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Urbanas
- Volume 1 -
ORGANIZADORES
Cristiano Poleto
André Luiz Lopes da Silveira
Alice Rodrigues Cardoso
Joel Avruch Goldenfum
Fernando Dornelles
Rutinéia Tassi
Priscilla Macedo Moura
Águas
Urbanas
- Volume 1 -
2015
© dos autores
ISBN 978-85-88686-38-0
INTRODUÇÃO ÀS ÁGUAS
URBANAS
Cristiano Poleto
André Luiz Lopes da Silveira
Alice Rodrigues Cardoso
Joel Avruch Goldenfum
Fernando Dornelles
Rutinéia Tassi
Priscilla Macedo Moura
INTRODUÇÃO
JONES, P.; MACDONALD, N. Making space for unruly water: Sustainable drainage systems and
the disciplining of surface runoff. Geoforum, n. 38. p. 534-544, 2007.
SILVEIRA, A. L. L. Apostila: Drenagem Urbana: aspectos de gestão. 1. Ed. Curso preparado por:
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Fundo
Setorial de Recursos Hídricos (CNPq), 2002.
TIM - Trabalho de Integralização Multidisciplinar II. Universidade Federal de Minas Gerais, Escola
de Engenharia, Curso de Engenharia Civil, Projeto de Infra-Estrutura e Equipamentos
Urbanos: Termo de Referência, p.25, 2008.
Capítulo 2
BIORRETENÇÃO: TECNOLOGIA
AMBIENTAL URBANA PARA UMA
DRENAGEM SUSTENTÁVEL
Newton C. B. Moura
Paulo R. M. Pellegrino
José Rodolfo S. Martins
INTRODUÇÃO
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1. INFRAESTRUTURA VERDE: A
NATUREZA COMO PROVEDORA DE
SERVIÇOS AMBIENTAIS NAS CIDADES
Figura 1: Elementos que compõem uma Infraestrutura Verde. Para cada estrutura,
foram identificados os possíveis constituintes de uma rede.
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A urbanização tem sido alimentada, em grande parte, pela
mudança das pessoas para as cidades, fenômeno intensamente
observado nas últimas décadas. No Brasil, estima-se que 85% da
população já vive em cidades (IBGE, Censo Demográfico 2010). O modo
como se deu esse processo de urbanização, às custas do capital natural
existente, resultou numa grande perda dos recursos disponíveis,
incluindo o abastecimento de água, a degradação dos corpos hídricos e
o agravamento da mobilidade e de outros aspectos da urbanidade e da
vida em sociedade. Além das questões atuais, as mudanças climáticas
deverão acrescentar novos desafios ao manejo das nossas cidades:
como atenderemos às crescentes demandas da população e, ao mesmo
tempo, vamos lidar com eventos climáticos extremos, mudanças na
disponibilidade dos recursos hídricos e o aumento do nível do mar?
Como um modo de procurar atender essas novas necessidades,
engenheiros, planejadores e arquitetos têm crescentemente
procurado por modos de melhorar a inserção da infraestrutura verde
no tecido das cidades. Esses esforços podem ser vistos na adoção, já
em muitos países, de melhores práticas de manejo (MPM) das águas
de chuva através de estruturas de manejo dos escoamentos in situ.
Essas soluções, baseadas nos princípios de biorretenção, quando
integradas aos projetos de paisagismo urbano, promovem a criação
de espaços multifuncionais que podem multiplicar seus benefícios para
além da melhoria do desempenho das infraestruturas já instaladas,
aumentando, como um todo, a resiliência das cidades, preparando-
as melhor para o enfrentamento de eventos futuros, previstos ou
imprevistos. Essas ações se caracterizam pelo objetivo de estabelecer
pontes entre a urbanização, o aproveitamento dos serviços ambientais
e a recuperação das águas urbanas.
As cidades, portanto, só têm a ganhar se os seus projetistas e
planejadores inspirarem-se nos sistemas naturais de regeneração das
águas, do solo e da biodiversidade. Este entendimento é fundamental
para uma mudança no paradigma com que temos lidado até agora
com o problema. Desse modo, propiciaremos uma forma mais eficaz
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de enfrentarmos os desafios climáticos e, ao mesmo tempo, criaremos
lugares mais atrativos e saudáveis para viver, trabalhar, circular e
recrear.
Assim, uma série de dispositivos de biorretenção, semelhante
ao aqui apresentado como experimento prático, se empregados em
rede e de forma adaptada aos diversos espaços urbanos existentes,
podem funcionar como um sistema de proteção contra enchentes
e alagamentos, aumentando a resiliência das cidades aos impactos
dos eventos extremos. Além do controle quantitativo, as MPM tem
demonstrado eficiência na mitigação da poluição difusa e, portanto,
podem contribuir significantemente na melhoria da qualidade das
águas superficiais, como comprovado nos resultados do protótipo de
biorretenção aqui avaliado. Por conseguinte, a aplicação de dispositivos
de infraestrutura verde como esse, ao utilizar configurações variadas,
podem ser adaptados para muitos usos e localizações, de parques a vias
públicas, contribuindo de forma integrada na recuperação das águas
urbanas.
Ainda estamos no estágio de tratar a infraestrutura verde em
nível conceitual, como possível benefício adicional às nossas redes
de drenagem tradicionais. Contudo, com um enfoque integrado
do processo de planejamento e construção e de uma ampliação e
modernização da nossa infraestrutura urbana, podemos prever que
a infraestrutura verde pode claramente prover serviços econômicos,
ambientais e sociais para as nossas cidades, assim como demonstrado
aqui, inicialmente de forma experimental.
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momento, o modelo utilizado nas cidades era o mesmo das zonas
rurais: os escoamentos das águas de chuva e esgotamento tinham a
mesma destinação, juntamente com todo tipo de resíduos e dejetos,
em valas comuns a céu aberto. Já na passagem do século XIX para o
XX, as canalizações enterradas passaram a ser utilizadas e as áreas
urbanas centrais ficaram secas e mais limpas. Contudo, as águas
servidas e as de chuva passaram a carrear todos os resíduos para o
córrego ou rio mais próximo. Começou-se também, em meados do
século passado, a conduzir separadamente, em tubulações distintas,
os escoamentos pluviais e os esgotos, onde as condições físicas dos
espaços urbanos permitissem essa prática. Entretanto, essa solução
não garantiu necessariamente o tratamento das águas residuais, mas
apenas o seu afastamento mais eficiente, mantendo o lançamento
final em corpos hídricos superficiais. Esse encaminhamento aos rios
levou a uma atuação de degradação que forçou a criação de estações
de tratamento de esgoto. Entretanto, a memória do uso das galerias de
águas pluviais, que são na verdade ex-córregos e linhas de drenagem,
assim como o canal de escoamento universal das águas, continuaram
presentes, principalmente em áreas de urbanização mais precária.
Mas esta solução, do encaminhamento de todas as águas
combinadas para estações de tratamento, deixou de fazer sentido
econômico. Este modelo foi sendo questionado a partir dos anos
setenta do século passado, quando estudos hidrológicos, com
suas equações de transferência de massa e curvas de frequência-
duração-intensidade, passaram a ser utilizadas com mais ímpeto, e a
infraestrutura de drenagem urbana existente passou a ser questionada.
Assim, passou-se a advogar a utilização de bacias de captação e canais
de drenagem maiores e mais eficientes, para se enfrentar os picos dos
eventos de chuva. Contudo, logo ficou evidente um dos resultados
negativos desse modelo: a transferência das enchentes, da erosão e
do comprometimento dos canais para jusante. Como solução, foram
oferecidas bacias de detenção do volume escoado nos locais mais
suscetíveis a enchentes. O impacto dessas bacias, entretanto, quando
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começaram a ser popularizadas, foi a necessidade de esvaziamento
simultâneo de vários reservatórios implementados num mesmo canal.
No final, apesar de eficientes, estes reservatórios quando utilizados
em larga escala e em múltiplos pontos de uma mesma bacia perdem
eficiência na atenuação dos picos, tornando-se progressivamente
mais caros do que outras soluções. O problema, portanto, consiste no
manejo do volume total de escoamento da área de contribuição da
bacia e não apenas no controle pontual da vazão de pico (Reese, 2001).
Com o paradigma de detenção do escoamento em cheque,
passou-se a um novo modelo no final do século passado: o plano de
macrodrenagem de bacias. Com o auxílio das novas tecnologias de
modelagem computadorizadas, permitiu-se a execução de modelos
hidrológicos para regiões inteiras. Por conseguinte, o tratamento
integral das bacias passou a ser o novo mantra. Apesar dos inúmeros
planos feitos nos EUA, por exemplo, apenas um ou dois foram
executados como planejados (Reese, 2001). Nos demais planos, ainda
segundo Reese (2001), apesar dos problemas parecerem ter sido
resolvidos permanentemente, as ideias originais acabaram sendo
postergadas ou modificadas pelo mundo real. De qualquer forma,
níveis mais exigentes de manejo e regulação das águas urbanas
passaram a ser empregados para se evitar as causas das enchentes,
que se, não foram resolvidas na escala de toda uma bacia, pelo menos
passaram a ser na escala de uma vizinhança.
Percebe-se que cada solução apresentada aos problemas
imediatos parece atender os seus objetivos iniciais. Contudo,
outros problemas surgem como decorrência da intenção original ou
simplesmente não são contemplados. Para Reese (2001), um dos
mais persistentes é a poluição difusa. Segundo ele, para enfrentá-
la, as melhores práticas de manejo começaram a ser testadas, e,
juntamente com a metamorfose das infraestruturas de drenagem,
uma variedade de dispositivos de controle do escoamento na fonte
foi projetada para capturar e tratar inicialmente as águas pluviais.
Isto significou o retorno das valas a céu aberto, agora tratadas com
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substratos e vegetação, aos parques lineares e alagados construídos.
O que todas essas estratégias têm em comum é a expectativa de
ter um impacto no regime de fluxo para alterar positivamente a
qualidade da água e a saúde geral dos corpos hídricos. Novos critérios
ecológicos de restauração de córregos e rios urbanos, então, passaram
a ser vislumbrados. Levantamentos biológicos e de saúde humana
se tornaram promissores para as águas urbanas como são em outros
campos ambientais, e, afinal, como resultado, a atenção voltou-se para
o manejo desde as nascentes, passando pelos corredores ripários até
as planícies de inundação, englobando o uso do solo em toda a bacia.
Este entendimento de que tudo o que acontece numa mesma
área de contribuição afeta o córrego à jusante conquista, finalmente, a
atenção para toda a bacia, mas de uma forma que considera relevante
toda a água escoada, desde as águas de chuva pelas vias urbanas
até a que se infiltra nos pontos de recarga das nascentes. Todas as
águas, portanto, em todos os pontos de todas as bacias urbanas
devem ser consideradas como parte de um ciclo hidrológico e assim
compreendidas e tratadas, numa visão mais holística.
E como essas ações de intervenção mais abrangentes podem
competir por espaço e atenção com todos os outros interesses e usos
que disputam espaço numa bacia? Uma estratégia seria apresentar
soluções que tornem os espaços do cotidiano das pessoas mais
atraentes e agradáveis, permitindo a visualização de um legado
mais promissor, com um uso mais racional dos recursos existentes e
com soluções com um custo-benefício mais palpável. A bacia é uma
escala muito ampla para as pessoas se relacionarem, e a solução pode
estar em atacar o problema na escala do projeto onde ele é sentido
em primeiro lugar, onde as coisas que precisam ser feitas podem ser
iniciadas. Uma combinação de práticas estruturais e institucionais
faz com que vislumbremos uma rede de espaços abertos que possam
criar ambientes funcionais, ecologicamente saudáveis, sustentáveis
e esteticamente agradáveis. Aqui, assumimos a denominação de
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Infraestrutura Verde para este conjunto de espaços que permitem um
manejo das águas urbanas neste sentido.
No experimento de infraestrutura verde aqui apresentado, este
conceito de planejamento e projeto adquiriu o formato de canteiros
pluviais, ou seja, de estruturas construídas em células preenchidas
com base drenante, solo e vegetação, que recebem o escoamento
superficial advindo de uma superfície impermeável, no caso
pavimento asfáltico, utilizado para a circulação e o estacionamento
de veículos automotores. Este dispositivo de tratamento in situ do
escoamento das primeiras chuvas foi objeto de um monitoramento,
conforme descrito neste trabalho.
2. ASPECTOS QUANTI-QUALITATIVOS DA
BIORRENTEÇÃO
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No caso dos pavimentos permeáveis, importantes aspectos
construtivos e de manutenção foram discutidos por diversos
autores que recomendam seu uso geral para áreas de baixa a média
intensidade de tráfego (até 300 veículos/dia e tráfego acumulado ESA1
2000), citando dentre outras medidas de manutenção a necessidade
de cuidados quando da execução de reparos para se evitar a selagem,
a remoção permanente de sedimentos e a limpeza por aspiração com
frequência semestral (Knight, 2008; Virgiliis, 2009). Com relação à
eficiência quantitativa, a pavimentação permeável é um meio efetivo
para redução do runoff em até 40% para eventos de alta recorrência
(Pinto, 2011; Schluter et al., 2002; Bean et al., 2007) e problemas
como a colmatação parecem não afetar fortemente seu desempenho
(González-Angullo et al., 2008) podendo ser considerada como a
estrutura de melhor relação custo-benefício para manejo de baixo
impacto das águas pluviais em áreas urbanas (Figura 2).
Rowe et al. (2009) assim como Bean et al. (2007) e Schluter
et al. (2002) mostraram importantes contribuições dos pavimentos
permeáveis em termos de redução da carga poluidora, pelo efeito
de filtragem proporcionado pelo material granular que compõe a
base destes revestimentos e dos quais a eficiência na retenção é
altamente dependente (Tabela 1). Entretanto a base de pesquisa
neste ponto precisa ser ampliada para permitir melhor caracterização
da capacidade de retenção para os diferentes tipos de técnicas
existentes.
Quanto à mitigação da poluição difusa, os dispositivos de
biorretenção têm se mostrado mais promissores do que os pavimentos
permeáveis por apresentarem alta capacidade de depuração,
podendo ser projetados para retenção de material particulado e em
suspensão, bem como sua progressiva eliminação, embora alguns
autores mencionem progressiva perda de eficiência com o tempo
devido a fatores como colmatação e stress das plantas (Read et
1 Equivalent Single Axe” load, ou seja, carga equivalente em eixo simples que
pode ser admitida no pavimento.
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60
Protótipo USP
(Pinto,2011)
50
Mod Matemático
(Pinto, 2011)
20
10
0
0 10 20 30 40 50 60
Precipitação Máxima sobre o pavimento asfáltico (mm)
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total associados à condutividade hidráulica do substrato filtrante,
obtendo taxas da ordem de 62 a 70%. Hatt et al. (2009), utilizando
canteiros experimentais determinação da capacidade de retenção,
confirmaram taxas de 76% para os sólidos suspensos, 86% para
fósforo e 37% para o nitrogênio total.
Os resultados dessas técnicas quanto à capacidade de
retenção e tratamento inicial das águas de chuva têm sido avaliados
fundamentalmente em experimentos laboratoriais, que conduziram
comparações entre amostras dos escoamentos de entrada (inlet)
e saída (outlet), geralmente considerando a concentração (massa/
volume) dos poluentes como variável para avaliar a eficiência dos
biofiltros. Em poucos estudos (Davis et. al, 2003; Hatt et. al, 2009),
as cargas poluidoras ou o total acumulado de poluentes foram
empregados como parâmetros para determinar a capacidade de
biorretenção.
Como metodologia, esses experimentos utilizaram
precipitações simuladas e controladas, ou seja, águas sintéticas com
concentrações pré-definidas de poluentes diversos para quantificar
as diminuições verificadas nos volumes e nos contaminantes. Poucos
monitoramentos de elementos de biorrentenção das águas de
chuva foram realizados em campo, submetidos a situações reais de
precipitação e cargas poluidoras (e.g. Dietz & Clausen, 2005; Hatt et
al., 2009).
Considerando o contexto científico nacional e internacional
quanto ao monitoramento de tipologias de biorretenção no manejo
das águas de chuva, esse trabalho oferece aspectos de originalidade e
ineditismo que podem ser assim pontuados:
• mesmo se tratando de um experimento controlado, as
condições hidrológicas e climáticas reais são respeitadas.
Não houve simulação de precipitações ou manipulação das
cargas poluidoras;
• o universo de indicadores de qualidade da água é
amplo e incluiu 22 parâmetros bioquímicos analisados
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simultaneamente, entre pH, alcalinidade, matéria orgânica,
nutrientes, óleos e graxas, metais pesados, variáveis
inorgânicas, sedimentos e coliformes;
• as condições ambientais que influenciam o experimento,
como clima, poeira atmosférica e regime de chuvas
consideraram o cenário real de uma megacidade brasileira
em crescimento, São Paulo e sua Região Metropolitana,
que acompanha a tendência demográfica de aumento
populacional e expansão urbana em grandes centros;
• a vegetação avaliada no experimento era
predominantemente nativa brasileira ou comprovadamente
adaptada ao local, facilmente disponibilizada por
fornecedores de plantas e já assimiladas entre as plantas
ornamentais usadas pela população;
• diferentes estratos vegetais foram monitorados e
comparados simultaneamente, estabelecendo um critério
de eficiência, manutenção e interesse visual para as
soluções de biorretenção quanto à vegetação.
Vale ressaltar que a avaliação do desempenho de bacias de
retenção (alagados construídos ou wetlands) já alcançou o respaldo
científico quanto à melhoria na qualidade da água, sendo considerada
uma das MPM dos escoamentos pluviais mais eficientes nesse sentido
(Gopal, 1999; Hancock, 2010). Contudo, por demandar maiores
dimensões, o que dificulta sua implantação em unidades residenciais
ou em vias públicas, e por exigir maior atenção quanto à manutenção,
esta pesquisa concentrou esforços na revisão de publicações científicas
acerca de tipologias menores, como jardins de chuva, canteiros
pluviais e biovaletas. Essas técnicas, de fácil replicação e adaptação
a diferentes conformações de terreno, apresentam, portanto, maior
potencial de aplicação paisagística no contexto urbano.
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3. AVALIAÇÃO EXPERIMENTAL DA
BIORRETENÇÃO NA MITIGAÇÃO DA
POLUIÇÃO DIFUSA
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Figura 4: Preenchimento dos canteiros G e J. Os materiais utilizados nos sistemas de
biorretenção foram iguais, com exceção das coberturas vegetais, com herbáceas e
arbustos diversos em J e com grama esmeralda em G.
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O monitoramento do experimento, quanto à mitigação da
poluição difusa, foi embasado em análises laboratoriais de qualidade
da água dos escoamentos que entraram nos dois canteiros, J e G,
através de uma interrupção na sarjeta, e neles foram retidos e filtrados,
sendo depois destinados a tanques vertedouros individuais e, por fim,
a um canal de drenagem existente (Figura 5). Os resultados dessas
análises para 22 indicadores constituíram os dados primários centrais
deste trabalho, obtidos em sete eventos de chuva monitorados,
quando foram recolhidas de 4 a 6 amostras em cada ponto de coleta,
totalizando 116 amostras. Essas informações, complementadas por
medições das precipitações e das vazões afluentes e efluentes durante
os eventos, compuseram o banco de dados da pesquisa. A partir
de sua compilação, os parâmetros selecionados para quantificar as
variações de poluentes nos escoamentos, antes e depois da passagem
e infiltração nos elementos de biorretenção, foram analisados
primeiramente de forma individual quanto às concentrações, cargas
poluidoras e massas totais acumuladas (MTAs). Posteriormente, esses
indicadores foram avaliados em conjunto, o que permitiu uma leitura
mais clara das variações na qualidade da água, além da definição da
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composição vegetal mais eficiente - jardim ou gramado - quanto ao
controle da poluição difusa. Tanto na interpretação individual quanto
em grupo, a redução na presença desses indicadores foi observada
como métrica para estimar o desempenho dos canteiros, com exceção
do pH, que segue um padrão específico de aferição numa escala
numérica pré-definida, e alcalinidade, para a qual o aumento nas
concentrações foi considerado como índice de melhoria de qualidade
da água.
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Na Tabela 3, estão as médias individuais e por grupo para
os indicadores de qualidade da água quanto às massas totais
acumuladas, que correspondem às somas das cargas poluidoras no
intervalo de monitoramento dos eventos. As porcentagens atribuídas
a cada parâmetro ou conjunto de parâmetros equivalem às reduções
nas massas de poluentes que entraram nos canteiros. Sendo assim,
para ferro, por exemplo, estimou-se que o jardim conseguiu diminuir
em mais de 99% as cargas acumuladas. Isso significa que, de todo o
ferro diluído nos escoamentos que entrou no canteiro J, menos de 1%
foi lançado para fora do sistema de biorretenção. Independentemente
de qual processo de fitorremediação ocorreu no canteiro, ou seja, se
houve remoção, acumulação ou volatilização do contaminante, as
cargas efluentes de poluentes foram significativamente menores. O
mesmo raciocínio pode ser aplicado aos grupos de parâmetros. As
reduções nas cargas acumuladas de metais no jardim, por exemplo,
foram em média de 99,52%, pelo que se pode deduzir que a massa
total desses poluentes é retida e/ou removida pelo canteiro J.
4. CONCLUSÕES
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Tabela 2: Média das variações entre as concentrações de S-J e S-G para os indicadores analisados. Fonte: Moura, 2014.
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Tabela 3: Média das reduções nas MTAs para os indicadores analisados. Fonte: Moura, 2014.
que o gramado quanto à mitigação das cargas difusas para todos os
conjuntos de indicadores, com exceção da alcalinidade, para a qual
se considerou a menor redução na MTA como variável de melhoria
da qualidade dos escoamentos. Essa maior eficiência do jardim foi
verificada, inclusive, para os grupos de parâmetros em que o gramado
apresentou melhor desempenho quanto às concentrações.
Ao validar o protótipo de biorretenção como solução possível,
estima-se que seu uso extensivo pode contribuir tanto nos processos
de prevenção da degradação ambiental dos corpos hídricos
receptores, como nos de despoluição e recuperação de córregos e rios
urbanos, o que não ocorre com a aplicação do modelo de drenagem
tradicionalmente empregado nas cidades brasileiras, como São
Paulo e sua região metropolitana. A avaliação conduzida neste
trabalho, contudo, refere-se a uma ação pontual, cuja capacidade
em mitigar os efeitos da poluição difusa é limitada, mas que pôde
ser quantificada justamente por se tratar de um caso isolado e
passível de ser monitorado, sem interferências ou manipulações
sobre os escoamentos, procedimentos geralmente utilizados em
experimentos para testar sistemas de biorretenção na remoção de
poluentes das águas pluviais.
A partir da avaliação do desempenho de uma solução mais
sustentável e resiliente para o manejo das águas de chuva, essa
pesquisa assume um viés pragmático nessa busca, consolidando
respostas substanciais e cientificamente respaldadas que podem,
finalmente, dar oportunidade de diálogo acerca de alternativas
eficientes para a drenagem urbana. Entende-se que essas respostas
são apenas uma parte das elucidações que esse experimento e sua
linha de pesquisa podem oferecer sobre a questão das águas de
chuva nas cidades. Mais informações poderão ser obtidas com a
continuidade do monitoramento do modelo ou mesmo a partir de
uma nova análise dos dados compilados nessa pesquisa, sob a luz de
novas variáveis ou métodos.
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REFERÊNCIAS
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LE COUSTUMER, S., FLETCHER, T.D., DELETIC, A., BARRAID, S., LEWIS,
J. F. Hydraulic performance of biofilter systems for stormwater
management: influences of design and operation. J. Hydrol., 376 (1–
2), 2009, p. 16–23.
PGC. Bioretention manual. In: D.A. Winogradoff (Ed.), Programs & Planning
Division, Department of Environmental Resources. Prince George’s
County, MD, 2000.
READ, J.; WEVILL, T.; FLETCHER, T.; DELETIC, A.Variation among plant
species in pollutant removal from stormwater in biofiltration systems:
Water Research, v. 42, p. 893-902, 2008.
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Capítulo 3
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INTRODUÇÃO
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por Torrico (1974), é possível encontrar diferenças de 7,5 a 54% nos
valores de intensidade da chuva estimada, em relação àquelas que
seriam obtidas com o emprego das equações IDF. Oliveira et al.
(2000), comparando as estimativas de chuvas obtidas por meio da
desagregação da chuva, utilizando as relações apresentadas pela
CETESB (1986), com aquelas obtidas com equações IDF, encontraram
erros relativos abaixo de 15%.
Diante da disparidade de resultados encontrados na literatura,
associados ao emprego da metodologia de desagregação das
chuvas, este trabalho buscou avaliar, de maneira comparativa, se a
metodologia baseada na relação entre durações apresenta diferenças
significativas com relação ao emprego das IDF locais. A investigação
foi realizada para a cidade de Santa Maria-RS, embora a metodologia
empregada possa ser extrapolada para análises semelhantes em
outras localidades.
2. MATERIAL E MÉTODOS
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Ainda, utilizando os dados da FEPAGRO do período de 1963 a
1989, Eltz et al. (1992) determinaram as precipitações máximas para o
município de Santa Maria-RS, com as durações de 10, 20 e 30 minutos
e 1, 2, 4, 6, 8, 12, 24 e 48 horas. Estes dados, ampliados neste estudo
a partir de novas informações disponibilizadas pela FEPAGRO, foram
utilizados para a determinação das relações médias entre durações (d)
para os valores de precipitações máximas. Para isso, foi adotado como
parâmetro a chuva média de 24 horas (P24) de duração, resultando
em Pd/P24 para ser comparados no mesmo período utilizado na
elaboração da equação de (Belinazo, 1991).
Assim, a relação média para a duração de 10 minutos (P10/
P24), por exemplo, foi obtida considerando a média de todas as
chuvas máximas anuais que têm duração de 10 minutos, dividida pela
média das chuvas máximas anuais com 24 horas de duração. Neste
procedimento, a relação Pd/P24 não está associada à frequência de
ocorrência do evento chuvoso, podendo ser aplicada na estimavtiva
de evento com qualquer frequência de ocorrência desejada, conforme
sugerem Bertoni e Tucci (2000).
Posteriormente, foi realizado o ajuste de uma distribuição
probabilística de extremos do tipo Gumbel (Chow et al., 1988) ao
conjunto de dados de chuvas máximas anuais com 24 horas de
duração seguindo a mesma metodologia aplicada na construção da
IDF do local; isso permitiu determinar para cada valor da precipitação
máxima anual de 24 horas de duração, o período de retorno (TR)
associado: 2, 5, 10 e 100 anos, resultando na P24TR.
Na sequência, foi aplicada a relação entre durações de chuva
para diferentes durações sub-diárias (Pd/P24) para as chuvas
máximas diárias associadas aos TR previamente definidos (P24TR),
o que permitiu estimar o volume de chuva com intervalo sub-diário,
associado aos diferentes TR e durações, com base na chuva máxima
diária (PdTR).
Para comparar os resultados obtidos com aqueles que teriam
sido gerados a partir da IDF do local, a equação 1 foi utilizada para
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gerar eventos de chuva (Pidf) com igual duração e TR aos utilizados
na análise do método da relação entre durações. Finalmente, foi
avaliado o percentual de concordância entre a estimativa com base
no método da relação entre duração e o resultado da IDF, por meio da
relação entre a PdTR e Pidf.
Como na estimativa da relação entre durações normalmente se
utiliza a média dos valores observados ao longo dos anos, também
foi realizada a estimativa da relação entre durações considerando o
TR associado a elas (PDTR/P24TR). Para isso, ao invés de considerar a
média de todas as chuvas máximas anuais que têm mesma duração,
seguindo o procedimento previamente apresentado, foi determinado
o valor de TR para cada valor máximo anual na duração analisada, por
meio da equação de Gumbel. Isso permitiu vincular o TR diretamente
ao volume de chuva e sua duração, e este valor foi relacionado com a
chuva de 24 horas de duração e mesmo TR.
Esta última análise foi realizada com o objetivo de verificar se há
diferença na relação entre durações das precipitações máximas para
diferentes TR, ou se é possível utilizar diretamente a Pd/P24, leia-se:
Pd/P24., como sugerem Bertoni e Tucci (2000) e Chen (1983).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
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Figura 1. Valores das relações entre durações (Pd/P24) em cada ano analisado.
Duração da chuva
10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h 24 h
min. min. min.
Relação 16,2 24,9 31,9 42,5 54,0 66,7 76,7 83,3 89,1 100,0
(%)
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O Quadro 3 apresenta os valores de precipitação máxima com
durações sub-diárias obtidas diretamente a partir do uso da equação IDF.
Os volumes das chuvas obtidas por meio de ambas metodologias
estão apresentados graficamente na Figura 2, de maneira a facilitar
a comparação dos resultados. No Quadro 4 é apresentada a relação
percentual da PdTR, com relação à Pidf.
100 43,48 63,02 76,28 102,46 134,20 173,34 200,59 222,26 256,57 327,35
10 27,67 39,26 46,85 61,28 78,03 97,90 111,35 121,87 138,25 171,18
5 24,12 33,99 40,37 52,37 66,10 82,17 92,96 101,35 114,34 140,26
2 20,09 28,05 33,12 42,48 52,98 65,05 73,05 79,23 88,73 107,46
Figura 2 – Precipitação máxima para diferentes TR, obtidas pelas PdTR e Pidf.
- 54 -
Quadro 4 – Relação % entre as precipitações geradas pela relação
entre durações (PdTR) e a IDF (Pidf) (relação entre as informações dos
quadros 2 e 3)
Duração da chuva
TR 10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h 24 h
min. min. min.
100 75,36 79,93 84,55 83,83 81,18 77,65 77,20 75,63 70,12 61,68
10 91,91 99,59 106,86 108,81 108,37 106,72 107,96 107,08 101,02 91,55
5 91,79 100,14 107,93 110,82 111,36 110,66 112,56 112,07 106,31 97,26
2 89,34 98,35 106,66 110,74 112,62 113,31 116,10 116,21 111,05 102,89
- 55 -
é apresentado o coeficiente de desagregação sem a associação
ao TR (Pd/P24), para fins de comparação, e a diferença percentual
na penúltima linha. A última linha apresenta os coeficientes de
desagregação apresentados no manual da CETESB (1986), e
considerados como valores médios válidos para todo o Brasil.
Duração da chuva
TR
10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h
min. min. min.
Desvio 0,000 0,002 0,001 0,010 0,022 0,041 0,048 0,030 0,018
Média
PDTR/P24TR 0,154 0,241 0,303 0,382 0,473 0,566 0,662 0,766 0,850
Pd/P24 0,162 0,249 0,319 0,425 0,540 0,667 0,767 0,833 0,891
Diferença -5,2 -3,3 -5,3 -11,3 -14,2 -17,8 -15,9 -8,7 -4,8
(%)
Pd/P24
CETESB 0,167 0,252 0,311 0,420 - - 0,720 0,780 0,850
- 56 -
Conforme se verifica, não foram observadas variações
significativas no coeficiente de desagregação da chuva, ao considerar
a análise com diferentes TR para uma mesma duração. As maiores
diferenças encontradas foram para as durações de 2, 4 e 6 horas,
enquanto as menores diferenças estiveram relacionadas às menores
durações (10, 20 e 30 minutos).
Comparando a PDTR/P24TR com a Pd/P24, verifica-se que,
ao associar a probabilidade de ocorrência às diferentes durações
anuais, o volume de chuva estimado seria ligeiramente inferior. Para
as durações de 10, 20, 30 minutos, assim como para 8 e 12 horas, a
chuva estimada a partir da PDTR/P24TR seria, em média, 5% inferior,
enquanto para as demais durações a subestimativa é da ordem de
15%. Verifica-se também que tanto a PDTR/P24TR quanto a Pd/P24
possuem coeficientes de desagregação muito próximos daqueles
apresentados pela CETESB, como um valor médio para o Brasil. No
Quadro 6 é apresentado percentual entre a chuva estimada utilizando
a relação PDTR/P24TR (PDTR) e a chuva estimada utilizando a relação
IDF (Pidf).
Duração da chuva
TR
10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12h 24h
min min min
100 73,41 79,19 82,36 77,36 73,06 67,77 68,41 71,44 68,74 63,36
10 89,53 98,67 104,10 100,40 97,54 93,14 95,67 101,15 99,03 94,05
5 89,42 99,22 105,14 102,26 100,22 96,59 99,74 105,86 104,21 99,91
2 87,03 97,45 103,90 102,19 101,36 98,90 102,89 109,77 108,86 105,70
Quanto mais próximo a 100%, mais próximo da precipitação obtida pela IDF (PIDF) foi
o resultado da PDTR
- 57 -
Com as precipitações obtidas por meio da relação PDTR/P24TR,
houve uma subestimativa de valores com relação àqueles obtidos
com a Pidf na maioria dos casos, que também foram inferiores aos
valores obtidos com a utilização da relação Pd/P24 (Quadro 4). Para
os TR de 2, 5, 10 anos a subestimativa com relação à Pidf variou entre
0,1% e 12,2%, enquanto para o TR de 100 anos a diferença foi superior,
entre 16,9% e 31%. Esta maior diferença já era esperada, refletindo as
incertezas associadas ao processo de extrapolação para o valor de TR
de 100 anos.
4. DISCUSSÃO
- 58 -
(PDTR/P24TR) que melhorasse a estimativa da chuva, quando
comparado com o produto da IDF. Assim, os coeficientes de
desagregação médios (Pd/P24) podem ser utilizados para qualquer
TR, sem alterar significativamente o valor obtido, exceto para um TR
de 100 anos.
Observa-se, portanto, que a metodologia das relações entre
durações produziu resultados confiáveis para o posto localizado
na cidade de Santa Maria/RS, desde que utilizada para estimar
precipitações cujos tempos de retorno e duração estejam contidos
na série de dados observados. Contudo, as relações apresentadas
devem ser aplicadas com cautela, uma vez que o comportamento
pluviométrico pode ser variável no perímetro municipal, embora
os valores obtidos neste trabalho estejam em consonância com os
valores médios brasileiros apresentados pela CETESB (1986).
5. CONCLUSÃO
- 59 -
desagregação obtidos neste estudo possuem valor muito próximo
àqueles apresentados como uma média para o Brasil (CETESB, 1986),
sugerindo a validade da metodologia generalizada.
Maiores incertezas no processo de estimativa da chuva sub-
diária a partir da relação entre durações estiveram associadas às
chuvas com períodos de recorrência elevados como o de 100 anos.
Esse resultado era esperado, diante da incerteza na extrapolação
de valores de chuva para períodos de recorrência que superem a
extensão da série.
Assim, embora os resultados obtidos por meio da IDF e relação
entre durações mostrarem-se similares, o emprego da metodologia
das relações entre durações deve ser realizado com algumas ressalvas,
especialmente para maiores períodos de recorrência, uma vez que se
faz necessário conhecer o comportamento pluviométrico do local.
Esse conhecimento é possível com o monitoramento, sendo que sua
falta é justamente o que leva à utilização da metodologia avaliada
neste estudo.
- 60 -
REFERÊNCIAS
BACK, A.J. Relações entre precipitações intensas de diferentes durações
ocorridas no município de Urussanga-SC. Revista Brasileira de
Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande. v.13, n.2, p.170-
175, 2009.
- 61 -
TORRICO. J. J. T. Práticas Hidrológicas. Rio de Janeiro: Transcom,120 p, 1974.
- 62 -
Capítulo 4
Carina Furusho
Quentin Stomp
Charles Perrin
Maria-Helena Ramos
- 63 -
- 64 -
INTRODUÇÃO E ESCOPO
- 65 -
previsão e, potencialmente, contribuir para identificar oportunidades
de melhoria de sua eficiência.
O primeiro passo incontornável de uma análise de “feedback”
na previsão de eventos hidrológicos é o controle de qualidade dos
principais dados disponíveis, que, nos modelos hidrológicos em geral,
são os dados de chuva e de vazão. A literatura é abundante em métodos
de avaliação de dados observados. Por exemplo, Kondragunta e
Shresta (2006) introduziram um método em quatro etapas para validar
dados de precipitação, consistindo de: 1 - detecção automática de
erros grosseiros de transmissão, 2 - verificação de condições limites,
3 - coerência com dados de estações vizinhas e 4 - verificação humana
especialista. Kondragunta (2001) propõe um índice de consistência
espacial para identificar dados aberrantes de precipitação (“outliers”).
Sun et al. (2011) apresentam uma síntese abrangente sobre métodos
de validação de dados hidrológicos, comparando diferentes
abordagens de detecção e de correção de erros nos dados medidos. As
abordagens incluem, entre outros, métodos estatísticos de detecção
de desvios, análises de valores extremos e métodos de estatística
multivariada a partir da análise de componentes principais. As opções
de correção de erros mais comuns são os métodos de interpolação,
atenuação, reconciliação de dados e “data mining”. Os autores
enfatizam a necessidade de desenvolver processos mistos, usando
ambos os métodos de validação, automáticos e manuais, de maneira
equilibrada e complementar.
Uma vez que os dados observados são validados, o segundo
passo consiste em verificar a pertinência do modelo utilizado. No caso
de um modelo de transformação chuva-vazão baseado em parâmetros
a serem calibrados, é preciso avaliar a pertinência dos valores usados.
Entretanto, é preciso considerar que diferentes conjuntos de valores
dos parâmetros, e não um único conjunto ótimo, podem produzir
ajustes satisfatórios entre dados simulados e dados observados. A
não-singularidade da calibração, ou equifinalidade, pode ser explorada
para agregar incertezas às predições (Beven e Freer, 2001). Métodos
- 66 -
manuais de calibração sofisticados podem resultar em excelentes
calibrações (Anderson, 1997), mas o processo exige experiência e
tempo, principalmente se o modelo possui muitos parâmetros. Vários
trabalhos apresentam técnicas para tornar mais rápido e eficiente
o processo de calibração automática dos modelos hidrológicos,
tanto na busca do critério estatístico ideal a ser otimizado (James e
Burges, 1982; Bravo et al., 2009) como nos esforços para desenvolver
melhores algorítimos de otimização (Brazil, 1988; Dual et al., 1992).
Por exemplo, Boyle et al. (2000) desenvolveram um método de
calibração automático combinando estratégias usadas em calibração
manual para selecionar as soluções “hidrologicamente” coerentes.
Segundo eles, essa abordagem garante um teste mais robusto que o
uso de um único critério estatístico que agrega erros em uma ampla
gama de comportamentos hidrológicos, praticado em calibrações
puramente automáticas. Enfim, dentro de um contexto amplo de
análise da pertinência de um modelo hidrológico, Sarmento e Koide
(2009) propõem um método de confirmação do modelo hidrológico,
organizando as ferramentas disponíveis para o aprimoramento,
análise e quantificação do desempenho do modelo.
No presente artigo, nós mostramos como um modelo
confirmado e utilizado operacionalmente há anos ainda pode ser
aprimorado pelo diagnóstico de falhas de previsão. Primeiramente,
apresentamos o modelo GRP, que é o modelo hidrológico utilizado no
estudo de caso que é descrito em seguida. Este se refere à previsão
das cheias de 2013 em quinze rios situados à montante da bacia
hidrográfica do rio Sena em Paris (França). O método proposto para
realizar o diagnóstico de falhas é apresentado, seguido dos principais
resultados obtidos. O artigo é concluído com uma discussão sobre os
benefícios do método proposto para integrar sistematicamente as
análises pós-eventos de falhas dos sistemas de previsão hidrológica.
- 67 -
2. METODOLOGIA E ESTUDO DE CASO
- 68 -
reservatório de transferência e uma função auto-regressiva de erros.
O trabalho de Berthet et al. (2009) mostra que o método de redes
neurais artificiais pode ainda melhorar as correções pela assimilação
dos dados de vazão em tempo real de maneira significativa em alguns
casos.
RESERVATÓRIO
E P DE NEVE
INTERCEPÇÃO DERRETIMENTO
En Pn
Pn-Ps
Es Ps
RESERVATÓRIO DE
UMIDADE
Pr
PERC AJUSTEMENTO DO
VOLUME (CORR)
Pr*CORR
HIDROGRAMA
UNITÁRIO (TB)
Q
VAZÃO
ASSIMILAÇÃO RESERVATÓRIO
OBSERVADA
DE
TRANSFERÊNCIA
( ROUT)
ERRO
PRECEDENTE
^
VAZÃO PREVISTA Q
- 69 -
Diversas pesquisas foram e têm sido conduzidas visando
aprimorar o desempenho do modelo e enriquecê-lo com novas
funcionalidades. Em paralelo, busca-se igualmente re-adaptar o
sistema de previsão à partir da experiência dos previsores dos centros
operacionais responsáveis pelos alertas à cheias. Esta interação
tem se revelado uma fonte de reflexão muito rica para trabalhar
novas formas de desenvolver tanto o modelo e suas representações
matemáticas, como o produto operacional que servirá de base para
a tomada de decisão do previsor. O estudo de caso a seguir ilustra
esse processo, partindo de uma análise de pós-evento do sistema de
previsão hidrológica utilizado por mais de 5 anos em um serviço local
de previsão de cheias.
- 70 -
Tabela 1: Principais características das bacias (EARM: Erro relativo
absoluto médio em validação no processo de calibração do modelo)
Exutório da bacia hidrográfica Área (km²) Tempo de resposta (h) ERAM (%)
Yonne @ Dornecy 781 18 9.65
Beuvron @ Ouagne 264 12 11.85
Serein @ Dissangis 643 18 12.55
Armancon @ Brianny 222 6 11.55
Brenne @ Montbard 732 9 6.90
Armancon @ Aisy 1350 12 9.25
Loing @ Montbuy 409 18 14.05
Aveyron @ La Chapelle 99 12 12.45
Ouanne @ Toucy 153 6 12.50
Ouanne @ Charny 562 18 13.40
Bezonde @ Pannes 339 12 12.90
Orge @ Morsang 922 6 11.00
Marne @ La Ferté 8818 24 6.00
Grand Morin 770 9 11.15
Seine @ Austerlitz 43800 48 9.20
1 http://www.meteofrance.fr/climat-passe-et-futur/bilans-climatiques/
bilan-2013/bilan-climatique-de-l-annee-2013
- 71 -
inapropriados em consequência de uma calibração ineficaz, ou ainda
de uma inadequação da estrutura do modelo para certas bacias e/
ou certos eventos. A metodologia proposta na próxima sessão foi
aplicada para identificar a causa principal das falhas de previsão
observadas.
- 72 -
qualidade dos cenários de precipitação, como também dos dados
de vazão assimilados, com o cuidado de considerar um eventual
impacto de barragens a montante e a qualidade das curvas-chave,
principalmente para as vazões mais altas que podem estar sujeitas a
problemas de extrapolação. Todas estas questões foram analisadas
em colaboração com o centro local de previsão de cheias. Este
forneceu todas as séries temporais de dados observados, bem como
as previsões de precipitação e as imagens de radar da Météo France.
Como a quantidade de dados a serem analisados é relativamente
pequena e podia ser avaliada por profissionais experientes do serviço
de previsão, o processo de validação manual foi aplicado, como é feito
na maioria dos casos em condições similares (Jorgensen et al., 1998).
Na segunda fase do estudo, buscou-se testar e reavaliar
diferentes estratégias de calibração para verificar se exisitiria um
jogo de parâmetros capaz de fornecer melhores previsões de
cheias extremas, sem, no entanto, degradar o desempenho do
modelo no caso de cheias mais frequentes ou impactar o tempo de
processamento dos cálculos, que é essencial no contexto operacional
em que o modelo é utilizado. Utilizou-se a função objetivo baseada
na soma dos erros quadráticos (RMSE, equação 1), pois ela tende
a enfatizar a minimização dos resíduos localizados nos picos dos
hidrogramas de cheia (Sarmento e Koide, 2009).
1 n
RMSE Qobs (i L) Q prev (i L)2
n i 1
(1)
onde,
Qobs é a vazão observada
Qprev é a vazão prevista
n é o número de valores da série temporal
i é o instante de previsão e
L é o horizonte de previsão
- 73 -
Como diversos conjuntos de valores de parâmetros podem ser
adaptados para representar o comportamento hidrológico de uma
mesma bacia hidrográfica, podemos esperar que um novo conjunto
de valores seja capaz de melhorar as previsões insatisfatórias, sem
degradar de maneira significativa o desempenho global do modelo.
Na busca desse novo conjunto (ou novos conjuntos) de valores,
testamos diversos métodos de seleção de períodos da série de dados
históricos a serem usados para a calibração. Testamos inicialmente a
calibração usando todos os dados do período completo disponível.
Para enfatizar o ajuste dos dados previstos aos dados observados
localizados nos picos de vazão, realizamos a segunda amostragem
selecionando somente vazões superiores à vazão média. Enfim, a
terceira estratégia testada foi a calibração usando somente dados
de vazões em período ascendente dos hidrogramas, para privilegiar
a dinâmica de aumento do escoamento em detrimento dos períodos
de recessão.
Uma vez que a estratégia de calibração ideal para a amostra
de quinze bacias do estudo de caso foi identificada, verificamos o
caráter generalizável dos resultados obtidos em uma amostra mais
abrangente de 202 bacias hidrográficas francesas, em diferentes
condições morfoclimáticas (Figura 3). As séries de dados de 10 anos
de chuva, vazão e evapotranspiração utilizadas foram estabelecidas
por Bourgin et al. (2014).
Utilizou-se um indicador de desempenho de interesse
operacional que compara as previsões efetuadas pelo modelo com as
previsões que seriam fornecidas pour um modelo “naïf” de persistência
(Kitadinis e Bras, 1980). No modelo de persistência, no instante i+L,
para todo e qualquer horizonte de previsão L, a vazão prevista é
igual ao último valor de vazão observado no instante i da previsão,
ou seja, Qobs(i). A comparação entre o modelo de previsão e o modelo
de persistência é feita usando os erros quadráticos médios em um
critério adimensional (Eff, equação 2) definido pelo quociente entre
- 74 -
Figura 3. Exemplo de falha de previsão do dia 01/05/2013 no rio Yonne. As linhas
escuras correspondem aos valores de vazão medidos (m3s-1) e as linhas claras às
previsões do modelo GRP. As barras verticais indicam um intervalo de confiança
de 90% calculado pelo método empírico (Bourgin et al, 2014). O nível de alerta é
indicado pela linha horizontal contínua. A linha vertical tracejada indica o instante de
previsão. As chuvas medidas são representadas por hietogramas na parte superior do
gráfico, em mm.h-1
Q (i L) Q prev (i L)
2
Eff 1 i 1
obs
(2)
n
Q (i L) Qobs (i )
2
obs
i 1
- 75 -
Como os valores fortemente negativos do critério de eficiência
Eff são difíceis de interpretar, sobretudo nos cálculos estatísticos em
amostras com um grande número de bacias, uma versão limitada
deste critério foi formulada por Mathevet et al. (2006) e denominada
C2MP. Este novo critério é definido pela expressão:
Eff
C 2MP (3)
2 Eff
3. RESULTADOS
- 76 -
Dornecy (quadros 5c e 5d). Nos exemplos em questão, os erros de
previsão dos picos de vazão poderiam ter sido reduzidos em mais de
50% e, no caso do rio Armançon, essa correção teria permitido prever
a ultrapassagem do nível de alerta de inundação que não foi previsto
pelo modelo com os parâmetros iniciais.
Figura 4. Amostra de 202 bacias hidrográficas na França usada para verificar o caráter
generalizável dos resultados obidos no caso de estudo. As bacias são identificadas em
cinza e os exutórios por círculos. (Bourgin, 2014)
- 77 -
Figura 5. Vazões observadas em linhas cinzas escuras e vazões previstas em cinza
claro. A linha tracejada vertical indica o instante de previsão e a linha contínua
horizontal corresponde ao nível de alerta. A previsão do dia 02/05/2013 às 18h na
estação de Armançon @ Briany (a) usando parâmetros calibrados na série completa
de dados históricos disponíveis e (b) limitando a amostragem em período de aumento
de vazão. Previsão do dia 01/02/2013 às 5h na estação do rio Yonne @ Dornecy (c)
usando parâmetros calibrados na série completa e (d) limitando a amostragem em
período de aumento de vazão.
- 78 -
foi calculada na série completa de dados históricos desta amostra de
202 bacias hidrográficas. A figura 5 mostra que a eficiência global não
é prejudicada pela mudança de amostragem, mesmo considerando
que esta reduz a quantidade de dados usados para a calibração.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 79 -
do modelo, mas somente afinando a estratégia de amostragem da
calibração automática usada em modelos conceituais parcimoniosos.
Este método é também apropriado para testes pré-operacionais
que precedem a implementação de um modelo hidrológico em um
sistema de alerta e previsão de cheias.
- 80 -
Referências
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Calibration Program (ICP), report, Hydrol. Res. Lab., U.S. Natl.
Weather Serv., Silver Spring, Md..
Andréassian, V., Perrin, C., Parent, E., Bardossy, A., 2010. The Court of
Miracles of Hydrology: can failure stories contribute to hydrological
science? Hydrological Sci. J., 55(6): 849-856.
Berthet, L., Andréassian, V., Perrin, C., Javelle, P., 2009. How crucial is it to
account for the antecedent moisture conditions in flood forecasting?
Comparison of event-based and continuous approaches on 178
catchments, Hydrol. Earth Syst. Sci., 13(6), 819-831.
Beven, K., Freer, J., 2001. Equifinality, data assimilation, and data uncertainty
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systems using the GLUE methodology, J. Hydrol., 249, 11–29
Boyle, D. P., Gupta, H. V., Sorooshian, S., 2000. Toward improved calibration
of hydrologic models: Combining the strengths of manual and
automatic methods, Water Resour. Res., 36(12), 3663–3674.
Bravo, J.M., Collischonn, W., Morelli Tucci, C-E., 2009. Calibração automática
de um modelo hidrológico utilizando um algoritmo evolucionário
multiobjetivo. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, 14(3): 37-50.
Furusho, C., Perrin, C., Andréassian, V., Ramos, M-H., 2013. Modelo de
previsão hidrológica: critérios de avaliação e dinâmica da transferência
de resultados de pesquisa aos serviços operacionais na França. XX
Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Bento Gonçalves, Brasil.
- 81 -
by C. T. Haan, H. P. Johnsona, nd D. L. Brakensiekp, p. 435-472, Am.
Soc. of Agric. Eng., St. Joseph, Mich.
Jorgensen H.K., Rosenorn S., Madsen H., Mikkelsen S., 1998. Quality
control of rain data used for urban runoff systems. Water Science and
Technology, 37(11): 113-120.
Mathevet, T., Michel, C., Andréassian, V., Perrin, C., 2006. A bounded version
of the Nash-Sutcliffe criterion for better model assessment on large
sets of basins. IAHS Red Books Series n°307, pp. 211-219.
- 82 -
Capítulo 5
MONITORAMENTO E
MODELAGEM DA QUALIDADE
DA ÁGUA DO ESCOAMENTO
SUPERFICIAL URBANO NAS
BACIAS DOS CÓRREGOS RESSACA
E SARANDI (MINAS GERAIS,
BRASIL)
Talita Silva
Brigitte Vinçon-Leite
Guido Petrucci
Nilo Nascimento
- 83 -
- 84 -
INTRODUÇÃO
- 85 -
sedimentos e poluentes mobilizados pelo escoamento superficial
podem se aderir às superfícies adjacentes ou sedimentar-se e então,
serem removidos do fluxo de escoamento principal. Ainda durante o
transporte e também na rede de drenagem, os poluentes podem ser
transformados por meio de processos químicos e biológicos, como a
biodegradação e a fotólise (GROMAIRE-MERTZ et al., 1998).
Os poluentes mais frequentemente encontrados no escoamento
superficial urbano são os sólidos em suspensão provenientes da
poeira das ruas; a matéria orgânica e os nutrientes presentes nos
resíduos domésticos, na vegetação e nos dejetos animais e; os
metais-traço advindos da circulação de veículos automotores e de
fontes industriais e comerciais. A circulação de automóveis também
é fonte de óleos, graxas e hidrocarburantes (Petrucci et al., 2014).
Além disso, a qualidade das águas escoadas pela superfície de uma
bacia hidrográfica urbana varia significativamente de um local para
outro, em função da intensidade do evento chuvoso, da quantidade
de dias secos que precederam a chuva, das características da rede de
drenagem, das características geomorfológicas, do uso do solo e das
taxas de impermeabilização na área de drenagem (TSIHRINTZIS e
HAMID, 1997).
As atividades antrópicas desenvolvidas em uma bacia
hidrográfica podem influenciar a qualidade da água do escoamento
superficial, em outras palavras, existe uma relação entre o uso do
solo e a poluição do escoamento superficial. No entanto, várias
pesquisas que se dedicaram a estudar esse assunto não obtiveram
sucesso ao tentar quantificar essa relação (e.g. US Environmental
Agency - EPA, 1983; MAESTRE e PITT, 2005; GOONETILLEKE et al.,
2005; HA e STENSTROM, 2003; ZGHEIB et al., 2011; LIU et al., 2013).
Isso se deve à grande variabilidade nas concentrações de poluentes
no escoamento superficial para diferentes eventos chuvosos e de um
local para outro, o que dificulta o estabelecimento de correlações
significativas e gerais entre o uso do solo e o aporte de poluentes. Essa
diversidade de fatores intervenientes na qualidade do escoamento
- 86 -
superficial urbano, somada à carência de protocolos padronizados
para quantificação da poluição transportada dificulta a caracterização
da mesma e também a comparação entre estudos realizados sobre o
assunto.
Em relação à modelagem da qualidade das águas do
escoamento superficial urbano, diferentes abordagens têm sido
desenvolvidas desde a década de 1970 e utilizadas para prever a
dinâmica dos poluentes, quantificar o aporte de poluentes nos meios
aquáticos receptores e dimensionar estruturas destinadas ao controle
da poluição difusa (BORAH e BERA, 2004). Dentre as principais
abordagens desenvolvidas destacam-se os modelos descritos abaixo:
• Modelos estáticos: um valor constante de concentração
de um dado poluente é multiplicado pelo volume do
escoamento superficial durante um certo intervalo de
tempo, fornecendo o aporte total em massa desse poluente.
O valor da concentração constante frequentemente é
adotado igual à concentração média do poluente durante
um ou mais eventos chuvosos (Event Mean Concentration
- EMC), estimada a partir de monitoramento local ou da
literatura. Também pode ser utilizada uma concentração
constante por unidade de tempo e de área, de modo
que o aporte total do poluente seja obtido através da
multiplicação dessa concentração pela área de contribuição,
sendo possível considerar diferentes tipos de uso do solo.
Os dois métodos descritos acima podem ser utilizados
conjuntamente para fornecer aportes em poluentes
ponderados pelo volume do escoamento superficial e
considerando-se ao mesmo tempo o uso do solo. Os
modelos estáticos demandam uma pequena quantidade de
dados e não precisam de informações sobre a rede de águas
pluviais e sobre os fenômenos físico-químicos e biológicos
que podem influenciar no aporte de poluentes. No entanto,
esses modelos têm utilização limitada aos locais para onde
- 87 -
obtiveram-se as concentrações constantes de poluentes.
Exemplos de aplicação podem ser encontrados em
Donigian e Huber (1991).
• Modelos de regressão: a carga poluente é estimada em
função de variáveis explicativas, por exemplo, informações
sobre a chuva, o escoamento superficial, a ocupação do
solo, taxas de impermeabilização, temperatura do ar,
entre outros. Esse tipo de modelo é bastante utilizado
para estimar o EMC de eventos chuvosos para diversos
poluentes e construir curvas chave relacionando vazões e
concentrações de poluentes (e.g. DRIVER e TROUTMAN,
1989). No entanto, com bastante frequência as regressões
obtidas não podem explicar a variabilidade observada de
modo satisfatório em razão da complexidade dos processos
envolvidos no aporte de poluentes e da pouca disponibilidade
de dados. Além disso, os modelos de regressão não são
recomendados para se realizar extrapolações. Apesar
desses inconvenientes, os modelos de regressão são muito
úteis para fornecer estimativas preliminares do aporte de
poluentes no escoamento superficial. Mais recentemente,
aplicaram-se redes neurais na modelagem do escoamento
superficial urbano (PAGOTTO, 1999), sofisticando, assim,
os modelos de regressão.
• Modelos estocásticos: são baseados no fato de que a
transformação chuva-vazão possui uma natureza aleatória.
Diversos estudos sobre a quantificação do EMC revelaram
que o mesmo tem uma distribuição de frequência log-
normal (MAESTRE e PITT, 2005). Quando a distribuição
de frequências do EMC de um dado poluente é acoplada
à distribuição de frequências das vazões do escoamento
superficial (que também pode ser descrita pela distribuição
log-normal), é possível obter a distribuição de frequências
das cargas poluentes formadas durante os eventos
- 88 -
chuvosos (e.g. EPA, 1979; SHELLEY et al., 1987). Os
modelos estocásticos visam, portanto, à análise estatística
dos dados referentes às cargas poluidoras de modo a
determinar a poluição máxima possível de ser lançada no
meio receptor em função de um período de retorno. Além
disso, a distribuição de frequência log-normal do EMC é
também utilizada para determinar incertezas relacionadas
ao seu valor (MCLEOD et al., 2006).
• Modelos complexos determinísticos: são modelos
hidráulicos dotados de diferentes módulos de cálculo para
reproduzir os diversos processos do ciclo hidrológico, tais
como: a transformação chuva-vazão, o escoamento sobre
a superfície da bacia e também os processos de deposição,
lavagem, transporte e transformação dos poluentes
(HUBER, 1986). Vários modelos hidrológico-hidráulicos de
natureza determinística estão disponíveis para simulações
de bacias hidrográficas urbanas, assim como para bacias
rurais. Tsihrintzis e Hamid (1997) e Zoppou (2001) fazem
uma revisão sobre a modelagem hidrológica e descrevem
diversos modelos utilizados na simulação da qualidade da
água do escoamento superficial.
Em especial, no caso dos modelos determinísticos complexos,
um dos principais obstáculos à modelagem do escoamento superficial
reside na dificuldade de obtenção de dados hidrológicos, tais quais,
medidas de precipitação, vazões e concentração de poluentes. Mesmo
quando esses dados estão disponíveis, grandes incertezas inerentes
ao seu processo de medição podem estar presentes e os resultados
obtidos com os modelos não são satisfatórios (GAUME et al., 1998).
Acrescenta-se a isso, a complexidade dos fenômenos envolvidos na
produção, no transporte superficial e nas redes de drenagem e nas
transformações físico-químicas e biológicas dos poluentes que são
representados de forma simplificada nos modelos existentes. De fato,
- 89 -
abordagens clássicas adotadas desde a década de 1970 constituem
a base atual dos modelos e poucos avanços foram realizados nos
últimos anos. Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é contribuir
para o estudo da qualidade da água do escoamento superficial em
bacias urbanas através do monitoramento e modelagem das vazões e
da qualidade da água dos córregos Ressaca e Sarandi (Belo Horizonte,
Minas Gerais) durante eventos chuvosos.
1. METODOLOGIA
- 90 -
Figura 1: Localização das bacias hidrográficas dos córregos Ressaca e Sarandi e das
estações de monitoramento
- 91 -
gov.br), uma campanha de desassoreamento da Lagoa da Pampulha
está em curso, com a previsão de remoção de 800.000 m3 de sedimentos
ao custo de R$ 108 551 825,58. Apesar do estado de degradação de
suas águas, a Lagoa da Pampulha ainda é um dos pontos turísticos e
de referência cultural e arquitetônica mais importante da cidade.
1.2 Monitoramento
- 92 -
coeficiente de rugosidade com o nível d’água no canal, utilizou-se a
equação proposta por Bertrand-Krajewski et al. (2000).
5⁄ 1⁄
ℎ ℎ 2 ℎ 3 ℎ 2
(1)
𝑛𝑛_𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐 = 𝑛𝑛_𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚 𝑠𝑠𝑠𝑠çã𝑜𝑜 [𝑎𝑎 + 𝑏𝑏 × ( ) + 𝑐𝑐 × ( ) + 𝑑𝑑 × ( ) + 𝑒𝑒 × ( ) ]
𝐷𝐷𝑐𝑐 𝐷𝐷𝑐𝑐 𝐷𝐷𝑐𝑐 𝐷𝐷𝑐𝑐
- 93 -
foram agrupadas de modo a gerar, no máximo, 12 novas amostras que
foram analisadas em relação aos mesmos parâmetros mencionados
no início desse parágrafo. No total, seis eventos chuvosos foram
amostrados entre fevereiro e maio de 2013 (28/02, 15/03, 31/03, 08/04,
22/05 e 23/05).
Os dados referentes ao uso e ocupação do solo e às taxas de
impermeabilização na bacia hidrográfica foram obtidos através de
imagens de satélite de alta resolução (data das imagens: 12/02/2013),
utilizando-se o software Google Earth (versão livre 7.1.1.1888). A partir
da interpretação dessas imagens, procedeu-se à vetorização de oito
classes de uso do solo existentes na região: espaços verdes, residencial
unifamiliar, residencial multifamiliar, residencial informal, sistema
viário, industrial, comercial e solo exposto. Os dados obtidos foram
tratados e analisados utilizando-se o software ArcGis (versão10.1)
para determinação das áreas associadas às classes propostas.
1.3 Modelagem
- 94 -
se uma divisão em sub-bacias já adotada em um modelo anterior da
mesma área de estudo (BONNARY, 2011). Os dados de declividade das
sub-bacias e as características da rede de drenagem foram verificados
e atualizados quando necessário.
- 95 -
Number (United States Soil Conservation Service - MCCUEN, 1982)
para o cálculo da chuva efetiva. O escoamento superficial é modelado
segundo a abordagem dos reservatórios não-lineares, onde a relação
não-linear entre a altura de água na superfície da bacia e a vazão de
saída da mesma é representada pela equação de Manning. A vazão
no exutório de uma sub-bacia pode ser encaminhada para outra sub-
bacia ou para um nó que será o ponto de entrada da vazão na rede de
drenagem. Essa última por sua vez, é representada pelos condutos. O
escoamento nos condutos e canais da rede de drenagem é simulado
através das equações de Saint-Venant, cujo nível de complexidade
(onda cinemática ou dinâmica) pode ser escolhido pelo usuário
do modelo em função dos objetivos da simulação. O escoamento
também pode ser simulado considerando-se o regime permanente.
A modelagem das vazões nos córregos Ressaca e Sarandi já foi
apresentada em detalhes em Silva et al. (no prelo) e será brevemente
descrita aqui. Simularam-se separadamente as vazões nos córregos
Ressaca e Sarandi. Optou-se por utilizar o método do Curve Number
para o cálculo da chuva efetiva, sendo necessário atribuir a cada
sub-bacia seu tipo de solo, assim como seu modo de ocupação e
seu estado de umidade no início da simulação. A partir do mapa de
uso e ocupação do solo elaborado para as sub-bacias dos córregos
Ressaca e Sarandi, dos conhecimentos adquiridos durante visitas de
campo na área de estudo e de uma análise dos dados relatados na
literatura e compilados na Tabela 1 determinou-se para cada sub-
bacia uma porcentagem de impermeabilização e um valor do Curve
Number, baseando-se em um solo tipo B que segundo Ramos (1999)
é característico da região de estudo. Para a propagação de cheias nos
canais, adotou-se o modelo da onda dinâmica para ambos os córregos,
uma vez que nessa abordagem as equações de Saint-Venant são
resolvidas sem a adoção de hipóteses simplificadoras, sendo possível
simular efeitos de remanso e situações em que o escoamento torna-
se pressurizado.
- 96 -
As dificuldades e incertezas associadas às medições em campo
dos parâmetros listados a seguir foram as principais razões pelas
quais os mesmos foram selecionados para calibração: as larguras das
sub-bacias, os coeficientes de Manning das superfícies permeáveis
e imperméaveis, os coeficientes de armazenamento superficial para
áreas permeáveis e imperméaveis e o tempo necessário para um solo
totalmente saturado secar. O intervalo de variação de cada parâmetro
foi definido de acordo com Rossman (2010). A calibração das vazões
seguiu a abordagem proposta por Petrucci (2012), de acordo com
a qual um procedimento automático é utilizado em conjunto com
um algoritmo genético já implementado no programa Matlab (The
MathWorks®, versão 2006a), tendo o critério de Nash-Sutcliffe (NASH
e SUTCLIFFE, 1970) como função objetivo.
- 97 -
não são recomendados, por exemplo, quando a função objetivo é
descontínua, não diferenciável ou não-linear. Um algoritmo genético
modifica várias vezes (várias gerações) uma população composta por
vários indivíduos, onde cada um deles representa uma solução para
o conjunto de parâmetros que está sendo calibrado, até que uma
condição limite seja atingida. A cada iteração, o algoritmo avalia a
função objetivo para cada indivíduo da população. Para criar uma nova
geração três procedimentos podem ser seguidos pelo algoritmo: (i)
a permanência de alguns indivíduos (os melhores adaptados); (ii) o
cruzamento de dois indivíduos para a formação de um novo indivíduo
e; (iii) a mutação, onde um novo indivíduo mantém apenas parte de
suas características originais. Esse último procedimento garante a
convergência do algoritmo em direção a uma solução ótima global e
não local.
Para os parâmetros supramencionados, procedeu-se à
calibração do modelo com os dados disponíveis entre 29/01/2012 a
30/06/2012 para o córrego Ressaca e entre 18/11/2011 a 30/06/2012
para o córrego Sarandi. A validação do modelo foi realizada com
dados obtidos entre 01/07/2012 a 04/06/2013 para o córrego Ressaca e
entre 01/07/2012 a 15/02/2013 para o córrego Sarandi.
(2)
- 98 -
(3)
- 99 -
Para a simulação da qualidade da água é necessário determinar
os tipos de usos do solo em cada sub-bacia. Para cada uso do solo e
para cada poluente, o usuário do modelo deve definir os parâmetros
das equações de acumulação (Facu e dec) e de lavagem (w e wpo).
Além disso, é possível inserir informações sobre fontes pontuais de
poluição, concentração do poluente na chuva e no escoamento de
base. Maiores detalhes sobre o modelo são apresentados por Huber
(1992) e exemplos de aplicação são encontrados em Gironás et al.
(2009).
Nesse estudo, após a calibração e validação do módulo de
transformação chuva-vazão, passou-se à simulação da qualidade da
água do escoamento superficial. Os dados referentes à qualidade da
água durante eventos chuvosos foram obtidos após a confluência
dos córregos Ressaca e Sarandi. Assim, a modelagem da qualidade
da água foi realizada para esse ponto, utilizando-se a soma das
vazões já simuladas por SWMM para os dois córregos. Os sólidos
suspensos totais e os nutrientes NH4+, NO3- e Ptotal foram selecionados
para a modelagem devido a sua relevância para a qualidade das
águas da Lagoa da Pampulha. A concentração desses poluentes na
vazão de base foi determinada a partir da média dos resultados das
campanhas pontuais realizadas durante tempo seco (Tabela 2). Os
parâmetros empíricos Facu, dec, w e wpo foram calibrados, dentro
de um intervalo de variação proposto na literatura utilizando-se o
mesmo procedimento automático descrito acima para a simulação
chuva-vazão, no entanto, a raiz quadrada do erro médio quadrático
(root mean square error - RMSE) foi empregada como função objetivo.
Os eventos chuvosos dos dias 28/02, 15/03 e 08/04 foram utilizados na
calibração do modelo e os demais, em sua validação.
- 100 -
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
- 101 -
problema da otimização local é contornado no presente estudo graças
à utilização de um algoritmo genético que fornece soluções ótimas
globais. Por outro lado, a insensibilidade do modelo à calibração foi
observada nesse trabalho, uma vez que mesmo após 1.200 simulações,
o modelo não mostrou avanços consideráveis em seu desempenho.
Em uma segunda tentativa de calibração, com o objetivo de
contornar o problema de correlação entre os parâmetros adotou-
se a proposta de Petrucci e Bonhomme (2014), segundo a qual um
dos parâmetros a ajustar é calibrado para cada sub-bacia e não para
cada uso do solo. Destaca-se que para viabilizar essa abordagem no
SWMM um uso do solo deve ser criado para cada sub-bacia o que
acarreta um aumento no número de parâmetros a calibrar. Após
algumas simulações iniciais, definiu-se que o parâmetro wpo seria
calibrado para cada sub-bacia uma vez que o desempenho do modelo
mostrou-se mais sensível a esse parâmetro. Os resultados obtidos
mantiveram-se insatisfatórios (Tabela 3), o RMSE normalizado variou
entre 0,13 para os sólidos suspensos (calibração) e 0,48 para o NO3-
(validação). Além disso, constatou-se que em ambas tentativas de
calibração os parâmetros das equações de acumulação e lavagem do
NH4+ assumiram valores próximos a zero, sugerindo que o escoamento
superficial não é fonte relevante desse poluente nas bacias em estudo.
- 102 -
Uma última tentativa de calibração foi realizada elevando-se o
número de simulações para 2.250. Para o NH4+, adotou-se valores nulos
para os parâmetros das Equações 2 e 3, de modo que a concentração
desse poluente no escoamento superficial passou a ser função apenas
da vazão e de sua concentração no escoamento de base. Os valores
obtidos para cada parâmetro na 3a tentativa de calibração são
mostrados na Tabela 4, com seus respectivos intervalos de variação.
- 103 -
nº 2, a redução do valor do RMSE na calibração não é observada
na validação, indicando que o aumento no número de parâmetros
a calibrar causou uma sobreparametrização do modelo para esse
poluente. Na verdade, nos modelos hidrológicos semi-espacializados
como SWMM, onde os parâmetros são calibrados para cada sub-bacia,
o número total de parâmetros a calibrar pode facilmente se aproximar
de uma centena. Modelos com um elevado número de parâmetros para
calibrar a partir de poucos dados observados possuem uma capacidade
preditiva limitada e por isso, o desempenho do modelo na validação do
NO3- se deteriorou.
A título de ilustração, a Figura 4 mostra a comparação entre
dados observados e simulados em oito polutogramas de um total de
24 (seis eventos chuvosos, com quatro polutogramas em cada um). Os
polutogramas apresentados na coluna da esquerda mostram uma maior
aproximação entre os resultados do modelo e os dados observados.
Nos polutogramas na coluna da direita, ao contrário, as concentrações
simuladas são quase constantes ao longo do tempo e não acompanham
as variações observadas nas concentrações das medidas. Em alguns casos,
como no polutograma dos SST do dia 23/05/2013, o modelo fornece valores
até cinco vezes inferiores às concentrações observadas em campo.
Na figura 5, as concentrações simuladas de cada poluente são
plotadas contra as concentrações observadas. Nessa figura, a linha
pontilhada representa a relação 1:1, dessa forma, nos pontos localizados
acima da linha, o modelo superestima as concentrações observadas
e, nos pontos abaixo da mesma, o modelo as subestima. Observa-se
que os resultados mais razoáveis foram obtidos para o NH4+ e os SST,
sendo que no caso desse último, na maior parte do tempo, o modelo
subestimou as concentrações observadas. As concentrações em NO3-
e Ptotal, no entanto, não são bem representadas pelo modelo que,
respectivamente, subestima e superestima as observações realizadas
em campo.
Os resultados pouco satisfatórios obtidos na modelagem da
qualidade da água do escoamento superficial nesse estudo não são um
- 104 -
caso isolado. Quando se trata desse tipo de modelagem na escala da
bacia hidrográfica, vários estudos já demonstraram que a aptidão dos
modelos em reproduzir as concentrações dos poluentes ao longo de
um evento chuvoso é fraca. Por exemplo, coeficientes de Nash-Sutcliffe
entre -0,01 e 0,46 foram reportados por Dotto et al. (2011) e Petrucci e
Bonhomme (2014). De acordo com esses autores, a variabilidade espaço-
temporal dos processos de acumulação e lavagem seria a responsável
pelos desempenhos medíocres de modelos como SWMM aplicados
na escala da bacia. Recentemente, melhorias na representação dos
processos de acumulação de poluentes durante o tempo seco (LIU et
al., 2013) e de lavagem dos poluentes sobre a superfície da bacia durante
as chuvas (WANG et al., 2011) foram propostas. No entanto, essas
modificações ainda não foram implementadas nos modelos existentes.
Além disso, a obtenção de dados de vazão e qualidade da água do
escoamento superficial é árdua e, por isso, a quantidade de dados
disponíveis para a calibração e validação dos modelos determinísticos é
frequentemente limitada.
3. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS
- 105 -
Figura 4: Concentração simulada pelo modelo (linha) e concentração observada dos
poluentes (círculos) Ptotal, SST, NH4+ e NO3- na tentativa de calibração nº3.
Ptotal SST
4
1000
3 800
600
2
Concentração simulada (mg.L-1)
400
1
200
0 0
0 1 2 3 4 0 200 400 600 800 1000
NH4 NO3
15 5
4
10
3
2
5
1
0 0
0 5 10 15 0 1 2 3 4 5
Concentração observada (mg.L-1)
- 106 -
das vazões conduziu a resultados suficientemente satisfatórios, ao
contrário do modelo de qualidade da água que mostrou-se pouco
sensível às várias tentativas de calibração dos parâmetros, em
especial, no caso do NO3-.
A complexidade e a variabilidade dos fenômenos implicados
na produção e no transporte dos poluentes dentro de uma bacia
hidrográfica é representada de maneira muito simplificada no SWMM,
assim como é o caso de outros modelos determinísticos complexos.
Dessa forma, mesmo utilizando-se de métodos de otimização
sofisticados e dispondo de razoável capacidade computacional não é
possível obter bons resultados. Para avançar nesse tipo de modelagem,
torna-se essencial promover o monitoramento de longo prazo de
bacias hidrográficas urbanas buscando melhor compreender os
mecanismos envolvidos na formação da poluição difusa proveniente
do escoamento superficial.
Atualmente, pesquisadores e gestores ligados ao manejo das
águas em meio urbano estão sendo confrontados com desafio de
lidar com as incertezas trazidas por mudanças que ocorrem tanto em
escala global (e.g.: mudanças climáticas), como em escala local (e.g.:
urbanização, impermeabilização das superfícies, mudança no uso
de solo). Nesse contexto, os modelos de simulação da qualidade da
água do escoamento superficial podem ser utilizados para minimizar
essas incertezas, por exemplo, por meio da construção de cenários
representando possíveis mudanças globais e/ou locais na bacia
hidrográfica e, posterior simulação dos impactos causados sobre
os meios aquáticos receptores. Ações estruturais e não-estruturais
visando mitigar os impactos sobre os corpos d’água também podem
ser incluídas nos cenários mencionados, assim como é possível
proceder à análise custo-benefício da implementação dessas ações.
Dessa forma, a modelagem do escoamento superficial urbano deve
ser encarada como uma ferramenta que possui grande potencial
para contribuir na elaboração de estratégias de gestão das bacias
hidrográficas urbanas e de seus respectivos corpos d’água receptores.
- 107 -
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- 113 -
- 114 -
Capítulo 6
QUALIDADE DA ÁGUA
SUBTERRÂNEA UTILIZADA
PARA CONSUMO HUMANO
EM ÁREA DO ENTORNO DO
CEMITÉRIO DO CAMPO SANTO
EM SALVADOR-BA
- 115 -
- 116 -
INTRODUÇÃO
- 117 -
comunidades vivem no entorno das áreas de influência de cemitérios
e se utilizam de recursos como água de poços como forma de
suprir ou complementar o abastecimento para o consumo humano.
Almeida et al. (2006) indicam que resultados de estudos alertam
para a necessidade de se promover investigações sistemáticas,
principalmente, em áreas residenciais próximas a cemitérios, onde há
exploração de água por meio de fontes e poços rasos como soluções
alternativas de abastecimento.
No País, 15,6% dos domicílios utilizam água subterrânea
exclusivamente para consumo humano e atendimentos de suas
necessidades (IBGE, 2010). Em geral as pessoas não têm consciência
da dimensão da problemática acerca dos cemitérios (MARCOMINI;
CASTRO, 2010). Em São Paulo, Romanó (2005) observou a ocorrência
dos patógenos causadores de poliomielite e hepatite em poços
de profundidades da ordem de 40 a 60 metros, mostrando que a
contaminação pode chegar a grandes profundidades e extensão,
comprometendo toda uma região que está sendo abastecida com
aquele aquífero, podendo essa água contaminada gerar riscos à saúde
quando utilizada para fins de consumo humano. Doenças Relacionadas
à Água (DRA) de notificação compulsória, como febre tifoide1, são
subnotificadas. Nem sempre ocorre investigação das fontes e vias
de contaminação, o que, no caso das gastrenterites e diarreias, torna
difícil atrelar a causa da enfermidade com a água contaminada com
microrganismos e substâncias provenientes do necrochorume, caso
haja exposição a esta fonte de contaminação. Foi encontrado apenas
um caso de febre tifoide em Salvador no período de 2007 a 2012
(BRASIL, 2014), mas este tipo de doença, aparentemente controlada
ou erradicada, pode se tornar reemergente, caso haja falhas nos
processos de abastecimento ou uso de água de qualidade duvidosa,
especialmente em locais vulneráveis. Vale ressaltar que vários fatores
influenciam na incidência e prevalência de uma patologia, traduzindo
- 118 -
a relação entre perigo e risco: condições de saúde do indivíduo
exposto, faixa etária, condições de nutrição e imunidade, além da
concentração ingerida do organismo e da dose infecciosa mínima
requerida para o início da doença.
Segundo Resolução CONAMA no 335/2003, no Brasil há o
controle na implantação de cemitérios a partir de 2003, entretanto,
para os cemitérios existentes até este ano não existe critérios
adequados, o que é agravado pela falta de acompanhamento das
diferentes esferas do Poder Público que atribuem umas às outras a
competência para esse fim. Essa negligência por parte dos órgãos
competentes em definir algumas medidas quanto à adequação das
necrópoles existentes até 2003, pode gerar maior impacto ambiental
nas águas subterrâneas (BRASIL, 2003, 2008a). A respeito deste
assunto, acredita-se que o problema não está na atividade em si,
mas na escolha equivocada e displicente das áreas para implantação
de necrópoles. Percebe-se que em muitas delas há vulnerabilidade
ambiental, o que acarreta risco de contaminação para o solo, água
subterrânea e para as pessoas que vivem no seu entorno. O caso do
cemitério do Campo Santo, em Salvador-Bahia, cemitério horizontal,
caracterizado como do tipo tradicional e de propriedade da Santa Casa
de Misericórdia da Bahia, não foge a esta realidade. Ele é o cemitério
mais antigo da cidade de Salvador (2,902 milhões de habitantes
– IBGE, 2014), capital do estado da Bahia, funcionando desde o dia
1º de maio de 1844, em área de cerca de 76.000m2 (Figura 1a). Está
localizado em um pequeno morro onde se originaram os bairros Alto
das Pombas e Calabar (Figura 1b). Além dessas comunidades, as outras
adjacentes também utilizam água oriunda de poços tubulares rasos e
cisternas, situados na rota do fluxo superficial. Devido ao alto índice
pluviométrico da região, em torno de 2.000 mm/ano os aquíferos
estão em constante recarga hídrica e afloram nos vales como entorno
do morro onde está o Cemitério Campo Santo (BRASIL, 2013, 2014).
- 119 -
Figura 1. Mapa da área do estudo. (a) Área do cemitério do Campo Santo; (b) Entorno
do Cemitério, localizando bairros residenciais. Fonte: Adaptado do Google Earth
(2014).
- 120 -
o objetivo de avaliar a qualidade da água subterrânea explotada de
poços rasos no entorno do cemitério do Campo Santo, inclusive os
utilizados como SAC e SAI (Sistemas de Abastecimento Alternativo
Coletivo e Individual para consumo humano), com vistas à legislação
pertinente vigente, tendo como base parâmetros específicos de
qualidade relacionados à água subterrânea e para consumo humano,
encontrados na legislação pertinente atual, e indicadores específicos
de contaminação por necrochorume, visto que, este é mais denso que
a água e pode atravessar o aquífero até a sua camada impermeável
(CARNEIRO, 2008), sendo, em parte, carreado no sentido do fluxo
subterrâneo, podendo atingir e contaminar toda a região.
1.1 Legislação
- 121 -
Portaria no 2.914/2011, do Ministério da Saúde-MS (BRASIL, 2011), que
estabelece parâmetros e respectivos VMP para avaliar a qualidade da
água em termos de potabilidade.
- 122 -
os quais, juntamente com as aminas acima referidas, podem então
ser considerados indicadores de necrochorume. Enetério (2009)
considera que a amostragem de água subterrânea que apresente baixo
índice de indicadores de poluição fecal (Coliformes termotolerantes),
porém com maior número de bactérias anaeróbias (clostrídiossulfitos-
redutores-CSR), demonstram uma provável contaminação oriunda de
covas. A detecção de E.coli, buscou limitar o estudo aos parâmetros
encontrados na legislação para água subterrânea de acordo com seu
uso preponderante e na Portaria 2.914/2011 do MS, que normatiza o
uso e qualidade da água para consumo humano e do C. perfringens,
pela sua relevância nos estudos de contaminação da água por
cemitérios.
C, perfringens não são exclusivamente de origem fecal, podendo
ser encontrados na microbiota intestinal normal de homens e animais
(DUARTE, 2011; WHO, 2002). Na bibliografia há controvérsias sobre
a forma de infecção mais perigosa por C. perfringens e muito do
que foi pesquisado a respeito, evidencia um maior risco no contato
com a água contaminada do que por meio da ingestão.Resultados
positivos para C. perfringens servem de alerta para que se promovam
investigações, em caráter especial, nos aquíferos freáticos em regiões
onde há cemitérios que ainda inumam cadáveres de forma tradicional,
situados em local vulnerável e onde haja proximidade de residências,
atividades comerciais e outros fins que utilizam SAC e SAI.
2. METODOLOGIA
- 123 -
tais como: proximidade com um cemitério antigo da cidade, índices
de saturação (número de sepultamentos/ano), sepultamento
por inumação, localização considerada vulnerável nos aspectos
geográficos e geológicos, presença de moradias na circunvizinhança,
uso de poços de água subterrânea inclusive para consumo humano,
fluxo superficial de água convergindo para região onde existam
poços em atividade e, principalmente, funcionando como soluções
alternativas de abastecimento de água cadastradas no Sistema
de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo
Humano (Siságua). A segunda etapa constou da elaboração do
plano de amostragem de água subterrânea nos pontos selecionados
mediante os critérios mencionados, em dois períodos do ano: chuvoso
- agosto/2013 e seco - fevereiro/2014. Foram selecionados 8 poços
tubulares rasos na área em questão, sendo um deles previsto como
controle daquela fonte de contaminação (1) e uma surgência (ponto
9), coletada apenas na 2ª campanha. Nesta campanha (período seco)
coletou-se uma amostra adicional do ponto 1 (denominado 1B), sendo
coletada a água deste poço após tratamento simplificado (filtração e
cloração), realizado para o consumo da água em edifício residencial.
Os pontos estão situados à montante e à jusante do local de inumação
direta no solo, na parte baixa do morro, onde se encontra o Cemitério
(Figura 2).
A coleta de amostras de água seguiu os procedimentos
recomendados e técnicas apropriadas, para cada tipo de método
analítico e com critérios exigentes de assepsia. A coleta de amostras
de água para a análise microbiológica antecedeu a coleta para
qualquer outro tipo de análise, a fim de evitar o risco de contaminação.
Em seguida, foi realizada a coleta para análises físico-químicas e
químicas, quando as amostras de água foram colocadas em frascos
de polipropileno de 500mL, sendo imediatamente determinados
a temperatura e os parâmetros: Oxigênio Dissolvido (OD), pH,
Condutividade elétrica e STD, utilizando-se um medidor portátil
multiparamétrico (PHC 101, HACH).
- 124 -
Figura 2. Mapa da área de estudo contendo a localização dos pontos amostrais, com
destaque de sobreposição de mapa de fluxo superficial. Fonte: Adaptado de Aquino
(2008) e Google Earth (2015).
- 125 -
e Mg2+, Na+ e K+) determinados por cromatografia iônica e amônio
(NH4+) por espectrofotometria molecular.
Finalmente, os dados foram sistematizados e interpretados
à luz da legislação vigente, confrontando os resultados obtidos
com valores máximos permitidos (VMP) contidos na Portaria no
2.914/2011 do MS..., Resolução CONAMA no 396/2008 e Resolução
RDC no 275/2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA
para cada parâmetro selecionado, quer sejam eles físico-químicos,
químicos e microbiológicos. Os resultados geraram tabelas, gráficos
e cartogramas que foram obtidos por meio de softwares (ARCGIS e
SURFER) a fim de estimar o fluxo subterrâneo e relação com presença
de pluma de contaminação. Uma matriz de correlação foi construída,
visando associações entre os parâmetros analisados (FIGUEIREDO
FILHO, 2009; BRASIL 2005, 2008b, 2011).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
- 126 -
monitorizadas no período chuvoso, indo de encontro ao VMP de 5%
estabelecido pela Resolução CONAMA no 396/2008 (BRASIL, 2008b)
para água doce não tratada, podendo-se descartar essa amostra
como indicadora de inconformidade. É possível, no entanto, que o
resultado obtido esteja representando a realidade, uma vez que no
período chuvoso a qualidade dessas águas pode ser bastante alterada
pela adição de contaminantes que podem ser carreados pela água de
chuva transportada pelo terreno, por exemplo, para dentro dos poços.
Os valores de pH das águas coletadas nos 8 poços no período
chuvoso, exceto no ponto 8, encontram-se abaixo da faixa ideal de
valores (6,0 - 9,5) estabelecida pela Portaria no 2.914/2011 do MS
(BRASIL, 2011). No período seco, o pH das águas se mostrou um
pouco mais alto, embora a água de quatro daqueles pontos (1A, 2, 4 e
6) ainda tenha se mantido abaixo daquela faixa ideal (Figura 5).
Limites legislados
1 2 3 4 5 6 7 8
/Recomendados
Temperatura da água
28,0 27,2 27,0 27,5 27,0 29,0 28,0 27,0
(ºC)
Cor aparente (uHz) 0,00 0,00 5,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 15 a
Turbidez (uT) 0,02 0,02 5,00 0,02 0,02 0,02 0,02 0,02 5a
Cond. Elétrica
360 379 258 507 454 297 325 428
(µS cm-1 )
STD (mg L-1 ) 189 201 137 265 233 155 171 223 1000 a, b
Salinidade 0 /00 * 0,19 0,20 0,14 0,27 0,23 0,16 0,17 0,22 1 a, b **
Parâmetros
pH 5,42 5,37 5,80 5,74 5,64 5,49 5,99 6,01 6,5 - 9,5 a
OD (mg L-1 ) 2,69 1,01 5,16 0,62 1,23 7,29 5,95 2,80
Amônio (mg L-1 ) < 0,040 0,48 < 0,040 1,74 2,68 < 0,040 < 0,040 < 0,040 1,5 a
Cloreto (mg L-1 ) 37,9 38,4 24,7 44,0 42,8 22,4 37,1 39,9 250 a, b
Nitrato (mg L-1 ) 40,5 28,8 27,1 62,6 45,5 13,7 22,9 33,9 10 a, b
Sulfato (mg L-1 ) 7,6 34,1 14,6 21,4 59,9 18,9 19,4 25,1 250 a, b
E. coli
Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausência em 100 mL a
( NMP em 100 mL)
C. perfringens (NMP < 1,1 NMP ou Ausência
< 1,1 5,1 5,1 3,6 < 1,1 2,2 2,2 < 1,1
em 100 mL) em 100 mL c
a
Portaria MS 2914/2011 (Potabilidade)
b
CONAMA 396/2008 (Consumo humano/água subterrânea)
c
RDC 275/2005
*
Valor calculado
**
Baseado no limite de STD
- 127 -
Tabela 2. Resultados das análises físico-químicas, químicas e
microbiológicas das águas dos poços nos arredores do cemitério do
Campo Santo, no período seco (fevereiro/2014)
Período Seco (Fevereiro/2014)
amostrais
Pontos
Limites legislados /
1A 1B 2 3 4 5 6 7 8 9
Recomendados
Temperatura da água (ºC) 28,8 28,3 29,1 29,1 28,2 29,3 30,2 29,6 29,0 29,7 -
Cor aparente (uHz) 5,0 10 0,0 0,0 50 5,0 0,0 10 0,0 0,0 15 a
Turbidez (uT) 0,020 0,20 0,02 0,020 0,020 0,020 0,020 0,18 0,020 0,19 5a
Cond. Elétrica (µS cm-1 ) 417 316 334 231 507 380 273 306 333 447 -
STD (mg L-1 ) 189 180 159 133 247 221 161 147 198 214 1000 a, b
Salinidade 0 /00 * 0,19 0,18 0,16 0,13 0,25 0,22 0,16 0,15 0,20 0,21 1 a, b **
pH 5,80 6,32 5,39 6,29 5,55 6,05 5,97 6,55 6,05 6,41 6,5 - 9,5 a
OD (mg L-1 ) 3,18 3,23 1,39 4,36 1,28 1,80 6,35 4,74 2,08 6,40 -
Amônio (mg L-1 ) < 0,040 < 0,040 0,43 < 0,040 1,53 2,61 < 0,040 < 0,040 < 0,040 2,83 1,5 a
Sódio (mg L-1 ) 30,6 31,0 33,3 16,4 39,0 40,7 29,0 1,27 27,5 40,2 200 b
Potássio (mg L-1 ) 16,3 16,2 15,1 23,4 26,0 28,6 16,0 9,91 26,1 26,8 -
Cálcio (mg L-1 ) 9,07 9,26 4,87 4,59 11,0 23,4 15,4 5,86 15,8 9,30 -
-1 15,0 13,8 14,5 9,63 14,5 14,4 13,2 4,71 8,94 17,3
Parâmetros
Magnésio (mg L ) -
Dureza total
84,5 80,0 72,0 51,1 87,1 118 92,5 34,0 76,2 94,4 500 a
(mg L-1 CaCO3 ) *
Cloreto (mg L-1 ) 67,7 66,8 68,6 48,9 79,6 88,1 60,6 0,16 63,0 83,3 250 a, b
Nitrato (mg L-1 ) < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 10 a, b
Nitrito (mg L-1 ) 40,8 39,9 93,2 2,04 138,00 72,2 40,1 < 0,020 48,3 98,0 1,0 a, b
Sulfato (mg L-1 ) 21,3 32,4 12,4 48,7 31,6 47,6 37,9 4,08 51,8 53,6 250 b
Fluoreto (mg L-1 ) 0,093 0,060 0,068 0,25 0,24 1,71 0,07 < 0,020 0,05 0,19 1,5 a, b
Acetato (mg L-1 ) 1,30 0,44 ND 0,42 <LQ 2,90 1,80 < 0,020 < 0,020 6,34 -
Oxalato (mg L-1 ) 0,15 0,11 0,31 0,22 0,27 0,12 0,12 0,12 0,10 0,10 -
Lactato (mg L-1 ) 0,25 < 0,020 < 0,020 4,77 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 -
Succionato (mg L-1 ) 0,16 0,39 0,21 0,11 0,19 0,20 0,25 0,16 0,28 0,16 -
E. coli
Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausência em 100 mL a
(NMP em 100 mL)
C. perfringens < 1,1 NMP ou
> 1,6 x 10 > 2,3 x 10 6,9 3,6 > 2,3 x 10 6,9 2,2 9,2 6,9 5,1
(NMP em 100 mL) Ausência em 100 mL c
a
Portaria MS 2914/2011 (Potabilidade)
b
CONAMA 396/2008 (Consumo humano/água subterrânea)
c
RDC 275/2005
*
Valor calculado
**
Baseado no limite de STD
Figura 3. Níveis de cor aparente das águas dos poços nos arredores do cemitério
do Campo Santo, nos dois períodos de amostragem: chuvoso (agosto/2013) e seco
(fevereiro/2014). Pontos 1B e 9 não foram amostrados no período chuvoso.
- 128 -
Figura 4. Níveis de turbidez das águas dos poços nos arredores do cemitério do
Campo Santo, nos dois períodos de amostragem: chuvoso (agosto/2013) e seco
(fevereiro/2014). Os pontos 1B e 9 não foram amostrados no período chuvoso e o
ponto 3 (período chuvoso) está acima do VMP pela Portaria no 2.914/2011 do MS.
- 129 -
da água dos poços em período chuvoso ou ligado ao necrochorume
infiltrado no solo da área circunvizinha aos poços amostrados e/ou
transportado pela água das chuvas depois de depositadas no terreno.
Os resultados das análises físico-químicas da segunda
campanha de amostragem, período seco (Tabela 2), mostraram-se
também em inconformidade com relação ao pH nos pontos 1A, 2, 4 e
6. A cor da água nos pontos 1A, 1B, 4,5 e 7 teve valor mais elevado do
que no período chuvoso, mas ainda dentro do limite de 15uHz, como
legisla a Portaria no 2.914/2011 do MS (BRASIL, 2011). Neste período
muitas outras espécies químicas foram analisadas nas amostras das
águas dos poços: cátions, como sódio, potássio, cálcio, magnésio,
além de amônio, analisado também no período anterior, e ânions
como fluoreto e quatro ânions orgânicos: acetato, oxalato, lactato e
succionato. Destes, apenas amônio, nos pontos 4, 5 e 9 apresentou
concentração um pouco mais alta do que o limite legislado (Tabela 2)
e como o nitrato, pode chegar até a água dos poços pela interferência
dos esgotos sanitários, como produto da hidrólise da ureia no meio
aquoso destes efluentes ou do próprio necrochorume, que possa
estar aí presente. Fluoreto também apresentou concentração um
pouco acima do limite legislado (1,5mg.L-1) no ponto 5. Segundo
CETESB (2009), Traços de fluoreto são normalmente encontrados
em águas naturais e concentrações elevadas geralmente estão
associadas com fontes subterrâneas. Em locais onde existem
minerais ricos em flúor, tais como próximos a montanhas altas ou
áreas com depósitos geológicos de origem marinha, concentrações
de fluoreto de até 10mg.L-1 ou mais são encontradas. Com relação
aos ânions orgânicos detectados neste período (Tabela 2), podem
ter origem na decomposição de matéria orgânica, quando são
formados ácidos inorgânicos e orgânicos; neste caso, no entanto, as
baixas concentrações não parecem ser significativas para que essas
espécies químicas mereçam destaque neste trabalho. As figuras 6 e
7 apresentam a comparação da concentração dos principais cátions
e ânions, respectivamente, encontrados nas amostras de água dos
- 130 -
poços, nos dois períodos amostrais. No período seco, foram medidos
alguns ânions não medidos antes, em função de ter sido usada uma
coluna de separação mais eficiente na ocasião destas análises, o que
forneceu informações adicionais sobre a composição das amostras da
água subterrânea coletada.
Figura 6. Comparação da concentração dos principais cátions nas águas dos poços,
no entorno do cemitério do Campo Santo: (a) Período chuvoso; (b) Período seco
- 131 -
Figura 7. Comparação da concentração dos principais ânions determinados nas
águas dos poços, no entorno do cemitério do Campo Santo: (a) Período chuvoso; (b)
Período seco
- 132 -
natural envasadas. O número de C. perfringens encontrado foi bem
mais expressivo no período seco, quando possivelmente foi menos
acentuado o efeito na diluição dos contaminantes no solo. Nesse
período, tanto a presença de clostrídios sulfito-redutores como de
outros contaminantes (à exceção de nitrato) é maior em praticamente
todos os pontos amostrais. O pH das águas aumenta nesse período,
representando acidez mais baixa, mas numa extensão muito pouco
representativa (águas apenas 0,4 a 9% menos ácidas, à exceção do
ponto 4, onde o pH baixou 3% no período seco). Dessa forma, não é
possível justificar as diferenças nas concentrações dos contaminantes
nos dois períodos de amostragem por ocorrência mais baixa de
decomposição de matéria orgânica (PRATTE-SANTOS, 2007) no
período seco, mesmo porque o aumento da concentração dos
contaminantes foi constatado de uma maneira geral neste período.
Mais alta acidez influenciaria o aumento da dissolução de substâncias
(BRASIL, 2006), podendo tornar os produtos da coliquação cada vez
mais disponíveis.
A partir de dados obtidos, realizou-se uma estimativa de fluxo
da água subterrânea, com o propósito de identificar a direção e o
sentido do fluxo subterrâneo e a consequente área da contaminação,
mostrados, especialmente, na avaliação das análises bacteriológicas
e de forma indutiva das análises químicas efetuadas. Os resultados
obtidos apresentados nos cartogramas da Figura 8, mostram que os
fluxos superficial e subterrâneo coincidem com os resultados positivos
que se correlacionam à infiltração da água proveniente do cemitério
no solo. As zonas de médio e alto risco, utilizando unicamente a
vulnerabilidade extrínseca descrita por Aquino (2008), influenciam
na presença de contaminação remota por C. perfringens, embora em
alguns dos pontos a determinação deste contaminante não tenha
sido indicada quantitativamente, conforme o padrão descrito no
ensaio utilizado, por conta de limitações dos instrumentos de análise
e georreferenciamento, esses resultados podem ser apresentados de
uma forma figurativa, mas com restrições com relação à quantidade.
- 133 -
Se a taxa de concentração de C. perfringens foi aferida em >2,3 x 10
NMP (mais de 10 tubos com resultado positivo, segundo a metodologia
utilizada) o software utilizado registra o valor exato de 23. Entretanto,
a técnica possibilita a verificação espacial da localização dos pontos de
coleta e a comparação, a grosso modo, dos níveis encontrados entre
eles em cada época de coleta, associando-os ao fluxo subterrâneo
estimado.
- 134 -
de C. perfringens com a condutividade elétrica pode indicar uma
mesma origem destes parâmetros na água, por meio de processos
de dissolução. A tabela 3 apresenta a matriz de correlação que inclui
o número de C. perfringens correlacionado com todos os outros
parâmetros analisados nas águas dos poços no entorno do cemitério
Campo Santo nos dois períodos de amostragem. Estas correlações
são em geral fracas, à exceção da correlação moderada com nitrito no
período seco, que indica associação da concentração de C. perfringens
com contaminação orgânica recente das águas amostradas. Com
relação às correlações lineares entre os parâmetros físico-químicos
e químicos, a matriz de correlação mostra que o pH só apresenta
correlações fracas negativas com a maioria das espécies químicas
determinadas. Potássio se correlaciona moderadamente com
amônio, cloreto, sódio, magnésio, fluoreto e nitrito; algumas dessas
correlações podem indicar origem comum em rochas nesse aquífero
(K+, Na+ e Mg2+, F-), processos biológicos que ocorrem no solo (NH4+,
NO2-) e/ou contaminação orgânica proveniente de ação antrópica.
Correlações são também observadas entre as espécies de nitrogênio
(amônio com nitrato no período chuvoso e amônio com nitrito no
período seco); como amônio pode ter origem na decomposição de
indicadores específicos de necrochorume (bioaminas), como referido
anteriormente, essas correlações podem reforçar a suspeita de que a
origem de nitrato e nitrito nas águas amostradas pode ser a área de
influência do cemitério Campo Santo.
4. CONCLUSÃO
- 135 -
Figura 9. Correlações entre o parâmetro microbiológico C. perfringens e parâmetros
físico-químicos: (a) Condutividade elétrica, (b) Temperatura e (c) Oxigênio Dissolvido
+
Na - - - - - - - - - - -
+
K - - - - - - - - - - -
2+
Ca - - - - - - - - - - -
2+
Mg - - - - - - - - - - -
+
NH4 -0,09 - - - - - 0,59 - 0,7 - 0,79
-
Cl 0,13 - - - - 0,59 - - 0,76 - 0,44
F- - - - - - - - - - - -
-
NO 3 0,03 - - - - 0,7 0,76 - - - 0,23
-
NO 2 - - - - - - - - - -
2-
S O4 -0,06 - - - 0,79 0,44 - 0,23 - -
C. perfringens
-0,14 - - - - -0,16 -0,35 - -0,15 - -0,2
(NMP em 100 mL)
pH Na
+
K
+
Ca
2+
Mg
2+
NH4+ Cl
-
F
-
NO 3- NO 2- S O 42-
pH - -0,5 -0,06 -0,05 -0,44 0,02 -0,47 -0,01 - -0,62 0,23
Período Seco (Fevereiro/2014)
+
Na -0,5 - 0,61 0,48 - 0,64 - 0,39 - - 0,46
+
K -0,06 0,61 - 0,53 0,37 0,68 0,69 0,54 - 0,49 -
2+
Ca -0,05 0,48 0,53 - 0,2 0,43 0,48 0,72 - 0,21 0,5
2+
Mg -0,44 - 0,37 0,2 - 0,56 - 0,22 - 0,7 0,29
+
NH4 0,02 0,64 0,68 0,43 0,56 - 0,6 0,64 - 0,65 0,44
-
Cl -0,47 - 0,69 0,48 - 0,6 - 0,42 - 0,72 0,57
-
F -0,01 0,39 0,54 0,72 0,22 0,64 0,42 - - 0,18 0,35
-
NO 3 - - - - - - - - - - -
-
NO 2 -0,62 - 0,49 0,21 0,7 0,65 0,72 0,18 - - 0,14
S O 42- 0,23 0,46 - 0,5 0,29 0,44 0,57 0,35 - 0,14 -
C. perfringens
-0,21 0,20 -0,09 -0,12 0,21 -0,07 0,15 -0,14 - 0,31 -0,30
(NMP em 100 mL)
R : 0 – 0,3 Correlação fraca 0,3 < R < 0,7 Correlação moderada; R : = 0,7 Correlação forte
- 136 -
existência de uma influência entre este e a presença de contaminação
por necrochurume na água dos poços localizados no seu entorno.
Pode-se afirmar que a presença de C. perfringens, utilizado
neste estudo como indicador de contaminação remota, por ser
bastante persistente neste meio e como um bom indicador da
contaminação por necrochorume, pode trazer um risco em potencial
aos consumidores de água de poço na área de estudo.
Além da presença de C. perfringens, as amostras coletadas
apresentam alguns padrões de qualidade fora dos limites estabelecidos
pela Resolução CONAMA nº 396/2008 e Portaria nº 2.914/2011 do MS,
que tratam, respectivamente, dos padrões para água subterrânea e da
potabilidade da água de consumo humano, como é o caso de nitrato e
nitrito no período chuvoso e seco, respectivamente, assim como o pH,
que se apresenta abaixo da faixa de valores limites em praticamente
todos os pontos amostrados, conferindo à água característica ácida.
A correlação entre os parâmetros de qualidade da água
investigadas neste estudo pode indicar pela correlação de C.
perfringens com a condutividade elétrica, uma mesma origem
destes parâmetros na água, por meio de processos de dissolução;
pela correlação moderada de C. perfringens com nitrito, no período
seco, contaminação orgânica recente das águas amostradas; pela
correlação de amônio, espécie que pode ter origem na decomposição
de indicadores específicos de necrochorume, com nitrato e nitrito,
evidência da suspeita de que a origem destes nas águas amostradas
pode ser a área de influência do cemitério Campo Santo.
O estudo apresenta indícios de influência das condições
ambientais e de vulnerabilidade (hidrogeológicas, de taxa de
pluviosidade e do fluxo superficial na lixiviação e absorção na zona
saturada) e da percolação de microrganismos nos locais de inumação
direta.
De acordo com os níveis de concentração de cada parâmetro,
há indicação de que ocorre a contaminação do aquífero por meio da
- 137 -
pluma de contaminação difusa, em especial por conta da tendência de
dispersão do C. perfringens, em concordância com o fluxo subterrâneo.
Os achados tornam necessária a comunicação do risco aos
usuários destas soluções alternativas de abastecimento, sobretudo
os SAI.
A inclusão de outros parâmetros específicos na análise de água
para consumo humano em regiões ambientalmente vulneráveis,
bem como na Portaria nº 2.914/2011 do MS (atualmente em processo
de revisão), permitirá realizar uma correlação mais consistente
entre a presença, a intensidade da contaminação, o impacto do
necrochorume na qualidade da água consumida nas adjacências
do cemitério estudado. É o caso das aminas bioativas (putrescina e
cadaverina) na água subterrânea, as quais identificariam com maior
precisão uma contaminação proveniente do necrochorume.
Os resultados são considerados indicativos de contaminação
por necrochorume, visto que não foram usados pontos de coleta
dentro do Cemitério, foram feitas coletas em apenas dois períodos do
ano e em número de pontos pouco significativo, não sendo utilizados
todos os parâmetros que indicam esse tipo de contaminação.
O estudo em área restrita e com população exposta é uma
referência para novos estudos na interface saúde/ambiente com
vistas à prevenção e atenção à exposição aos riscos. A melhor solução
para os cemitérios existentes que não consideravam, quando de
sua implantação os condicionantes ambientais, seria a desativação
gradual com a busca de novas áreas com estudos prévios, respeitando
as características hidrogeológicas e litológicas de cada área, como
descrito na legislação, sendo ideal a implantação de mais crematórios
públicos e cemitérios verticais, como já acontece em diversas cidades
brasileiras, inclusive, pela iniciativa privada, e implementação de
novas políticas públicas com a adoção de gerenciamento efetivo em
áreas correlatas.
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Referências
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BRASIL. Resolução CONAMA, nº 396, de 03 de abril de 2008. Classificação e
diretrizes ambientais para o enquadramento das águas subterrâneas.
Brasília: DOU, de 04 abril de 2008 b.
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Paulo: UNESP, TUPÃ. Disponível em: <http://www.amigosdanatureza.
org.br/noticias/358/trabalhos/199.impactoscemiterios2.pdf>. Acesso
em: 29 abr. 2013.
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LELI, I.T.; ZAPAROLI, F.C.M.; SANTOS, V.C.D.; OLIVEIRA, M.; REIS, F.A.G.V.
Estudos ambientais para cemitérios: indicadores, áreas de influência
e impactos ambientais. Boletim de Geografia, v.30, n.1, p.45-54, 2012.
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