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A Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos & Jodo Condé, ‘que me fizeram eserever ese tyro, dedico-o MB. natural do Recife, mas na verdade nasei para a vida consciente em PetrOpolis, pois de Petropolis dtam a5 minhas mais velhas reminiscéncias. Procurei fixi-las no poema ‘Infancia’: uma corrida de ci clistas, um bambual debrucado no rio (imagino que fra o fundo do Palécio de Cristal), 0 pétio do an- tigo Hotel Orleans, hoje Palace Hotel... Devia ter eu entao uns trés anos. O que hé de especial nessas reminiseéncias (e em outras dos anos seguintes, re- minisedneias do Rio e de Sto Paulo, até 1892, quando voltci a Pernambuco, onde fiquei até os der anos) & ‘que, nlo obstante serem tio vagns, encerram para -mim_um_contetido inesgotavel de-emogao. A certa altura da vida vim a identificar essa emocao particular com outra — a de natureza artistica. Desde esse mo- mento, posso dizer que havia descoberto o segredo da poesia, o segredo do meu itineririo em poesia. Veri- fiquei ainda que o conteddo emocional daquelas remi- niscéncias da primeira meninice era o mesmo de cer- tos raros momentos em minh vida de adulto: num € outro caso alguma coisa que resis A anise da inte- Tigéne neméria.consclente, e que me-enche.de sobressilto ou me forga a uma atitude de apaixonada (© mew primeiro contato com a poesia sob a for- rma de versos teri sido provavelmente em contos de fdas, em historias da carochinha. No Recife, depois dlos seis anos. Pelo menos me lembro nitidamente do sobrosso que me causava a cantiga da menina enterra- da viva no conto “A madrasta” Capi de me pai ‘Nto me corer mur cates. rants «| Minhamde me penton {0.0.22 ) Mana madrata me enero4 Polo go da fice ue oposthoBco. pacar! Era assim que me recitavam os versos. E esse “3X6, passarinho!” me cortava 0 coragio, me dava vontade de chorar 'Aos versos dos contos da carochinha devo juntar (os das cantigas de roda, algumas das quais sempre me fencantarem, como “Roseira, di-me uma rosa”, “O fanel que tu me deste, “Bao, Dalalto, senhor capi- tio”, Mas para que tanto softimento. Falo dest por- que as utilize em poemas. E também as trovas popu- Tares, coplas de zarauelas, couplets de operetas frat esas, enfim, versos de toda a sorte que me ensinava ‘meu pai. Lembro-me de uns cujo autor até hoje igno- 10, Ouviu-os meu pai de um sujeto que um dia, no falpendre de uma casinha do interior de Pernambuco, Ihe veio pedir esmola, Meu pai, que gostava de brincar, disse-Ihe: “Pois no! Mas voc8 antes tem de me dizet ‘uns versos.” Ora, o nosso homem nao se fez de rogado tesalu-se com esta déeima lapidar, cujo primeiro verso, estropiado, mostra que a estrofe nfo era de sua auto- reach edna. Tiicons tee a tim pepe, a Pa i me Tiwi dab, oat Fj tei Beene nb Faden cde Vestn ase ten’ Tmt anon Bese} ‘Assim, na companhia paterna ia-me eu embeben- do des dla qv poesia et ta tadatant nos fore come sos chnelos, tanto ns ca loge Como nis dipaataas, © proprio mou ba ea um grands inprovsador ce noner sion Obes faa te Gar expanto to gesto verbal no morse e bon hum. Spender flu-as cota erat ae tobre ne ear cov pair Braguacas por expo. Quando ema oe no ings gue SSupatto, ota ale "ragnoodo wet oe itvoara e's ns ates cua inode arn Poca tha onomasico fato pre Master Anthony Robot Dera, Meu pal voltae mela se sale toca por ta pale asin. Ua dls pode aprovetar nue ‘news pocmas: "protontisia™ Secu Grea algur dtalo Flee, ceo poses pain dis boos Seas qe meu pl chumava “Operas” ter inp 0 “Suréalsme" antes de Breton e seu compat, Procro me lenbrat de oui impress Pos cas dh prime infin e ds que me cade ope mate Ive de Ingest Feud Staple otha par, Vee red do mando mana ca. tha de no. Sobrerudo ee imo tee tac Imo fot em min; por ce adi norte de have uma realidade mais bela, diferente da realidade quoti- diana, e a pagina do macaco tirando cocos para os ‘eninos despertou o meu primeiro desejo de evasio. fundo, j4 era Pastrgada que se prenunciava ( met mais antigo sina de interesse pela poesia cscrita data dos oito 04 nove anos. Lembro-me de por fese tempo andar procurando no Jornal do Recife @ ppoesia que diariamente vinha na primeira pagina, E até me recordo de dois nomes que frealentemente fpareciam assinando esses versos — Aurea Pires © Henrique Soido, Lembro-me ainda muito bem da es- franheza, do mel-estar que me.dava quando a poesia fra soneto € eu, até ent2o sb afeito ao ritmo quadra- do, me sentia desagradavelmente suspenso ao terceiro vetso do primelto tereto. A aceitagio da forma sone- to foi em poesia a minha primeira vithvia_contra.as foreas da habito.. ‘Nao posso deixar de evocar aqui as horas de in- tensa emogio, 28 primeiras provocadss por um Livro Tido com os meus oles, ¢ foi esse livre © Cuore de De ‘Amicis na tradugd0 de Joao Ribeiro. Era cu semi- interme no coligio de Virginio Marques Carneiro [Lefo, & Rua da Matrz. Depois de certa hora os alu- ros externos voltavam para suas casas e eu ficava sozinho na grande sala dos fundos do edificio. © Co- racao era livro de Ieitura adotado na minha class. Para mim, porém, nao era um lvro de estudo. Era @ porta de um mundo, nao de evasto, como 0 da Via item @ roda do mundo numa casquinha de noz, mas eum sentimento misturado, com a intuigdo terifi- feante das trstezas ¢ malades da vida ‘Dos seis aos dez anos, nesses quatro anos de resi-

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