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tudo é hí~tóría
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De terni-o em tempos, os genercus latino~ americanos


abandonam r:aserna.,e quartéis /la7a depor governos,
compor governos, ou, corno no caso do Brasil de 64,
serem, o prô prio g~ oerno . Urna situação que já dura 150
. anos e que é um reflexo da instabilidade do nosso
continente. Um problema que, ntes!no hoje, quando n
maioru. dos rxiises da região volta-se para a democracia,
.:.Ó;.Q" 1:'~) parece estar prôximo de acabar. .
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Clôvisjjtossi

DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI


Militarismo na america latina.
T912
Coleção Primeiros Passos
vA6
4.ed.
Genoddio Americano o que são Ditaduras 111111111111111111111111111111111111111111111111111111111II111111
A Guerra do Paragut:Í; 'Arnaldo Spindel 21200041260
J. J. Chiavenato
o que é Participação Polírica
Cangaço, a Força do Coronel
J. J. Chiavenato
Damo de Abreu Dallari
MILITARISMO
Injustiça
o que é Poder
Gérard I.ebrun
NA AMÉRICA LATINA
As bases sociais da obediência e
da revolta o que é Propaganda Ideológica 4~ edição
Barrington MooreJr. NélsonJahr Garcia

Direitos Humanos E .•. o que é Subdesenvolvimento


---
A.C. Ribeiro Fester (org.) Horácio González

Sandinisw: Bayardo Arce, o que é Ideologia


Humberto Ortega, Jaime Marilena Chau1
Wheelock
Entrevistas com líderes Coleção Tudo é História
sandinistas 41
Gabriele Ivernizzi (org.)
A Segurança Nacional
Roberto R. Martins

o Governo Goulart e o Golpe


de 64
Caio N. Toledo

o GovernoJânio.Quadros
iiiiiI
SBD-FFLCH-USP
Maria Victoria Benevides

editora brasiliense
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reproduz ida por meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia do editor.

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-r~~.:; ~ ISBN: 85-11-02046-2
\J 4,b Primeira edição, 1982
i{.~ 4f edição, 1~

5 Ob.OI. /()-6 INDICE


Revisão: José-E. Andrade
Caricaturas: Emílio Damiani, Edson Lourenço e Fábio Costa
Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos

Introdução 7
Os senhores da guerra 10
SOf Os senhores do povo 19
Os senhroes de tudo o o o o o o o • o o. 2S
Os senhores da doutrina o o o • o o o • 0,0 o ••• o •• o o. 31
Os senhores das leis o •• o o o o • o o • o • o o •• o o o •• o o 39
Os senhores da morte .. o o o • o o o o o o o o o o o o o o o o SO
Os senhores semfronteiras o" o : • o o o o o o o o • o o o 70

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Onde está a saída, senhores? o o o o o 00 o o • o ••• o o 79
Indicações para leitura o o o • o o o o o o o • o •• o ••• o o 89

]
Rua da Consolação, 2697
01416 São Paulo SP
Fone (011) 280-1222 - Telex: 11 33271 DBLM BR

1M PRÉSSONO BRASIL'
I--

~
8 Militarismo na América Latina 9
C/6vis Rossi

contar a própria história da região, a partir de sua justifica que o presente trabalho se detenha mais
independência formal em princípios do século pas- nesse período do que no anterior, muito mais longo
sado. - em anos.
Nos 150 anos seguintes, a crônica política da E há uma segunda justificação, igualmente im-
América Latina esteve permanentemente recheada portante: com a implantação da Doutrina de Segu-
de um vocabulário próprio que traduzia esse fenô-
1 rança Nacional, base do regime militar brasileiro e
meno: pronunciamiento, golpe de Estado, quarte- dos outros que a ele se sucederam no subcontinente,
lada, tancazo, e o mais recente pinochetazo (para surge também uma rede de repressão e informações
designar um golpe militar particularmente violento). com impressionantes conexões entre os diferentes
É impossível contar a história do subcontinente sem países da região submetidos a ditaduras militares.
recorrer, com muita freqüência, a uma ou mais des- Essa multinacionalinformal da comunidade militar de
sas expressões. inteligência ganha um peso considerável no interior de
Se a história da América Latina independente cada um dos regimes a ponto de, em determinados
está tão vinculada à presença das Forças Armadas no episódios, aliás bastante recentes, sobrepor-se aos
centro do poder político, é preciso reconhecer que I próprios governos. E, o que é igualmente grave, a
I houve uma mudança fundamental a partir do golpe representar um obstáculo adicional e muito forte à
de Estado de 1964 no Brasil- no que coincide uma redemocratização dos países da região.
boa parte dos ar/alistas políticos e historiadores. Nes-
se ano, inicia-se um processo, depois estendido a
outros países da região, pelo qual as Forças Armadas
deixam de interferir apenas como árbitros (poder mo-
derador, segundo a expressão do brazilianist Alfred
Stepan) para se transformarem em ocupantes insti-
tucionais do Poder. Por mais variações que possa ter
sofrido a presença militar na cena política, a partir
de 1825 (ano em que se completa, com uma ou outra
exceção, o processo de independência), é 1964 o
grande divisor de águas, o momento em que se inicia
uma drástica alteração na qualidade da intervenção
militar. Alteração cujos desdobramentos e conse-
qüências estão muito longe de se esgotarem, o que
.
---, 1
"

rr '1 Militarismo na América Latina 11


II

à generalização do voto. Na prática, entretanto, tais


I
regulamentos jamais foram aplicados.
Anova ordem demorava a surgir. E se mantinha I
a importância que o poder militar ganhara nos peno-
sos anos de guerra pela independência.
Nos quinze anos - duração da guerra, se se
t toma o conjunto dos_países do ~ubcont~nente, ~om
"uma ou outra exceçao - as elites nativas haviam
I "
ti

OS SENHORES DA GUERRA II I r~ constituído um Exército, a principio irregular, que"


deveria ser a sua expressão. Acontece que as próprias
r vicissitudes da "luta forjam, entre os ofici~is desses " i
[l I· II I I novos exércitos, um esprit-de-corps que rapldamente
se consolida. Com isso, surge um quadro aparen-
11
!,

Ao se romperem as estruturas coloniais, nos I temente paradoxal: esse grupo, pelo fato ôbvio de
1,,/ .I primeiros anos do século XIX, os mais otimistas" , dispor das armas, torna-se um tormento p~ra as
esperavam o surgimento de uma' nova ordem im- I \ elites mas, ao mesmo tempo, funciona como instru-
II I pregnada da pregação libertária que os herôis da
independência haviam resgatado, com raras exce- "
mente de poder para os setores sociais que ha~iam
. desencadeado a revolução contra o poder colomal e
ções, da Revolução Francesa do século anterior. Li- 1 I não queriam, em hipótese alguma, abdicar do poder, I·
derdade-Igualdade-Fraternidade ~ o tripé da revo- I I uma vez conquistada a independência. " .
lução burguesa de 1789 acendia imaginações e pare- Para manter o controle, é indispensável disse-
li
.1 da inaugurar um mundo de promessas na América
colonizada por Portugal e Espanha.
minar as armas por todas as partes, de modo a·
preservar a ordem interna e uma certa estabi~i?a~e
Havia, entretanto, um abismo entre a ideali- _ o que leva a estender o processo de militari-
zação e os fatos concretos do pôs-independência, No zação além - e muito além - do peri~do de lut~s I
I' papel, tudo parecia novo e até revolucionário, como o pela independência. O historiado: .Tuho Halperm
I indica o fato de que inúmeras das constituições Donghi descreve assim o circulo VlClOSO que se for-
q latino-americanas aprovadas depois das guerras de mou à época:
independência copiavam, até literalmente, as consti-
l~ , -tuições européias (especialmente a francesa de 179'1·e t "Os cheles de grupos armados rapidamente se
a de Cadiz, de 1812), impondo, é verdade, restrições \ tornam independentes de quem os convocou e

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~
12 CI6vis Rossi Militarismo na América Latina

organizou. Para conservar os seus favores, é pre- monárquico autoritário e se inspiravam no jogo polí-
ciso conceder-lhes alguma satisfação, o que sig- tico-parlamentar da Inglaterra, o trânsito de uma
nifica gastar em armas e, mais ainda, em soldo, situação a outra era, reconheça-se,' extremamente
a maior parte dos recursos do Estado. As novas complicado: havia que romper os laços com a antiga
repúblicas alcançam a independência com um metrópole, operação que não foi indolor se não em
pletórico corpo de oficiais e não ousam desmo- um ou outro país latino-americano, e, simultanea-
bilizâ-lo. Para poder pagar os oficiais, são obri- mente, era preciso também tentar romper o esquema
gadas a recorrer violência, a fim de obter novos
à
do autoritarismo político, ingressando na fase, mais
recursos, cada vez maiores, retirados de regiões avançada, da democracia, ainda que limitada a uns
freqüentemente arruinadas pela guerra; com is- quantos setores sociais. Dois passos simultâneos e
so, terminam por dependerem cada vez mais do complexos que, na maior parte das vezes, não pude-
apoio não desinteressado dos militares". ram ser dados. Ao contrário: as nações recém-inde-
pendentes, na sua esmagadora maioria, caíram na
Havia um fator adicional a pesar na militari- anarquia das guerras entre facções, regiões, grupos e
zação do poder político surgido da independência: os caudilhos.
próprios vínculos históricos dos países da América Era inevitável, por isso mesmo, que a imagem
Latina com as potências colonizadoras (Portugal, no da América espanhola independente fosse a de uma
caso do Brasil, e Espanha, para os demais). Ao con- região prisioneira dos guardiões da ordem e, ao mes-
trário do que ocorreu nos Estados Unidos, que se mo tempo, fontes de desordem. Mas é preciso observar
tornam independentes de uma monarquia constitu- que o militarismo estrutural não é um processo inexo-
cional, a Inglaterra, já experimentada no jogo parla- rável e nem se deve ao fato de que as elites econô-
mentar, a América Latina independente.estava um- micas e intelectuais não tinham armas para controlar
'bilicalmente ligada às monarquias absolutistas dos 'os homens armados. De fato, não dispunham do
antigos centros coloniais. O absolutismo monárquico armamento, mas não dispunham, principalmente,
não deixa de ser a predominância de um rei-cau- de vontade efetiva e real de frear os novos exércitos,
dilho-militar sobre os inimigos internos e externos. A porque eles desempenhavam - e continuam desem-
elite nativa dos países latino-americanos tinha como penhando até hoje - um papel fundamental para
modelo uma 'situação de despotismo e força que ine- evitar que o incipiente processo de democratização
vitavelmente se transmitiu às colônias recém-libe- avançasse muito além do previsto pelas elites nativas.
radas do controle das coroas européias. que se haviam rebelado contra as potências coloniais.
Mesmo para as elites que rechaçavam o modelo Sob esse aspecto, a emergência dos militares
14 Clóvis Rossi Militarismo na América Latina
15
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como sócios do Poder não era contestada - a não ser isolou o país do mundo exterior, que o ditador
verbalmente - pelas elites dominantes. O que, sim, considerava um mau exemplo, pela evidente turbu-
'I
as molestava em maior medida era o fato de que !' lência em que vivia.
foram obrigadas a aceitar a sua integração em posi- Apoiando-se na massa de mestiços contra a aris- I

ção relativamente subordinada no novo ordenamento tocracia branca (de resto, pouco numerosa), Franda
político, cujo núcleo é constituído pelos militares. consegue um período de governo em que o bem-estar I
Recorro de novo a Halperin Donghi para descrever o da maioria é notório, apesar da violência e despo-
quadro: tismo com que marca a sua ação política.
~ Â margem dessa exceção - que tampouco será

• "Todos os que conseguiram salvar uma parte


importante da própria riqueza apreciam na he-
duradoura e se extingue com a morte de Francla em
1840 - consolida-se na América Latina um novo
pacto colonial, que transforma a região em produ-
gernonia dos militares a capacidade - limitada,
de certo, e custosa, mas, ao mesmo tempo, in- tora de matérias-primas para os centros de poder e
II[
substituível - de manter a ordem interna. Por I' importadora dos produtos industriais da grandes po-
conseguinte, apóiam a ordem estabelecida, do tências. Internamente, o novo pacto deriva para um
mesmo modo como o fazem aqueles que conse- semimonopólio do poder político de parte das oligar-
guiram prosperar durante as mudanças revolu- 1
quias exportadoras.
cionárias: comerciantes estrangeiros, generais Será apenas ao se aproximar o fim do século
~
que se converteram em proprietários da terra, XIX que vai começar uma segunda etapa, que, um
etc. A impopularidade do novo estilo político pouco arbitrariamente, se pode situar a partir de
entrea elite urbana, legitimista ou patriótica, 1880. É nesse período que o movimento operário faz.
não impede uma certa divisão de funções, aceita o seu aparecimento (ao menos no México, Argentina
com resignação por essa elite". e Chile) e que se constituem movimentos políticos
que recusam a direção das elites tra:dicionais, o que
Esse esquema se manteria, a rigor, durante os não os impede de recrutar seus dirigentes exatamente
primeiros cinqüenta anos pós-independência, admi- nessas camadas elitistas.
~ A partir desse período, começa a Se impor ao
tindo, como é óbvio, variações locais e regionais inca-
pazes de alterar substancialmente o quadro geral até
aqui delineado. A exceção mais notável é a do Para-
guai de Francia (José Gaspar Rodrigues de Fran-
. cia), Ele tomou o poder em 1812 e virtualmente
.'

h
I jogo político um novo elemento, que se poderia de-
signar, algo difusamente, como a classe média. E,
naturalmente, surgem elementos de turbulência que
refor}am o papel de árbitro do Exército. Nem sem- II1

'. ' 1

~ ~
16 Cl6vis Rossi Militarismo na América Latina 17

pre, entretanto, os militares optaram por intervir a seiro" .


favor dos grupos cuja hegemonia era praticamente 2 - No México, especificamente, a evolução
hereditária e contra a classe média emergente e as política é marcada pela primeira revolta .social do
camadas populares, cujos primeiros passos no ter- século, anterior até à Revolução Russa de 1917. Essa'
reno da participação político-social se dão nessa revolução, ao menos na sua fase de consolidação
época. As exceções, entretanto, não são notáveis e, (1916 a 1920), voltaria a mostrar 'os militares no
no geral, os exércitos setvem de guarda pretoriana da
ordem estabelecida.
controle, servindo de árbitros entre o movimento
operário e o movimento camponês, que, a princípio,
J
Começa a alternância entre ditaduras - mili- alimentara a fúria revolucionária e empurrara no I
tares ou não - e momentos em que o Estado mostra rumo de decisões drásticas como a reforma agrária.
uma: fachada democrática, erigida,entretanto, a Depois, a partir de 1929, o Exército vai, aos poucos,
partir de fraudes escandalosas, eleições manejadas desaparecendo da cena política, substituído por um
sem o menor escrúpulo. O que é explicável: "Estru- esquema absolutamente original, em que um partido
turas econômicas e sociais distorcidas pela depen- - o Partido Revolucionário Institucional, PRI -
dência, que condena as massas populares à pobreza ou tem o controle absoluto e exerce um monopólio. de
à indigência, como uma necessidade de seu funciona- poder incontrastável. Mas esse tema já escapa ao
mento, não podem se conciliar com estruturas polí- objetivo deste livro.
ticas em que os povos decidam o seu destino", es-. 3 - No Chile, na Argentina e no Uruguai, a
creve o sociólogo uruguaio Vivian Trlas. . evolução é bastante pacífica, com um lugar de des-
Esse período - que se estenderá aproximada- taque para partidos de classe média cujos programas
mente até à grande crise mundial de 1929/1930 - incorporam, não raro, reivindicações dos setores po-
oferece particularidades locais ou regionais mais di- pulares. Ê o caso do radicalismo argentino, que che-
ferenciadas do conjunto do continente do que acon- ga ao poder em 1916 e o mantém até 1930. E éo caso
tecera até então: do battlismo uruguaio (de Jorge Battley Ordofiez),
1 - Ê nele que se inicia um processo, até hoje que consegue construir o primeiro wellfare state da
não modificado, de crescente intervenção direta dos América Latina, com notórios avanços sociais. O
Estados Unidos na região. Uma intervenção que, em battlismo perdurará até depois da Segunda Guerra
termos econômicos, é generalizada, mas que, em Mundial.
termos estritamente militares, se volta para a Amê- No resto da América Latina, permanece .a alter-
'rica Central e o Caribe, áreas que, até hoje, a diplo- nância, ne poder polítieo, da. oligarquia tradicional
macia norte-americana designa' como seu "pátio tra- e das. ditaduras militares, sem que faltem; entre-
18 Cl6vis Ross;

tanto, soluções intermediárias. A exceção é o Brasil,


que evolui para a República no fim do século e que,
se não exibe o quadro de violências e regimes não
constitucionais dos demais países, tampouco con-
segue a abertura experimentada, por exemplo, pela
Argentina dos radicais ou pelo Uruguai do battlismo.
A América Latina em geral entra, portanto, no

I
século XX com seu~ .exérci~os definitivamente inco~-
porados à cena política, sejacomo fatores predomi-
nantes, seja como árbitros poderosos. Há, como se
vê, um largo pano de fundo histórico para explicar
OS SENHORES DO POVO

por que, em 1971, um oficial recém-saído da escola


militar, como o peruano que citamos, considere as
Acontece, então, a depressão de 1930. Ás gran-
estrelas de general-de-divisão como o estágio preli-
des potências se debilitam, a dependência em relação
minar para chegar à Presidência da República. \ a elas se enfraquece em certa medida, e os países
periféricos - entre os quais os da América Latina
ocupam, como acontece até hoje, um lugar que se
poderia chamar de "classe média", se comparado ao
de africanos e asiáticos - conseguem um certo espa-
ço para ensaiar experiências autônomas ou, no mí-
nimo, de barganhar com os países centrais. Simulta-
neamente, surge a necessidade - decorrente da Se-
gunda Guerra Mundial - de promover a indústria-
j li~ação sub.stitutiva das ~~portações que já não p~-
diam ser feitas coma facilidade de antes.
O crescimento para fora, marca registrada da
região no período neocolonial, é substituído, ao me-
nos parcialmente, pelo crescimento para dentro. Es-
sa evolução econômica impõe, no ferre no político, a
necessidade de estender' a participação a faixas cada

li
20 Cl6vis Rossi Militarismo na América Latina II

vez mais amplas da população. No interior dos exér-


citos, de outra parte, acentua-se o processo de profis-
sionálização, que será um elemento fundamental na
conduta sócio-política das Forças Armadas depois da
Primeira Guerra Mundial.
De fato, a partir da primeira década do século,
a conduta dos exércitos já não é tão linear na defesa
do status quo e na fÚnção de guarda pretoriana das
oligarquias dominantes. Começa um peno do até cer-
to ponto errático, em que convivem experiências em
' nada diferentes das dos primeiros anos pós-indepen-
dência, com tentativas reformistas que, em muitos
casos, têm até tinturas revolucionárias. O tenentismo

I A
no Brasil talvez seja o melhor exemplo deste segundo
, curso de ação. .
crise de 29/30 atuará como catalisador e dará 1I1
t origem ao fenômeno chamado de populismo, no qual
o papel dos militares será igualmente saliente, mas
diferente do que exerceram, com uma ou outra exce-
ção, no primeiro século pós-independência. Getúlio
Vargas, no Brasil, e Juan Domingo Perón, na Argen-
tina, encarnam melhor que ninguém os caudilhos
populistas dessa época. E ambos chegam ao poder
com o apoio de fortes setores do Exército.
Os movimentos populistas são polic1assistas e
contraditórios. Suas disputas internas são arbitra-
das pelo caudilho, que, ao mesmo tempo em que
impulsiona a participação popular, assume atitudes
autoritárias e/ou paternalistas. Fazem concessões -
às vezes importantes -ao capital estrangeiro, contra
o qual, no entanto, esbravejam verbalmente, trans- Perén e Getúlio: participação popular e autoritarismo.
22 Cl6vis Rossi Militarismo na América Latina

formando-o em seu melhor alvo oratório. Da mesma . oligarquias tradicionais. Foi uma experiência inevi-
forma, atacam e irritam a velha oligarquia de pro- tavelmente traumática e desse trauma nem todos os
prietários da terra, embora não afetem seus inte- exércitos latino-americanos se recuperaram até ago-
resses essenciais. Em troca, nacionalizam aspectos- ra. O caso argentino é, desse ângulo, o mais ilustra-
chave da economia, dão toda a proteção possível ao tivo: o setor tradicionalista do Exército rebelou-se
desenvolvimento industrial e promovem - ou ten- contra Perón e o depôs em 1955, após dez anos de
t~m fazê-lo - uma distribuição menos injusta das governo. Nos dezoito anos seguintes, o peronismo
I nquezas.
Em resumo: diagnosticam bem as causas dos
esteve proibido, o uso de seus símbolos e cânticos era
motivo de prisão, e o próprio Perón vagou pelo exílio
problemas que afetam o subcontinente, ligando-os à em diferentes países. Mas, em 1973, voltou ao poder,
dependência. Mas não adotam os remédios conse- nas primeiras eleições em que pôde participar aber-
qüentes, ou seja, as reformas estruturais capazes de tamente depois de 1955, para seu sucessor ser derru-
romper a dependência e deslocar o poder político lbado uma vez mais em 1976. E os militares que então
para as maiorias. assumiram o poder vêem o peronismo de maneiras
O populismo foi (provavelmente ainda o é) um bastante distintas: o brigadeiro Julio César Porcile,
componente essencial da vida política latino-ameri- ministro do Trabalho do governo do general Roberto
cana depois da Segunda Guerra. E foi encarnado, Eduardo Viola, chegou a afirmar que o "peronismo
algumas vezes, por chefes militares que, sem se des- defende a mesma bandeira que eu". Mas os oficiais
prender do autoritarismo inerente à sua própria for- da reserva, em jantar comemorativo da data nacional
mação, estenderam a participação política a setores argentina, no ano de 1981, pediram ao então presi-
sociais até então totalmente marginalizados. Em ou- dente Viola uma nova proibição do peronismo.
tras palavras: souberam entender o inexorável avan- Traumas à parte, a era populista consolida o
ço histórico e não funcionaram como diques de con- ingresso das classes médias no cenário político, ainda
tenção a essa participação, tentando, naturalmente, que em posição, no geral, subordinada. Marca a
canalizá-Ia e aproveitá-Ia em seu próprio favor. ascensão da burguesia nacional, que o populismo
Perón e Vargas foram os arquétipos mais notá- associa às estruturas de poder, não obstante o visível
veis desses líderes populistas, mas não foram os úni- temor que ela revela quanto ao avanço da classe ope-
cos. E é significativo que o Exército tenha passado rária e as reservas que mantém em relação à estati-
pela experiência de ver alguns dos seus homens con- zação de setores fundamentais da economia. E assi-
duzirem movimentos e governos que se afastavam do nala o princípio de participação 'também das massas
padrão de predomínio absoluto e indiscutido das assalariadas na política, fato que vai colocar os dile-
24 Clôvts Rossi

mas que ainda hoje marcam a vida dos países latino-


.1 americanos: como incorporar as grandes massas ao
processo democrático ante a resistência das novas
elites que não querem compartilhar o poder e, muito
menos, as riquezas que virtualmente monopolizam?
Para as Forças Armadas, representa também o
período em que elas sofrem o impacto das diversas
correntes de opinião, tentadas inevitavelmente a
atraí-Ias cada uma para seu próprio projeto, cons-
cientes do histórico papel de árbitro que os homens OS SENHORES DE TUDO
em armas sempre representaram no subcontinente.
Nesse período, consolida-se, igualmente, a dife-
rença entre a América do Sul e a Central, mantida
esta ainda no esquema do século passado, com a A experiência populista entra em colapso a par-
única exceção da Costa Rica. tir dos anos 50, ante a notória incapacidade de supe-
rar suas contradições e limitações e ante a descon-
fiança dos setores mais tradicionalistas dos exércitos.
~ Desconfiança que se mantém mesmo depois da que"
da dos governos populistas, traduzida no poder de
veto que assumem as Forças Armadas em relação a
determinadas figuras políticas de inquestionável pres-
\ tígio eleitoral. Éo caso, já citado, de Perón na Ar-
, gentina, mas é o caso também do peruano Victor
Raul Haya de Ia Torre, criador da Aliança Popular
Revolucionária Americana (APRA), ou Partido A-
prista, que nunca conseguiu chegar ao poder, pela
via eleitoral, porque assim o impuseram os homens
em armas.
A crise final do populismo coincide com o início

jr
i
f da chamada "guerra fria", entre as duas superpo-
tências (Estados Unidos e União Soviética), e com
26 Clóvis Rossi Militarismo na América Latina 27

.,
um acelerado processo de internacionalização da ~.n derosa: a Doutrina Truman (do presidente norte-
1 economia. Para a América Latina, a "guerra fria"
terá como conseqüência uma drástica mudança de
~ americano H. Truman), que, livremente interpre-
tada, significava que, "cada vez que o status quo
enfoque da diplomacia norte-americana, ante a com- fosse questionado, em qualquer parte do mundo,
provação de que uma agressão comunista externa no cada vez que surgisse um governo desfavorável aos
seu "pátio traseiro" ou uma guerra total e direta Estados Unidos, ou suscetível de se tornar desfavo-
contra a URSS era altâmente improvável. Consoli- rável, seria necessário ver nisso o espectro da guerra
da-se, assim, a teoria da guerra limitada, dentro da fria, a presença do dedo de Moscou" (cf, padre Jo-
qual se dá a maior ênfase à chamada "guerra anti- seph Comblin, in A Ideologia' da Segurança Na-
subversiva" . cional). '
A mudança do conceito de guerra passa a exer- 4 O terrível dessa doutrina é que ela enxerga em
cer um papel-chave: se antes as armas eram o instru- ~tudo uma manifestação de "guerra subversiva". Co-
'
mento essencial de luta, agora ela se trava em todos t mo diz o padre Comblin no livro citado: "Já que não
os planos - militar, político, econômico, psicoló- . há nenhuma diferença entre subversão, crítica, opo-
gico. E o confronto armado propriamente dito pode sição política, guerrilha, terrorismo, guerra, já que
. ser até evitado. De outro lado, o adversário perde a , tudo isso é manifestação de um único fenômeno, a
'característica física, localizável (como o foi a Argen-" -guerra revolucionária, a Inteligência consiste em
1 tina para o Brasil e vice-versa, ou o Chile para o Peru criar uma rede abstrata de relações entre a suposta '
1k e vice-versa), e se transforma num "monstro" tenta- guerra revolucionária e qualquer indício de descon-
cular e informe: o movimento comunista interna- tentamento por parte do povo".
cional. < Doutrina válida internacionalmente, a ideologia
Nasce a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), de Segurança Nacionaljvai fazer a sua entrada na
que incorpora elementos de duas origens distintas. cena latino-americana pela via da Escola Superior de
Um deles surge de um grupo das Forças Armadas Guerra (ESG) do Brasil, criada em 1949, nos moldes
francesas chamado Cité Catholique, que proclamava de dois institutos norte-americanos: oU. S. Industrial
vnl, que a revolução de 1789 era a origem de todos os Colle~ of tRe ArmedForces e o National War Col- '
males do presente, o que tornava indispensável lutar legc/ComPlementarmente, os americanos enviam ao
contra todas as idéias dela surgidas e contra todos os Brasil uma missão especial de assessoramento que
seus "filhos", liberais ou socialistas, radicais ou / permanece no país desde 1948'até 1960./
comunistas, De guerra, a ESG-na verdade tinha muito pou-
Segunda fonte geradora - mais concreta e po- co, ao menos se entendida a guerra no seu sentido

V'f\,cr,. It'- ~ J.\ L~N ,(..~ ,~


28 CI6vis Rossi Militarismo na América Latina 29
.,
convencional. Tanto assim que, em 1966, apenas 24 nal, e que tem como objetivo-chave a eliminação
horas de aulas eram dedicadas ao estudo da guerra da subversão.
convencional, contra 222 horas de aula sobre segu- "3 - A confiança e a convicção que vão adqui-
rança interna e 129 horas de aula sobre a luta anti- rindo como instituição, à medida que conse-
guerrilheira. Além disso, a ESG buscou, claramente, guem coesão interna, não obstante as diversas
a formação de uma elite civil-militar, incorporando frações, de que podem, apesar de ser militares,
sistematicamente os nã~ militares a seus cursos: en- também exercer o poder político. E
tre 1950 e 1967, a Escola graduou 1267 pessoas, das "4 - As condições em que se encontra a socie-
quais 646 (mais da metade, portanto) eram empre- { dade dos países em referência, como produto
sários, altos funcionários públicos (civis), juízes e
profissionais em geral.
A Escola Superior de Guerra desempenhou tam-
I dos erros (( incapacidade do governo civil, das
contradições entre as novas estruturas de classes
I em ascensão, das novas variantes do capitalismo
bém um papel fundamental na conscientização das J. mundial e da estratégia dos Estados Unidos".
Forças Armadas (e da elite civil que participava de
seus cursos e irradiava, depois, suas teses nos seus Esse conjunto de fatores vai coincidir com a
ambientes profissionais e/ou políticos) para a sua crise final do populismo, o que leva as Forças Arma-
importância. como "construtora da Nação" - um das (primeiro no Brasil e depois em sucessivos países
termo também nascido nos Estados Unidos ination- do subcontinente) a dar um passo decisivo: aban-
bui/ding). Esse novo papel- que logo transbordará donam o papel de árbitros, ou "Poder Moderador",
para a tomada do poder de forma institucional - que exerceram ao longo de muitos anos pós-indepen-
surgiu das seguintes bases, conforme as alinha José dência, para se lançarem, institucionalmente, ao
Lorenzo-Perez, professor da Universidade Central da Poder. Todo o Poder, com seus sócios civis, as elites
Venezuela: eformadas, JIO caso do Brasil, na Escola Superior de
Guerra. .
"1 - O nível de capacitação que adquiriram Com o golpe de Estado de 1964, contra o go-
nas escolas e centros de' formação, com uma vemo João Goulart, começa a terminar uma etapa do
programação orientada para o desenvolvimento I militarismo latino-americano assim descrita pelo ci-
e o conhecimento da realidade sócio-econômica tadO Lorenzo Perei:
de seu respectivo país.' .
"2 - A ideologia que se estabelece ese desen- "Na etapa na qual domina a oligarquia tradi-
. volve.icom a denominação de Segurança Nacio- . cional, observa-se como os governos militares
\
30 Clóvis Rosa;

atuam para defender os interesses criados das


classes dominantes e para impedir a ascensão
) das classes populares, enquanto o poder civil
adota um comportamento que podemos situar
\ em dois níveis: 1) quando estão no poder poli-
j tico, utilizam os militares como fator de equilí-
brio ou de arbitragem para solucionar as contra-
, dições que se apresentam na luta pelo poder, e
I para fortalecer e consolidar as forças econômi-
~ OS SENHORES DA DOUTRINA
cas; 2) quando estão na oposição, trabalham
(
, incessantemente para que os militares derrubem
o governo constitucionalmente estabelecido e
, lhes proporcionem oportunidade para assumir
\ ou recuperar o poder político". Ao assumirem o poder no Brasil, em 1964, as
Forças Armadas não implantam, de imediato, o sis-
tema institucional decorrente da DSN. No principio,
e até o Ato Institucional n? 5, de 13 de dezembro de
1968, parecia apenas mais um dos incontâveis golpes
, de Estado que a região conhecera em sua história.
'Ou seja, o Exército de novo funcionando como ârbi-
tro entre as elites e como barreira intransponível para
o alargamento da democracia às camadas populares
\ marginalizadas.
A partir do AI-S, entretanto, o regime brasileiro
se transforma na até então mais acabada caracteri-
zação concreta da Doutrina de Segurança Nacional,
tal como o conceito era exposto' na Escola Superior
de Guerra: -

"Segurança Nacional é o grau relativo de garan-


tia que, através de ações políticas, econômicas,
Jr
32 Cl6vis Ross. Militarismo na América Latina 33

psicológicas e militares, um Estado pode pro- nente. E é evidente a satisfação com que os setores
porcionar, em uma determinada época, à Nação 'conservadores da sociedade norte-americana rece-
sobre a qual tem jurisdição, para a consecução e bem a presença institucional dos militares no poder,
salvaguarda dos objetivos nacionais, apesar dos como se pode aferir pela seguinte frase de Robert
antagonismos internos ou externos existentes ou McNamara, então secretário de Defesa, referindo-se
previsíveis" . à importância do treinamento de oficiais latino-ame-
ricanos nos Estados Unidos:
Essa parte final - "apesar dos antagonismos
internos (... ), existentes ou previsíveis" - é a chave "Esses oficiais são os futuros dirigentes de seus
que vai explicar o fantástico mecanismo repressivo povos, os homens que têm conhecimento e os
que seria montado nos anos subseqüentes e que per- transmitem às suas próprias Forças. Não é ne-
dura até hoje. Amparados por essa doutrina, os mili- cessário que insista na utilidade 'de contar, nas
tares tomam o poder institucionalmente e não mais posições-chave, com homens que sabem, por ex-
como árbitros que, a curto ou médio prazo, devol- periência, como fazem as coisas os norte-ameri-
viam o poder aos civis. Agora, já não se fala de canos e como pensam. A amizade desses ho-
prazos, mas de objetivos a atingir, ao mesmo tempo mens tem um valor inapreciável".
em que se implanta e consolida uma política econô-
mica que conduz a uma maior concentração de ri- Essa análise, que coloca o centro da questão nos
, quezas e a uma maior penetração das empresas mul- stados Unidos, menospreza demais, entretanto, a
tinacionais, por meio de investimentos e influência 'influência de fatores internos que, na maior parte
crescente no processo de tomada de decisões. Esse das vezes, acabam por desempenhar papel decisivo
tipo de política tem um custo social inevitável, que se ara a instauração (ou queda) dos regimes militares.
traduz na alienação crescente de apoios ao regime Seja como for, 1964 marca um claro divisor de
dominante, levando à acentuação dos mecanismos águas e o início de uma fase em que se busca supri-
repressivos, que cuidam de vincular qualquer dis- mir (inclusive fisicamente) toda oposição de qualquer
senso ao comunismo internacional. natureza ao regime implantado. Diz, por exemplo, o
/l'ara inúmeros estudiosos, os regimes baseados . uruguaio Vivian Trias: "O anticomunismo, em seu
na 'bSN não passam de um diab6lico invento norte- sentido mais abrangente, que inclui no mesmo saco
americano, na medida em que a doutrina nasceu nas desde o reforrnismo de um sindicato até o terrorismo
escolas militares dos Estados Unidos e se propagou foquista, será o cimento' que melhor ligará as Forças
depois às instituições castrenses de ensino do conti- Armadas com a burguesia transnacíonalízada",
34 Clóvis Roasi Militarismo na América Latina 35

Monta-se, então, um fantástico aparelho repres ..


sivo, que, no caso particular do Brasil, é implemen-
tado a partir de 1970, no governo do general Emílio
Garrastazu Médici. O pretexto é a necessidade de
unificar as distintas organizações policiais e militares
que então combatiam os grupos de guerrilha rural e
urbana.
-- Pelo Plano de Segurança Interna de 1970, o
Brasil foi dividido em áreas de seguran~a interna,
tendo em cada uma delas um CODI (Centro de 0pe-
rações de Defesa Interna), sob a chefia do coman-
dante da grande unidade do Exército naquela área.
Essas áreas, cujo número é mantido em sigilo, não
correspondem, necessariamente, às áreas de compe-
tência dos quatro Exércitos e dois comandos mili-
tares do país. A 4!l Região Militar, que abrange
Minas Gerais, por exemplo, é responsável por uma
área de segurança interna e possui um CODI, apesar
de estar subordinada, a nível operacional, ao I Exér-
cito, com sede no Rio de Janeiro.
O chefe do CODI, em cada área de segurança, é
o chefe do Estado-maior da grande unidade da re-
.., gião. O CODI coordena as atividades anti-subver-
. sivas da área em que opera, centralizando as ações e ~(" F'
informações obtidas pelas 2!ls Seções (Informações)
do Exército, Marinha e Aeronáutica e Polícias Mili-
tares, Civil e Federal. Para a ação prática :- proces-
samento de interrogatórios, busca e apreensão -, o
CODI tem sob seu comando o Destacamento de Ope-
rações Internas (DOI), que podem ser vários em uma
mesma área de segurança. Além disso, os serviços
36 Clôvis Rossi Militarismo na América Latina 37
~1
secretos das três Armas (o CIEX, do Exército; o dia determinado, foram presos por algum organismo
CISA, da Aeronáutica; e o CENIMAR, da Marinha) repressivo e nunca mais se ouviu falar deles.
também operam na coleta de informações e nas ações o Acima desse mecanismo brutal de aniquila-
práticas, por meio de seus setores operacionais. mento físico das oposições, funcionava um sistema
Completam o sistema o Serviço Nacional de Infor- legal igualmente absolutista, que conferia ao Execu-
mações e suas agências regionais, funcionando como tivo poderes totais. O Ato Institucional n? 5 é o
uma espécie de gigantesco banco de dados, e as exemplo mais acabado desse tipo de poderes, mas
Divisões de Segurança, obrigatórias em todos os Mi- não o único. Havia, ainda, a Lei de Segurança Na-
nistérios e autarquias públicas - e sempre chefiadas cional e uma Lei de Imprensa igualmente restritiva.
por um militar. Aos poucos, o Brasil deixou de ser o foco gera-
Calcula-se que cerca de duzentas mil pessoas Ii dor da Doutrina de Segurança Nacional no subcon- _
estão (ou estiveram, nos períodos mais agudos da tinente, à medida que mais e mais regimes dessa
repressão) envolvidas com o sistema de segurança, natureza implantavam-se nas vizinhanças. A seqüên-
cuja eficiência pode ser medida pelo fato de que, em cia é bastante clara: em 1971, a Bolívia cai sob o
1974, já estavam extintas ou tinham sua cúpula no governo do general HugoBánzer Suárez, autor de
exterior todas as 63 organizações clandestinas de um golpe claramente estimulado e financiado pelo
esquerda que chegaram a atuar no país. Até o Par- Brasil. Em 1973, é a vez de Uruguai e Chile. Em
tido Comunista Brasileiro (PCB), pela primeira vez 1976, a Argentina. O Paraguai, controlado desde
em sua história de meio século, viu-se forçado a 1954 pelo General Alfredo Stroessner, uma espécie
retirar do país o seu Comitê Central inteirinho, com a de precursor artesanal dos regimes de Segurança
óbvia exceção daqueles que foram mortos pela re- Nacional, acentua os mecanismos repressivos. Chega
préssão. um momento, com o golpe militar na Argentina (24/
Os resultados dessa "eficiência": duzentas mil 3/76); em que, dos dez países de colonização hispâ-
fichas de elementos supostamente de esquerda cata-I j' nica da América do Sul, oito estão sob governo mi-
logadas, milhares de prisões e processos na Justiça litar. E, das duas exceções (Colômbia e Venezuela), a
Militar, cerca de 300 mortes de militantes de es- primeira transita por um caminho de crescente mili-
querda - da guerrilha ou não - e aproximada- tarização do poder, como o demonstra o fato de que
mente 60 "desaparições", essa estranha categoria viveu 30 dos últimos 33 anos sob estado de sítio.
criada pela Doutrina de Segurança Nacional. Desa- É óbvio que essa disseminação dos regimes mili-
-parecidos são aqueles que não estão nem vivos nem \I tares era favorecida pelos cursos que a elite latino-
L-
mortos, dos quais tudo o que se sabe é que, em um ~
11 americana fazia nos Estados Unidos, onde aprendia

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38 CI6vis Rossi

a essência da DSN. De fato, segundo os dados do


livro The Pentagon 's Protégés , editado pela NACLA,
grupo de defesa dos direitos humanos norte-ameri-
cano, 71 651 militares latino-americanos haviam pas-
sado por alguma das escolas castrenses dos Estados
. Unidos, até fins de 1975. Só a Escola' das Américas,
na Zona do Canal do Panamá, formou, em 14 anos,
33147 militares latino-ámericanos. Um de seus esta-
giários foi o atual presidente do Chile, general Au-
gusto Pinochet Ugarte,
OS SENHORES DAS' LEIS

Fechar o Parlamento, intervir na maioria das


organizações sindicais, dissolver as centrais nacio-
nais de trabalhadores, suspender ou congelar os par-
tidos políticos, arquivar as urnas. Esse é o receituário
comum dos regimes militares inspirados na Doutrina
de Segurança Nacional, embora possa conhecer va-
riações de país para país, ou, mais comumente, de
região para região. Por isso mesmo, convém exa-
minar as peculiaridades da forma como os militares
exercem o poder, dividindo-as, grosso modo, em três
grandes blocos.
1 -' O modelo sul-americano. Na Argentina
após 1976, no Uruguai e no Chile, depois de 1973, na
Bolívia quase ininterruptamente, no Peru, de 1968
até 1979, no Equador, de 1971 a 1978, aplicou-se um
conjunto de normas mais ou menos semelhantes: os
partidos políticos foram dissolvidos ou mantidos em
Jt hibernação; as atividades sindicais foram colocadas
40 Clôvis Rossi Militarismo na América Latina 41

sob o mais rigoroso controle (Argentina, Chile e Uru- " res forças políticas dó país - fica em hibernação,
guai dissolveram as poderosas centrais existentes no proibida de renovar suas autoridades, de realizar
momento do golpe militar); as eleições, em qualquer reuniões, de fazer política, enfim. Mas são autori-
nível, foram adiadas para um futuro absolutamente zadas a manter uma vida vegetativa que pode, até,
indefinido; o Parlamento transformou-se em peça de transformar-se em muito ativa, à medida que o regi-
museu. _ me' militar desgasta-se e suas leis começam a ser
Essas normas gerais admitem, entretanto, va- crescentemente desobedecidas.
riações importantes no interior de cada regime! Na No terreno sindical, modificou -setoda a estrutura
Argentina, no Uruguai, no Equador, adotaram-se vigente até 1976, proibindo-se, por exemplo, a exis-
regimes impessoais, em que o poder reside numa _tência de conf~e sindjÇitos - o que repre-
Junta Militar cuja composição modifica-se segundo sentou um golpe claramente dirigido à Confederação
os regulamentos castrenses. Desapareceu, efetiva- Geral do Trabalho, CGT, que chegou a ter, sob os
mente, a figura do ditador unipessoal. A Argentina governos peronistas, notável influência política. Os
é, -a esse respeito, o exemplo mais bem acabado: os sindicatos mais importantes ficaram sob intervenção
regulamentos do chamado Processo de Reorgani- militar.
zação Nacional outorgam à Junta Militar - formada No Uruguai, buscou-se cuidadosamente preser-
pelos comandantes do Exército, da Marinha e da var as aparências: desde o golpe de 1973 até setem-
Força Aérea - um claro predomínio em relação à bro de 1981, o presidente da República foi sempre
1\ figura do presidente' da República, embora este seja, um civil (Juan Maria Bordaberry, primeiro, substi-
também, um militar graduado e saído, precisamente, tuído interinamente por Alberto Demichelli, até que
. da Junta Militar. O Parlamento foi substituído pela subiu Aparicio Mendez). O poder real residia, entre-
Comissão de Assessoramento Legislativo, na, qual tanto, na Junta de Comandantes e se estendia à Junta
predominam os' militares, mas colàboram também de Oficiais-Generais, formada por todos os generais
\
I peritos civis, como se se tratasse, efetivamente, de de mais alta graduação (ou cargo equivalente da
um Parlamento clássico. / Força Aérea e da Marinha). Para substituir o Parla-
Para, os partidos políticos, utilizaram-se duas mento, criou-se um Conselho de Estado, integrado
medidas distintas: um número relativamente redu- por incondicionais do regime e que sempre apro-
zido de agrupações preexistentes (e, reconheça-se, de vavam tudo que era encaminhado pelo poder real.
escassa penetração) foi dissolvido pura e simples- Para as ocasiões de gala, havia ainda o Conselho da
mente. A maioria das demais agremiações - 'entre, Nação, ou seja, a reunião conjunta do Conselho de
as quais o peronismo e o radicalismo, as duas maio- Estado com a Junta de Oficiais-Generais.
42 Clóvis Ross. 43
Militarismo na América Latina


Os partidos também foram, como na Argentina, (neste caso, formada excepcionalmente por quatro
divididos em dois grupos: os irrecuperáveis, do ponto membros, pois aos três tradicionais se incorporou o
de vista do regime, ficaram proscritos, enquanto os comandante dos Carabineiros, a Polícia Militar chi-
demais permaneciam apenas congelados à espera de lena), mas ela não faz sombra aos poderes absolutos
melhores tempos. No Uruguai, entretanto, levou-se de que goza o presidente, comparáveis aos de um
mais longe que em qualquer outro país a legislação monarca absolutista do século XVIII. Esse mOdelo'1
de exceção:' um dos "Atos Institucionais baixados absolutista está consagrado na Constituição que o
após o golpe de 1973 subordinava claramente o Po- regime submeteu a plebiscito (cuja legitimidade foi
der Judiciário ao Executivo, rompendo o clássico contestada até pelo Departamento de Estado norte-
esquema de três poderes, o que também aconteceu, americano), em setembro de 1980. Um de seus arti- I
na prática, nos demais países sob regime militar, sem gos transitórios, o 24, deixa a critério exclusivo do \
que, entretanto, se tivesse a coragem de pôr essa presidente da República, sem possibilidades de ape- i
violência no papel, na forma de decreto ou Ato Insti- lação, a aplicação das seguintes medidas: prender
tucional. Da mesma forma, o Uruguai inovou em pessoas até por cinco dias, em suas próprias casas ou
matéria punitiva: ficaram' inabilitados para a vida 1:"1 em locais que não sejam cárceres; restringir o direito
pública quase todos os políticos, inclusive de escalões de reunião e a liberdade de informação (esta última
inferiores, que atuavam até 1973. O número exato de
punições nunca pôde ser estabelecido, porque o Ato
li apenas quanto à criação de novas publicações); proi-
bir o ingresso no território nacional ou dele expulsar
Institucional correspondente não trazia nomes, ape- os que defendam doutrinas inaceitáveis para o regi-
nas as condições pelas quais se caía na proscrição. me; confinar pessoas em qualquer localidade urbana
, No âmbito sindical, aconteceu o mesmo que do território nacional até um prazo não superior a
ocorreria depois na Argentina: dissolução da Con-
três meses.
venção Nacional de Trabalhadores (CNT), interven- Com a nova Constituição, a Junta Militar trans-
ções em massa nos sindicatos e a elaboração de uma forma-se em Parlamento, enquanto permanecem dis-
nova lei sindical, que visa, essencialmente, atomizar solvidos todos os partidos políticos, sem exceção'
as organizações de trabalhadores. (num primeiro momento, foram dissolvidos apenas
O Chile percorreu a mesma trilha, institucio- os partidos de esquerda e de centro-esquerda, mas,
nalmente, mas o poder esteve sempre personificado mais adiante, a medida estendeu-se também à De- \
na figura do comandante do Exército que derrubou o mocracia Cristã e ao Partido Nacional, a agrupação .
governo constitucional, no caso o generalAugusto ~ conservadora que nunca escondeu sua aprovação ao
Pinochet Ugarte. Também existe uma Junta Militar golpe de 1973 contra o governo de Salvador Allende).
44 Clóvis Rossi Militarismo na América 4eB D/ FFL C 1 ,4S

No terreno sindical, as inovações foram também sindicais não são tocadas. A partir de 1975, assume,
mais radicais do que as introduzi das nos demais pela clássica via do golpe militar, o general Francisco
países: não apenas se dissolveu a CUT (Central Úni- Morales Bermudez, que mantém a retórica de es-
ca de Trabalhadores), como se atomizou de tal forma querda do governo derrubado, mas, na prática, apli-
a organização sindical que só podem existir sindi- ca uma política conservadora, com a qual vai prepa-
catos por empresa, bastando um mínimo de oito rando o terreno para a normalização instítucíonal,
associados para se formá r um sindicato. que se completa com as eleições presidenciais de
A Bolívia é um caso à parte: no primeiro período 1980. É curioso observar que o ganhador dessas elei-
de regime militar (1971-1978), havia também a dita- ções foi justamente o presidente que os militares
dura unipessoal, exercida pelo general Hugo Bânzer. haviam afastado do poder doze anos antes, o arqui-
A partir do golpe de Estado de julho de 1980, copiou- teto Fernando Belaúnde Terry. O que evidencia que
se literalmente o modelo argentino: uma Junta Mili- o congelamento das atividades políticas apenas enve-
tar, da qual sai o presidente da República, uma lhece as lideranças, sem que os partidos ou correntes
Comissão Nacional de Assessoramento Legislativo que elas representam percam suas raízes ou seus
(CONAL, uma sigla com duas letras a mais do que a votos.
sua congênere argentina), partidos proibidos, Cen- Para completar o circuito sul-americano, é pre-
• tral Operária Boliviana (COB) idem. As acesas diver- ciso citar o caso doParaguai, que pouco ou nada tem
gências entre facções militares e a vinculação de altos a ver com os demais. Nele, predomina a velha figura
oficiais das Forças Armadas com o tráfico de drogas do ditador todo-poderoso, do generalíssimo Alfredo
dão, entretanto, à situação boliviana um caráter Stroessner, que controla o país desde 1954 e, no
absolutamente original, que cabe mais em compên- momento em que escrevo, é o mais antigo ditador de
dios policiais do que em anâlises políticas. uma região pródiga em figuras do gênero. Stroessner
No Peru, o período militar (1968-1980) conhece e seu regime cabem muito mais adequadamente em
duas fases bastante distintas: na primeira, que vai umeventual capítulo sobre os senhores da guerra dos
até 1975, a figura dominante é o típico caudilho primeiros anos pós-independência ou do início do
, militar; encarnado pelo general Juan Velasco Alva- século do que no quadro atual, de presença institu-
rado, que imprime ao regime a marca das reformas cional das Forças Armadas no Poder.
sociais, algumas delas profundas, como a reforma 2 - O modelo brasileiro. A diferença essencial
~agrâria.lnstitucionalmente, entretanto, o esquema é entre a forma com que os militares brasileiros exer-
' o mesmo dos demais sistemas militares: nada de cem o poder e a de seus colegas dos países vizinhos
VJ
I partidos, Parlamento, eleiçõe~-JMas as organizações
. y . reside na manutenção permanente tanto dos partidos
Militarismo na América Latina 47
46 CI6vis Rossi

Paralelamente, os militares brasileiros foram


políticos como do sistema eleitoral e dos parlamentos mexendo na legislação à sua conveniência, introdu-
(houve, apenas, períodos relativamente breves de re- zindo, por exemplo, as eleições indiretas para os
cesso forçado das Casas Legislativas, que não alte- governos estaduais, com colégios eleitorais que ga-
ram a configuração geral). rantissem sempre a vitória aos candidatos da ARE-
Por isso mesmo, preservou-se a aparência do NA. Criou-se, até, a figura dos senadores "biônicos"
modelo democrático clássico, com o funcionamento (indicados pelo governo) ante a evidência de que, nas
dos três Poderes do Estado, ao mesmo tempo em que eleições de 1978, o MDB ganharia a maioria do
se foi atribuindo a um deles - o Executivo - uma Senado. Ê indiscutível, hoje, que a abertura dessas
soma de atributos que praticamente anulou os de- válvulas de escape político-eleitorais assegurou ao
mais, particularmente o Legislativo, transformado regime oxigênio suficiente para se prolongar no tem-
em uma mera câmara de discursos. po e se transformar no sistema militar mais sólido do
No âmbito partidário, tratou-se de adaptar o continente, admirado e copiado (canhestramente, às
sistema, decima para baixo, às necessidades do Po-
vezes) por alguns de seus vizinhos.
der. Primeiro, dissolveram-se os treze partidos exis- Na área sindical, os militares brasileiros já en-
tentes à época do golpe de 1964, criando-se artifi- contraram, ao tomar o poder, o terreno devidamente
cialmente o bipartidarismo, mantido até que se aplainado pela legislação aprovada em 1943, como
transformou em um estorvo: afinal, a antiga Aliança cópia da Carta dei Lavoro da Itália fascista. Não
Renovadora Nacional (ARENA) e o extinto Movimen- havia uma central de trabalhadores e nem os sindi-
to Democrático Brasileiro (MDB) acabaram simboli- catos tinham a força de seus congêneres chilenos,
zando, simplesmente, governo e oposição, respecti- argentinos ou uruguaios - ou sequer da COB boli-
vainente e-- com a agravante de que, a partir de 1974, viana. Bastou, então, aprovar uma legislação sobre o
a oposição recolhia cada vez mais votos. Se se manti- direito de greve, impondo restrições, para assegurar,
vesse o sistema, chegaria o momento em que ocor-
a tranqüilidade do Poder.
reria um verdadeiro "golpe eleitoral", passando a 3 - O modelo centro-americano. Nessa re-
oposição ao poder pelo caminho das urnas, o que gião, hoje uma das mais explosivas do planeta, eli-
contrariava todos os projetos do oficialisme. minou-se, em 1979, a figura do último ditador à
Recorreu-se, então, a uma nova reforma elei- antiga, ou à Stroessner, representada por Anastâcio
toral de cima para baixo, abrindo-se o leque parti- Somoza, verdadeiro dono da Nicarágua, até ser ven-
dário, como forma de fragmentar a oposição e evitar cido pela Revolução Sandinista. A morte, em' aci-
o plebiscito permanente em que cada pleito se trans- I dente aviatório, de Ornar Torrijos, líder panamenho,
formava, com desvantagem para o governo. ,
<I.
48 Cl6vis Rossi Müitansmo na América Latina 49
~
eliminou, por outra parte, um tipo de militarismo elemento incômodo às classes dominantes. :f: por isso
assemelhado ao. peruano do período Velasco Alva- que o jogo de poder acaba transferindo-se, inexora-
rado, reformista e de uma retórica esquerdista. Fica- velmente, das urnas e das tribunas políticas para as
ram apenas os regimes militares e, como notável armas. De um lado, o Exército regular e seus corpos
exceção, a Costa Rica, que dissolveu o Exército em repressivos, reconhecidos ou não como tais, e, de
1948 e goza, desde então, de estabilidade democrá- outro, agrupações guerrilheiras empenhadas na con-
tica, embora suas condições sociais não sejam radi- quista do Poder pela via armada, único caminho.
calmente diferentes das de seus conflitivos vizinhos. disponível.
Na Guaternala, Honduras e EI Salvador, os regi-
mes militares combinam características (distorcidas,
é verdade) dos dois modelos anteriormente expostos:
não há ditaduras unipessoais, mas há eleições, sem-
pre fraudadas para que vença o candidato imposto
pelas Forças Armadas. O caso de EI Salvador é,
talvez, o mais típico: as últimas duas eleições presi-
denciais foram claramente vencidas pela oposição,
.mas a fraude modificou os resultados, para que o
candidato das Forças Armadas ocupasse o Poder. Se
se soma a essa característica o fato de que se mantêm
estruturas semifeudais, entende-se rapidamente o
porquê da violência e da luta armada, escolhida, em
inúmeros casos, como única opção, ante o visível
bloqueio de qualquer evolução pacífica, por mínima
que seja.
Preserva-se apenas uma fachada - há eleições,
funcionam os partidos e o Parlamento -, mas se
exerce, na prática, urna feroz ditadura, sustentada
não apenas pelos corpos repressivos regulares, mas
também (e, não raro, principalmente) por exércitos
paraoficiais que se incumbem do trabalho sujo, da I· "
eliminação sistemática de opositores ou de qualquer
lr
~ :,
c,
- -
, i I Militarismo na América Latina 51
• , I
.."'" . 1
, I detenção ou desaparição" .
, I O desaparecimento é também uma forma de
"
repressão praticamente nova, que se soma aos méto-
dos habituais dos regimes de força - a prisão, a f
, 'f.
tortura, a morte, o banimento ou então o exílio for- I
,- çado. Trata-se, ademais, de um mecanismo que não
poupa sequer os países que preservam uma fachada
lr·, democrática, como é o caso da Colômbia, onde a
FUNDALA TIN calcula haver cerca de SOO desapa-
OS SENHORES DA MORTE 1(1
,I' recidos, ou do México, no qual, ainda de acordo com

I
,;
, a Fundação, "as desaparições são uma mancha em
»J
I sua política internacional de receber refugiados e
apoiar o Terceiro Mundo". I
.tI A maquinaria
j '~1'"\.

r
i repressiva montada no Brasil, a
partir de 1964, mas aperfeiçoada realmente de 1%8
em diante pode ter sido a precursora, mas nem de
Ê, entretanto, no chamado "Cone Sul" da Amé-
rica que a máquina repressiva armou os tentáculos
..,
;

"
' mais espetaculares e de mais contínua atividade, co-
longe é a' mais "eficiente" ou a mais sinistra. O ;1 mo se pode ver do pequeno resumo, país por país,
fenômeno repressivo tem escala continental, como se i
que se segue. .
I
I
comprovou no final de 1981, durante o congresso da Uruguai - Para descrever a situação uruguaia a
Fundação Latino-americana pelos Direitos Human.os partir do início da escalada repressiva, no limiar dos
(FUNDALATIN), cujo presidente, o ~acerdote J~- anos 70, não é preciso recorrer aos setores que fazem ,
suíta Juan Vives Suria, calcula que existam 90 m.il oposição ao governo, ou sequer às entidades de
• I·
pessoas que "nunca regressaram a seu~ !a~es, dep?~s I. defesa dos direitos humanos em todo o mundo. Basta
de serem detidas por organismos policiais <?u mili- reproduzir um trecho do "informe do Departamento
;.
/
tares " . . ., . ,
l {
! i .••
de Estado ao Congresso do~stados Unidos da Amé-
I O desaparecimento de opositores políticos ~ão e I
rica sobre os direitos humanos no Uruguai", relativo
a única forma de violência praticada pelos regimes I
LI, militares do subcontinente, mas é - diz o padre ~. ao ano de 1979:
-,
Vives - "um sistema refinado de repressão, que "
"Com as instituições democráticas em sua maio- .
semeia o medo, já que as pessoas têm medo de de- , ria suspensàs, a campanha antiterrorista foi con-
nunciar porque poderiam ser elas próprias vítimas de
l
duzida com pouco cuidado em relação aos direi-
,
J " -,
52 Clóvis Rosa; ,Militarismo na América Latina S3

tos individuais. O período de 1975e 1976caracte- ticos/população total do Uruguai é a mais elevada do
rizou-se pela supressão das atividades politicas, mundo: chegou a haver seis mil presos politicos, para
a supressão de facto dos partidos politicos, a uma população global de 2,8 milhões de pessoas. Os
proscrição de centenas de lideres políticos, seve- presos-desaparecidos são 122, quase todos eles se-
ras restrições à liberdade de informação, perda qüestrados na Argentina, em operações conjuntas dos
de independência da Justiça e intimidação dos organismos repressivos dos dois países.
advogados. Houve grande número de prisões O número de exilados é igualmente importante,
por motivos politicos e, até ultimamente, tor- pois, aos que se viram forçados a deixar o pais por
turas e outras formas de maus-tratos aos detidos motivos políticos, soma-se uma impressionante mas-
políticos durante os interrogatórios. sa de gente que escapa do estrangulamento econô-
"A campanha de 1972 e 1973 contra os Tupa- mico. A Convergência Democrática - conglomerado

I
'. maros teve como resultado sua virtual elimi-
nação e foiseguida por uma redução das ativi-
dades antiterroristas. No entanto, uma onda
mais intensa de prisões por motivos de segu-
oposicionista integrado por partidos de centro e de
esquerda - calcula que vive no exterior uma camac"
de uruguaios que corresponde a aproximadamente
um terço da população atual do pais.
11 rança começou em 1975 e chegou a seu ponto _ O relatório do Departamento de Estado mostra,
máximo em meados de 1977.' Concentraram-se claramente, que as ações repressivas se mantiveram
li nos comunistas e ativistas de extrema-esquerda, - e até se agudizaram - mesmo depois do desman-
muitos dos quais parecem ter sido presos por telamento da luta armada conduzida pelos Tupa-
participar em atividades políticas que estavam maros, o que ocorreu entre 72 e 73, antes mesmo do
constitucionalmente protegidas quando foram golpe de Estado, que formalizou o controle militar do
realizadas. Outras prisões incluem advogados, Poder. Esse fato, por si só, derruba a tese freqüen-
jornalistas, dirigentes sindicais e educadores temente esgrimida pelo regime (e' por seus seme-
com pouca ou sem aparente conexão com a polí- lhantes na região) de que as violações aos direitos
tica" . humanos não são tais, mas apenas conseqüências de
uma "guerra" contra a subversão.
,O relatório lembra, ainda, com certo sabor tec- O espírito do "guerra", de qualquer forma, se
nicista, que "o Uruguai tem uma alta porcentagem mantém, mesmo transcorridos quase dez anos da
per capita de presos políticos, com respeito à popu- "virtual eliminação" dos adversários, corno consta
lação total". Na verdade, ,o informe ao Congresso do relatório norte-americano. Nove dos principais
poderia ter acrescentado que a relação presos poli- dirigentes da organização guerrilheira continuavam,
""

Militarismo na América Latina 55


54 Clôvis. Rossi

Chile - Trata-se do único país em que se esta-


até o início de 1982, na condição. de verdadeiros
beleceu, com toda a segurança e perante a Justiça,
reféns do sistema, mantidos não nas já tenebrosas
prisões políticas, mas em quartéis do interior do país que pelo menos alguns dos milhares de presos-desa-
e em condições infra-humanas, A mulher de um parecidos haviam sido. seqüestrados e mortos por
deles - que prefere o anonimato, por motivos óbvios agentes dos serviços de segurança. Assim mesmo, e'
, apesar da identificação positiva dos responsáveis
- descreve assim a viga do marido na prisão, que
difere apenas em detalhes da dos outros oito Tupa-
mares-reféns:
~I'
.,'
li
pelos crimes, não houve sanção alguma: todos esta-
vam protegidos por uma lei de anistia decretada pelo
governo quase que exclusivamente para íavorecê-los
_..."Os presos ficam incomunicáveis, não podem (o número de opositores beneficiados pela anistia é
falar nem mesmo com os guardas. Raramente insignifican te) .
Esse comportamento do regime militar foi seve-
têm horas de recreio e, quando as têm, saem a
um pátio sempre encapuçados, mesmo quando ramente denunciado pelo jurista Felix Ermacora, in-
'"..••1<,

o sol é forte. As visitas são quinzenais e deve- cumbido pela Organização das Nações Unidas de
,'.1 investigar a situação dos direitos humanos no país:
li
riam durar uma hora, mas a duração real varia
segundo o humor dos guardas. E sempre há pelo "o governo também faltou às obrigações interna-
menos três militares entre o preso e' a visita, cionais ao respaldar os atos que conduziram à desa-
~
parição de detidos, com a aprovação do decreto de
todos com as armas apontadas. Na mesa, que
separa visitante e visitado, fica um gravador. anistia (que) se aplicou, em particular, para proteger
Em um dos quartéis por onde meu marido pas- os agentes do governo declarados culpados".
sou, a visita se fazia pelo orifício aberto na porta O estabelecimento das culpas, em vários casos
da cela. Os livros raramente chegam: As celas ocorridos em momentos e locais distintos entre si, é
são de 2 metros por 1,50, de tal forma que o por sua vez um mergulho nos meandros da violência, '
preso perde o horizonte visual. Em outro, a cela mentiras e ocultamentos que marcam a atuação dos
era um poço que se enchia de água quando organismos repressivos. Tome-se, por exemplo, o
chovia, até' a metade da perna do preso. Em caso dos cadáveres encontrados, em novembro de
r" 1978, em uma mina de cal abandonada da localidade
outro mais, o piso era de terra e se comunicava
com o esgoto. Na cela, tão pequena, há um de Lonquén, a 52 quilômetros de Santiago, a capital
balde para as necessidades fisiológicas, que, não chilena. Entre os corpos, estavam os de Sergio Adriân
raro, o carcereiro distraidamente chuta e der- Maureira Lillo e de seus filhos Sergio Miguel, José
Manuel, Segundo Armando e Rodolfo Antonio,

~c
I
ruba" .
!I' , .. :J
!,j
56 C16vis Rossi Militarismo na América Latina 57

identificados por Olga Adriana Maureira, mulher de o achado de Lonquén desmontou, tenebrosa-
Sergio Adriân e mãe dos demais. mente, a teia de mentiras: todos os Maureira exis-
Os cinco membros da família Maureira haviam tiam, nenhum passara pelo IML, todos haviam sido
sido presos na noite de 7 de outubro de 1973, 27 dias , assassinados pelos carabineros - o que se compro-
após o golpe de Estado que conduziu o general Au- vou depois, sem que houvesse sanções para os crimi-
~ gusto Pinochet ao poder. Seus captores foram os nosos, colhidos pelas malhas de uma anistia dese-
, carabineros (polícia militar chilena). Era tudo o que nhada para preservar os agentes da repressão.
se sabia até que os cadáveres foram encontrados, Depois de Lonquén, sucederam-se achados do
pois o que restou da família Maureira tentou inutil- gênero, em Caracaví, Yumbel e, principalmente, no
mente levantar a pista dos presos, esbarrando em sinistro Pátio 29 do Cemitério Geral de Santiago.
informações falsas ou contraditórias. Um segundo- Neste, das 2880 sepulturas, cerca de 300 têm uma
sargento dos carabineros disse à família que os cinco cruz com as letras "N.N.", de não identificado. In-
haviam sido conduzidos ao Estádio Nacional de San- vestigações iniciadas pela Vicaria de Solidariedad,
tiago, transformado, à época, em campo de prisio- do Arcebispado de Santiago, permitiram concluir
neiros. Mas o Serviço Nacional de Detidos negou. que os "N.N.", na verdade, eram, em boa parte,
As mentiras se alastrariam, com o tempo, até "desaparecidos", mortos pelos agentes da repressão
chegar às mais altas esferas do regime: em 1975, e enterrados no Pátio 29, de forma "maciça e irre-
Sérgio Diez, embaixador chileno junto às Nações guiar", segundo o vigário Ignacio Ortúzar.
Unidas, informava ao organismo que 64 das pesssoas Ortúzar apoiava-se em um informante cuja iden-
que figuravam nas listas de "desaparecidos" estavam tidade tinha de preservar, por motivos óbvios: "Os
mortas, "legalmente mortas", conforme atestados do cadáveres .,- contou a testemunha - eram transpor-
Instituto Médico Legal. Entre os 64, estavam três dos tados em caminhões, no interior de caixões destam-
Maureira (José Manuel, Rodolfo Antonio e Segundo pados, que levavam' dois ou três corpos cada, colo-
Armando), que, obviamente, jamais deram entrada cados em diferentes posições, uns .de boca para bai-
no IML, pela simples razão de que seus corpos esta- xo, outros de boca para cima; apresentavam sinais de
vam enterrados na mina de cal de Lonquén. impactos de bala, alguns estavam mutilados (sem
Para o embaixador chileno,' um quarto Mau- ,alguma extremidade ou a cabeça). Eram enterrados
reira (Sérgio Adriân) simplesmente não existia. Era em fossas de terra, dois ou três por fossa, nus, às
- como outros - apenas uma combinação de nome vezes com a roupa ao lado" .
e sobrenome falsos, que não figuravam nos registros Esses diferentes episódios foram reduzindo o
de identificação. número de chilenos incluídos nas listas de desapa-
I" =":"1·-- ~
Militarismo na América Latina 59
58 C16vis Rossi

apenas seis horas depois de ter sido libertado, por


recidos elaboradas pela Vicaria de Solidariedad, que causa dos golpes e torturas recebidas durante os dez
chegaram a registrar 615 nomes. Um trabalho pa- dias em que permaneceu em um cárcere secreto,
ciente e cuidadoso dos advogados da organização junto a sua companheira Cecília Alzamora.
católica permitiu a publicação de sete livros contendo No ano seguinte, quatro dirigentes políticos (o
a história, detalhada, minuciosa, de cada um dos democrata-cristão Jaime Castillo, o social-democrata
casos de desaparecimento - com abundantes provas
de que todos os, 615 lfaviamsido seqüestrados por
agentes dos organismos de repressão, que os fizeram
I,~ Orlando Cantuarias, o socialista Carlos Briones e AI-
berto Jerez, da Esquerda Cristã) eram deixados ape-
nas com a roupa do corpo na fronteira com a Argen-
desaparecer. tina, expulsos do país pelo simples crime de terem
É por situações como essa que o jurista Felix t apoiado uma petição da Coordenadoria Nacional
Ermacora apontou claramente em seu relatório à Sindical por melhorias salariais e outras reivindi-
ONU: "O Chile deixou de cumprir as obrigações cações dos trabalhadores. A Jerez, foi, inclusive, ne-
internacionais impostas pelos tratados e pelo Direito gada autorização para voltar ao país por alguns dias,
Internacional em geral" . apenas para acompanhar a,agonia de sua mãe grave-
Mas as desaparições não encerram o quadro mente enferma. Jerez sequer pôde assistir ao sepul-
repressivo: a partir do golpe de 73, calcula o relatório I~ tamento.
de Ermacora, entre 40 e 50 mil pessoas foram presas, Alguma surpresa no fato de que, ano após 'ano,
5500 das quais continuavam detidas um ano depois desde 1973, a Comissão de Direitos Humanos da
., do pronunciamiento militar. A INCAMI - organi- Organização das Nações Unidas condene o Chile?
zação católica para migrações ~ estimou, em 1977,
em um milhão o número de chilenos que se viram
t Argentina - Ao chegar a Montevidéu, em 22 de
forçados a deixar o país por motivos políticos ou I outubro de 1975, para participar da Xl Conferência
econômicos - ou seja, um décimo da população
dos Exércitos Americanos, o general Jorge Rafael
Videla, então comandante do Exército argentino,
I!
total. anunciou profeticamente: "Se for preciso, na Argen-
Como no Uruguai, as violências prosseguem, I'
Il tina deverão morrer todas as pessoas necessárias
apesar dos oito anos já transcorridos desde o golpe: para lograr a segurança do país" .
ainda em 1980, dezenas de pessoas continuavam Quando a frase foi pronunciada, a Argentina já
sendo detidas e levadas a locais secretos por ele- estava sob estado de sítio, do qual jamais sairia nos
mentos da repressão. Uma dessas pessoas, o estu- anos subseqüentes, e começava um morticínio em
dante de jornalismo José Eduardo Jara Aravena, 28 massa, que, seis anos depois, levaria até uni fleumá-
anos, não voltou jamais: morreu de parada cardíaca,

--ii
~
60 Militarismo na América Latina 61

tico e conservador nobre inglês, o visconde de Col-


ville, a afirmar que nesse país se praticava "uma
violação em grande escala aos direitos humanos"
(durante debate na Comissão de Direitos Humanos
da ONU; em fevereiro de 1981).
E, de fato, as cifras e testemunhas sobre a tra-
gédia argentina são impressíonantes. Basta dizer
que, ao se reunir em Genebra, em fevereiro de 1981,
um grupo especial das Nações Unidas para o pro-
blema dos desaparecidos anunciou ter recebido de-
núncias detalhadas sobre '13 mil casos - dos quais,
entre sete e nove mil (sempre mais da metade, por-
tanto), correspondiam à Argentina. A Organização
dos Estados Americanos, por intermédio de sua Co-
missão Interamericana de Direitos Humanos, chegou
a cifras parecidas, em sua inspeção in loco de meados

I
de 1979: pouco mais de seis mil desaparecidos. Mas
as organizações internas de direitos humanos cal-
~ culam que o número real facilmente quadruplica
essa cifra e chega a 25 ou 30 mil. .
Se nem todos estão devidamente registrados e
documentados, é exatamente pelos fatores apontados
pelo padre Vives Suria, da FUNDALATIN: "as pes-
soas têm medo de denunciar porque poderiam ser
elas próprias vítimas de detenção ou desaparição".
, .E não se trata de um medo paranóico: na lista
de desaparecidos, figura uma das "Madres de Plaza
j de Mayo", o grupo de parentes dos desaparecidos
que, todas as quintas-feiras às. lSh30, se reúne nessa
praça, em frente ao Palácio do Governo, para exigir
que as autoridades esclareçam a situação dós desa- General Videla.
62 Clóvis Rossi
Militarismo na América Latina 63

parecidos. O grupo, como tal, nasceu em 1977, a


permanência dos asilados configura um aten-
partir do momento em que as mães foram desco-
tado à sua liberdade pessoal, o que constitui
brindo que seus esforços isolados em busca de infor-
verdadeira penalidade. (N. do A. - No prin-
mações sobre os filhos esbarravam no mais-absoluto
cípio de 1982, restava apenas um asilado refu-
silêncio oficial. Silêncio que se mantinha até o início
giado em embaixada estrangeira, a do México,
de 1982.
na Argentina. Trata-se de Juan Manuel Abal
A ação das "Madres" transformou a questão
Medina, que já é o recordista de todos os tempos
dos desaparecidos em um tema permanente, seguido
na América Latina em permanência numa sede
com atenção também em outros países. Mas a situa-
diplomática estrangeira sem obter o correspon-
ção dessas pessoas não esgota as violações aos direi- ,
dente salvo-conduto.)
tos humanos praticadas na Argentina, antes,. du-
"c) O direito à segurança e à integridade pes-
I rante e depois do golpe de 24 de março de 1976. A soal, mediante o emprego sistemático de tortu-
lista inclui também, segundo o relatório da Comissão
ras e outros tratamentos cruéis, inumanos e de-
Interamericana de Direitos Humanos, após a inspe-
gradantes, cuja prática se revestiu de caracte-
ção feita in loco, as seguintes violações:
rísticas alarmantes.
"d) O direito à Justiça e a processo regular, em
"a) Ao direito à vida, porque pessoas perten-
razão das limitações que encontra o Poder Judi-
centes ou vinculadas a organismos de segurança
cial para exercício de suas funções, da falta das
do governo deram morte a numerosos homens e
devidas garantias nos processos ante os Tribu-
mulheres depois de sua detenção.
nais Militares e da ineficácia que, na prática em
"b) O direito à liberdade pessoal, ao se haver
geral, demonstrou ter na Argentina o recurso de
prendido e colocado à disposição do Poder Exe-
habeas-corpus . Tudo isso é agravado pelas sé-
cutivo Nacional numerosas pessoas de forma in-
rias dificuldades que encontram para exercer
discriminada e sem critério de razoabilidade, e
seu ministério os advogados defensores dos pre-
ao haver-se prolongado sine die a prisão dessas
sos por motivos de segurança ou ordem pública,
pé$soas, o que constitui uma verdadeira pena-
alguns dos quais foram mortos, desapareceram
lidade; esta situação se viu agravada ao se res-
ou se encontram encarcerados por se haverem
tringir e se limitar severamente o direito de op-
encarregado de tais defesas".
- ção (para deixar o país) previsto no Artigo 23 da
Constituição, desvirtuando a verdadeira finali-
O relatório aponta ainda as limitações à liber-
.dade desse direito. Igualmente, a prolongada
dade de opinião, expressão e informação, "a promul-
64 CI6vis Rossi Militarismo na América Latina 6S

gação de estatutos legais que vulneram direitos da ' (14%) dos presos pode ser descrito como subver-
classe trabalhadora", a suspensão dos direitos polí- sivos", diz um trabalho elaborado em 1977 e entre-
ticos e "injustificados obstáculos" para que as enti- gue pelo então secretário de Estado, Cyrus Vance, ao
dades de direitos humanos cumpram seu trabalho. presidente Jorge Rafael Videla.
Dois anos depois desse relatório, sete entidades 1/ Também quanto aos desaparecidos, o relatório é
argentinas de direitos humanos - inclusive o Serviço Ij esclarecedor: "Sabe-se que estes números oficiais
Paz e Justiça, do Prêmio Nobel da Paz 1980, Adolfo (sobre baixas verificadas nos choques entre as 'forças
.,.1 ~ Perez Esquivel- apresentavam ao então presidente, de segurança e supostos guerrilheiros) incluem uma
-11 ,general Roberto Eduardo Viola, um memorial que alta (60%) proporção de pessoas assassinadas pelas
deixava evidente que a situação não se modificara forças de segurança em situação outra que não os
essencialmente: os pedidos das sete entidades esta- choques militares, incluindo-se aí execuções de pri-
vam centrados precisamente nas mesmas restrições sioneiros políticos depois de serem presos, pessoas
apontadas pela CIDH. A rigor, a única coisa que assassinadas durante ou como conseqüência de tor-
mudou na Argentina, desde o negro quadro traçado . turas, pessoas executadas depois dos interrogatórios
pela Comissão da OEA, foi a diminuição, até a vir- .

'
\ tual extinção, dos casos de desaparecimentos.
\
.
ou depois de terem sido identificadas como membros
de organizações subversivas, enganos, pessoas mor-

I
Para justificá-los, o governo militar alega que tas acidentalmente pelos órgãos de segurança em
travou uma "guerra suja" cont~a o terrorismo e que, . operações anti-subversivas".
na guerra, acontece de tudo. E uma argumentação Essa descrição ajuda a entender por que o nú-
fortemente contestada pelas entidades de direitos hu- ' .mero de presos políticos na Argentina é, em compa-
manos, que contra-atacam: a esmagadora maioria . ração com os casos já vistos, relativamente baixo: os
dos desaparecimentos não ocorreu em combates ou adversários foram eliminados fisicamente, em vez de
choques com as Forças Armadas, e sim nas casas, serem detidos. De acordo com os números do Minis-
~ lugares de trabalho ou vias públicas - onde contin- tério do Interior, responsável pela ordem pública,
gentes bem armados agiam com total impunidade, 8737 pessoas foram presas e colocadas à disposição
seqüestrando opositores das mais variadas tendên- do Poder Executivo (ou seja, sem processo regular)
cias políticas. entre novembro de 1974 e março de 1981. Dessas,
A argumentação dessas entidades é reforçada 5472 haviam sido liberadas até a troca de presi-
. por um documento do Departamento de Estado dentes (Videla por Roberto Eduardo Viola, em mar-
I, I norte-americano, obviamente insuspeito de simpa- ço de 1981).
tias pela subversão: "Somente um pequeno número Havia, ainda, nessa época, 154 pessoas em liber-
)
66 Clôvis Rossi 67
Militarismona America Launa

dade vigiada e três em prisão domiciliar .: sido substituído), a Assembléia Permanente dos Di-
O mesmo relatório do Ministério do Interior reitos Humanos afirmava que continuava a ocorrer
mostra que 230 presos tiveram o direito - estabele- uma' média de 30 prisões por dia só na Capital, La
cido pelo Artigo 23 da Constituição - de optar por Paz.
deixar o país, em vez de cumprir pena. E foram Quantos morreram durante o golpe? É impos-
juntar-se aos 2 125 000 argentinos que vivem fora do sível uma estimativa sequer aproximada. Conhece-se
país, segundo as cifras-levantadas pelo Comitê de os casos envolvendo personalidades como o deputado
Estímulo aos Universitários Argentinos. Também socialista Marcelo Quiroga de Santa Cruz, assas-
eles, como uruguaios e chilenos, foram empurrados sinado pelas costas por um grupo de paramilitares
pela pressão política ou econômica a abandonar o que invadiu a sede da Central Obrer-: Boliviana
país e formam, a exemplo dos dois países vizinhos, (COB) no dia do golpe, Mas, dos demais, sabe-se
um contingente importante em comparação com a pouco. Ê possível, entretanto, avaliar a extensão da
população que permaneceu (8% dos i7 milhões que tragédia pelas cifras fornecidas por um grupo de
continuam no país). - . mulheres de mineiros de Caracoles (que não é o
Bolívia - Em boa medida, a clara vinculação principal centro mineiro do país) ao Arcebispo de La
entre a máfia da droga e os militares bolivianos res- Paz: elas dão os nomes de onze mortos (entre os
ponsáveis pelo golpe de Estado de 17 de julho de quais três mulheres vítimas de violentas hemorragias·
1980 desviou a atenções da opinião pública interna- depois de terem sido violentadas pelos soldados),
cional dos mecanismos repressivos adotados nesse quatro feridos, 14 desaparecidos e 16 presos. Se o
país - em tudo e por tudo idênticos aos de seus balanço é esse, nesse pequeno distrito mineiro, o que
vizinhos. O que falta, apenas, é um balanço mais não aconteceu em todo o país?
sistemático e completo, como já foi possível fazer na E também as mortes estenderam-se muito além
Argentina, no Chile ou no Uruguai, ante o maior dos dias seguintes ao golpe: no dia lS de janeiro de
tempo transcorrido desde os respectivos golpes. 81 (seis meses depois, portanto), dez militantes do
O número de presos, logo após o golpe, por Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR) fo-
exemplo, foi calculado pelas autoridades em aproxi- ram presos, torturados e assassinados a sangue-frio
madamente 500, mas os exilados entendem que a peíos grupos repressivos.
cifra é pelo menos quatro vezes maior. E as detenções . . As denúncias da Igreja e dos organismos de
não terminaram: em outubro de 1981 (15 meses de- direitos humanos evidenciam a continuidade da re-
pois do golpe, portanto, e quando o general Luis pressão ao longo do tempo: já no dia seguinte ao
Garcia Mesa, primeiro beneficiário dele, já havia golpe, o arcebispo de La Paz, dom Jorge Manrique,
68 Cl6vis Rossi \1'ilitarismo na América Latina 69
,
I-~ 1
distribuía nota na qual afirmava ter "o dever de mais é o surgimento de grupos paramilitares. aos 1 'I:~
condenar as violências que se cometem com o propó- quais coube o serviço pesado, no momento do golpe
sito de calar a voz de um povo como o boliviano, ,ii ou depois dele (de acordo com a denúncia da Assem-
sensível e patriota, que busca justiça e bem-estar bléia Permanente, esses irregulares continuavam
social" . atuando até o final de 1981). A Assembléia descreveu
" assim a nova situação: '
Sete 'meses depois, uma nota da Conferência
Episcopal praticamente rêtomava os temas tratados
por dom Jorge Manrique, ao afirmar que os bispos "Outra característica foi a utilização de ele-
tinham informações confiâveis de "uso repetido de mentos paramilitares nas operações mais sujas,
torturas físicas e psicológicas contra prisioneiros de- aparentemente com a intenção de que os mili-
tidos por motivos políticos". E, mais tarde (para o tares não fossem responsabilizados por estes cri-
Natal de 1981), a Assembléia Permanente dos Direitos mes. Estes paramilitares foram contratados, em
Humanos afirmava que "a ditadura militar continua grande parte, entre bandidos da cidade. dentro
com sua política repressiva, característica de todos os e fora da prisão. Um exemplo concreto é o de
regimes do Cone Sul". A Anistia Internacional, de Mosca Monroy, líder de um dos principais gru-
seu lado, confirmava a afirmação da Assembléia, ao pos paramilitares. Mosca estava preso, acusado
dizer que 75% dos ex-presos políticos que testemu- de assassinato e obteve a liberdade em troca de
nharam perante a instituição contaram terem sido se prestar a esse tipo de serviço. Os paramili-
vítimas de torturas. E acrescentava que, só no pri- tares, além de prender as pessoas e espancá-Ias,
meiro semestre de 1981, dez prisioneiros haviam sido dedicaram-se a roubar tudo o que podiam (ain-
assassinados. da que pareça incrível, há testemunhas abun-
Como era inevitável, a figura trágica dos "desa- .dantes de que chegaram a roubar geladeiras,
parecidos" surgiu também na Bolívia, mas os nú- móveis e até berços de crianças, e de que des-
meros são absolutamente imprecisos: a Anistia Inter- truíam com ódio tudo o que nao podiam levar).
nacional conseguiu relacionar vinte casos de presos- Entre os paramilitares, havia também agentes
desaparecidos, com nome, local de trabalho, local e em trajes civis da Segunda Seção do Exército
data da prisão e subseqüente desaparição. Mas os (Serviço de Inteligência), elementos da Falange ,
desaparecidos anônimos "são incontáveis nos últi- Socialista Boliviana (partido de extrema-direita)
. mos 15 meses", segundo a Assembléia Permanente
dos Direitos Humanos.
O que distingue a represssão boliviana das de-
e agentes do Exército Argentino, que nunca se
preocupavam em dii"'lar seu sotaque". I
~~ _,:t.1 "'~
. I
Militarismo na América Latina 71

}!!'
, sem atuar impunemente 'na busca de seus "inimi-
gos", mesmo que fosse em territórios de outros
países.
Os exemplos que demonstram os longos braços
dessa multinacional repressiva são inúmeros, mas
convém lembrar alguns deles:
1 - O seqüestro e posterior assassinato, em
Buenos Aires, dos líderes políticos uruguaios Zelmar
, Michelini e Hector Gutierrez Ruiz, então exilados na
OS SENHORES SEM FRONTEIRAS Argentina. Há poucas dúvidas, hoje, de que a ope-
ração contou com a participação de elementos dos
órgãos de repressão do Uruguai e da Argentina -
situação que se repetiria, depois, nos seqüestros de
As denúncias da APDH Boliviana mostram que mais de cem uruguaios refugiados em território ar-
se criou, nesses países, uma rede repressiva que já gentino. Parte deles reapareceria, mais tarde, em
não conhece fronteiras. Os sistemas de informação e prisões uruguaias, 'enquanto outra parte cairia na
repressão transformaram-se rapidamente em um categoria de "desaparecidos".
supergoverno, que, em determinados momentos e 2 - O assassinato, também em Buenos Aires,
episódios, atua à margem e acima dos próprios go- do general Iuan José Torres, ex-presidente da Bolí-
Ivernos militares, mesclando-se, simultaneamente, via, igualmente refugiado na Argentina. Sua viúva,
em episódios de pura criminalidade, que nada têm a dona Emma Obleas de Torres, tem poucas dúvidas
ver com' os aspectos políticos com que cobrem a de que o crime foi 'cometido por inspiração' do go-
impunidade de suas ações. _ verno boliviano, com a conivência (indispensável) do
Essa organização, que já foi chamada de "mul- governo militar argentino.
tinacional da repressão", formaliza-se aparente- 3 - O assassinato, ainda em Buenos Aires, do
" mente em 1975, durante a XI Reunião dos Exércitos general chileno Carlos Prats, ex-comandante do E-
Americanos, realizada no Hotel Carrasco, em Mon- xército (antecessor imediato de Pinochet nesse pos-
tevidéu. Para alguns analistas da história recente to). A respeito desse crime, convém recordar que o
, latino-americana, criou-se então a chamada "Ope- norte-americano naturalizado chileno Michael Town-
I ração Condor", destinada a: diluir as fronteiras tradi- ley - responsável direto pelo assassinato, em plena
cionais.para que os organismos de repressão pudes- capital norte-americana, do ex-chanceler chileno Or-
li

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72 CI6vis Rossi Militarismo na América Latina 73

lando Letelier - esteve em Buenos Aires em setembro dom Eugênio Saltes, desaconselhava a sua vinda ao
de 1974, e viajou para Montevidéu um dia antes do Rio,em busca de esclarecimentos, sob o argumento
atentado que mataria o general Prats e sua esposa. de que "há elementos da Polícia argentina aqui. Não
Townley trabalhava para a Direcci6n Nacional de se pode provar, masse constatou nos últimos meses,
lnteligencia (DINA), a central repressiva criada pelo por três ou quatro vezes, essa presença".
governo Pinochet e que hoje se chama CNI (Central Todos esses episódios são bastante conhecidos e
Nacional de Inteligencia)« Mais: Townley esteve tam- amparados em abundante documentação. que prova
bém em Roma, na época em que sofreu um atentado os laços entre os organismos de repressão do Cone
o líder democrata-cristão chileno Bernardo Leighton, Sul. Há, entretanto, um fato mais recente (junho de
então exilado na capital italiana. 1980), menos divulgado no Brasil, que, a meu ver,
Pela ação de Townley - que cumpre pena nos apresenta os mais terríveis indícios de uma invisível
Estados Unidos - pode-se ver mais facilmente a rede repressiva que se superpõe aos próprios gover-
rede tentacular dos organismos de repressão, que nos, ainda que se trate de governos militares, para
não respeitam fronteiras nem distâncias. impor as suas leis.
4 - O seqüestro, em Porto Alegre, no Brasil, Trata-se do seqüestro, em Lima (Peru), de um
do casal uruguaio Lilian Celiberti e Universindo argentino (Julio César Ramírez) e duas argentinas
Diaz, ambos militantes do Partido pela Vitória do (Maria hies Raverta e Noemi Esiner Gianotti de
Povo, de origens anarquistas. Lilian e Universindo Molfino), refugiados todos na capital peruana. Vale
estão, atualmente, presos em Montevidéu e, para a a pena contar toda a história, digna de uma novela
operação-seqüestro, executada por oficiais uru- de espionagem e violência.
guaios, houve plena colaboração das autoridades po- Julio César Ramírez, Maria Ines e Noemi foram
liciais do Rio Grande do Sul, conforme depoimento seqüestrados entre os dias 11 e 12 de junho, em
prestado pelo soldado Walter Hugo García Rivas, operações que a imprensa peruana atestou estarem
que desertou do Exército uruguaio e foi um dos parti- comandadas por oficiais argentinos, agindo livre-
cipantes da excursão de captura ao casal. mente em território estrangeiro. O comandante da
5 - O desaparecimento, até hoje não esclare- . operação foi, ainda segundo a imprensa limenha, o .
. cido, do jornalista argentino Norberto Habberger, coronel Ronald Rocha, que se hospedou no Círculo
que viajava do México ao Brasil e, aparentemente, Militar de Lima e contou com a colaboração total do
sumiu no aeroporto do Galeão (Rio de Janeiro). Foi coronel peruano Martín Martínez, chefe do Serviço
em julho de 1978 e, em carta de fevereiro de 1979 ã' de Inteligência do Exército.

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esposa do jornalista, o cardeal-arcebispo do Rio,
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Em junho de 80, o Peru era governado pelo
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74 Ciôvis Rossi I~ Militarismo na América Latina 75

general Francisco Morales Bermudez, mas já se ha- trega dos seqüestrados no posto fronteiriço, confor-
viam realizado as eleições que deram a vitória ao me o depoimento do chefe de Imigrações da Bolívia.
arquiteto Fernando Belaúnde Terry, então em vés- Remi Mercado. que, nos dias em que supostamente
peras de tomar posse. Na vizinha Bolívia, governava teriam acontecido os fatos, esteve em Desaguadero.
a sra .. Lydia Gueiler, mas já se preparava, aberta- E mais: o ministro de Relações Exteriores do governo
mente, o golpe de Estado que conduziria ao poder, a peruano (um governo militar na época, recorde-se),
partir de 17 de julho, o....
general Luis Garcia Mesa. Carlos García y García, garantiu à imprensa que seu
Pois bem: a versão apresentada pelas autori- Ministério só tomou conhecimento dos fatos envol-
dades militares peruanas, depois que a imprensa vendo os cidadãos argentinos por meio de um comu-
tomou conhecimento do seqüestro dos argentinos, foi nicado do Ministério do Interior, cinco dias depois
a de que os três haviam sido expulsos do país, por do seqüestro. "Não é normal", reconheceu, franca-
irregularidades na documentação, e entregues à aeu. mente, o ministro peruano do Exterior.
via, na localidade fronteiriça de Desaguadero. O ge- O que acontecera, na verdade, só se descobriria
neral Richter Prada, comandante do Exército perua- mais tarde: os argentinos seqüestrados em Lima (em
no, chegou a exibir ao futuro Ministro da Guerra do ação conjunta de oficiais dos Exércitos peruano e
governo civil, general reformado Jorge Mufiiz Luna, argentino, mas sem conhecimento do governo -
uma foto em que aparecem um homem e duas mu- também militar - peruano) foram entregues ao en-
lheres, no momento em que eram entregues às auto- tão chefe do Serviço de Inteligência do Exército boli-
ridades bolivianas em Desaguadero. Havia também viano, coronel Luis Arce Gomez, sem o conheci-
um documento emitido pelas autoridades fronteiriças mento do governo (civil, na época) da Bolívia. Dali,
bolivianas atestando a entrega dos três. supõe-se, os seqüestrados foram entregues à Argen-
Ocorre que o ministro do Interior da Bolivia, tina, que os procurava porque eram militantes do
general Antonio Arriez, explicaria, em seguida, que movimento Montoneros, grupo guerrilheiro. O final
"o Peru utilizara a força para obter o documento da história, entretanto, é uma suposição, porque se
comprovando a entrega dos três argentinos no posto desconhece o destino de Julio César Ramirez e Maria
fronteiriço de Desaguadero". Para isso, os oficiais Ines Raverta. De Noemi Esther Gianotti de Molfino,
peruanos contaram com a colaboração de um oficial entretanto, sabe-se tudo: foi encontrada morta em
do Exército boliviano, que o general Arnez identi- Madri, capital da Espanha.
ficou apenas como Roldán. Enquanto isso, depu- I Esse episódio evidencia, claramente, a teia mon-
tados peruanos que investigaram o caso na Bolívia I" tada pelos organismos de repressão, capazes de pas-
chegavam à conclusão de que jamais ocorrera a en- \ sar por cima não apenas das fronteiras nacionais,

....
76 Cl6vis Rossi Militarismo na América Latina 77

, ..
mas dos próprios governos de seus respectivos países, cidou-se após a prisão de seus comparsas.
ainda que um deles (no caso, o peruano) fosse na Para o governo militar chileno, trata-se de um
época um governo militar. caso isolado. Mas há outros exemplos, fora do Chile:
Essa complexa teia e a absoluta impunidade o coronel boliviano Arce Gomez, envolvido na his-
com que agem os homens da máquina repressiva tória dos seqüestros dos três argentinos em Lima, é
conduz, inevitavelmente, a abusos sem fim, que co- acusado pelos Estados Unidos de ser um dos prin-
meçam a escapar do terreno político-repressivo, para cipais chefes da rede de traficantes de cocaína da
resvalar para a criminalidade pura e simples. Dessa Bolívia. Arce Gomez chegou a ser ministro do Inte-
nova faceta, é ilustrativo o caso ocorrido em março rior - e principal responsável pela repressão - de-
. de 1981 na cidade chilena de Calama, ao norte do pois do golpe de Estado de 17 de julho de 1980, que
país. levou o general Luis Garcia Mesa ao poder.
Lá, o chefe da agência da Central Nacional de Também na Argentina, há pelo menos uma de-
Inteligência (CNI), Gabriel Hernandez Andersen, or- núncia na Justiça que levanta o resvalar da repressão
denou a dois funcionários do Banco del Estado que para a criminalidade: a sra. Antonia Suarez queixa-
simulassem, com o maior realismo possível, um as- se de ter sido obrigada a entregar, entre junho e julho
.salto à agência bancária. Os dois bancários o fizeram de 1980, cerca de 70 milhões de pesos argentinos
e, na mesma noite, foram assassinados a tiros por Her- (equivalentes, na época, a aproximadamente 3S mil
nandez Andersen e seu auxiliar direto, para, em dólares) para elementos que se diziam inspetores da
seguida, terem seus corpos destroçados a dinamite. Polícia Federal e mantinham preso seu filho, Ricardo
Os dois agentes da CNI ficaram com o produto do Soria.
roubo supostamente simulado -< 4S milhões de pesos, Soria fora preso em março em seu apartamento,
ou pouco mais de um milhão de dólares) e, com por um grupo armado, que incluía civis e militares, e
absoluto cinismo, apresentaram-se na manhã se- dizia pertencer à Polícia Federal. No dia seguinte,
guinte na agência assaltada, a título de cooperarem outro grupo voltou ao apartamento e obrigou dona
nas investigações. Só a certeza da impunidade, que Antonia a deixá-lo, sob a alegação de que havia sido
os levou a deixar abundantes pistas, acabou levando confiscado. Três meses depois, os seqüestradores
aoesc1arecimento do caso, três meses depois, com a permitiram que Ricardo falasse por telefone com a
prisão dos dois homens altamente colocados no me- mãe. para lhe pedir que vendesse urgentemente o
canismo repressivo. E não estavam sozinhos: o chefe imóvel, pois necessitava de uma grande quantia em
da agência da CNI na vizinha cidade de Arica, apon- dinheiro. Feita a transação, dona Antonia entregou o
tadocomo o cérebro da operação delinqüencial, sui- dinheiro a uma pessoa indicada pelos seqüestra-
78 C/6v;s Rossi

dores, em uma rua do bairro de Villa del Parque.


Dias depois, Ricardo Soria telefonou outra vez para a
mãe, avisando que passaria muito tempo antes que
pudesse voltar a se comunicar.
E de fato passou: até fevereiro de 1982, quando
finalmente resolveu apresentar a denúncia judicial,
dona Antonia não tivera- mais notícia alguma do
filho.

ONDE ESTÁ A SAlDA. SENHORES?

.r

O controle militar sobre os países da região não


é, entretanto, um fato irreversível e muito menos
monolítico. Há, inclusive. variações importantes de
um regime militar para o outro, como o demonstra o
período do general Juan VelascoAlvarado como pre-
sidente do Peru, entre 1968 e 1975. Nesses sete anos ..
as Forças Armadas. ao contrário do que ocorria nos
países vizinhos, impuseram uma série de reformas
estruturais, inclusive uma reforma agrária que é con-
siderada, por alguns estudiosos, como a mais radical
executada no continente desde a Revolução Cubana.
O exemplo peruano, aliás, demonstra como é
incorreta a simplificação de se atribuir unicamente à
preparação de oficiais latino-americanos pelos Esta-
dos Unidos a vigência de regimes repressivo-conser-
vadores, quando tais militares tomam o poder. Essa
teoria, muito disseminada, minimiza a influência dos
li fatores internos e não consegue explicar por· que o
80 C16vis Rossi Militarismo na América Latina :n

regime militar peruano de 68-75 entrou em choque E a doutrina para tentar as correções surgiu de
com os Estados Unidos, em função de sua política de uma fonte muito diversa da que orientou os regimes
nacionalizações, Afinal, um de seus principais ideô- de segurança nacional: o Centro de Altos Estudos
logos, o general Edgardo Mercado Jarrin (que foi Militares peruano buscou seu modelo no centro de
ministro do Exterior e, posteriormente, primeiro- mesmo nome da França e seu fundador, coronel José
ministro do governo militar), também se formou nos del Carmen Marin Arista, rejeitou terminantemente
Estados Unidos, mais precisamente no Colégio de o auxílio de uma missão norte-americana para a
Comando e Estado-Maior de Fort Leavenworth. Não instalação do CAEM. Por isso, os militares peruanos
é um exemplo isolado: lideres de regimes militares que passaram pelo Centro não receberam uma visão
que adotaram medidas bastante diferentes das de de mundo baseada na bipolaridade comunismo-Oci-
seus vizinhos ultraconservadores, como o paname- dente. Ao contrário, aprenderam' que o 'mundo é
nho Omar Torrijos, falecido em 1981, e o equato- muito mais complexo e recheado de zonas cinzas.
riano Guillermo Rodriguez Lara, passaram igual- que impedem o maniqueismo simplista do branco ou.
mente por escolas militares norte-americanas. preto.
O caso peruano, mais que os outros dois, ilustra Aparentemente, a realidade acabou por ensinar
a influência dos fatores internos: parte dos oficiais a outros oficiais, de diferentes países, essa verdade
que subiram ao poder com Velasco Alvarado havia do mundo moderno, enfraquecendo o monolitismo
tido participação ativa na luta antiguerrilheira, nos dos regimes militares e forçando-os a buscar saídas.
pontos mais afastados e miseráveis do país. Esse ainda que estas estivessem, no geral, marcadas pelo
contato direto com a realidade nacional revelara a desejo de preservar urna razoável cota de poder. O
alguns deles que, ao contrário do que pregava a Brasil, que iniciara a experiência da presença insti-
Doutrina de Segurança Nacional, que em tudo en- tucional das Forças Armadas no poder, foi também o
xergava o dedo do.comunismo internacional. a guer- primeiro dos regimes de Segurança Nacional a en-
rilha não se sustentava apenas (e nem sequer princi- saiar a saída, que, todavia, está muito longe de se ter
palmente) dos manuais de Marx, Lênin, Mao Tse- completado.
Tung ou Ché Guevara, mas das infra-humanas con- Quando começou essa mudança, não é fácil de-
dições de vida da maioria dos habitantes do país (e, terminar, mas o professor Luis Carlos Bresser Pe-
no geral, de todo o subcontinente), Para esses ofi-
!
reira, doutor em Economia pela Universidade de São
ciais. a luta. armada podia não ser o método correto Paulo, localiza-a em meados de 1977, quando se
de buscar a correção desse quadro de injustiças, mas tornou "patente que a ruptura entre a burguesia e a
era imperioso reconhecer a necessidade de fazê-lo. tecnoburocracia estatal era o fatonovo a determinar
I
Militarismo na América Latina 83
82 Clóvis Rossi
,.
o colapso da aliança política estabelecida em 1964".
Não é, entretanto, um caminho fácil. Nem no
Brasil - onde a cota de sangue gerada pela repres-
são foi incomparavelmente menor do que, por exem-
plo, a do Chile, Uruguai e Argentina....,.. e muito
menos nos outros. Os obstáculos são incontáveis.
Há, de um lado, opeso dos aparelhos repressivo
e de inteligência, com seus próprios interesses cria-
dos (muitas vezes escusos, como o do tráfico de dro-
gas ou o episódio de Calama, no Chile), desejosos de
manter uma situação política de exceção, que impeça
o julgamento de seus abusos. Não é à toa que, em
todos os regimes militares do Cone Sul, fale-se per-
manentemente na necessidade de evitar um Nurem-
berg tropical, que seria intolerável para as Forças
Armadas como um todo, ainda que nem todos os
seus membros se tenham envolvido na violência re-
pressiva ou com a deliqüência pura e simples. Os
fatos recentes evidenciam, claramente, essa dificul-
dade: as bombas que explodiram no Rio-Centro,
durante um show comemorativo do 1? de Maio de
1981, e a maneira como se fez o inquérito, que não
convenceu nem à opinião pública nem ao próprio
governo, sem que este, entretanto, tivesse força sufi-
ciente para mudar o rumo a que apontavam as inves-
tigações, desde o princípio, inocentando os militares
(ambos do DOI-CODI) envolvidos e procurando fa-
zer crer que fora a esquerda a responsável por um
suposto atentado.
Pinte o n.o 1 de verde, o 2 de amarelo e o 3 de azul e
Na Bolívia, ficou mais claramente demonstrada descubra a mortalha das "vitimas" do Rio-Centro ...
a rejeição do conjunto das Forças Armadas a qual-
84 Clóvis Rossi Militarismo na América Latina 8S

quer investigação que possa tocar algum (ou alguns) Ivete Vargas, no PTB, Ulysses Guimarães, no PMDB
de seus membros. Depois das eleições parlamentares - todos eles estão no primeiro plano da cena política
de 1979,·0 deputado socialista Marcelo Quiroga de há mais de vinte anos. A única exceção é Luís Inácio
Santa Cruz propôs um juízo de responsabilidades da Silva, o "Lula", com o Partido dos Trabalha-
contra o governo do general Hugo Bánzer, para apu- dores. Essa veterania não é um mal em si, mas
ração de atos de corrupção e.de.violações aos direitos indica, claramente, que se renovaram muito pouco
humanos. Na época, conversei com Marcelo Quiroga os quadros político-partidários.
e lhe perguntei se a correlação de forças do momento Na Argentina, a situação é a mesma, a ponto de
permitia, iniciar um processo dessa natureza. Ele res- o presidente do Partido Intransigente (centro-esquer-
pondeu que não podia cogitar da correlação de for- da), Oscar Alende, ter ameaçado renunciar, em abril
,ças, porque era um imperativo ético, moral e político de 1981, com um argumento poderoso: ele preside o
iniciar o julgamento. Um ano depois, Marcelo Qui- partido há 18 anos, mas só foi reeleito uma única vez.
roga foi assassinado, durante a repressão selvagem Nos demais períodos, seu mandato se estendeu auto-
que permitiu a instalação no poder do general Garcia maticamente por causa do congelamento da ativi-
Mesa. dade política.' No Uruguai, continuavam cassadas,
Não é esse o único obstáculo. Aponta, por exem- até junho de '1981, todas as principais lideranças
plo, o professor venezuelano José Lorenzo Perez para políticas, de direita, centro ou esquerda, o que eli-
o fato de que "os líderes civis foram eliminados do mina qualquer possibilidade de uma intermediação
sistema político e suas expectativas de regresso ao correta entre as lideranças políticas civis e· os mili-
poder, a curto ou a médio prazo, se derrubaram". tares para uma eventual transição democrática. No
Essa observação vale, principalmente, para o Chile, Chile, persiste o congelamento dos partidos e o rigo-
Bolívia, Argentina e Uruguai, e menos para o Brasil, roso banimento de todas as agrupações de esquerda
que matizou bastante a repressão contra a classe - o que, automaticamente, marginaliza uma faixa
política. Mesmo assim, o congelamento da atividade da população (um terço do eleitorado) que, histori-
política - colocada sob permanente suspeita pelas camente, vota nos partidos de esquerda.
Forças Armadas ~ impediu um processo natural de Essa falta de oxigenação leva a fenômenos como
renovação de lideranças, a ponto de, hoje, os diri- o peruano, no qual o presidente civil derrubado pelos
gentes mais notórios dos partidos de oposição no militares (Fernando Belaúnde Terry) 'acaba sendo
Brasil serem os mesmos homens de pré-ô-l. Tan- , de nOVQeleito presidente, na primeira oportunidade,
credo Neves e Magalhães Pinto, no Partido Popular, embora, entre a 'queda (1968) e a nova eleição (1980),
Leonel Brizola, no Partido Democrático Trabalhista, tivessem transcorrido doze anos de profundas trans-
86 C16visRossi . Militarismo na América Latina 87

formações sócio-econômicas, que podem ser elogia-


das ou condenadas, conforme a ótica político-ideoló-
gica de cada um, mas não podem ser apagadas pura
e simplesmente.
Se, para a América do Sul, é difícil e complicado
o caminho da transição para a democracia, na Amé-
rica Central o quadro é ainda mais complexo. Nos
seis países que formam o istmo (excluída Belize,
ainda em processo de independência formal da In-
glaterra), casaram-se Doutrina de Segurança Nacio-
nal e as velhas ditaduras clássicas - pessoais, como
-a de Anastácio Somoza, na Nicarágua, ou institu-
cionais, como a da Guatemala ou EI Salvador. Ali, as
condições de vida são ainda semimedievais e a oligar-
quia se recusa a ceder sequer a unha de um dos dedos,
para não perder os anéis, como acontece um pouco
mais ao Sul. Nessas condições, é explicável que se te-
nha armado um quadro de guerra interna, no qual os
mecanismos da democracia liberal clássica parecem
não ter lugar.
Na América do Sul, entretanto, a questão cen-
tral não passa por quem tem mais ou menos fuzis
balas, mas pelo trânsito relativamente ordenado a
formas mais abertas de governo - que, por enquan-
to, não estão à vista, com a possível exceção do
Brasil. Há, até, estudiosos, como o panamenho Ni-
colas Gonzalez- Revilla (um dos negociadores do
tratado Carter- Torrijos, que levou à devolução do
. Canal ao Panamá), que apontam a inevitabilidade ~
~~ço
de se contar com os exércitos para percorrer esse
caminho: Ronald Reagan.
88 Ctôvis Rossi

"Atualmente, na América Latina, pode-se avan-


çar rumo à Democracia e à Revolução com o
apoio dos Exércitos ou, então, com a indife-
rença dos mesmos, mas nunca contra eles; esta é
uma realidade que, ainda que não goze a simpa-
tia de muitos democratas tradicionais, é, a nosso
juizo, a medula detêrminante para o futuro da
América Latina".

Ou seja; mais de século e meio depois da Inde- INDICAÇÕES PARA LEITURA


pendência, o subcontinente parece ainda ancorado
no ponto de partida, pendente das atitudes e ações
dos senhores da guerra para definir o seu perfil insti-
tucionaI. il'- Comblin, Joseph. - A Ideologia da Segu-
) rança Nacional. Editora Civilização Brasi-
~ leira, 1978.
, 'l. ,_ Halperin Donghi, Tulio. - História da Amé-
rica Latina. Paz e Terra, 1975.
r 31- Stepan, Alíred: - Os Militares na Política.
~ Editora Artenova, 1975.
4 - Niedergang, Marcel. - Les 20 Amériques La-
tines. Editions du Seuil, 1969.
5 - NACLA. - The Pentagon 's Protégés .
6 - Tapia Valdés, Jorge. - "La Doctrina de Ia
Seguridad Nacional y el Rol Político de Ias
Fuerzas Armadas:', in Revista Nueva Socie-
dad, n? 47, março-abril de 1980.
7 Huntington, Samuel P. - Political Order in
Changing~Societies. Yale University Press,
1965.
8 - Trias, Vivian. - "Las Fuerzas Armadas en
••
li
90 ClóvisRossi

Ias Sociedades Iberoamericànas", in Revista


Nueva Sociedad, n? 49, julho-agosto de 1980.
9 - Lanusse, Alejandro Agustin. - Mi testimo-
nio, Ed. Laserre, 1977.
10 - Gonzalez-Revilla, Nicolas. - "Militares y Ci- Sobre o Autor
viles en el Desarollo de Ia Democracia Lati-
noamericana", in Revista Nueva Sociedad, n? Clóvis Rossi nasceu em São Paulo, a 25 de janeiro de 1943, e
43, julho-agosto de 1979. formou-se em jornalismo em 1964, pela Faculdade de Jornalismo "Cas-
per Libero", a única da época em São Paulo. Antes mesmo de formar-se,
11 - Lorenzo Pérez, José. - "Democracia Limi- começou a trabalhar na imprensa, na sucursal de São Paulo do extinto
tada y Poder Militar", in Revista Nueva So- . matutino carioca Correio da Manhã. Depois de breves passagens pela
ciedad, n? 47, março-abril de 1980. revista Autoesporte e pela antiga TV Excelsior, foi contratado por O
Estado de S. Paulo, em 1965, e lá exerceu todas as funções jornalísticas:
12 - Selser, Gregôrio. - "Hispanoamerica en el redator, repórter, chefe de reportagem, Editor Local, Editor de Esportes,
Umbral de Ia Decada de 1980", in Revista assistente do Editor-Chefe e Editor-Chefe. Simultaneamente, dedicou-
Nueva Sociedad, n? 47, março-abril de 1980. se, a partir de 1973, à cobertura internacional, que o levou a participar
de trabalhos jornalísticos em todos os Continentes, exceto a Oceania.
13 - Revistas Hoy (Chile), Caretas (Peru), Veja e Cobriu, entre outros fatos, o golpe militar no Chile (1973), a "Revolução
Isto Ê (Brasil) e jornal Folha de S. Paulo. dos Cravos", em Portugal (1974), o processo de independência das
colônias portuguesas na Ãfrica, os últimos meses do franquismo e a
redemoçratização da.Espanha (1975 a 1977), o golpe militar. na A~gen-
tiI1L(1976), importantes etapas da revolução peruana, as eleições presi-
denciais dê 1978 na Venezuela, Deixou O Estado em 1977 e trabalhou'
sucessivamente no Jornal do Brasil, em Brasília, na revista 'Isto É e no
Jornalda República, lançado em São Paulo em 1979. Com o fechamento
.. ..._
..w._~-
SBO/FF~C..!:!.J.USP
desta publicação, .foi contratado pela Folha de S. Paulo: Foi o primeiro
jornalista brasileiro a transmitir reportagens diretamente de Cuba pàra o
Brasil, desde 1964, tendo preparado uma série de reportagens - "Cuba,
i4.~"'-._- .
"Q.UISICÂq
~Jl;...tv~
~~;..r._~~~I-·
SEÇ1J.O Df. ...•
v A L o~·-
-
a Revolução Domada" - que a revista Atlas-World Press.Review, que
reproduz, mensalmente; o que considera as melhores reportagens publi-
cadas na imprensa de todo o mundo; do Ocidente ou do mundo comu-
nista, transcreveu, parcialmente, na sua edição de agosto de 1977.
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