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BIBLIOTECA GARIOCA A\s TROPAS ~ DA Mopersc Ao AS TROPAS DA MODERACAO € um livro inspirado de Alcir Lenharo! Originalmente, 0 livro veio a publico no ano de 1979, tornando-se referéncia fundamental para o estudo da histéria do Brasil. A rigor, a pesquisa tinha sido elaborada entre os anos de 1974 e 1977, como parte das atividades do programa de pés-graduagao da USP, quando o autor obteve seu grau de mestre. Atualmente, Alcir Lenharo é professor titular da UNICANP, tornando-se autor de outros livros e ensaios. Esta obra, reeditada em boa hora pela Prefeitura do Rio de Janeiro, através de iniciativa da Biblioteca Carioca, caracteriza o surto de comércio de abastecimento ocorrido no Brasil, na época da Independéncia, retratando, ao lado disso, o universo social do tropeiro. Com efeito, o autor termina por investigar a importancia que os interesses regionais assumiram na conjuntura politica da primeira metade do século XIX. O processo de diversificagao da economia interna, especialmente do Sul de Minas, garantiu a ascensao de grupos sociais, como comerciantes nativos e atravessadores, ligados ao abastecimento da Corte, filiando-se, em geral, 4 tendéncia dos liberais moderados, em detrimento dos tradicionais setores do poder ligados a burocracia do Estado e agentes monopolistas vinculados ao comércio colonial. Alcir Lenharo relaciona, assim, os interesses sociais envolvidos em torno do comércio de abastecimento e o seu papel politico na construgao do Estado nacional no Brasil. A\s TROPAS DA MopERACAO O abastecimento da Corte na formago politica do Brasil: 1808-1842 Alcir Lenharo 2 edigdo Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes Departamento Geral de Documentacao ¢ Informagao Cultural Divisao de Editoragao Colegao BIBLIOTECA CARIOCA Volume 25 Organizador Afonso Carlos Marques dos Santos Copyright® Alcir Lenharo, 1992 Direitos desta edicao reservados a0 Departamento Geral de Documentagao ¢ Informagao Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes. Proibida a reproducdo, total ou parcial, e por qualquer meio, sem expressa autorizagao. Impresso no Brasil - Printed in Brazil ISBN 85-85096-27-6 L563 Ficha catalografica elaborada pela Divisio de Processamento Técnico do CI/DGDI/DEB Lenbaro, Alcir ‘As tropas da moderagao (0 abaste- cimento da Corte na formagio politica do Brasil - 1808-1842) / Alcir Lenharo. ~ 2.ed. — Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cul- tura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentagao e Informagao Cul- tural, Divisio de Editoragao, 1993. 136-p. - (Biblioteca Carioca; v. 25) 1, Brasil — Hist6ria — Império. 2. Brasil - Histéria - Império — Comércio Sul de Minas ~ Rio de Janeiro. 3. Rio de Janeiro (cidade) séc. XIX — Comércio de abastecimento — As- pectos sociais. 4, Sitiantes e tropeiros, séc. ‘XIX - Aspectos sociais. 1. Titulo. II. Titulo. O abastecimento da Corte na formagao politica do Brasil. IIL. Série. CDD 981.04 PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Cesar Maia SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA, TURISMO E ESPORTES Helena Severo DEPARTAMENTO GERAL DE DOCUMENTACAO E INFORMACAO CULTURAL Graga Salgado DIVISAO DE EDITORACAO Heloisa Frossard CONSELHO EDITORIAL Presidente Afonso Carlos Marques dos Santos Membros Helena Corréa Machado Paulo Roberto de Araujo Santos Sandra Horta Marques da Costa Samira Nahid de Mesquita Mauricio de Almeida Abreu Maria Augusta F. Machado da Silva Evelyn Furquim Werneck Lima Eliana Rezende Furtado de Mendonca Maria Isabel de Matos Falcio Edigdo € revisdo de texto: Ana Lucia Machado de Oliveira, Célia Almeida Cotrim ¢ Diva Maria Dias Graciosa Da Divisio de Editoragao do CT/DGDI Capa e projeto grafico da colegao: Ivone Barros Arte-final da capa: Vera Camisio Do Centro de Pesquisa e Comunicagao Social/SMCT 1 edigao Sao Paulo: Simbolo, 1979 23 edigao 1993 Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes Departamento Geral de Documentagao ¢ Informagao Cultural Rua Afonso Cavalcanti, 455 sl. 201 Cidade Nova — Rio de Janeiro ~ CEP 20211-110. Tel.: 273-9390 SUMARIO PREFACIO DA 14 EDIGAO, 7 AS TROPAS DA MODERACAO, 15 INTRODUCAO, 19 1, O ABASTECIMENTO DA CORTE APOS 1808, 33 2. ESTRADAS E INTEGRAGAO DO CENTRO-SUL, 47 3. SUBSISTENCIA E INTEGRAGAO, 60 4, 5. A PROJECAO SOCIAL E POLITICA DOS A CONEXAO MERCANTIL SUL DE MINAS-RIO DE JANEIRO, 75 "SITIANTES" E TROPEIROS, 91 CONSIDERACOES FINAIS, 115 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS, 121 POSFACIO DO AUTOR PARA A 2% EDICAO, 131 © AUTOR, 133 PREFACIO DA 12 EDIGAO Este livro traz uma contribuigao nova para o estudo da sociedade brasileira, na época da Independéncia, tanto mais valiosa quando enfrenta, com paciéncia e forga, a dificuldade enorme que representa para o historiador a extrema dispersdo das fontes que se propés consultar para recriar, numa perspectiva ampla, o surto do comércio de abastecimento da Corte e 0 papel politico que os interesses regionais do Sul de Minas desempenharam no processo de construg4o do Estado brasileiro, nas primeiras décadas do século passado. O autor delimita cronologicamente o seu estudo de modo a abordar uma conjuntura, a seu ver, curta e transitéria, favoravel a diversificagao da economia interna do Sul de Minas e, concomitantemente 4 ascensdo social de novos setores das camadas dominantes, a dos produtores mineiros, que emergem nos primeiros anos da Regéncia, nao somente na praca, mas também no cenirio politico da Corte. Este momento favoravel 4 produgdo » de géneros de abastecimento e a integragao de um mercado 1 interno ja vinha florescendo nas ltimas décadas do século XVIII; teria o seu papel no processo de expansag da lavoura do café, que, por sua vez, veio cercear e sufoca-lo*. O estudo da producio de géneros alimenticios e de consumo seria um tema de per si significativo e cheio de implicagées para a formagao do nosso meio social; oferece um interesse ainda maior quando focalizado neste periodo de transicdo da Colénia para o Império, como demonstra Maria Thereza Schérer Petrone em uma obra pioneira, onde estyda o papel de Sao Paulo no comércio de abastecimento da Corte®. A dificuldade de organizar a producao dos géneros de abastecimento e 0 modo como se fazia a sua comercializacao na economia colonial tem-sido continuamente lembrada por nossos historiadores. As implicagdes sociais deste fendmeno continuam pouco estudadas, embora seja um dos assuntos mais importantes para a hist6ria das tensoes, dos conflitos e da propria estrutura da sociedade brasileira. Este setor das atividades econémicas foi uma verdadeira arena de livre proveito para diferentes grupos das classes dominantes da Colénia, e nado apenas para burocratas e T MAXWELL, K. 1978. 2 Ibidem, p. 130 e 134. 3 PETRONE, M.T-S. 1976. 8 Preficio monopolistas do Reino, pois também oferecia um meio de ascensao social para atravessadores e comerciantes nativos, em geral acobertados por figuras proeminentes da burocracia Portuguesa, tais como governadores ou ouvidores. Por outro lado, era neste setor preciso da economia que se tornava mais aguda a concorréncia do trabalho escravo com 0 trabalho livre, mascarada pela forca dos preconceitos contra qualquer forma de trabalho manual, que também contribuia para a decadéncia do artesanato e marcava de forma decisiva as relagdes sociais de trabalho nas aglomeragoées urbanas. O autor nado descuida em seu livro deste aspecto de grande importancia para nossa Hist6ria Social. No capitulo.5, estuda a coexisténcia de trabalho livre e escravo na formagio das tropas, aprofundando-se na anflise de todas as implicagdes que trazia para o "universo social do tropeiro". Tive oportunidade de acompanhar a elaboragio deste trabalho desde seu principio, pois nasceu de um projeto de pesquisa integrada sobre "Estado e sociedade na época da Independéncia: o papel dos comerciantes portugueses do Rio de Janeiro", que orientei no curso de pés-graduacgao do Departamento de Hist6ria da USP. Este projeto, financiado pela FAPESP, deu bons frutos, pois, juntamente com o presente trabalho de Alcir Lenharo € com ele estreitamente relacionados, vieram a lume duas outras teses de mestrado: a de Lenira Menezes Martinho sobre o papel politico dos caixeiros portugueses e a organizacao interna das ‘irmas comerciais, e o de Riva Gorenstein sobre 0 enraizamento dos negociantes portugueses de grosso trafo na Corte ena economia do Centro-Sul (ambos no prelo)*. Neste livro, Alcir Lenharo se propée analisar as implicagées sociais e politicas dos interesses ligados ao comércio de abastecimento da Corte e o seu papel no processo de centralizagio do poder politico e administrativo, em trés momentos ou etapas bem distintos: 0 primeiro, de iniciativa da propria Corte, € o da politica joanina de integragao e garantia do setor de abastecimento, feita através de uma série de medidas de incentivo, financiamentos, abertura de estradas, distribuicao de terras e de titulos honorificos. Foi a penetracdo dos comerciantes portugueses -pelo interior da provincia, seguindo os antigos caminhos do ouro. O segundo momento, grosso modo correspondente ao periodo do Primeiro Reinado, foi o da ascensdo social dos produtores mineiros, o de sua penetragdo na praca do Rio de Janeiro: € quando se definem os seus interesses politicos regionais, com 0 surto da imprensa local das cidades do Sul-de Minas, e o aparecimento de seus primeiros lideres politicos. Estes, apésa abdicagao de Pedro I, passam a ter uma atuagao mais significativa no cenario politico do Rio de Janeiro. Aderem aos liberais MARTINHO, LM. 1977; GORENSTEIN, R. 1978. Preficio moderados e procuram deslocar o centro de decisGes politicas do Pago, monopolizado por burocratas e comerciantes de origem portuguesa, para a Camara dos Deputados’. O terceiro momento focalizado pelo autor corresponde ao da fundagao do partido conservador e A politica centralizadora e escravocrata do "Regresso", quando se da a cooptacao destes novos setores emergentes pela antiga oligarquia do Pago, agora enriquecida pelo café e enraizada no Vale do Paraiba, Politica de abastecimento e construgao de Estado tém sido ultimamente objetos de alguns livros e de ensaios, entre os quais 0 de Charles Tilly sobre as crises de abastecimento e a manugen¢ao da ordem publica, no contexto do Antigo Regime europeu”. No Brasil, desde cedo as crises de abastecimento foram pretexto para intervengées da Coroa, fosse apenas na tentativa de organizar a produgdo, concentrando-a em determinadas areas do litoral baiano, a fim de garantir o abastecimento das frotas ou no sentido de permitir e de articular em momentos de crise mais aguda o socorro de uma capitania por outras; estas intervencdes das autoridades centrais também se faziam necess4rias por ocasiao de motins contra a carestia e novos impostos, que mascaravam, em geral, os motins de fome no Brasil colonial, como seria por exemplo em 1711 0 episédio do Maneta, na Bahia, ou a revolta de Pitangui em Minas, em 1720. As mesmas crises se reproduzem durante o Império com levantes de escravos na regido cafeeira e também no Nordeste, como seria 0 caso da Praieira, "Ronco do Abelha" e o "Quebra-Quilos"... As crises periédicas de abastecimento deram, pois, motivo para as primeiras intervencdes do poder central junto ao mandonismo local. Pode-se imaginar outras coordenadas com as quais trabalhar o problema da construgdo do Estado no Brasil, tais como a das presses externas, no sentido de integracdo do pais no liberalismo ocidental, apés 1822, ou da importagao das instituigdes politicas do colonialismo europeu. No entanto, uma das trilhas mais importantes a serem exploradas continua a ser 0 estudo dos momentos de cooptagéo do mandonismo local pelo poder central, que podem ser captados através de uma anilise da politica tibutaria do Império ou do estudo da politica de controle dos cargos piblicos, No caso do presente livro, 0 autor teve como principal preocupacdo articular, na andlise da politica integradora e centralizadora da Corte, aspectos varios como diversificagao das classes dominantes, participagdo politica, representacao, regionalismo econémico. Num estilo torturado e inquieto que lhe é peculiar, o autor sabe esmiugar nas particularidades as suas implicagdes mais amplas: é com esta sensibilidade de historiador social que explora 5 CASTRO, P-P. de. A experiéncia republicana: 1831-1840. In HOLANDA, $B. de. 1972. 6 TILLLY, Charles. The formation of national states in Western Europe. Princeton University Press, 1975. 10 Prefacio a sua documentagdo. Aproveita, por exemplo, um relato das localidades em que Pedro I se hospedou, durante uma viagem ao Vale do Paraiba, para reviver as figuras dos oligarcas do comércio da Corte, que iam obtendo sesmarias no interior e se enraizando na terra por aliancas de casamento com familias locais: Fernando Carneiro Ledo, Jacinto Nogueira da Gama, Paulo Fernandes Viana, Joao Rodrigues Pereira de Almeida. Com 0 mesmo cuidado e riqueza de pormenores localiza, na praca do Rio de Janeiro, os comerciantes intermedidrios dos produtores mineiros "instalados com armazéns na praia dos Mineiros e nas ruas do Sabao, Sado Pedro e das Violas, da rua Direita para baixo, por onde s6 em casos mui extraordin4rios transitam seges, carrocas". Ali compravam dos tropeiros os seus produtos para revendé-los em consignagdo, oferecendo facilidades de acesso ao mercado, pastagens, caixeiros, servigos de tropa. Com o mesmo culto pelo pormenor sugestivo, descreve cuidadosamente uma das primeiras firmas mineiras a se instalar na Corte. Traz também dados minuciosos sobre a natureza das fortunas dos capitalistas mineiros e o seu modo de operar, seja como credores e abastecedores das primeiras fazendas de café, como foi 0 caso dos Leite Ribeiro e Teixeira Leite de Sdo Joao del-Rei, ou ainda como traficantes de escravos. Analisaa organizac4o doméstica das firmas, os seus negécios enredados nas relagdes familiares, mais "a complementaridade entre fazenda, rancho, venda, pastagens, postos em servigo de modo integrado". Identifica alguns dos principais invernistas mineiros como Anténio Francisco de Azevedo, Francisco José Melo e Sousa ou José Custédio Dias, de Alfenas, que procuravam intervir na politica de abastecimento da Corte. Os primeiros sintomas da penetracdo dos produtores mineiros no mercado da Corte s4o pressentidos no jogo dos interesses regionais, que v4o se imiscuindo no cené4rio politico e na prépria politica central de abastecimento. Em 1828, Bernardo Pereira de Vasconcelos discursava no parlamento sobre a importancia de isentar produtores e tropeiros mineiros dos rigores do recrutamento militar, outros politicos, representantes de interesses mineiros como os padres José Custédio Dias e José Bento defendiam a liberalizacéo do comércio de abastecimento da carne... O préprio Evaristo da Veiga, em seu jornal Aurora Fluminense, tomava o partido de interesses monetarios regionais do Sul de Minas contra os bilhetes do Banco do Brasil, que queriam manter depreciados... Alcir Lenharo também recria o burburinho quotidiano das principais estradas de acesso a Corte, descrevendo ao lado dos “camaradas" as figuras dos "proprietérios-tropeiros", um pouco ambiguas na escala de valores da sociedade escravocrata do Império, porém bem caracteristicas de uma fase inicial de ascensao social dos produtores do Sul de Minas. Prefacio 11 Em 1818, vislumbra a passagem do tropeiro Narciso Antonio, que voltava do Rio com trés camaradas e cinco escravos, " de idade de 48 anos, estatura ordindria, olhos pardos, sobrancelhas delgadas". Encontra-o novamente em 1825, mais préspero, com 64 anos de idade, voltando do Rio pela estrada da Policia, acompanhado de 14 camaradas e levando 34 escravos novos para vender pelo caminho. Politica, valores ideolégicos e trama de negécios regionais comp6em este estudo que reconstréi, num estilo minucioso e colorido, peculiaridades originais da sociedade da Independéncia, trazendo para 0 leitor dados inéditos sobre um assunto pouco conhecido. S40 Paulo, 18 de marco de 1979 Maria Odila da Silva Dias Professora titular de Historia do Brasil Departamento de Histéria da FFLCH / USP A Zulmira, minha mae; a Madalena e Nivaldo, meus irmGos. A\s TROPAS pA MopEeRACAO (..) e s6 se fala com respeito da Casa de Braganga, mostrando todos o maior desejo de permanecerem unidos ao Rio de Janeiro, tnica ci- dade onde os cultivadores da regido acham escoadouro para as pro- dugdées de suas terras. August de Saint-Hilaire . INTRODUGAO +> . Os estudos hist6ricos relativos ao abastecimento urbano tém produ- zido algumas obras de cardter. monogr4fico que incidem especial- mente sobre o abastecimento das Gerais no século XVIII". Outros trabalhos, também monograficos, tém escolhido o ciclo do muar em Sao Paulo como tema de pesquisa, fornecendo subsidios para os estudos de abastecimento. Entre eles, O bardo de Iguape, de Maria Thereza Schérer Petrone, dimensiona as caracteristicas do mercado interno no Centro-Sul, tomando o Rio de Janeiro como o pélo orde- nador do fluxo de géneros de primeira necessidade’. Apareceram, recentemente, duas contripuigdes que alteram de modo substancial o panorama desses estudos”, Trata-se de duas obras que tomam o abastecimento como objeto de investigacao. Otexto de Maria Yedda Linhares estuda o abastecimento em longa dura¢ao, alinhavando-o com.a expansao da economia exportadora. Constitui uma estimulante incursdo pela histéria do abastecimento no Brasil, acompanhada de um grande esforco de periodizacao. Ja o livro de Katia Mattoso, além de estudar o abastecimento de Salvador como objeto em si, utiliza-o também como recurso meto- dolégico para pesquisar a geografia, a economia € a sociedade de Salvador e do Recéncavo. Trata-se, portanto, de um estudo que elege 0 abastecimento também como instrumento de percep¢ao e analise de outros niveis do real histérico. Algumas das caracteristicas evidenciadas nestes estudos apre- sentados também sao componentes do presente livro. Enfoca-se aqui, preferencialmente, a problemitica do abastecimento urbano. Estuda- se a estruturacdo dos meios de distribuig4o, nao se perdendo de vista o alcance das bases s6cio-econémicas da produ¢a4o e buscando-se recuperar a historicidade do fendmeno estudado. A especificidade deste livro procede do esforgo em analisar 0 abastecimento como uma. tematica politica. Escapando dos parametros da Hist6éria Econémica, buscou-se estudar a formagao de um setor social novo oriundo da produgio e distribuigao de géneros de primeira necessidade para 0 consumo interno. Mais que isso, procurou-se demonstrar 0 modo como este setor da classe proprietaria do Centro-Sul articulou-se politicamente em nivel regional e se projetou no espago da Corte. Tal movimento tomou impulso a partir da Independéncia, quando novos setores sociais perceberam alargadas as possibilidades de participagao. No caso dos representantes politicos do setor abastecedor, tiveram facili tada sua.caminhada rumo 4 Corte através da prépria pratica mercantil 19 20 Introdugdo A sua projecdo politica deu-se progressivamente como que acompa- nhando o desdobrar dos seus negécios rumo ao mercado consumidor. Essa perspectiva politica da pesquisa acabou por delimitar o setor de abastecimento estudado — a produgao mercantil de subsisténcia e suas rotas terrestres.de distribuigdo, colocando em evidéncia as areas interioranas Produtoras de géneros de primeira necessidade. Privile- giou-se estudar o Sul de Minas uma vez que esta regido converteu-se, durante o periodo estudado, no principal nacleo produtor e abastecedor do mercado carioca, Nao se perdeu de vista a necessidade de reconstruir as bases de organizagdo do comércio vigente bem como suas .vincu- lagdes com o mercado do Rio de Janeiro. Desse modo, 0 objeto de estudo escolhido constitui apenas uma fatia menor do conjunto do abastecimento. Ocorre, no entanto, que ele se constitui na fatia mais rica de andlise, j4 que permite um amplo campo de constata¢des acerca da projec4o e do desempenho politico do setor produtor e mercantil no processo politico do periodo. Para se ter uma visdo de conjunto do problema abastecimento, é interessante que sejam conhecidas as principais fontes fornece- doras do mercado do Rio de Janeiro, assim como se compare a importancia desta atividade em relacao a outras no contexto da vida mercantil. Grosso modo, pode-se dividir 0 conjunto do abastecimento em wés fontes: a externa, cujas pragas maiores eram Lisboa,.Porto e 0 Prata; a interna, de cabotagem, cujos nicleos principais eram 0 Rio Grande do Sul, Santa Catarina e as 4reas mais préximas da Corte, como Campos e Parati; a terceira fonte, também interna, era a circuns- crita as rotas terrestres que alcangavam principalmente as capitanias de Minas e Sao Paulo e, através delas, os centros produtores de Goids € Mato Grosso, De Lisboa e Porto provinham sal, vinho, azeite, azeitonas, sardinhas, bacalhau, vinagre, trigo, farinha de trigo. O Prata abastecia © Rio de Janeiro de carnes salgadas, toucinhos e sebo. No segundo grupo despontavam as importagées do Rio Grande do Sul, que fornecia carnes salgadas, couros, trigo e peixe. Santa Catarina contribuia com milho, feijaéo, arroz, trigo, cebola e farinha de mandioca. Arroz, feijao, mandioca, café, milho e outros géneros provinham de centros diversificados*. Podem ser ainda arrolados neste grupo a producao de hortalicas, a criagdo de animais de pequeno porte, a pesca, nas imediagdes do Rio de Janeiro, cuja distribuigao dependia em grande parte do movimento de embar- cagées na baia de Guanabara. O terceiro setor abastecedor, objeto deste estudo, produzia e exportava gado em pé, em grande quantidade, além de porcos, galinhas, carneiros, toucinhos, queijos, cereais. O principal centro abastecedor era o Sul de Minas. Sua produ¢do era complementada por outras regides de Minas, Paracatu, por exemplo, e pela produgdo paulista. Apesar do maior vulto comercial, a import4ncia politica dos dois primeiros setores era menor. A fonte externa e a interna de cabotagem constituiam-se em atividades subsididrias das grandes casas impor- Introdugao 21 tadoras e exportadoras do Rio de Janeiro, nao alcangando pois ex- pressdo politica prépria. Casas como Carneiro, Viiva e Filhos, Joaquim Pereira de Almeida & Cia., José Joaquim de Siqueira & Cia. preponderavam no setor de abastecimento, em cujas atividades era extensivamente utilizada a, mesma estrutura mercantil dos negécios de importag40/exportacao’. O mesmo parecia se dar com os negécios do trafico negreiro, com as companhias de seguro e com as arrematacgoes de contrato para cobranga de impostos, afianga uma pesquisa recente’. Riva Gorens- tein observa que estas atividades, bem como os negécios de cabo- tagem, estavam enfeixados nas m4os de um grupo restrito de grandes comerciantes que utilizavam sua estrutura de negécios em campos diversificados de atividades, restringindo desse modo os custos de empresa, abrigando-se de riscos imprevistos e ampliando a sua faixa de lucros. Ja o abastecimento por vias internas constituia-se em um setor recente; sua organizagdo distributiva era vinculada em grande parte as propriedades interioranas ou a firmas de tropas independentes das grandes casas de comércio da praca carioca. A expansao do fluxo de comércio angariou para os proprietarios, comerciantes e tropeiros do interior uma crescente influéncia politica na Corte - mercado. que drenava a maior parte de sua produgao. O contexto s6cio-econédmico pode ser pormenorizado através do clima de pressio em que se encontravam os comerciantes por- tugueses. De um lado, como se assinalou logo atras, registrava-se um. avancgo dos proprietarios do interior no sentido do mercado. De outro, principalmente apés a abertura dos portos, a penetragdo in- glesa fez-se intensa, abocanhando a parte mais expressiva dos negécios da importacdo — para nao dizer de seu avango até mesmo no setor de varejo — e dos privilégios, concessdes e isengdes cedidos pela Coroa portuguesa’. Em vista disso, 0 setor de abastecimento de cabotagem ab- sorveria, apds 1808, um nimero maior de comerciantes portugueses acossados pela pressao inglesa nos negécios de importagao. Per- dendo o papel de intermediarios do comércio colonial, os comercian- tes portugueses buscaram se alojar nos negécios de abastecimento e, por vezes, em _atividades produtivas, também ligadas ao abastecimento®. A reacdo defensiva dos portugueses nao se fez tardar. No to- cante 4 cabotagem, trataram de garantir junto ao regente o afas- tamento da penetra¢ao inglesa também nesse setor. E‘o que se pode apurar através da Decisio de 9 de janeiro de 1815, que proibia aos navios estrangeiros a participagdo no comércio de cabotagem’, Outras conquistas parciais foram conseguidas. O comércio a varejo e a redistribuigao de mercadorias importadas aos demais por- tos brasileiros foram vedados aos estrangeiros. De outro lado, o regente incentivou a expansdo do comércio e das atividades produ- tivas no pais através da criagdo de diversos projetos de infra-estru- tura, e de uma liberal politica de distribuigdo de terras, que auxiliaram 22 Introduga@o a desafogar a situagdo de pressdo em que se encontravam os comer- ciantes portugueses. Excepcionalmente, os comerciantes portugueses continuavam participando, em Pequena escala, do comércio importador através de sua associagdo com firmas britanicas. Funcionavam como "testas-de- ferro" prestando servigos para firmas inglesas, fosse como subterfigio para aplicacdo de capitais onde lhes era vedado, fosse para facilitar a importagdo e distribuigéo de mercadorias no mercado local’®, . A pressio que procedia do interior, ao que tudo indica, agia de modo considerdvel sobre o mercado carioca. Pode-se perceber a disputa pelo dominio do mercado através de amplo debate travado no interior do Senado da Camara do Rio de Janeiro. Comerciantes portugueses e outros setores tradicionalmente instalados no mercado desferiram ataque cerrado contra os intermedidrios — termo genérico que, no mais das vezes, era empregado pejorativamente para discriminar os novos comerciantes que disputavam parcelas do mercado. Tal como sera descrito ainda no primeiro capitulo, o ponto critico dessa disputa rompeu-se quando da quebra do regime de contratacao da distribuicdo das carnes verdes. Em 1823, d. Pedro liberava 0 comércio da carne, e o setor abastecedor conquistou significativa vitéria, consolidando-se de vez no mercado. Sugestivamente, sera a partir de 1826, na retomada dos traba- lhos da Assembléia Legislativa, que a atua¢ao parlamentar dos repre- sentantes do abastecimento se intensificara, para transbordar-se na participagdo ativa que cumpriram nos eventos associados 4 deposi- ¢40 do imperador. Nessa oportunidade, a oposi¢4o aos comerciantes portugueses se alastrara, convertendo-se mesmo numa frente de luta popular. A penetracao comercial e politica dos proprietarios do interior fazia-se em meio a um contexto tomado de tens6es, cuja face mais radical se mostrou nas arruagas, saques a casas comerciais, acompanhados da resposta de caixeiros e comerciantes reindis. O tema da nacionalizagaéo do comércio veio 4 tona, mas os politicos representantes do setor abastecedor, agora assegurados no mercado, buscaram esvaziar a discussio e arrefecer as posicdes radiciais, temendo que tal situagdo extrapolasse para outras também susceptiveis de participagao popular. Nao ha pois que se surpreen- der diante do gesto contemporizador assumido pelos moderados quando, circunstancialmente, buscou-se a adesao politica dos pré- prios comerciantes portugueses para fazer frente a ascensao do movi- mento popular. O carater politico a que se quer chegar com a presente investi- gacao reaparece no estudo do que se convencionou chamar de politica de integragéo do Centro-Sul™. Por integragdo entende-se aqui 0 processo de articulagao mercantil desenvolvido entre as areas produtoras e o mercado consumidor, viabilizado pelos meios de comunicagio existentes entre os dois pélos. Fica claro, portanto, que a integracdo péde ser efetivada a partir da ordenacdo do fluxo regional do excedente produzido e absorvido pelo mercado carioca. Introdugao 23 DA-sé, no entanto, que a integragdo — um dado prioritario — podia, como o foi, ser utilizada politicamente para diferentes fins. Desse modo, interessa entendé-la inicialmente como o objeto de investiga¢ao, como nucleo informante da pesquisa. E vazada concei- tualmente, ela dever4 acionar teoricamente a temAtica abastecimento. O passo seguinte sera associd-la 4 necessidade de fundamentagdo das bases politicas do Estado no Centro-Sul. A administragao joanina, por exemplo, empenhou-se em alicergar suas bases politicas no Rio de Janeiro, utilizando, como um dos instrumentos primordiais, a busca da regularizacdo do mercado da Corte. A nova conjuntura aberta apés 1808 expds o mercado carioca em expans4o a conviver com crises intermiten- tes de abastecimento, impelindo o regente a incentivar a produgdo de géneros de primeira necessidade, bem como a resolver 0 problema do escoamento das mercadorias, dada a insuficiéncia de meios de comuni- cacao interna. Decisdo de 1° de dezembro de 1815, por exemplo, visava incentivar a produgio e o comércio da regio de Valenga, entre o Sul de Minas e 0 mercado da Corte’’. Outras medidas de igual importéncia foram tomadas no sentido de abrir e preservar novas vias de comuni- cago, a fim de que fosse regularizado o fluxo de mercadorias para 0 mercado do Rio de Janeiro. Através do. desdobramento teérico do conceito de integragao, serio englobados fenémenos que passam a ganhar uma significagao mais ampla. Desse modo, a organizagao da produgao e a comerciali- zacgao dos géneros de primeira necessidade no interior do Centro-Sul, a ocupacdo, distribuicdo pelo Estado e concentracao de terras nas faixas em que emergiria a economia cafeeira, a abertura de estradas para a regularizag4o do fluxo de mantimentos para o mercado carioca integram um conjunto de transformagées que, em Ultima instancia, subsidiam a formagao das bases estruturais do Estado nacional. O nicleo central destas consideragdes prende-se, pois, 4 tese de como a integragéo do Centro-Sul atuou como mecanismo de modelagio das bases s6cio-econdmicas do Estado nacional, tendo como pré-requisito o fluxo do excedente comercializado regional- mente e orientado para atender 4 demanda consumidora da Corte sediada no Rio de Janeiro. Pode-se mesmo afirmar que, até os anos 30, quando somente entdo o café deslanchou e passou a conduzir a expansao econémica do Centro-Sul, a economia mercantil de subsisténcia ocupou um espaco vital no crescimento das forgas produtivas da regiao, apoiada na exportacdo do seu excedente para 0 consumo da Corte. Avancando esta argumentacao um pouco mais: a propria colo- niza¢do do Vale do Paraiba e a expansdo da economia cafeeira foram, basicamente, lastreadas sobre recursos egressos do setor de sub- sisténcia mercantil. As rotas de abastecimento facilitaram a pene- tracdo e colonizacao da regido, cujas estradas foram povoadas prin- cipalmente para dar cobertura aos tropeiros e viajantes que por ai transitavam. Isto para nao falar no contingente migrante e no capital oriundo das zonas mineiras em crise e das 4reas abastecedoras pro- priamente ditas. 24 Introdugdo Apurou-se, no desenrolar da pesquisa, um importante movimento de mudangas sociais na regiao, em que despontaram dois grupos distintos de proprietérios que, aos poucos, passaram a apre- sentar comportamento politico também distinto entre si. O primeiro grupo apontado, o abastecedor do mercado carioca, crescia politicamente em nivel local e provincial, mas, no Ambito da Corte, era barrado por um processo seletivo de nobilitagao e arregimen- taco burocraticas, geralmente efetivadas nos escaldes do alto comércio. Isto foi uma constante nos governos de d. Jodo VI e de d. Pedro I. O Sul de Minas, principal nacleo produtor, contribuiu decisi- vamente para a composi¢Ao social e politica deste grupo. Mas ele era também extensivo a outras regides mineiras, paulistas e fluminenses, onde, por sinal, torna-se dificil, 4s vezes, precisar os limites entre producgdo mercantil de subsisténcia e produgao mercantil tipica de exporta¢ao. O outro grupo procede da Corte e foi recrutado principalmente no alto comércio, nobreza e alta burocracia de estado. Gracas a uma politica "generosa" de d. Joao, também levada adiante por seu filho, vasta extensado de terras foi doada a poucas e ricas familias da Corte. Complementando a tendéncia, varios comerciantes compraram terras na regido do Paraiba, investindo na produgdo, em parte para escapar 4 pressdo exercida pelos ingleses no comércio do Rio de Janeiro. Ja foi observado que a proje¢do politica do primeiro grupo nao se fez de modo rapido. Pode-se também dizer que ela se fez descom- passadamente em relacao 4 penetra¢gdo dos produtores no mercado. Isto significa dizer que enquanto o abastecimento integrava 4reas produtoras e seu mercado consumidor, a projeg4o politica do-setor abastecedor ndo se fazia de maneira correspondente. O ajuste se consumaria em 1831, oportunidade em que politicos interioranos das zonas abastecedoras despontaram e conduziram as liderancas da classe como um todo no processo politico. O segundo grupo apresenta tragos de evolucgao curiosos. Primeiro porque evolui do comércio para a produgao agricola de agicar e café principalmente. Segundo porque, sendo esteio do Estado no Primeiro Reinado, foi apeado do poder pelo movimento de 1831 que depés o imperador. Nos anos 30, no entanto, pds-periodo de acomodagdo com outros contingentes sociais, 0 grupo formado na regiao cafeeira do Vale do Paraiba ganhara identidade prépria e constituir-se-4 na base social do movimento regressista e, portanto, do conservadorismo no Brasil. Em outras palavras, 0 entéo grupo de altos comerciantes, nobres e burocratas, identificados com o governo imperial, volta ao poder, lastreado na propriedade escravista de café, fundamentando o Regresso e as bases infra-estruturais do Estado nacional. Julgo ser importante a descrigdéo deste quadro, na medida em que apresenta outra vertente interpretativa da construgdo do Estado nacional em sua etapa inicial. Geralmente, a historiografia, sob an- gulo juridico, detém-se na idéia do Estado importado, marcado ape- nas por tragos de permanéncia do que imigrou da metrépole, ten- Introdugao 25 dendo 4 imobilidade. O movimento social aqui apresentado mostra um outro lado da quest4o, mais rico e esclarecedor, apresentando 0 Estado em formagdo de face materializada, isto é, classista, em trans- formacgao determinada pela expansio s6écio-econémica do pdlo dinamico do pafs, o Centro-Sul. Este estudo nado despendera cuidados especiais com a anilise da pratica politica e dos postulados ideol6gicos basicos dos politicos representantes do setor abastecedor e dos liberais moderados, grupo politico mais amplo de que faziam parte. Isto implicaria desenvolver ‘um outro estudo, dada a especificidade e alcance do objeto em si. Ensaiarei, no entanto, analisar 0 crescendo da participagao politica dos principais lideres, os padres José Custédio Dias e José Bento Ferreira de Melo. Este, em particular, recebera aten¢do espe- cial, em vista de sua atuagdo dinamica na imprensa, no legislativo, na administra¢4o provincial, na articulacgdo do grupo e na proposi¢ao de teses politicas caras 4 gestéo moderada. De resto, adiantarei algumas reflexdes sobre certas situagGes politicas e ideolégicas, sempre que privilegiaveis, relativas ao desem- penho dos liberais moderados enquanto agrupamento politico. Bus- carei perceber, em termos de dura¢do mais longa, e no nivel da classe, a funcdo que cumpriram para ela. Nesse sentido, eles nao se diferen- ciavam radicalmente dos regressistas que os sucederam no poder. Cumpriram, em momentos diferentes, os objetivos que a classe pro- prietaria como um todo exigiu deles, seus representantes. Uma outra face deste livro apresenta também preocupagées alternativas, desdobramentos refletidos de elementos cultivados ao longo da pesquisa. Refiro-me ao intento de levar adiante algumas proposicées classicas de Sérgio Buarque de Holanda, preocupado em recuperar a figura do comerciante, visto comumente na historiografia como uma categoria social secundarig em relacdo a supremacia e a0 predominio da aristocracia fundiaria’*. Conforme foi apresentado no transcorrer desta introdugao, nao € raro que o proprio setor mercantil ensejasse a acumulacdo de capitais necessarios 4 ampliacgdo dos negécios, como a compra de terras e 0 investimento na produ¢do agricola. No caso do povoamento de larga faixa situada entre.o Sul de Minas e a capital, comerciantes da comarca do Rio das Mortes, particularmente de Sao Jodo del-Rei, e comerciantes do Rio de Janeiro penetraram pelos dois flancos na regido, convertendo-se nos seus principais proprietarios. Dedicaram- se a producdo de géneros de subsisténcia, agacar e, depois, o café. Nessa linha de pesquisa, propde-se demonstrar a projegao do comerciante ligado ao abastecimento, observando como ele tem sido visto apenas enquanto categoria secundaria em relacdo a dos pro- prietarios rurais e dos burocratas da Corte. Nao se pretende inverter a relagéo estabelecida entre as citadas categorias; registra-se, na verdade, sua justaposigao em relacdo as demais, ensejando uma tipica relagdo de complementaridade sécio-econémica. No universo rural, acontece algo semelhante com a _relagdo proprietarios de terra/tropeiros. Neste caso também.se manifesta a 26 Introdugdo relacéo de complementaridade: 0 tropeiro aparece como um prolon- gamento da categoria social matriz ~ proprietario de terras — ja que, requientemente, além de dar conta da produgio, o proprietario é ele mesmo 0 comercializador dos seus proprios produtos. D4-se aqui, em especial no nivel da identificagdo social, o mascaramento dessa categoria "menor" — 0 tropeiro — escamoteada pela categoria proprietario rural. Interessante anotar que os politicos representantes do setor abastecedor, quando em etapa de ascensio social e politica, apresentavam-se apenas como proprietarios, geral- mente escudados também por titulos académicos ou eclesiasticos. O tropeiro e comerciante, que muitos eram ou tinham sido, por ser tomado como categoria social menos nobre, passava, sub-repticia- mente, nos registros da memoria hist6rica, para 0 ocultamento. E significativo, neste momento da introdug4o, apresentar uma discussdo que foi de capital importancia para a evolu¢do desta pes- quisa, Para desenvolvé-la, foi-me necessario defrontar com um de- safio tedrico que, se nao superado, comprometeria todo o objeto e corpo da pesquisa. Ao desenvolver um estudo de comércio interno, numa época em saindo da experiéncia colonial, e imerso no bojo de uma sociedade escravista, deparei-me com a necessidade de formular um objeto teoricamente vidvel que tivesse autonomia e respaldo para a pesquisa histérica. Ao se referir 4 economia de subsisténcia em geral, a histo- riografia sempre a tem relegado a um plano apenas subsididrio da economia de exportacao, constituindo, portanto e apenas, um pdélo complementar 4 economia de exportagao. Quase sempre a economia de subsisténcia é vista como carac- terizada por baixa produtividade e rentabilidade; comumente € ca- raterizada como uma economia de natureza fechada e tendente a auto-suficiéncia. As formas de trabalho nela empregadas tendem a diferencid-la da economia de exportag4o: nesta utiliza-se extensi- vamente.o trabalho escravo; naquela € mais comum o emprego de formas n4o escravistas de trabalho. Avancando um pouco mais: o carater subsidiario determina-lhe o desempenho, atuando como um bolsdo que acompanha o funciona- mento da economia de exportac¢ao. Na etapa de expansao das expor- tag6es, restringem-se a 4rea e os recursos produtivos da economia de subsisténcia, carreados para o outro setor produtivo. Quando do refluxo das exportagGes, 0 processo se inverte. Os fatores produtivos transferem-se para a economia de subsisténcia que tende a inflar. Como o conjunto da sociedade e da economia é marcadamente escravista, o mercado fica estruturalmente travado, Nao ganha corpo, o que significa impedimento para 0 escoamento e a mercantilizagao do excedente dos géneros de subsisténcia. Corretamente aplicado ao conjunto do complexo agucareiro, este esquema te6rico nado se adequa a aplicag4o do objeto que ora se apresenta, Dai a necessidade de formulagao de um corpo conceitual novo que dé conta do carater mercantil dessa economia de subsistén- cia aberta e voltada para mercado interno. Introdugao 27 A contribuicdo historiografica para a composi¢do desse objeto é desigual e carece de triagem analitica. {Im representante da histo- riografia tradicional, Roberto Simonsen’, detém-se em considera- ¢Oes que tomam a economia de subsisténcia mineira, apds a crise da minera¢d4o, apenas como uma sombra da economia de exportacdo. O autor enfatiza somente os cortes histéricos "mineragdo" e "café", e registra um vazio de histéria entre eles. Dado que a mineragao estava agonizante e a economia cafeeira ainda nado havia despontado, o "pais" teria que esperar por uns cinqlienta anos para retomar 0 "progresso" que somente retornaria com 0 café (p.192-4). A produgdo pecuarista mineira era de significagao econémica menor € 0 Rio de Janeiro "quase que um oAsis no deserto empobrecido do Centro-Sul brasileiro" (p.294). Nao é dificil inferir do pensamento do autor uma atribui¢gdo de nao-hist6ria para o desempenho da economia de subsisténcia. No pensamento de Simonsen, somente a economia de exportagao é geradora de riquezas e faz historia. Desse modo, 0 Centro-Sul da colénia vivia uma experiéncia de vazio que somente cessaria com a aproximacao de outro produto de exportagao, o café. Também na obra de Furtado repete-se a quem de Simonsen, para nao dizer de uma aplicagdo ainda mais rigida’’, Furtado atribui, na crise da mineracao, a formagéo de um en- cadeamento de etapas - quebra da produgao, atrofiamento da economia monetiria e descapitalizagdo — que somente estancariam na economia de subsisténcia, de "baixissima produtividade". Endos- sam estas observagées a decadéncia das cidades, a dispersdo da populaco e a involucao geral da economia (p. 84-6). Tentando recuperar a historicidade do processo pés-crise da mineracdo até a gestacdo cafeeira, o autor ressente-se dos resultados da aplicacdo de seu esquema teGrico, j4 que precisava contar com a "formagao de um grupo de empresdrios comerciais locais" originado do "comércio de generos e animais", Cujo centro de produc¢4o estava "localizado no Sul de Minas como reflexo da expansdo da minera¢ao" (p. 115). Resta perguntar se a relagdo estabelecida pelo autor entre a economia mineira e a gestagdo do café pode repousar sobre 0 con- ceito de subsisténcia que o proprio autor formulou anteriormente ”. O café se expandiria decisivamente na terceira e quarta décadas do século XIX e o deslocamento de recursos da economia de subsistén- cia nao poderia se efetivar sem que esta mantivesse um grau regular de produtividade e rentabilidade. A parte dos dois autores comentados, ressalta-se a percep¢do singular de Caio Prado Junior’ que, apoiando-se em fontes primarias, ja notificara sobre a situag4o especifica da economia de subsisténcia mineira, em especial a do Sul de Minas no conjunto da economia colonial. O autor apreendeu o seu carater aberto para mercados, cap- tando também o movimento que a produgdo de subsisténcia realizou em busca de novos mercados apés 0 refluxo da minera¢do. 28 Introdugao Mais recentemente, Kenneth Maxwell avancou significativa- mente. pa discussdo, contribuindo para a reviséo da problematica em pauta’®. O autor desmistifica o quadro negro da crise da mineracdo, observando a persisténcia de um comércio ativo entre as comarcas mineiras e a capitania de Minas com 0 Rio de Janeiro, como também a manutengdo dos niveis de arrecadagao dos dizimos. A sociedade mineira resguardara seu carater essencialmente urbano, e sua estru- tura econémica demonstrara capacidade de absorver o impacto da crise (p.112). O autor releva, em especial, a dificuldade que a capitania apre- sentava em importar o ferro e a pélvora (pode-se acrescentar o sal), cujos pregos eram agravados pelas entradas, nao acreditando no alcance das exportagGes para o Rio de Janeiro e no conseqtiente financiamento do comércio de retorno, ficando a economia mineira “encerrada em sua propria espiral descendente autoperpetuadora" (p.113). Se havia uma pressao para substituir as importagGes, resta perguntar por que ela nao se efetivara. Além das imposigoes restriti- vas do pacto colonial, por que nao buscar uma explicagado centrada na prépria estrutura econémica, cuja reordenag4o incentivara a ex- portagao do excedente de subsisténcia e da produgao de algodao e tabaco que garantiam o financiamento do comércio importador? Fora do terreno dos estudos de Hist6ria, € preciso citar a con- tribui¢do de Paul Singer’”, que ressaltou a importdncia econdémica das atividades ligadas a subsisténcia no contexto da mineragdo. Basean- do-se em dados conjeturais, Singer estimou que o setor de abasteci- mento em Minas absorvia 4/5 da populagio ativa, fosse na produ¢ao ou comercializagdo ou mesmo no artesanato (p.204). Ja no contexto pés-crise, o autor nao escapa das coordenadas utilizadas pela historiografia tradicional, ainda que isso se dé por raz6es diversas. De um lado, o autor frisa 0 "isolamento relativo de Minas", "sem mercado para seus excedentes de produc4o" (p.205). De outro, registra © escasseamento dos recursos de importagao “decorrentes da redugio da renda proporcionada pelo setor de mercado externo". Desse modo, a economia de subsisténcia se desenvolvia sem condigées de sustentar um intercambio regional e 'retinha os novos contingentes de populagio através da agregacao de novas terras (p.205). Muito préxima da linha do presente livro encontra-se a con- tribuigao de Jacob Gorender’’, que fundamentou esta discussio em fontes idénticas 4s que selecionei. Apoiando-se basicamente em ob- servagoes de Saint-Hilaire buriladas por Caio Prado Jinior, Gorender aponta inicialmente o carater de concomitancia existente entre a agropecudria e.a minera¢do, Assinala também a manuténc¢4o da estru- tura escravista de produgdo para a economia de subsisténcia mineira, organizada 4 base de grandes propriedades escravistas "produtoras de géneros alimenticios consumidos no mercado interno" (p.448-9). Vale a pena ressalvar no texto o que se denomina de "recon- versdo 4 agropecu4ria". O autor sugere ter havido um interregno entre a crise da mineragZo e o posterior "processo de reconversao" a agropecudria. Levando-se em conta a afirmacgao de que havia "con- Introdugaéo 29 comitancia aproximada" entre a economia de subsisténcia e a mine- ragdo, deve-se afirmar que, com a crise da segunda, a economia de subsisténcia teria sido diretamente beneficiada com o necessario deslocamento de recursos”’. Nao se trata pois de um "processo de reconversao" e sim de continuidade de expansao da economia de subsisténcia, nutrida pela relagdo dinamica que estabelecia com a economia mineradora™. Os principais elementos retidos desta revisdo bibliografica ga- rantem para 0 conjunto da economia de subsisténcia sul-mineira a formulac4o de caracteristicas que imprimem sua identidade. Trata-se de grandes propriedades escravistas voltadas para o abastecimento interno, Criada para o abastecimento das Gerais no século XVIII, a economia regional manteria a mesma natureza através do direciona- mento do fluxo do seu excedente para o mercado do Rio de Janeiro. Ha pontos especificos de organizagdo da produgdo e da circu- lag&o que serao pormenorizados ao longo do livro. Merece ja ser destacado o seu carater de complementaridade descrito por Saint- Hilaire, que facultava 4 propriedade sul-mineira de subsisténcia re- duzir os custos e ampliar sua rentabilidade. Isto se devia em grande parte ao fato de que as préprias familias proprietarias convertiam-se elas mesmas em comercializadoras de sua produgao através das tropas e das casas urbanas de comércio. 7 Da mesma forma, as grandes propriedades do Sul de Minas apre- sentavam-se também como est4ncias, fazendas intermediarias que, além de se dedicarem a produg¢4o, especializavam-se na busca do excedente regional para revendé-lo nos mercados consumidores, Este esquema era responsavel pela apropriagdo da parte mais significativa do excedente produzido regionalmente, ensejando a formagao de grandes casas comerciais, até mesmo no Rio de Janeiro, que,cresciam auto-sustentadas pelo capital proveniente das fazendas estancieiras™. Cabem aqui, nesse passo, algumas consideragdes sobre o histérico da pesquisa. Para que lhe fosse dado-curso, percorreram-se diferentes etapas de trabalho nem sempre imunes a problemas meto- dolégicos que dificultavam e enriqueciam o seu caminhar. O levantamento de fontes secundirias veio demonstrar a lacuna em que se encontram os estudos de abastecimento. Com excegao de poucas obras, e com referenciais diferentes. dos deste estudo, pouca produgdo tem surgido no setor. Estes antecedentes bibliograficos problematizaram ainda mais 0 projeto desta pesquisa, preocupada em circunscrever o abastecimento numa perspectiva que ultrapas- sasse os limites de uma monografia de hist6ria econdmica. O passo seguido deteve-se na compulsdo dos registros de leis, decretos, alvaras do governo imperial do Brasil através do que fui montando 0 quadro da crise do abastecimento, procurando'captar os seus condicionamentos estruturais. Reforcei essa busca na leitura dos textos narrativos dos viajantes de onde pude retirar outros nicleos de informagées, principalmente as relacionadas com o abastecimento da capital, com 0 comércio 4 30 Introdugao beira de estradas e com as 4reas produtoras e comercializadoras de sua propria produgao. No Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, travei contato com diversificada. documentacdo manuscrita e com as Atas do Senado da Camara do Rio de Janeiro. Desse material isolei informes relevantes sobre a estrutura do mercado carioca, sobre o comércio atacadista e varejista, sobre o comércio distribuidor da carne, sobre as casas de armazeneiros e correspondentes dos produtores do interior, sobre a produ¢do das chacaras pr6ximas da capital. No Arquivo Nacional do Rio de Janeiro vasculhei uma diversi- dade de pacotes de documentos referentes 4s obras da Junta do Comércio sobre estradas, pontes, canais. Através desta documen- tacdo fui percebendo como a construg4o das estradas se constituiu em veiculo de normalizagdo das condigédes de abastecimento do mercado carioca e da projetada acdo integradora do Centro-Sul. JA os régistros de sesmarias permitiram-me montar um quadro associativo das ‘obras pUblicas erigidas no compasso dos interesses particulares em vias de instalagdo na regido, Ainda no Arquivo Nacional, trabalhei massa documental agre- gada em dois codices”, fornecedores de fértil material para o exer- Cicio de andlise s6cio-histérica. Deles pude fazer algum levantamento estatistico que fornecesse um referencial sobre o excedente das exportagdes mineiras. 7 Para a composigéo do capitulo 5, a matéria jornialistica foi imprescindivel. A pesquisa de periédicos ficou concentrada na Bibli- oteca Nacional do Rio de Janeiro e no Arquivo Pdblico Mineiro, em Belo Horizonte. . Convém assinalar a dispersdo das fontes arroladas no decurso da pesquisa. Tais condigdes de trabalho retardavam o amadure- cimento das sinteses procuradas. Ocorre que isso nao podia ser evitado, na medida em que os objetivos a alcangar exigiam exercicios de investigagdo que transpusessem os limites da busca de novos dados. Tratava-se, além do mais, de um trabalho que me desafiava a. transitar de niveis de reconstrucdo histérica, passando pelo eco- némico-social, para desembocar no nivel do politico, visando a de- monstrar a projecdo do setor associado 4 produgdo de subsisténcia mercantil mineira no cen4rio politico do Centro-Sul. : Finalmente, as balizas: 1808, por certo, diz respeito ds mudangas introduzidas pela vinda da Corte e 4 conseqiiente quebra do "exclu- sivo" colonial. Interessa-me especialmente levar em conta as trans- formagées incididas sobre o mercado consumidor do Rio de Janeiro; 1831 constitui uma inflexao marcante, momento-em que a producdo cafeeira ja comecgava a deslanchar, mudando, qualitativamente, a questdo do abastecimento. De outro lado, 1831 também é 0 ano da ascensdo politica dos liberais moderados, dentre os quais'se faziam. representar os proprietarios e comerciantes ligados ao abasteci- mento; 1831 também pode ser tido como um ano suficientemente distante para se perceber o fazer-se da politica de integrac4o iniciada. com d. Joao VI. Introdugdo 31 Mas 1837 também inflete decisivamente, por situar a ascensio politica do Regressismo, demarcando a projegao oficial do conser- vadorismo. Este estudo fica, no entanto, com o marco final de 1842, data da derrota das revolugées liberais de Minas e Sao Paulo, baliza que da conta do processo de ascens4o e descenso dos moderados e lo refluxo politico do setor abastecedor do mercado da Corte. NOTAS: aw erNaYW 12. . Ver ZEMELLA, M. 1951, a obra mais expressiva. Nesse conjunto, merece citagdo o estudo de ELLIS, M.1960. . PETRONE (1976) avanga significativamente no setor. Sua biblio- grafia fornece inclusive os estudos mais importantes j4 realizados sobre essa tematica. . LINHARES, M.Y.L. 1978, mimeo.; MATTOSO, K.M. de Q.1978. . Santos, Itaguai, Ilha Grande, Macaé também exportavam acicar; 0 arroz provinha principalmente de Itaguai, Ilha Grande, Cananéia, Iguape; 0 feijao era exportado principalmente por Parati e Cabo Frio; o milho, por Parati, Santos, Cabo Frio e Guaratiba; a farinha de mandioca por Parati, Guaratiba, Caravelas; o café por Parati, Itaguai e Ilha Grande; toucinhos provinham de Parati e Santos. Campos exportava mel e Parati, fumo. . Tanto para o primeiro quanto para’o segundo grupo, as fontes consultadas foram: AGCRJ. Livro de entradas das embarca¢Ges neste porto do Rio de Janeiro, anos de 1809 a 1818; LOBO, E.M.L. 1978, v. 1, p.83-91; LUCCOCK, J. 1975, p.402-10. : . GORENSTEIN, 'R. 1978, p.47. . Ibidem, p.38-56. . MARTINHO, L.M. 1977, p.16-7; GORENSTEIN, R.1978, p.15-6. ° . Maria Odila da Silva Dias, citando Marrocos, refere-se a investimen- tos que José Egidio Alvares de Almeida e Anténio de Aratjo, em sociedade, fizeram no Rio Grande do Sul. Ver DIAS, M.O. da S. A interiorizagdo da metrépole: 1808-1853 in MOTA, C.G. Corg.), 1972. . DECISOES do governo do Império do Brasil: 1808-1816. p.1." 10. 11. GORENSTEIN, R. 1978, p.18. Ja Maria ‘Odila da Silva Dias, em seu ensaio citado, trabalhou o conceito de integragdo e sugeriu estud4-lo através do comércio interno voltado para o abastecimento do Rio de Janeiro. Nessa perspectiva, o abastecimento passa a ser visto como um dos instru- mentais adequados ao estudo do que a autora chamou de "inte- riorizagao da metrépole", efetivada pelo enraizamento da Corte na. colénia. Op. cit., p.171. DECISOES do governo do Império do Brasil: 1808-1816, p. 36. 13. 14, 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24, Introdugao Conferir especialmente HOLANDA, S.B. de. Sobre a doenga infantil da historiografia in O Estado de S. Paulo, 24 jun. 1973 e PETRONE, M.T.S. 1976, Prefacio. SIMONSEN, R. 1969. Parte desta critica historiogr4fica j4 foi efetivada em artigo de minha autoria, recentemente publicado. Cf. LENHARO, A. Rota menor: 0 movimento da economia mercantil de subsisténcia no Centro-Sul do Brasil (1808-1831) in Anais do Museu Paulista, 1977/8, t. XXVIII, principalmente a p. 33. FURTADO, C. 1970. Cf. LENHARO, A. Rota menor..., p. 33-4. PRADO JR., C. 1970, p.57, 162, 197-8. MAXWELL, K. 1978. SINGER, P.1974. GORENDER, J. 1978. Cf. o item 4: "A economia posterior 4 mine- ragao", cap. XXI, p. 447-50. Conferir em LENHARO, A. (Rota menor..., p. 32-5), uma visdo dife- rente da crise que beneficiou nao sé o desenvolvimento da pecuaria como do tabaco e do algodao e estimulou a migragdo regional, incentivando a formagdo de novos nicleos produtores de subsistén- cia em Minas e no Vale do Paraiba, onde também favoreceu poste- riormente o despontar da economia cafeeira. A divisio do trabalho nas fazendas mineiras, as fazendas mistas, como as denomina Miguel da Costa Filho em A casa-de-agticar em Minas Gerais, 1959, favorecia o deslocamento de recursos de um setor produtivo para outro. As fazendas mistas eram organizadas de modo a conjugar mais de um setor de producdo, geralmente’ mine- ragdo ¢ subsisténcia, 4s vezes incrementados pela produgao de agtcar, algodao, tabaco ou mesmo de géneros artesanais. Os niveis de apropriagdo desse excedente aparentaram ser de grande monta para Francisco de Oliveira, em Eles fegia para uma re(li)gido (1977). Este autor aponta o caso especifico do capital gerado pela economia de subsisténcia mineira como um dos niicleos bancrios que foram barrados pela proeminéncia do capital inglés e norte-americano. Esse capital mercantil forma-se "apropriando, na esfera da circulagdo, o excedente do produto social da economia agricola e pecudria de Minas em sua passagem para o abastecimento de outras regides do Brasil, notadamente o Rio de Janeiro, e comecava a desviar-se para financiar 0 café" (p. 63). Cédice 419: Registro de tropeiros vindos do interior com tropas em geral e guias de registros (1829/1833); cédice 421: Registro dos tropeiros vindos de varias localidades (1809/1831). Capitulo 1 O ABASTECIMENTO DA CORTE APOS 1808 O ano de 1808 tem aparecido nos estudos de Hist6ria como um marco impar. Além de significar 0 ato final da quebra do "exclusivo colo- nial", através da fixagao da Corte no Rio de Janeiro, representa também um avango significativo da internalizacdo do capital nativo no Centro-Sul. Estas novas condigées deram margem a formagao de um processo econémico especifico na regiao, cujos resultados per- mitiram a expansio da economia cafeeira, com conseqtiente re- crudescimento do trabalho escravo. Para 0 alcance deste trabalho, 1808 serve de baliza, principal- mente no tocante as transformagées que o comércio de abaste- cimento do Rio de Janeiro sofreu sob o impacto das mudangas decorrentes da instalagdo da Corte no Centro-Sul. Apdés 1808, 0 movimento mercantil de géneros de primeira necessidade voltado para mercado interno solidificou-se. As transfor- magées que tomavam conta do mercado carioca acabaram por definir 0 Rio de Janeiro como 0 pélo drenador de géneros de abastecimento do Centro-Sul. De fato, ampliaram-se as proporgdes da demanda no mercado consumidor carioca, aumentando sensivelmente as necessidades basicas da populacdo. O crescimento demografico na Corte a partir de entdo se manteve, o que nao foi devido somente a imigragdo de nobres e acompanhantes da familia real’. Além de dispor dos recursos peculiares de um centro politico- administrativo, a Corte constituia-se no mais importante entreposto comercial de todo o Centro-Sul e, portanto, era ponto de atracdo e repulsao de populaco, o que garantia um significativo deslocamento de pessoas em todas as €pocas do ano. Em termos de consumo, vale também considerar os novos padrées instituidos pela presenga de delegacées diplomaticas e altos comerciantes, além dos estratos buro- craticos e militares ali estabelecidos. De resto, nao é desnecess4rio apontar outros servicos prestados pela cidade, entre eles as atividades de seu porto. O Rio de Janeiro era ento o maior centro de importac4o/exportacao do pais, polari- zador da producdo das regides circunvizinhas, além de entreposto de géneros oriundos do Sul, do Prata e da Africa portuguesa. Um nimero significativo de navios aportava no Rio de Janeiro para ai se abaste- cerem. O movimento do porto se completava com a redistribuigado para outros centros de consumo de uma parte de suas importa¢ées, 33 34 O abastecimento da Corte apés 1808 efetivada através da cabotagem e do comércio interior, estruturado sobre a organizagaéo mercantil das tropas de mulas. Nessa linha de consideragées, é facil perceber que as transfor- mages desencadeadas apds 1808 significaram um acimulo de servigos para o mercado carioca, cujas novas condi¢ées de funciona- mento extrapolgvam as anteriores, saturando seus limitados recursos de organiza¢do’. Evidencia-se o acanhamento das fontes abastecedoras do mer- cado carioca através das providéncias que o principe regente re- comendou antes de se instalar no Rio de Janeiro, Ordens foram expedidas para os portos e capitanias mais prOximos do Rio de Janeiro para "socorrer a cidade de mantimentos". O gado e os porcos remetidos livremente pela populagao deviam ser encaminhados.a fazenda de Santa Cruz onde o regente, disporia, de acordo com as necessidades, das doagdes acumuladas”. De Minas desceu consideravel quantidade de cavalos, bestas, gado vacum e porcos, cujas remessas eram organizadas pelo préprio governo da capitania, Num oficio de 8 de marco de 1808, garantia o governador "terem ja setecentas e tantas cabegas de gado vacum, 250 porcos e outros géneros mais, que espontaneamente tém sido ofere- cidos pelos povos, e tudo isto ha de ser conduzido com o c6modo possive) Oo que nao sera com muita brevidade, pela distancia e longes"’. Concorria para atender aos pedidos das autoridades a diligéncia de proprietarios particulares do interior, sem divida induzidos a ganhar as gracas do regente. Exemplo significativo, que pude arrolar, ‘oi o de d. Joaquina do Pompeu, proprietaria de terras em Pitangui, nao longe de Vila Rica, onde possuia quatro fazendas de gado, com aproximadamente trés mil cabegas. Tradicional vendedora de gado para a Corte, ela fizera também sua remessa para Santa Cruz, con- tribuindo com duzentas cabegas de gado, através de seu repre- sentante comercial em Vila Rica, Diggo Pereira de Vasconcelos, pai de Bernardo Pereira de Vasconcelos’. Essa politica de provimentos, pautada por um carter tipi- camente paternalista, nado podia, no entanto, fazer frente 4s novas condi¢ées de abastecimento. As doa¢ées dos colonos, por mais pron- tas que fossem, nao eram suficientes para a regularizacao do mer- cado, cada vez mais dilatado pelo crescimento populacional da ci- dade. Registram-se, a partir de entdo, sucessivas € continuas.crises de abastecimento da cidade, tanto de géneros gratidos ou pequenos, que provocavam, ano apés ano, escassez de produtos, rareados nos perio- dos de entressafra. Revendo-se os diferentes momentos de inflexdo das crises de abastecimento, pode-se chegar 4 conclusao de que o estado de crise era crénico, tornando-se agudo nas instancias de problemas climati- cos ou devido 4s instabilidades politicas da Corte. Nao podem ser negligenciados os desequilibrios oriundos das fontes produtoras de géneros, como no caso do Rio Grande do Sul, palco de freqiientes guerras que dificultavam a saida de géneros. Principalmente a capi- O abastecimento da Corte apés 1808 35 tania de Sdo Paulo via-se prejudicada pela permanente politica de recrutamento que afetava o setor de distribuigdo, causando preocu- pagdes as autoridades, como se podera ver posteriormente, através dos decretos do principe regente, isentando tropeiros e condutores. V4rias eram as fontes de problemas que afetavam a regulari- zag4o do abastecimento da Corte. Grande parte dos géneros de maior consumo = gados, porcos, galinhas, carneiros — procediam de regides distantes, © que exigia muitos dias de caminhada até 0 Rio de Ja- neiro”. As estradas eram precarias e as perdas geralmente eram sempre consideraveis, habilitando para 0 comércio somente os em- proearics de organizacgio e recursos mais apropriados para fazer ‘rente aos riscos e aos Custos muito altos. No que toca a produgao de hortali¢as, nao é dificil perceberem- se as razes da precariedade do seu abastecimento. As chacaras e os sitios proviam a cidade, mas de modo irregular, devido a falta de especializacdo para a produgdo de mercado; as chacaras pautavam por uma producdo doméstica, dispondo os chacareiros do excedente apenas quando as necessidades da familia estivessem satisfeitas. Mesmo Os sitiantes, possuidores de propriedades maiores, dispu- nham de reduzidas ofertas de géneros, j4 que a sua produgdo visava antes ao.autoconsumo. Além do que, é preciso que se esclarega, seus parcos recursos materiais e humanos estavam divididos também com a producio de géneros de exportagdo, o que reduzia ainda mais a quota comercializ4vel dos géneros de primeira necessidade. No debate’ pablico qué se abriu com as crises agudas de abastecimento, boa carga de culpabilidade era imputada aos inter- medidrios, popularmente conhecidos como "atravessadores", "mono- polistas" ou “ponteiros". Sem a interferéncia especuladora dos inter- mediarios, o custo final dos produtos nao chegaria aos excessos conhecidos. Em alguns casos, eles foram acusados da pratica do "mer- cado negro", estocando produtos e forcando a elevag4o dos precos. Através de um requerimento de armazeneiros cariocas dirigido ao intendente de policia pedindo restituigdo de multas, localiza-se uma autodenincia de pratica de especulagao efetuada pelos comer- ciantes cariocas durante 0 ciclo da carestia: Foi por esta razdo que V. Exa. seriamente atento a tao altos interesses no ano de 1816, quando os viveres mais ordinarios e gerais indigenos do pais tocaram, pela sua carestia, o mais descompassado prego até entdo nao visto, ordenara que os suplicantes expusessem as vistas ptblicas todos aqueles géneros a fim de que, traveando-se os portées do monopélio, fosse facil 4 populagao prover-se do que necessitava com as diferentes afrontas de prego, e alternativas de escolhat...)’. Segundo um porta-voz dos interesses ameagados do consumi- dor, disposto a desmascarar os agambarcadores, estes ocultavam os mantimentos e faziam "monopélio como pretexto de falta". O almo- 36 O abastecimento da Corte apés 1808 tacé Alexandre Ferreira de Vasconcelos Drumond, indignado por terem sido comutadas as multas aplicadas a um grupo de armazenei- ros, exprimiu-se "exemplarmente", deixando transparecer um modo de se perceberem os problemas que afetavam a regularizagao da entrega dos produtos ao consumidor: Que os viveres nZo sejam subnegados por meia diizia de atraves- sadores que de comum acordo compram aos lavradores para os aferroalharem em celeiros ocultos, e a,seu solvo imporem o “ enorme prego com que sangram o povo®. Este modo de diagnosticar os problemas do abastecimento é representativo de uma visdo “moralista" da realidade. Ela se apdia na perspectiva personalista de que os problemas do abastecimento séo derivados da m4 conduta dos comerciantes, guiados pela prépria ganancia, negando-se a perceber os sacrificios que impingiam 4 populagao. Na verdade, essa visio mostra-se incapaz de constatar as trans- formagées que eStavam tomando conta do mercado, em que a pre- senga do intermediario ia se firmando gradativamente na estruturac¢ao dos negdécios. Cada vez mais raros eram os casos de pequenos pro- prietdrios que tinham possibilidades de acesso ao mercado, em meio a uma perceptivel tendéncia de concentragéo do comércio, de abastecimento. Os produtores mais pr6ximos do Rio de Janeiro, como os contiguos 4 baia de Guanabara, principalmente os que provinham da regido de Praia Grande (Niterdi) costumavam, por exemplo, instalar-se nas praias de D. Manuel e dos Mineiros, onde eles pr6prios podiam escapar 4 acdo dos, intermedidrios, concentrando tarefas e obtendo acesso ao mercado”. Entretanto, oO grosso da produ¢gdo que abastecia o mercado provinha de 4reas distantes. Os cereais eram geralmente produzidos no litoral e comercializados através da cabotagem. J4 0 gado, porcos, careiros e galinhas, além do toucinho e queijos provinham do interior, através do comércio de tropas. Saint-Hilaire registra sucessivas vezes a presen¢a de “atravessa- dores" cariocas atuando em diversas frentes de comércio. Buscando 0 produto na fonte, esses intermedidrios obtinham determinadas regalias, geralmente favorecendo-se de pregos mais baixos, em ope- ra¢des de moldes monopolistas. Em um de seus comentarios, o autor nos relata as manobras usadas pelos intermediarios em Cabo Frio, Costumavam fazer adiantamentos aos agricultores e adquiriam pre- viamente certa quantidade da colheita. Ao mesmo tempo, aprovei tam-se do compromisso firmado, passando aos lavradores os pro- dutos que traziam do Rio de Janeiro, encarecidos pelos impostos urbanos e, evidentemente, pela distribuigdo concentrada nas maos de um s6 comerciante’’. Instalados com armazéns na praia dos Mineiros e nas ruas do Sabio, Sao Pedro e Violas "da rua Direita para baixo, por onde sé em O abastecimento da Corte apés 1808 37 casos mui extraordindrios transitam seges, carro¢as", os comerciantes de géneros de primeira necessidade recebiam barcos 4 comissdo ou seus prgprios barcos que se movimentavam na orla da baia ou no litoral fluminense, onde os nicleos de produgdo de géneros de subsisténcia eram mais consideraveis ". Oacesso as fontes de produgio era facilitado a esses comercian- tes através do comércio de géneros de exportagdo, como 0 acucar, que realizavam conjuntamente com os géneros de abastecimento. No litoral fluminense, muitos também eram proprietarios de engenhos, © que vem explicar a facilidade com que conseguiam concentrar 0 comércio na regido. Outros, através de vinculos de parentesco, con- seguiram, com maior facilidade, irradiar sua acao comercial em dife- rentes regides. Os lagos de parentesco constituiam um dos recursos utilizados para que 0 comerciante estruturasse sua rede de negécios. Via de regra, O parentesco servia como ponto de apoio para se firmar na praca comercial; pode-se encontrar uma diversidade de casos em que © parentg constituia-se na fonte fornecedora dos géneros de abaste- cimento'’. Também sao constantes os casos de familias inteiras dedicadas ao comércio, o que lhes permitia uma associacgao de esforcos e divisao de tarefas que as Benefi java conjuntamente’’. Apesar de serem casas independentes entre si, consignavam géneros de uma s6 vez, unificando a obtengao das mercadorias na fonte, quando nao fossem também parentes os proprios fornecedores. Ha casos ainda mais singulares, como o de comerciantes que também eram os proprios proprietérios e que através de suas embarcages organi- zavam 0 auto-suprimento. Quanto a este particular, os Carneiro Leao, com suas posses em Campos, e os Gomes Barroso, proprietarios em Itaguai, s4o exemplos tipicos de uma pratica comercial globalizante, fechada nas etapas que iam desde a producao a distribuigado. Nos anos 20, a temftica da crise do abastecimento e a guerra declarada ao "atravessador" ganhou novos contornos. Uma ala liberal dentro do Senado da Camara do Rio de Janeiro deu inicio a uma discussdo menos personalista, afastando os aspectos morais até aqui enfatizados, para tentar detectar os mecanismos que presidiam o funcionamento do mercado. Nao existem monopélios nesta cidade que ocupem 0 nosso comércio. Estes homens de que vulgarmente se chamam pon- teiros ou atravessadores so uns correspondentes dos lavra- dores e roceiros‘a quem estes consignam os seus efeitos para os venderem(...) os ponteiros sao agentes tao tteis como necessa- rios ao progresso da agricultura’’. Este modo de ver o intermedidrio desloca as concepgdes de que ele se constituisse numa excrescéncia do mercado ou num "mal em si" ou mesmo num "mal necessario". Ao contrario, o intermediario 38 0 abastecimento da Corte apés 1808 passa a ser visto como um elemento itil, regulador das fungdes de distribuigdo e equilibrio do mercado. Os liberais nao se preocupavam exatamente em detectar qual o pivé central dos problemas. Mas além de desmistificar 0 intermediério como a fonte de todos os males’, adiantam os principios gerais que, de forma natural, iriam se encar- regar de dar solucdes as crises do abastecimento. A liberdade de compra e venda traz 0 progresso, € 0 progresso, por si s6, supera os obstaculos que se lhe antepdem: Nés temos bastante e excelentes posturas, e a melhor postura neste caso é animar, favorecer, proteger e convidar a inddstria com liberdade dos planos, isengdes de receios, e,gestrigdes € enfim, com absoluta liberdade de compra e venda’?, Nenhum fato, no entanto, era tao determinante da caréncia de géneros de primeira necessidade como o movimento norteador da economia para a produgdo de géneros de exportagdo. Do agacar ao café, o mercado carioca sempre esbarrou nestas tendéncias de pro- du¢4o que faziam deslocar recursos humanos e materiais do setor de subsisténcia para a producdo de géneros de exportac4o. Quando da instalagdo da economia cafeeira, a tendéncia se fez ainda mais aguda. Um depoimento tomado da Camara de Itaguai nos vem esclare- cer as transformagées operadas na regiao e fornecer dados sobre a caréncia de géneros de primeira necessidade, no caso, 0 arroz. Dizia a Camara ser 0 municipio exportador de café, canalizado para o porto de Mangaratiba; exportava também café e arroz pelo porto de Itaguai, "jA4 em pouca quantidade, 4 proporgdo do que antes se exportava deste ultimo género depois do aumento dos pregos do café, cujo género de agricultura faz o objeto geral de estabelecimento dos moradores". Na freguesia de Marapicu, onde constava haver "fabricas de farinha de mandioca, hoje naquele distrito se fabrica para o consumo dos habitantes desta jurisdi¢ao(...) por se empregar presen- temenfe a maioria dos seus moradores na mesma agricultura do café". Com a irradiagdo da economia cafeeira, 0 aparecimento de grandes propriedades escravistas especializadas em sua produgdo determinaram uma restrigdo ainda maior 4 produgdo de géneros de primeira necessidade, agravando os problemas do abastecimento carioca. O problema ganhara contornos novos 4 medida que as mesmas propriedades cafeeiras, abarrotadas de escravos, converti- am-se em centros de consumo, carentes de géneros de primeira necessidade’®. Casos extremos deste quadro iriam ocorrer nos inicios dos anos 50, quando a especializacao da produgdo de café chegava a niveis ainda mais altos, generalizando a falta de comestiveis a um ponto de satura¢do. Para agravar ainda mais o problema do abastecimento local no Rio de Janeiro,— e isto visto numa perspectiva de dilatagio do con- sumo urbano" -, acentuava-se uma tendéncia de urbanizaca4o das

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