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REPUBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO ACORDAO PROCESSO N. 1—Relatério Na Camara do Civel, Administrativo, Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo, os Julzes acordam em conferéncia, em nome do Povo: Na Sala do Civel e Administrativo do Tribunal Provincial de Kwanza -Sul, i> GERD 02125018205. 1'0 5500 gerente, o Sr. com sede na Rua QD 1.2 103, Zona 2 no Sumbe, , Fepresentada pelo seu socio gerente, o Sr QIN interpuseram Accéo fi contra E OUTROS EVENTUAIS INTERESSADOS (INCERTOS), representados pelo Ministério Publico, pedindo © seguinte: 1. A condenagao dos Réus a conhecerem a posse e direito de propriedade das Autoras, sobre os prédios urbanos e os terrenos adjacentes, impondo ao Réu Sabino, e aos detentores da sua posse, a obrigagao de parar as obras, restituindo 0 imével ao primitive estado e a sua custa; impondo ao Réu Pascoal a obrigacéo a obrigacao de parar as obras, restituindo 0 imével no primitivo estado e a sua custa. 2. A condenagao dos Réus, numa indemnizacao, a ser arbitrada em execucao se sentenga, a titulo solidario e na propor¢ao das respectivas culpas, referente aos danos patrimoniais e morais, 3. A condenagao dos Réus no pagamento das custas do processo, procuradoria condigna e no pagamento dos honordrios do advogado fixados no equivalente a U.S.D 15.000,00. Conclusos os autos, o Tribunal “a quo” proferiu 0 despacho saneador com especificagao e questionario (fis. 159). prove REPUBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO Inconformadas com o teor do despacho, vieram as Autoras deduzir reclamagao contra a especificagao e questionario (fis. 163). Em resposta, 0 Tribunal “a quo” proferiu novo despacho saneador, com especificagao e questiondrio (fis. 165). Inconformadas com a deciséio, as Autoras interpuseram recurso de agravo, com subida imediata, nos proprios autos e efeitos suspensivo. (fis. 170) Tribunal “a quo” admitiu 0 Recurso como de agravo, com subida imediata nos préprios autos e efeito suspensivo (fis. 171). Tribunal “ad quem” proferiu acérdao, julgando nulo todo 0 processado, por ineptidéio da Petigao Inicial. (is.210). Notificados os Agravantes, vieram estes deduzir reclamagao contra a referida decisdo (fis. 219 a 202) com os seguintes fundamentos: 1. Que 0 referido acérdao sofre de um vicio, nos termos do art.° 667.°, Porquanto subsistem diividas quanto aos fundamentos expostos e a decisdo tomada, uma vez que, caso transite em julgado esse acérdao, vai construir jurisprudéncia, com efeitos graves na interpretacdo e na aplicagao do direito em Angola, com consequéncias desastrosas para a justiga. 2. Que conclui-se, no referido Acérdao, ter ocorrido um caso de ineptidao da petigo inicial- art.° 193.°, n.°1 e 2, b)- sic- por contradigao entre o Pedido e causa de pedir. Antes, mais acima, entretanto, pergunta-se, no citado Acérdéo: Poderdo tais pedidos serem cumulados nestes termos? Cumpre decidir. 3. Que afinal a peticao & inepta porque se cumularam pedidos substancialmente incompativeis ou porque o pedido esta em contradicéo com a causa de pedir? 4. Que se for dada resposta afirmativa para a ultima interrogagéo, estaremos perante uma nulidade da sentenga, muito por forca do art.° 668° do C.P.C., n° 1, alinea d), uma vez que os fundamentos legais 10, ola? REPUBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO. sustentados (alinea b), n°2). Estéo em contradi¢éo com a decisdo que se deveria sustentar no art? 193°, n® 2, na alfnea c) e nao na alinea b). Que se estivermos perante um caso de ineptidiio da peticao inicial por cumulagéo de pedidos substancialmente incompativeis, esté a ser formada jurisprudéncia que, em suma, afirma que no direito angolano um pedido de reconhecimento da posse é substancialmente incompativel com o pedido de reconhecimento da propriedade. Que esta parece-nos ser uma interpretagao incongruente com a pratica da vida, porque nem todos os possuidores sao necessariamente os proprietérios. HA muitos meios que legiimam a posse que consubstancia outros direitos reais e até de podem opor, com base nestes, a posse do proprietario, Que © contrério € comum € normal: 0 possuidor também pode ser 0 proprietario e vice-versa. Grande parte das pessoas quer ser proprietaria de bens que esto na sua posse, quer por gozo, quer usuffuto ou habitagdo. E intimeras vezes de direitos resultantes de relagdes obrigacionais. Em Angola, 0 direito de aquisigéo da propriedade do imével para habitag&o foi, normalmente, associado & posse, por arrendamento. Que nem se consegue compreender o alcance duma justa composi¢ao de interesses, quando se pretender impedir que 0 proprietario possa ser © possuidor, exatamente daquilo que é seu. vemos porque obstar o reconhecimento da posse ao io (cujo regime geral 6 aplicével a qualquer outro direito real, por forga do art® 1315.°), ainda que o direito sobre a coisa se tenha constituido, legalmente, posteriormente a perda da posse. Que ha imensos exemplos de aproveitamento de auséncia para perturbar a posse. Hé, por isso, quem fala em posse intermitente ou em compose. No nosso fraco entender, o T.S. deve ser cauteloso, pautar por ponderagbes genéricas menos gravosas para o foro privado Quaiquer uma das situagées atrés expostas encontra solugdes na lei. No direito adjectivo vigente ndo faltam exemplos das situacdes de perfeita 3 B28 REPUBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO compatibilidade entre a cumulagao dos dois pedidos. A lei substantiva é muito vasta em tais casos como sera sempre bom recordar. 11. Que 0 art.° 1036.° (Impugnagdo do direito de propriedade), do C.P.C., a0 regular a acco especial possesséria, expressamente comporta, em si, um caso em que a cumulagao dos dois pedidos pode ocorrer. Embora ordenando a correcgéo do processo sumario, para ordinério, em tespeitoso ao principio da economia processual, obediéncia que parece estar a faltar no douto Acérdao ora reclamado. Pretende-se, pois, com essa disposigAo processual, conformar a incompatibilidade de processos (processo especial, aplicdvel a prevengdo, manutengdo ou restituigdo da posse, com 0 processo ordinério, aplicdvel a reivindicagéo de propriedade). Ainda assim, esté em causa, nao a incompatibilidade dos pedidos, mas o erro na forma de processo (art.° 193.°, n.° 4). 12. Que 0 que atras se acaba de citar 6 um corolario que est implicito no C.C., art® 1278.°, n° 1, parte final. O convencimento da titularidade do direito (entenda-se direito real - 1° pedido) decorre dos pedidos, em tribunal, do reconhecimento da posse e do direito real em causa. A manutengdo ou restitui¢do (2° pedido) dependentes da perturbagao ou esbulho (causa de pedir). 13.Que 0 art® 1287.° (Usucapiao), do C.C consagra um outro regime juridico em que 0 pedido do reconhecimento da posse conduz ao Teconhecimento do direito de propriedade ou de outros direitos reais, cujos pedidos devem ser cumulados. Aqui, sim, a aquisi¢ao dos direitos sobre as coisas, é, primeiramente, uma consequéncia do reconhecimento da posse. Dito doutra forma, se ndo for provada e declarada a posse (A) do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, como pedido (i), mantida por um certo lapso de tempo, como causa de pedir (ii), nao pode ser adquirido o direito (B), a cujo exercicio corresponde a sua actuacao, como pedido (ii. 14.Que 0 art. 1311.° (Acco de Reivindicago) do C.C. 6 um dos conhecidos casos em que 0 legislador prevé que com o reconhecimento do direito (que deve ser requerido no pedido) se deve conferir a posse, independentemente do pedido. Logo a propria lei substantiva compatibiliza a cumulac&o do pedido de reconhecimento do direito de 4 A, & REPUBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO. propriedade com 0 reconhecimento do pedido de atribuicéo da posse, Por restituigéo. Mas, apenas e se tiver existido o esbulho. Nao havendo esbulho, nao se reconheceré a posse ao proprietario, ainda que no pedido 0 seu reconhecimento tenha sido cumulado. Nao havera restituigaéo ou, como considera o dicionério juridico brasileiro, o Autor nao sera reintegrado na posse (pois nao ha a transladagéo do bem, imével). 15. Que por maioria de razo, ao pedir-se o reconhecimento da propriedade, se for pedida a posse, esta ndo pode ser recusada, devendo ser ordenada a restituicéo do bem; s6 é admissivel essa recusa se néo houver aquele reconhecimento ou se, ainda que seja reconhecida a propriedade, no se dé como provado o esbulho ou, ainda, porque néo esteja a ser impedido o normal exeroicio do poder sobre a ciosa, por qualquer modo, ilegal. Esta é o grande alcance do n.° 2 do art. 1311°, 16.Que nao bastam os exemplos acabados de mencionar, interessa apontar mais uma questéo que 0 Acérdéo, ora reclamado, certamente suscita e no esclarece ou se 0 fez, coloca-nos perante mais um caso de nulidade, nos termos do art.° 668.° do C.P:C., n° 1, alineas e) citamos: no caso sub Jiidice as autoras pretendem que o tribunal reconhega a sua posse sobre o imével @. consequentemente, a sua propriedade... (0 sublinhado ¢ nosso) 17. Que as Autoras nao pedem o reconhecimento do direito de propriedade como consequéncia da sua posse. Aqui parece residir o maior equivoco. 18. Que em nenhum dos agravos contra o saneador foi alegada ou contra alegada uma ou algumas das questées que douto Acérdao decidiu conhecer e decidir: (a)- a incompatibilidade de pedidos; (b) ou a contradigao entre 0 pedido e a causa de pedir ou, em definitivo, (c) 0 erro na forma de processo. 19. Que no Agravo das Autoras o que se alega é que devem ser levados a0 questionério as provas quer, por confisséio, que virtualmente, incidem sobre a posse; REPUBLICA DE ANGOLA Hy TRIBUNAL SUPREMO 20. Que até porque os pedidos estdo claramente explicitados nos n.°s.1., 2., © 3., Do douto Acérdéo, logo na parte inicial. Na p.i., ndo devem as AA., sequer, de acordo com o art.° 467.°, n.° 1, agregar no pedido a causa de pedir. Nesta ficaram, igualmente expostos os factos e as razoes de direito que servem de fundamento a acgéo- omissos no Acérdéo ora reclamado. O reconhecimento da posse com todos os seus caracteres, fazem parte do pedido; no foi interpretada e nao pode ser agora (@ nunca) como causa de pedir. Repete-se, a posse funda-se nas provas apresentadas e, insiste-se, com todos os seus caracteres. a 21. Que a posse ¢ relevante para as Autoras e para o Tribunal, para dela se aferir se existiu ou nao 0 esbulho, 22. Que 0 esbulho da posse ocorreu de todos os factos e nas situagées : juridicas existentes, descritos na p.i (ndo descriminados no Acérdo). O esbulho foi defendido pelos RR., ainda que sustentado em titulos que os Réus pretendem ver levados ao questionério, séo posteriores 4 posse que ora se pretende reconhecida, Porque ndo podem ser opostas as Autoras a melhor posse. 23.Que sao, fundamentalmente, as provas documentais, os registos de propriedade, com que as Autoras querem que seja reconhecida a sua propriedade e, sim, por forga desse reconhecimento, provado o esbulho, Ver restituida a posse e ser ressarcida numa indemnizacao.” Assistiré razéo & Reclamante? eo Vejamos A peticao inicial € 0 articulado mediante o qual o autor propée a acgo contra Réu, formulando a tutela jurisdicional pretendida, na qual tera de expor os respectivos fundamentos de facto e de direito. & a parte interessada que cabe solicitar a tutela pretendida para 0 caso concreto, ou seja, o processo ndo se inicia sem que haja o impulso da parte que é gerado através do respectivo pedido, sendo que a peticao inicial constitui a base do processo, sem 0 qual nao pode existir qualquer processo. Assim, a argumentago da ac¢ao acaba por ser a etapa mais importante para 0 proprio desenvolvimento do processo e para se chegar a um “bom porto’, a boa 6 REPUBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO. fundamentagao significa a correcta indicago da matéria de facto a que o Juiz tem necessariamente que se cingir. Destarte, a procedéncia da acgao vai depender, exactamente, dos factos que forem carreados e arrumados no petitério e que devem ser organizados de forma logica e cronolégica, devendo tais factos serem os factos principais ou essenciais e ndo os meramente superficiais ou mesmo impertinentes. Certo 6 que, por vezes, a peti¢ao elaborada pelo Autor apresenta graves & imreparaveis deficiéncias sendo, nesses casos, 0 Unico despacho judicial possivel o de indeferimento liminar, por ineptiddo da petig&o inicial, (art? 474° 1 1 al, a) © 193° ambos do C.P.C), sendo, portanto, nulo todo 0 proceso. A peticao inicial 6 inepta perante a lei quando: a) “Falte ou soja ininteligivel a indicagdo do pedido ou da causa de pedir; ) O pedido esteja em contradi¢éo com a causa de pedir, ©) Se acumulem pedidos subsidiariamente incompativeis.” Desta forma, entende a doutrina distinguir 0 seguinte: o pedido, que consiste na pretenséo do autor & tutela jurisdicional que solicita, constitui o efeito juridico que o autor pretende obter. A causa de pedir, que consiste no facto juridico que serve de fundamento ao pedido, sendo que tal facto jurfdico enquadra-se na previséio de alguma norma de direito substantivo. Em suma, a causa de pedir é, Portanto, 0 acto ou facto juridico do qual emerge o direito que 0 Autor se propée fazer valer, nao se tratando do facto juridico abstrato, tal como a lei o configura, mas de um certo facto concreto cujos contornos se enquadram na definigao legal. A causa de pedir é, assim, 0 facto produtor dos efeitos juridicos apontados pelo autor. In concretu, a titulo ilustrativo, os pedidos do requerimento inicial sao os seguintes: * "A condenagéo dos Réus a conhecerem a posse e direito de propriedade das Autoras, sobre os prédios urbanos e os terrenos adjacentes, impondo ao Réu Sabino e aos detentores da sua posse a obrigagéo de parar as obras, restituindo o imével ao primitivo estado e a Se 4. TRIBUNAL SUPREMO sua custa; impondo ao Réu Pascoal a obrigagéo a obrigagao de parar as obras, restituindo o imével no primitivo estado e a sua custa * A condenagao dos Réus, numa indemnizagdo, a ser arbitrada em execugao se sentenga a titulo solidario e na proporg4o das respectivas culpas, referente aos danos patrimoniais e morais. * A condenacéo dos Réus no pagamento das custas do processo, procuradoria condigna e no pagamento dos honorarios do advogado fixados no equivalente a U.S.D 15.000,00”. A propésito dispée 0 art.® 470° n° 1 do C.P.C que, “pode o autor deduzir cumulativamente contra 0 mesmo réu, num sé proceso, varios pedidos que sejam compativeis, se quanto 4 forma do processo © quanto a competéncia do tribunal néo existirem os obstéculos fixados’. Ora, da leitura dos pedidos deduzidos supra referidos, facilmente se poder concluir que os mesmos so incompativeis, porquanto as Autoras pedem que o Tribunal reconhega a posse sobre 0 imével e, consequentemente a sua propriedade. Com efeito, descarta-se a possibilidade de se afirmar que a acco de relvindicagao seja uma acgao especial, pois, tal como ensina o Professor Oliveira Ascenséo (em Direitos Reais, 4* edicdo, pag. 520) “do art.? 1311.° do CC, néo resulta sequer que 0 conceito de reivindicagéio pressupunha o pedido de reconhecimento do dominio (propriedade). A lel n&o pode impor qualificagdes doutrinérias_nem dofinig6es. A reivindicago 6 accao correspondente pretenséo substantiva do proprietério. Esta implica apenas o pedido de entrega da coisa". Acrescenta ainda o ilustre Professor que, “o elemento vinculativo do art® 1311.°, n° 1, @ que explica 0 equivoco do legislador est’ em que esse pedido de entrega se tem de basear na propriedade. Isto 6 essencial, pois a reivindicagao é uma ac¢do de condenagéo fundadas em raz6es absolutas. Mas esse fundamento, como veremos, nao tem de surgir desenhado como um pedido auténomo. Surge tipicamente na causa de pedir” (ob. cit.) J a acgao possesséria é uma acco especial, entende-se por processo especial aquele que se aplica aos casos expressamente tipificados na lei, art.® 460, do C.P.C (sobre esta tematica, vide Professor alberto Dos Reis, Processos Especiais, Vol. |- Reimpressdio, Coimbra Editora, LIM, 1982, pag.) Do exposto, diividas nao ha que existe incompatibilidade substancial dos dois Pedidos, 0 reconhecimento da posse e 0 do direito de propriedade. 2233 ¢* REPUBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO Outrossim, 0 texto permite identificar claramente os pedidos, que séo o reconhecimento da posse e da propriedade e as causas de pedir, que sio a perturbago da posse e a propriedade ora reivindicada. H4, pois, contradicao entre 0 pedido e a causa de pedir quando ha incompatibilidade légica entre o ; facto real invocado pelo autor como base da sua pretensdo e 0 efeito juridico pretendido através da acedo judicial, (vide A. Varela in Revista de Legislagao e jurisprudéncia, ano 121°, n.° 3769, pags.121). Ora, a acgao de restituigdo de posse implica a entrega da coisa, a reivindicagéo al da propriedade implica a entrega da coisa sobre o qual a propriedade incide. a Sendo assim, nao se vislumbra no caso sub judice qualquer contradigao na ai deciséo proferida, nos termos reivindicados pelo Agravante Face 0 exposto, nao assiste razao a Reclamante, pelo que entendemos que deve ser confirmada a decisdo recorrida. I—Decisao ieee a eesetet sae arer. os, @Lo8 cL Polen a2 Jule Lf, 52-8 bor dof Catdtaho om vo ch fgg G WeSenle Dealilatcr o a Bertacna o of Zoom Cred Pe Coen, of, Geen le Polo Beale taale oar Codge Ue pape ger, reg e+ 4 “We

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