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A PINTURA NA PAREDE

Figura que substituiu o caixeiro viajante do século XIX, o representante comercial ia de cidade
em cidade no século XX, apresentando seu catálogo de produtos, fechando vendas, e até
entregando itens quando o sistema de distribuição não dava conta do recado. Roberval era um
desses profissionais na década de 1970. Viveu muitas peripécias durante o exercício de seu
ofício. Viajando por cidadezinhas do interior em seu Ford Corcel I Cupê 1973, modelo que
serviu de inspiração para um dos maiores sucessos de Raul Seixas, Roberval teve não poucas
aventuras amorosas, totalmente sem culpa nem remorso, pois era solteiro e desimpedido.
Uma sequência considerável de prazeres & sustos, muita coisa foi vista, ouvida e sentida
naquele período. Algumas delas podendo ser contadas apenas com os nomes dos envolvidos
sendo trocados.

Entre todas as histórias, houve uma que ficou gravada de modo indelével [que não pode ser
apagado] na memória do homem. Ironicamente, é a única de todas as lembranças que ele
nunca transformou em narrativa, não a verbalizou nem mesmo para o travesseiro, jamais
tendo contado a ninguém o que vivenciou naquele dia e naquela noite específicos.
Provavelmente a razão para esse silêncio é que, no fundo mais íntimo de seu ser, Roberval
sempre manteve, paradoxalmente, a esperança desesperada de que aquilo não tenha
passado, na verdade, de nada mais que um sonho ruim.

...

Era apenas mais uma viagem. Roberval estava tranquilo. Tinha feito um cronograma que até
então cumpria religiosamente. Não havia celular, GPS ou outras tecnologias, mas ele tinha um
excelente mapa da região em que se encontrava. Ficar perdido nas estradinhas vicinais que
ligavam as cidades menores e os povoados próximos, isso não iria acontecer. As coisas foram
bem até certo ponto. Mas então a situação saiu do controle e tomou um rumo tão bizarro
quanto inesperado.

Todas as estradas intermunicipais naquela parte do estado eram de terra, o asfalto era
raríssimo, presente apenas em caminhos próximos de capitais ou cidades grandes. E numa
dessas estradas, num trecho particularmente deserto e sem habitações próximas, o Corcel
resolveu pifar, inexplicavelmente. Tanque quase cheio, água suficiente no radiador, tudo
aparentemente em ordem, mas o carro simplesmente apagou e não havia nada que fizesse ele
ligar de novo.

E numa época em que celulares não eram nem mesmo uma possibilidade, era impossível
entrar em contato com quem

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