs. v6 Por scu intermédio e transforma-se em narrativa, Ciéncia-ficséo ou 0 lugar do tempo ‘Avsrées, ctuen enero Essa combinacio é considerada, frequentemente, como o efeito de uma arqueologia que, aos poucos, conviria eliminar da boa ciéncia; ou como um “mal necessério” a ser tolerado como: uma doenga incurivel. Mas ela pode, também, creio eu, consti- tuir 0 indice de um estatuto epistemoldgico proprio e, portanto, de uma fungio e de uma cientificidade a serem reconhecidas por si mesmas. Neste caso, é necessirio elucidar os aspectos “vergo- nhosos” que a historiografia julga ter a obrigacio de dissimular. A formacio discursiva que aparece, entio, & um entremeio [entre- deuzx: cla possui suas normas que nio correspondem ao modelo, sempre transgredido, ao qual se pretende crer ou levar a crer que cla obedece. Ciéncia e ficgio, essa ficgio-cientifica funciona, 4 semelhanga de outras heterologias, no ponto de jungio entre dis- curso cientifico e linguagem ordinaria, exatamente no ponto em que 0 passado se conjuga com o presente ¢ em que as indagagdes sem tratamento técnico retormam como metiforas narrativas. Para coneluir, eu gostaria apenas de sublinhar algumas questées cujo objetivo consistiria em elucidar essa mistura, 1, Uma nova poitizagio, Nossas ciéncias surgiram com o gesto ‘érico “moderno” que despolitizou a pesquisa 20 instaurar campos ‘desinteressados” e “neutros”, apoiados por instituigdes cientificas. e gesto continua organizando, frequentemente, a ideologia exibi- por alguns cfrculos cientificos. Mas o desenvolvimento do que se nou possivel por esse gesto acabou por inverter seu aleance. Ha jito tempo, as instituigdes cientificas, transformadas em poténcias ogisticas, encaixam-se no sistema que clas racionalizam, mas que \s conecta entre si, fixa-Ihes orientagSes e garante sua integragio socioeconémica. Esse efeito de assimilagio é, naturalmente, mais (_, Est combinagio seria o proprio hist6rico: um retomo do pas- pesado nas disciplinas cuja elaboragio técnica é mais frigil. Esse € -aso da historiografia. ae Atualmente, convém, portanto,."’politizar de novo” as cién-P 0, is o que entendo por essa expressio: rearticular seu aparato es pos de forcas no interior e em fungi dos. 7) iscursos, Essa tarefi & por exceléncia, sado no diseurso presente, Mais amplamente, essa mistra (ciéncia ¢ ficeio) tumultua o corte que instaurow a historiografia moderna |como relagio entre um “presente” e um “passado” distintos, em |due um € “sujeito” © 0 outro “objeto” de um saber, um é produtor to discurso ¢ 0 outro representado. De fato, esse ob-jeto, object - Supostamente, exterior ao laboratério ~ determina a partir {suas operagses, 62 HSTOWA E FSCANAIGE: ENTHE CNC E ROG. avioléncia. Mas, apés trés ou quatro séculos durante os quais surgi a crenga de ser possivel dominar essa relacio, situé-la no exterior do saber para transformé-la em seu “objeto”, além de analisi-la sob a forma de um “passado”, toma-se necessirio atualmente reconhecer que 0 confiito entre discurso e forga mantém-se acima da histotio~ grafia e, 20 mesmo tempo, encontra-se em seu bojo. A elucidacio desenvolve-se sob a dominagio do objeto de sua abordagem. El deve explicitar uma relagio interna ¢ atual com o poder (como era © caso, outrora, para a relago com o principe); ela sera a tinica a evitar que a historiografia venha a criar simulactos que, a0 supor uma autonomia cientifica, tém precisamente o efeito de eliminar qualquer tratamento sério da relagio que a linguagem (de sentido ou de comunicagio) estabelece com os jogos de forgas. Do ponto de vista técnico, essa “nova politizagio” consiste em “historicizar” a propria historiografia, Por reflexo profissional, © historiador refere qualquer discurso 4s condigSes socioeconémi- cas ou mentais de sua producio. Ele tem de efetuar, também, essa anilise sobre o proprio discurso, de maneira a conferir pertinéncia as forcas presentes que organizam representagdes do passado. Seu préprio trabalho seri 0 laboratério em que se faz a experiéncia do modo como uma simbélica articula-se a partir de uma politica. 2. Pensar 0 tempo. Assim, encontra-se modificada a episte~ mologia que diferenciava um sujeito em relagio a um objeto e que, por consequéncia, reduzia o tempo a fungo de classificar os objetos. Na historiografia, as duas causas —a do objeto e a do tem= Po ~ estio, com efeito, associadas e, sem divida, a objetivacio do passado, nos diltimos trés séculos, acabou transformando 0 tempo no impensado de uma disciplina que nao cessa de utilizs-lo como um instrumento taxinémico. Na epistemologia surgida com 0 Século das Luzes, a diferenca entre o sujeito do saber e seu objeto serve de fandamento aquela que separa 0 passado do presente. No interior de uma atualidade social estratificada, a historiografia definia como “pasado” (como um conjunto de alteridades ¢ de “tesistincias” a compreender ou a rejeitar) o que no pertencia ao poder (politico, social, cientifico) de produzir um presente, Ou, dito p & “passado” 0 FAN EIN GS. distingue para transformé-lo. Desde o gesto que constituiu arquivos até aquele que transformou as zonas rurais no museu de tradigdes memoraveis ¢/ou supersticioss, 0 corte que, no interior de uma sociedade, circunscreve um “passado” depende da relagio que uma ambigo produtora estabelece com o que nfio é ela, com 0 circulo do qual ela se separa, com o meio circundante que ela deve conquistar, com as resistncias com que ela se depara, etc. Como modelo, cla adota a relacio de um empreendimento com sua exterioridade, no mesmo campo econdmico. Os documentos “do passado” sio, por- tanto, relativosa um sistema fabricador e tratados segundo suas regras, Nessa concepgio tipica da economia “burguesa” e conquis- tadora, causa impressio o fato de que o tempo é a exterioridade, © outro. Assim, 4 maneira de um sistema monetirio, ele viria a aparecer apenas como~um principio de classficago para os dados situados nesse espaco objetivo extemo. Transformada em medida taxinémica das coisas, a cronologia torna-se o alibi do tempo, um. meio de se servir do tempo sem pensar nele e de exilar para fora do saber esse principio de morte e de passagem (ou de metéfora). Ainda resta o tempo interno da produgio, mas, transformada no interior em uma serialidade racional de operagdes, e objetivada por fora em um sistema métrico de unidades cronolégicas, essa experiéncia dispSe apenas de uma linguagem ética: 0 imperativo de produzir, principio da ascese capitalista. Talvez, ao restaurar a ambiguidade que fisga a relagio objeto sujeito ou passado-presente, a historiografia viesse a retornar 3 sua antiga flangio, tanto filos6fica quanto técnica, de [dizer o tempo] &y como a propria ambivaléncia que afeta o lugar em que cla esti; & portanto, de pensar a equivocidade do lugar como o trabalho do tempo no proprio interior do Ingar do saber. Por exemplo, a ar- queologia que metaforiza o emprego — apesar de tudo, técnico — da informatica faz aparecer, na efetividade da producio historiogrifica, 1 experiéncia, essencial para 0 tempo, que é a impossibilidade de identificar-se com o lugar. Que “o outro” ji-esteja-af, no-lugar, €0~ modo pelo qual o tempo'se insinua ai.* O tempo pode retornar, por uma modificagio de- ssa premissa que diz respeito a pritica e 4 concepgio — io mais do lugar — e sim do objeto. Assim, “a historia imediata” ji aio autoriza a distanciar-se de seu “objeto” que, de fato, a domina, a envolve ¢ volta a situi-a na rede de todas as outras “*hist6rias’”/O) mesmo ocorre com “a histéria oral” quando esta io sé Contenta ein transcrever e exorcizar as vozes cujo desaparecimento, outrora, era a| condiio da historiografia: se o profissional se empenha em entender, sem deter-se no que pode ver ou ler, ele descobre & sua fiente inter | Jocutores que, apesar de nio serem especialistas, sio também sujeitos| [Produtores de historias, além de parceiros do discurso, Da relagio | objeto-sujeito passase para urna pluralidade de autores ¢ de tantes; ela substi Jem que se encontra o téenico, mantém com outros ~ introduz ldalética desscsespagos, ou sea, uma experiéneia do tempo. “SO sujeito do saber, Que o lugar em que se produz o discurso Seja pertinente, eis o que aparece com maior naturalidade, precisa. ‘mente, nas circunstincias em que o discurso historiogrifico trata de questBes que envolvem o sujito historiador: histéria das mulheres, dos negros, dos judeus, das minorias culturais, ete. Certamente, nesses setores pode-se defender, alternadamente, que o status pessoal do autor & indiferente (em relacdo & objetividade de seu trabalho) ou que, somente por seu intermédio, 0 discurso é credenciado ot invalidado (dependendo de ser, ou nio, “parte integrante” dele). Entretanto, esse debate exige, precisamente, a explicagio do que foi dissimulado por uma epistemologia, a saber, o impacto das relagdes de sujeitos com sujeitos (mulheres e homens, negros e brancos, et.) no uso das técnicas, aparentemente, “neutras” e na organizagio de discursos, talvez, igualmente cientificos. Por exemplo, em decorrén- cia da diferenciagio entre sexos, seré que se deve tirar a conclusio de que a historiografia produzida por uma mulher é diferente da que ¢ elaborada por um homem? Bvidentemente, nfo vou respon der, mas constato que essa indagagio envolve o lugar do sujeito © obriga a abordé-lo, contrariamente epistemologia que consteuiti a “verdade” da obra a partir da nao pertingncia do locutor. Interrogar 66 = A HIIGRIA, CIENCIA E RECA. © sujeito do saber é, igualmente, ter de pensar o tempo, se é verdade que, por um lado, o sujeito organiza-se como uma estratificagio de tempos heterogéneos e, por outro, seja mulher, negro ou basco, ele € estruturado por sua relagio com o outro.® O tempo é precisamente a impossibilidade da identidade ao lugar; deste modo comega uma reflexio sobre o tempo. O problema da historia inscreve-se no lugar desse sujcito que é, em si mesmo, dinimica da diferénca, histoticidade da ni identidade a si Pelo duplo movimento que tumultua, pela introdugio do ‘tempo, a seguranga do lugar ¢ do objeto da historiografia, retorna também 0 discurso do afeto ou das paixdes. Depois de ter sido central na anilise de uma sociedade até o final do século XVIII {até Spinoza, Hume, Locke ou Rousseau), a teoria das paixdes ¢ dos interesses foi climinada, lentamente, pela economia objetivista que, no século XIX, acabou por substituf-la por uma interpreta~ io racional das relagdes de produgio; assim, da antiga elaboracio limitou-se a conservar um resquicio, permitindo que, a0 novo sistema, fosse conferida uma ancoragem em “necessidades”. Apés uum século de rejeigio, a economia dos afetos retornou sob o modo freudiano de uma economia do inconsciente: com Totem e tabu, Mal-estar na civilizagio ou Moisés e 0 monotetsino, apresenta-se a andlise ~ necessariamente relativa a um recalcado — que articula, de novo, 608 investimentos do sujeito a partir de estraturagdes coletivas. Tais afetos sio espectros na ordem de uma razio socioecondmica; eles permite formular, na teoria ou na pritica historiogrifica, quest3es para as quais jé existem numerosas expresses, desde 03 ensaios de Paul Veyne (1971) sobre 0 desejo do historiador,'® o de Albert Hirschman (1977 ¢ 1982) sobre o disappointment na economia, 0 de Martin Duberman (1973) sobre a inscrigio do sujeito sexuado em seu objeto histérico ou o de Régine Robin (1979) sobre a es- truturacio do estudo pelas cenas miticas da infincia, Desse modo, a inaugura-se uma epistemol te dag lugar do saber por um lugar “proprio” e avaliava a autoridade d “‘sujeito do saber” pela eliminago de qualquer questio relativa a0 locutor. Ao explicitar esse eliminado, a historiografia encontra-se, de novo, reenviada 3 particularidade de um Ingar ordinario, 0s afetos reciprocos que estruturam representagées e aos passados que, do interior, determinam 0 uso das técnicas. 4. Citnciae ficsdo. Que as identidades de tempo, lugar, sujeito e objeto, supostas pela historiografia classica, niio tenham “consistén- cia” ¢ sejam atingidas por uma “mexida” que as tumultua, eis 0 que havia sido assinalado, h4 muito tempo, pela proliferagio da ficcio. Mas trata-se de uma parcela considerada vergonhosa e ilegitima — uma obscura metade negada pela disciplina. Alias, & curioso que a historiografia tenha sido colocada, no século XVII, no extremo posto: na época, o historiador generalista fazia questio de praticar © género retérico por exceléncia (FUMAROLI, 1971; Fussver, 1962, p. 299-321). Em trés séculos, a disciplina havia passado de um polo para 0 outro; essa oscilagio é jé o sintoma de um status. Seria ne~ cessirio indicar com precisio sua curva ¢ analisar, em particular, a Progressiva diferenciacio que, no século XVII, separou as “ciéncias” das “letras”: a historiografia encontrou-se esticada entre os dois continentes aos quais ela estava vinculada por seu papel tradicional, enquanto ciéncia “global” e conjungao simbilica social; cla manteve tal posigiio, apesar de ter adotado modalidades variaveis. No entanto, a melhoria de suas técnicas ¢ a evolugio geral do saber acabam por Jevé-la a camuflar, cada vez mais, seus vineulos — do ponto de vista cientifico, inconfessiveis — com o que, durante esse tempo, assumin a forma de “literatura”, Tal camuflagem introduz nesse processo, precisamente, o simulacro que ela rejeita ser. Para devolver a legitimidade & ficgo que assombra 0 campo da historiografia, convém “reconhecer”, em primeiro lugar, no discurso legitimado como cientifico, © recalcado que assumiu a forma de “literatura”. As astitcias do discurso com 0 poder, a fim de utiliza-lo sem ficar a seu servico, as aparigdes do objeto como ator fantastico no proprio lugar do “sujeito do saber”, as repeticdes ¢ os retornos do tempo supostamente passado, os disfarces da paixio sob 68 ct, tudo isso depende da ficeio, no sentido: o. A ficgiio nem por isso é estranha ao real; pelo . de acordo com a observacio de Jeremy Bentham ja no lo XVIII, o discurso fictitious esti mais préximo do real que 0 180 “objetivo” (OcpEN, 1932). Mas, neste caso, a logica adotada inte daquela utilizada pelas ciéncias positivas. Ela comecou a wer 0 retorno com Freud. Sua elucidagio seria uma das tarefas da toriografia. Sob este primeiro aspecto, a ficcio é recognoscivel pecto em que nio ha um lugar préprio e univoco, ou seja, no nto em que o outro se insinua no lugar. O papel tio importante ret6rica no campo historiogrifico é, precisamente, um sintoma igo dessa ldgica diferente. Considerada, em seguida, como “disciplina”, a historiografia ¢ uma ciéncia desprovida dos recursos para realizar tal pretensio. Seu ‘curso assume © que manifesta maior resisténcia & cientificidade (a relagio social com o acontecimento, coma violencia, com o passado coma morte), ou seja, 0 que cada disciplina cientifica teve de eliminar para se constituir, Entretanto, nessa dificil posigio, cle procura apoiar, la globalizacéo textual de uma sintese narrativa, a possibilidade de uma explicagio cientifica; 0 “verossimil” que caracteriza esse discurso defende o principio de uma explicagio e o direito a um sentido. O “como se” do raciocinio (0 estilo entimematico das demonstragdes historiogrificas) tem o valor de um projeto cientifico; ele mantém oma crenga na inteligibilidade das coisas que Ihe oferecem maior resisténcia, Assim, a historiografia estabeleceria a justaposigio de elementos nio coerentes ou, até mesmo, contraditérios, sem deixar de fingir, frequentemente, “explicé-los”: ela é a relagio dos modelos Gientificos com seus déficits. Essa relagio dos sistemas com 0 que contribui para seu deslocamento ou sua metaforizagio corresponde também a manifestagio ¢ & nossa experiéncia do tempo. Nesta pers- pectiva, o discurso historiogrifico é, em si mesmo, como discurso, * ‘alutade tima razio com o tempo, mas uma razio que no renuncia a0 que ela ainda é incapaz de realizar, uma razio em seu movimento ético; ele estaria, portanto, na vanguarda das ciéncias como a ficgio ‘do que elas conseguem alcangar de forma parcial, Uma afirmagio de cientificidade orienta o discurso que, em si mesmo, conjuga 0 “9 c inexplicivel; © que se relata Ao manter, continuamente, sua fangio tradicional de ser uma “conjungio", a historiografia vincula, assim, a cultura — 0 legendario — de um tempo com o que ja é controlavel, corrigivel ou proibido por priticas de natureza técnica; apesar de ser im- possivel identificé-la com essas priticas, ela é produzida pelo que estas esbogam, retiram ou confirmam na linguagem recebida como admissivel por determinado meio. © modelo tradicional de um discurso global, simbolizador e legitimante, encontra-se ai, por- tanto, mas trabalhado por instrumentos e controles pertencentes ema produtor de nossa sociedade. Assim, a narratividade totalizante de nossas lendas culturais ou as operagdes técnicas cxiticas no podem estar, sem arbitrariedade, supostamente ausen- tes ou serem eliminaveis do que culmina em uma representagio, no texto ou no artigo de historia. Sob esse viés, cada uma dessas representagSes ~ ou a massa formada, conjuntamente, por elas — poderia ser comparada com 0 mito, se este for definido como uma narrativa permeada pelas priticas sociais, ou seja, um discurso global articulando priticas que ele no relata, mas deve respeitar; e, a0 mesmo tempo, Ihe fazem falta e 0 mantém sob vigilin priticas de natureza técnica sio, frequentemente, tio circunsctitas © essenciais quanto © exam, outrora, as priticas da ‘iag%o; no entanto, daqui ite, elas siio do tipo cientifico. E telativamente a tais priticas que se elabora 0 discurso histéri— co, garantindo-Ihes uma legitimidade simbélica som deixar de “respeiti-las”. Ele € necessério 3 articulagio social dessas priticas €, no entanto, controlado por elas; assim, cle seria o mito possivel a uma sociedade cientifica que rejeita os mitos, a ficgio da relacio social entre priticas especificadas e lendas gerais, entre técnicas produtoras de lugares e lendas que simbolizam 0 efeito do tempo. Vou concluir com uma formula, O lugar instaurado por proce- dimentos de controle é por sua vez, historicizado pelo tempo, pasado ou fucuto, que se inscreve af como retorne do “outro” (uma relagio com o poder, com precedentes ou com ambigdes) i, “metaforizando” assim o discurso de uma ciéncia, por transformata, igualmente, em uma fico. 70 CAPITULO I Psicandlise e historia’! A psicanilise articula-se a partir de um processo que € 0 néicleo , da descoberta freudiana; o|retorno do recaicado/ Esse “mecanis- omo do recalcacio} consciéncia é, simultaneamente, a mdscara ilusoria ¢ 0 ves efetivo de acontecimentos que organizam o presente: Se 0 passa~ do (ao ter lugar e forma em um momento deci de uma crise) € recalcado, ele reloma, mas sub-rey presente do qual havia sido exclufdo. Um exemplo apreciado por ‘eud mostra esse desvio-retorno [dérour-retour] que é a astiicia da téria: depois de ter sido assassinado, o pai de Hamlet retorna, mas como fantasma, em outra cena, e é, entio, que ele se tora a lei a qual o filo obedece. Duas estratégias do tempo HA uma “inguietante familiaridade” dese passado que um ocu- atual rechagou (ou acreditou ter rechagado) para apropriar-se dle seu lugar. O morto assombra 0 vivo; ele re-morde" (mordida secreta e repetida). Assim, a histéria seria “canfbal”, ea memoria 1-se-ia'o recinto fechado em que se opdem duas operagdes ”

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