Você está na página 1de 24
REVISTA POSE RICE bi) | INTERTEMAS - Revista Juridica da Toledo Prudente - ANO 17 - V. 20 - NOVEMBRO 2015 eres theer ROM ere cee eR Enso P UC OALY ' Temiticas: Direitos Humanos, Meio Ambiente e Desenvolvimento 0 UNIVERSITARIO ANTONIO EUFRASIO DE TOLE! cane PRUDENTE DO DE PRESIDENTE a cancion eee tne: rte ty re eto a mee et ae een REVISTA INTERTEMAS Linha editorial: Relagdes Socials e Ambientals para uma Sociedade Inclusiva ‘Tematica: Direitos Humanos, Meio Ambiente ¢ Desenvolvimento Poriodicidade anual EDITORES José Artur Teixeira Goncalves (TOLEDO PRUDENTE) ‘Sérgio Tiirig4 Amaral (TOLEDO PRUDENTE) ‘COMISSAO EDITORIAL Antonio Carlos Segatto (UEM) ‘Antonio Gelso Baeta Minhoto (UMES) Claudio Ribeiro Lopes (UFMS-Trés Lagoas) Cristiano Heineck Schmitt (UNIRITTER) Dora Garcia Fernandez (Universidad Anéhuac México Norte) Flavio Murilo Tartuce Silva (EPO) Gelson Amaro de Souza (FUNDINOPI) Gilmara Pesquero Femiandes Mohr Funes (FAP) Giselda Maria Femandes Novaes Hironaka (USP) Gustavo René Nicolau (Universidade de Chicago) José Carlos Martines Beliero Jinior (UFSM) ‘Marcos Jorge Catalan (UNISINOS) Pablo Malheiros da Cunha Frota (ESA-DF) William Santos Ferreira (PUC-SP) Wiadimir Brega Filho (FUNDINOPI) COMISSAO EXECUTIVA Paulo Eduardo D’Arce Pinheiro (TOLEDO PRUDENTE) Yara Pires Gongalves (TOLEDO PRUDENTE) EQUIPE TECNICA ‘Ana Carolina Itami Higashibara (Secretaria -TOLEDO PRUDENTE) Carla Roberta Ferreira Destro (TOLEDO PRUDENTE) Versio oletrénica ISSN 2176-848x Disponivel em hitp:/interternas.unitoledo. br/revista/index php/INTERTEMAS. Indexadores @ Diretérios Latindex folio 14938 ‘Sumérios de Revistas Brasileiras obdigo 006.064.819 Permuta/Exchangelfchange Biblioteca “Visconde de SAo Leopoldo" ~ TOLEDO PRUDENTE Praga Raul Furquim n? 9~ Vila Furquim (CEP 19030-430 ~ Presidente Prudente / SP Contato ‘Telefone: +55(18)3901-4004 E-mail: nepe@toledoprudente.edu.br Inleriemas: Revista da Toledo, v.20—2018 Presidente Prudente: Centro Universitério “Antonio Eufrasio de Toledo". 2016. 2temRevista do Centro Universitério “Antonio Eufrdsio de Toledo" de Presidente Prudente (SP) 1.Direito ~ Periédicos CDD - 340.5 ISSN 1516-8158 SUMARIO/CONTENTS APRESENTAGAO/PRESENTA TION. 1 - DOUTRINA ESTRANGEIRA/FOREIGN DOCTRINE BREVE ANALISIS DE LA RESPONSABILIDAD CIVIL EN LOS METODOS DE REPRODUCCION HUMANA ARTII PARAGUAYO. FICIAL EN EL DERECHO POSITIVO Juan Marcelino Gonzalez Garcete - Universidad Nacional de Asuncién - PARAGUAI ESTANDARES INTERNACIONALES RI RERSONAS. ESPECTO AL DELITO DE TRATA DE Elsa Norma Delgado Rueda — Asociacién Colombiana de Derecho Procesal Constitucional - COLOMBIA Il - DOUTRINA NACIONAL/NATIONAL DOCTRINE AEXTRADICAO DE CESARE BATTISTI DO BRASIL PARA ITALIA: EXERCICIO DA SOBERANIA POLITICA OU QUESTAO JURIDICA?. 53 Luiz Renato Teles Otaviano - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS - MS INCIDENCIA TRIBUTARIA SOBRE A MASSA ASFALTICA - CONCRETO BETUMINOSO USINADO A QUENTE (CBUQ).... Paulo Roberto Cordeiro Junior (PG-TOLEDO PRUDENTE) - SP Osvaldo Santos de Carvalho (TOLEDO PRUDENTE) - SP ATIVISMO JUDICIAL E O DIREITO PENAL DO INIMIGO: O JUDICIARIO VIOLADOR DE GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS.... wand Julio César Moreira de Jesus PG-Universidade do Vale do Itajai— UNIVALI - SC Alceu de Oliveira Pinto Junior Universidade do Vale do Itajai — UNIVALI - SC BANCO E CADASTRO DE DADOS DE CONSUMIDORES: LIMITES E REFLEXOS NOS DIREITOS FUNDAMENTALS... Renato Tinti HERBELLA (TOLEDO PRUDENTE) - SP Thiago RODOVALHO Pintificia Universidade Cat6lica de Campinas (PUC) - SP LEGISLAGOES DE COMBATE A INTIMIDAGAO SISTEMATICA: ANALISE DE TEXTOS NORMATIVOS DO SUL DO BRASIL E DO PROGRAMA DE COMBATE A INTIMIDAGAO SISTEMATICA.. 09 Rafael José Nadim de Lazari - Centro Universitario "Euripides Soares da Rocha - SP Ricardo Bispo Razaboni Junior - SP © ABORTO CULPOSO NOS CASOS DE ABORTO PRETERDOLOSO E VULNERANDI ANIMUS... Gabrielle Stoco Fabio1 G-Universidade Federal do Amazonas - AM José Roque Nunes Marques - Universidade Federal do Amazonas - AM Dorinethe dos Santos Bentes -Universidade Federal do Amazonas - AM Nasser Abrahim Nasser Neto - In Memorian - Universidade Federal do Amazonas - AM ” A DO CONSUMIDOR.. 0 “UBER” E A DEFES: p Oe bata MAGRO (PG-TOLEDO ae ‘SP Landolfo Andrade de SOUZA (TOLEDO O DIREITO A CIDADANIA: HISTORIAS E MEMORIAS DA ESCRAVIDAO - RIO CLARO/SP, SEGUNDA METADE DO SECULO XIX. a Cleyton Rodrigues dos SANTOS - Faculdade La Salle de Lucas do Rio Verde -— MT SELO VERDE E A SUA IMPORTANCIA PARA O PANTANAL.. 165 Ana Flavia TREVIZAN - Faculdade Candido Rondon — Cuiabé - MT A DISTINGAO ENTRE REGRAS E PRINCIPIOS NO DIREITO A LIBERDADE RELIGIOSA.. seneesneu 178 SILVIA ARAUJO DETTMER - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)- Trés Lagoas - MS APROTECAO A IMAGEM DAS CRIANGAS EM REDES SOCIAIS: didlogos entre a PROTEGAO INTEGRAL, A LIBERDADE DE EXPRESSAO DOS PAIS E 0 DEVER DE COLABORAGAO DA SOCIEDADE EM GERAL. 195 Bruna Barbieri Waquim - Unidade de Ensino Superior Do ENTRAVES ETICOS E JURIDICOS A MANIPULAGAO GENETICA DE EMBRIOES HUMANOS. Ana Flavia Terra Alves Mortati - G-Universidade Estadual de Londtina - Daniela Braga Paiano - Universi idade Estadual de Londrina - PR Rita de Cassia Resquetti Tarifa Espolador - Universidade Estadual de Londrina - PR 15 APROTEGAO A IMAGEM DAS CRIANCAS EM REDES SOCIAIS: DIALOGOS ENTRE A PROTEGAO INTEGRAL, A LIBERDADE DE EXPRESSAO DOS PAIS EO DE COLABORAGAO DA SOCIEDADE EM GERAL Bruna Barbieri Waquim' RESUMO: O presente estudo intenta debater os desafios do cumprimento da Doutrin: da Protegao Integral sob o enfoque da utlizagéo da imagem de. crianges, nas redes sociais, por seus prdprios pais e por terceiros na confecgéo dos chamados memes. A partir de trés diferentes noticias divulgadas recentemente que tratam transversalmente da protegao da imagem de criangas na internet, busca-se debater pontos de conexio entre os direitos de personalidade titularizados por criangas, a liberdade de expresso de pais e sociedade em eral e os limites do exercicio da autoridade parental, Por meio das ferramentas da revisdo bibliografica e da andlise documental, serdo tecidas considerages tedricas e praticas sobres os seguintes questionamentos: os pais so proprietarios da imagem dos filhos? A sociedade pode fazer uso nao autorizado dessas imagens? O uso nao autorizado da imagem de criancas nas redes sociais pode dar ensejo 4 reparacao civil, ainda que esse uso tenha sido praticado pelos préprios genitores do infante, ou em decorréncia de postagens destes? As respostas encontradas demonstram a necessidade de priorizar o melhor interesse das criangas e a conscientizagao dos atores supracitados quanto aos danos que podem ser provocados 20 seu desenvolvimento psicossocial pelo uso abusivo ou ilicito da imagem destas. Palavras-chave: Imagem. Privacidade. Protecao Integral. Liberdade de expresséo. Crianga. ABSTRACT: The present study tries to discuss the challenges of compliance with the Doctrine of Integral Protection under the approach of using the image of children in social networks, by their own parents and by third parties in the making of so-called memes. Based on three different recently published articles dealing with the protection of the image of children on the Internet, the aim is to discuss points of connection between the rights of personality of children, the freedom of expression of parents and society in general and the limits of exercise of parental authority. Through the tools of bibliographic review and documentary analysis, theoretical and practical considerations will be woven into the following questions: Are the parents the owners of the children's image? Can the society make unauthorized use of these images? The unauthorized use of the image of children in social networks can give rise to civil reparation, even if this use has been Practiced by the child's own parents or as a result of their postings? The answers found demonstrate the need to prioritize the best interest of the children and the awareness of the above mentioned actors about the damages that can be caused to their psychosocial development by the abusive or illicit use of their image. Key-words: Image. Privacy. Integral Protection. Freedom of expression. Child. —— tora da Just * Doutoranda em Direito pelo Centro Universitario de Brasilia. Mestre om Dito ee once om eeeet bela Universidade Federal do Maranno, Professors do Curso de OV6n EAST Go ingiut Brasiaro de Dro ra Juridica no Tribunal de Justica do Estado do ‘Maranhao, Nee abe: Enderego: Av. Luis Eduardo Se Fania ~ Sago do Estado do Marenndo. E-mail cm acaas om 18 sates do 2016 * Consulta realizada por meio do link com acesso 197 . idade entre zero e 12 anos de idade ae ome me destas as redes sociais e maior cee resentagao parental do que 0 publico dos adolescentes, So esgotar 0 tema, seréo aqui levantadas questdes que intentam nee comunidade juridica e a sociedade como um oe para refletir sobre a concretizagdo da prioridade absoluta dos direitos e imagem, intimidade e privacidade assegurados ao piblico infantil, cuja garantia, muitas vezes, esta a apenas um clique de distancia. 2 ARECENTE CONQUISTA DA CONDIGAO DE SUJEITOS DE DIREITOS PELAS CRIANGAS Reconhecer em criangas e adolescentes a qualidade de sujeites de direitos, assim entendidos como credores de garantias que Ihes devem familia, Estado e sociedade, 6 resultado de um longo processo histérico de reconhecimento da sua propria condigdo de pessoas em desenvolvimento. ‘Se elaborarmos uma retrospectiva histérica do tratamento sécio juridico conferido as criangas, foco especial deste trabalho, encontraremos nos relatos de Philippe Ariés (2011, pp.18-21) que a “infancia” sé foi descoberta a partir da Idade Média, por influéncia do Cristianismo, posto que anteriormente as criangas eram tratadas como coisas, submetidas ao poder dominial de seus pais, que detinham a prerrogativa inclusive de escolher entre a vida e a morte dos seus filhos. Ariés (2011, pp.99-105) também relata que faltava a sociedade ocidental o chamado “sentimento de infancia’, expressao cunhada por ele para representar a falta da consciéncia sobre o estagio de desenvolvimento que o ser humano atravessa durante a primeira idade, dai porque, da Antiguidade Classica @ Idade Média, inexistia a preocupacao com o cuidado biopsicossocial das criangas, as quais eram tratadas como adultos em miniatura, ingressando nos trabalhos, divertimentos e obrigagées do universo adulto logo que alcangavam os sete anos de idade. A literatura relata que foi a partir do século XIX que os poderes publicos Comegaram a refit sobre o estado de vulnerablidade de criangas, considerada vitima tanto da familia quanto da sociedade. © caso da menina Mary Hellen, encontrada em 1874 na cidade estadunidense de Nova lorque acorrentada a uma cama, vitima de agress6es fisicas por parte dos pais e alimentada somente a Pao e gua, 4 grande 198 inexistia & 6p0ca legislagao que pudesse contra os proprios genitores (MONTEIRO, No Brasil, ‘9arantir 08 direitos de filhos menores de idade 2002, pp.92-93), wots scab es hi sendo consenso juridico que o Estado ey panes — an i le proteger os menores de idade, mesmo que suprimindo suas garantias. Esta foi a tonica dos Cédigos de Menores editados no Brasil (AMIN, 2009, p.6). Promulgada a Carta Magna de 1988, o ordenamento juridico brasileiro afastou- se da Doutrina da Situagao Irregular e passou a assegurar direitos fundamentais & crianga, tendo por regras basilares do recém-criado “Direito da Infancia e da Juventude” a Doutrina da Protego Integral, baseada no reconhecimento de direitos especiais e especificos ao puiblico infanto-juvenil, e 0 Principio do Melhor Interesse da Crianga, prescrevendo que todas as medidas concernentes as criangas devem atender ao seu melhor interesse, ou seja, a melhor consequéncia diante do caso conereto (ISHIDA, 2014, pp.02-03). A protegao a infancia, em sentido amplo, toma-se com a Constituig&o de 1988 um direito social amparado pelo artigo 6° da Carta Maior, exigindo 0 artigo 227 a responsabilidade conjunta da familia, Estado e da sociedade: a familia, para se responsabilizar quanto a manutengdo da integridade fisica e psiquica; a sociedade, pela convivéncia coletiva harménica; e 0 Estado, pelo constante incentive @ criagéo de politicas publicas de atendimento a infancia e juventude (ROSSATO et al, 2016, p.62). Como bem recorda Lamenza (2011, p.22), a fase da infancia representa 0 estagio de desenvolvimento humano de estruturacao da personalidade, com reflexos diretos na psique do ser que irdo durar por toda a existéncia da pessoa, Perlodo em que também se processa o desenvolvimento fisico da crianga (e do adolescente), e somente com o atendimenta integral dos seus direltos & que se garante a passagem para & vida adulta com um minimo de qualidade, eliminando-se riscos desnecessdrios para 0 corpo fisico e para a esfera psiquica. Por isso, a preocupagao do constitu Constituigao, os direitos fundamentals especificos ee “com absoluta prioridade”: o direito a vida, a salide, & alimentago, : liberdade e & convivéncia @ profissionalizagao, a cultura, @ dignidade, ao respeito, a liber inte em estabelecer, no artigo 227 da da infancia, que deve ser garantidos 199 ligéncia, discriminaca a raat om! de evker tds ttre Crate = itra as criangas. jolencia, crueldade e opresso con! i 2 eae ‘¢ mandamento constitucional de proteger as criangas a : a ‘i de toda e qualquer forma de maus tratos, 6 que 0 ecageeal ordinate a ane ‘em editar leis que buscam combater espagos de naturalizagao de Merete’ conta as criangas, como ocorreu com a promulgagéo da Lei n° 12.318/2010 (Lei da Alienagao Parental), Lei n® 13.010/2014 (Lei da Palmada) & Lei n° 13.185/2015 (Lei do Bullying). Tals disposigées legals, entre outras, intentam conscientizar a familia e a sociedade em geral sobre a necessidade de concretizar a dignidade da pessoa humana crianga, rompendo, assim, com tratamentos maléficos que representavam construcbes culturais, como 6 0 caso do castigo fisico e da pratica de alienacao parental. Quanto a estes exemplos, apesar de tais atos terem sido incorporados a pratica social como legitimados pelo exercicio do poder familiar, houve 0 avan¢o no reconhecimento de que tais comportamentos, por parte dos pais e demais familiares, Tepresentam violagéo a direitos fundamentais das criangas, merecendo, assim, reprimenda juridica especifica como forma de desnaturalizar tais formas de violéncia Por isso, necessdrio se toma tecer algumas notas sobre como as criangas titularizam direitos & personalidade para prosseguir nos objetivos do presente artigo, de conscientizar sobre a necessidade de repensar o comportamento tradicional de livre disposigo sobre a imagem de criangas, como forma de também combater mais esta forma de naturalizagao de violéncia. 3_BREVES ANOTACOES SOBRE A TITULARIDADE DE DIREITOS DA PERSONALIDADE PELA CRIANGA E 0 DIREITO A LIBERDADE DE EXPRESSAO Os chamados “direitos da personalidade” representam um conjunto de caracteres proprios da pessoa, direitos inerentes & condigio humana e que garantem a0 individuo a defesa daquilo que the seja préprio: autoria, entre outros (TORRES, 1998, p.10). Séo tradicionalmente caracterizados como direitos absolutos (poniveis erga omnes), extrapatrimoniais (no _possuindo Contetido monetario _imediato), intransmissivels ©, por conseguinte, indisponiveis, inalienavets e imprescritiveis (SILVA, 1998, p.23), identidade, a liberdade, a reputacao, a irrenunciaveis, impenhoraveis, paises. De um modo geral, pode. aspectos: 0 direito a ser deixado 6 sigilo e, por fim, o controle a inform: “Se enquadrar direito privacidade em quatro } © direito contra interferéncias alheias, o segredo ou ee —- dados pessoais (LEONARDI, 2012, p.52). Privacidade como segredo ou sigilo, aponta Leonardi (2012, pp.65-66) como exemplo classico a privacidade nas relagdes familiares: a expectativa legitima de que as informagées privadas compartihadas com um grupo selecionado de pessoas nao serdo divulgadas a terceiros fora desse circulo de confianga. A imagem, por sua vez, seria uma das projegdes ou emanagées do ente humano para o mundo exterior, interessando ao Direito como sendo toda e qualquer forma de representagao da figura humana, qualquer que seja o meio técnico pelo qual ela se apresenta, sendo fator de identificagéo da pessoa (AFFORNALLI, 2003, p.19;22;46). E, por fim, por direito a intimidade recorre-se a definigo tecida por Silva (1998, pp.38-39), que corresponde ao poder juridico de subtrair ao conhecimento alheio e de impedir qualquer forma de divulgagao de aspectos da vida privada, que segundo um sentimento comum, detectavel em cada época e lugar, interessa manter sob reserva Tem a ver com o sentimento das pessoas, a respeito das questdes que elas ndo se incomodam de participar aos outros e daquelas outras que preferem manter sobre certa reserva. Como se observa, as categorias ora apresentadas possuem notas de conexao entre seus elementos de definicao. nao 6 rara a escolha de alguns autores patrios em abarcarem no @ imagem, como o faz Por isso, género “privacidade” as espécies intimidade, vida privada, honra Guerra (2004, p.31). : Tais consideragées so pertinentes pois 0 objeto de pesquisa deste estudo, que 6 0 direito a imagem, também se comunica com os demais bens juricicos da intimidade e privacidade, no sendo raro que a violagao a imagem de uma crianga também signifique a violagao a sua intimidade e privacidade. ‘Ao lado destas categoriais de direitos da personalidade, importa também destacar 0 contetido do direito @ liberdade de expressao, . que, Lees - que noteiem © presente artigo, vislumbra-se © confronto entre a “privacidade” (como “género” acit 201 erdade de expressao dos respectivos genitores ou referenciado) de criangas @ a Ii aan membros da sociedade, ao fazer uso nao autor f . rda que 0 constituinte de 1988 foi bastante Marmelstein (2014, p.124) recor : : ara livre circulagdo de ideias em virtude do enfatico quanto a necessidade de se preserv oe i e fez com que 0 texto constitucional se trauma causado pelo regime militar, 0 qu aioe preocupasse em assegurar a liberdade de expressao de miltiplas : nos discursos falados, escritos, desenhos, manifestagdes artisticas, entre outras modalidades. ; A liberdade de expresséo compreende faculdades diversas, como a de comunicagao de pensamentos, ideias, informagées e até expressbes nao verbais, como por meio da miisica e da imagem. No direito de expressao cabe toda mensagem, tudo o que se pode comunicar: julzos, propaganda de ideias noticias sobre fatos (BRANCO, 2012, pp.298-299). ‘Com o advento da internet, a liberdade de expressao ganhou nova perspectiva. ‘Antes dessa ferramenta tecnol6gica, apenas a expresso de pessoas ligadas as grandes ‘empresas de comunicagao social tinha alcance nacional; para os demais, a liberdade de expresso se restringia ao seu meio social. Agora, porém, a comunicagao social passou € ter maior abrangéncia, tomando cada cidadéo um provedor de informagao em potencial (MARQUES, 2015). Nesse contexto, a postagem de fotos do cotidiano familiar tem sido uma realidade na alimentagao de perfis de usudrios de redes sociais. Varias motivagdes Podem ser pressupostas: ou como uma forma de comunicagao daquele cotidiano a Pessoas proximas, ou como estratégia de marketing, ou ainda como uma forma modema de autoafirmagao nos papéis parentais. ica como uma pedra no caminho do exercicio da liberdade de Topresentagdo lmagética destes pele, énecessdrio debater se seus fthos niio davemn ter sua imagem, intimidade e privacidade protegidas, jé que um dos problemas das redes Socials € @ perda do controle quanto aos conteudos postados, As trés noticias que inspiram a conte Propriedade a relevancia de tais preocupagées, 'Na noticia “Me luta para banir memes na ir ‘cG40 do presente trabalho ilustram com 202 computadores, j& que exis . : "iste toda uma aleatoriedade importancia e notoriedade Com que as informagées ganham pode servir para alim © formecimento de imagens diversas para alimentar a sanha de pedétilos ou estelionatérios que possam usar as Pate bromover goles, como as corents soictando doagées para falsoscustelos de tratamentos. Na reportagem “Filhos poderso processar pais por divulgagéo de fotos na intemet, diz pesquisador” (2016), o elemento da boa-fé nas postagens realizadas pelos pais passa a ser discutivel, diante da natureza humilhante ou vexatéria que as fotos podem conter, @ ponto de provocar o constrangimento futuro dos filhos — eo futuro pedido de reparaco civil pelos danos morais eventualmente provocados. O relato dessas trés situagdes permite levantar algumas questées: é legitimo reduzir ou flexibilizar as criangas a titularidade de direitos da personalidade, em virtude da autoridade parental? E legitimo estabelecer a ndo oposi¢ao dos direitos a imagem e a privacidade dos filhos menores de idade diante da liberdade de expresséio dos seus pais? Este raciocinio nos parece perigoso, considerando a adverténcia de Affornalli (2003, p.17) de que na hipétese de auséncia dos direitos da personalidade, a propria nogao de pessoa estaria ameacada, assim como 0s seus direitos subjetivos. E, por fim, serd se 0 principio da cooperagao pode exigir da sociedade e da familia a proibigo da criagéo e compartilhamento de memes que possam violar a imagem ou a privacidade de criangas? Séo estas, pois, as questdes a serem enfrentadas no proximo topico. 4 PROBLEMATIZANDO A EXPOSIGAO DA IMAGEM DE CRIANGAS NAS REDES SOCIAIS Como bem aponta Affornalli (2003, p.34), um dos principais fatores de provocagio para o desenvolvimento do direito a imagem foie ainda é 0 constante avango tecnolégico, pois “a evolugdo dos meios de fixagao ea propagacao da imagem trouxeram a lume questdes antes inusitadas e tdo frequentes no mundo atual”. 203 sentar impunidade ou descaso quanto Jo repre’ Esta evolugdo, porém, nBo Pod IPT ai, muito menos quando se fireitos 208 danos que possam ser provocades a direl joritaria das criangas. trata da near stes (1998, p.121), o artigo 17 do Estatuto da Crianga e Como bem re : iret ito, devido a crianga, abrange a we o direito ao respeito, de Adclescento present * k ssoais, e tal particularizagao decorre do preservacao da imagem e da identidade pe 5 re oe a reconhecimento de que a crianga merece uma maior protegao, no mbito dos direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, devido a sua eee’ em formacao, sendo, por isso, titular de um direito de personalidade peculiar. Porém, a autora entende que quando 0 legislador fala em preservacéo da imagem, refere-se apenas a limitagéo do uso da imagem da crianga nas eventuais necessidades de justica e de policia, por meio da imprensa, como tratam as hipéteses dos artigos 143 e 247 do Estatuto (TORRES, 1998, p.123). Esta, no entanto, nao é a posig&o juridica a que se alinha o presente artigo, apés a revisdo bibliografica que tem sido realizada. Por isso, cabe tecer algumas considerages quando a colisao dos direitos ja enunciados pelos itens anteriores. 4.1 Direito & Imagem do Filhos Versus o Exercicio do Poder Familiar dos Pais © poder familiar é um instituto do Direito de Familia que apresenta interessante transformagaio de conceito e finalidade ao longo da histéria da sociedade ocidental, mas, que, em virtude do reduzido espago deste trabalho, ndo seré aqui abordada. Por isso, esta pesquisa se concentrara na atual nogdo de poder familiar, entendida como “o conjunto de direitos e deveres atribuides aos pais com relagao aos filhos menores @ nao emancipados, com relagéo a pessoa destes e seus bens” (VENOSA, 2013, p. 313). N&o se configura direito subjetivo dos pais em relag&o aos filhos, mas simplesmente poder de gerir a sua vida e educagao, enquanto estes ndo se apresentam em condigdes de fazé-o com discemimento (NADER, 2013, p.360). Lamenza (2011, p.65) entende que pode havar testrico ao direito ao respeito A intimidade da cr ia li © @ intimidade da crianga, pois esta n&o teria o livre exercicio de sua autonomia, Por autonomia, entende o autor o respeito a condugo de sua vida e de seu destino da maneira que melhor Ihe aprouver, contudo, defende ele existirem fatores de ordem pitlica que impedem que essa autonomia se dé de forma plena, e o autor aponta justamente a hipdtese do zelo manifestado como forma de exercicio do poder familiar. 204 Porém, © exercicio 4 — eee donne, ee se scareta 0 dirt de ts ou perda do poder familiar no caso de abuso da epee ae arctocdes faltas aos covers @ eles inerentes (artigo 1.637). ee oo aioe aoe reco da autoridade parental deve ser acompanhado encontrados na Constituigao Federal e icra aeeeaereuener = Sr ta ee no Estaluto da Crianga do Adolescente, como Je direitos da crianga, da citiva obrigatéria, do melhor interesse®, entre outros. O direito decorrente do poder familiar nao é algo absoluto, porque encontra limite no direito filial, pois © propésito da lei, ao se referir que compete aos genitores dirigir a educacdo da prole (artigo 1.634, Cédigo Civil), nao foi outro, sendo o de assegurar a protegao dos menores, inclusive quanto ao eventual abuso praticado pelos proprios genitores, como se extrai do teor dos artigos 22 e 98, inciso II, do Estatuto da Crianga e do Adolescente (CURRY JUNIOR, 2006). Por isso, 6 legitimo concluir que, no exercicio do poder familiar, os pais N40 so proprietérios da imagem dos filhos, devendo apenas exercer a representagao necesséria para os atos da vida civil que a vivéncia da crianca atrair e tornar necessaria, como no caso das autorizagdes para trabalhos artisticos. E, ainda assim, a partir da adogo do principio do interesse superior da crianga e do adolescente pelo ordenamento patrio, cessou 0 carter estritamente privado das relagdes entre pais e filhos, pasando o poder familiar a se concentrar no interesse primordial do infante (CURRY JUNIOR, 2008), 0 que significa que a veiculagéo da sejam em canais privados, seja em canais comerciais, deve atender imagem da crianga, ‘ao seu melhor interesse, € ndo apenas aos interesses dos pais. 42 Direito & Privacidade dos Filhos Versus Liberdade de Expressao Dos Pais. ‘Além de delimitar 0 alcance do sadio ~ ¢ legtimo - exercicio do poder familiar pelos pais, também cabe questionar sobre a possibilidade de restrigao ou no da sua liberdade de expresséio quanto as postagens contendo a imagem de seus filhos, nessa condigao. oe Typeset oy (28, pp 67-70) fornecr um ireossane lo pine donates De exeecisinants no rie 100 o Ext one paca a reper sont oo ra fa 9 1 6 Acdece, core oP terreno dees 8 St er pmotanbem Sprigttra edge que ja Maleate oo ens copomeoe sie Glnoso protein: o principio do mahorintresse {entendido come postuado normativo pelos autores) onert# interesses da pessoa em desenvolvimento 205 ante epontar que 80 direto & imagem sq ase relev ; — wut, tom ae representando pelo direito que a pessoa tem eens : aja forma de exercicio da propria personalidade; soja, de aparecer se. quando des0}r OF ade da pessoa de imped a dvulgagso de sua j@ 0 aspecto negativo consistiria na facul imagem (AFFORNALLI, 2003, p.39). ‘Assim, em um primeiro plano, tem-se y idade da crianga, a possibiidade de usufruir dos conteUdos positivo e negativo se toma factualmente reduzida pelo seu reduzido discernimento e desenvolvimento. Em tenra idade, nao 6 possivel a crianga sequer se expressar para fins de autorizar ou ndo a utilizagdo de sua imagem. ' E uma vez que so 0s proprios pais — aqueles que deveriam autorizar 0 uso — 0s questionados sobre 0 abuso ao direito A imagem das criangas, torna-se relevante apontar a necessidade de uma forma de controle “extemo’, seja pela via do Conselho Tutelar*, seja pela via do Ministério Publico’, para acompanhar a protecao a imagem das que, de acordo com a menor ou maior criangas nas redes sociais. ‘Até porque no se pode resumir a andlise a defesa da liberdade de expresso dos pais, diante dos riscos que a disponibilizagéo excessiva das imagens possa Provocar: como jé apontado, para movimentar 0 mercado da porografia infantil ou dos estelionatos por meio de falsas campanhas. Por isso, a disposigao da imagem e da privacidade dos filhos pelos pais deve ser temperada pela prudéncia na forma, frequéncia e finalidade com que as imagens ‘sejam postadas, recomendando-se que permitam o minimo de identificagao possivel da crianga, caso aos pais nao seja possivel refrearem o desejo de inclul-las nas postagens. Silva (1998, p.44) entende que s6 serd ofensivo a intimidade o desvelamento que exponha a pessoa a uma situagao de embaraco, constrangimento ou menoscabo Perante o meio social. No entanto, uma vez que as criangas s6 poderdo, no futuro, compreender a repercussao da exposi¢o de sua propria imagem nas redes sociais, quando enfim Gesenvolveram a nogo de selfe do que significa a convivéncia comunitéria, 0 filtro para reconhecer 0 que sera ou no embaragoso deve partir de um exercicio de alteridade, colocando-se no lugar dessa crianga no futuro. Nao é i . é demaia relembrar que a Constituigo Federal busca a coexisténcia harmé6nica entre os principios e as garantias fundamentais. E exatamente neste sentido © paragrafo primeiro do artigo 220, no qual a liberdade de expressdo deve estar limitada 20 respeito a vida privada, intimidade, honra e imagem das pessoas (MARQUES, 2016). 4.3 Direlto & Imagem De Criancas Versus Liberdade De Expressdo em Memes A Secretaria de Comunicacao Social da Presidéncia da Republica, no estudo “Pesquisa brasileira de midia 2015: habitos de consumo de midia pela populagéo brasileira” (2015), revela que praticamente metade da populagdo brasileira (48%) usa intemet e, destes, cerca de 72% a acessam diariamente, sendo que 66% o fazem por meio do celular, estando 92% dos usuarios conectados a alguma rede social. Diante de tais numeros, torna-se ainda mais relevante debater de que forma o Publico conectado, sejam genitores ou terceiros (sociedade em geral), tem naturalizado a violéncia aos direitos de personalidade de criangas no ambiente virtual das redes sociais. Repisando as noticias que servem de mote ao presente estudo, a primeira noticia de relevo foi publicada em 01/02/2016 no site Correio Braziliense (2016), intitulada “Mae luta para banir memes na internet com foto do filho deficiente". Aqui, 6 possivel vislumbrar que uma mae, de boa-fé, promoveu a publicagao das imagens de seu filho, sem conotagao humoristica ou qualquer veio constrangedor, mas terceiros, fazendo uso dessas imagens livremente disponibilizadas na rede mundial de computadores, elaboraram memes denegrindo a imagem da crianga, a pretexto de conferir comicidade a sua apresentaco facial. Inicialmente, é importante definir o que seriam os “memes”, termo que tem sido Utiizado para definir contetidos cémicos reproduzidos em larga escala nas redes sociais. Gustavo Leal-Toledo (2013) esclarece que 0 conceito de memes surgiu em 4976 com Richard Dawkins, como um andlogo cultural dos genes. Tendo por inspiragao os trabalhos evolucionistas de Darwin, Dawkins aproximou a chamada “ciéncia memética’ a um algoritmo de evoluggo por selegao natural aplicada diretamente cultura, por acreditar que seria possivel estudar a cultura por meio do processo de evolugéo por selegdo natural de memes - ou Saja, de comportamentos, ideias ¢ coneeitos. 207 Para Dawkins, um meme pode ser concebide como “uma unidade de cultura, ara, ins, ut : um comportamé ssada de pessoa para pessoa’, ou ‘ento ou uma ideia que pode ser Pat para pe: inde drées de comportamento” a serem imitados, sendo os exemplos mais inda “padroes 2 a moda no vestudrio, musicas, slogans, costumes, linguagem, entre outros (LEAL-TOLEDO, 2013). : © termo “meme” veio da redugao de “Mimeme", palavra grega associada a simitagdo" © a que Dawkins buscou conferr a ideia de “replicador” ou “substantive que transmita a ideia de uma unidade de transmissa0 cultural, ou uma unidade de imitagao” (apud LEAL-TOLEDO, 2013). ‘Ainda que nem todo individuo que crie “memes” na rede mundial de computadores compreenda o sentido da memética, 6 certo que a reprodugao e compartilhamento indiscriminados das montagens nas redes sociais acarreta a reprodugo também da finalidade e/ou do comportamento inerente a montagem: gracejo, humilhago, constrangimento. Branco (2012, pp.307-308) ressalta que da formula constitucional do artigo 227 resulta que 0 balango dos interesses da liberdade de informagdes com o valor da dignidade do jovem deve ser lido & luz do dever de absoluta prioridade. Por isso, a liberdade de expresso poderd sofrer recuo quando o seu contetido puser em risco uma educagao democratica, livre de édios preconceituosos e fundada no superior valor intrinseco de todo o ser humano. Por isso, defende que a liberdade de expresso tende a ceder ao valor prima facie prioritério da protegao da infancia e da adolescéncia. Para que leitor tenha maior clareza da gravidade da situagao aqui exposta, sugere-se breve exercicio de pesquisa empirica: o ato de digitar, na segéo “Imagem” de um canal de buscas da intemet, os termos “meme” e “crianga’ em conjunto. Serio encontradas, como resultados, imagens de criangas em situagdes varias: desde inocentes gracejos a montagens cruéis e pornograficas, 0 que coloca em pauta a conscientizagao da sociedade em geral sobre o significado do principio constitucional da cooperagao na protecao a infancia. ____ Tanto 0 artigo 227 da Constituigéo Federal quanto o artigo 4° do Estatuto da aioe ee a0 Estado e & sociedade, o que significa que dever ee ee na defesa dos melhores interesses das crian a eae 22 | 10s adolescentes. oe onan m assegurar os direitos fundamentais de nin embasado no principio da solidariedade, presente no artigo 3, inciso | da Carta da Republica, por meio do qual ha o : i Pois a sociedade € um instrumento de shah lead diate Promogao da pessoa humana, devendo os 208 —_cacexnzz aunematr in seme particulares adotarem comportamento proativ oe : sociadade (ROSSATO et al, 2016, p.83), Somprometide com o restate da Fora dos meios publicitérios . " o consentimento mais usual 6 @ tacita, em que 0 modelo demonstra através de seus atos ndo se ‘opor a representacdo de sua imagem. E, para a verificagdo desse consentimento tacito, deve- se considera-lo no contexto que compreende a pessoa retratada, suas qualdades e caracteristicas pessoais, a finalidade da captago da imagem, modo, situag&o em que se ela se encontrava, entre outros aspectos (AFFORNALLI, 2003, p.56). Surge, assim, a exigéncia de bom-senso que deve o terceiro fazer uso a0 Se apropriar de uma imagem postada por pais ou familiares em redes sociais, diante do consentimento tacito presente no ato de tornar publica tal imagem, ou, ainda, ao compartilhar material produzido com tais imagens, a fim de nao contribuir com a cultura de naturalizagao de violéncia contra as criangas, que so sujeitos de direitos tal como qualquer adulto. 4.4 A Reparacao Civil Pela Violacao Do Direito a Imagem de Criangas A responsabilidade civil, no direito brasileiro, est4 calcada na nogdo de reparagao de um dano provocado, independente da vontade ou ndo de prejudicar. Como causas juridicas que podem gerar a obrigago de indenizar, a doutrina patria aponta miltiplas fontes, como a lesdo promovida por atoilicito, por inadimplemento contratual, por violagio de deveres especiais de seguranga, por obrigacao contratualmente assumida de reparar o dano, por violagao a deveres especiais impostos pela lei a quem se encontre em determinada relagdo juridica, ou, ainda, em decorréncia de ato que mesmo licto enseje a obrigagao de indenizar nos termos da legislagdo vigente (CAVALIERI FILHO, 2008, p.5). Como visto, tanto os pais quanto a sociedade em geral possuem o dever de colaborago na tutela dos interesses do publico infanto-juvenil, E, em especial, os genitores exercem © minus piblico de cuidar das ctiangas © assegurar-ines a integridade fisica e psicolégica, como consectario do poder familiar protegao a imagem e & privacidade, é relevante resgatar as, com a intemet, a privacidade passa a ser E, no tocante & palavras de Cantali (2009, p.197) de que, ‘compreendida também como um poder de Pessoais, o que ofusca as fronteiras entre 0 Dai a ligdo de Leonardi (2012, p.121) de que: controle sobre a circulagao de informagées direito a privacidade e o direito a intimidade. 209 ja: ela molda as comunidades A privacidad (.) 10 valet et cia 808 induce cacy socials @ forece 9 Pee intromiss6es, possibilitands. que diversos, Spe’ ig personalidade e devolvam & socledade novas desenvolvam S°sigentemente, nem todas essas contribuicies privacidade, porém, nenhuma poderd florescer. segue 2 individualidade da pessoa deve ser Tree ponada ao eonecelto de bem comum, @ no entendida como ‘seu contraponto. Em se tratando da possibilidade de que criangas sejam eee Por danos provocados em decorréncia de violacdo a sua imagem, intimidade 7 Privacidade, a jurisprudéncia nacional j4 se consolidou no sentido de que mesmo criangas de tenra idade, por serem titulares de direitos da personalidade independente do maior ou menor grau de consciéncia e auto referéncia, merecem ser reparadas pelos danos que Ihe forem provocados. Nesse sentido, 6 o aresto abaixo colacionado: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RECUSA DE CLINICA CONVENIADA A PLANO DESAUDE EM REALIZAR EXAMES RADIOLOGICOS. DANO MORAL. EXISTENCIA.VITIMA MENOR. IRRELEVANCIA. OFENSA A DIREITO DA PERSONALIDADE. ~Arecusa indevida & cobertura médica pleiteada pelo segurado 6 causa de danos morais, pois agrava a situagao de aficdo Psicolégica e de angustia no espirito daquele. Precedentes As criangas, mesmo da mais tenra idade, fazem jus a protegaio irestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se inclui 0 Gireito integridade mental, assegurada a indenizagao pelo gano moral decorrente de sua violago, nos termos dos arts. 5°, Xin fine, da CF @ 12, caput, do CC/02 ; Mesmo quando 0 prejulzo impingido ao menor decorre de uma wagao de consumo, © CDC, em seu art. 6, Vi, assegura a stele teparacéo do dano, sem fazer qualquer distingao quanto ue uma lei garantir algum direito para a podera se somar ao microssistema do CDC, tte a 0758 Pa tutela especial e tendo a mesma preferéncia fo rato da relago de consumo, ~ Ainda que tenha ur ‘maneira peculiar d alhei ma percepgao diferente do mundo e uma | Rocurso especial provid jos fo. (STU, T3 - J. 25 2 RS 2008/005 1031-5. as Terceira Turma, REsp x ‘elatora Ministra Nancy Andrighi, Fevereiro de 2010, Die os ce targa de 2010), on quanto a reparacao de tais atos ilicitos, Como representantes civis dos seus filhos, os genit : itores sao incumbidos da pratica de atos da vida civil que deveriam atender aos melhores interesses da prole; estio inclusas nao s6 0 gerenciamento do patriménio material quanto do patriménio imaterial também, pois sé os pais diretamente responsdveis pelo cuidado com a imagem e a vida privada das pessoas em desenvolvimento que Ihe foram confiadas — seja pelo nascimento, seja pela via da adogo. aqui, Nesse cenério, deve a liberdade de expresso dos pais, no exercicio de sua autoafirmagao destes papéis nas redes sociais, observar o fato de que as criangas iro crescer @ tomar conhecimento da repercussao de tais atos de postagens, assim como eventualmente seus colegas de escola e de espacos de lazer. Por isso, a preocupacao deve ser reforgada quanto ao contetido que futuramente poderd representar, aos filhos, situagdes de constrangimento e humilhagao. E interessante também questionar se 0 terceiro chamado a responder pelos danos de ordem moral poderia alegar a culpa concorrente dos genitores, ou, ainda, a autorizacdo tacita demonstrada pela postagem de foto em situagao indecorosa ou vexatéria como excludente de ilicitude, jd que se 0 pai, guardiao dos melhores interesses dos filhos, autorizou que a foto fosse tornada pibblica, no poderia posteriormente exigir a vedago a sua reprodugao. tema, como se pode perceber, comporta varias nuances e possibilidades, sendo imprescindivel fomentar-se o debate com a correta ética de enfoque: a protegao integral da crianga envolvida nas postagens, em posi¢ao superior propria liberdade de expresso dos genitores ou terceiros, pois 0 risco de prejulzo sécio emocional se toma mais preocupante pela natureza de pessoa em desenvolvimento. Por isso, defendem Naves e Gazoni (2010, p.6: 10 da imagem da crianga e do adolescente indica A mean ee i a daquilo que 6. Entende-se, assim, 2 pense ca eee dt SS cra ss Hos. em sua integridade moral, ou que nao sejam biplane ratamento que hes diminua a condigao de seres Cn a stmt oar an ee. posto Je hes causem qualquer tipo de con wna eaprtel ou Teka, A imegent oe nent. adolescente no pode ser uilzada sem sua autorzaste, © protegSo a imagem liga-se a cobiclo de “exposicgo abuso cA pubiicagdo, mesmo que ndo se ofenda o decoro ou a reputed (gritos no original repute 5 ALGUMAS CONSIDERAGOES FINAIS AA vida modema ainda possui diversos desafios @ concretizacao do methor interesse de criangas. Ainda surgem temas e fatos que obrigam 0 operador do direito a desbravar as fronteiras da protegdo integral e navegar em Aguas de constructos sociais que demandam uma releitura. ‘A questo dos limites da exposigéo dos filhos, pelos pais, nas redes socials é lum destes espagos de ressignficagao social juridica sobre o que significa a condicgo {de sujeltos de direitos das criangas, abordado nas notas iniciais da pesquisa, pois exige um novo modelo de comportamento — quase como uma etiqueta — dos genitores em redes sociais. Mas nao se trata s6 do reconhecimento de que os genitores devem submeter sua liberdade de expressao aos principios da Protego Integral: também a sociedade, como usuaria dos conteudos postados e elaborados nas redes sociais, em especial sob a forma de memes, também compartilha do mesmo dever de colocar as criangas “a salvo de toda forma de negligéncia, discriminagéo, exploragéo, violéncia, crueldade e Opressao”(p.u. do artigo 227 da Constituigéio Federal). Com o presente artigo, buscou-se fomentar o debate sobre a necessidade de ‘omPer com a naturalizagao da violéncia contra a crianga e do adolescente, relacionado 8 desconsideracdo dos seus direitos imagem, intimidade e Privacidade, bem como Conscientizar @ comunidade juridica sobre a lacuna quanto a estudos que melhor desenvolvam a proteco da imagem de criangas nas redes socials, REFERENCIAS Jurua, 2003,” M2"@ Cecilia Naréssi Munhoz, Direlto a Prépria imagem. Curitiba: AMIN, Andréa Rodrigues, te da crianga e do adolescente. In Curso de Direito da Crianca e do ‘Adot Gireito Ga e Sagem. Rio de Jane: Lumen Jr, 2000, on: Pets le6o0s e prions od. 2 CEANCO, Paulo Gustavo Gonet. MENDES, j i Constitucional. 7. ed. rev. ¢ atu 80 Paulo: Sarg oe. ee aie brasileira de midia 2015: habitos acer" de Comunicagao Social. Pesquisa ‘Acesso em: 16 nov. 2016, ‘<_hittps://sapientia. pucsp. br/handle/handle/7338>. FERREIRA, Ronney. Quem nao curte, compart , compartiiha: a partici lit ri adolescentes © 08 sites de redes savas. n Liberdade de expresso eos deltos de crlangas @ adolescentes / organizacao : Alessandra Xavier Nunes Macedo, David Ulisses Brasil SimGes Pires, Fernanda Alves dos Anjos. 1. ed. Brasilia: Ministério da Justiga, Secretaria Nacional de Justiga, 2014. Disponivel em: < np: justia gov briseus-dretesicassiicacaoNolume 4.pdf >. Acesso em: 19 nov. . 2 FILHOS PODERAO processar pais por divulgagao de fotos na internet, diz pesquisador. BBC Segao Brasil. 28/03/2016. Disponivel em: . Acesso em: 30 jun. 2016. - . GUERRA, Sidney Cesar Silva. O direito a privacidade na internet: uma discussao da esfera privada no mundo globalizado. Rio de Janeiro: América Juridica, 2004. ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Crianga e do Adolescente: doutrina e jurisprudéncia. 15. Ed. Sao Paulo: Atlas, 2014. LEAL-TOLEADO, Gustavo. Em busca de uma fundamentagao para a Memética. Trans/Form/Agao, Marla, v.36, 1.1, p.187-210, Abril 2013. Disponivel_ em: < http/Awww_scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732013000100011 >. ‘Acesso em: 30 jun. 2016. LAMENZA, Francismar. Os direitos fundamentais da crianga e do adolescente e a discricionariedade do Estado. Barueri, SP: Minha Editora, 2011. LEONARDI, Marcel. Tutela e privacidade na internet. So Paulo: Saraiva, 2012. MAE LUTA para banir memes na internet com foto do filho deficiente, Correio Braziliense. 01/06/2016. Disponivel em: < hitpi/lwww correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2016/02/0 Vintena_mundo.516 149!mae-luta-para-banir-memes-na-intemet-com foto-do-fiho-deficiente.shtmi>. Acesso em: 30 jun. 2016. istit ito de i da crianga e do MARQUES, Paula Cristina Mariano. Protecao ao direito de imagem adolescente a internet. In_ Ill Congresso eee de ees ® Contemporaneidade, 2015. Anais... isponivel 7 http: ufemn bricongressodireitolanais/2015/2-11 pdf>. Acesso em: 19 nov. 2016, MONTEIRO, A. Reis. A revolugdo dos direitos da crianga. 1" ed. Porto: Campo das Letras, 2002. 213 NADER, Paulo. Curso de direlto civil, v.5: direito de familia. Rio de Janeiro: Forense, 2013. NAVES, Rubens. GAZONI, Carolina. Direito ao futuro: desafios para a eft — ‘ fetivacao dog direitos das criangas e dos adolescentes. S40 Paulo: Imprensa Oficial do Estado de sa Paulo, 2010, ROSSATO, Luciano Alves. LEPORE, Paulo Eduardo. CUNHAS, Rogério Estatuto da crianga e do adolescente: Lei n. 8.069/90 ce Sanches, 8.ed. rev. atual. e ampl. Sdo Paulo: Saraiva, 2016. jomentado artigo por artigo, (SEQUESTRO VIRTUAL” de bebés vira moda e assusta familias: os criminosos roubam S das criangas © publicam nas redes sociais como se fossem seus filho s. Revista Crescer ONLINE 09/08/2016. Disponivel em: . Acesso em: 27 set. 2016. SILVA, Edson Ferrel comparado e a Const da, Direito a intimidade: de acordo com a doutrina, 0 direito 10 de 1988. Sao Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998, TORRES, Patricia de Almeida. Direito & propria imagem. Sao Paulo: LTr, 1998, VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 8.ed. 3. reimpr. So Paulo: Atlas, 2009. ieito de familia. 13.ed. S4o Paulo: Atlas, 2013, 214

Você também pode gostar