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Águas

Urbanas
- Volume 1 -
ORGANIZADORES

Cristiano Poleto
André Luiz Lopes da Silveira
Alice Rodrigues Cardoso
Joel Avruch Goldenfum
Fernando Dornelles
Rutinéia Tassi
Priscilla Macedo Moura

Águas
Urbanas
- Volume 1 -

2015
© dos autores

Direitos reservados desta edição:


Organizador e Associação Brasileira de Recursos Hídricos

Capa: Juliane Manz Fagotti


Diagramação: Juliane Manz Fagotti

Águas Urbanas: Volume 1 / Organizado por Cristiano Poleto;


André Luiz Lopes da Silveira; Alice Rodrigues Cardoso; Joel Avruch
Goldenfum; Fernando Dornelles; Rutinéia Tassi; Priscilla Macedo
Moura. Porto Alegre: ABRH, 2015. 142 p.

ISBN 978-85-88686-38-0

1. Hidrografia - Brasil 2. Recursos Hídricos I. Título II. Poleto,


Cristiano III. Silveira, André Luiz Lopes IV. Cardoso, Alice Rodrigues
V. Goldenfum, Joel Avruch VI. Dornelles, Fernando VII. Tassi, Rutinéia
VIII. Moura, Priscilla Macedo.
CDU 556.18
PREFÁCIO

É com grande satisfação que estamos dando início a essa série


de livros da Associação Brasileira de Recursos Hídricos sobre “Águas
Urbanas”. Esse primeiro livro teve origem nos “Encontro Nacional de
Águas Urbanas”, organizado pela Comissão Técnica de Águas Urbanas
da ABRH, já com longa história. Assim, como o Evento e a própria
Comissão Técnica evoluíram ao longo do tempo, como evoluiu nossa
percepção sobre o ambiente e sobre a necessidade de incorporar
elementos que inicialmente não imaginávamos importantes para
os debates sobre drenagem de águas pluviais, surgiu a ideia desse
primeiro Volume sobre o assunto.
Muitas reflexões foram feitas através dos Eventos, sendo que
recentemente incorporamos um novo elemento na terminologia da
drenagem: “manejar as águas de chuva”. Drenagem já foi definida
como uma questão de alocação de espaço e continua sendo. Então o
manejo das águas pluviais vai além dos aspectos hidrológicos. Deve-
se atentar para os aspectos sanitários e ambientais, explorar, resgatar
e preservar as características originais da bacia. Considerar aspectos
urbanísticos, arquitetônicos e paisagísticos na alocação de espaço e
inserção de estruturas de controle de enchentes na cidade e no lote.
Requer, portanto, atuações simultâneas de diferentes profissionais.
Nesse ambiente de ampliação do debate, na busca por soluções
sobre as dificuldades e as inovações que se fazem necessárias em
torno do tema Águas Urbanas, a séria de livros “Águas Urbanas” vem
para contribuir em todos os aspectos multidisciplinares do tema. O
temário é extremamente amplo e os primeiros tópicos selecionados
para essa obra representam os avanços que temos tido nesse debate,
mas também as dificuldades que temos que vencer. Incorpora
questões técnicas, mas também os arranjos institucionais, legais e de
gestão, as políticas públicas, entre tantas outras.
Tenho certeza que nossas discussões nessa obra, bem como
os materiais que ainda virão, em muito poderão contribuir para a
melhoria de nossas cidades.

Desejo uma excelente leitura!

Prof. Dr. Cristiano Poleto


Organizador
Capítulo 1

INTRODUÇÃO ÀS ÁGUAS
URBANAS

Cristiano Poleto
André Luiz Lopes da Silveira
Alice Rodrigues Cardoso
Joel Avruch Goldenfum
Fernando Dornelles
Rutinéia Tassi
Priscilla Macedo Moura
INTRODUÇÃO

A compreensão do funcionamento dos sistemas de drenagem


atuais, bem como suas relações com a qualidade e quantidade
escoada nos ambientes urbanos, depende de ter-se uma visão técnica
mais abrangente que inclua o histórico do seu desenvolvimento.
Ao longo dos tempos, e até a Idade Moderna, as obras de
drenagem não foram consideradas, em regra, como infraestruturas
necessárias e condicionantes ao desenvolvimento e ordenamento
dos núcleos urbanos (Matos, 2003). Ainda assim, diversos sistemas
de drenagem de águas pluviais são encontrados em muitas cidades,
e até mesmo em ruínas de antigas áreas urbanas. Existem vestígios
sistemas de drenagem implantados pelos persas e pelos gregos
antes da era Cristã e, no caso do período Romano, algumas redes de
drenagem podem ser observadas ainda hoje, com alguns trechos em
funcionamento.
Segundo Silveira (2002), o processo de afastamento de
efluentes e águas pluviais das áreas urbanas iniciou-se na Itália,
devido à correlação estabelecida entre a mortandade de pessoas e
os problemas de saneamento. Assim, naquela região houve forte
movimento para a eliminação das áreas alagadiças, construção de
aterro de fossas receptoras de esgotos cloacais e a substituição destes
por canalizações subterrâneas.
No restante da Europa, no entanto, até o período industrial,
em meados do século XVIII, os processos de saneamento básico e
de drenagem de águas pluviais foram pouco desenvolvidos. A partir
do adensamento das cidades, impulsionado pelo crescimento da
atividade industrial, a necessidade de sanear os espaços urbanos e
preservar a saúde pública de suas populações se tornou evidente.
Iniciou-se, nesse período, um novo conceito relacionado ao
gerenciamento das águas no meio urbano: o de drenagem sanitarista
e higienista. O princípio dessa abordagem era expulsar todas as
águas residuárias das cidades por meio de tubulações ou galerias,
independentemente destas serem águas pluviais, com resíduos e/
ou efluentes (sistema unitário), gerando a falsa impressão de que o
“problema estava resolvido”.
Neste período, destacam-se as epidemias de cólera ocorridas
na Europa nos anos de 1832 e 1849, que deram um grande impulso
ao desenvolvimento e implementação deste tipo de abordagem.
Portanto, pode-se dizer que a drenagem pluvial não evoluiu
diretamente em decorrência da modernização de técnicas de
engenharia, mas em decorrência de recomendações de profilaxia
médica.
Apesar de bons resultados sanitários, logo após a aplicação
deste tipo de conceito, com o passar do tempo e o contínuo
crescimento dos centros urbanos, observaram-se processos erosivos,
problemas de degradação dos corpos d’água receptores, alterações
morfológicas das calhas fluviais e, novamente, problemas de ordem
sanitária.
Entre 1850 e o fim do século XIX muitas cidades importantes
do mundo, principalmente as capitais europeias, foram dotadas de
grandes redes subterrâneas unitárias de esgotos (Silveira, 2002).
Segundo Jones & MacDonald (2007), em termos de drenagem urbana,
um dos exemplos mais famosos deste período foi a reconstrução de
Paris pelo prefeito Haussmann, no Segundo Império de Haussmann e
Napoleão III, que utilizou um sistema capaz de remover rapidamente
as águas da cidade. Ainda, segundo TIM (2008), as primeiras cidades
europeias a adotarem sistemas de drenagem pluvial, de forma
generalizada, foram Hamburgo, Londres e Paris.
Em 1855, o Brasil foi atingido por uma grande epidemia de cólera,
em virtude do fluxo de pessoas em constantes viagens marítimas entre
o Brasil e a Europa. Assim, em 1856, o governo implantou o primeiro
sistema de drenagem unitário do país; fato que, segundo Marques
(2006), fez com que o Rio de Janeiro fosse a segunda capital mundial
a adotar uma rede de esgotamento sanitário e pluvial. A maior parte
das outras cidades brasileiras também providenciou seus sistemas de
drenagem, porém de forma menos acelerada, principalmente após a
Proclamação da República ocorrida em 1889.
Essas transformações urbanas, quanto ao sistema de
gerenciamento de suas águas pluviais e efluentes, ocorreram com
o sistema unitário até o início do século XX (Silveira, 2002). A partir
deste período, foram desenvolvidas metodologias para auxiliar no
dimensionamento das tubulações e galerias, com destaque para o
Método Racional, que permitiu uma melhor concepção das obras,
que muitas vezes eram super/subdimensionadas, devido à aplicação
de critérios generalistas nos projetos. Esse período também pode ser
chamado de higienista-racionalista, e o sistema separador absoluto
(um sistema de drenagem exclusivo para as águas pluviais e outro para
o esgoto) passou a prevalecer, sendo muito difundido no Brasil devido
à grande atuação do engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de
Brito.
Embora tenha havido um avanço sob o ponto de vista
metodológico com a introdução de métodos de dimensionamento,
ainda assim, o chamado “conceito sanitário-higienista” foi mantido,
com a rápida evacuação das águas pluviais, desconsiderando os
impactos locais e os provocados a jusante, devido ao aumento
das vazões de pico, volume e velocidade do escoamento, aliados à
degradação da qualidade da água.
Esses aspectos são suficientes para a geração de inúmeros
conflitos entre habitantes e usuários de uma mesma bacia hidrográfica.
Além destes, as intervenções contínuas, baseadas em
canalizações são insustentáveis, à medida em que as cidades e as
taxas de impermeabilidade do solo continuam crescendo.
Assim, a partir da década de 1960 surge em países da Europa e
América do Norte um novo tipo de abordagem dado ao tratamento
das águas pluviais no meio urbano, na qual a preservação dos cursos
d’água naturais, bem como de seus processos, passam a ter papel
fundamental. Esse novo período é conhecido como ambientalista,
por possuir um enfoque ambiental nos novos projetos de drenagem,
que devem priorizam a manutenção dos mecanismos naturais de
escoamento nas bacias hidrográficas, a despoluição das águas e
preservação das margens naturais dos cursos d’água.
O conceito ambientalista, além de orientar para a preservação
dos cursos d’ água, teve o intuito de introduzir uma série de práticas
de manejo das águas pluviais na tentativa de compensar boa parte
das deficiências apresentadas pelos sistemas higienistas.
Os dispositivos estruturais, instrumentos legais e estratégias
empregadas neste conceito são conhecidos como “técnicas
compensatórias”, justamente pelo principal objetivo ao qual se
destinam, que é compensar os efeitos negativos do uso do solo sobre
o escoamento pluvial. Um dos principais avanços desta abordagem
é que o planejamento desta compensação deve ser realizado em
escala de bacia hidrográfica, e não mais pontualmente a exemplo da
abordagem sanitarista-higienista.
Assim, a bacia hidrográfica como um todo passou a ser estudada
e, de acordo com suas peculiaridades, podem ser empregados
diferentes mecanismos legais ou estruturais para a gestão das águas
pluviais no espaço urbano.
A introdução de mecanismos estruturais, contrariamente
ao preconizado no conceito higienista, passa a não mais priorizar o
rápido escoamento das águas pluviais; na abordagem compensatória,
as estruturas devem ser concebidas de tal forma a procurar manter,
sempre que possível, as condições de escoamento para jusante em
padrões previamente existentes (condição de pré-urbanização).
Para isso, deve haver o controle de volumes, velocidades,
vazões e qualidade da água escoada no sistema de drenagem. Os
principais princípios empregados para atingir o controle pretendido
constituem-se no armazenamento e/ou infiltração das águas
pluviais, que podem ser empregados em diferentes escalas. Assim,
bacias de detenção, bacias de retenção, banhados ou zonas úmidas,
pavimentos permeáveis, cisternas, jardins de chuva, telhados verdes,
valos, trincheiras e poços de infiltração passaram a ser instalados
isoladamente, ou em conjunto na bacia hidrográfica, de forma a
atingir o objetivo pretendido.
No Brasil, esta prática de gestão passou a ser utilizada a
partir da década de 1990, quando muitas cidades brasileiras deram
início à elaboração de seus Planos Diretores de Drenagem Pluvial e
Esgotamento Sanitário.
A aplicação dos princípios de técnicas compensatórias no Brasil
é, normalmente, imposta impositiva por meio de algum decreto ou
lei municipal, que obriga que empreendimentos que se enquadrem
em algumas características (área do lote, percentual de área
impermeável, localização na bacia) façam uso de um ou mais tipos de
técnicas compensatórias.
Ainda, a aplicação destes princípios transfere, na maioria das
vezes, do poder público para o privado a responsabilidade financeira
sobre o controle do escoamento pluvial com a construção de uma
técnica compensatória. O ônus adicional gerou fortes manifestações
contrárias à aplicação de técnicas compensatórias; no entanto,
com o passar dos anos o princípio “poluidor-pagador” parece ter
sido incorporado pela população e as objeções são cada vez menos
sentidas.
Um problema ainda não resolvido com relação à aplicação
de técnicas compensatórias no Brasil deve-se a sua importação de
países desenvolvidos sem adaptações. A presença de resíduos sólidos
urbanos e lançamentos indevidos de esgoto cloacal nas redes de
drenagem pluvial têm provocado a rejeição da população a certas
medidas compensatórias, especialmente as de armazenamento,
pois geram inconvenientes no tocante à veiculação de doenças e
odor oriundos da retenção das águas pluviais contaminadas. Soma-
se a isso o fato de que a manutenção de muitas estruturas fica sob a
responsabilidade do poder público, que muitas vezes não consegue
fazê-la de maneira efetiva.
Enquanto no Brasil ainda se discutem questões relacionadas
às adaptações necessárias para o efetivo emprego de técnicas
compensatórias nos centros urbanos, muitos países desenvolvidos
encontram-se, atualmente, em um estágio mais avançado no
planejamento das águas em meio urbano.
Já na década de 1990, muitos países desenvolvidos discutiam
a questão de demanda por soluções para o escoamento pluvial que
possuíssem um maior respeito às questões ambientais que a simples
compensação de impactos quantitativos.
Esse movimento deu origem a um novo conceito de
planejamento dos sistemas de drenagem pluvial conhecido como
Low Impact Development-LID (Desenvolvimento Urbano de Baixo
Impacto) nos Estados Unidos e Water Sensitive Urban Design-WSUD
(Desenho Urbano Sensível à Água) na Austrália.
Diferentemente da aplicação de estruturas para o controle do
escoamento pluvial em diferentes escalas, no LID/WSUD o tratamento
dado ao escoamento deve ocorrer em pequena escala, próximo à fonte
onde ele é gerado. Isso implica na utilização de pequenas estruturas
distribuídas na bacia hidrográfica, tanto nos espaços públicos, quanto
privados.
A vantagem deste tipo de abordagem é que o LID/WSUD
apresenta maior eficiência na manutenção de processos hidrológicos,
respeitando caminhos naturais de drenagem e privilegiando
a preservação de solos mais permeáveis, e na minimização de
emprego de estruturas artificiais em sistemas de drenagem como
impermeabilização de solos, tubulações e detenções. É dada ênfase ao
aproveitamento de processos físicos, químicos e biológicos naturais
para o controle e tratamento da drenagem aliado a potenciais efeitos
paisagísticos e serviços ecossistêmicos, conseguidos por meio de
vegetação diversificada.
Para isso, podem ser empregadas células de biorretenções,
trincheiras de infiltração, telhados verdes, cisternas para
armazenamento de água da chuva, pavimentos permeáveis, entre
outros, que devem ser integrados à paisagem urbana de maneira
harmoniosa.
O grande diferencial da estratégia de LID/WSUD com relação
à técnica compensatória está na antecipação do planejamento
da drenagem pluvial ao projeto arquitetônico-estrutural do
empreendimento, e adaptação deste às condições locais. Isso exige
projetos inovadores e específicos, em contraposição à padronização
costumeiramente incentivada, o que pode ser buscado junto ao meio
acadêmico. Além disso, é necessária uma mudança geral na tratativa
das águas pluviais no meio, o que inclui a percepção da população,
qualificação de profissionais e gestores.
Esta mudança de paradigma é desafiadora e, ao se pensar em
desafios, pode-se imaginar uma lista com problemas inéditos a serem
resolvidos, o que pode causar certa aversão em buscá-los, já que
problemas novos exigem uma boa carga de inovação e dedicação.
Infelizmente, corroborando com esta aversão, a produção
acadêmica de pesquisa em todas as áreas tem sido medida mais pela
quantidade do que pela qualidade e inovação, como por exemplo, a
pontuação por número de publicações e o tempo de titulação nas pós-
graduações. Este critério de avaliação pouco incentiva pesquisas que
avancem significativamente o conhecimento; no entanto, a realidade
é esta e devemos estar cientes dela, e adotá-la. Assim, esta situação
por si só passa a ser um desafio, ou seja, aumentar a produção
científica com qualidade e inovação.
Aumentar a qualidade da pesquisa no Brasil passa a ser o grande
desafio, já que em termos de quantidade isto já vem ocorrendo, tanto
pelo incentivo indireto do método de avaliação da ciência, quanto
pelos diversos programas de fomento à ciência e tecnologia. Além
disso, houve a criação de novos programas de pós-graduação no país
que teve um aumento 23% no último triênio de avaliação da CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
Em princípio, pode-se pensar que as oportunidades de inovação
e oportunidades de pesquisa em Águas Urbanas são poucas, já que o
conhecimento acumulado para a aplicação prática em projetos para o
manejo de águas urbanas já é suficiente. Em geral já sabemos como
resolver tecnicamente os principais problemas, seja com base em
experiência local ou importada de outros países.
No entanto, a pergunta que permanece é: porque apesar de
determos o ferramental necessário para a solução dos problemas,
eles ainda persistem no âmbito brasileiro?
As respostas a esta indagação passam seguramente pela
ingerência governamental, falta de recursos humanos e financeiros
e, também, pouca participação acadêmica nos fóruns públicos de
debate. Assim, na busca por um cenário futuro mais favorável a este
respeito, podemos lançar alguns desafios dentro da alçada acadêmica.
O desafio de melhorar a qualidade da produção científica em
Águas Urbanas deve ser entendido como uma maior aproximação
entre os temas de pesquisas e as soluções dos problemas enfrentados
no manejo de águas urbanas (ingerência, recursos escassos e pouco
protagonismo acadêmico), o que não é trivial de ser atendido.
Ainda, as pesquisas podem abordar não apenas um problema, mas
um conjunto de problemas, evitando assim, o reducionismo que por
vezes dificulta a divulgação e a aplicação dos resultados científicos.
A ingerência governamental pode ter origem na pouca
habilidade que as pessoas geralmente apresentam em assimilar
a aleatoriedade de eventos meteorológicos e entendimento dos
fenômenos hidrológicos. E, é fato que os esforços para minimização
dos problemas hídricos no ambiente urbanizado são realizados a
reboque da ocorrência de desastres naturais e crises hídricas.
Assim, enquanto comunidade científica, podemos assumir o
desafio de colaborar para a minimização desta deficiência, produzindo
trabalhos científicos que visem atingir um público mais amplo. A
conscientizando e informação de todos os níveis da sociedade quanto
à necessidade e a importância de ações contínuas e planejamento
para a gestão das águas urbanas também pode ser um papel do meio
acadêmico.
A obtenção de mais visibilidade pública para as pesquisas
na área de águas urbanas depende de uma visão mais aberta para
outros canais de comunicação já existentes, ou ainda, pela criação de
novos. Ocorre que ainda é pequeno o número de publicações deste
tema científico nas revistas especializadas em ciência e com público
alvo mais genérico tais como: Revista Pesquisa FAPESP, “Ciência e
Cultura” da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, “Ciência
Hoje” entre outras.
Uma possível explicação para a pequena quantidade de
publicações nestes meios de divulgação com público mais amplo vem
em parte dos critérios de avaliação dos próprios meios de divulgação
(periódicos). A avaliação adota o fator de impacto (número de
citações) na classificação dos periódicos e, como o conteúdo destes
periódicos é para atingir um público amplo e heterogêneo, adotando
uma linguagem e aparência menos “dura”, o fator de impacto delas
acaba sendo baixo, ou seja, poucos pesquisadores citam os trabalhos
publicados neles, atraindo, assim, poucos autores. No entanto,
geralmente estes tipos de periódicos aceitam e recomendam a
submissão de artigos já divulgados em revistas científicas. Desta
forma, os autores e programas de pós-graduação não perdem a
oportunidade de obter pontuação com a publicação em revistas mais
bem avaliadas.
A busca por um maior protagonismo acadêmico nos debates
que envolvem águas urbanas também é outro desafio a ser
enfrentado, e estimular a discussão já no âmbito acadêmico é, sem
dúvida, um ótimo exercício para formar e incentivar uma massa
crítica mais pró-ativa neste sentido. Contudo, isto exige iniciativas e
meios de dar continuidade a este tipo de ação. Estreitar relações com
as municipalidades por meio de atividades de extensão acadêmica
pode ser uma boa oportunidade para que os tomadores de decisão
possam conhecer o quê está sendo desenvolvido com as pesquisas
acadêmicas, para que tenham um melhor discernimento para atuar
na gestão pública.
Além destes desafios comentados, que versaram mais no
âmbito de divulgação e engajamento do meio acadêmico aos
problemas com águas no meio urbano, podem ser citados outros com
cunho científico como fonte de novas oportunidades de pesquisa.
Conforme já abordado, muitas das técnicas para estudos
hidrológicos e manejo de água urbanas utilizadas em nosso país foram
desenvolvidas há muitas décadas atrás e em outros países. O Brasil
tem uma carência por técnicas próprias ou adequações de técnicas
desenvolvidas em outros países para as nossas condições ambientais.
Revisitar estas técnicas com uma visão crítica de sua aplicabilidade é
uma oportunidade para pesquisas em rede de abrangência nacional,
já que as condições climáticas, hidrológicas e geologias são bastante
diversas quando tratamos de um país com dimensões continentais
como o nosso.
Um possível entrave para a carência de um ferramental próprio
para o manejo de águas urbanas é a falta de dados históricos de
monitoramento de bacias urbanas, em densidade e discretização
necessárias, com qualidade e boa cobertura temporal e espacial. Uma
explicação plausível para esta escassez de dados está no alto custo
de instrumentos para monitoramento e a pouca possibilidade de
publicação direta do produto de monitoramento em periódicos bem
qualificados.
A indústria nacional de equipamentos para aplicação em
monitoramento hidrológico ainda é muito incipiente, mesmo sendo o
Brasil um expoente quando se trata de recursos hídricos. Isso promove
a baixa concorrência e altos preços, e quando da inexistência de
fabricantes nacionais enfrentamos toda a morosidade de importação,
com taxas e impostos que elevam os custos de pesquisa.
Uma maior proximidade com as áreas afim do setor de
instrumentação científica poderia ser uma oportunidade de geração
de tecnologias com custo mais baixo. Isso promove uma maior
capacidade de monitoramento, tanto para uso direto em pesquisas
quanto para uso das municipalidades para a aquisição construção de
séries históricas.
Por fim, com a possibilidade de um monitoramento menos
oneroso surge outra oportunidade, que é o monitoramento contínuo
de dispositivos de controle do escoamento pluvial já implantados.
Isso permite que a sua eficiência seja verificada e possibilita compará-
la com o previsto no seu projeto, resultando em recomendações
construtivas e de dimensionamento mais adequadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JONES, P.; MACDONALD, N. Making space for unruly water: Sustainable drainage systems and
the disciplining of surface runoff. Geoforum, n. 38. p. 534-544, 2007.

MATOS, J. S. Aspectos Históricos a Actuais da Evolução da Drenagem de Águas Residuais em


Meio Urbano. Revista Engenharia Civil, Lisboa, n. 16, p. 13-23, 2003.

MARQUES, C. E. B. Proposta de Método para a Formulação de Planos Diretores de Drenagem


Urbana, 2006, 153f. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

SILVEIRA, A. L. L. Apostila: Drenagem Urbana: aspectos de gestão. 1. Ed. Curso preparado por:
Instituto de Pesquisas Hidráulicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Fundo
Setorial de Recursos Hídricos (CNPq), 2002.

TIM - Trabalho de Integralização Multidisciplinar II. Universidade Federal de Minas Gerais, Escola
de Engenharia, Curso de Engenharia Civil, Projeto de Infra-Estrutura e Equipamentos
Urbanos: Termo de Referência, p.25, 2008.
Capítulo 2

BIORRETENÇÃO: TECNOLOGIA
AMBIENTAL URBANA PARA UMA
DRENAGEM SUSTENTÁVEL

Newton C. B. Moura
Paulo R. M. Pellegrino
José Rodolfo S. Martins
INTRODUÇÃO

Por que é tão difícil mudar o paradigma urbano de manejo das


águas de chuva no Brasil? Por que as tecnologias convencionais de
drenagem urbana, do canal concretado, das superfícies impermeáveis,
da condução rápida e sem tratamento inicial dos escoamentos ainda
são empregadas como solução infraestrutural preferencial nas
cidades brasileiras? O experimento consubstanciado a partir dessas
reflexões consiste na ferramenta central de investigação da tese de
doutorado defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo - FAUUSP, cujo objetivo central visou
averiguar as hipóteses com que trabalha a arquitetura da paisagem
ao propor soluções mais naturalizadas de drenagem pluvial, em que
a matriz orgânica, composta geralmente por solo, preenchimentos
inertes, manta geotêxtil e vegetação, apresenta papel fundamental
entre as etapas de tratamento inicial dos escoamentos, envolvendo
sedimentação, filtragem, absorção e ação biológica (Hatt et al.,
2009; PGC, 2000). Aqui, apresentamos uma síntese da pesquisa
desenvolvida, que investigou a biorretenção como alternativa
eficiente e mais sustentável para drenagem urbana, considerando-a
num contexto histórico dos diversos paradigmas de manejo das
águas urbanas e compreendendo-a como solução que pode integrar
simultaneamente as estratégias de engenharia hidráulica ao
planejamento e projeto da paisagem.

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1. INFRAESTRUTURA VERDE: A
NATUREZA COMO PROVEDORA DE
SERVIÇOS AMBIENTAIS NAS CIDADES

A ideia de que a natureza também pode ser uma infraestrutura


não é novidade. Em áreas urbanas, o ambiente e a paisagem naturais
podem prover diversos serviços, como a redução do risco de enchentes,
de controle climático, de saúde pública, entre outros. Quando a
natureza é assim aproveitada e integrada aos projetos dos espaços
urbanos, ela é reconhecida como uma “infraestrutura verde”. Este tipo
de infraestrutura pode ser adotado em diversas escalas e situações,
desde áreas mais extensas, como florestas preservadas e parques, a
intervenções localizadas, como arborização viária, telhados verdes e
dispositivos de controle na fonte do escoamento superficial (Figura 1).

Figura 1: Elementos que compõem uma Infraestrutura Verde. Para cada estrutura,
foram identificados os possíveis constituintes de uma rede.

Em nossas cidades, as superfícies vegetadas foram


significantemente reduzidas com a ampliação das áreas construídas.
Esses espaços, originalmente ocupados por solo permeável, plantas e
água, foram substituídos por sistemas de infraestrutura impermeáveis,
que, em contraponto, podem ser chamados de “infraestrutura cinza”,
ou seja, a infraestrutura convencionalmente empregada. Apesar de sua
eficiência no atendimento imediato dos problemas detectados, elas
acabaram contribuindo para o aumento na frequência de enchentes,
a piora do clima urbano, a perda da biodiversidade, a degradação das
nossas paisagens e dos espaços de uso da população.

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A urbanização tem sido alimentada, em grande parte, pela
mudança das pessoas para as cidades, fenômeno intensamente
observado nas últimas décadas. No Brasil, estima-se que 85% da
população já vive em cidades (IBGE, Censo Demográfico 2010). O modo
como se deu esse processo de urbanização, às custas do capital natural
existente, resultou numa grande perda dos recursos disponíveis,
incluindo o abastecimento de água, a degradação dos corpos hídricos e
o agravamento da mobilidade e de outros aspectos da urbanidade e da
vida em sociedade. Além das questões atuais, as mudanças climáticas
deverão acrescentar novos desafios ao manejo das nossas cidades:
como atenderemos às crescentes demandas da população e, ao mesmo
tempo, vamos lidar com eventos climáticos extremos, mudanças na
disponibilidade dos recursos hídricos e o aumento do nível do mar?
Como um modo de procurar atender essas novas necessidades,
engenheiros, planejadores e arquitetos têm crescentemente
procurado por modos de melhorar a inserção da infraestrutura verde
no tecido das cidades. Esses esforços podem ser vistos na adoção, já
em muitos países, de melhores práticas de manejo (MPM) das águas
de chuva através de estruturas de manejo dos escoamentos in situ.
Essas soluções, baseadas nos princípios de biorretenção, quando
integradas aos projetos de paisagismo urbano, promovem a criação
de espaços multifuncionais que podem multiplicar seus benefícios para
além da melhoria do desempenho das infraestruturas já instaladas,
aumentando, como um todo, a resiliência das cidades, preparando-
as melhor para o enfrentamento de eventos futuros, previstos ou
imprevistos. Essas ações se caracterizam pelo objetivo de estabelecer
pontes entre a urbanização, o aproveitamento dos serviços ambientais
e a recuperação das águas urbanas.
As cidades, portanto, só têm a ganhar se os seus projetistas e
planejadores inspirarem-se nos sistemas naturais de regeneração das
águas, do solo e da biodiversidade. Este entendimento é fundamental
para uma mudança no paradigma com que temos lidado até agora
com o problema. Desse modo, propiciaremos uma forma mais eficaz

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de enfrentarmos os desafios climáticos e, ao mesmo tempo, criaremos
lugares mais atrativos e saudáveis para viver, trabalhar, circular e
recrear.
Assim, uma série de dispositivos de biorretenção, semelhante
ao aqui apresentado como experimento prático, se empregados em
rede e de forma adaptada aos diversos espaços urbanos existentes,
podem funcionar como um sistema de proteção contra enchentes
e alagamentos, aumentando a resiliência das cidades aos impactos
dos eventos extremos. Além do controle quantitativo, as MPM tem
demonstrado eficiência na mitigação da poluição difusa e, portanto,
podem contribuir significantemente na melhoria da qualidade das
águas superficiais, como comprovado nos resultados do protótipo de
biorretenção aqui avaliado. Por conseguinte, a aplicação de dispositivos
de infraestrutura verde como esse, ao utilizar configurações variadas,
podem ser adaptados para muitos usos e localizações, de parques a vias
públicas, contribuindo de forma integrada na recuperação das águas
urbanas.
Ainda estamos no estágio de tratar a infraestrutura verde em
nível conceitual, como possível benefício adicional às nossas redes
de drenagem tradicionais. Contudo, com um enfoque integrado
do processo de planejamento e construção e de uma ampliação e
modernização da nossa infraestrutura urbana, podemos prever que
a infraestrutura verde pode claramente prover serviços econômicos,
ambientais e sociais para as nossas cidades, assim como demonstrado
aqui, inicialmente de forma experimental.

1.1 Paradigmas de drenagem urbana: da canalização à


infraestrutura verde.

O modo de se drenar as águas urbanas sofreu várias mudanças


de paradigmas em países que já tem sua infraestrutura urbana
consolidada, como os Estados Unidos (Reese, 2001). Num primeiro

- 28 -
momento, o modelo utilizado nas cidades era o mesmo das zonas
rurais: os escoamentos das águas de chuva e esgotamento tinham a
mesma destinação, juntamente com todo tipo de resíduos e dejetos,
em valas comuns a céu aberto. Já na passagem do século XIX para o
XX, as canalizações enterradas passaram a ser utilizadas e as áreas
urbanas centrais ficaram secas e mais limpas. Contudo, as águas
servidas e as de chuva passaram a carrear todos os resíduos para o
córrego ou rio mais próximo. Começou-se também, em meados do
século passado, a conduzir separadamente, em tubulações distintas,
os escoamentos pluviais e os esgotos, onde as condições físicas dos
espaços urbanos permitissem essa prática. Entretanto, essa solução
não garantiu necessariamente o tratamento das águas residuais, mas
apenas o seu afastamento mais eficiente, mantendo o lançamento
final em corpos hídricos superficiais. Esse encaminhamento aos rios
levou a uma atuação de degradação que forçou a criação de estações
de tratamento de esgoto. Entretanto, a memória do uso das galerias de
águas pluviais, que são na verdade ex-córregos e linhas de drenagem,
assim como o canal de escoamento universal das águas, continuaram
presentes, principalmente em áreas de urbanização mais precária.
Mas esta solução, do encaminhamento de todas as águas
combinadas para estações de tratamento, deixou de fazer sentido
econômico. Este modelo foi sendo questionado a partir dos anos
setenta do século passado, quando estudos hidrológicos, com
suas equações de transferência de massa e curvas de frequência-
duração-intensidade, passaram a ser utilizadas com mais ímpeto, e a
infraestrutura de drenagem urbana existente passou a ser questionada.
Assim, passou-se a advogar a utilização de bacias de captação e canais
de drenagem maiores e mais eficientes, para se enfrentar os picos dos
eventos de chuva. Contudo, logo ficou evidente um dos resultados
negativos desse modelo: a transferência das enchentes, da erosão e
do comprometimento dos canais para jusante. Como solução, foram
oferecidas bacias de detenção do volume escoado nos locais mais
suscetíveis a enchentes. O impacto dessas bacias, entretanto, quando

- 29 -
começaram a ser popularizadas, foi a necessidade de esvaziamento
simultâneo de vários reservatórios implementados num mesmo canal.
No final, apesar de eficientes, estes reservatórios quando utilizados
em larga escala e em múltiplos pontos de uma mesma bacia perdem
eficiência na atenuação dos picos, tornando-se progressivamente
mais caros do que outras soluções. O problema, portanto, consiste no
manejo do volume total de escoamento da área de contribuição da
bacia e não apenas no controle pontual da vazão de pico (Reese, 2001).
Com o paradigma de detenção do escoamento em cheque,
passou-se a um novo modelo no final do século passado: o plano de
macrodrenagem de bacias. Com o auxílio das novas tecnologias de
modelagem computadorizadas, permitiu-se a execução de modelos
hidrológicos para regiões inteiras. Por conseguinte, o tratamento
integral das bacias passou a ser o novo mantra. Apesar dos inúmeros
planos feitos nos EUA, por exemplo, apenas um ou dois foram
executados como planejados (Reese, 2001). Nos demais planos, ainda
segundo Reese (2001), apesar dos problemas parecerem ter sido
resolvidos permanentemente, as ideias originais acabaram sendo
postergadas ou modificadas pelo mundo real. De qualquer forma,
níveis mais exigentes de manejo e regulação das águas urbanas
passaram a ser empregados para se evitar as causas das enchentes,
que se, não foram resolvidas na escala de toda uma bacia, pelo menos
passaram a ser na escala de uma vizinhança.
Percebe-se que cada solução apresentada aos problemas
imediatos parece atender os seus objetivos iniciais. Contudo,
outros problemas surgem como decorrência da intenção original ou
simplesmente não são contemplados. Para Reese (2001), um dos
mais persistentes é a poluição difusa. Segundo ele, para enfrentá-
la, as melhores práticas de manejo começaram a ser testadas, e,
juntamente com a metamorfose das infraestruturas de drenagem,
uma variedade de dispositivos de controle do escoamento na fonte
foi projetada para capturar e tratar inicialmente as águas pluviais.
Isto significou o retorno das valas a céu aberto, agora tratadas com

- 30 -
substratos e vegetação, aos parques lineares e alagados construídos.
O que todas essas estratégias têm em comum é a expectativa de
ter um impacto no regime de fluxo para alterar positivamente a
qualidade da água e a saúde geral dos corpos hídricos. Novos critérios
ecológicos de restauração de córregos e rios urbanos, então, passaram
a ser vislumbrados. Levantamentos biológicos e de saúde humana
se tornaram promissores para as águas urbanas como são em outros
campos ambientais, e, afinal, como resultado, a atenção voltou-se para
o manejo desde as nascentes, passando pelos corredores ripários até
as planícies de inundação, englobando o uso do solo em toda a bacia.
Este entendimento de que tudo o que acontece numa mesma
área de contribuição afeta o córrego à jusante conquista, finalmente, a
atenção para toda a bacia, mas de uma forma que considera relevante
toda a água escoada, desde as águas de chuva pelas vias urbanas
até a que se infiltra nos pontos de recarga das nascentes. Todas as
águas, portanto, em todos os pontos de todas as bacias urbanas
devem ser consideradas como parte de um ciclo hidrológico e assim
compreendidas e tratadas, numa visão mais holística.
E como essas ações de intervenção mais abrangentes podem
competir por espaço e atenção com todos os outros interesses e usos
que disputam espaço numa bacia? Uma estratégia seria apresentar
soluções que tornem os espaços do cotidiano das pessoas mais
atraentes e agradáveis, permitindo a visualização de um legado
mais promissor, com um uso mais racional dos recursos existentes e
com soluções com um custo-benefício mais palpável. A bacia é uma
escala muito ampla para as pessoas se relacionarem, e a solução pode
estar em atacar o problema na escala do projeto onde ele é sentido
em primeiro lugar, onde as coisas que precisam ser feitas podem ser
iniciadas. Uma combinação de práticas estruturais e institucionais
faz com que vislumbremos uma rede de espaços abertos que possam
criar ambientes funcionais, ecologicamente saudáveis, sustentáveis
e esteticamente agradáveis. Aqui, assumimos a denominação de

- 31 -
Infraestrutura Verde para este conjunto de espaços que permitem um
manejo das águas urbanas neste sentido.
No experimento de infraestrutura verde aqui apresentado, este
conceito de planejamento e projeto adquiriu o formato de canteiros
pluviais, ou seja, de estruturas construídas em células preenchidas
com base drenante, solo e vegetação, que recebem o escoamento
superficial advindo de uma superfície impermeável, no caso
pavimento asfáltico, utilizado para a circulação e o estacionamento
de veículos automotores. Este dispositivo de tratamento in situ do
escoamento das primeiras chuvas foi objeto de um monitoramento,
conforme descrito neste trabalho.

2. ASPECTOS QUANTI-QUALITATIVOS DA
BIORRENTEÇÃO

A utilização prática de soluções sustentáveis em drenagem


urbana vem ganhando adeptos cada vez mais interessados não apenas
no controle do escoamento superficial, mas também na melhora da
qualidade das águas descarregadas para os corpos hídricos receptores.
Por esse motivo, diversos estudos e pesquisas tem se preocupado
com a caracterização do desempenho técnico destes dispositivos,
assim como seus aspectos de construção e manutenção.
Seja através do emprego dos pavimentos permeáveis do
tipo ‘reservatório’ ou dos dispositivos de biorretenção, também
chamados de biofiltros, é possível a redução das vazões conduzidas
aos macrodrenos naturais, bem como a retenção de parte da carga
poluidora por dispositivos que são facilmente incorporados às
estruturas urbanas correntes como ruas e praças. Acredita-se que o
uso corrente destas técnicas será progressivamente maior na medida
em que os planejadores e projetistas dominarem seus parâmetros
técnicos e os serviços e materiais apresentarem maior oferta.

- 32 -
No caso dos pavimentos permeáveis, importantes aspectos
construtivos e de manutenção foram discutidos por diversos
autores que recomendam seu uso geral para áreas de baixa a média
intensidade de tráfego (até 300 veículos/dia e tráfego acumulado ESA1
2000), citando dentre outras medidas de manutenção a necessidade
de cuidados quando da execução de reparos para se evitar a selagem,
a remoção permanente de sedimentos e a limpeza por aspiração com
frequência semestral (Knight, 2008; Virgiliis, 2009). Com relação à
eficiência quantitativa, a pavimentação permeável é um meio efetivo
para redução do runoff em até 40% para eventos de alta recorrência
(Pinto, 2011; Schluter et al., 2002; Bean et al., 2007) e problemas
como a colmatação parecem não afetar fortemente seu desempenho
(González-Angullo et al., 2008) podendo ser considerada como a
estrutura de melhor relação custo-benefício para manejo de baixo
impacto das águas pluviais em áreas urbanas (Figura 2).
Rowe et al. (2009) assim como Bean et al. (2007) e Schluter
et al. (2002) mostraram importantes contribuições dos pavimentos
permeáveis em termos de redução da carga poluidora, pelo efeito
de filtragem proporcionado pelo material granular que compõe a
base destes revestimentos e dos quais a eficiência na retenção é
altamente dependente (Tabela 1). Entretanto a base de pesquisa
neste ponto precisa ser ampliada para permitir melhor caracterização
da capacidade de retenção para os diferentes tipos de técnicas
existentes.
Quanto à mitigação da poluição difusa, os dispositivos de
biorretenção têm se mostrado mais promissores do que os pavimentos
permeáveis por apresentarem alta capacidade de depuração,
podendo ser projetados para retenção de material particulado e em
suspensão, bem como sua progressiva eliminação, embora alguns
autores mencionem progressiva perda de eficiência com o tempo
devido a fatores como colmatação e stress das plantas (Read et

1 Equivalent Single Axe” load, ou seja, carga equivalente em eixo simples que
pode ser admitida no pavimento.

- 33 -
60
Protótipo USP
(Pinto,2011)
50
Mod Matemático
(Pinto, 2011)

40 Bean at all (2007)


Run Off (mm)

Schlüter et all (2002)


Q = 0.4617 P - 0.7453 (mm)
30

20

10

0
0 10 20 30 40 50 60
Precipitação Máxima sobre o pavimento asfáltico (mm)

Figura 2: Eficiência na retenção do escoamento superficial de acordo com diferentes


pesquisadores.

Tabela 1: Redução nas concentrações das principais variáveis de


qualidade das águas efluentes dos pavimentos permeáveis asfálticos.
Schluter et al., Rowe et al., Zachary Bean et
Variável 2002 2009 al., 2007
SST 75% 62% 33%
Turbidez 58%
Condutividade -73%
Fosfoto total 63%
Nitrogenio total 42%

al., 2008). Significativas reduções nas concentrações de sólidos


suspensos totais foram encontradas por Bratieres et al. (2008) assim
como reduções nas concentrações de fósforo total e nitrogênio total
na faixa de 80% e 40%, dependendo da espécie vegetal utilizada. Le
Coustumer (2009) determinou valores para a remoção de nitrogênio

- 34 -
total associados à condutividade hidráulica do substrato filtrante,
obtendo taxas da ordem de 62 a 70%. Hatt et al. (2009), utilizando
canteiros experimentais determinação da capacidade de retenção,
confirmaram taxas de 76% para os sólidos suspensos, 86% para
fósforo e 37% para o nitrogênio total.
Os resultados dessas técnicas quanto à capacidade de
retenção e tratamento inicial das águas de chuva têm sido avaliados
fundamentalmente em experimentos laboratoriais, que conduziram
comparações entre amostras dos escoamentos de entrada (inlet)
e saída (outlet), geralmente considerando a concentração (massa/
volume) dos poluentes como variável para avaliar a eficiência dos
biofiltros. Em poucos estudos (Davis et. al, 2003; Hatt et. al, 2009),
as cargas poluidoras ou o total acumulado de poluentes foram
empregados como parâmetros para determinar a capacidade de
biorretenção.
Como metodologia, esses experimentos utilizaram
precipitações simuladas e controladas, ou seja, águas sintéticas com
concentrações pré-definidas de poluentes diversos para quantificar
as diminuições verificadas nos volumes e nos contaminantes. Poucos
monitoramentos de elementos de biorrentenção das águas de
chuva foram realizados em campo, submetidos a situações reais de
precipitação e cargas poluidoras (e.g. Dietz & Clausen, 2005; Hatt et
al., 2009).
Considerando o contexto científico nacional e internacional
quanto ao monitoramento de tipologias de biorretenção no manejo
das águas de chuva, esse trabalho oferece aspectos de originalidade e
ineditismo que podem ser assim pontuados:
• mesmo se tratando de um experimento controlado, as
condições hidrológicas e climáticas reais são respeitadas.
Não houve simulação de precipitações ou manipulação das
cargas poluidoras;
• o universo de indicadores de qualidade da água é
amplo e incluiu 22 parâmetros bioquímicos analisados

- 35 -
simultaneamente, entre pH, alcalinidade, matéria orgânica,
nutrientes, óleos e graxas, metais pesados, variáveis
inorgânicas, sedimentos e coliformes;
• as condições ambientais que influenciam o experimento,
como clima, poeira atmosférica e regime de chuvas
consideraram o cenário real de uma megacidade brasileira
em crescimento, São Paulo e sua Região Metropolitana,
que acompanha a tendência demográfica de aumento
populacional e expansão urbana em grandes centros;
• a vegetação avaliada no experimento era
predominantemente nativa brasileira ou comprovadamente
adaptada ao local, facilmente disponibilizada por
fornecedores de plantas e já assimiladas entre as plantas
ornamentais usadas pela população;
• diferentes estratos vegetais foram monitorados e
comparados simultaneamente, estabelecendo um critério
de eficiência, manutenção e interesse visual para as
soluções de biorretenção quanto à vegetação.
Vale ressaltar que a avaliação do desempenho de bacias de
retenção (alagados construídos ou wetlands) já alcançou o respaldo
científico quanto à melhoria na qualidade da água, sendo considerada
uma das MPM dos escoamentos pluviais mais eficientes nesse sentido
(Gopal, 1999; Hancock, 2010). Contudo, por demandar maiores
dimensões, o que dificulta sua implantação em unidades residenciais
ou em vias públicas, e por exigir maior atenção quanto à manutenção,
esta pesquisa concentrou esforços na revisão de publicações científicas
acerca de tipologias menores, como jardins de chuva, canteiros
pluviais e biovaletas. Essas técnicas, de fácil replicação e adaptação
a diferentes conformações de terreno, apresentam, portanto, maior
potencial de aplicação paisagística no contexto urbano.

- 36 -
3. AVALIAÇÃO EXPERIMENTAL DA
BIORRETENÇÃO NA MITIGAÇÃO DA
POLUIÇÃO DIFUSA

3.1 Materiais e Métodos

Nessa pesquisa, objetivou-se investigar o desempenho


da biorretenção na mitigação da poluição difusa através do
monitoramento e avaliação de um experimento em escala real. O
modelo experimental instalado no Campus da USP, em São Paulo–
SP, foi analisado de forma comparativa quanto ao desempenho na
mitigação da poluição difusa. Composto por dois canteiros igualmente
preenchidos, mas isolados entre si e com coberturas vegetais distintas
(Figuras 3 e 4).

Figura 3: Experimento em biorretenção.

No intervalo de um ano, entre março de 2012 e março de 2013,


os canteiros e as partes que compõem o modelo foram acompanhados
de forma cientificamente controlada e passaram por manutenções
intencionalmente mínimas de irrigação, poda e limpeza, durante o
período de monitoramento. Dessa forma, os resultados obtidos no

- 37 -
Figura 4: Preenchimento dos canteiros G e J. Os materiais utilizados nos sistemas de
biorretenção foram iguais, com exceção das coberturas vegetais, com herbáceas e
arbustos diversos em J e com grama esmeralda em G.

experimento podem ser refletidos para o ambiente de uma grande


cidade, como São Paulo, onde a operacionalização desses elementos,
em espaços públicos, não contaria com cuidados minuciosos de um
jardim privado.

- 38 -
O monitoramento do experimento, quanto à mitigação da
poluição difusa, foi embasado em análises laboratoriais de qualidade
da água dos escoamentos que entraram nos dois canteiros, J e G,
através de uma interrupção na sarjeta, e neles foram retidos e filtrados,
sendo depois destinados a tanques vertedouros individuais e, por fim,
a um canal de drenagem existente (Figura 5). Os resultados dessas
análises para 22 indicadores constituíram os dados primários centrais
deste trabalho, obtidos em sete eventos de chuva monitorados,
quando foram recolhidas de 4 a 6 amostras em cada ponto de coleta,
totalizando 116 amostras. Essas informações, complementadas por
medições das precipitações e das vazões afluentes e efluentes durante
os eventos, compuseram o banco de dados da pesquisa. A partir
de sua compilação, os parâmetros selecionados para quantificar as
variações de poluentes nos escoamentos, antes e depois da passagem
e infiltração nos elementos de biorretenção, foram analisados
primeiramente de forma individual quanto às concentrações, cargas
poluidoras e massas totais acumuladas (MTAs). Posteriormente, esses
indicadores foram avaliados em conjunto, o que permitiu uma leitura
mais clara das variações na qualidade da água, além da definição da

Figura 5. Pontos de coleta em S (sarjeta), J (vertedouro do jardim) e G (vertedouro do


gramado).

- 39 -
composição vegetal mais eficiente - jardim ou gramado - quanto ao
controle da poluição difusa. Tanto na interpretação individual quanto
em grupo, a redução na presença desses indicadores foi observada
como métrica para estimar o desempenho dos canteiros, com exceção
do pH, que segue um padrão específico de aferição numa escala
numérica pré-definida, e alcalinidade, para a qual o aumento nas
concentrações foi considerado como índice de melhoria de qualidade
da água.

3.2 Resultados e discussão

O desempenho dos canteiros apresenta resultados distintos


de acordo com os dados considerados. Quando a concentração
(massa/volume) dos indicadores constitui a base para determinar
essa eficiência, observou-se que nem sempre ocorreu redução na
quantidade de poluentes dissolvidos na água depois da passagem
dos escoamentos pelos canteiros (Tabela 2). Por essa interpretação, a
biorretenção não seria eficiente para alguns dos indicadores, visto que
essa diminuição equivale à variável para estimar o desempenho na
mitigação da poluição difusa para a maioria dos parâmetros. Todavia,
quando as cargas poluidoras e as MTAs são adotadas como variáveis
para avaliação do desempenho dos sistemas de biorretenção,
verifica-se que os canteiros conseguem reduzir, em cerca de 90%, os
lançamentos de poluentes. Para essas variáveis, as concentrações
não são consideradas isoladamente, mas combinadas às vazões de
entrada, ou afluentes, e de saída, ou efluentes. Como parte do volume
escoado fica retido no modelo, as vazões efluentes são menores do
que as afluentes e, portanto, ainda que as concentrações de poluentes
não diminuam, as cargas difusas e as massas de poluentes acumuladas
são reduzidas. Dessa forma, a biorretenção demonstra eficiência
mesmo para os parâmetros de qualidade da água cujas concentrações
aumentaram depois da passagem pelos canteiros.

- 40 -
Na Tabela 3, estão as médias individuais e por grupo para
os indicadores de qualidade da água quanto às massas totais
acumuladas, que correspondem às somas das cargas poluidoras no
intervalo de monitoramento dos eventos. As porcentagens atribuídas
a cada parâmetro ou conjunto de parâmetros equivalem às reduções
nas massas de poluentes que entraram nos canteiros. Sendo assim,
para ferro, por exemplo, estimou-se que o jardim conseguiu diminuir
em mais de 99% as cargas acumuladas. Isso significa que, de todo o
ferro diluído nos escoamentos que entrou no canteiro J, menos de 1%
foi lançado para fora do sistema de biorretenção. Independentemente
de qual processo de fitorremediação ocorreu no canteiro, ou seja, se
houve remoção, acumulação ou volatilização do contaminante, as
cargas efluentes de poluentes foram significativamente menores. O
mesmo raciocínio pode ser aplicado aos grupos de parâmetros. As
reduções nas cargas acumuladas de metais no jardim, por exemplo,
foram em média de 99,52%, pelo que se pode deduzir que a massa
total desses poluentes é retida e/ou removida pelo canteiro J.

4. CONCLUSÕES

O experimento não somente comprovou a eficiência da


biorretenção na melhoria da qualidade da água dos escoamentos
superficiais, mas também reuniu evidências quantitativas de que
o jardim (canteiro J), composto por uma variedade de espécies
selecionadas entre arbustos e herbáceas nativos e exóticos adaptados,
atinge maiores reduções nas concentrações e cargas de poluentes do
que o gramado (canteiro G), onde se utilizou uma única forração, a
grama esmeralda (Zoysia japonica).
Conclui-se, portanto, que a biorretenção aproxima-se da
anulação total do lançamento dos poluentes analisados, que seriam
destinados às redes de drenagem e aos recursos hídricos superficiais.
Comparativamente, o jardim apresentou melhor desempenho do

- 41 -
Tabela 2: Média das variações entre as concentrações de S-J e S-G para os indicadores analisados. Fonte: Moura, 2014.

- 42 -
Tabela 3: Média das reduções nas MTAs para os indicadores analisados. Fonte: Moura, 2014.
que o gramado quanto à mitigação das cargas difusas para todos os
conjuntos de indicadores, com exceção da alcalinidade, para a qual
se considerou a menor redução na MTA como variável de melhoria
da qualidade dos escoamentos. Essa maior eficiência do jardim foi
verificada, inclusive, para os grupos de parâmetros em que o gramado
apresentou melhor desempenho quanto às concentrações.
Ao validar o protótipo de biorretenção como solução possível,
estima-se que seu uso extensivo pode contribuir tanto nos processos
de prevenção da degradação ambiental dos corpos hídricos
receptores, como nos de despoluição e recuperação de córregos e rios
urbanos, o que não ocorre com a aplicação do modelo de drenagem
tradicionalmente empregado nas cidades brasileiras, como São
Paulo e sua região metropolitana. A avaliação conduzida neste
trabalho, contudo, refere-se a uma ação pontual, cuja capacidade
em mitigar os efeitos da poluição difusa é limitada, mas que pôde
ser quantificada justamente por se tratar de um caso isolado e
passível de ser monitorado, sem interferências ou manipulações
sobre os escoamentos, procedimentos geralmente utilizados em
experimentos para testar sistemas de biorretenção na remoção de
poluentes das águas pluviais.
A partir da avaliação do desempenho de uma solução mais
sustentável e resiliente para o manejo das águas de chuva, essa
pesquisa assume um viés pragmático nessa busca, consolidando
respostas substanciais e cientificamente respaldadas que podem,
finalmente, dar oportunidade de diálogo acerca de alternativas
eficientes para a drenagem urbana. Entende-se que essas respostas
são apenas uma parte das elucidações que esse experimento e sua
linha de pesquisa podem oferecer sobre a questão das águas de
chuva nas cidades. Mais informações poderão ser obtidas com a
continuidade do monitoramento do modelo ou mesmo a partir de
uma nova análise dos dados compilados nessa pesquisa, sob a luz de
novas variáveis ou métodos.

- 43 -
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- 45 -
- 46 -
Capítulo 3

COMPARAÇÃO ENTRE CHUVAS


INTENSAS OBTIDAS A PARTIR DE
IDF’S E PELA METODOLOGIA DA
RELAÇÃO ENTRE DURAÇÕES

Carlos Augusto Roman


Raviel Eurico Basso
Daniel Gustavo Allasia Piccilli
Rutinéia Tassi

- 47 -
- 48 -
INTRODUÇÃO

O conhecimento das chuvas intensas é de grande


importância para diversas áreas da engenharia, mas em especial
para o dimensionamento de obras na drenagem pluvial urbana.
Normalmente, os valores de chuvas intensas são obtidos com base
nas relações Intensidade-Duração-Frequência (IDF), para os locais que
possuem registros pluviográficos com séries longas de observação.
Nas localidades onde há escassez de dados pluviográficos, ou
o período de observação é curto, faz-se necessária a utilização de
métodos analíticos ou alternativos para a estimativa da intensidade
máxima de precipitações de projeto. No Brasil, destacam-se, entre os
métodos mais utilizados nestas situações, aqueles que se baseiam nas
relações entre precipitações de diferentes durações para desagregar
a chuva máxima diária em uma chuva de duração inferior a esta
(Bertoni e Tucci, 2000; Back, 2009).
A aplicabilidade do método é ainda mais evidenciada em
razão da existência de um grande número de pluviômetros com série
longa, distribuídos em grande parte do território nacional (Bertoni e
Tucci, 2000), cujos dados são desagregados com base nas relações
desenvolvidas para durações menores, normalmente regionalizadas
para grandes áreas.
No entanto, alguns resultados controversos têm sido discutidos
na literatura. Por exemplo, Costa e Rodrigues (1999) indicam que,
com base na regionalização, para a relação entre durações proposta

- 49 -
por Torrico (1974), é possível encontrar diferenças de 7,5 a 54% nos
valores de intensidade da chuva estimada, em relação àquelas que
seriam obtidas com o emprego das equações IDF. Oliveira et al.
(2000), comparando as estimativas de chuvas obtidas por meio da
desagregação da chuva, utilizando as relações apresentadas pela
CETESB (1986), com aquelas obtidas com equações IDF, encontraram
erros relativos abaixo de 15%.
Diante da disparidade de resultados encontrados na literatura,
associados ao emprego da metodologia de desagregação das
chuvas, este trabalho buscou avaliar, de maneira comparativa, se a
metodologia baseada na relação entre durações apresenta diferenças
significativas com relação ao emprego das IDF locais. A investigação
foi realizada para a cidade de Santa Maria-RS, embora a metodologia
empregada possa ser extrapolada para análises semelhantes em
outras localidades.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Os dados de chuva utilizados na análise correspondem a uma série


histórica do ano de 1963 a 1989, obtidos em um pluviógrafo instalado
na Estação Experimental da Secretária de Agricultura do Estado do Rio
Grande do Sul, atual FEPAGRO. Esta estação está localizada no Distrito
de Boca do Monte, na cidade de Santa Maria-RS, nas coordenadas
geográficas 29°41’ de latitude Sul e 53°49’ de longitude Oeste.
Os dados de chuva da mesma estação foram utilizados para a
elaboração de uma equação IDF (equação 1), com série do período de
1963 até 1988 (Belinazo, 1991).

807 ,801  TR 0,1443
I (1)
t  5,67 
 0 , 0280
0 , 742TR

sendo I a intensidade da chuva em mm/h; TR o período de recorrência


do evento chuvoso em anos; e t a duração da chuva intensa em minutos.

- 50 -
Ainda, utilizando os dados da FEPAGRO do período de 1963 a
1989, Eltz et al. (1992) determinaram as precipitações máximas para o
município de Santa Maria-RS, com as durações de 10, 20 e 30 minutos
e 1, 2, 4, 6, 8, 12, 24 e 48 horas. Estes dados, ampliados neste estudo
a partir de novas informações disponibilizadas pela FEPAGRO, foram
utilizados para a determinação das relações médias entre durações (d)
para os valores de precipitações máximas. Para isso, foi adotado como
parâmetro a chuva média de 24 horas (P24) de duração, resultando
em Pd/P24 para ser comparados no mesmo período utilizado na
elaboração da equação de (Belinazo, 1991).
Assim, a relação média para a duração de 10 minutos (P10/
P24), por exemplo, foi obtida considerando a média de todas as
chuvas máximas anuais que têm duração de 10 minutos, dividida pela
média das chuvas máximas anuais com 24 horas de duração. Neste
procedimento, a relação Pd/P24 não está associada à frequência de
ocorrência do evento chuvoso, podendo ser aplicada na estimavtiva
de evento com qualquer frequência de ocorrência desejada, conforme
sugerem Bertoni e Tucci (2000).
Posteriormente, foi realizado o ajuste de uma distribuição
probabilística de extremos do tipo Gumbel (Chow et al., 1988) ao
conjunto de dados de chuvas máximas anuais com 24 horas de
duração seguindo a mesma metodologia aplicada na construção da
IDF do local; isso permitiu determinar para cada valor da precipitação
máxima anual de 24 horas de duração, o período de retorno (TR)
associado: 2, 5, 10 e 100 anos, resultando na P24TR.
Na sequência, foi aplicada a relação entre durações de chuva
para diferentes durações sub-diárias (Pd/P24) para as chuvas
máximas diárias associadas aos TR previamente definidos (P24TR),
o que permitiu estimar o volume de chuva com intervalo sub-diário,
associado aos diferentes TR e durações, com base na chuva máxima
diária (PdTR).
Para comparar os resultados obtidos com aqueles que teriam
sido gerados a partir da IDF do local, a equação 1 foi utilizada para

- 51 -
gerar eventos de chuva (Pidf) com igual duração e TR aos utilizados
na análise do método da relação entre durações. Finalmente, foi
avaliado o percentual de concordância entre a estimativa com base
no método da relação entre duração e o resultado da IDF, por meio da
relação entre a PdTR e Pidf.
Como na estimativa da relação entre durações normalmente se
utiliza a média dos valores observados ao longo dos anos, também
foi realizada a estimativa da relação entre durações considerando o
TR associado a elas (PDTR/P24TR). Para isso, ao invés de considerar a
média de todas as chuvas máximas anuais que têm mesma duração,
seguindo o procedimento previamente apresentado, foi determinado
o valor de TR para cada valor máximo anual na duração analisada, por
meio da equação de Gumbel. Isso permitiu vincular o TR diretamente
ao volume de chuva e sua duração, e este valor foi relacionado com a
chuva de 24 horas de duração e mesmo TR.
Esta última análise foi realizada com o objetivo de verificar se há
diferença na relação entre durações das precipitações máximas para
diferentes TR, ou se é possível utilizar diretamente a Pd/P24, leia-se:
Pd/P24., como sugerem Bertoni e Tucci (2000) e Chen (1983).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 1 apresenta a relação entre durações obtida em


cada ano, a partir dos dados observados na Estação FEPAGRO, do
município de Santa Maria-RS. A partir destes valores, foram obtidas
as relações entre durações médias (Quadro 1) para o período de 1963
até 1988, corroborando com o período de dados utilizados para o
desenvolvimento da IDF de Santa Maria.
O Quadro 2 apresenta os valores de precipitação máxima com
durações sub-diárias, obtidas a partir da aplicação das relações entre
durações (Pd/P24) apresentadas no Quadro1 e as chuvas máximas
com 24 horas de duração, associadas aos diferentes TR (P24TR).

- 52 -
Figura 1. Valores das relações entre durações (Pd/P24) em cada ano analisado.

Quadro 1 – Relação entre durações para Santa Maria-RS (Pd/P24) em


percentual

Duração da chuva

10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h 24 h
min. min. min.
Relação 16,2 24,9 31,9 42,5 54,0 66,7 76,7 83,3 89,1 100,0
(%)

Quadro 2 – Precipitação (mm) gerada a partir da Relação entre


Duração para Santa Maria-RS (PdTR)
Duração da chuva
TR
10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h 24 h
min. min. min.
100 32,77 50,37 64,49 85,90 108,94 134,59 154,86 168,11 179,91 201,89
10 25,43 39,10 50,06 66,68 84,56 104,47 120,21 130,49 139,65 156,72
5 22,14 34,03 43,57 58,04 73,61 90,94 104,63 113,58 121,56 136,41
2 17,95 27,59 35,32 47,04 59,66 73,71 84,81 92,07 98,53 110,57

- 53 -
O Quadro 3 apresenta os valores de precipitação máxima com
durações sub-diárias obtidas diretamente a partir do uso da equação IDF.
Os volumes das chuvas obtidas por meio de ambas metodologias
estão apresentados graficamente na Figura 2, de maneira a facilitar
a comparação dos resultados. No Quadro 4 é apresentada a relação
percentual da PdTR, com relação à Pidf.

Quadro 3 – Precipitação (mm) gerada diretamente a partir da equação


IDF (Pidf).
Duração da chuva
TR
10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h 24 h
min. min. min.

100 43,48 63,02 76,28 102,46 134,20 173,34 200,59 222,26 256,57 327,35

10 27,67 39,26 46,85 61,28 78,03 97,90 111,35 121,87 138,25 171,18

5 24,12 33,99 40,37 52,37 66,10 82,17 92,96 101,35 114,34 140,26

2 20,09 28,05 33,12 42,48 52,98 65,05 73,05 79,23 88,73 107,46

Figura 2 – Precipitação máxima para diferentes TR, obtidas pelas PdTR e Pidf.

- 54 -
Quadro 4 – Relação % entre as precipitações geradas pela relação
entre durações (PdTR) e a IDF (Pidf) (relação entre as informações dos
quadros 2 e 3)

Duração da chuva
TR 10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h 24 h
min. min. min.

100 75,36 79,93 84,55 83,83 81,18 77,65 77,20 75,63 70,12 61,68

10 91,91 99,59 106,86 108,81 108,37 106,72 107,96 107,08 101,02 91,55

5 91,79 100,14 107,93 110,82 111,36 110,66 112,56 112,07 106,31 97,26

2 89,34 98,35 106,66 110,74 112,62 113,31 116,10 116,21 111,05 102,89

Quanto mais próximo a 100%, mais próximo da precipitação


obtida pela IDF (PIDF) foi o resultado da PdTR
A partir das análises realizadas, verifica-se que o método da
relação entre durações produz resultados muito semelhantes àqueles
obtidos a partir da IDF, quando avaliados os TR de 2, 5 e 10 anos,
independentemente das durações sub-diárias escolhidas. Em 75%
destes resultados, as diferenças relativas entre a PdTR e Pidf estão
entre 10,7% e 16,2%. A maior diferença encontrada entre PdTR e Pidf
foi para um TR de 100 anos - entre 15,5 a 38,3%. Maiores diferenças
de volume associadas a este TR já eram esperadas, visto que a série
de dados disponíveis é muito curta para resultados confiáveis com
TR superiores a 20 anos, pois já se encontra na faixa de extrapolação.
Nesse sentido, autores como Naghettini e Pinto (2007) sugerem
possuir uma série com uma extensão de pelo menos duas vezes o TR
que se quer estimar, o que não foi possível neste estudo.
As relações entre durações associadas aos diferentes TR (PDTR/
P24TR) estão apresentadas no Quadro 5, onde é possível observar uma
pequena variação nos valores dos coeficientes de desagregação, à
medida que o TR muda. Na antepenúltima linha do mesmo quadro

- 55 -
é apresentado o coeficiente de desagregação sem a associação
ao TR (Pd/P24), para fins de comparação, e a diferença percentual
na penúltima linha. A última linha apresenta os coeficientes de
desagregação apresentados no manual da CETESB (1986), e
considerados como valores médios válidos para todo o Brasil.

Quadro 5 - Coeficientes de desagregação para diferentes durações de


chuva e TR (PDTR/P24TR).

Duração da chuva
TR
10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12 h
min. min. min.

2 0,155 0,238 0,301 0,402 0,515 0,646 0,754 0,824 0,885

5 0,154 0,240 0,302 0,389 0,487 0,593 0,692 0,785 0,862

10 0,154 0,241 0,303 0,383 0,474 0,568 0,664 0,767 0,850

20 0,154 0,241 0,303 0,378 0,464 0,550 0,643 0,754 0,843

30 0,154 0,242 0,304 0,376 0,459 0,541 0,632 0,747 0,839

40 0,154 0,242 0,304 0,374 0,456 0,535 0,626 0,743 0,837

50 0,153 0,242 0,304 0,373 0,454 0,531 0,621 0,740 0,835

Desvio 0,000 0,002 0,001 0,010 0,022 0,041 0,048 0,030 0,018

Média
PDTR/P24TR 0,154 0,241 0,303 0,382 0,473 0,566 0,662 0,766 0,850

Pd/P24 0,162 0,249 0,319 0,425 0,540 0,667 0,767 0,833 0,891

Diferença -5,2 -3,3 -5,3 -11,3 -14,2 -17,8 -15,9 -8,7 -4,8
(%)
Pd/P24
CETESB 0,167 0,252 0,311 0,420 - - 0,720 0,780 0,850

- 56 -
Conforme se verifica, não foram observadas variações
significativas no coeficiente de desagregação da chuva, ao considerar
a análise com diferentes TR para uma mesma duração. As maiores
diferenças encontradas foram para as durações de 2, 4 e 6 horas,
enquanto as menores diferenças estiveram relacionadas às menores
durações (10, 20 e 30 minutos).
Comparando a PDTR/P24TR com a Pd/P24, verifica-se que,
ao associar a probabilidade de ocorrência às diferentes durações
anuais, o volume de chuva estimado seria ligeiramente inferior. Para
as durações de 10, 20, 30 minutos, assim como para 8 e 12 horas, a
chuva estimada a partir da PDTR/P24TR seria, em média, 5% inferior,
enquanto para as demais durações a subestimativa é da ordem de
15%. Verifica-se também que tanto a PDTR/P24TR quanto a Pd/P24
possuem coeficientes de desagregação muito próximos daqueles
apresentados pela CETESB, como um valor médio para o Brasil. No
Quadro 6 é apresentado percentual entre a chuva estimada utilizando
a relação PDTR/P24TR (PDTR) e a chuva estimada utilizando a relação
IDF (Pidf).

Quadro 6 – Relação % entre as precipitações PDTR e Pidf, geradas pela


relação entre durações PDTR/P24TR e a equação IDF

Duração da chuva
TR
10 20 30 1h 2h 4h 6h 8h 12h 24h
min min min

100 73,41 79,19 82,36 77,36 73,06 67,77 68,41 71,44 68,74 63,36

10 89,53 98,67 104,10 100,40 97,54 93,14 95,67 101,15 99,03 94,05

5 89,42 99,22 105,14 102,26 100,22 96,59 99,74 105,86 104,21 99,91

2 87,03 97,45 103,90 102,19 101,36 98,90 102,89 109,77 108,86 105,70
Quanto mais próximo a 100%, mais próximo da precipitação obtida pela IDF (PIDF) foi
o resultado da PDTR

- 57 -
Com as precipitações obtidas por meio da relação PDTR/P24TR,
houve uma subestimativa de valores com relação àqueles obtidos
com a Pidf na maioria dos casos, que também foram inferiores aos
valores obtidos com a utilização da relação Pd/P24 (Quadro 4). Para
os TR de 2, 5, 10 anos a subestimativa com relação à Pidf variou entre
0,1% e 12,2%, enquanto para o TR de 100 anos a diferença foi superior,
entre 16,9% e 31%. Esta maior diferença já era esperada, refletindo as
incertezas associadas ao processo de extrapolação para o valor de TR
de 100 anos.

4. DISCUSSÃO

Os resultados deste trabalho indicam que, a princípio, não


existem diferenças significativas na estimativa dos volumes de chuva
a partir do método da relação entre durações médias (Pd/P24) quando
comparado com o resultado a partir de uma IDF (Pidf), corroborando
com os estudos apresentados por Oliveira et al. (2000).
A diferença percentual dos volumes de chuva estimados a
partir do o método da relação entre duração, e o volume obtido por
meio de uma relação IDF variou entre 10,7% e 16,2%, o que pode
ser considerado pequeno, uma vez que os erros entre as estimativas
são, em geral, menores que os erros associados ao próprio processo
de obtenção do dado de chuva (erros que podem ser observados em
OMM, 1994).
As maiores diferenças foram encontradas na estimativa de
chuvas com períodos de recorrência de 100 anos, já na faixa de
extrapolação dos valores, refletindo o grau de incerteza existente,
devido à ausência de uma série longa de dados. Nesta situação o uso
da chuva por desagregação, utilizando o método da relação entre
durações seria subestimada.
A inclusão do período de recorrência dos dados de chuva
associado a sua duração não produziu uma relação entre durações

- 58 -
(PDTR/P24TR) que melhorasse a estimativa da chuva, quando
comparado com o produto da IDF. Assim, os coeficientes de
desagregação médios (Pd/P24) podem ser utilizados para qualquer
TR, sem alterar significativamente o valor obtido, exceto para um TR
de 100 anos.
Observa-se, portanto, que a metodologia das relações entre
durações produziu resultados confiáveis para o posto localizado
na cidade de Santa Maria/RS, desde que utilizada para estimar
precipitações cujos tempos de retorno e duração estejam contidos
na série de dados observados. Contudo, as relações apresentadas
devem ser aplicadas com cautela, uma vez que o comportamento
pluviométrico pode ser variável no perímetro municipal, embora
os valores obtidos neste trabalho estejam em consonância com os
valores médios brasileiros apresentados pela CETESB (1986).

5. CONCLUSÃO

Neste estudo foi verificada a validade da metodologia baseada


na relação entre precipitações de diferentes durações para a obtenção
de dados sub-diários a partir de dados pluviométricos. Para isso, foram
comparados valores que seriam obtidos mediante o emprego de uma
equação IDF com os resultados encontrados a partir da metodologia
da relação entre durações de chuva.
A análise demonstrou que a metodologia pode ser uma
importante ferramenta para locais em que os dados pluviográficos
são inexistentes, ou cuja série é muito curta, visto que não foram
encontradas diferenças consideráveis comparativamente com valores
obtidos a partir de uma relação IDF.
Também foi possível identificar que a incorporação do período
de recorrência no estabelecimento da relação entre durações
não proporcionou uma melhora significativa na estimativa da
chuva sub-diária. Além disso, verificou-se que os coeficientes de

- 59 -
desagregação obtidos neste estudo possuem valor muito próximo
àqueles apresentados como uma média para o Brasil (CETESB, 1986),
sugerindo a validade da metodologia generalizada.
Maiores incertezas no processo de estimativa da chuva sub-
diária a partir da relação entre durações estiveram associadas às
chuvas com períodos de recorrência elevados como o de 100 anos.
Esse resultado era esperado, diante da incerteza na extrapolação
de valores de chuva para períodos de recorrência que superem a
extensão da série.
Assim, embora os resultados obtidos por meio da IDF e relação
entre durações mostrarem-se similares, o emprego da metodologia
das relações entre durações deve ser realizado com algumas ressalvas,
especialmente para maiores períodos de recorrência, uma vez que se
faz necessário conhecer o comportamento pluviométrico do local.
Esse conhecimento é possível com o monitoramento, sendo que sua
falta é justamente o que leva à utilização da metodologia avaliada
neste estudo.

- 60 -
REFERÊNCIAS
BACK, A.J. Relações entre precipitações intensas de diferentes durações
ocorridas no município de Urussanga-SC. Revista Brasileira de
Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande. v.13, n.2, p.170-
175, 2009.

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intensas: desenvolvimento e aplicação aos dados de Santa Maria –RS.
Universidade Federal de Santa Maria, Dissertação de Mestrado. Santa
Maria-RS. 1991.

BERTONI, J.C.; TUCCI, C.E.M. Precipitação. In: Carlos E. M. Tucci.


(Organizador). Hidrologia: Ciência e Aplicação, Porto Alegre: Ed.
UFRGS/ABRH, 2 ed., 1 reimp. 2000, p.177-241, 2000.

CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Drenagem


urbana – manual de projeto. 3.ed. São Paulo: CETESB, 464p., 1986.

CHEN, C. L., Rainfall intensity-duration-frequency formulas, J. Hydraul. Eng.,


ASCE, 109(2), p. 1603-1621, 1983.

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Hill Education. 1988, 572 p.

COSTA, A. R.; RODRIGUES, A. A. Método das isozonas: desvios entre


resultados In: Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 13, 1999, Belo
Horizonte. Anais. Belo Horizonte: ABRH, 1999. CD Rom.

ELTZ, F.L.F.; REICHERT, J.M.; CASSOL, E.A. Período de retorno de chuvas


em Santa Maria-RS. Revista Brasileira de Ciências do Solo, Campinas.
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NAGHETTINI, M.; PINTO, E.J.A. Hidrologia Estatística, Belo Horizonte.


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OLIVEIRA. L. F.; CORTES, F. C.; BARBOSA, F. O. A.; ROMÃO, P. A.


CARVALHO, D. F. Estimativa das equações de chuvas intensas para
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chuvas. Pesquisa Agropecuária Tropical, v.30, n.1, p.23-27, 2000.

OMM - Organização Meteorológica Mundial, Guía de Prácticas Hidrológicas:


Adquisición y processo de datos análisis, predicción y otras
aplicaciones, OMM - nº 165, 5ª edição, Ginebra, OMM, 1994. 781p.

- 61 -
TORRICO. J. J. T. Práticas Hidrológicas. Rio de Janeiro: Transcom,120 p, 1974.

- 62 -
Capítulo 4

COMO AS FALHAS DAS


PREVISÕES PODEM AJUDAR
A MELHORAR OS MODELOS
HIDROLÓGICOS?
CASO DOS EVENTOS DE CHEIA DE 2013 NA FRANÇA

Carina Furusho
Quentin Stomp
Charles Perrin
Maria-Helena Ramos

- 63 -
- 64 -
INTRODUÇÃO E ESCOPO

Atribuir maior relevância à análise de falhas e erros dos


modelos de simulação e previsão chuva-vazão seria benéfico para o
avanço das ciências hidrológicas, como sugerem Andréassian et al.
(2010). Progresso pode ser obtido através de análises aprofundadas
de observações e resultados que desviam dos valores esperados. A
análise pós-evento é uma preciosa fonte de aprendizado. Uma vez
que nos deparamos com uma falha no sistema, tentamos entender
as causas do problema para que as chances de sucesso sejam maiores
nas próximas vezes. Apesar de sabermos de tudo isso, os casos mal-
sucedidos são raramente comunicados em publicações científicas.
A maioria dos artigos ainda focalizam principalmente os casos em
que os modelos hidrológicos conseguiram produzir simulações
bem sucedidas. As histórias de fracasso, entretanto, podem ser tão
instrutivas quanto as de sucesso. Na previsão operacional de cheias,
também se espera que os modelos sejam sempre capazes de prever
os eventos de interesse com precisão e fiabilidade. No entanto,
quando são avaliados os resultados de um modelo após uma série de
eventos, podem-se constatar deficiências nas previsões feitas pelo
modelo. Falhas nas previsões podem ser ocasionais ou persistentes,
dependendo do modelo e dos tipos de eventos que ocorrem na bacia
hidrográfica. Avaliar o porquê dessas falhas e aprender com essas
avaliações pode levar a uma melhor compreensão do sistema de

- 65 -
previsão e, potencialmente, contribuir para identificar oportunidades
de melhoria de sua eficiência.
O primeiro passo incontornável de uma análise de “feedback”
na previsão de eventos hidrológicos é o controle de qualidade dos
principais dados disponíveis, que, nos modelos hidrológicos em geral,
são os dados de chuva e de vazão. A literatura é abundante em métodos
de avaliação de dados observados. Por exemplo, Kondragunta e
Shresta (2006) introduziram um método em quatro etapas para validar
dados de precipitação, consistindo de: 1 - detecção automática de
erros grosseiros de transmissão, 2 - verificação de condições limites,
3 - coerência com dados de estações vizinhas e 4 - verificação humana
especialista. Kondragunta (2001) propõe um índice de consistência
espacial para identificar dados aberrantes de precipitação (“outliers”).
Sun et al. (2011) apresentam uma síntese abrangente sobre métodos
de validação de dados hidrológicos, comparando diferentes
abordagens de detecção e de correção de erros nos dados medidos. As
abordagens incluem, entre outros, métodos estatísticos de detecção
de desvios, análises de valores extremos e métodos de estatística
multivariada a partir da análise de componentes principais. As opções
de correção de erros mais comuns são os métodos de interpolação,
atenuação, reconciliação de dados e “data mining”. Os autores
enfatizam a necessidade de desenvolver processos mistos, usando
ambos os métodos de validação, automáticos e manuais, de maneira
equilibrada e complementar.
Uma vez que os dados observados são validados, o segundo
passo consiste em verificar a pertinência do modelo utilizado. No caso
de um modelo de transformação chuva-vazão baseado em parâmetros
a serem calibrados, é preciso avaliar a pertinência dos valores usados.
Entretanto, é preciso considerar que diferentes conjuntos de valores
dos parâmetros, e não um único conjunto ótimo, podem produzir
ajustes satisfatórios entre dados simulados e dados observados. A
não-singularidade da calibração, ou equifinalidade, pode ser explorada
para agregar incertezas às predições (Beven e Freer, 2001). Métodos

- 66 -
manuais de calibração sofisticados podem resultar em excelentes
calibrações (Anderson, 1997), mas o processo exige experiência e
tempo, principalmente se o modelo possui muitos parâmetros. Vários
trabalhos apresentam técnicas para tornar mais rápido e eficiente
o processo de calibração automática dos modelos hidrológicos,
tanto na busca do critério estatístico ideal a ser otimizado (James e
Burges, 1982; Bravo et al., 2009) como nos esforços para desenvolver
melhores algorítimos de otimização (Brazil, 1988; Dual et al., 1992).
Por exemplo, Boyle et al. (2000) desenvolveram um método de
calibração automático combinando estratégias usadas em calibração
manual para selecionar as soluções “hidrologicamente” coerentes.
Segundo eles, essa abordagem garante um teste mais robusto que o
uso de um único critério estatístico que agrega erros em uma ampla
gama de comportamentos hidrológicos, praticado em calibrações
puramente automáticas. Enfim, dentro de um contexto amplo de
análise da pertinência de um modelo hidrológico, Sarmento e Koide
(2009) propõem um método de confirmação do modelo hidrológico,
organizando as ferramentas disponíveis para o aprimoramento,
análise e quantificação do desempenho do modelo.
No presente artigo, nós mostramos como um modelo
confirmado e utilizado operacionalmente há anos ainda pode ser
aprimorado pelo diagnóstico de falhas de previsão. Primeiramente,
apresentamos o modelo GRP, que é o modelo hidrológico utilizado no
estudo de caso que é descrito em seguida. Este se refere à previsão
das cheias de 2013 em quinze rios situados à montante da bacia
hidrográfica do rio Sena em Paris (França). O método proposto para
realizar o diagnóstico de falhas é apresentado, seguido dos principais
resultados obtidos. O artigo é concluído com uma discussão sobre os
benefícios do método proposto para integrar sistematicamente as
análises pós-eventos de falhas dos sistemas de previsão hidrológica.

- 67 -
2. METODOLOGIA E ESTUDO DE CASO

2.1. Modelo de previsão hidrológica GRP

O modelo hidrológico de previsão GRP (Berthet et al., 2009)


vem sendo desenvolvido na França pelo Instituto Nacional de Pesquisa
em Ciências e Tecnologias para o Meio-Ambiente e Agricultura,
Irstea (www.irstea.fr), há quase 10 anos. Concebido para simular
a transformação chuva-vazão em modo contínuo e possibilitar a
assimilação de dados de vazão coletados em tempo real, o modelo
responde a um compromisso entre eficácia e facilidade de utilização.
A plataforma de previsão operacional na qual encontra-se inserido
é difundida pelo SCHAPI, o Serviço central de apoio à previsão de
inundações na França. Esta plataforma é atualmente utilizada em
mais de 70% dos serviços locais de previsão de enchentes do país. A
dinâmica de transferência dos resultados de pesquisa pela difusão do
modelo operacional do GRP é descrita em Furusho et al. (2013).
A estrutura do modelo conceitual GRP é composta por
reservatórios (Figura 1). A função de produção é baseada em um
reservatório de monitoramento da umidade do solo e em um coeficiente
de ajuste da quantidade de precipitação que é otimizado para cada
bacia (parâmetro: CORR). A função de transferência é constituída
por um hidrograma unitário e um reservatório de transferência não-
linear. O tempo de base do hidrograma unitário (parâmetro: TB) e a
capacidade máxima deste último reservatório (parâmetro: ROUT)
são dois outros pararâmetros a serem otimizados para cada bacia.
Desta forma, o modelo só depende de três parâmetros livres a serem
calibrados. O baixo nível de complexidade do modelo confere a este
uma boa estabilidade, assim como robustez e facilidade de utilização.
Outro aspecto que facilita a implementação do sistema é que o
modelo precisa somente de dados de chuva, de evaporação potencial
e de vazão para funcionar. O modelo assimila dados observados
de vazão em tempo real por um método de atualização direta do

- 68 -
reservatório de transferência e uma função auto-regressiva de erros.
O trabalho de Berthet et al. (2009) mostra que o método de redes
neurais artificiais pode ainda melhorar as correções pela assimilação
dos dados de vazão em tempo real de maneira significativa em alguns
casos.

RESERVATÓRIO
E P DE NEVE

INTERCEPÇÃO DERRETIMENTO

En Pn

Pn-Ps
Es Ps
RESERVATÓRIO DE
UMIDADE

Pr
PERC AJUSTEMENTO DO
VOLUME (CORR)
Pr*CORR

HIDROGRAMA
UNITÁRIO (TB)
Q

VAZÃO
ASSIMILAÇÃO RESERVATÓRIO
OBSERVADA
DE
TRANSFERÊNCIA
( ROUT)
ERRO
PRECEDENTE

^
VAZÃO PREVISTA Q

Figura 1 – Esquema da estrutura do modelo GRP, onde P é a precipitação total, E a


evaporação total. O índice n indica valores após o processo de intercepção e o índice
s indica entradas e saídas do reservatório de umidade (ou de produção). PERC é o
fluxo de percolação e Pr, o escoamento superficial, que é corrigido pelo parâmetro
calibrado CORR antes de ser transferido pelo hidrograma unitário caracterizado pelo
parâmetro de tempo de base TB e um reservatório de transferência de capacidade
máxima ROUT. A vazão assimilada em tempo real é usada para corrigir o conteúdo do
^
reservatório de transferência e o valor da vazão prevista Q.

- 69 -
Diversas pesquisas foram e têm sido conduzidas visando
aprimorar o desempenho do modelo e enriquecê-lo com novas
funcionalidades. Em paralelo, busca-se igualmente re-adaptar o
sistema de previsão à partir da experiência dos previsores dos centros
operacionais responsáveis pelos alertas à cheias. Esta interação
tem se revelado uma fonte de reflexão muito rica para trabalhar
novas formas de desenvolver tanto o modelo e suas representações
matemáticas, como o produto operacional que servirá de base para
a tomada de decisão do previsor. O estudo de caso a seguir ilustra
esse processo, partindo de uma análise de pós-evento do sistema de
previsão hidrológica utilizado por mais de 5 anos em um serviço local
de previsão de cheias.

2.2. Estudo de caso

A tabela 1 sintetiza as principais características das bacias


selecionadas para este estudo. A escolha foi feita de acordo com a
relevância das bacias do ponto de vista operacional, incluindo aquelas
para as quais o serviço de previsão de cheias ‘Seine Moyenne Yonne –
Loing’ (SPC SMYL) deseja ter melhores previsões hidrológicas.
As bacias possuem áreas que variam entre 99 km² e 43800 km²
(seção do rio Sena em Paris), com uma mediana de aproximadamente
640 km². O tempo de resposta de cada bacia foi estimado pelo
parâmetro do hidrograma unitário do modelo GRP. Este varia entre
6 e 48 horas, com um valor mediano de 12 horas. O método do
“split-sample” (Klemes, 1986) foi aplicado para avaliar a eficiência do
modelo para um horizonte de previsão de 24 horas. O erro relativo
absoluto médio (ERAM) obtido em validação no período de 1997-2013
é de, em média, 11%, com valores máximo e mínimo de 14% e 6%,
respectivamente.

- 70 -
Tabela 1: Principais características das bacias (EARM: Erro relativo
absoluto médio em validação no processo de calibração do modelo)
Exutório da bacia hidrográfica Área (km²) Tempo de resposta (h) ERAM (%)
Yonne @ Dornecy 781 18 9.65
Beuvron @ Ouagne 264 12 11.85
Serein @ Dissangis 643 18 12.55
Armancon @ Brianny 222 6 11.55
Brenne @ Montbard 732 9 6.90
Armancon @ Aisy 1350 12 9.25
Loing @ Montbuy 409 18 14.05
Aveyron @ La Chapelle 99 12 12.45
Ouanne @ Toucy 153 6 12.50
Ouanne @ Charny 562 18 13.40
Bezonde @ Pannes 339 12 12.90
Orge @ Morsang 922 6 11.00
Marne @ La Ferté 8818 24 6.00
Grand Morin 770 9 11.15
Seine @ Austerlitz 43800 48 9.20

2.3. Previsão em tempo real do evento de maio 2013

Segundo o serviço meteorológico francês, Météo-France1,


o ano de 2013 foi um ano úmido na França, com um acúmulo de
precipitações de 10% superior à média climatológica, em média no
territorio francês. A região de estudo foi particularmente atingida por
grandes quantidades de chuva. Estimamos os períodos de recorrência
dos eventos de cheia neste estudo variando de 1 a 20 anos, dependendo
da bacia hidrográfica (figura 2-b). Durante este evento, o modelo de
previsão hidrológica GRP apresentou falhas nas suas previsões, com
a subestimação dos picos de cheia. As causas possíveis para explicar
estas falhas (veja o exemplo do rio Yonne, na figura 3) são diversas. Elas
podem decorrer de estimativas incorretas de precipitação na bacia,
erros nos dados de vazão assimilados em tempo real, parâmetros

1 http://www.meteofrance.fr/climat-passe-et-futur/bilans-climatiques/
bilan-2013/bilan-climatique-de-l-annee-2013

- 71 -
inapropriados em consequência de uma calibração ineficaz, ou ainda
de uma inadequação da estrutura do modelo para certas bacias e/
ou certos eventos. A metodologia proposta na próxima sessão foi
aplicada para identificar a causa principal das falhas de previsão
observadas.

Figura 2. (a) Localização das bacias estudadas na área sob responsabilidade


do SPC SMYL(área cinza no norte da França). (b) A direita, uma visão das sub-
bacias à montante do rio Sena em Paris e a indicação dos períodos de recorrência
correspondentes para os eventos do mês de maio de 2013

2.4. Método do diagnóstico das falhas de previsão

O diagnóstico é baseado em duas fases principais, descritas a


seguir: verificação da qualidade dos dados e verificação da calibração
do modelo.
A primeira fase consiste em verificar a qualidade dos dados
usados para calibrar o modelo e para alimentar o modelo em tempo
real. O histórico utilizado para calibrar o modelo é analisado. No caso de
lacunas importantes nas séries de dados observados de precipitação,
estas são completadas com dados de estações pluviométricas
vizinhas, seguindo as recomendações de Kondragunta e Shresta
(2006). Para as previsões em tempo real, é essencial assegurar a

- 72 -
qualidade dos cenários de precipitação, como também dos dados
de vazão assimilados, com o cuidado de considerar um eventual
impacto de barragens a montante e a qualidade das curvas-chave,
principalmente para as vazões mais altas que podem estar sujeitas a
problemas de extrapolação. Todas estas questões foram analisadas
em colaboração com o centro local de previsão de cheias. Este
forneceu todas as séries temporais de dados observados, bem como
as previsões de precipitação e as imagens de radar da Météo France.
Como a quantidade de dados a serem analisados é relativamente
pequena e podia ser avaliada por profissionais experientes do serviço
de previsão, o processo de validação manual foi aplicado, como é feito
na maioria dos casos em condições similares (Jorgensen et al., 1998).
Na segunda fase do estudo, buscou-se testar e reavaliar
diferentes estratégias de calibração para verificar se exisitiria um
jogo de parâmetros capaz de fornecer melhores previsões de
cheias extremas, sem, no entanto, degradar o desempenho do
modelo no caso de cheias mais frequentes ou impactar o tempo de
processamento dos cálculos, que é essencial no contexto operacional
em que o modelo é utilizado. Utilizou-se a função objetivo baseada
na soma dos erros quadráticos (RMSE, equação 1), pois ela tende
a enfatizar a minimização dos resíduos localizados nos picos dos
hidrogramas de cheia (Sarmento e Koide, 2009).

1 n
RMSE   Qobs (i  L)  Q prev (i  L)2
n i 1
(1)

onde,
Qobs é a vazão observada
Qprev é a vazão prevista
n é o número de valores da série temporal
i é o instante de previsão e
L é o horizonte de previsão

- 73 -
Como diversos conjuntos de valores de parâmetros podem ser
adaptados para representar o comportamento hidrológico de uma
mesma bacia hidrográfica, podemos esperar que um novo conjunto
de valores seja capaz de melhorar as previsões insatisfatórias, sem
degradar de maneira significativa o desempenho global do modelo.
Na busca desse novo conjunto (ou novos conjuntos) de valores,
testamos diversos métodos de seleção de períodos da série de dados
históricos a serem usados para a calibração. Testamos inicialmente a
calibração usando todos os dados do período completo disponível.
Para enfatizar o ajuste dos dados previstos aos dados observados
localizados nos picos de vazão, realizamos a segunda amostragem
selecionando somente vazões superiores à vazão média. Enfim, a
terceira estratégia testada foi a calibração usando somente dados
de vazões em período ascendente dos hidrogramas, para privilegiar
a dinâmica de aumento do escoamento em detrimento dos períodos
de recessão.
Uma vez que a estratégia de calibração ideal para a amostra
de quinze bacias do estudo de caso foi identificada, verificamos o
caráter generalizável dos resultados obtidos em uma amostra mais
abrangente de 202 bacias hidrográficas francesas, em diferentes
condições morfoclimáticas (Figura 3). As séries de dados de 10 anos
de chuva, vazão e evapotranspiração utilizadas foram estabelecidas
por Bourgin et al. (2014).
Utilizou-se um indicador de desempenho de interesse
operacional que compara as previsões efetuadas pelo modelo com as
previsões que seriam fornecidas pour um modelo “naïf” de persistência
(Kitadinis e Bras, 1980). No modelo de persistência, no instante i+L,
para todo e qualquer horizonte de previsão L, a vazão prevista é
igual ao último valor de vazão observado no instante i da previsão,
ou seja, Qobs(i). A comparação entre o modelo de previsão e o modelo
de persistência é feita usando os erros quadráticos médios em um
critério adimensional (Eff, equação 2) definido pelo quociente entre

- 74 -
Figura 3. Exemplo de falha de previsão do dia 01/05/2013 no rio Yonne. As linhas
escuras correspondem aos valores de vazão medidos (m3s-1) e as linhas claras às
previsões do modelo GRP. As barras verticais indicam um intervalo de confiança
de 90% calculado pelo método empírico (Bourgin et al, 2014). O nível de alerta é
indicado pela linha horizontal contínua. A linha vertical tracejada indica o instante de
previsão. As chuvas medidas são representadas por hietogramas na parte superior do
gráfico, em mm.h-1

os erros médios do modelo avaliado (numerador) e os erros médios


do modelo de referência dado pela persistência (denominador):
n

 Q (i  L)  Q prev (i  L) 
2

Eff  1 i 1
obs
(2)
n

 Q (i  L)  Qobs (i ) 
2
obs
i 1

Este critério pode variar entre -∞ e 1. Se Eff = 1, o modelo


é “perfeito” (o erro médio é nulo). Se Eff= 0, o modelo avaliado é
equivalente ao modelo de persistência. Um critério negativo (positivo)
indica que o modelo testado fornece previsões piores (melhores) que
as do modelo de persistência.

- 75 -
Como os valores fortemente negativos do critério de eficiência
Eff são difíceis de interpretar, sobretudo nos cálculos estatísticos em
amostras com um grande número de bacias, uma versão limitada
deste critério foi formulada por Mathevet et al. (2006) e denominada
C2MP. Este novo critério é definido pela expressão:

Eff
C 2MP  (3)
2  Eff

O critério C2MP varia no intervalo ]-1,1] e os valores 1 e 0


conservam os mesmos significados que têm os valores -∞ e 1 para o
critério de persistência Eff. A vantagem desta adaptação é de evitar
que a média deste critério, em uma amostra de muitas bacias, seja
muito influenciada por valores fortemente negativos.

3. RESULTADOS

Os resultados da primeira fase de avaliação (verificação


dos dados usados) mostraram que, mesmo usando como cenário
de precipitação os valores medidos e controlados a posteriori, as
previsões de vazão do modelo GRP continuavam subestimando
as vazões medidas de maneira significativa em algumas bacias da
amostra analizada. Passou-se então, em seguida, à segunda fase de
avaliação das falhas do modelo (verificação da calibração do modelo).
Entre as três estratégias de amostragem para a calibração do
modelo, a amostragem baseada nos gradientes positivos (períodos
de aumento de vazão) obteve a melhor representação dos picos das
principais cheias, sem perda de desempenho nas previsões contínuas
da série histórica completa de dados de vazão. A figura 4 mostra dois
exemplos que ilustram a melhora significativa dos picos de vazão
que pôde ser obtida graças à mudança na estratégia de amostragem
de dados de calibração para prever os eventos de 2013, uma no rio
Armançon @ Briany (quadros 5a e 5b) e a outra no rio Yonne @

- 76 -
Dornecy (quadros 5c e 5d). Nos exemplos em questão, os erros de
previsão dos picos de vazão poderiam ter sido reduzidos em mais de
50% e, no caso do rio Armançon, essa correção teria permitido prever
a ultrapassagem do nível de alerta de inundação que não foi previsto
pelo modelo com os parâmetros iniciais.

Figura 4. Amostra de 202 bacias hidrográficas na França usada para verificar o caráter
generalizável dos resultados obidos no caso de estudo. As bacias são identificadas em
cinza e os exutórios por círculos. (Bourgin, 2014)

Melhoras semelhantes foram observadas visualmente nos


maiores picos de vazão do período de 10 anos simulados para cada
uma das 202 bacias hidrográficas da segunda amostra analizada. A
eficiência global representada pelo indicador de desempenho C2MP

- 77 -
Figura 5. Vazões observadas em linhas cinzas escuras e vazões previstas em cinza
claro. A linha tracejada vertical indica o instante de previsão e a linha contínua
horizontal corresponde ao nível de alerta. A previsão do dia 02/05/2013 às 18h na
estação de Armançon @ Briany (a) usando parâmetros calibrados na série completa
de dados históricos disponíveis e (b) limitando a amostragem em período de aumento
de vazão. Previsão do dia 01/02/2013 às 5h na estação do rio Yonne @ Dornecy (c)
usando parâmetros calibrados na série completa e (d) limitando a amostragem em
período de aumento de vazão.

Figura 6. Comparação da distribuição


de eficiências C2MP numa amostra
de 202 bacias hidrográficas na França.

- 78 -
foi calculada na série completa de dados históricos desta amostra de
202 bacias hidrográficas. A figura 5 mostra que a eficiência global não
é prejudicada pela mudança de amostragem, mesmo considerando
que esta reduz a quantidade de dados usados para a calibração.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, investigamos as falhas de previsão observadas


durante um evento de cheia ocorrido em maio de 2013 em uma
amostra de 15 sub-bacias da bacia do rio Sena em Paris. Buscou-se
primeiro verificar a qualidade dos dados observados e, em seguida, a
calibração do modelo hidrológico de previsão GRP, usado pelo serviço
operacional da bacia. Nesta segunda fase, uma nova estratégia de
amostragem foi escolhida para que o modelo seja mais adaptado aos
fortes eventos de cheia. Essa estratégia foi em seguida verificada em
uma amostra contendo 202 bacias hidrográficas francesas.
Partimos do método clássico de calibração automática e
testamos maneiras simples de selecionar trechos das séries históricas
de chuva e de vazão disponíveis de modo a obter um conjunto de
parâmetros capaz de reproduzir os eventos de cheia mais importantes
das bacias hidrográficas estudadas, sem no entanto degradar o
desempenho médio do modelo. Para o estudo de caso analisado,
observou-se que a amostragem baseada nos gradientes positivos,
ou seja, nos períodos de aumento de vazão, forneceu os melhores
resultados em termos de simulação dos picos de cheia.
A metodologia proposta de diagnóstico de falhas de previsão
permite valorizar as análises pós-eventos de cheia de maneira simples
e rápida, através do questionamento da robustez dos parâmetros
do modelo calibrados e até então utilizados para as previsões em
tempo real. Os resultados são particularmente úteis para serviços
operacionais de previsão de cheias, pois mostram que uma melhora
significativa pode ser obtida sem necessariamente mudar a estrutura

- 79 -
do modelo, mas somente afinando a estratégia de amostragem da
calibração automática usada em modelos conceituais parcimoniosos.
Este método é também apropriado para testes pré-operacionais
que precedem a implementação de um modelo hidrológico em um
sistema de alerta e previsão de cheias.

- 80 -
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- 82 -
Capítulo 5

MONITORAMENTO E
MODELAGEM DA QUALIDADE
DA ÁGUA DO ESCOAMENTO
SUPERFICIAL URBANO NAS
BACIAS DOS CÓRREGOS RESSACA
E SARANDI (MINAS GERAIS,
BRASIL)

Talita Silva
Brigitte Vinçon-Leite
Guido Petrucci
Nilo Nascimento

- 83 -
- 84 -
INTRODUÇÃO

Durante muito tempo, a poluição advinda dos efluentes


domésticos e industriais mascarou a poluição proveniente do
escoamento superficial urbano. A contribuição do escoamento
superficial na degradação dos meios aquáticos receptores passou a
ser percebida somente à medida em que as técnicas de tratamento
dos esgotos foram sendo aprimoradas (ELLIS, 1991; VALIRON e
TABUCHI, 1992).
A poluição presente no escoamento superficial tem como
origem a poluição atmosférica que é “lavada” sob a ação das chuvas
e a lavagem e erosão das superfícies da bacia hidrográfica. As fontes
de poluição atmosférica podem ser naturais, no entanto, em regiões
urbanizadas predominam fontes antrópicas, com destaque para as
emissões industriais oriundas de atividades relacionadas ao transporte
e à combustão de resíduos domésticos e industriais. A poluição
atmosférica pode ter origem na própria região de emissão do poluente
(origem endógena), como pode ter sido transportada por longas
distâncias sob a ação do vento (origem exógena). Quanto à lavagem
e erosão das superfícies, três mecanismos principais influenciam na
quantidade de poluentes mobilizados: (i) a acumulação de poluentes
sobre a superfície da bacia, (ii) a erosão de poluentes devido ao
impacto das gotas de chuva sobre o solo e devido ao escoamento
superficial e; (iii) o transporte do poluente até a rede de drenagem
(HALL e ELLIS, 1985). Durante o transporte até a rede de drenagem,

- 85 -
sedimentos e poluentes mobilizados pelo escoamento superficial
podem se aderir às superfícies adjacentes ou sedimentar-se e então,
serem removidos do fluxo de escoamento principal. Ainda durante o
transporte e também na rede de drenagem, os poluentes podem ser
transformados por meio de processos químicos e biológicos, como a
biodegradação e a fotólise (GROMAIRE-MERTZ et al., 1998).
Os poluentes mais frequentemente encontrados no escoamento
superficial urbano são os sólidos em suspensão provenientes da
poeira das ruas; a matéria orgânica e os nutrientes presentes nos
resíduos domésticos, na vegetação e nos dejetos animais e; os
metais-traço advindos da circulação de veículos automotores e de
fontes industriais e comerciais. A circulação de automóveis também
é fonte de óleos, graxas e hidrocarburantes (Petrucci et al., 2014).
Além disso, a qualidade das águas escoadas pela superfície de uma
bacia hidrográfica urbana varia significativamente de um local para
outro, em função da intensidade do evento chuvoso, da quantidade
de dias secos que precederam a chuva, das características da rede de
drenagem, das características geomorfológicas, do uso do solo e das
taxas de impermeabilização na área de drenagem (TSIHRINTZIS e
HAMID, 1997).
As atividades antrópicas desenvolvidas em uma bacia
hidrográfica podem influenciar a qualidade da água do escoamento
superficial, em outras palavras, existe uma relação entre o uso do
solo e a poluição do escoamento superficial. No entanto, várias
pesquisas que se dedicaram a estudar esse assunto não obtiveram
sucesso ao tentar quantificar essa relação (e.g. US Environmental
Agency - EPA, 1983; MAESTRE e PITT, 2005; GOONETILLEKE et al.,
2005; HA e STENSTROM, 2003; ZGHEIB et al., 2011; LIU et al., 2013).
Isso se deve à grande variabilidade nas concentrações de poluentes
no escoamento superficial para diferentes eventos chuvosos e de um
local para outro, o que dificulta o estabelecimento de correlações
significativas e gerais entre o uso do solo e o aporte de poluentes. Essa
diversidade de fatores intervenientes na qualidade do escoamento

- 86 -
superficial urbano, somada à carência de protocolos padronizados
para quantificação da poluição transportada dificulta a caracterização
da mesma e também a comparação entre estudos realizados sobre o
assunto.
Em relação à modelagem da qualidade das águas do
escoamento superficial urbano, diferentes abordagens têm sido
desenvolvidas desde a década de 1970 e utilizadas para prever a
dinâmica dos poluentes, quantificar o aporte de poluentes nos meios
aquáticos receptores e dimensionar estruturas destinadas ao controle
da poluição difusa (BORAH e BERA, 2004). Dentre as principais
abordagens desenvolvidas destacam-se os modelos descritos abaixo:
• Modelos estáticos: um valor constante de concentração
de um dado poluente é multiplicado pelo volume do
escoamento superficial durante um certo intervalo de
tempo, fornecendo o aporte total em massa desse poluente.
O valor da concentração constante frequentemente é
adotado igual à concentração média do poluente durante
um ou mais eventos chuvosos (Event Mean Concentration
- EMC), estimada a partir de monitoramento local ou da
literatura. Também pode ser utilizada uma concentração
constante por unidade de tempo e de área, de modo
que o aporte total do poluente seja obtido através da
multiplicação dessa concentração pela área de contribuição,
sendo possível considerar diferentes tipos de uso do solo.
Os dois métodos descritos acima podem ser utilizados
conjuntamente para fornecer aportes em poluentes
ponderados pelo volume do escoamento superficial e
considerando-se ao mesmo tempo o uso do solo. Os
modelos estáticos demandam uma pequena quantidade de
dados e não precisam de informações sobre a rede de águas
pluviais e sobre os fenômenos físico-químicos e biológicos
que podem influenciar no aporte de poluentes. No entanto,
esses modelos têm utilização limitada aos locais para onde

- 87 -
obtiveram-se as concentrações constantes de poluentes.
Exemplos de aplicação podem ser encontrados em
Donigian e Huber (1991).
• Modelos de regressão: a carga poluente é estimada em
função de variáveis explicativas, por exemplo, informações
sobre a chuva, o escoamento superficial, a ocupação do
solo, taxas de impermeabilização, temperatura do ar,
entre outros. Esse tipo de modelo é bastante utilizado
para estimar o EMC de eventos chuvosos para diversos
poluentes e construir curvas chave relacionando vazões e
concentrações de poluentes (e.g. DRIVER e TROUTMAN,
1989). No entanto, com bastante frequência as regressões
obtidas não podem explicar a variabilidade observada de
modo satisfatório em razão da complexidade dos processos
envolvidos no aporte de poluentes e da pouca disponibilidade
de dados. Além disso, os modelos de regressão não são
recomendados para se realizar extrapolações. Apesar
desses inconvenientes, os modelos de regressão são muito
úteis para fornecer estimativas preliminares do aporte de
poluentes no escoamento superficial. Mais recentemente,
aplicaram-se redes neurais na modelagem do escoamento
superficial urbano (PAGOTTO, 1999), sofisticando, assim,
os modelos de regressão.
• Modelos estocásticos: são baseados no fato de que a
transformação chuva-vazão possui uma natureza aleatória.
Diversos estudos sobre a quantificação do EMC revelaram
que o mesmo tem uma distribuição de frequência log-
normal (MAESTRE e PITT, 2005). Quando a distribuição
de frequências do EMC de um dado poluente é acoplada
à distribuição de frequências das vazões do escoamento
superficial (que também pode ser descrita pela distribuição
log-normal), é possível obter a distribuição de frequências
das cargas poluentes formadas durante os eventos

- 88 -
chuvosos (e.g. EPA, 1979; SHELLEY et al., 1987). Os
modelos estocásticos visam, portanto, à análise estatística
dos dados referentes às cargas poluidoras de modo a
determinar a poluição máxima possível de ser lançada no
meio receptor em função de um período de retorno. Além
disso, a distribuição de frequência log-normal do EMC é
também utilizada para determinar incertezas relacionadas
ao seu valor (MCLEOD et al., 2006).
• Modelos complexos determinísticos: são modelos
hidráulicos dotados de diferentes módulos de cálculo para
reproduzir os diversos processos do ciclo hidrológico, tais
como: a transformação chuva-vazão, o escoamento sobre
a superfície da bacia e também os processos de deposição,
lavagem, transporte e transformação dos poluentes
(HUBER, 1986). Vários modelos hidrológico-hidráulicos de
natureza determinística estão disponíveis para simulações
de bacias hidrográficas urbanas, assim como para bacias
rurais. Tsihrintzis e Hamid (1997) e Zoppou (2001) fazem
uma revisão sobre a modelagem hidrológica e descrevem
diversos modelos utilizados na simulação da qualidade da
água do escoamento superficial.
Em especial, no caso dos modelos determinísticos complexos,
um dos principais obstáculos à modelagem do escoamento superficial
reside na dificuldade de obtenção de dados hidrológicos, tais quais,
medidas de precipitação, vazões e concentração de poluentes. Mesmo
quando esses dados estão disponíveis, grandes incertezas inerentes
ao seu processo de medição podem estar presentes e os resultados
obtidos com os modelos não são satisfatórios (GAUME et al., 1998).
Acrescenta-se a isso, a complexidade dos fenômenos envolvidos na
produção, no transporte superficial e nas redes de drenagem e nas
transformações físico-químicas e biológicas dos poluentes que são
representados de forma simplificada nos modelos existentes. De fato,

- 89 -
abordagens clássicas adotadas desde a década de 1970 constituem
a base atual dos modelos e poucos avanços foram realizados nos
últimos anos. Nesse contexto, o objetivo desse trabalho é contribuir
para o estudo da qualidade da água do escoamento superficial em
bacias urbanas através do monitoramento e modelagem das vazões e
da qualidade da água dos córregos Ressaca e Sarandi (Belo Horizonte,
Minas Gerais) durante eventos chuvosos.

1. METODOLOGIA

1.1 Local de estudo

Os córregos Ressaca e Sarandi são os dois principais afluentes


da Lagoa da Pampulha (Belo Horizonte, Minas Gerais), tanto no que
se refere às vazões afluentes, como em relação às cargas poluentes
(TÔRRES et al., 2007). O córrego Ressaca e sua área de drenagem (20,6
km2) estão totalmente inseridos no município de Belo Horizonte. Esse
curso d’água percorre 8,8 km desde sua nascente, nas proximidades
do antigo aterro sanitário de Belo Horizonte, até a confluência com o
córrego Sarandi cuja nascente encontra-se no município de Contagem
(Figura 1). O córrego Sarandi percorre 14 km até chegar à Lagoa da
Pampulha e drena uma área de 41,1 km2 de acordo com o Serviço
Geológico do Brasil (CPRM, 2001). O clima da região é classificado
como tropical de altitude, com duas estações bem definidas ao longo
do ano: a estação chuvosa, entre outubro e março, e a estação seca,
entre abril e setembro. Durante a estação chuvosa, ocorre cerca
de 90% da precipitação média anual cujo valor é 1500 mm.ano-1
(NASCIMENTO et al., 2002). A temperatura do ar apresenta pequena
amplitude ao longo do ano, sendo a mínima média mensal de 13,1ºC
registrada em julho, e a máxima média mensal de 28,8ºC em fevereiro
(CPRM, 2001, série histórica entre 1961 e 1990, estação INMET Belo
Horizonte).

- 90 -
Figura 1: Localização das bacias hidrográficas dos córregos Ressaca e Sarandi e das
estações de monitoramento

A partir da década de 1970, a intensificação da urbanização,


a ocupação desordenada das bacias hidrográficas, a instalação de
grandes equipamentos urbanos (vias expressas, distritos industriais
e a central de abastecimento CEASA) e a carência de infraestrutura
de saneamento e de controle de erosão levaram ao assoreamento
dos córregos e à degradação da qualidade de suas águas. Por sua
vez, a Lagoa da Pampulha, exutório das bacias em estudo, perdeu
aproximadamente 50% de seu volume de armazenamento original
(CPRM, 2001) e passou a sofrer um intenso processo de eutrofização
e consequente aumento na produção primária com proliferações
frequentes de cianobactérias e crescimento excessivo de macrófitas
(FIGUEREDO e GIANI, 2001). Em 2003, uma Estação de Tratamento
de Águas Fluviais - ETAF, foi implantada logo após a confluência dos
córregos Ressaca e Sarandi com capacidade para tratar até 750 L.s-1, o
que corresponde à vazão média dos dois córregos em período seco
(COUTINHO, 2007). Atualmente, segundo informações do sítio
eletrônico da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (www.portalpbh.

- 91 -
gov.br), uma campanha de desassoreamento da Lagoa da Pampulha
está em curso, com a previsão de remoção de 800.000 m3 de sedimentos
ao custo de R$ 108 551 825,58. Apesar do estado de degradação de
suas águas, a Lagoa da Pampulha ainda é um dos pontos turísticos e
de referência cultural e arquitetônica mais importante da cidade.

1.2 Monitoramento

O monitoramento dos córregos Ressaca e Sarandi foi realizado


no âmbito do projeto Manejo de Águas Pluviais 2 - MAPLU 2 e em
parceria com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH). O
projeto MAPLU 2 é financiado pela FINEP e reúne 16 universidades
brasileiras em uma rede de pesquisa que se propõe a estudar diversos
aspectos do ciclo das águas em meio urbano.
A rede de monitoramento é composta por quatro estações
fluviométricas automáticas para medição da precipitação e do nível
d’água nos córregos. Em outros locais, dentro ou próximos da bacia
hidrográfica, operam três estações pluviométricas e uma estação
meteorológica (Figura 1). Todos os dados são obtidos a cada 10 minutos
e passaram a ser disponibilizados em tempo real pela PBH a partir de
outubro de 2011. Para obter as vazões escoadas nos córregos a partir
dos dados de nível d’água, mediu-se a velocidade do escoamento em
tempo seco com o auxílio do molinete Flow Probe 1.0 (Global Water,
EUA). Em razão de velocidades elevadas de escoamento nos canais
urbanos revestidos em concreto e de riscos associados a corpos
flutuantes, a medição com molinete não é possível para vazões
elevadas. Assim, em tempo chuvoso, flutuadores foram utilizados
e um fator de correção (f = 0,9) ajustou as velocidades superficiais à
velocidade média na seção, segundo proposto por Roche(1963) para
rios e canais de tamanho e declividade médios. A partir das velocidades
obtidas, estimou-se o coeficiente de rugosidade dos canais (n) através
da equação de Manning, admitindo-se escoamento em regime
permanente uniforme. Para levar em consideração a variabilidade do

- 92 -
coeficiente de rugosidade com o nível d’água no canal, utilizou-se a
equação proposta por Bertrand-Krajewski et al. (2000).
5⁄ 1⁄
ℎ ℎ 2 ℎ 3 ℎ 2
(1)
𝑛𝑛_𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐 = 𝑛𝑛_𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚𝑚 𝑠𝑠𝑠𝑠çã𝑜𝑜 [𝑎𝑎 + 𝑏𝑏 × ( ) + 𝑐𝑐 × ( ) + 𝑑𝑑 × ( ) + 𝑒𝑒 × ( ) ]
𝐷𝐷𝑐𝑐 𝐷𝐷𝑐𝑐 𝐷𝐷𝑐𝑐 𝐷𝐷𝑐𝑐

Onde n_cond é o coeficiente de rugosidade corrigido, n_condmeia seção é


o coeficiente de rugosidade obtido a meia seção, h é a profundidade
normal (m), Dc é a altura total da seção (m) e a, b, c, d, e são coeficientes
cujos valores são, respectivamente, 1,25102; 1,17666; -0,885467;
0,818353; -1,11029.
O monitoramento da qualidade da água dos córregos Ressaca
e Sarandi foi realizado entre fevereiro de 2012 e janeiro de 2013. Nos
seis primeiros meses de monitoramento, amostras pontuais foram
coletadas com frequência bimestral logo após a confluência dos
córregos. A partir de agosto de 2012, coletas mensais passaram a ser
realizadas no mesmo local. As seguintes variáveis foram analisadas de
acordo com os procedimentos da American Public Health Association
(APHA, 2012): turbidez, pH, condutividade elétrica, sólidos suspensos
totais (SST), NO3-, NO2-, NH4+, NTK, PO43- e Ptotal. Para monitorar o
escoamento superficial durante um determinado evento chuvoso,
um amostrador automático ISCO 3700 (Teledyne ISCO, EUA), dotado
de um sensor de nível d’água (Liquid Level Actuator 16400, Global
Water, EUA), e 24 frascos de 1L foi instalado logo após a confluência
dos córregos, no mesmo ponto onde as coletas de água descritas no
parágrafo acima foram realizadas. Esse equipamento foi programado
para iniciar a amostragem nos córregos assim que um determinado
nível d’água fosse ultrapassado e a partir daí, a cada 10 minutos, 800
mL de água eram coletados, totalizando 4 horas de amostragem.
Dessa forma, foi possível obter amostras ao longo de toda a duração
do hidrograma de cheia (duração média das chuvas = 80 minutos). Em
todas as 24 amostras realizou-se a medição da condutividade elétrica
e do nível de turbidez e, baseando-se nesses resultados, as amostras

- 93 -
foram agrupadas de modo a gerar, no máximo, 12 novas amostras que
foram analisadas em relação aos mesmos parâmetros mencionados
no início desse parágrafo. No total, seis eventos chuvosos foram
amostrados entre fevereiro e maio de 2013 (28/02, 15/03, 31/03, 08/04,
22/05 e 23/05).
Os dados referentes ao uso e ocupação do solo e às taxas de
impermeabilização na bacia hidrográfica foram obtidos através de
imagens de satélite de alta resolução (data das imagens: 12/02/2013),
utilizando-se o software Google Earth (versão livre 7.1.1.1888). A partir
da interpretação dessas imagens, procedeu-se à vetorização de oito
classes de uso do solo existentes na região: espaços verdes, residencial
unifamiliar, residencial multifamiliar, residencial informal, sistema
viário, industrial, comercial e solo exposto. Os dados obtidos foram
tratados e analisados utilizando-se o software ArcGis (versão10.1)
para determinação das áreas associadas às classes propostas.

1.3 Modelagem

Os dados de monitoramento das sub-bacias dos córregos


Ressaca e Sarandi foram utilizados para calibrar e validar o modelo
StormWater Management Model (SWMM), um modelo determinístico
de base física e semi-distribuído, concebido para reproduzir o
comportamento hidrológico de bacias hidrográficas urbanas.
O modelo SWMM representa a bacia hidrográfica e sua rede de
drenagem por meio de três elementos, quais sejam, as sub-bacias
(polígonos), os nós (pontos) e os condutos (linhas). Cada sub-bacia
é caracterizada por um coeficiente de impermeabilização, uma
declividade e uma largura. Para a parte impermeável da sub-bacia,
é possível definir constantes para as abstrações hidrológicas iniciais
(e.g. armazenamento superficial) e para a rugosidade da superfície
(coeficiente de Manning). Da mesma forma, esses parâmetros são
também definidos para a parte permeável das sub-bacias (Figura 2).
Na modelagem das bacias dos córregos Ressaca e Sarandi utilizou-

- 94 -
se uma divisão em sub-bacias já adotada em um modelo anterior da
mesma área de estudo (BONNARY, 2011). Os dados de declividade das
sub-bacias e as características da rede de drenagem foram verificados
e atualizados quando necessário.

1.4 Transformação chuva-vazão

A transformação chuva-vazão ocorre nas sub-bacias através


(i) da função de produção que realiza a separação entre os volumes
destinados à intercepção, ao armazenamento superficial e à infiltração
e (ii) da função de transferência do escoamento sobre a superfície da
sub-bacia até seu exutório (Figura 2).

Figura 2: Processos simulados por SWMM na transformação chuva-vazão.


Parâmetros -arm (em mm): armazenamento superficial na parte permeável (perm)
e impermeável (imperm); n (adimensional): coeficiente de rugosidade das superfícies
permeáveis (perm), impermeáveis (imperm) e nos condutos e canais (cond).

Ao usuário do SWMM é facultada a escolha entre os modelos de


Horton (HORTON, 1933), Green-Ampt (GREEN e AMPT, 1911) ou Curve

- 95 -
Number (United States Soil Conservation Service - MCCUEN, 1982)
para o cálculo da chuva efetiva. O escoamento superficial é modelado
segundo a abordagem dos reservatórios não-lineares, onde a relação
não-linear entre a altura de água na superfície da bacia e a vazão de
saída da mesma é representada pela equação de Manning. A vazão
no exutório de uma sub-bacia pode ser encaminhada para outra sub-
bacia ou para um nó que será o ponto de entrada da vazão na rede de
drenagem. Essa última por sua vez, é representada pelos condutos. O
escoamento nos condutos e canais da rede de drenagem é simulado
através das equações de Saint-Venant, cujo nível de complexidade
(onda cinemática ou dinâmica) pode ser escolhido pelo usuário
do modelo em função dos objetivos da simulação. O escoamento
também pode ser simulado considerando-se o regime permanente.
A modelagem das vazões nos córregos Ressaca e Sarandi já foi
apresentada em detalhes em Silva et al. (no prelo) e será brevemente
descrita aqui. Simularam-se separadamente as vazões nos córregos
Ressaca e Sarandi. Optou-se por utilizar o método do Curve Number
para o cálculo da chuva efetiva, sendo necessário atribuir a cada
sub-bacia seu tipo de solo, assim como seu modo de ocupação e
seu estado de umidade no início da simulação. A partir do mapa de
uso e ocupação do solo elaborado para as sub-bacias dos córregos
Ressaca e Sarandi, dos conhecimentos adquiridos durante visitas de
campo na área de estudo e de uma análise dos dados relatados na
literatura e compilados na Tabela 1 determinou-se para cada sub-
bacia uma porcentagem de impermeabilização e um valor do Curve
Number, baseando-se em um solo tipo B que segundo Ramos (1999)
é característico da região de estudo. Para a propagação de cheias nos
canais, adotou-se o modelo da onda dinâmica para ambos os córregos,
uma vez que nessa abordagem as equações de Saint-Venant são
resolvidas sem a adoção de hipóteses simplificadoras, sendo possível
simular efeitos de remanso e situações em que o escoamento torna-
se pressurizado.

- 96 -
As dificuldades e incertezas associadas às medições em campo
dos parâmetros listados a seguir foram as principais razões pelas
quais os mesmos foram selecionados para calibração: as larguras das
sub-bacias, os coeficientes de Manning das superfícies permeáveis
e imperméaveis, os coeficientes de armazenamento superficial para
áreas permeáveis e imperméaveis e o tempo necessário para um solo
totalmente saturado secar. O intervalo de variação de cada parâmetro
foi definido de acordo com Rossman (2010). A calibração das vazões
seguiu a abordagem proposta por Petrucci (2012), de acordo com
a qual um procedimento automático é utilizado em conjunto com
um algoritmo genético já implementado no programa Matlab (The
MathWorks®, versão 2006a), tendo o critério de Nash-Sutcliffe (NASH
e SUTCLIFFE, 1970) como função objetivo.

Tabela 1: Valores de CN e porcentagens impermeáveis atribuídas a


cada uso do solo
Uso do solo % Referência
CN1 Impermeável
Espaços verdes 55 0 STANKOWSKI (1972)
Residencial COOPER (1996) apud Brabec et
75 60
unifamiliar al. (2002)
Residencial TAYLOR (1993) apud Brabec et al.
85 80
multifamiliar (2002)
Residencial 75 60 -
informal
Sistema viário COOPER (1996) e TAYLOR (1993)
98 100 apud Brabec et al. (2002)
Industrial 88 72 GRIFFIN et al. (1980)
Comercial 92 85 GRIFFIN et al. (1980)
Solo exposto 69 0 GRIFFIN et al. (1980)
Valores de CN para um solo tipo B de acordo com Tucci (2012)
1

Os algoritmos genéticos podem ser considerados uma técnica


clássica na calibração de modelos hidrológicos (e.g. FRANCHINI et
al., 1998; NICKLOW et al., 2010; SAVIC e KHU, 2005; SIRIWARDENE
e PERERA, 2006) que pode ser aplicada quando outros métodos

- 97 -
não são recomendados, por exemplo, quando a função objetivo é
descontínua, não diferenciável ou não-linear. Um algoritmo genético
modifica várias vezes (várias gerações) uma população composta por
vários indivíduos, onde cada um deles representa uma solução para
o conjunto de parâmetros que está sendo calibrado, até que uma
condição limite seja atingida. A cada iteração, o algoritmo avalia a
função objetivo para cada indivíduo da população. Para criar uma nova
geração três procedimentos podem ser seguidos pelo algoritmo: (i)
a permanência de alguns indivíduos (os melhores adaptados); (ii) o
cruzamento de dois indivíduos para a formação de um novo indivíduo
e; (iii) a mutação, onde um novo indivíduo mantém apenas parte de
suas características originais. Esse último procedimento garante a
convergência do algoritmo em direção a uma solução ótima global e
não local.
Para os parâmetros supramencionados, procedeu-se à
calibração do modelo com os dados disponíveis entre 29/01/2012 a
30/06/2012 para o córrego Ressaca e entre 18/11/2011 a 30/06/2012
para o córrego Sarandi. A validação do modelo foi realizada com
dados obtidos entre 01/07/2012 a 04/06/2013 para o córrego Ressaca e
entre 01/07/2012 a 15/02/2013 para o córrego Sarandi.

1.5 Modelagem da qualidade do escoamento superficial

A simulação da qualidade da água do escoamento superficial


no modelo SWMM ocorre em duas etapas (Figura 3): (i) a acumulação
dos poluentes sobre a superfície da bacia durante o tempo seco a
qual pode ser representada por uma equação exponencial empírica
(Equação 1) e (ii) a lavagem dos poluentes durante os eventos
chuvosos, representada por uma equação diferencial também
empírica (Equação 2).

(2)

- 98 -
(3)

Onde, Macu é a massa de poluente acumulada por unidade


de área ao longo do tempo t (kg.ha-1), M0 é massa do poluente
já acumulada no início da simulação (kg.ha-1), Facu é a taxa de
acumulação máxima do poluente por unidade de área (kg.ha-1), dec
é um coeficiente de decaimento (dia-1), dML/dt é a taxa de poluente
lavado ao longo do tempo desde o início do evento chuvoso (kg.s-1), w
é um coeficiente empírico de lavagem (mm-1), Q é a vazão por unidade
de área (mm.s-1), wpo é um expoente adimensional empregado para
evitar concentrações de poluente decrescentes ao longo do tempo
(HUBER,1992).

Figura 3: Processos simulados por SWMM na modelagem da qualidade da água do


escoamento superficial. Parâmetros : Facu - taxa de acumulação máxima do poluente
por unidade de área (kg.ha-1); dec - coeficiente de decaimento (dia-1); w - coeficiente
empírico de lavagem (mm-1); wpo - expoente adimensional.

- 99 -
Para a simulação da qualidade da água é necessário determinar
os tipos de usos do solo em cada sub-bacia. Para cada uso do solo e
para cada poluente, o usuário do modelo deve definir os parâmetros
das equações de acumulação (Facu e dec) e de lavagem (w e wpo).
Além disso, é possível inserir informações sobre fontes pontuais de
poluição, concentração do poluente na chuva e no escoamento de
base. Maiores detalhes sobre o modelo são apresentados por Huber
(1992) e exemplos de aplicação são encontrados em Gironás et al.
(2009).
Nesse estudo, após a calibração e validação do módulo de
transformação chuva-vazão, passou-se à simulação da qualidade da
água do escoamento superficial. Os dados referentes à qualidade da
água durante eventos chuvosos foram obtidos após a confluência
dos córregos Ressaca e Sarandi. Assim, a modelagem da qualidade
da água foi realizada para esse ponto, utilizando-se a soma das
vazões já simuladas por SWMM para os dois córregos. Os sólidos
suspensos totais e os nutrientes NH4+, NO3- e Ptotal foram selecionados
para a modelagem devido a sua relevância para a qualidade das
águas da Lagoa da Pampulha. A concentração desses poluentes na
vazão de base foi determinada a partir da média dos resultados das
campanhas pontuais realizadas durante tempo seco (Tabela 2). Os
parâmetros empíricos Facu, dec, w e wpo foram calibrados, dentro
de um intervalo de variação proposto na literatura utilizando-se o
mesmo procedimento automático descrito acima para a simulação
chuva-vazão, no entanto, a raiz quadrada do erro médio quadrático
(root mean square error - RMSE) foi empregada como função objetivo.
Os eventos chuvosos dos dias 28/02, 15/03 e 08/04 foram utilizados na
calibração do modelo e os demais, em sua validação.

Tabela 2: Concentração dos poluentes no escoamento de base


SST NH4+ NO3+ Ptotal
Poluente (mg. L-1) (mg. L-1) (mg. L-1) (mg. L-1)
Concentração média 25,8 5,7 3,04 1,05
Desvio padrão 21,5 2,9 2,32 1,14

- 100 -
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO

O modelo de transformação chuva-vazão apresentou bons


resultados nas bacias dos córregos Ressaca e Sarandi. Na simulação
das vazões do córrego Ressaca obteve-se os valores de 0,70 e 0,72 para
o critério de Nash-Sutcliffe, respectivamente nas fases de calibração e
validação. O modelo apresentou um melhor desempenho na bacia do
córrego Sarandi, obtendo-se 0,88 e 0,78 como valores do coeficiente
de Nash-Sutcliffe, respectivamente na calibração e validação do
modelo. De acordo com Bennis e Crobeddu (2007), em modelagens
do escoamento superficial, valores do coeficiente de Nash-Sutcliffe
superiores 0,70 indicam um bom acordo entre os dados observados
e os resultados do modelo. Maiores detalhes sobre os resultados da
modelagem das vazões nos córregos Ressaca e Sarandi podem ser
consultados em Silva et al. (no prelo).
Na modelagem da qualidade da água do escoamento superficial,
a primeira tentativa de calibração dos parâmetros das Equações 2
e 3 resultou em um desempenho insatisfatório do modelo. O RMSE
normalizado pela diferença entre os valores mínimo e máximo de
concentração de cada poluente variou entre 0,14 para os sólidos
suspensos (calibração) até 0,42 para o NO3- (validação). A Tabela 3
mostra os valores de RMSE obtidos para os demais poluentes, assim
como o intervalo de variação das concentrações medidas. Outros
estudos sobre a modelagem da qualidade da água do escoamento
superficial utilizando modelos determinísticos complexos como o
SWMM também obtiveram resultados pouco satisfatórios (Dotto et
al., 2011; Petrucci e Bonhomme, 2014). Gaume et al. (1998), Kanso et
al. (2006) e Mourad et al. (2005) indicaram dificuldades relacionadas
à utilização de algoritmos de otimização local e de funções objetivo
descontínuas, à insensibilidade do modelo à otimização e à correlação
que pode existir entre os parâmetros calibrados, de modo que um
parâmetro A pode assumir qualquer valor sem afetar o desempenho
do modelo porque é compensado pelo valor de um parâmetro B. O

- 101 -
problema da otimização local é contornado no presente estudo graças
à utilização de um algoritmo genético que fornece soluções ótimas
globais. Por outro lado, a insensibilidade do modelo à calibração foi
observada nesse trabalho, uma vez que mesmo após 1.200 simulações,
o modelo não mostrou avanços consideráveis em seu desempenho.
Em uma segunda tentativa de calibração, com o objetivo de
contornar o problema de correlação entre os parâmetros adotou-
se a proposta de Petrucci e Bonhomme (2014), segundo a qual um
dos parâmetros a ajustar é calibrado para cada sub-bacia e não para
cada uso do solo. Destaca-se que para viabilizar essa abordagem no
SWMM um uso do solo deve ser criado para cada sub-bacia o que
acarreta um aumento no número de parâmetros a calibrar. Após
algumas simulações iniciais, definiu-se que o parâmetro wpo seria
calibrado para cada sub-bacia uma vez que o desempenho do modelo
mostrou-se mais sensível a esse parâmetro. Os resultados obtidos
mantiveram-se insatisfatórios (Tabela 3), o RMSE normalizado variou
entre 0,13 para os sólidos suspensos (calibração) e 0,48 para o NO3-
(validação). Além disso, constatou-se que em ambas tentativas de
calibração os parâmetros das equações de acumulação e lavagem do
NH4+ assumiram valores próximos a zero, sugerindo que o escoamento
superficial não é fonte relevante desse poluente nas bacias em estudo.

Tabela 3: Desempenho do modelo de simulação da qualidade da


água do escoamento superficial nas sub-bacias dos córregos Ressaca
e Sarandi
RMSE (mg. L-1)
Poluente [Max – Min] Tentativa n°1 Tentativa n° 2 Tentativa n° 3
(mg.L-1)
Calibração Validação Calibração Validação Calibração Validação
1
MES 4 – 1320 184 254 166 245 152 247
1
NH4+ 0.3 – 14 1.73 4.10 1.73 4.10 1.74 3.95
2
NO3- 0.8 – 4.6 1.24 1.58 1.15 1.84 1.11 1.77
1
Ptotal 0.1 – 3.9 0.72 1.08 0.92 1.09 0.70 0.89

- 102 -
Uma última tentativa de calibração foi realizada elevando-se o
número de simulações para 2.250. Para o NH4+, adotou-se valores nulos
para os parâmetros das Equações 2 e 3, de modo que a concentração
desse poluente no escoamento superficial passou a ser função apenas
da vazão e de sua concentração no escoamento de base. Os valores
obtidos para cada parâmetro na 3a tentativa de calibração são
mostrados na Tabela 4, com seus respectivos intervalos de variação.

Tabela 4: Simulação da qualidade da água do escoamento superficial


nas sub-bacias dos córregos Ressaca e Sarandi. Tentativa de calibração
nº3 - intervalo de variação e o valor calibrado.
Parâmetro Intervalo de variação Unidade Valor calibrado
Facu SST 10 – 200 kg. ha-1 196
dec SST 0 – 0.8 dia-1 0.77
Facu NH4+ 0–2 kg. ha-1 0
dec NH4+ 0 – 0.01 dia-1 0
Facu NO3- 0–6 kg. ha-1 5.95
dec NO3- 0 – 0.2 jours-1 0.19
Facu Ptotal 0 – 10 kg. ha-1 0.78
dec Ptotal 0 – 0.2 dia-1 0.19
w SST 0 – 0.5 mm-1 0.02
wpo SST (médio) 0 – 2.5 - 1.38
w NH4+ 0 – 0.01 mm-1 0
wpo NH4+ 0–2 - 0
w NO3- 0 – 0.3 mm-1 0.005
wpo NO3- 0–2 - 0.93
(médio)
w Ptotal 0 – 0.1 mm-1 0.02
wpo Ptotal (médio) 0–2 - 1.08

De modo geral, a tentativa de calibração nº3 trouxe uma pequena


melhoria no desempenho do modelo em relação à simulação dos sólidos
suspensos e do fósforo total (Tabela 3). Para o NH4+, observando-se em
conjunto os RMSE da calibração e da validação conclui-se que a hipótese
de que esse poluente não é proveniente do escoamento superficial é
plausível. Em relação ao NO3-, assim como na tentativa de calibração

- 103 -
nº 2, a redução do valor do RMSE na calibração não é observada
na validação, indicando que o aumento no número de parâmetros
a calibrar causou uma sobreparametrização do modelo para esse
poluente. Na verdade, nos modelos hidrológicos semi-espacializados
como SWMM, onde os parâmetros são calibrados para cada sub-bacia,
o número total de parâmetros a calibrar pode facilmente se aproximar
de uma centena. Modelos com um elevado número de parâmetros para
calibrar a partir de poucos dados observados possuem uma capacidade
preditiva limitada e por isso, o desempenho do modelo na validação do
NO3- se deteriorou.
A título de ilustração, a Figura 4 mostra a comparação entre
dados observados e simulados em oito polutogramas de um total de
24 (seis eventos chuvosos, com quatro polutogramas em cada um). Os
polutogramas apresentados na coluna da esquerda mostram uma maior
aproximação entre os resultados do modelo e os dados observados.
Nos polutogramas na coluna da direita, ao contrário, as concentrações
simuladas são quase constantes ao longo do tempo e não acompanham
as variações observadas nas concentrações das medidas. Em alguns casos,
como no polutograma dos SST do dia 23/05/2013, o modelo fornece valores
até cinco vezes inferiores às concentrações observadas em campo.
Na figura 5, as concentrações simuladas de cada poluente são
plotadas contra as concentrações observadas. Nessa figura, a linha
pontilhada representa a relação 1:1, dessa forma, nos pontos localizados
acima da linha, o modelo superestima as concentrações observadas
e, nos pontos abaixo da mesma, o modelo as subestima. Observa-se
que os resultados mais razoáveis foram obtidos para o NH4+ e os SST,
sendo que no caso desse último, na maior parte do tempo, o modelo
subestimou as concentrações observadas. As concentrações em NO3-
e Ptotal, no entanto, não são bem representadas pelo modelo que,
respectivamente, subestima e superestima as observações realizadas
em campo.
Os resultados pouco satisfatórios obtidos na modelagem da
qualidade da água do escoamento superficial nesse estudo não são um

- 104 -
caso isolado. Quando se trata desse tipo de modelagem na escala da
bacia hidrográfica, vários estudos já demonstraram que a aptidão dos
modelos em reproduzir as concentrações dos poluentes ao longo de
um evento chuvoso é fraca. Por exemplo, coeficientes de Nash-Sutcliffe
entre -0,01 e 0,46 foram reportados por Dotto et al. (2011) e Petrucci e
Bonhomme (2014). De acordo com esses autores, a variabilidade espaço-
temporal dos processos de acumulação e lavagem seria a responsável
pelos desempenhos medíocres de modelos como SWMM aplicados
na escala da bacia. Recentemente, melhorias na representação dos
processos de acumulação de poluentes durante o tempo seco (LIU et
al., 2013) e de lavagem dos poluentes sobre a superfície da bacia durante
as chuvas (WANG et al., 2011) foram propostas. No entanto, essas
modificações ainda não foram implementadas nos modelos existentes.
Além disso, a obtenção de dados de vazão e qualidade da água do
escoamento superficial é árdua e, por isso, a quantidade de dados
disponíveis para a calibração e validação dos modelos determinísticos é
frequentemente limitada.

3. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

Em todo o mundo, o escoamento superficial urbano é


responsável pela degradação da qualidade da água em rios, lagos,
reservatórios e estuários situados nas áreas urbanas ou em suas
proximidades. O aporte de substâncias tóxicas aos seres vivos, a
depleção da concentração em oxigênio dissolvido, a eutrofização dos
corpos d’água lênticos e as proliferações de cianobactérias tóxicas, são
alguns dos impactos causados pela poluição presente no escoamento
superficial urbano.
Nesse trabalho realizou-se o monitoramento e a modelagem
das vazões e da qualidade da água (SST, NO3-, NH4+ e Ptotal) do
escoamento superficial nas sub-bacias urbanas dos córregos Ressaca e
Sarandi, importantes afluentes da Lagoa da Pampulha. A modelagem

- 105 -
Figura 4: Concentração simulada pelo modelo (linha) e concentração observada dos
poluentes (círculos) Ptotal, SST, NH4+ e NO3- na tentativa de calibração nº3.

Ptotal SST
4
1000

3 800

600
2
Concentração simulada (mg.L-1)

400
1
200

0 0
0 1 2 3 4 0 200 400 600 800 1000

NH4 NO3
15 5

4
10
3

2
5
1

0 0
0 5 10 15 0 1 2 3 4 5
Concentração observada (mg.L-1)

Figura 5: Concentração simulada pelo modelo e concentração observada dos


poluentes (círculos) Ptotal, SST, NH4+ e NO3- na tentativa de calibração nº3. A linha
pontilhada representa a razão 1:1 entre dados simulados e observados

- 106 -
das vazões conduziu a resultados suficientemente satisfatórios, ao
contrário do modelo de qualidade da água que mostrou-se pouco
sensível às várias tentativas de calibração dos parâmetros, em
especial, no caso do NO3-.
A complexidade e a variabilidade dos fenômenos implicados
na produção e no transporte dos poluentes dentro de uma bacia
hidrográfica é representada de maneira muito simplificada no SWMM,
assim como é o caso de outros modelos determinísticos complexos.
Dessa forma, mesmo utilizando-se de métodos de otimização
sofisticados e dispondo de razoável capacidade computacional não é
possível obter bons resultados. Para avançar nesse tipo de modelagem,
torna-se essencial promover o monitoramento de longo prazo de
bacias hidrográficas urbanas buscando melhor compreender os
mecanismos envolvidos na formação da poluição difusa proveniente
do escoamento superficial.
Atualmente, pesquisadores e gestores ligados ao manejo das
águas em meio urbano estão sendo confrontados com desafio de
lidar com as incertezas trazidas por mudanças que ocorrem tanto em
escala global (e.g.: mudanças climáticas), como em escala local (e.g.:
urbanização, impermeabilização das superfícies, mudança no uso
de solo). Nesse contexto, os modelos de simulação da qualidade da
água do escoamento superficial podem ser utilizados para minimizar
essas incertezas, por exemplo, por meio da construção de cenários
representando possíveis mudanças globais e/ou locais na bacia
hidrográfica e, posterior simulação dos impactos causados sobre
os meios aquáticos receptores. Ações estruturais e não-estruturais
visando mitigar os impactos sobre os corpos d’água também podem
ser incluídas nos cenários mencionados, assim como é possível
proceder à análise custo-benefício da implementação dessas ações.
Dessa forma, a modelagem do escoamento superficial urbano deve
ser encarada como uma ferramenta que possui grande potencial
para contribuir na elaboração de estratégias de gestão das bacias
hidrográficas urbanas e de seus respectivos corpos d’água receptores.

- 107 -
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- 113 -
- 114 -
Capítulo 6

QUALIDADE DA ÁGUA
SUBTERRÂNEA UTILIZADA
PARA CONSUMO HUMANO
EM ÁREA DO ENTORNO DO
CEMITÉRIO DO CAMPO SANTO
EM SALVADOR-BA

Aline Gomes da Silva dos Santos


Chirlene Batista West
Vânia Palmeira Campos
Luiz Roberto Santos Moraes

- 115 -
- 116 -
INTRODUÇÃO

Devido a um processo de urbanização intenso e descontrolado,


tornou-se comum encontrar cemitérios totalmente integrados à
malha urbana, gerando uma preocupação, por estes representarem
risco potencial de contaminação do solo e água subterrânea por meio
do necrochorume.
É relevante a preocupação com a água subterrânea, uma
vez que este tipo de água representa a maior parcela de água doce
utilizável na Terra e sua contaminação por cemitérios, ainda com a
implantação adequada e respeitando todas as medidas de proteção
ambiental, é um problema de saúde pública (LELI et al., 2012; Instituto
Geológico e Mineiro, 2001). Muitos cemitérios não foram alvos de
estudos anteriores ao processo de implantação, ampliando, ao longo
de anos, sua potencialidade para a contaminação do ambiente.
Muito vem sendo feito para investigar e avaliar o risco que existe
em necrópoles. Estes estudos recomendam formas de intervenção
como, por exemplo, auxílio na minimização dos impactos causados
pelos cemitérios e norteamento para a implementação de normas
e políticas públicas adequadas no contexto ambiental e da saúde
pública (COSTA; SOUZA, 2007).
No Brasil, praticamente a totalidade dos cemitérios municipais
apresenta algum problema de cunho ambiental ou sanitário e, em
muitos casos, o risco de contaminação do aquífero freático, adjacente
a essas áreas, é reconhecidamente comprovado (ABAS, 2001). Muitas

- 117 -
comunidades vivem no entorno das áreas de influência de cemitérios
e se utilizam de recursos como água de poços como forma de
suprir ou complementar o abastecimento para o consumo humano.
Almeida et al. (2006) indicam que resultados de estudos alertam
para a necessidade de se promover investigações sistemáticas,
principalmente, em áreas residenciais próximas a cemitérios, onde há
exploração de água por meio de fontes e poços rasos como soluções
alternativas de abastecimento.
No País, 15,6% dos domicílios utilizam água subterrânea
exclusivamente para consumo humano e atendimentos de suas
necessidades (IBGE, 2010). Em geral as pessoas não têm consciência
da dimensão da problemática acerca dos cemitérios (MARCOMINI;
CASTRO, 2010). Em São Paulo, Romanó (2005) observou a ocorrência
dos patógenos causadores de poliomielite e hepatite em poços
de profundidades da ordem de 40 a 60 metros, mostrando que a
contaminação pode chegar a grandes profundidades e extensão,
comprometendo toda uma região que está sendo abastecida com
aquele aquífero, podendo essa água contaminada gerar riscos à saúde
quando utilizada para fins de consumo humano. Doenças Relacionadas
à Água (DRA) de notificação compulsória, como febre tifoide1, são
subnotificadas. Nem sempre ocorre investigação das fontes e vias
de contaminação, o que, no caso das gastrenterites e diarreias, torna
difícil atrelar a causa da enfermidade com a água contaminada com
microrganismos e substâncias provenientes do necrochorume, caso
haja exposição a esta fonte de contaminação. Foi encontrado apenas
um caso de febre tifoide em Salvador no período de 2007 a 2012
(BRASIL, 2014), mas este tipo de doença, aparentemente controlada
ou erradicada, pode se tornar reemergente, caso haja falhas nos
processos de abastecimento ou uso de água de qualidade duvidosa,
especialmente em locais vulneráveis. Vale ressaltar que vários fatores
influenciam na incidência e prevalência de uma patologia, traduzindo

1 Últimos 3 casos notificados em Salvador em agosto de 2014 (BRASIL,


2014).

- 118 -
a relação entre perigo e risco: condições de saúde do indivíduo
exposto, faixa etária, condições de nutrição e imunidade, além da
concentração ingerida do organismo e da dose infecciosa mínima
requerida para o início da doença.
Segundo Resolução CONAMA no 335/2003, no Brasil há o
controle na implantação de cemitérios a partir de 2003, entretanto,
para os cemitérios existentes até este ano não existe critérios
adequados, o que é agravado pela falta de acompanhamento das
diferentes esferas do Poder Público que atribuem umas às outras a
competência para esse fim. Essa negligência por parte dos órgãos
competentes em definir algumas medidas quanto à adequação das
necrópoles existentes até 2003, pode gerar maior impacto ambiental
nas águas subterrâneas (BRASIL, 2003, 2008a). A respeito deste
assunto, acredita-se que o problema não está na atividade em si,
mas na escolha equivocada e displicente das áreas para implantação
de necrópoles. Percebe-se que em muitas delas há vulnerabilidade
ambiental, o que acarreta risco de contaminação para o solo, água
subterrânea e para as pessoas que vivem no seu entorno. O caso do
cemitério do Campo Santo, em Salvador-Bahia, cemitério horizontal,
caracterizado como do tipo tradicional e de propriedade da Santa Casa
de Misericórdia da Bahia, não foge a esta realidade. Ele é o cemitério
mais antigo da cidade de Salvador (2,902 milhões de habitantes
– IBGE, 2014), capital do estado da Bahia, funcionando desde o dia
1º de maio de 1844, em área de cerca de 76.000m2 (Figura 1a). Está
localizado em um pequeno morro onde se originaram os bairros Alto
das Pombas e Calabar (Figura 1b). Além dessas comunidades, as outras
adjacentes também utilizam água oriunda de poços tubulares rasos e
cisternas, situados na rota do fluxo superficial. Devido ao alto índice
pluviométrico da região, em torno de 2.000 mm/ano os aquíferos
estão em constante recarga hídrica e afloram nos vales como entorno
do morro onde está o Cemitério Campo Santo (BRASIL, 2013, 2014).

- 119 -
Figura 1. Mapa da área do estudo. (a) Área do cemitério do Campo Santo; (b) Entorno
do Cemitério, localizando bairros residenciais. Fonte: Adaptado do Google Earth
(2014).

A escasssez de estudos voltados à contaminação ambiental


por cemitérios em Salvador-BA torna relevante a detecção da
influência do cemitério do Campo Santo na contaminação da área
estudada e a possibilidade de risco à saúde no consumo da água
subterrânea de soluções alternativas de abastecimento. O presente
capítulo traz elementos e discussões acerca dos dados obtidos com

- 120 -
o objetivo de avaliar a qualidade da água subterrânea explotada de
poços rasos no entorno do cemitério do Campo Santo, inclusive os
utilizados como SAC e SAI (Sistemas de Abastecimento Alternativo
Coletivo e Individual para consumo humano), com vistas à legislação
pertinente vigente, tendo como base parâmetros específicos de
qualidade relacionados à água subterrânea e para consumo humano,
encontrados na legislação pertinente atual, e indicadores específicos
de contaminação por necrochorume, visto que, este é mais denso que
a água e pode atravessar o aquífero até a sua camada impermeável
(CARNEIRO, 2008), sendo, em parte, carreado no sentido do fluxo
subterrâneo, podendo atingir e contaminar toda a região.

1.1 Legislação

Com relação à legislação específica para cemitérios, o Conselho


Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) aprovou a Resolução nº
335/2003, que dispõe sobre o licenciamento ambiental de cemitérios
(BRASIL, 2003) e a Resolução nº 402/2008 (BRASIL, 2008a), que
altera artigos da Resolução anterior, estabelecendo prazos para a
adequação de cemitérios existentes. No entanto, a situação atual da
maioria dos cemitérios implantados, exige providências por parte das
administrações das necrópoles, quanto a intervenções e ajustes de
acordo com as normas e regras vigentes, buscando as adequações
necessárias para possíveis problemas de ordem ambiental.

A legislação que rege atualmente a água subterrânea no Brasil


é a Resolução CONAMA no 396/2008 (BRASIL, 2008b), que além da
classificação trata das diretrizes ambientais para o enquadramento
dessas águas e regulamenta Valores Máximos Permitidos (VMP) para
o consumo humano; a Resolução CONAMA nº 274/2000 (BRASIL,
2001), que define os critérios de balneabilidade em águas brasileiras,
revogada pela Resolução CONAMA no 357/2005(BRASIL, 2005); e a

- 121 -
Portaria no 2.914/2011, do Ministério da Saúde-MS (BRASIL, 2011), que
estabelece parâmetros e respectivos VMP para avaliar a qualidade da
água em termos de potabilidade.

1.2 Indicadores de contaminação por necrochorume

A decomposição de corpos humanos por ação de bactérias e


enzimas resulta na geração de gases, principalmente gás sulfídrico
(H2S), metano (CH4) e amônia (NH3), assim como líquidos, o
necrochorume, contendo sais dissolvidos e compostos orgânicos,
podendo ocorrer a liberação deste para o meio ambiente,
especialmente para o solo e o aquífero. Segundo Silva (2006), o
necrochorume é composto basicamente de 60% de água, 30%
de sais e 10% de substâncias orgânicas. Entre estas, encontram-
se diaminas, como a cadaverina (C5H14N2) e a putrecina (C4H12N2),
produtos da decomposição de substâncias orgânicas. Essas aminas
ainda podem ser degradadas, gerando ion amônio (NH4+) e outros
compostos orgânicos. Desta forma, alguns parâmetros químicos e/
ou físico-químicos de qualidade de água podem nortear o processo
de contaminação da água subterrânea por necrochorume, como por
exemplo, aqueles que se reportam à quantidade de sais na água:
Sólidos Totais Dissolvidos (STD) e Condutividade Elétrica; ânions,
como cloretos e sulfatos; compostos de nitrogênio, representados por
amônio, nitrito e nitrato. Analogamente, parâmetros microbiológicos
de qualidade de água também podem ser utilizados para nortear a
contaminação por necrochorume, como Salmonella, coliformes
totais, E. coli. Outros podem indicar mais especificamente aquela
fonte de contaminação, a saber: os Streptococos, clostrídios sulfito-
redutores como Clostridium perfringens, além de Pseudomonas
aeruginosa e bactérias proteolíticas (ESPÍNDULA et al., 2005). Destes,
são importantes colonizadores de cadáveres humanos Clostridium
spp, Streptococcus e enterobactérias (ÜÇISIK; RUSHBROOK, 1998),

- 122 -
os quais, juntamente com as aminas acima referidas, podem então
ser considerados indicadores de necrochorume. Enetério (2009)
considera que a amostragem de água subterrânea que apresente baixo
índice de indicadores de poluição fecal (Coliformes termotolerantes),
porém com maior número de bactérias anaeróbias (clostrídiossulfitos-
redutores-CSR), demonstram uma provável contaminação oriunda de
covas. A detecção de E.coli, buscou limitar o estudo aos parâmetros
encontrados na legislação para água subterrânea de acordo com seu
uso preponderante e na Portaria 2.914/2011 do MS, que normatiza o
uso e qualidade da água para consumo humano e do C. perfringens,
pela sua relevância nos estudos de contaminação da água por
cemitérios.
C, perfringens não são exclusivamente de origem fecal, podendo
ser encontrados na microbiota intestinal normal de homens e animais
(DUARTE, 2011; WHO, 2002). Na bibliografia há controvérsias sobre
a forma de infecção mais perigosa por C. perfringens e muito do
que foi pesquisado a respeito, evidencia um maior risco no contato
com a água contaminada do que por meio da ingestão.Resultados
positivos para C. perfringens servem de alerta para que se promovam
investigações, em caráter especial, nos aquíferos freáticos em regiões
onde há cemitérios que ainda inumam cadáveres de forma tradicional,
situados em local vulnerável e onde haja proximidade de residências,
atividades comerciais e outros fins que utilizam SAC e SAI.

2. METODOLOGIA

O estudo teve caráter exploratório para fins de diagnóstico de


qualidade da água com foco principal no objeto de estudo: a água
subterrânea para consumo humano contaminada por necrochorume.
Inicialmente foram estabelecidos critérios para seleção da área de
estudo, considerando outras áreas com cemitérios em Salvador,

- 123 -
tais como: proximidade com um cemitério antigo da cidade, índices
de saturação (número de sepultamentos/ano), sepultamento
por inumação, localização considerada vulnerável nos aspectos
geográficos e geológicos, presença de moradias na circunvizinhança,
uso de poços de água subterrânea inclusive para consumo humano,
fluxo superficial de água convergindo para região onde existam
poços em atividade e, principalmente, funcionando como soluções
alternativas de abastecimento de água cadastradas no Sistema
de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo
Humano (Siságua). A segunda etapa constou da elaboração do
plano de amostragem de água subterrânea nos pontos selecionados
mediante os critérios mencionados, em dois períodos do ano: chuvoso
- agosto/2013 e seco - fevereiro/2014. Foram selecionados 8 poços
tubulares rasos na área em questão, sendo um deles previsto como
controle daquela fonte de contaminação (1) e uma surgência (ponto
9), coletada apenas na 2ª campanha. Nesta campanha (período seco)
coletou-se uma amostra adicional do ponto 1 (denominado 1B), sendo
coletada a água deste poço após tratamento simplificado (filtração e
cloração), realizado para o consumo da água em edifício residencial.
Os pontos estão situados à montante e à jusante do local de inumação
direta no solo, na parte baixa do morro, onde se encontra o Cemitério
(Figura 2).
A coleta de amostras de água seguiu os procedimentos
recomendados e técnicas apropriadas, para cada tipo de método
analítico e com critérios exigentes de assepsia. A coleta de amostras
de água para a análise microbiológica antecedeu a coleta para
qualquer outro tipo de análise, a fim de evitar o risco de contaminação.
Em seguida, foi realizada a coleta para análises físico-químicas e
químicas, quando as amostras de água foram colocadas em frascos
de polipropileno de 500mL, sendo imediatamente determinados
a temperatura e os parâmetros: Oxigênio Dissolvido (OD), pH,
Condutividade elétrica e STD, utilizando-se um medidor portátil
multiparamétrico (PHC 101, HACH).

- 124 -
Figura 2. Mapa da área de estudo contendo a localização dos pontos amostrais, com
destaque de sobreposição de mapa de fluxo superficial. Fonte: Adaptado de Aquino
(2008) e Google Earth (2015).

As análises físico-químicas laboratoriais e microbiológicas


foram feitas em laboratórios de referência de qualidade da água
(Laboratório Central-LACEN da Secretaria de Saúde do Estado da
Bahia-SESAB e Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da
Bahia-UFBA), de acordo com metodologia que atende às normas
nacionais e internacionais recentes, principalmente, ao Standard
Methods of Examination of Water and Wastewater (APHA, 2005).
As análises químicas foram realizadas no Laboratório de Química
Analítica Ambiental do Instituto de Química-IQ da UFBA (LAQUAM-
IQ/UFBA), tendo sido os ânions (Cl-, NO3-, NO2-, SO42-e cátions (Ca2+

- 125 -
e Mg2+, Na+ e K+) determinados por cromatografia iônica e amônio
(NH4+) por espectrofotometria molecular.
Finalmente, os dados foram sistematizados e interpretados
à luz da legislação vigente, confrontando os resultados obtidos
com valores máximos permitidos (VMP) contidos na Portaria no
2.914/2011 do MS..., Resolução CONAMA no 396/2008 e Resolução
RDC no 275/2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária-ANVISA
para cada parâmetro selecionado, quer sejam eles físico-químicos,
químicos e microbiológicos. Os resultados geraram tabelas, gráficos
e cartogramas que foram obtidos por meio de softwares (ARCGIS e
SURFER) a fim de estimar o fluxo subterrâneo e relação com presença
de pluma de contaminação. Uma matriz de correlação foi construída,
visando associações entre os parâmetros analisados (FIGUEIREDO
FILHO, 2009; BRASIL 2005, 2008b, 2011).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

As tabelas 1 e 2 apresentam os resultados das análises de


amostras de água dos oito poços no período chuvoso e além destes,
mais uma ressurgência natural no período seco. Os dados mostram
que se trata se água doce, com salinidade em torno de 0,2 partes
por mil e dureza moderada, variando entre 51 a 118mg L-1 CaCO3. A
cor aparente e a turbidez das águas se encontram dentro dos limites
admissíveis pela legislação (Figuras 3 e 4). Embora este último
parâmetro, no ponto 3, no período chuvoso, tenha se apresentado no
limite (5,0 uT). A cor sofreu alterações em alguns pontos em relação
ao período chuvoso, sendo aferida em 5uHz nos pontos 1A e 5 em
10uHz nos pontos 1B e 7, dentro dos parâmetros da Portaria MS para
potabilidade (BRASIL, 2011), cujo VMP é 15uHz, e fora desse limite no
ponto 4, com valor mais de 3 vezes mais alto do que o estabelecido
na legislação (Figura 3). Este resultado equivale a 12,5% das amostras

- 126 -
monitorizadas no período chuvoso, indo de encontro ao VMP de 5%
estabelecido pela Resolução CONAMA no 396/2008 (BRASIL, 2008b)
para água doce não tratada, podendo-se descartar essa amostra
como indicadora de inconformidade. É possível, no entanto, que o
resultado obtido esteja representando a realidade, uma vez que no
período chuvoso a qualidade dessas águas pode ser bastante alterada
pela adição de contaminantes que podem ser carreados pela água de
chuva transportada pelo terreno, por exemplo, para dentro dos poços.
Os valores de pH das águas coletadas nos 8 poços no período
chuvoso, exceto no ponto 8, encontram-se abaixo da faixa ideal de
valores (6,0 - 9,5) estabelecida pela Portaria no 2.914/2011 do MS
(BRASIL, 2011). No período seco, o pH das águas se mostrou um
pouco mais alto, embora a água de quatro daqueles pontos (1A, 2, 4 e
6) ainda tenha se mantido abaixo daquela faixa ideal (Figura 5).

Tabela 1. Resultados das análises físico-químicas, químicas e


microbiológicas das águas dos poços nos arredores do cemitério do
Campo Santo, no período chuvoso (agosto/2013)
Período Chuvoso (Agosto/2013)
amostrais
Pontos

Limites legislados
1 2 3 4 5 6 7 8
/Recomendados

Temperatura da água
28,0 27,2 27,0 27,5 27,0 29,0 28,0 27,0
(ºC)
Cor aparente (uHz) 0,00 0,00 5,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 15 a
Turbidez (uT) 0,02 0,02 5,00 0,02 0,02 0,02 0,02 0,02 5a
Cond. Elétrica
360 379 258 507 454 297 325 428
(µS cm-1 )
STD (mg L-1 ) 189 201 137 265 233 155 171 223 1000 a, b
Salinidade 0 /00 * 0,19 0,20 0,14 0,27 0,23 0,16 0,17 0,22 1 a, b **
Parâmetros

pH 5,42 5,37 5,80 5,74 5,64 5,49 5,99 6,01 6,5 - 9,5 a
OD (mg L-1 ) 2,69 1,01 5,16 0,62 1,23 7,29 5,95 2,80
Amônio (mg L-1 ) < 0,040 0,48 < 0,040 1,74 2,68 < 0,040 < 0,040 < 0,040 1,5 a
Cloreto (mg L-1 ) 37,9 38,4 24,7 44,0 42,8 22,4 37,1 39,9 250 a, b
Nitrato (mg L-1 ) 40,5 28,8 27,1 62,6 45,5 13,7 22,9 33,9 10 a, b
Sulfato (mg L-1 ) 7,6 34,1 14,6 21,4 59,9 18,9 19,4 25,1 250 a, b
E. coli
Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausência em 100 mL a
( NMP em 100 mL)
C. perfringens (NMP < 1,1 NMP ou Ausência
< 1,1 5,1 5,1 3,6 < 1,1 2,2 2,2 < 1,1
em 100 mL) em 100 mL c
a
Portaria MS 2914/2011 (Potabilidade)
b
CONAMA 396/2008 (Consumo humano/água subterrânea)
c
RDC 275/2005
*
Valor calculado
**
Baseado no limite de STD

- 127 -
Tabela 2. Resultados das análises físico-químicas, químicas e
microbiológicas das águas dos poços nos arredores do cemitério do
Campo Santo, no período seco (fevereiro/2014)
Período Seco (Fevereiro/2014)
amostrais
Pontos

Limites legislados /
1A 1B 2 3 4 5 6 7 8 9
Recomendados

Temperatura da água (ºC) 28,8 28,3 29,1 29,1 28,2 29,3 30,2 29,6 29,0 29,7 -
Cor aparente (uHz) 5,0 10 0,0 0,0 50 5,0 0,0 10 0,0 0,0 15 a
Turbidez (uT) 0,020 0,20 0,02 0,020 0,020 0,020 0,020 0,18 0,020 0,19 5a
Cond. Elétrica (µS cm-1 ) 417 316 334 231 507 380 273 306 333 447 -
STD (mg L-1 ) 189 180 159 133 247 221 161 147 198 214 1000 a, b
Salinidade 0 /00 * 0,19 0,18 0,16 0,13 0,25 0,22 0,16 0,15 0,20 0,21 1 a, b **
pH 5,80 6,32 5,39 6,29 5,55 6,05 5,97 6,55 6,05 6,41 6,5 - 9,5 a
OD (mg L-1 ) 3,18 3,23 1,39 4,36 1,28 1,80 6,35 4,74 2,08 6,40 -
Amônio (mg L-1 ) < 0,040 < 0,040 0,43 < 0,040 1,53 2,61 < 0,040 < 0,040 < 0,040 2,83 1,5 a
Sódio (mg L-1 ) 30,6 31,0 33,3 16,4 39,0 40,7 29,0 1,27 27,5 40,2 200 b
Potássio (mg L-1 ) 16,3 16,2 15,1 23,4 26,0 28,6 16,0 9,91 26,1 26,8 -
Cálcio (mg L-1 ) 9,07 9,26 4,87 4,59 11,0 23,4 15,4 5,86 15,8 9,30 -
-1 15,0 13,8 14,5 9,63 14,5 14,4 13,2 4,71 8,94 17,3
Parâmetros

Magnésio (mg L ) -
Dureza total
84,5 80,0 72,0 51,1 87,1 118 92,5 34,0 76,2 94,4 500 a
(mg L-1 CaCO3 ) *
Cloreto (mg L-1 ) 67,7 66,8 68,6 48,9 79,6 88,1 60,6 0,16 63,0 83,3 250 a, b
Nitrato (mg L-1 ) < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 10 a, b
Nitrito (mg L-1 ) 40,8 39,9 93,2 2,04 138,00 72,2 40,1 < 0,020 48,3 98,0 1,0 a, b
Sulfato (mg L-1 ) 21,3 32,4 12,4 48,7 31,6 47,6 37,9 4,08 51,8 53,6 250 b

Fluoreto (mg L-1 ) 0,093 0,060 0,068 0,25 0,24 1,71 0,07 < 0,020 0,05 0,19 1,5 a, b
Acetato (mg L-1 ) 1,30 0,44 ND 0,42 <LQ 2,90 1,80 < 0,020 < 0,020 6,34 -
Oxalato (mg L-1 ) 0,15 0,11 0,31 0,22 0,27 0,12 0,12 0,12 0,10 0,10 -
Lactato (mg L-1 ) 0,25 < 0,020 < 0,020 4,77 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 < 0,020 -
Succionato (mg L-1 ) 0,16 0,39 0,21 0,11 0,19 0,20 0,25 0,16 0,28 0,16 -
E. coli
Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausente Ausência em 100 mL a
(NMP em 100 mL)
C. perfringens < 1,1 NMP ou
> 1,6 x 10 > 2,3 x 10 6,9 3,6 > 2,3 x 10 6,9 2,2 9,2 6,9 5,1
(NMP em 100 mL) Ausência em 100 mL c
a
Portaria MS 2914/2011 (Potabilidade)
b
CONAMA 396/2008 (Consumo humano/água subterrânea)
c
RDC 275/2005
*
Valor calculado
**
Baseado no limite de STD

Figura 3. Níveis de cor aparente das águas dos poços nos arredores do cemitério
do Campo Santo, nos dois períodos de amostragem: chuvoso (agosto/2013) e seco
(fevereiro/2014). Pontos 1B e 9 não foram amostrados no período chuvoso.

- 128 -
Figura 4. Níveis de turbidez das águas dos poços nos arredores do cemitério do
Campo Santo, nos dois períodos de amostragem: chuvoso (agosto/2013) e seco
(fevereiro/2014). Os pontos 1B e 9 não foram amostrados no período chuvoso e o
ponto 3 (período chuvoso) está acima do VMP pela Portaria no 2.914/2011 do MS.

Figura 5. Níveis de pH das águas dos poços nos arredores do cemitério do


Campo Santo, nos dois períodos de amostragem: chuvoso (agosto/2013) e seco
(fevereiro/2014).

Entre os parâmetros físico-químicos e químicos de qualidade


de água investigados na primeira campanha de amostragem
(Tabela 1), período chuvoso (agosto/2013), além de valores de pH, a
concentração de nitrato, espécie tóxica, que causa doença chamada
metahemoglobinemia infantil, letal para crianças, foi encontrada
de 1,4 vezes (no P 6) a 6,2 vezes (no P 4), mais alta do que o limite
estabelecido na legislação. Esses teores de nitrato são indicativos de
contaminação por atividades antrópicas; pode estar ligado a fossas
ou vazamentos da rede de esgoto, interferindo na contaminação

- 129 -
da água dos poços em período chuvoso ou ligado ao necrochorume
infiltrado no solo da área circunvizinha aos poços amostrados e/ou
transportado pela água das chuvas depois de depositadas no terreno.
Os resultados das análises físico-químicas da segunda
campanha de amostragem, período seco (Tabela 2), mostraram-se
também em inconformidade com relação ao pH nos pontos 1A, 2, 4 e
6. A cor da água nos pontos 1A, 1B, 4,5 e 7 teve valor mais elevado do
que no período chuvoso, mas ainda dentro do limite de 15uHz, como
legisla a Portaria no 2.914/2011 do MS (BRASIL, 2011). Neste período
muitas outras espécies químicas foram analisadas nas amostras das
águas dos poços: cátions, como sódio, potássio, cálcio, magnésio,
além de amônio, analisado também no período anterior, e ânions
como fluoreto e quatro ânions orgânicos: acetato, oxalato, lactato e
succionato. Destes, apenas amônio, nos pontos 4, 5 e 9 apresentou
concentração um pouco mais alta do que o limite legislado (Tabela 2)
e como o nitrato, pode chegar até a água dos poços pela interferência
dos esgotos sanitários, como produto da hidrólise da ureia no meio
aquoso destes efluentes ou do próprio necrochorume, que possa
estar aí presente. Fluoreto também apresentou concentração um
pouco acima do limite legislado (1,5mg.L-1) no ponto 5. Segundo
CETESB (2009), Traços de fluoreto são normalmente encontrados
em águas naturais e concentrações elevadas geralmente estão
associadas com fontes subterrâneas. Em locais onde existem
minerais ricos em flúor, tais como próximos a montanhas altas ou
áreas com depósitos geológicos de origem marinha, concentrações
de fluoreto de até 10mg.L-1 ou mais são encontradas. Com relação
aos ânions orgânicos detectados neste período (Tabela 2), podem
ter origem na decomposição de matéria orgânica, quando são
formados ácidos inorgânicos e orgânicos; neste caso, no entanto, as
baixas concentrações não parecem ser significativas para que essas
espécies químicas mereçam destaque neste trabalho. As figuras 6 e
7 apresentam a comparação da concentração dos principais cátions
e ânions, respectivamente, encontrados nas amostras de água dos

- 130 -
poços, nos dois períodos amostrais. No período seco, foram medidos
alguns ânions não medidos antes, em função de ter sido usada uma
coluna de separação mais eficiente na ocasião destas análises, o que
forneceu informações adicionais sobre a composição das amostras da
água subterrânea coletada.

Figura 6. Comparação da concentração dos principais cátions nas águas dos poços,
no entorno do cemitério do Campo Santo: (a) Período chuvoso; (b) Período seco

- 131 -
Figura 7. Comparação da concentração dos principais ânions determinados nas
águas dos poços, no entorno do cemitério do Campo Santo: (a) Período chuvoso; (b)
Período seco

As tabelas 1 e 2 também apresentam os resultados das análises


microbiológicas. Observa-se que a Escherichia coli esteve ausente
nos dois períodos. No entanto, foram encontrados na água de
praticamente todos os pontos amostra de Clostridium perfringens,
que representa parâmetro microbiológico legislado no Brasil pela
ANVISA,por meio da Resolução RDC nº 275/2005 (BRASIL, 2005),
que estabelece as características da água mineral natural e água

- 132 -
natural envasadas. O número de C. perfringens encontrado foi bem
mais expressivo no período seco, quando possivelmente foi menos
acentuado o efeito na diluição dos contaminantes no solo. Nesse
período, tanto a presença de clostrídios sulfito-redutores como de
outros contaminantes (à exceção de nitrato) é maior em praticamente
todos os pontos amostrais. O pH das águas aumenta nesse período,
representando acidez mais baixa, mas numa extensão muito pouco
representativa (águas apenas 0,4 a 9% menos ácidas, à exceção do
ponto 4, onde o pH baixou 3% no período seco). Dessa forma, não é
possível justificar as diferenças nas concentrações dos contaminantes
nos dois períodos de amostragem por ocorrência mais baixa de
decomposição de matéria orgânica (PRATTE-SANTOS, 2007) no
período seco, mesmo porque o aumento da concentração dos
contaminantes foi constatado de uma maneira geral neste período.
Mais alta acidez influenciaria o aumento da dissolução de substâncias
(BRASIL, 2006), podendo tornar os produtos da coliquação cada vez
mais disponíveis.
A partir de dados obtidos, realizou-se uma estimativa de fluxo
da água subterrânea, com o propósito de identificar a direção e o
sentido do fluxo subterrâneo e a consequente área da contaminação,
mostrados, especialmente, na avaliação das análises bacteriológicas
e de forma indutiva das análises químicas efetuadas. Os resultados
obtidos apresentados nos cartogramas da Figura 8, mostram que os
fluxos superficial e subterrâneo coincidem com os resultados positivos
que se correlacionam à infiltração da água proveniente do cemitério
no solo. As zonas de médio e alto risco, utilizando unicamente a
vulnerabilidade extrínseca descrita por Aquino (2008), influenciam
na presença de contaminação remota por C. perfringens, embora em
alguns dos pontos a determinação deste contaminante não tenha
sido indicada quantitativamente, conforme o padrão descrito no
ensaio utilizado, por conta de limitações dos instrumentos de análise
e georreferenciamento, esses resultados podem ser apresentados de
uma forma figurativa, mas com restrições com relação à quantidade.

- 133 -
Se a taxa de concentração de C. perfringens foi aferida em >2,3 x 10
NMP (mais de 10 tubos com resultado positivo, segundo a metodologia
utilizada) o software utilizado registra o valor exato de 23. Entretanto,
a técnica possibilita a verificação espacial da localização dos pontos de
coleta e a comparação, a grosso modo, dos níveis encontrados entre
eles em cada época de coleta, associando-os ao fluxo subterrâneo
estimado.

Figura 8. Cartogramas com resultados de análise de parâmetros físico-químicos, de C.


perfringens e com estimativa de fluxo subterrâneo: (a) Período chuvoso (agosto/2013),
(b) Período seco (fevereiro/2014)

Foi feito um estudo de correlações lineares entre o número de


C. perfringens e cada parâmetro de qualidade da água determinado
neste estudo. A figura 9 apresenta gráficos das correlações
mais significativas encontradas, no período seco, envolvendo
este parâmetro microbiológico: forte correlação inversa com a
temperatura das águas e correlações moderadas, positiva e negativa
respectivamente com condutividade elétrica e OD. A correlação

- 134 -
de C. perfringens com a condutividade elétrica pode indicar uma
mesma origem destes parâmetros na água, por meio de processos
de dissolução. A tabela 3 apresenta a matriz de correlação que inclui
o número de C. perfringens correlacionado com todos os outros
parâmetros analisados nas águas dos poços no entorno do cemitério
Campo Santo nos dois períodos de amostragem. Estas correlações
são em geral fracas, à exceção da correlação moderada com nitrito no
período seco, que indica associação da concentração de C. perfringens
com contaminação orgânica recente das águas amostradas. Com
relação às correlações lineares entre os parâmetros físico-químicos
e químicos, a matriz de correlação mostra que o pH só apresenta
correlações fracas negativas com a maioria das espécies químicas
determinadas. Potássio se correlaciona moderadamente com
amônio, cloreto, sódio, magnésio, fluoreto e nitrito; algumas dessas
correlações podem indicar origem comum em rochas nesse aquífero
(K+, Na+ e Mg2+, F-), processos biológicos que ocorrem no solo (NH4+,
NO2-) e/ou contaminação orgânica proveniente de ação antrópica.
Correlações são também observadas entre as espécies de nitrogênio
(amônio com nitrato no período chuvoso e amônio com nitrito no
período seco); como amônio pode ter origem na decomposição de
indicadores específicos de necrochorume (bioaminas), como referido
anteriormente, essas correlações podem reforçar a suspeita de que a
origem de nitrato e nitrito nas águas amostradas pode ser a área de
influência do cemitério Campo Santo.

4. CONCLUSÃO

Mesmo com indícios de contaminação, a pequena quantidade


de amostras analisadas em apenas dois períodos de amostragem foi
insuficiente para caracterizar a interferência do cemitério do Campo
Santo de forma eficaz como única fonte poluidora do aquífero e para
evidenciar estatisticamente o risco, mas foi suficiente para indicar a

- 135 -
Figura 9. Correlações entre o parâmetro microbiológico C. perfringens e parâmetros
físico-químicos: (a) Condutividade elétrica, (b) Temperatura e (c) Oxigênio Dissolvido

Tabela 3. Matriz de correlação com Coeficiente Pearson (r) entre os


parâmetros analisados nas águas dos poços em área do entorno do
cemitério do Campo Santo nos períodos chuvoso e seco
+ + 2+ 2+ + - - - - 2-
pH Na K Ca Mg NH4 Cl F NO 3 NO 2 S O4
pH - - - - - -0,09 0,13 - 0,03 - -0,06
Período Chuvoso (Agosto/2013)

+
Na - - - - - - - - - - -
+
K - - - - - - - - - - -
2+
Ca - - - - - - - - - - -
2+
Mg - - - - - - - - - - -
+
NH4 -0,09 - - - - - 0,59 - 0,7 - 0,79
-
Cl 0,13 - - - - 0,59 - - 0,76 - 0,44
F- - - - - - - - - - - -
-
NO 3 0,03 - - - - 0,7 0,76 - - - 0,23
-
NO 2 - - - - - - - - - -
2-
S O4 -0,06 - - - 0,79 0,44 - 0,23 - -
C. perfringens
-0,14 - - - - -0,16 -0,35 - -0,15 - -0,2
(NMP em 100 mL)
pH Na
+
K
+
Ca
2+
Mg
2+
NH4+ Cl
-
F
-
NO 3- NO 2- S O 42-
pH - -0,5 -0,06 -0,05 -0,44 0,02 -0,47 -0,01 - -0,62 0,23
Período Seco (Fevereiro/2014)

+
Na -0,5 - 0,61 0,48 - 0,64 - 0,39 - - 0,46
+
K -0,06 0,61 - 0,53 0,37 0,68 0,69 0,54 - 0,49 -
2+
Ca -0,05 0,48 0,53 - 0,2 0,43 0,48 0,72 - 0,21 0,5
2+
Mg -0,44 - 0,37 0,2 - 0,56 - 0,22 - 0,7 0,29
+
NH4 0,02 0,64 0,68 0,43 0,56 - 0,6 0,64 - 0,65 0,44
-
Cl -0,47 - 0,69 0,48 - 0,6 - 0,42 - 0,72 0,57
-
F -0,01 0,39 0,54 0,72 0,22 0,64 0,42 - - 0,18 0,35
-
NO 3 - - - - - - - - - - -
-
NO 2 -0,62 - 0,49 0,21 0,7 0,65 0,72 0,18 - - 0,14
S O 42- 0,23 0,46 - 0,5 0,29 0,44 0,57 0,35 - 0,14 -
C. perfringens
-0,21 0,20 -0,09 -0,12 0,21 -0,07 0,15 -0,14 - 0,31 -0,30
(NMP em 100 mL)

R : 0 – 0,3 Correlação fraca 0,3 < R < 0,7 Correlação moderada; R : = 0,7 Correlação forte

- 136 -
existência de uma influência entre este e a presença de contaminação
por necrochurume na água dos poços localizados no seu entorno.
Pode-se afirmar que a presença de C. perfringens, utilizado
neste estudo como indicador de contaminação remota, por ser
bastante persistente neste meio e como um bom indicador da
contaminação por necrochorume, pode trazer um risco em potencial
aos consumidores de água de poço na área de estudo.
Além da presença de C. perfringens, as amostras coletadas
apresentam alguns padrões de qualidade fora dos limites estabelecidos
pela Resolução CONAMA nº 396/2008 e Portaria nº 2.914/2011 do MS,
que tratam, respectivamente, dos padrões para água subterrânea e da
potabilidade da água de consumo humano, como é o caso de nitrato e
nitrito no período chuvoso e seco, respectivamente, assim como o pH,
que se apresenta abaixo da faixa de valores limites em praticamente
todos os pontos amostrados, conferindo à água característica ácida.
A correlação entre os parâmetros de qualidade da água
investigadas neste estudo pode indicar pela correlação de C.
perfringens com a condutividade elétrica, uma mesma origem
destes parâmetros na água, por meio de processos de dissolução;
pela correlação moderada de C. perfringens com nitrito, no período
seco, contaminação orgânica recente das águas amostradas; pela
correlação de amônio, espécie que pode ter origem na decomposição
de indicadores específicos de necrochorume, com nitrato e nitrito,
evidência da suspeita de que a origem destes nas águas amostradas
pode ser a área de influência do cemitério Campo Santo.
O estudo apresenta indícios de influência das condições
ambientais e de vulnerabilidade (hidrogeológicas, de taxa de
pluviosidade e do fluxo superficial na lixiviação e absorção na zona
saturada) e da percolação de microrganismos nos locais de inumação
direta.
De acordo com os níveis de concentração de cada parâmetro,
há indicação de que ocorre a contaminação do aquífero por meio da

- 137 -
pluma de contaminação difusa, em especial por conta da tendência de
dispersão do C. perfringens, em concordância com o fluxo subterrâneo.
Os achados tornam necessária a comunicação do risco aos
usuários destas soluções alternativas de abastecimento, sobretudo
os SAI.
A inclusão de outros parâmetros específicos na análise de água
para consumo humano em regiões ambientalmente vulneráveis,
bem como na Portaria nº 2.914/2011 do MS (atualmente em processo
de revisão), permitirá realizar uma correlação mais consistente
entre a presença, a intensidade da contaminação, o impacto do
necrochorume na qualidade da água consumida nas adjacências
do cemitério estudado. É o caso das aminas bioativas (putrescina e
cadaverina) na água subterrânea, as quais identificariam com maior
precisão uma contaminação proveniente do necrochorume.
Os resultados são considerados indicativos de contaminação
por necrochorume, visto que não foram usados pontos de coleta
dentro do Cemitério, foram feitas coletas em apenas dois períodos do
ano e em número de pontos pouco significativo, não sendo utilizados
todos os parâmetros que indicam esse tipo de contaminação.
O estudo em área restrita e com população exposta é uma
referência para novos estudos na interface saúde/ambiente com
vistas à prevenção e atenção à exposição aos riscos. A melhor solução
para os cemitérios existentes que não consideravam, quando de
sua implantação os condicionantes ambientais, seria a desativação
gradual com a busca de novas áreas com estudos prévios, respeitando
as características hidrogeológicas e litológicas de cada área, como
descrito na legislação, sendo ideal a implantação de mais crematórios
públicos e cemitérios verticais, como já acontece em diversas cidades
brasileiras, inclusive, pela iniciativa privada, e implementação de
novas políticas públicas com a adoção de gerenciamento efetivo em
áreas correlatas.

- 138 -
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