Você está na página 1de 23
Capitulo 174 ABORDANDO OS SINTOMAS FISICOS DE DIFICIL CARACTERIZAGAO Sandra Fortes Daniel Almeida Goncalves Naly Soares de Almeida Luis Fernando Tofoli Luiz Fernando Chazan Pessoas com sintomas fisicos sem qualquer evidéncia de doenca organica que os justifique podem tomar tempo exagerado da equipe de saiide e, mesmo assim, ndo receber o alivio almejado, Essas pessoas vao a consultas médicas com grande frequéncia, sobrecarregam as agendas dos profissionais e podem, muitas vezes, apresentar graves problemas emocionais ¢ sociais. Erroneamente chamados de “poliqueixosos”, esses pacientes trazem queixas que tém por trds hist6rias de vida sofridas, merecendo atencao, tanto no sentido humano quanto no clinico, Entretanto, a incongruéncia entre as queixas apresentadas por esses pacientes e os modelos médicos das doengas pode gerar grande dificuldade em seu manejo.' Saber lidar com essas pessoas, além de qualificar o atendimento de quem sofre com os sintomas sem, explicagao organica, proporciona também maior satisfagao ao profissional de satide envolvido. Neste capitulo, pretende-se orientar a como lidar com esses pacientes de forma natural e resolutiva, evitando o excesso de investigagdo e 0 uso exagerado e inadequado de medicacao, em especial de benzodiazepinicos. CONCEITOS Consideram-se, neste capitulo, sintomas fisicos de dificil caracterizacao aqueles que ndo sio facilmente explicados por alterages anatomopatolégicas ou que so desproporcionais a elas, os quais tém sido tradicionalmente abarcados pelo conceito de somatizagio. ‘A somatizagao definida como uma tendéncia pessoal a se apresentar e comunicar queixas sométicas, sem justificativa anatomopatolégica adequada, mas com softimento emocional que leva ao atendimento médico.®* Ela é mais bem compreendida como um proceso do que como um diagnéstico especifico. O processo de somatizacao pode se dar de forma aguda, também chamada de somatizagao de apresentacdo, ou crénica, como abordado adiante no t6pico Apresentagdes Clinicas de Sintomas Fisicos de Dificil Caracterizagao. As formas agudas geralmente esto associadas a presenca de sofrimento psiquico inespecifico ou de transtornos depressivos ¢ ansiosos. J as somatizagées crdnicas incluem os quadros conversivos, os quadros funcionais (sindromes funcionais como fibromialgia e cdlon irritavel) e a hipocondria/transtorno de ansiedade de doenca. Outros termos relacionados, bastante utilizados em estudos conduzidos na atengio primaria a sade (APS), sio queixas somiticas inexplicdveis, sintomas fisicos sem explicagao médica e sintomas funcionais. PROCESSO ETIOLOGICO Sensacgées corporais normais e anormais As sensagdes corporais representam a dimensdo consciente de miiltiplos e complexos processos relacionados 4 manutengdo da homeostase, sendo fundamentais para induzir comportamentos necessarios a defesa do corpo, como alimentar-se, ingerir liquidos, urinar, evacuar, proteger-se do calor ou do frio ou proteger o corpo contra lesdes teciduais. sentido que capta sinais relacionados ao estado e ao funcionamento do corpo e produz. as sensacdes corporais é denominado interocep¢ao.* As sensaces corporais fisiologicas (p. ex., fome e frio) geralmente tém uma motivagio clara (p. ex., comer, agasalhar-se) e costumam se resolver quando esta é atendida. Entretanto, quando nao se consegue atribuir a sensagdo a algum evento fisiolégico ou quando ela esta associada a maior desconforto, passa-se a consideré-la anormal, uma categorizagao altamente subjetiva e dependente das individualidades da pessoa Estimativas da década de 1970 sugerem que a maioria das pessoas tem sensacdes sométicas consideradas anormais pelo menos 1 vez por semana.* Na maioria das vezes, as sensagGes categorizadas como anormais nao est&o associadas a alguma doenca, tendendo a se resolver espontaneamente. Entretanto, em alguns casos, as sensagdes corporais anormais podem levar a pessoa a assumir o papel de doente, o que é caracterizado por comportamentos que envolvem medidas de autocuidado, busca por fontes informais de cuidado ou mesmo a busca por atendimento no sistema formal de atengdo a said Assumir o papel de doente envolve uma interpretagao de que ha algo de errado no corpo que precisa ser resolvido.° Alguns fatores importantes para que isso ocorra sio o comprometimento funcional, a redugio da qualidade de vida e o prejuizo da capacidade laborativa, do autocuidado ou mesmo do convivio social. O comportamento de doente também aciona expectativas e, consequentemente, respostas fisiolégicas que tém como objetivo responder ou se adaptar a doenga, mas que podem, por vezes, acabar contribuindo para prolongar 0 adoecimento. Desencadeantes das sensagées corporais anormais As sensagées corporais anormais podem ter multiplos desencadeantes, incluindo infeccées agudas, lesdes traumaticas, alteracdes metabélicas e estressores emocionais. Transtornos depressivo-ansiosos também sao causa importante de sensacdes corporais, embora muitas vezes as pessoas acometidas ndo percebam essa relagdo inicialmente. Ademais, o estresse crdnico produz. alteragGes fisiopatolégicas que geram manifestagies fisicas, como sintomas gastrintestinais, cardiovasculares, musculoesqueléticos e outros sintomas gerais, como cefaleia, fadiga, além de alteracdes psiquicas, como comprometimento da capacidade de concentragao e meméria, Esses quadros podem evoluir para sindromes funcionais, como fibromialgia, cefaleia crénica, intestino irritavel, entre outras, que apresentam sobreposicdo dos sintomas entre si. Padr6es explicativos sobre as sensagées corporais Um elemento importante no processo de sensagio corporal é como a pessoa reage & presenga dos sintomas. Ela pode apresentar uma tendéncia a padrées explicativos normalizadores (p. ex., estou com dor nas costas porque dormi em ma posicao), psicologizadores (p. ex., sinto-me mal porque estou tenso) ou somatizadores (p. ex., devo estar com um problema na coluna). Pessoas com padrdo explicativo somatizador tendem a considerar os sintomas como indicadores de uma doenga grave. A excessiva preocupagéo com sua saiide e © aumento do grau de comprometimento funcional tornam 0 prognéstico mais reservado. Agregacao de diferentes sintomas: sindrome corporal do estresse e transtorno do desconforto corporal Estudos epidemioldgicos mostram que diferentes sintomas fisicos podem se agregar nos mesmos pacientes,” 0 que, como visto anteriormente, frequentemente ocorre em situacdes de estresse e associado a transtornos mentais comuns (TMCs), como ansiedade e depressao. Nessas situacdes, podem ser delimitados quatro grupos de sintomas: cardiovasculares, gastrintestinais, musculoesqueléticos e gerais (fadiga, cefaleia e sintomas cognitivos, como dificuldades de meméria e concentragao). Esses grupos se correlacionam com as sindromes funcionais das diferentes especialidades (p. ex., dor tordcica atipica, dispepsia funcional, fibromialgia e sindrome da fadiga crénica). Um paciente pode apresentar predominio de um determinado grupo de sintomas ou uma mistura deles. Quanto mais sintomas estiverem e mais sistemas envolvidos, piores serdo o comprometimento funcional e 0 prognéstico. Em uma ponta do espectro, hé um foco principal na vivéncia dos sintomas, sem haver necessariamente uma preocupacdo com estar doente, caracterizando a sindrome corporal do estresse, recentemente introduzida na Classificag@o internacional de doengas para a atengdo primdria, 11* edigdo (CID-11-AP). Quando os casos evoluem em gravidade e na necessidade de atendimento especializado em satide mental, o que se observa é a crescente presenca do componente cognitivo-afetivo relacionado 4 preocupagdo com estar doente, sendo esse um requisito para 0 diagnéstico do transtomno do desconforto corporal da CID-11 e da transtorno de sintomas somaticos do Manual diagnéstico e estatistico de transtornos mentais, 5* edigao (DSM-5). Esse componente pode vir a se tornar preponderante no quadro e-se associa a um comprometimento funcional mais intenso. Quando essa preocupagao com estar doente & o principal sintoma, ela caracteriza a ansiedade com a satide. (Ver, adiante, t6pico Desafios na Classificagao Nosolégica.) Fatores de risco associados e cronificagaéo Fatores individuais, familiares/coletivos e do servico de satide (TABELA 174.1) podem determinar que queixas sométicas sejam a forma de apresentacao do sofrimento emocional, podendo também contribuir para a cronificagao do papel de somatizador. TABELA 174.1 ~ Fatores de risco para a presenga de sintomas fisicos de diffcil caracterizagéo médica = Sexo feminino ~Comportamento anormal de adoecimento (adeso ao papel de doente com ganhos secundérios) ~-Amplificagao de sensagées somaticas --Alribuig&o somatica de sensagées fisicas anormais, ~-Autoconceito de pessoa fraca e incapaz ~Dificuldade de elaborao verbal do softimento psiquico ~Transtomos mentais comuns (ansiedade/depressio) --Histéria pessoal de adoecimenta fisico, em especial na infancia "Historia pessoal de abuso fisico e sexual, em especial na infancia, “Historia familiar de doengas graves, com ganho de atengéo diferenciada por esse motivo ~Histéria familiar de somatizagdoltranstornos mentais comuns ~ Atribuig&o somatica de sensacées fisicas anormais pelo grupo familiar e social —Estruturas sociais que favorecem situagSes de submisséo e desempoderamento ~Culturas latino-americanas »Condutas excessivamente centradas no adoecimento fisico Falta de manejo terapéutico para queixas fisicas inexplicavers = Didlogo médico sem sensibiidade psicossocial ~ Sistema de satide pouco organizado = Vinculos frouxos ou inexistentes com o paciente Fonte: Elaborada com base em Lipowski Kirmayer e Rabbins,° Kellner e Sheffield Barsky e ‘colaboradores,* Kroenke e colaboradores,* Fortes,§ Goldberg e Huxley. Simon e colaboradores, Ring & colaboradores'#" e Reilly e colaboradores.* ‘A presenca desses fatores no determina necessariamente que alguém seja um somatizador, No entanto, conhecer os riscos de cada paciente em se cronificar na posigio de doente, 0 que é altamente comprometedor do ponto de vista funcional, auxilia a compreender a realidade de cada paciente e a construir o projeto terapéutico. Modelo fisiopatolégico Para compreender de uma forma integrada a fisiopatologia dos processos de somatizacao (FIGURA 174.1), é til pensar em uma sequéncia de fatores predisponentes, precipitantes ¢ perpetuantes, seid nla Tevanioa Fl Sede euines ohana a 3 oN inet | a ‘ge ‘sams escent (mm) tapes Foe eno ‘ec a coe, = ‘scan a Circe fess ei ewes > Feinancone |.“ creme nd pete FIGURA 174.1 + Modelo fisiopatolégico para as queixas sométicas. Fonte: Adaptada de Henningsen e colaboradores."° Entre os predisponentes (ver TABELA 174.1), destacam-se os seguintes fatores de vulnerabilidade:19 doenca organica subliminar atual, perfis (epi)genéticos, doenga organica prévia, experiéncias adversas na infancia, estressores prévios e crencas culturais. Esses fatores determinam como os diferentes estimulos sensoriais sao interpretados ao longo da trajetéria de vida do paciente e as expectativas que se tem em relagio a esses estimulos, suas causas e prognésticos. Algumas pessoas so condicionadas por sua genética e trajetéria de vida a buscar e valorizar mais os estimulos e a esperar pior evolucao; outras séo condicionadas a normalizar os estimulos e a esperar evolucao favordvel. s fatores precipitantes sao variados, desde fisicos, como doenga aguda e acidentes, até estressores psicossociais. Esses gatilhos ativam os aprendizados prévios sobre como vivenciar e interpretar as sensagdes corporais, permitindo construir, nesse novo episédio de doenga, a percepcao e a vivéncia do desconforto corporal. Apés ativado um episédio agudo de desconforto corporal, alguns fatores perpetuantes podem contribuir para sua manutenc&o ou agravamento, por meio da intensificaggo da percepcdo dos estimulos sensoriais e condicionamento de expectativas desfavordveis, Jevando a um desconforto corporal crénico e incapacitante. Esses fatores, também listados na TABELA 174.1, incluem sequelas de tratamentos prévios inapropriados, evitagdo/descondicionamento, fatores cognitivos, experiéncias com os servicos de saide e ganho secundério. APRESENTAGOES CLINICAS DE SINTOMAS FISICOS DE DIFICIL CARACTERIZAGAO Pacientes com quadros de somatizacao podem pertencer a trés subgrupos, dependendo do quadro mental associado aos sintomas fisicos de dificil caracterizagdo. Os grupos nao correspondem a categoriasdiagnésticas, mas caracterizam agrupamentos com particularidades diversas em termos do sofrimento emocional associado. No primeiro grupo, o sofrimento mental é inespecifico, ndo preenchendo critérios para presenga de transtorno mental. No segundo, hé um TMC (ansiedade e/ou depresséo) que pode explicar os sintomas fisicos. E, no terceiro, o quadro clinico é crénico e apresenta sindromes especificamente associadas & presenca de sintomas sométicos, com participagéo variével de fatores emocionais. Esses pacientes séo tradicionalmente considerados os somatizadores “verdadeiros”. Grupo 1: associados a sofrimento mental inespecifico Essa apresentacao é bastante frequente; nela, o sofrimento estd associado a fases dificeis da vida, a0 aumento dos problemas e ao estresse do cotidiano, sem caracterizar transtorno mental especifico. Pode ser referida pelos termos “sofrimento psiquico”, “sofrimento difuso” ou “sofrimento mental” (tradugdes do termo em inglés emotional distress). A maioria desses pacientes apresenta quadros transitrios e associados a eventos desencadeantes, como crises vitais esperadas (dificuldades relacionadas a adolescéncia, casamento, senescéncia, etc.) e acidentais (rompimento de relacionamentos, mortes inesperadas, mudangas de status social, etc.) (ver Capitulo Abordagem Familiar). Muitas vve7es, 0 quadro tem resolucao répida e espontanea, No entanto, como os sintomas fisicos sio um bilhete de acesso ao sistema de satide, esses pacientes costumam estar entre os grandes frequentadores das unidades de satide. E importante leva-los a compreender que os sintomas fisicos esto associados ao softimento psicossocial Grupo 2: associados a transtornos mentais comuns Trata-se de apresentagéo também frequente, englobando os transtomnos de ansiedade depressivos (TMC), geralmente acompanhados de diversos sintomas fisicos (cansaco, astenia, fadiga, palpitagdes, dores, dispneia, sudorese de extremidades, entre outros), alguns deles fazendo parte das préprias definicdes psiquidtricas. Representam a maioria dos pacientes com transtornos mentais que procuram cuidado na APS. Como esses transtornos mentais tém excelente possibilidade terapéutica, é importante investigar sua presenca em pacientes que somatizam (ver Capitulos ‘Transtomos Relacionados 4 Ansiedade e Depressio). ‘A investigagao de TMC em pacientes que somatizam é importante porque muitos casos no se apresentam claramente como um transtorno mental. Muitos pacientes tendem a falar apenas de suas queixas fisicas, e os médicos nao questionam sobre sintomas relacionados & satide mental. © préprio cenério da consulta médica pode induzir a essa énfase nas queixas fisicas. Para desvendar a presenca dos transtomos mentais, deve-se perguntar sobre outros sintomas mais caracteristicos, muitas vezes de cunho psicolégico. A presenga de sintomas depressivos ¢ ansiosos de natureza psicolégica é facilmente revelada pelos pacientes, que apenas aguardam sinais de interesse dos profissionais para falar de seu sofrimento emocional. F necessdrio apenas que haja a iniciativa de buscar sua presenca em pacientes com sintomas fisicos sem justificativa organic, Grupo 3: associados a sindromes especificas Esses pacientes sio menos frequentes e em geral com curso crénico e grave comprometimento funcional (social, laborativo pessoal), havendo frequentemente dificuldade em aceitar a associacao entre o sofrimento emocional e 0 quadro clinico. © entendimento e a classificagdo nosolégica desses casos t@m-se modificado profundamente nas tiltimas décadas, e ainda nao hé um consenso sobre sua correta caracterizacdo, 0 que dificulta seu cuidado efetivo. Optou-se, neste capitulo, por discutir esses casos de uma forma mais abrangente, identificando trés subtipos: as sindromes funcionais, os quadros hipocondriacos/ansiedade com a satide ¢ as conversies/dissociagdes. Sindromes funcionais Existem, em quase todas as especialidades clinicas, pacientes que apresentam sintomas fisicos sem explicagio organica (ao menos naquele momento), sendo esses quadros, por essa razdo, referidos como funcionais. Com o tempo, varias sindromes foram descritas, e algumas delas passaram a receber atengao especial por sua relevancia e grau de incapacidade. Em geral, as sindromes incluem um grupo comum de sintomas: dor muscular difusa, fadiga, alteragdes gastrintestinais, cefaleia, insOnia, depressio, ansiedade, alteragdes de meméria e um comprometimento geral do funcionamento social. As mais conhecidas so a fibromialgia, a sindrome do intestino irritavel e a sindrome da fadiga crénica. Esses casos so encontrados sob os cuidados de variadas especialidades médicas, e sua etiologia e definigdo nao esto claramente estabelecidas. Cada uma das sindromes & abordada em diferentes capitulos deste livro. Fibromialgia é abordada no Capitulo Dores Crénicas, sindrome da fadiga crénica é abordada no Capitulo Cansaco ou Fadiga e sindrome do intestino irritavel € abordada no Capitulo Problemas Digestivos Baixos. Neste capitulo, é abordado de forma mais ampla 0 manejo dos aspectos psicossociais desses quadros funcionais. £ importante ressaltar a alta frequéncia de comorbidade de transtornos depressivos e de ansiedade com os quadros de somatizagao crénica. Essas comorbidades podem confundir 0 diagnéstico da somatizagao cronica e precisam ser diagnosticadas e tratadas. Ademais, os quadros funcionais frequentemente apresentam desencadeantes fisicos bem-demarcados, como grandes acidentes ou cirurgias de grande porte (podendo desencadear fibromialgia) e quadros pés-infecciosos (desencadeando sindrome da fadiga crénica). Ressalta-se, ainda, a necessidade de se considerarem as particularidades de quadros de dor. A dor 6 a queixa mais frequente para busca de atendimento na APS e, em muitos casos, associa-se a quadros funcionais."* Entre as queixas de dor, destacam-se lombalgia, cefaleia, dor precordial atipica e dor no corpo todo (difusa ou generalizada). ‘Um aspecto que se destaca em todos esses casos é a adesio ao papel de doente. Esse papel traz, muitas vezes, ganhos secundérios — por exemplo, ocasionando a resolucio de situagdes conflitivas ao assumi-lo. A percepcdo dessa identidade de doente pode gerar desconforto nos profissionais responsaveis pelo seu cuidado. F, preciso lembrar que, em grande parte das situagdes, a frdgil estrutura de personalidade dos somatizadores crdnicos, muitas vezes vitimas de abuso fisico e sexual, encontra uma alternativa de empoderamento na posicao de doente. Hipocondria e ansiedade com a satide A discussio sobre os quadros de somatizagdo crdnica e sua classificagdo® destaca a presenga de um padrao cognitivo de preocupagdo permanente e desproporcional com a prépria sade, amplificagdo das sensagées somaticas ¢ interpretacao de sensacies fisicas normais como indicadoras de doenga fisica. Esse padrdo cognitivo tem sido tradicionalmente associado & hipocondria, considerada de maneira errdnea como uma “mania de doencas”. Na verdade, 0 conceito de hipocondria se caracteriza pela conviccao de ter uma determinada doenga, nao confirmada pelo médico. Esse padrdo cognitivo pode ser visto como uma patologia na representagdo de ser doente, ou seja, a hipocondria esté mais associada a se sentir fraco, incapaz e doente do que a presenca em si de sintomas sem explicago médica. O que ocorre, portanto, é uma convicgao sobre os sintomas e uma preocupagdo permanente com a satide. No DSM.5, a hipocondria passou a ser denominada transtorno de ansiedade de doenca e, na CID-11-AP, ansiedade com a satide. Convers&o e dissociagao Outro tipo especial é constituido pelos quadros dissociativos, inclufdos na CID-10, com nome de transtornos dissociativos/conversivos. Caracterizam-se por perda da integracio entre fungdes neuropsicolégicas, neuroldgicas superiores ou neurolégicas periféricas, sem causas organicas definidas. Em alguns casos, quadros dissociativos nao se caracterizam exatamente pela presenca de sintomas fisicos, mas sim por alteragdes da consciéncia e da meméria. No caso especifico dos transtornos dissociativos de movimento e sensacdo, é necessério, para seu diagnéstico, a presenga de sintomas de natureza pseudoneurolégica, que, em geral, apresentam-se isolados e de forma abrupta, com evidentes desencadeantes psicossociais. Em geral, so queixas que atingem o sistema motor voluntario, ou fungées sensitivas e pares cranianos, como anestesias, paresias, paralisias, mutismo, cegueira, etc. Esses pacientes sto vistos com mais frequéncia em emergéncias médicas. Eventualmente, so vistos no ambiente da APS, muitas vezes com resolucao espontnea dos sintomas. DESAFIOS NA CLASSIFICAGAO NOSOLOGICA Manual diagnostico e estatistico de transtornos mentais e Classificagao estatistica internacional de doencas e problemas relacionados a sauide A incluso de pacientes com sintomas fisicos de dificil caracterizagdo em categorias nosolégicas tem sido um grande desafio na elaboracdo de classificagdes como a CID e 0 DSM. Desde a adogéo do DSM-III até o atual, e com o advento da CID-11, os grupos nosolégicos que envolvem esses pacientes foram sempre diferentes nas varias classificagGes. A inclusao do transtorno de somatizagao no DSM-III na década de 1980, dos quadros de transtomo de sintomas somaticos no DSM-5 e do transtorno do desconforto corporal da CID-11 nunca foi consensual, e a classificagao mais apropriada continua em debate. Na medicina, abundancia costuma ser sinal de pemiria, Tantas categorias e variagdes entre as diversas classificagdes apenas confirmam 0 desconhecimento sobre o que de fato corre com esses pacientes. Eles representam um desafio na pratica clinica e fonte de frustracdo para os profissionais. Nao obstante, apresentam intenso sofrimento e requerem um cuidado respeitoso e qualificado. Por esse motivo, optou-se por nao abordar os sintomas fisicos de dificil caracterizacao neste capitulo a partir das categorias ¢ classificagdes nosolégicas. Contudo, a seguir sio apontadas algumas caracteristicas das diversas categorias atuais para ilustrar as diferencas entre as formas como os pacientes estéo sendo considerados no DSM-5 e na CID-11, incluindo a CID-11-AP. As classificagées diferem eminentemente pelo subtipo de paciente ¢ pela sintomatologia que esta sendo valorizada em cada uma delas. E possivel destacar quatro eixos de anilise clinic: 1. valorizagao das queixas fisicas e de suas distribuicées entre os sistemas corporais, sua associagio com estresse € sua evolugo para quadros crénicos: a sindrome corporal do estresse da CID-11-AP evolui para o transtorno de desconforto corporal da CID-11 e se relaciona as diversas sindromes funcionais, como fibromialgia e intestino itavel; 2. queixas de origem neurolégica classicamente denominadas conversio: esses diagndsticos persistem tanto no DSM-5 quanto na CID-11-AP e na CID-11. Entretanto, sio classificados em diferentes grupos, dependendo da valorizacdo — presente na CID- 11, mas nao no DSM-5 - de sua associacao com o fendmeno da dissociacao; 3. queixas crénicas: desde 0 DSM-III, elas caracterizam o transtorno de somatizacao, ‘mas, no DSM-5, passam a caracterizar 0 transtorno de sintomas sométicos; 4, hipocondria, transtorno de ansiedade de doenca e ansiedade com a satide: a hipocondria persiste na CID-11, porém passa a ser denominada transtorno de ansiedade de doenca no DSM-5 e ansiedade com a satide na CID-11-AP. A presenca desse tipo de preocupacdo passa a ser considerada como sintoma associado aos quadros relacionados a sintomas fisicos, trazendo maior gravidade e um prognéstico mais reservado quando presente, No entanto, pode também ser detectada sem a presenca de quaisquer queixas fisicas, quando entdo sera uma categoria diagnéstica per se, porém incluida em diferentes grupos diagnésticos no DSM-5 e na CID-11, onde foi incluida no espectro dos transtornos obsessivos, junto com 0 transtomno dismérfico corporal da CID-10." Classificagao internacional de atencao primaria Para uso na APS, hé ainda a Classificagdo internacional de atencao primédria (CIAP 2). ‘Suas vantagens incluem, além de maior simplicidade, a codificagdo sistematizada de sintomas e medos de doencas. Dentro de cada sistema, os primeiros cédigos (até 0 mimero 20) correspondem a sintomas, 0 26 corresponde ao medo de cancer e 0 27 corresponde ao medo de outra doenga relacionada aquele sistema. ‘TABELA 174.2 ~ Pardmetros para 0 diagnéstico diferencial de sintomas fisicos de dificil caracterizagao Sintomas Sim Nao Se presentes Psicossocial <6 Pouco fisicos de 0s fatores de meses diffeil risco ‘caracterizagao associados a transtornos. mentais inespecificos Sintomas _Frequentemente, Sim ‘Se presentes Psicossocial Varidvel Depende de fisicosde mas nao 0s fatores de duragao e dificil necessariamente risco gravidade aracterizagao presente associados a transtorno ‘mental ‘comum, Hipocondriae Frequentemente Pode estar Sim Psicolégical >6 —— Moderado preocupagées em associagzo presente somatica. meses ‘somaticas com doenga fisica Conversio! Sim,paraas-Podeestar_ Sim Inicialmente Variével, Grave dissociagao crises presente somatica, inicio aceitando precoce psicossocial ‘Sindromes Frequentemente Pode estar Sim Somatica > 6 Grave funcionais emassociagao presente meses com doenga fisica A maioria das sindromes funcionais tem cédigos préprios (p. ex., fadiga crénica e sindrome do intestino irritavel). Entretanto, nao ha cédigo préprio para fibromialgia, e a orientagdo é classificd-la como dores musculares. ‘A somatizacao (P75) é descrita como “uma preocupagdo com a apresentacao repetida de sintomas e queixas fisicas, assim como pedidos insistentes de exames médicos, apesar de varios resultados negativos e garantias por parte dos médicos”. E necessério a pessoa apresentar queixas miltiplas e limitantes por pelo menos 1 ano.” AVALIAGAO MULTIDIMENSIONAL A TABELA 174.2 apresenta pardmetros que podem ajudar a distinguir entre os tipos de somatizago e a nortear o tratamento de pessoas com sintomas fisicos de dificil caracterizaco: presenca de evento desencadeante, presenca de TMC, presenca de fatores de risco especificos para somatizacao, atribuigéo etioldgica, duragio do quadro e grau de incapacidade. Eventos desencadeantes Devem-se investigar desencadeantes psicossociais que podem estar associados ao sofrimento emocional, identificando eventos significativos na vida dessas pessoas (crises vitais, esperadas ou acidentais). Em geral, esses pacientes nao costumam negar seus problemas emocionais e a influéncia de fatores psicossociais. Transtornos de ansiedade ou depressivos Os quadros ansiosos e depressivos (TMC) podem causar queixas médicas de dificil caracterizacao ou estar presentes como comorbidade nos casos de somatizagao crénica. Seu pronto diagnéstico e tratamento pode prevenir uma evolugo desfavoravel (ver Capitulos ‘Transtornos Relacionados a Ansiedade e Depressi). Fatores de risco: conhecendo a historia de vida e de doengas do paciente Ao fazer uma abordagem integral e centrada na pessoa, 0 médico da APS avalia a historia de vida do paciente e de suas relagdes familiares, identificando fatores de risco para a presenca de transtornos de somatizacio e para cronificagdo, conforme discutido anteriormente, Dois fatores de risco merecem atencao especial: a presenga de abuso fisico e sexual e a valorizacaio do papel de doente. Embora seja necessdrio diferenciar o paciente somatizador daquele que simula sintomas em busca de beneficios (emocionais ou materiais), a pessoa que somatiza também corre o risco de assumir uma postura passiva, supervalorizando a sua incapacidade funcional. profissional envolvido poderé atuar na prevengao dessa incapacidade, estimulando a pessoa a manter-se em atividade, apesar dos sintomas. Em alguns casos, porém, o grau de incapacidade sera maior, com grande comprometimento da capacidade funcional e laboral. Padrao de atribuigao etioldgica (somatica ou psicolégica) Os pacientes apresentam diferentes graus de atribuicdo somética ou psicolégica para a origem dos sintomas fisicos.* Esses padrdes de atribuicao sofrem influéncia da familia e da comunidade. Da mesma forma, os sistemas de satide — e, em especial, os médicos — também tm um papel fundamental em como se processard essa atribuico. Quanto mais o paciente puder reconhecer a natureza psicossacial de suas queixas, melhor seré a evoluc&o. Assim, como se vé adiante, grande parte das intervencdes na APS é direcionada a aumentar a consciéncia do paciente somatizador sobre a origem nao orgénica de suas afligdes, deslocando-o do polo da atribuico puramente somética para a direco da compreensao psicolégica dos sintomas. Os pacientes com sindromes funcionais apresentam baixa aceitagio de que seus sintomas possam ser de origem nio fisica. Os quadros dissociativos e conversivos costumam ter um grau intermediario no curso, em especial aqueles que frequentam os servicos de emergéncia, embora costume existir uma aceitagdo maior de causas psicolégicas —até por questdes diagnésticas. Quando a associacZo com sofrimento emocional é bem trabalhada e um modelo explicativo que o inclua consegue ser construide com o paciente, ele passa a aceitar intervenes terapéuticas psicossociais, sejam elas conduzidas na APS ou por especialista em satide mental, podendo evoluir com menor incapacidade funcional e menor risco de cronicidade. Curso e grau de incapacitagao dos sintomas A maioria dos pacientes com sintomas fisicos de dificil caracterizagdo que consultam no Ambito da APS apresenta quadros agudos ou subagudos, com duracaio < 6 meses. Como se pode ver adiante, os profissionais da APS tém um papel importante em evitar a cronificagao. ‘A cronicidade dos quadros de somatizagdo é diretamente proporcional & sua gravidade, medida sobretudo em termos de incapacidade social. Quanto maior a cronicidade dos quadros, maior a adeso ao papel de doente adotada pelo paciente, jé com ganhos secundarios e uma profunda dificuldade em se confrontar com suas questdes pessoais. Isso terd implicagdes especificas no manejo desses pacientes, como é descrito a seguir. TRATAMENTO Apés a avaliagdo dos diversos fatores que compdem as dimensdes da somatizagio e 0 posicionamento do paciente em alguma das apresentagies clinicas, € possivel tragar um plano terapéutico. A FIGURA 174.2 resume, na forma de um fluxograma, a abordagem e 0 tratamento das apresentagdes somaticas descritas neste capitulo. ee ‘anenoemeyne || an Secumctat ghroampaonaenape Till S>1 S Se al | ¥ ‘eos FIGURA 174.2 ~ Fluxograma de avaliagdo e conduta para sintomas fisicos sem explicagao médica. Principios © tratamento é fundamentado, especialmente, em dois principios: superar 0 modelo doenca-lesdo e evitar o poder somatizador da consulta médica. Superar o modelo doenga-lesao ‘A somatizacao caracteriza-se pela auséncia de lesao fisica, mas é preciso superar esse principio de exclusdo, transformando a deteccao e o tratamento em um processo positivo de diagnéstico. O médico nao deve aguardar afastar a possibilidade de causas fisicas para somente entdo considerar a contribuicgdo de fatores psicossociais. Assim, pistas que apontam para esses fatores passam a ser vistas como uma manifestacao positiva de sofrimento emocional ou de doenga mental, permitindo construir com o paciente modelos explicativos para os sintomas fisicos associados ao sofrimento psiquico. Isso é cuidar da satide do paciente em termos integrais, por exemplo, para queixas como cefaleia tensional ou fadiga em paciente deprimido. Evitar o poder somatizador da consulta médica A relacio médico-paciente ¢ o sistema de satide sao fatores determinantes na presenca da somatizacao. Estudos com pacientes somatizadores mostraram que eles forneciam, durante as consultas, diversas “pistas” — informagdes e comentarios relativos ao seu sofrimento psiquico — que eram ignoradas pelos médicos, que se detinham nos aspectos fisicos."6!7 Diferentemente do que se costuma pensar, também nao eram, na maioria das vezes, os pacientes que solicitavam exames e encaminhamentos, mas sim os préprios médicos. Segundo esses estudos, o poder somatizador da consulta médica quando o profissional nao apresenta condigdes de lidar com o sofrimento emocional do paciente representa o principal problema nos casos dos pacientes com somatizacies agudas. A organizagao do sistema de saiide e a coordenacao do cuidado também influenciam na evolugo dos quadros das queixas fisicas de dificil caracterizacao. Em um estudo multicéntrico da Organizagdo Mundial da Saiide (OMS), Simon e colaboradores** mostraram que um dos mais importantes determinantes da apresentacao somatica de pacientes com diagnéstico de transtorno depressivo era a organizacao do sistema de saide. Determinantes organizacionais que propiciam um vinculo mais estével entre médicos e pacientes (p. ex., consultas regulares, a existéncia de uma relagdo mais continua entre médicos e pacientes, marcago de consultas por telefone, etc.) estavam associados a uma menor frequéncia de apresentacao do transtorno mental como queixas somaticas. ‘A abertura ao sofrimento emocional pode ser demonstrada por meio de perguntas simples, mas que mostrem interesse e disponibilidade para ouvir os problemas pelos quais 0 paciente est passando, como: + Esté acontecendo alguma coisa que vocé relacione com esse seu sofrimento? = O que vocé acha que esta causando esse mal-estar? Essas perguntas devem estar integradas de forma organica no modelo de consulta, como discutido no Capitulo Modelo de Consulta e Habilidades de Comunicacdo, em relacdo a exploracao sistemética das ideias, preocupagées e expectativas. Abordagem terapéutica O manejo dos pacientes com queixas fisicas de dificil caracterizagao pelo médico da APS depende do tipo de paciente que se apresenta com essas queixas. Os pacientes com quadros agudos (sintomas sométicos associados a sofrimento mental inespecifico ou aos TMCs) responderdo de forma répida e eficaz a uma abordagem que inclua apoio psicossocial realizado jé na AP: Os somatizadores crdnicos normalmente estdo aderidos ao papel de doentes e ha maior dificuldade de vincular suas queixas ao sofrimento psiquico. Eles frequentemente se beneficiam do tratamento em saiide mental no nivel secundério, porém o seu encaminhamento, para ser eficaz, deve seguir pasos semelhantes aos da abordagem dos pacientes agudos. Caso ndo haja uma preparacéio cuidadosa, eles nao apenas recusar’io tratamento em satide mental, mas também se revoltardo com 0 médico e continuaro em seu caminho de busca incessante por consultas médicas (doctor shopping). A efetividade do manejo tem como base uma sélida relagio terapeutica que se centra no conhecimento das posigdes e opinides do paciente acerca de sua doenca, do reconhecimento de suas preocupacdes e da negociagio do tratamento. Portanto, para estabelecer os tratamentos necessérios, é preciso ver com o paciente como ele compreende suas queixas fisicas. Somente quando estiver claro para ele — ¢ para isso no basta simplesmente “informar”, mas esclarecer de forma paulatina e dialégica — que existe um sofrimento psiquico a ser cuidado é que seré possivel intervir terapeuticamente. Vale lembrar, ainda, que atitudes como as listadas na TABELA 174.3 podem piorar o tratamento. TABELA 1743 ~ Atitudes que pioram o tratamento dos pacientes somatizadores ~Dizer *voc® no tem nada’ +Preocupar-se demais com a remissao dos sintomas ~ os pacientes nao esperam necessariamente alivio dos sintomas, mas com certeza buscam compreensdo ~ Desafiar o paciente ~ concorde que ha um problema, - Explicar prematuramente que os sintomas so emacionais — em especial nos somatizadores crénicos ~ Informar diagnésticos organicos positivos quando eles ndo existem © cuidado desses pacientes pelo profissional da APS inclui, entio, trés componentes: intervengdes psicossociais, tratamento medicamentoso e acompanhamento do paciente encaminhado para tratamento psicoterdpico especializado. Intervengées psicossociais Se a origem do sofrimento esta nos problemas psicossociais e nos transtornos mentais apresentadlos pelo paciente, esses aspectos precisam ser abordados no tratamento. Deve-se evitar, contudo, entrar em confronto sobre os sintomas serem psicolégicos ¢ nao fisicos. Essa visio de oposicao, eminentemente biomédica, obscurece a capacidade de entender de forma correta 0 processo de adoecer. Nesses pacientes, os sintomas fisicos sdo parte do adoecer psiquico e, portanto, reais, constituindo objeto da intervengdo terapéutica. Todavia, a intervencao nao deve se restringir a eles, devendo-se abordar também o sofrimento psiquico associado. ‘A seguir, so abordadas algumas intervencies terapSuticas que podem ser realizadas pela equipe da APS. Reatribuindo e recodificando o sintoma Uma das primeiras linhas de abordagem terapéutica dos pacientes com queixas médicas inexplicaveis foi delineada por Goldberg, Gask e Sartorius.” Ela se centra na reatribuicdo, 0 que inclui a modificagao do sentido dos sintomas dentro da relacdo terap@utica, sendo um processo de abordagem dos sintomas fisicos sem explicagio médica no qual o profissional de satide ajuda o paciente a relacionar suas queixas sométicas com o seu sofrimento psiquico. ‘A abordagem foi pouco avaliada, mas os estudos realizados em geral ndo mostram melhora nos desfechos de alivio de sintomas e qualidade de vida dos pacientes [3 Entretanto, o treinamento para realizar a reatribuigao facilita a vinculagdo com os pacientes e melhora as habilidades de comunicagdo dos médicos nessas situaces.2> O proceso esta dividido em quatro etapas, descritas a seguir. 1, Sentindo-se compreendido. A. partir das queixas trazidas pelo paciente, constrdi-se uma “histéria” da apresentagao da queixa a partir de um dia tipico e de exemplos especificos, cuidando para nao se perder na mirfade de queixas apresentadas. Nesse processo, geralmente 0 paciente acaba trazendo queixas psicolégicas e “ seus problemas emocionais. O profissional deve também investigar os antecedentes psicossociais e as consequéncias dos problemas que motivaram a consulta. Sempre deve ser realizado um exame fisico breve e focar nas queixas do paciente. 2. Ampliando a agenda. Apés esse(s) primeiro(s) atendimento(s), & preciso dar o feedback dos resultados dos exames e das investigacdes, com o reconhecimento da realidade da dor/sintomas. Em seguida, é necessério iniciar a recodificagdo das queixas, resumindo todos os sintomas (fisicas e psicolégicos) e investigando a possibilidade de vinculo desses sintomas com eventos vitais/fatores psicossociais. 3. Fazendo o vinculo e construindo um modelo explicativo. Essa etapa ¢ o ponto central do processo de reatribuigdo e envolve construir um modelo explicativo dos sintomas que faca sentido tanto para o profissional quanto para o paciente. Alguns padrdes culturais que explicam a presenca de queixas fisicas em situacdes de sofrimento emocional devem ser discutidos. Entre eles, destacam-se: » situagGes de estresse desencadeiam sintomas autonémicos; ~ oestado emocional reduz o limiar da dor; » tenses musculares causam dor fisica; = 0 “estado nervoso” se acompanha de queixas fisicas. ‘esse proceso, & importante explorar as formas de manifestagdo do sofrimento emocional. Eventos de vida estressantes transtornos mentais, como ansiedade e depressdo, podem produzir sintomas fisicos, que fazem o paciente se sentir doente e ainda mais deprimido e ansioso, criando um circulo vicioso. Essa discussao deve ser focada no “aqui e agora”, evitando, nese momento, fazer associagdes com problemas mais antigos na vida dessas pessoas. Pessoas proximas, em geral os familiares, frequentemente incomodados e mobilizados pelo intenso sofrimento do paciente, também devem ser incluidos nessa abordagem. Tendo conseguido que o paciente associe o sofrimento fisico ao sofrimento emocional, é chegada a hora de negociar 0 tratamento adequado. 4, Negociando 0 tratamento. Tendo construido um modelo explicativo em comum entre 0 profissional e o paciente, & possivel construir um projeto terapéutico com maior aceitacao por parte do paciente. Essa sequéncia pode ser feita no decorrer de varias consultas, que podem ser de curta duracao (até mesmo 15 minutos), pois a base das intervencGes terapéuticas de apoio na APS esta na longitudinalidade do cuidado e no acolhimento ao sofrimento emocional dos pacientes, muito mais do que no aprofundamento das questes em cada consulta. Detectar e associar eventos de vida aos sintomas é um caminho para abordar os casos com sintomas fisicos inexplicaveis. Construir essa ponte pode ser facil nos casos agudos, que rapidamente estabelecem essas conexdes por meio de associagdes temporais, bastando que eles percebam a disponibilidade da equipe para escutar e acolher. Mas pode ser dificil com os casos crénicos, que costumam aderir as queixas sométicas e se recusam a discutir seus problemas pessoais. Em todos os casos, é importante construir um modelo explicativo que associe o sofrimento fisico ao sofrimento emocional. Alguns conceitos e figuras de linguagem podem ser especialmente titeis e devem ser utilizados no processo de construgdo de uma visio mais integrada da mente com o corpo, como pode ser visto na TABELA 174.4, ‘TABELA 174.4 ~ Conceitos e figuras de linguagem que podem ser iteis para a construgao de uma visdo integrada mente-corpo Estresse. O conceito de estresse é amplamente difundido, e sabe-se que sintomas autonémicos ocorrem na sua presenga. Abusca de estressores na vida do paciente também facilita que sejam identificados fatores desencadeantes de transtornos depressivos e de ansiedade e situagdes problematicas. ‘Nervos ou nervoso. Esse conceito se apresenta de varias formas nas consultas, em geral como queixas fisicas associadas a problemas psicossociais, Esse tipo de quetxa, tradicional na cultura brasileira, pode ser ‘muito it na recodificagao dos sintomas. A queixa de “nervos" é um tipo de sofrimento que integra componentes fisicas e psiquicos. Utiizar esse conceito, rabalhando dentro das representagBes culturais dos pacientes, facta a abordagem dos sofrimentos psicol6gicos assaciados as queixas fisicas Tenses musculares. Tenses musculares causam dor fisica e, como a depresso, podem baixar o limiar da dor. Construir explicagdes que demonstrem que ansiedade e depresso causam alteragdes somaticas abre espaco para trabalhar o softimento psiquico, sem que as queixas somaticas sejam descartadas como simulagdes ou invengies. Fonte: Téfolie colaboradores.™ Oferecendo espacos de apoio psicossocial O cuidado longitudinal proporciona fortes vinculos. A medicina de familia e comunidade tem, entre seus principios, a intensificagao da relaco médico-pessoa, na qual o vinculo é elemento-chave. Esse vinculo, por si s6, é terapGutico — e com frequéncia leva os pacientes a trazerem seus problemas pessoais para serem discutidos com seus médicos. Nessas ocasides, intervencdes de apoio podem ser usadas para ajudar os pacientes a superarem os diversos problemas psicossociais que se associam as suas queixas. ‘A utilizagdo da técnica de solug3o de problemas (ver Capitulo Intervengdes Psicossociais na Atencio Primaria a Satide), geralmente associada a outras intervencdes de cariter cognitivo-comportamental, pode ser itil no manejo desses pacientes pelos profissionais nao especializados em psicoterapias. Grupos terapéuticos Técnicas grupais t@m sido aplicadas com sucesso na APS, como a terapia comunitaria, os grupos de convivéncia e as terapias grupais breves baseadas nas técnicas cognitivo- comportamentais e de solugao de problemas. Nao hé estudos que comprovem a sua eficacia na realidade brasileira, mas, em outros paises, ha bons resultados dessas técnicas para tratamento dos quadros de TMC com queixas somaticas [S]J” Mais do que cuidar das queixas apresentadas, essas técnicas sao eficazes no tratamento dos transtornos mentais de base. Técnicas de relaxamento/exercicio fisico Técnicas que envolvem relaxamento permitem uma redugdo da ansiedade, o que é benético nesses casos, pois reduzem os sintomas fisicos relacionados com estresse e tensa, como dores cervicais, toracicas ¢ lombares e cefaleias. As atividades fisicas, como caminhada, gindstica e alongamento, que nao necessariamente envolvem profissionais especializados para serem realizadas, trazem bem-estar imediato aos pacientes. Também se pode aproveitar a presenca de professores de educacao fisica nas equipes do Niicleo Ampliado de Satide da Familia e Atencio Basica (NASF-AB) como apoio matricial para essas experiéncias. Melhora sintomédtica foi observada com atividade fisica de miltiplas modalidades em individuos com fibromialgia 28 Mindfulness Mindfulness se origina de técnicas milenares orientais de meditagao, apropriadas pela Gigncia ocidental, dando-Ihe um formato laico, possivel maioria dos individuos, trazendo a possibilidade de adquirir a capacidade de estar atento ao que acontece no presente, com abertura, aceitagdo e percepcao do aqui e agora, sem julgamento, vivenciando a experiéncia. O sofrimento mental e sua sintomatologia sao construidos pelo individuo por meio de rememoragGes de fatos e histérias passadas e/ou preocupagées com o futuro. Assim, no mundo atual, cheio de informagdes, com excesso de atividade, o individuo permanece longe do aqui e agora, ficando muito longe do momento presente, perdendo sua atenco do meio e de si mesmo. A pratica de mindfulness leva o individuo a praticar estar no aqui e agora, melhorando sua atencdo, foco e discemimento, estando tranquilo para fazer melhores escolhas, percebendo a realidade com mais clareza, melhorando suas relagdes e as jividades da vida cotidiana. Existem varios modelos da pratica, e muitos estudos mostram seus beneficios tanto para a satide mental quanto para a satide fisica. Essa pratica pode ser treinada e gerar melhoras clinicas, dando autonomia para que o individuo possa aprender a se cuidar, a se conhecer ¢ a estar no momento presente, Estudos nos tltimos 10 anos tém demonstrado sua importancia no tratamento complementar de varios quadros clinicos,% como dores crdnicas, depressao, ansiedade, adiegdes e queixas relacionadas ao estresse, entre outras. Abordagem familiar A familia é um fator importante para entender e poder tratar os pacientes com queixas fisicas de dificil caracterizacao e deve ser incluida pelo médico no processo de abordagem, diagnéstico e tratamento (ver Capitulo Abordagem Familiar). Frequentemente as queixas somaticas representam um padrdo de comunicagdo que se origina na familia de origem e que pode ser mantido e reforgado em niicleos familiares posteriores. Essa atitude familiar inicia-se reforcando os ganhos secundarios com o papel de doente, mas pode acabar gerando conflitos quando os familiares se sentem manipulados pelas queixas e pela crescente incapacidade dos pacientes que cronificam a somatizacao. Essa alterndncia de reforco inicial e posterior rejeigao da familia é parte do quadro dos somatizadores crénicos e deve ser diretamente abordada, sob risco de fracasso das outras intervengdes terapéuticas. Convocar a familia, elucidar conflitos existentes, conversar e esclarecer sobre as queixas e o grau de sofrimento emocional podem abrir novos caminhos de resolucao dos problemas, levando & reducdo do estado depressivo-ansioso e das queixas sométicas Tratamento medicamentoso A correta detecgéo e tratamento dos TMCs, principalmente ansiedade e depresséo, fundamental para que se possa iniciar 0 uso apropriado de antidepressivos ¢ ansioliticos (ver Capitulos Transtomos Relacionados Ansiedade e Depressao). Os antidepressivos, além de melhorarem os sintomas de somatizagdo em pacientes deprimidos, também sao efetivos em pacientes com queixas somaticas na auséncia de sintomas depressivos, especialmente dor®! Uma medicagao frequentemente utilizada na Europa para 0 manejo de queixas sométicas sem explicagdo médica & a sulpirida, que parece apresentar efeitos benéficos, em especial nas queixas dolorosas e nos distirbios gastrintestinais [SBJ."“* A resposta ocorre com doses mais baixas do que as usadas para tratar a esquizofrenia. Inicia-se com doses de 50 mg, 1 a 2 x/dia, com aumento gradual até resposta clinica, podendo chegar a 150 a 175 mg/dia, no devendo exceder 200 mg/dia, Seu principal efeito colateral é a galactorreia. A hipocondria/ansiedade com a satide responde também a antidepressivos, embora a primeira linha de tratamento seja a_psicoterapia. As evidéncias se concentram predominantemente no uso de fluoxetina [oJ Cabe ressaltar que, entre os pacientes somatizadores crénicos, que sio uma porcentagem pequena dos somatizadores na APS (em toro de 7% em amostra de estudo brasileiro)," verifica-se uma extrema sensibilidade a qualquer alteracdo somatica, que é ampliada de forma sistemética. Isso os torna particularmente sensiveis aos efeitos colaterais dessas medicacdes, em especial os antidepressivos. f necessério ter paciéncia, esclarecimento e perseveranca para que suas diividas sejam superadas e a adesio ao tratamento ocorra. Muitas vezes, 0 paciente suporta certos efeitos colaterais apenas para “agradar” 0 médico que se preocupa com ele, o que reforga a importancia do vinculo. Coordenagao do cuidado de pacientes em acompanhamento especializado Como indicado na FIGURA 174.2, alguns pacientes requerem atengio especializada, mas © acompanhamento pelo médico da APS deve ser mantido. Casos crénicos sdo frequentemente fontes de estresse para o profissional da APS, pois frustram as expectativas de resolucao répida dos sintomas. Os pacientes nao referem melhora, queixam-se de que nada resolve (nem 0 médico) e, caso aceitem tomar medicamentos, é comum apresentarem os efeitos colaterais. Na maior parte das vezes, questionam a origem psicolégica dos sintomas. Fica implicito que ha algo que o médico nao consegue descobrir, e isso provoca uma incdmoda sensaco de impoténcia no profissional. Exatamente por isso é fundamental a manutencao do acompanhamento pelo médico da APS, pois se evita a busca e a realizagdo excessivas de consultas e exames desnecessarios. Como sao casos dificeis, ¢ importante considerar a contratransferéncia. A. frustragaio vivenciada pelo médico pode levar a condutas inadequadas e que tém por objetivo, inconscientemente, livrar-se do paciente e, assim, terminar com o sentimento de impoténcia gerado. Alguns pontos merecem consideracao, O primeiro € que o paciente nao tem controle consciente sobre seus sintomas. Se 0 paciente volta, ele esté recebendo algo que faz sentido para sua vida, mesmo que isso nao termine com as queixas. Por isso, o vinculo deve ser valorizado, e as queixas nao tanto. Se 6s sintomas melhorarem, étimo; se nao, a melhor opco é suportar e acolher o sofrimento, sem culpa ou ideias de incompeténcia. Cabe ressaltar ainda que os pacientes nao informam suas melhoras, muitas vezes por ndo conseguirem perceber a relacdo dessas mudancas com o atendimento. Outro ponto é que vale refletir sobre um ensinamento da antiga medicina grega. Segundo ele, os sentidos (olfato, visdo, tato, audicao e paladar) captam a nossa relagaio com © mundo, Essa captagéo & conduzida para a kardia (Kapét'a), que, para os gregos, era 0 centro das emoges. A partir dai, dois caminhos se apresentam: ou viram logos (ho'yoc; palavra, pensamento) ou vao para 0 corpo e produzem sensacdes que esses pacientes tendem a hipervalorizar. Portanto, uma tarefa de cunho psicolégico é contribuir para que ampliem sua capacidade de falar e de relacionar os eventos da vida com as suas emogdes. Na TABELA 174.5, encontra-se um resumo de boas praticas que o médico da APS deve exercer nos casos de somatizagao crénica sob sua responsabilidade. Tratamentos especializados para a somatizagao crénica Alguns pacientes com quadros crdnicos, como os portadores de fibromialgia, sindrome do intestino irritével e outras sindromes dolorosas, beneficiam-se de intervengdes psicoterdpicas de base cognitivo-comportamental.” Alguns estudos com terapias psicodinamicas breves demonstram reducao dos sintomas somaticos associados a presenca de ansiedade e depressdo.* De maneira geral, essas intervencdes podem reduzir 0 némero de queixas fisicas, o comprometimento funcional e a adesao ao papel de doente. E importante ressaltar que essas intervengdes, mesmo quando realizadas na APS, geralmente so ages de profissionais de satide mental, sugerindo que a participagio de profissionais especializados seja necesséria para a realizacao de intervengies psicoterépicas com esse subgrupo de pacientes crénicos. GRUPOS BALINT PARA QUALIFICAR O ATENDIMENTO MEDICO DESSES PACIENTES Como dito anteriormente, 0 poder somatizador da consulta médica tem, na sua génese, além da organizagéo dos servigos, 0 préprio médico, Como dizia Balint” 0 médico é ogo medicamento mais prescrito e a sua posologia precisa ser conhecida e administrada adequadamente. Como outros farmacos, tanto a subdose quanto a dose excessiva sio nocivas. Balint,” ja na década de 1950, trazia a questo dos pacientes que “encontravam” no adoecer a “solugdo” para a sua vida. Segundo ele, os pacientes inicialmente apresentam, sintomas inespecificos, que ele chamava de “estado nao organizado”. Com a ajuda do médico, que nao percebia as dificuldades psicossociais do paciente, uma doenga era “organizada”. Quando o médico fixa seu interesse e conhecimento na biologia, por falhas na formacio ou por defesa psicolégica diante da complexidade das relacdes humanas, a dimensao da pratica clinica fica reduzida e favorece um sem niimero de iatrogenias. £ frequente que esses pacientes sejam vistos como “dificeis”, o que tende a criagao de um circulo vicioso: 0 paciente ndo melhora como 0 médico espera e este se sente incomodado; por sua vez, 0 paciente ndo se sente acolhido e compreendido, 0 que o faz persistir ou amplificar os sintomas, que ¢ a sua forma de comunicar; 0 médico, entdo, vé 0 paciente como um demandante, fica mais insatisfeito, frustrado e irritado; atendé-lo passa a ser um sofrimento ¢ o circulo continua. Muitas dessas dificuldades podem se dar em fungdo de o médico ter captado inconscientemente a impoténcia e a desesperanca que o paciente vive cotidianamente. Esse processo é chamado na psicandlise de contratransferéncia (ver Capitulo Intervengdes Psicossociais na Atencdo Primaria a Satide). E exatamente nesse contexto que o método dos Grupos Balint demonstra sua poténcia, uma vez que eles permitem “estender a compreensao dos estados mentais inconscientes a atmosfera da pratica médica comum”. Os Grupos Balint t@m uma metodologia que visa facilitar 0 contato com © mundo inconsciente no contexto clinico. Consistem em reunides com 8 a 12 participantes, um lider ¢, se possivel, um colider. Um voluntario apresenta um caso escolhido que destoa, positiva ‘ou negativamente, de outros da sua clinica. Depois todos os participantes procuram deixar a mente livre para fazer qualquer associagao que o caso tenha suscitado. Frequentemente, 0 apresentador ouve, nessas comunicagées, algo que ele nao havia pensado e que amplia sua consciéncia sobre sua relago com o paciente do caso apresentado. Os Grupos Balint t@m hoje um reconhecido papel na melhora da qualidade da relagio médico-paciente, no suporte emocional e na ampliacao da resiliéncia®® do médico, assim como na prevencao de burnout.*2 REFERENCIAS 1. Johansen M-L, Risor MB. What is the problem with medically unexplained symptoms for GPs? A meta-synthesis of ‘qualitative studies. Patient Educ Couns. 2017;100(4):647—56. 2. Lipowski ZJ. Somatizaton: the concept and its clinical application. Am J Psychiatry. 1988;145(11):1358-68, 3. Kiemayer LJ, Robbins JM, edito:s. Curent concepts of somatization: research and clinical perspectives. Washington: APA; 1991. (Progress in psychiaty). 4. Duncan MS. ContribuigGes da interocepeio e do processamento preditivo para a compreensdo sobre sintomas na atengdo primétia a saide. (disertagio]. Rio de Janeiro: UERU; 2021. Kellner R, Sheffield BF. The one-week prevalence of symptoms in neurotic patients and normals. Am J Psychiatry. 1973;130(1):102-5, 6. Freeman TR, Manuel de Medicina de Familia e Comunidade de McWhinney. 4 ed, Porto Alegre: Antmed 2018. 12, 13, M4 15, 18, 18. 20, 21 22, 23, 24, 28, 26, 28, 29, 30, 31 Buci-Lilly A, Vestergeard M, Fink P, Carlsen AH, Rosendal M. Patient characteristics and frequency of bodily distress syndrome in primary care: a cross-sectional stady. Br J Gen Pract, 2015;65(638):e617-23 Goldberg DP, Reed GM, Robles R, Bobes J, Iglesias C, Fortes S, et al. Multiple somatic syraptoms in primary care: A field study for ICD+11 PHC, WHO's revised classification of mental disorders in primary care settings. J Psychosom Res, 2016;91:48-54, Fortes 5, Ziebold C, Reed GM, Robles-Garcia R, Campos MR, Reisdorfer E, et a. Studying ICD-11 Primary Health Care bodily stress syndrome in Brazil: do many functional disorders represent just one syncrome? Braz J Psychiatry 2019;41(1):15-21 Fortes S, Téfoli LE, Gask L. New categories of boy stress syndrome and bodily distress disorder in I Psiquiatr 2018;67(4):211-2. Barsky AAJ, Orav EJ, Bates DW. Somatization increases medical utilization and costs independent of psychiatric and medical comorbidity. Arch Gen Psychiatr. 2005;62(8):903-10. Kroenke K, Spltzer RL, Williams JB, Linzer M, Hahn SR, deGruy EV 3rd, eal. Physical symptoms in primary care. Predictors of psychiatric disorders and functional impairment. Arch Fam Med. 1994;3(9):774-8, Fortes S. Transtomos mentais na atengdo priméria: suas formas de apresentagdo, perfil nosoldgico e fatores associados em unidades do programa de Saide da familia do municipio de Pettpelis/Rio de Janeiro, Brasil. (tes). Rio de Janeiro: UERJ; 2004, Goldberg DP, Huxley P. Common mental disorders a bio-social model. Alameda: Tavistock/Routledge; 1992. Simon GE, VoaKorft M, Piccinelli M, Fullerton C, Ormel J. An international study of the relation between somatic ‘symptoms and depression, N Eng] J Med, 1999;341(18):1329-36. Ring A, Dowrick C, Humphris G, Salmon P. Do patients with unexplained physical symptoms pressurise general practitioners for somatic treatment? A qualitative study. BMJ, 2004;328(7447):1057, Ring A, Dowrick CF, Humphris GM, Davies J, Salmon P, The somatising effect of clinical consultation: what patients 11, J Bras and doctors say and do not say when patients present medically unexplained physical symptoms, Soc Sci Med 2005;61(7):1505-15, Reilly J, Baker GA, Rhodes J, Salmon P. The association of sexual and physical abuse with somatization: ‘characteristics of patients presenting with irritable bowel syndrome and non-epileptc atack disorder. Psychol Med, 1999;29(2):399406, Heaningsea P, Zipfel S, Sattel 1, Creed F. Management of Functional somatic syndromes and bodily distress ychother Psychosom. 2018;87(1):12-31. ‘Mayou R, Kimayer LJ, Simon G, Kroenke K, Sharpe M. Somatoform disorders: time for a new approach in DSM-V. Am J Psychiatry. 2005;162(5):847-55. ‘World Organization of National Colleges, Academies, and Academic Associations of General Practitoners/Family Physicians (Wonca) Classificagdo Intemacional de Atencéo Primétia (CIAP 2). Floriandpolis : Sociedade Brasileira de Medicina de Familia e Comunidade; 2009, ‘Wright BK, Kelsall HL, Clarke DM, McFarlane AC, Sim MR, Symptom attribution and treatment seeking. in Australian veterans. J Heath Psychol. 2020;25(10-11):1498-510, Goldberg D, Gask L, Sartorius N. Training physicians in mental heath skills. Geneva: World Psychiatric Association; 2001, Leaviss J, Davis S, Ren S, Hamilton J, Scope A, Booth A, eal. Behavioural modification interventions for medically unexplained symptoms in primary care: systematic reviews and economic evaluation. Health Technol Assess. 2020;24(46):1~490 Olde Hartman TC, Rosendal M, Aamland A, van der Horst HE, Rosmalen JG, Burton CD, etal. What do guidelines and systematic reviews tell us about the management of medically unexplained symptoms in primary care? BIGP (Open. 2017;1(3):bjgpopent7X101061 Tofoli LE, Fortes $, Gongalves D, Chazan LF, Balleser D, Somatizacio e sintomas fisicos inexplicdveis para o médico de familia comuniade, PROMEE. 2007;2(3):9-56. Araya R, Rojas G, Prisch R, Gaete J, Rojas M, Simon G, e al, Treating depression in primary care in low-income ‘women in Santiago, Chile: a randomised controlled tral, Lancet, 2003;361(8362):995—1000, Bidonde J, Busch AJ, Schachter CL, Webber SC, Musselman KE, Overend TJ, etal. Mixed exercise training for ‘adults with fibromyalgia, Cochrane Database Syst Rev. 2019;5:CD013340. Goldberg SB, Tucker RP, Greene PA, Davidson RJ, Wampold BE, Keamey DJ, et al. Mindfulness-based Inervention for psychiatric disorders: A systematic review and meta-analysis. Clin Psychol Rev. 2018;59:52-60, Demarzo MMP, Montero-Marin J, Culjpers P, Zabaleta-del-Olmo E, Mahtani KR, Vellinga A, et al. The Eificacy of Mindfulness-Based Interventions in Primary Care: A Meta-Analytic Review. Ann Fam Med, 2015;13(6):573-82. Unis 1, Peck J, Orhurhu MS, Wolf J, Patel R, Orhurhu V, et al. Offelabel antidepressant use for treatment and ‘management of chronic pain: evolving understanding and comprehensive review. Curr Pain Headache Rep. 2019;23(9):6. 32. Kleinstauber M, Withaft M, Steffanowski A, van Marwijk Il, Hiller W, Lambert MJ. Pharmacological interventions {for somatoform disorders in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2014,(11):CD010628, 33, Rouillon F, Rahola G, Van Moffaert M, Lopes RG, Dunia I, Soma-D Study Team. Study Observing Multicultural Attitudes to Dogmati, Sulpizide in che treatment of somatoform disorders: results of a European observational study to characterize the responder ptoile J Int Med Res. 2001;29(4):304-13, 34, Ferreti M, Florent C, Gerard D. Sulpiride: suudy of 669 patient presenting with pain of psychological origin. Encephale. 2000;26(4):58-66. 3, Fallon BA, Ahern DK, Pavlicova M, Slevov |, Skritskya N, Barsky AJ. A Rendomized controlled tral of medication and cognitive-behavioral therapy for hypochondiasis. Am J Psychiatry. 2017;174(8):756-64, 36. Abbass A, Town J, Holmes H, Luyten P, Cooper A, Russell L, et al. Short-term psychodynamic psychotherapy for functional somatic disorders: @ meta-nalysis “of randomized controlled tials. Psychother Psychosom, 2020;89(6):363-70. 37. Balint M. O médico: seu paciente a doenga. Rio de Janeiro: Atheneu; 1984. 331 p. ‘38. Sklar J. Balinc Matters: Psychosomatics and the Art of Assessment. London: Routledge; 2018. 254 p. 39. Roberts M. Balint graups: a tool for personal and professional resilience. Can Fam Physician, 2012;58(3):245~7. 40. Benson J, Magraita K. Compassion fatigue and bumout: the role of Balint groups. Aust Fam Physician. 2005;34(6):497-8. 41, Nielsen HG, Tulinius C. Preventing bumout among general practitioners: is there a possible route? Educ Prim Care, 2009;20(5):353-9. 42, Caleides DAP, Didou R ds N, Melo EV de, Oliva-Costa EF de, Burnout Syndrome in medical intership students and its prevention with Balint Group. Rev Assoc Med Bras, 2019;65(11):1362-7. LEITURA RECOMENDADA Olde Harman T, Lam CL, Usta J, Clarke D, Fortes S, Dowrick C. Addressing the needs of patients with medically ‘unexplained syrnptoms: 10 key messages. Br J Gen Pract. 2018;68(674):442-443, ‘Sumdrio de orientacdes sobre sintomas sem explicagdo encaminhado ao Wonca Working Party on Mental Health

Você também pode gostar