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Boaventura OFIMDO de Sousa IMPERIO Santos COGNITIVO A afirmagao das epistemologias do Sul Ete A Ae, SAG ——ren oe Boaventura de Sousa Santos OFIMDO IMPERIO COGNITIVO A afirmagao das epistemologias do Sul 24 reimpressio auténtica Copyright © 2019 Boaventura de Sousa Santos Todos 05 direitos reservados pela Auténtica Editora Lida Nenhuma parte desta publicacso poderd ser reproduzida, seja por meies mecBncos, eletrOnicos, seid via cOpia xerografica, sem a autorizacao preva da Editora torTORAS mesponsAes ome Reyane Dias ‘Drogo Droschi Ceca Martins Gobre pintura Magnanim@s, de Mano Vitona Acriico sobre tela, reo 113x149 om, 2015) Carla Neves Dacranaco Waldéne Alvarenga Este livro to¥ elaborado no 3misto do projeto de nvestigacao “ALICE - Espethos estranhos, IxGes imprevstas”, conidenado pelo autor no Centro de Estudos Socas da Universidade de Combra 0 projeto for fnancadopelo Cometh Europeu de iwestigaxdo no dmbsto do 7° Programa-Quadro da Unido Europeta \FP/2007-2013V ERC CConwencao de Subver,0 n° |269807](aice ces uc pt) Esta pubhcacdo se beneticiou tambem do apovo fnancero dda Fundaao Portuguesa para a Ciencia e Tecnologia. a0 abriga do programa estratégico UID/SOC/SO0122019. é %_ ED oO Dados Internacionais de na Publicagéo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP. Brasil) | Santos, Boaventura de Sousa 0 fim do mpene HSHEUIF- UM. recuRse precioso he M7 CIENCIA PROFUNDA O05 SENTIDOS invisivel pela simples razao de que néo < a er Ue exista, ou sejas a linha abissal que Hive ee eae idades metro. politanas ¢ secielaes soceDiliee les coloniais. Ser investigador pg, abissal implica, na maior parte los casos, Praticar uma Pedagogia s-abissal, uma pedagogia baseada no reconhecimento da linha abissal. Essa linha funciona um pouco como o inconsciente cole. tivo de Carl Jung (1969). Nao o inconsciente coletivo universal e imemorial de Jung, ¢ sim o inconsciente coletivo do capitalismo, do colonialismo ¢ do patriarcado. Refiro-me a ferida profundissimg que ¢ infligida nos corpos ¢ nas sociedades/sociabilidades modetnas, uma ferida que é causa de sofrimento sem nome, de dor “grotesca”, “diabolica” e “primitiva”, usando os termos junguianos: a ferida da apropriacao/violéncia sem a qual a regulacdo/emancipacao moderna nao funcionaria no passado e sem a qual também ainda nao funciona hoje. Sem querer forsar a analogia, diria ainda que o investigador pé: abissal, tal como o psiquiatra junguiano, deve facilicar a emergéncia do inconsciente coletivo. Ou seja, deve tornar visivel a linha abissal a fim de a tornar alvo de demincia e de luta politica. E essa a peda- gogia pés-abissal, talvez a mais dificil tarefa do ver profundo. Quer investigue exclusdes abissais ou nao-abissais, o investigador pés-abissal deve sempre ter em conta a linha abissal; se nao 0 fizer, nao podera combater eficazmente nenhum dos tipos de exclusao. A pedagogia pés-abissal comeca necessariamente Por ser uma auropedagogia. A linha abissal, apesar de “inimaginavel” como tal, ¢ “vista” pelo grupo social vitima de exclusio abissal sob uma forma fantasmagorica, uma forma que é totalmente surpreendente, ou mes mo perturbadora, para o investigador pés-abissal na medida em que s¢ iene pm do investigador pés-abissal. No caso de ele set la comu: individual e solidaria, & “vist nidade, ¢ apesar de se tratar de uma ‘0” pelo grupo como mais uma versio da PO Nao pense em capitalismo, colonialism? vé apenas uma coma po ola Para ele, em especial no OE O grupo pode car disposto neat wm coetivaimenso ¢ howe SPosto a suspender o que a memoria Ihe diz, ™ nao esquece. Qua ' one ‘4 * Qualquer gesto mal calculado por parte do investigador var ao cancelamento dessa suspensao, Cpatriarcado, Quando o gra 24H A visio profunda implica que o investigador disposto a “ver” 0 que efetivamente nao vé e sim aquilo que sabe na presume que o grupo vé no que se refere a si pessoalmente, Tem plena consciéncia de que a forma como trata essas assimettias do ver decidiré 0 destino do conhecer-com ¢ da partitha da luta. O proprio investigador é porassim dizer, um mapa atravessado pela linha abissal; 0 seu projeto de conhecer-com tem de incluira cura da ferida causada pela linha abissal, sob pena de o seu trabalho deixar de ser aquilo que afirma ser (um projeto de investigagao pos-abissal). O dilema do investigador pés-abissal é ter de reconhecer que ele préprio é a linha abissal e que construir o pés-abissal ésobretudo um ato de autodestruicao. O necessario trabalho de autor- reflexividade e de autotransformacao é um esforgo quase desumano para promover a humanidade. Serao precisas varias geragées de investigadores pés-abissais para levar a cabo essa tarefa, de modo que o atual paradig- ma do conhecimento extrativista venha a set ultrapassado. Durante muito tempo ainda, ser investigador pés-abissal seré, cm parte, uma experiéncia sacrificial. A visio profunda pode ainda ser efetuada de uma outra forma que, na verdade, esta também presente nos dois modos anteriormente teferidos (vistvel e invisivel ¢ ver 0 inimagindvel). Refiro-me a olhares desiguais e olhares diferentes. Os olhares subalternos sao diferentes € desiguais. Criados em exclusao abissal, os olhares subalternos veem coisas que o investigador nao vé; mesmo quando os olhares subalternos € 0 investigador veem as mesmas coisas, a forma como avaliam ou atribuem sentido ao que veem raramente é coincident. A desigualdade de poder das visdes presentes € geralmente paralela & diferenga cul- tural da visio; no entanto, a desigualdade de poder e¢ a diferenga cultural devem ser consideradas em separado para efeitos analiticos. Os olhares subalternos foram localizados pela dominagao global mo- pos-abissal esteja derna. Por consequéncia, o respectivo campo de visdo ¢ normalmente mais reduzido, embora vejam com um gradiente de textura muito afinado. Em termos estruturais, so como mapas de grande escala Fepresentando um territrio pequeno em grande pormenor. A exclu- S40, principalmente a exclusao abissal, treina os olhares para o aqui © agora, para aquilo que esta proximo ¢ € necessirio de imediato. F a logica existencial da sobrevivencia. Alargar o campo de visio pode wo S PXPCRIENCIA PROFUNUA DOS SENTIDOS implicar o risco de negligenciar os pormenores que a Sseguram, 2) O investigador pés-abissal deve respeitar essa escala e de 1 ‘ . POIs tenta, ajudar a fortalecer a resisténcia por via de articulagées ¢ ee ho mrsli NEE essa ¢ O seu campo de visio € mais amplo, cobrindy um outras escalas. ceritério muito maior ou um mais vasto tempo-espaco de exclusge ¢ lutas contra a exclusio. Sabe que a ciéncia pés-abissal constesi die tincia critica através da ampliagao do campo e, portanto, da alteracag de escala, a fim de tornar o campo visivel. Mas sabe também que ampliar o campo (uma luta, um territério) implica o desperdicio de pormenores, uma ver que é necessério um gradiente de textura maig grosseiro. O investigador pés-abissal sabe que, para lutar eficazmente contra um tipo de exclusdo que lana os grupos excluidos para os ni. veis inferiores dos recursos ¢ das oportunidades da vida ~ o nivel da sobrevivéncia —, a luta tem de ser empreendida a um nivel superior ao da mera sobrevivéncia. Na verdade, ao nivel da escala da sobrevivén- cia € apenas possivel reproduzir a sobrevivéncia, € nao ultrapassé-la Mas nenhum desses fatos se consegue comunicar ou partilhar facil- mente com aqueles que seriam os mais interessados ¢ que mais se beneficiariam de ter acesso a esse conhecimento. O investigador pés-abissal deve ter consciéncia de uma outra nao coincidéncia (a viséo assimétrica) que se refere & reciprocidade e 3 cumpli- cidade aparente dos olhares. Mesmo quando parecem olhar para a mesma tealidade, o investigador pés-abissal eo grupo social em luta veem-naem diferentes escalas; na verdade, nao veem a mesma realidade, uma vez que do vemos os fendmenos, mas apenas escalas de fendmenos."”? Assim sen- do, a visio profunda implica que as escalas se aproximem gradualmente, & Nese caso, 0 investigador pés-abissal precisa recorrer a uma pedagogia transescala: a pedagogia de ver o grande no pequeno e 0 histérico no aqui © agora sem perder de vista o pequeno ¢ 0 aqui ¢ agora. Para os grupos Sociais excluidos, uma mudanca de escala s6 faz sentido se ctiar expectativas ™ AB céncia moderna, em wande quantidade de exemplos do cariter conservador dos grupos socials excl apesar de, 40s olhos dos analive Pari no serem conserva ue-os prendem it s, fornece um seral, bem como as teorias criticas modernas, form = as razdes Hts € dos tedricos, esses grupos terem todas & jo as correntes ores, uma vex que nada cm a perder senio 4 rato as ewalas mais detalhadamente em Santon (1987, p. 279-302) 250 criveis de que a8 coisas vio melhorar como resultado da huta contra a dominagio. Para os que se encontram 4 beira da nao sobrevivencia, qualquer alteracao deve ser cuidadosamente ponderada poder vira ter consequéncias graves. Se tudo na vida jé se encontra em risco, arriscar ainda mais pode ser fatal.””” A pedapopia tranvescala situa-se nos antipodas do ditame cientifico abissal, que simplesmente impoe a escala de visto que Ihe permite dominar cientificamente o grupo excluido (conhecer-sobre), transformando todas as outras escalas em localismos descartaveis. F essa a natureza do olhar imperial. uma ver que Olhares subalternos sao necessariamente olhares diferentes porque foram treinados numa cultura diferente. Nesse caso, a visibilidade é ainda mais enigmética ¢ a possibilidade de nao coincidéncia (a visto assimétrica) ainda maior. Uma visao culturalmente diferente ocorre segundo perspectivas, escalas, texturas, cores ¢ movimentos que podem ser ininteligiveis para o investigador pés-abissal. Esses desacordos s4o concebidos como “curiosidades” analiticas para 0 investigador abis- sal que estuda-sobre ¢ conhece-sobre. Contudo, para o investigador pos-abissal que estuda-com ¢ conhece-com, tais desacordos colocam em perigo o seu projeto existencial. Apenas um exemplo: um investigador pos-abissal pode estar vendo ¢ sendo visto através de olhares que veem o coletivo no individual, a natureza na sociedade, o transcendente no imanente, o passado no presente, o futuro no passado ou, vice-versa, 0 passado no futuro. Ou através de olhares que veem os antepassados como estando presentes e participando das reunides; ou veem sons; ou veer abundancia onde o investigador apenas vé escassez ou lixo; ou veem as cotes que apenas os passaros vem, ¢ assim por diante. Conhecer-com exige, nessas circunstancias, que as diferengas sejam transformadas em oportunidades de inteligibilidade intercultural. Nao se trata de eliminar as diferengas culturais visuais. Trata-se, sim, de criar alguma inteligibi- lidade reciproca que permita a criagao de ecologias de saberes visuals, So ociais que nada tem A ideia marxista de que se espera que a Juta venha de grupos sociass dls Mt 4 perder excet ente esquece que, €M te 10 as cor nrendem a totalidade do @xistencias, as corentes nunca prendem tudo ou nunca prendem A TOOT TY que quer que seja acorrentado, Nao suscetivers de serem acort si nares le © © espanto de vivo em condigdes inimaginavelmente dur tes que os prendem normal est ace : 4 Continuar a estar vivo é inescrutavel. 281 expen HPERIENCIA PROFUNOADOS SENTIODS comando assim possivel articulagies ealiangas capares de ortalecey " traducao visual i lutas contra adominagao. Trata-se de reali eat tural ea pedagogia de tradugao intercultural que ela exige, A escuta profunda Em termos gerais, a cultura ocidental privilegia a escrita ea falaem detrimento do ouvir ¢ da escuta. Apesar do fato de que uma grande maiorig da populayao passa 0 mesmo tempo da sua vida ouvindo e falando, as escolas ensinam a falar, mas nao a ouvir. No maximo, podem ensinar a ouvir, macnio ensinam a escutar. Essa distingao é mais importante do que parece. Nas palavras de Alfred Tomatis, “ouvir implica um uso superficial do nosso ouvido, enquanto escutar implica um ato de vontade, vontade de nos ligarmos ao ambiente sénico e de aprender aquilo que deve ser conhecido. E através da postura de escuta que passamos da consciéncia Passiva de que existe alguma espécie de som para a escuta: prestar atengio 20 som € envolvermo-nos ativamente com ele” (2005, p. 86).2™ © ouvido do investigador abissal € um ouvido treinado para se ouvir a si mesmo, reduzindo ao minimo os sons exteriores com que necessariamente se depara. E um ouvido treinado para o extrativismo; apenas ouve o exterior quando néo se estd ouvindo exclusivamente asi proprio, ¢, mesmo quando o faz, aplica uma economia de audicao muito austera que visa extraira maxima quantidade de informagao relevante no menor periodo de tempo. Essa economia auditiva nao permite que © investigador abissal empreenda qualquer ato de autorreflexividade.°” Isso quer dizer que, quando escura, no se escuta a si mesmo escutan- do. Ao contrario da teciprocidade entre ver e ser visto, a reciprocidade entre ouvir e ser ouvido funciona por sequéncias. © ouvir abissal & 0 tipo de audicao que procura controlar as sequéncias maximo possi “Ver umbém Tomatis (1991, p, 16), Mew wie ve concordande iiteiramente com a su teoria pyicanalitica, hi de 56 procenn ar ave Freud intsrrompe a tradigdo ocidental ao watoriear a escata 010° venture tttetubjetive. E evidteme jue fos revolucioninio conceder wo medio. ME pstuniava formula juizos de torn Fipida, a tareta de escutar © paciente, ¢ duane peri fe Be de tempo. Segundo cmbora a mest logrea da cre news ewental fee ae SM ata ttnba ian propasite instru tal © extrativista: extrair dos pacts CeMATION para a sua “outa 252 é javestigador decide quando quer ouvir (0 que quer ouvir) € quando rer ouvido: decide igualmente nao ter de tolerarsobreposicées (por exemplo, (er de ouvir enquanto fala ou ter de falar enquanto ouve). Controlar a sequéncia é crucial para manter 0 monopélio do critério reativo aquilo que € ou ndo é relevante, Acscuta profunda é uma experiéncia muito complexa que ocorre nos antipodas da experiéncia auditiva abissal.’" Tem sido feita uma importante reflexéo no Ambito educative sobre a centralidade da escuta noato de ensinar. A influéncia de Paulo Freire é 6bvia. Katherine Schultz concebe o ato de ensinar como um ato de eseuta: “Colocar a escuta no centro do ato de ensinar contraria a nogao de que 0 professor fala ¢ 0 aluno ouve, sugerindo, em vez disso, que os professores escutam para ensinar ¢ 0s alunos falam para aprender” (2003, p. 7). Embora formulada no contexto pedagdgico, essa nogdo de ensino como escuta tem muitas afnidades com a nogao de escuta profunda que aqui proponho. Vem a propésito uma extensa citacao: Tal como é usado aqui [o termo escutal sugere a forma como uma professora da atengio aos individuos, a turma enquanto grupo, ao contexto social mais amplo e, transversalmente a todos eles, 20 siléncio ¢ aos atos de silenciamento, Os professores procuram escutar as vozes € os gestos individuais nas suas salas de aula; pro- curam escutar também 0 sentir ou o carater do grupo. Enquanto a literatura sobre pedagogia muitas vezes destaca a importincia da observacao, irei focar-me propositadamente na escuta, a fim de sublinhar a centralidade das relagdes no ensino. A observasao pode efetuar-se a distincia; escutar requer proximidade e intimidade. A expresso “escutar para ensinar” implica que 0 conhecimento de quem 0 ouvinte é € a compreensao que tanto quem ensina como quem aprende trazem para uma situago constituem o ponto de partida para ensinar. Escutar engloba palavras escritas ¢ as que sto ditas, palavras murmuradas, interpretadas nos gestos, ainda as que nao chegam a ser ditas (ScHuLTZ, 2003, p- 8). -a da escuta Menciono agora algumas dimens6es ou tipos de pra Profunda, A primeira tem a ver com o som do inaudivel. Nao € este 0 Para uma énfase inicial na excuta no Ambito do ensino, ver Duker (1966) 4 “APERIENC I puoFUNGA Das seMTiO0S 38 lugar paraanalisar detalhadamente o papel do silencio na sociedad nem os varios tipos de siléncio.”” Para o investigador pés-abissal, 9 siléncig é talvez a forma mais complexa de interagao social. Som ¢ siléncio sio inseparaveis; quando 0 som nao é possivel, o siléncio também nao 0 io entre som e siléncio adquire um im. é& Em processos de luta, a rela portance valor estratégico; 0 investigador pés-abissal deve sempre te con: ncia de que respeitar essa relagao (nao interferir nela, evitando coloci-la em perigo) é um dos requisitos basicos do conhecer-com, O que nao € ouvido pode bem set um som que nao é audivel ou ¢ intelj- givel para ouvidos extrativistas. Ou talvez seja comunicado através de outros sentidos, 0 que, por sua vez, poderd proporcionar reinterpreta- $0es significativas. O siléncio visto nao ¢ a mesma coisa que o siléncio ouvido ou cheirado ou tocado. Os ouvidos subalternos estio treinados para detectar sentidos indiscretos ou invasivos. O investigador pés-abissal sabe que nao serd capaz de ouvir a voz do siléncio se nao se submeter ele prdprio a um profundo autossilen- ciamento, O autossilenciamento profundo é a condigao necesséria para se ouvir a voz do inaudivel. O objetivo é fazer com que sons e vozes surjam da convergéncia de dois movimentos antifonicos: o siléncio profundo do inyestigador, por um lado, ¢ 0 siléncio da agio ou da Omiss4o com que se confronta, por outro. A convergéncia antifonica Tequer tempo, treino e disponibilidade; requer, sobretudo, corazonar. Apenas essa convergéncia torna possivel a escuta profunda. O inves- tigador pés-abissal vive intensamente a multiplicidade de “vores” que podem, efetivamente, ser inaudiv. voz inaudivel produzida pela linh; gera. A apropriacao/violéncia tradi voues se referem a realidades que ao silenciamento reiterado, Essas resgatada apenas pela sociologia existiu, eis. A voz mais recéndita e fugidia éa a abissal e pelas exclusies abissais que 'uz-se em vozes inaudiveis porque €ss45 se tornaram impronuncidveis devido tealidades sao uma falta abissal, a set fa ca das auséncias como algo que nut mas que deveria ter cxistido,2° Sobre pos de silencio e como interpretilon, v F Santos (1995, p. 140-158) “Se existe um maudivel subalterno, também exwec uum inaudivel dominane, feito Seer domuinagde, Nain mundo de meios de conrunicagio superabunnante 24 O som do ininteligivel A ininteligibilidade & mais dificil do que a inaudibilidade porque apenas iia se disfarga de auséncia; pelo contritio, aquilo que é inine itigivel “posiciona-se perante 0 ouvinte” sempre como uma presenca vacontralivel¢ portanto, potencialmente perigosa, A ininteligibilidade ‘em sempre a ver coma lingua ou 0 cédigo através dos quais 0 som é transmitido. Afirmar que uma aprendizagem extrativista da lingua ou do cddigo permite desvendar o inintcligivel é uma das faldcias da ancia social abissal. Os ouvidos subalternos sio diferentes na medida em que sua respectiva cultura lhes permite reconhecer diferentes sons esiléncios, a0s quais atribuem fontes ¢ origens que apenas serao inteli- gives por intermédio da tradugao intercultural. Um som nao-humano pode ouvir-se como um som humano, e vice-versa; um som do passado pode ouvir-se como um som do presente, ou até do futuro, e vice-versa Sequéncias ¢ ritmos Os ouvidos subalternos sio-no porque nao controlam as sequéncias cos ritmos dos sons e dos siléncios. Ouvem-se escutar nao por decisio propria nem em alturas por eles escolhidas. O investigador pos-abissal enfrenta aqui um dos seus maiores desafios. A escuta profunda implica a perda de controle das sequéncias ¢ dos ritmos como forma de reduzir 209 a desigualdade do ouvido subalterno. E 0 oposto da escuta ativa,"” um dos modos mais eficazes de escuta extrativista. E por isso que o silénclo é uma das armas de resisténcia dos corpos subalternos, sendo nao raro a nica disponivel, As sequéncias € os ritmos condicionam os conteidos ou os sentidos do som e da auséncia de som, daquilo que é ouvido ou Siléncios estratégicos da parte das elites dirigentes ou dominantes sio do imporanses quanto insidiosos, a . ‘ to, na formagio ‘Acscuta ativa é uma técnica de comunicago, usada em aconselhamento, Ma fawite ena resolugio de confltos, que exige que quem ouve repita a quet 12 1M ae i proprias palavras, do q uve, como forma de reafirmagao ow paraffase, nas suas proprns PY a é o entendime! uviu, para contirmar o que foi ouvido e, além diso, para confimmar 9 as ciénicias socials abisas, to de amba Jamente usada pel. nbas as partes, A técnica € amplar ee Beans ‘muitas vezes sob pretexto de aumentar a qualidade de infomnay29 netodol etodologias qualitativas utilizadas. Any PERIENCIA PROFUNDA DOS SENTIOOS Jo, Alguns contetidos ou sentidos do som sao apenas ident}. nao ouvid : ‘ sequéncias ¢ ritmos partilhados. ficaveis em Silenciamento ¢ vocalizagao Trata-se de um dominio especialmente relevante da escuta Profunda, sobre as sequéncias ¢ os ritmos implica tera Capacidade de Ter controle f silenciar ¢ de dar voz. Quando nao foi a voz indireta dos BTUPOS sociais dominantes, a ciéncia social moderna destacou-se por dar voz aos, grupos sociais dominados. Como mostra de forma eloquente Gayatri Spivak (1988, p. 271-314), a tragédia das ciéncias criticas modernas foi ceder 3 tentacao de dar voz aos siléncios dos corpos subalternos. O Pressuposto ingénuo do investigador abissal é 0 de que a sua voz € transparente, que nao se confunde com as vozes dominantes e que pode, portanto, ser “dada” aos dominados como se fosse deles. Essa tenta¢ao assenta numa dupla falicia, Por um lado, nao se pode partir do principio de que o si- lencio dos oprimidos é sempre o resultado de um silenciamento impos. Pode tratar-se, na verdad, de um silencio de revolta ou protesto contra osilenciamento imposto. Ha direito A voz apenas quando existe também direito ao silencio. Por outro lado, a voz que é “dada” é sempre uma yor sobreposta a outra voz que existe na realidade, mas que nao se ouve. Dar voz € menos transparente do que afirma ser; pode ser (e muitas vezes foi) ou uma voz dominante traduzida num dialeto dominado ou uma voz dominada seletivamente traduzida num dialeto dominante. Em qualquer um dos dois casos, o que temos é uma voz falsa, uma voz ventrfloqua. Nao admira, pois, que contir nue a sera Unica “voz dos oprimidos” enten- dida pelos grupos dominantes, Nao surpreende também que os grupos dominantes nao se sintam ameagados por ela. > A Pedagoga da escuta pds-abissal tem dois aspectos principals ‘or um inagao funci i a . lado, a dominagao funciona Muitas vezes de modo silencios? Per meio daquilo que ani nante. Nesse €a denuncia teriormente referi como o inaudivel domi CaSO, 0 investigador tem de aprender a detectar o siléncie 10 a0 grupo soci tiscos. Nao & um de redibilidade Sons que us. : acimentos ¢ al com o qual partilha conheciment ' oa Piolo cira # pedagogia ficil, pois tem de ultrapassar a barre os Colocada pelos grupos dominantes \ volta de todos an py, 5 ‘ gv) 4M para justificar a sua dominagao, Como Gramsci (1 , defendeu a0 Cony) pinantes incenteme, . neentemente, a hegemonia dos grupos dom 256 é wanda pela sua capacidade de convencer os dominados de que nao em outros “sons na cidade”. Ness ai ¢ caso, a distancia critica que caracteriza a investigagao pés-abissal precisa ser cuidadosamente rada, sob pena de o investigador correr o risco de se ponde- tornar um parceiro nio confiivel quando denunciar a credibilidade da voz dominante. A sua vor. pode soar falsa, O segundo aspecto da pedagogia pés-abissal tem a ver com a oposicao silenciamento/vocalizacao anteriormente referida, Trata-se de uma area em que, dada a hegemonia das epistemologias do Norte, o investigador pés-abissal deve fazer um exercicio de profunda autor- reflexividade a fim de evitar tanto 0 risco de silenciar como 0 isco oposto, o de vocalizar. Deve treinar a voz para que funcione em coro, ou, pelo menos, para que sirva de amplificador de som. Em algumas situagdes, pode ser mais adequado imaginar a voz como sendo um eco. Tal como no caso de todos 0s outros sentidos, o sistema de equivalénci é sempre aberto e precdrio. Sons de esperanga podem ser ouvidos como sons de medo, sons de resisténcia podem ser percebidos como sons de desisténcia, ¢ vice versa, Pode também acontecer que investigador pos-abissal perceba que esta sendo ouvido de uma forma que considera “surpreendente” ou “inesperada’, ou porque o que diz ¢ altamente va- lorizado ou porque é recebido com sorrisos de troga. Nesses casos, esses desacertos ou desencontros serao sempre de pouca importancia, uma ver que o partilhar da luta, o estar presente nos momentos de perigo € © corazonar tratario de atestar, de forma gradual, em qual dos lados o investigador pés-abissal esta. O olfato, o paladar e 0 tato profundos A visdo ¢ a audicao so normalmente consideradas os sentidos mais importantes para a nossa ligagao com o mundo. Contudo, a verdade é Que, nas relagoes sociais, é através dos sentidos do olfato, do paladar’'” € do tato que a “abertura ao mundo” se torna um contato fisico, material 20 Oxbor que refiro aqui é0 sentido do paladar, da percepcao gustativa ou degustacie, Cujo dominio privile Jhmentos. Mais amplo é, ado € hoje a culinaria ou a prova de ; ele Contudo, 6 conceito de gosto enquanto mecanismo de discriminag io social, analisado demodo brilhante por Bourdieu (1979). Engloba, para além da comida, o vestuinoe ae 287 XPERIENCIA PROFUNDA DOS SENTIDOS com esse mundo. Além disso, enquanto os orgios de quatro dos cinco sentidos (visio, audicao, paladar ¢ olfato) tesideni apenas numa parte do nosso corpo (0 cérebro, embora isso seja hoje discutivel), 9 Stgio do ai, estende-se a todo 0 corpo, expondo-o sentido do tato reside na pel ea amais contato. A vida sem tato ou autotato € literalmente impossivel, 0 rato € considerado o sentido mais basico, pois, como afirma Montagy, “& ele que nos da conhecimento da profundidade OU espessura e da forma; sentimos, amamos e odiamos, somos sensiveis ao toque ¢ somos tocados através dos corpuisculos tateis da nossa pele” (1971, p. 1). Montagu afirma inclusive que, a seguir ao cérebro, a pele é 9 mais importante de todos os nossos sistemas organicos. Segundo ele, 0 tato €0 Unico sentido sem o qual é impossivel viver: “vejam: enquanto sistema sensorial, a pele é, em grande medida, 0 sistema orginico mais importante do corpo” (1971, p. 7).2! Como afirmei anteriormente, a histéria cultural dos sentidos revela a existéncia de uma diversidade cultural infinita. No que se refere ao tato, as diferencas culturais tém um papel especialmente importante, na medida cm que diferentes culturas tém diferentes cédigos de toque. Isso significa que a compreensao total do signifi- cado da experiéncia dos sentidos, tanto no ambito de experiéncias de conhecimento como de experiéncias de luta, pode necessitar de traducao intercultural. No debate entre Guru e Sarukkai (2012) sobre a intocabilidade na {ndia (0 problema dos intocdveis, os da- lits), é dedicada alguma atengao a questao da tradugao intercultural. Sarukkai contrasta as concepgdes ser encontradas jd em Aristételes, c P. 156-199). Por exemplo, a disti ocidentais do toque, que podem ‘OM as concep¢oes indianas (2012, SCNT acdc in¢ao essencial na cultura indiana Posigao entre tato e contato (2012. p. 164). Segundo a moda, a arte, ; A musica, o entre tem em coms chime: conceitos tenimento, etc. Evidentemente, ambos os coneel! UM Percepcies que «4 5 PeFCEPGeS que séo, em grande medida, socialmente construid3 * Segundo Paterson, : &x4 rato m0 ominnao. eee Po Calta persiene, presente em PASE cng SSE on De ie eyes a Na a hie Bop io Sleda pan spodees tes ee eee Te © desprezo para os prasenee eens terior, a mas vil. Em Fc, Plato 12 J) ait’ “bestiais' do paladar, embora em especial, para ¢ fo" Sr6t1c0 (11 18424-25)" (anny P-L). 258 Sarukkai, “uma ver que as perspectivas filsdficas indianas se refletiram devarias formas na ordem social, seri iil comegarmos por interpretat a intocabilidade através de categorias especificas das tradighes cultura efilosoficas indianas” (2012, p. 167). O debate Guru/Sarukkai sobre a inrocabilidade é exemplar sob muitos aspectos. Traz a discussao nao sb experiéncias existenciais diferentes (diferenciadas por casta), mas também sistemas culturais ¢ filosdficos diferentes (0 ocidental e o indiano). Hlustra também 0 superior cosmopolitismo das posigses dos dois filésofos indianos relativamente as dos filésofos ocidentais que discutem, sobretudo Derrida e Merleau-Ponty. Enquanto estes se limitam & tradi¢ao ocidental como se fosse uma tradi¢éo universal, Guru e Sarukkai provincializam, muito acertadamente, os filésofos ocidentais, ampliando as nossas perspectivas e aprofundando a nossa compreensio. Ilustram assim um dos pressupostos essenciais das epis- temologias do Sul: a compreenséo do mundo ultrapassa em muito a compreensao ocidental do mundo. A cultura dominante, cristianizada, do ocidente tem sido mais aberta relativamente as diferencas culturais que dizem respeito aos outros sentidos do que aquelas em torno do tato.”!? No decurso da historia moderna do ocidente, o tato perdeu gradualmente relevin- cia como fonte de contato com o mundo e foi protegido, por assim dizer, em nome da higiene ¢ do conforto. sobre a cultura tatil do ocidente, Thayer afirma de forma muito sig- nificativa: “O tato representa uma continuagio das nossas frontei- ras ¢ da nossa separabilidade, enquanto permite uma unido ou cone- *3 Numa sdlida reflexio x40 com os outros que transcende os limites fisicos. Pot esse motivo, entre todos os canais de comunicagdo, 0 tato é 0 mais cuidadosamente reservado ¢ controlado, o menos frequentemente usado ¢, no entanto, © mais poderoso € imediato” (1982, p. 298)."" °°’ Nio se trata de uma caracteristica exclusiva da cultura cristianizada, Basta refent 0 sstema de castas do hinduismo ¢ 0 papel da intocabilulade }4 discundo fas reyras cla Companhia de Jesus °° 0 tao fos ambéns “salvo” porta (0s Jesuitas) estupulaya, “Ninguém deve tocar outra pee ca (BARKETT, 1927, p 130) Sobre a histona cultural do uate, ver Chasen 2005) igiosas, Uni | meame por brncadema “i | pa’ de penvacidade que Pesaro do mesmo espinto, Ruth Finnegan atin “Na bolls’ se pros 4 i gue 4 Pessoas mantém 3 sua volta, © toque representa talvez 4 inwasio mars dreta Nae Aun aso CAPERENCIA PROFUNDA 005 SENTIOOS O olfto co pala, e também o to, so 08 sentidos relativamenge as equivaléncias sensoriais sao mais problematicas ¢ 0 Tespeito pela aos quai : : “e intimidadee pela integridade dos corpos € mais tigoroso, Talvez por esx razio as epistemologias do Norte tenham sido especialmente relutantes em conceder valor epistémico a esses trés sentidos, considerando-os mais, como meros instrumentos fsicos ou quimicos de apoio a diferentes formas de sociabilidade. F da ciéncia moderna. Asexperiéncias sensoriais dos grupos sociais domina. “menosprezo” serve também aos interesses extrativistas dos sio socialmente construidas ¢ declaradas nao relevantes com 0 intuito de rebaixar os corpos subalternos, justificando assim a subalternizaci, Nesse caso, 0 capitalismo, 0 colonialismo ¢ patriarcado usam ideologias sensoriais que atribuem sentidos inferiores &s classes, racas e géneros con- siderados inferiores. Os corpos definidos como desiguais e diferentes sio Corpos que possuem cheiros e sabores estranhos; de forma mais direta, sio compos que “cheiram mal” ou “tresandam” ¢ cujos sabores (seja de comida 0u outros) sto entendidos como “selvagens”, “inconvenientes” ou “nio saudiveis”. Séo apresentados como corpos distantes, degradados que, enquanto objetos de sociabilidade, podem ser apropriados e violados:2* como sujeitos de sociabilidade, devem ser mantidos a distancia ¢, sempre que possivel, nao serem tocados. Os desafios do cheirar, do saborear e do tocar profundos sao enor- uma vez que para as epistemologias do Sul conhecer-com implica sentit-com. A distincao feita anteriormente entre os de dentro ¢ 0s de fora € decisiva nesse ambito, O investigador que pertence & comunidade nao tem dificuldade em sentit-com, 0 que nado significa que as equivaléncias sensoriais tornem automaticam, Aquilo que nho afirmad mes, ente mais facil para si o conhecer-com. Parece facil pode ser extremamente traigoeiro. Como te fo, partilhar as lutas de um grupo nao dispensa 0 corazonar. surpreende, portanto, sre ue a sua pratica seja regulada [...] Quando alguém, inadver- twaydo mevitivel, toca em pessoas estranhas ou que nio Ine MEE €M espacos piiblicos, muitas vezes pecem desculpa Pa io sio intimas, especialm tornar claro que o Bes ; Me BESO intrusive aparentemente implicado nessa pressio ttl for ctetivamente intencional” (2005, p. 18-25), Esses dou Ps, uma vez que * dows sentidos estic =e oF estio ligados, uma vee que o nos paladar cem desse © 08 escravos eram me nodo que se conside “ se iderava que os escravo er aeeey P. 301-319) 20, paritharsentimentos nao € possivel sem, de alguma forma, experiéncias dos sentidos: cheirar, comer € tocar 0 que 0 gr ome ou toca. Porém, isso nao significa de todo ter as mesmas sensoriais € reagir a estimulos de igual modo. O sentir-com apenas exige ques diferencas nao sejam estigmatizadas ou convertidas em curiosidades ernogrificas. Os desacertos ou desencontros de equivaléncias (para mim, cheira bem ou agrada ao paladar; para ti, cheira mal ou nao agrada ao paladar) sio menos importantes do que a cumplicidade com a luta contra adominasao. No entanto, por outro lado, essa cumplicidade pode ser valorizada pela descoberta de equivaléncias surpreendentes, semelhancas de paladares, prazer partilhado no saborear de comida ou bebida, O corazonaré fortalecido pela comunhao sensorial, seja na danga e no canto, sgja na partilha de refeigées. O investimento do compo é especialmente profundo a esse respeito, subvertendo qualquer ideia de distingao entre oque € 0 que nao é relevante para a investigacao.2” E claro que nao podemos minimizar as dificuldades. E. necessario. agora enfrentar uma questao quase dilemética: como podemos esperar que 0s corpos subalternos — cuja sensibilidade é sujeita a um processo de naturalizacao que os limita — libertem os sentidos, sendo que nenhum conhecimento ¢ libertador sem a libertagao dos sentidos? Os corpos subalternos sao corpos cujas experiéncias sensoriais sao fortemente condicionadas por fatores que nao controlam, Para ser eficaz, a inves- tigacdo pés-abissal deverd inverter a relagdo entre a ldgica da descoberta €a logica da partilha: deverd comegar por tornar crivel a exis de limitagoes de sensibilidade antes de revelar de forma plausi partilhar as po cheira, experiencias ‘éncia vel os 0 maior desafio que o investigador pés-abissal enfrenta tem a ver com a comida ue nio consegue deixar de achar repugnante. Evidentemente, esse problema €Xiste ou torna-se significativo apenas no contexto da investigayio que implica fonhecer-com ¢ sentir-com. Neste (como tl Charles ie in situa-se nos antipodas da situagao do investigador pos-abissal Tierra ue; 2 de conserva fria que eu estava 80, Um nativo tocou com o dedo numa care de conserva fF & omendo no nosso aca ez noutros dominios) 2 repugninicia a0 ypamento € mostrou chramente grande repugie! SP0r como era mole; pela minha parte, senti grande repagnancia pelo tato de um seed visa coinid «parecer que TVEse as Stagem desnudo tocar a minha comida, apesar de nio me parecer que Bese ™40s sujas” (1872, p, 257), A repugninicia matua Causada pela enorme dist face s dois niundos que se focam ‘ ural levou Darwin a registar a sua perplextdade: dots anundes ive sin pon « toca a todo o resto, Sobre te Nente; porém, incomensuriveis no que toca a tod comid a "da repugnante, ver Prescott (2012) ae 261 TRIENCIA PROFUNDA Dos stNTiOOS farores que causam essa limitagao. Sem o constrangimento que resulta de experiéncias sensoriais cuja falta é considerada grave e injustamente causada, nenhum tipo de dominagao se sentiré ameacado, A pedagogia sensorial intercultural a que 0 investigador Ps-abissal deve se submeter tem varios aspectos. O primeiro consiste em ter sempre cm consideragio que as premissas bisicas das epistemologias do Sul estas enraizadas em corpos concretos. Uma dessas premissas ~ a variedade infinita das experiéncias do mundo ~ é especialmente relevante nesse contexto, Porém, essa variedade infinita encontra-se contraditoriamente situada em corpos finitos. Os modos como os corpos vivem as stias ex. Periéncias sensoriais sio sempre apenas uma das versdes possiveis, apesar de, para os préprios corpos, essa versio especifica parecer apresentar-se como a iinica possivel. Isso acontece porque a reproducao continuada de desigualdades de poder e de diferengas culturais “naturaliza” a sensi- bilidade (e a insensibilidade). Quanto mais desiguais forem as relacdes de poder ¢ mais rigidas forem as diferencas culturais, mais limitada éa experiéncia sensorial dos corpos subalternos. Essa limitacao é uma das armas mais eficazes dos poderes dominantes. A verdade é que nio é possivel conhecer ¢ agit de uma forma diferente se ndo nos sentirmos de uma forma diferente. O investigador pés-abissal deve aprender a imaginar as potencialidades sensoriais reprimidas pela naturalizacio da sensibilidade vigente, tanto a sua como a do grupo com 0 qual partilha a investigagao. Imaginar as potencialidades sensoriais constitui em si mesmo um ato de rebelido contra poderes desiguais e culturas desigual- mente diferentes. Tal rebeliéo, uma vez partilhada pelo grupo, ¢ 0 pri- meiro passo para desnaturalizar sensibilidades vedadas ou interditadas. A pedagogia sensorial intercultural exige que © investigador Pés-abissal se distancie daquilo que conhece ¢ esteja disposto a familia- fizar-se com aquilo que lhe é estranho. Precisa construir uma ecologia interna de experiéncias sensoriais capaz de Ihe proporcionar suficiente Hexibilidade para atender aos diferentes encontros gerados pela inves- "eaG40 (e, por vezes, também pela luta). A copresenga ¢ © corazon? é oe ; os podem exigir que, em momentos de perigo, sejam tratados os cofPe gil : « jubiloses feridos ou ofendidos e que, em momentos de festa, os corpos jubilos Possam desfrutar de comida, de bebida, da danga ¢ do canto.

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