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Copyright © Ediouro Publicagbes S.A. CIP Bruel. Catslogagto-ne-forte Sindieato Nacional dos Editores de Livros, i ss.on6 Benedeiz, Manual, 15861968 Mess poemas prelerdes / Manuel Sanita, — Rio de Janairo: Eiouro, 205 (Colegho Prestigio) coset DU Se.0(81)1, Toss os tls reservados EtowoPubleres Lt Indice Biografa Palevres do Autor ‘Acre Sabor Ieonografia de Manuel Bandeira Mons Poemas Preferidos Desencanto Cartas de Meu Avo Ingénuo Enlelo Poemeto Irdnico Poemeto Ei Boda Espiritual Renineia (Os Sapos Debussy A Rosa Alumbramento Balaca de Santa Maria Beipciaca Corinho Triste 0s Binos curvoriros da Mosela Gesso Nolte Morta, Na Rua do Saba Berimbau Penséo Familiar ocacte Peumotorax Poetica Porguinho-da-india 0 Major Evocagao do Recife adel eve. como compenhoiro de. sen0- i Elvard. De regresta 20 Rlo do Joni Palavras do autor Em Wineririo de Pasirgada escrevi “Quando cat doente em 1904, fiquet certo de morrer tuberculose era ainda o “mal que dolhe eu perguntado quantes anos de vida me restarlam, respondewme sorri ‘Sr. tem lesdes teorlcamente in- ‘compativeis com a vida; bem, dorme bem, no apresenta, em suma, nenhum sinto- ‘ma alarmante. Pode viver cinco, dez, quinze anos... Quem oderd dizer?, Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo sempre como que provisoriamente. Nos primeiros ‘anos da doenca me amargurava muito a idéia de morrer sem ter feito nada: depois a forcada ociosidade. Se publiquel em 1917 A Cinza das Horas, foi para, de certo modo, iludir 0 ‘meu sentimento de varia inutilidade. Este sO comecou a se dissipar quando fui tomando consciéncia da agao dos meus versos sobre amigos Uma tare voliei para casa impressionado de ter ouvido, na Livraria José Olympio, Rachel de Queiroz me dizer: *Vocé rndo sabe 0 que a sua poesia representa para nds". Foi a forca de testemunhos como esse, as vezes de pessoas quase de todo alheias a literatura, que principiei a aceitar sem ‘amargura o meu destino. Hoje, na verdade, me sinto em paz com ele e pronto para o que der e vier. Otto Maria Carpe peto, diss, com ceneta estrururaria a ord “ia vida itera que poderta ter sido'e que ndo for" para outra vida que viera ficando “cada vez mais chela de tudo”. rofundo da Cancio do Vento e uel ao apaziguamento das mix revoltas pela descoberta de resstio que encontraré, como em Consoa- a, a mesa posta, com cada coisa Rio, 6 de janeiro de 1966 fe onuk fren to Acre sabor Pedro Dantas re 0 poeta e a sua poesia é a qua i Bandeira e ao mesmo tempo quanto Outros, quase todos, , COMO uma casa, (gue contestou © Sr, faz versos assim”. Eo St. Mério de Andrade no deixa de ter raziio. Somente, pera 0 que nos interessa neste momento, se 0 poeta dissesse “eu fago versos como quem vive” era exatamente mesma coisa, De um ou de outro modo, importante € a concepeio da poesia como feném inexorfivel ¢ irreprimivel. Essa idéia, o poema adi traduz por todas as formas, em quase todos os “Eu faco versos como quem chora Tristeza esparsa... remorso Didtme nas velas. Amiargo e quente Cai, gota a gota, do coracao.” E ela preside a toda a obra do poeta, raras vezes t40 cexplicita, mas sempre imanente e definitiva. Se fosse um ver- ‘que cumprem as promessas ‘nunca adotou arte poética diferente, nem pés em pritica outros principios. & & sua intransigéncia consigo mesmo neste ponto que se deve a extraordindria constancia, na sua 15 Desencanto Ez fago versos como quem chora De desalento,.. de desencanto... Fecha 0 meu livro, se por agora Nao tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Voliipia ardente... Tristeza esparsa... remorso vo. Déi-me nas veias. Amargo ¢ quente, Cal, gota a goia, do coragdo. E nestes versos de angistia rouca Assim dos Idbios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. — Eu ago versos como quem morre. Cartas de meu avé Chora monotonamente. 5 E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado ¢ $6, As cartas que meu avd Escrevia a minka avd. Enternecido sorrio Do fervor desses carinhos: E que os conheci velhinkos, Quando 0 fogo era ja frio. Cartas de antes do noivado... Cartas de amor que comeca, Inquieto, maravilhado, E sem saber o que pec Temendo a cada momento Ojendé-la, desgosté-la, Quer ler em seu pensamento E balbucia, nao fala... A mio pélida tremia Contando o seu grande bem. Mas, como o dele, batia Dela 0 coragio também, A paixdo, medrosa dantes, E cas confissbes hesitantes ‘Mudaram logo de modo. Brithou, mais puro e mais forte. E eu bendigo, envergonhado, Esse amor, avo do mew... Do meu — jruto sem cuidado Que inda verde apodreceu. O meu semblante esté enxuto. ‘Mas a alma, em gotas mansas, Chora, abismada no luto Das minhas desesperancas... 36 Ea noite vem, por demais Erma, imida e silente... chuva em pingos glaciais, Cai melancolicamente. E enquanto ancitece, vou Lendo, sossegado e 36, As cartas que meu avd Escrevia a minha av6. Ingénuo enleio Thgénuo enleio de surpresa, ‘Sutil afago em meus sentides, Foi para mim tua beleza, A tua vor nos meus ouvidos. ‘grande amigo, E teu ofeto se me dew. Mas 0 teu corpo tina a graca Das aves... Musical adejo... Vela no mar que freme ¢ passa... E assim nasceu 0 meu desejo. Depois, momento por momento, Eu conheci teu coragdo. E se mudou meu sentimento Em doce ¢ grave adoragéo. Poemeto irénico Ooque tu chamas ta paisao, E tdosomente curiosidade. E os teus desejos ferventes vdo Batendo as asas na irrealidade. a : Curiosidade sentimental Do seu aroma, da sua pele. ‘Sonhas um ventre de aivura ral, ‘Que escuro o linho fique ao pé dele. Dentre os perjumes sutis que vér Das suas charpas, dos seus vestidos, Isolar tentas 0 odor que tem ‘A trama rara dos seus tecidos. Que se diriam feitas por labios... Tu re perguntas, curioso, quais Serio seus gestos, balbuciamento, Quando descerdes nas espirais Deslumbradoras do esquecimento.. E acima disso, buscas sober (Os seus instintos, suas tendéncias... Espiar-ihe na alma por conhecer (0 que hd sincero nas aparéncias. E 0s teus desejos ferventes vio Batendo as asas na irrealidade.. (© que tu chamas tua paixdo, E rao-somente curiosidade. Poemeto erédtico Feu corpo claro ¢ perte — Teu corpo de mar Quero possut-lo no Extreito da redondilha... Teu corpo & tudo 0 que cheira.. Rosa... flor de laranjeira... Teu corpo, branco ¢ macio, E como um véu de noivado.. 38 Teu corpo € pomo doirado... Rosal queimado do estio, Desfalecido em perfume... Teu corpo € a brasa do lume... Teu corpo é chama ¢ flameja Como a tarde os horizontes... puro como nas fontes A dgua clara que serpeja, (Que em cantigas se derrama.. Volipia da dgua ¢ da chama... A todo 0 momento 0 vejo- Tew corpo... a tinica tha No oceano do meu desejo... Teu corpo & mido o que Tew corpo & tudo 0 que Rosa, flor de laranjeira.. Boda espiritual | Tie nto estas comigo em momentos escassos: No pensamento meu, amor, tu vives nua — Toda nua, pudica ¢ bela, nos meus bragos. 0 reu ombro no meu, dvido, se insinua. Pende a twa cabeca, Eu amaciona... Afago-a.. Ah, come a minha mao treme... Como ela é ta.. Poe no teu rosto 0 goz0 uma expresso de mégoa. 0 teu corpo crispado alucina. De escorco 0 vejo estremecer como uma sombra négua. Gemes quase a chorar. Suplicas com esforco. E para amortecer teu ardente desejo Estendo longamente a mao pelo teu dorso... 9 Tua boca sem voz implora em um arquejo. Eu te estreito cada vez mais, e espio ab: 4 maravilha astral dessa nudez sem pejo.. E te amo como se ama um passarinho morto. Renincia Chora de manso ¢ no intimo... Procura Curtir sem queixa o mal que te crucia: © mundo é sem piedade e aré riria Da tua inconsoldvel amargura. 56 a dor enobrece e é grande ¢ & pura. ‘Aprende @ améla que a amaris um dia. Entéo ela serd tua alegria, E sserd, ela s6, tua ventura... A vida & va como a sombra que passa. Sofre sereno e dalma sobranceira, Sem um grito sequer, tua desgraca. Encerra em 11 tua tristeza inteira. E pede humildemente a Deus que a faca Tua doce € constante companheira... Os Sapos Enjunando os papos, Saem da penumbra, ‘Aos pulos, os sapos. A luz as desiumbra. Em ronco que aterra, Berra 0 sapo-boi “ foi & gu — "Foil" — “Nao foi” Tee © sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: — “Meu cancioneiro E bem martelado. Vede como primo Em comer os hiatost Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos. © meu verso & bom Eramento sem joio. Faco rimas com Consoantes de apoio. Vai por cingilenta anos ‘Que thes dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma. Brada em um assomo O sapo-tanoetro: — "A grande arte € como Lavor de joalheiro. Ou bem de estaruério. Tudo quanto é be Tudo quanto & vér Canta no mart Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: — "Seil” — “Nao sabe!” — “Sabe!”. a Longe dessa grta, | Alguma couse Lé onde mais densa © punge ali 4 noite infinita Que ele ndéo ousa Verte a sombra imensa: Lancar de si i (0 pobre doidot 1 gio ao mando, | zm gloria, em fé, | fe No perau profundo i eee E solitirio, 6 J Em agonia giana Faz que the bata Transido de frio, ree Sapo eurur Da beira do rio. Sangrenta rosa ‘Que evoca a louce, 4 voluptuosa Volivet boca De sua amada.. Debussy : ‘Ab, com que mégoa, Com que desgosto Dois fios de égua Lavam-he 0 rosto De faces lividas! Da veste branca A larga tinica Por fim arranca A rosa pinica Que delicadamente © quase a adormecer 0 balance Em um solugo. Prin. — Para ¢é, para ld E parecia, Para cd tar Jogando ao chdo = 0 novelocinho eaiu. : 4 flor sombria, ‘Que 0 coragto \ Ele arrancaral. i A Rosa | Avista incerta, Alumbramento ‘Os ombros langues, | Pierrot aperta Eu vi os cus! Bu vi os cbus! As mos exenguet : Oh esta angélica brancura De encontro ao peito. Sem rristes pejos e sem véusl 2 8 Nem uma nuvem de amargura Vem a alma desassossegar. E sinto-a bela... e sinto-a pura.. Eu vi nevar! Eu vi nevar! Oh, cristalizapées da bruma A amortaihar a cintilar! Eu vio mar! Lirios de espuma Vinham desabrochar a flor Da dgua que o vento desapruma... Eu via esirela do past. VE carros trtunfais.. troféus.. Pérolas grandes como a lua... Eu vi of eéus! Eu vi os céus! — Eu viea nua... toda.nuat Balada de Santa Maria Egipciaca Santa Marla Egipciaca seguia ‘Em peregrinacdo & terra do Senkor. Caia 0 crepisculo, ¢ era como um triste sorriso de mértr... Sania Maria Eglpctaca chegou mnge a outra margem! junto a ribanceira, Num barco, Um homem de othar duro. Nao tenho dinheiro, O Senhor te abengoe. © homem duro fitowa sem a6. Caia o erepusculo, ¢ era como um triste sorriso de mirtir.. tenho dinheiro. O Senhor te abengoe. Levame @ outra parte. © homem duro escarneceu: — Nao tens dinhetro, Mulher, mas tens teu corpo. Dérme o teu corpo, € vou levarste. Ea santa sorriu, , a0 gesto que ele fer. ‘Na graga divi Santa Maria Egipciaca despiu © manto, ¢ entregou ao barqueiro A santidade da sua mudez Carinho triste Altua boca ingénua ¢ triste E voluptuosa, que eu saberla fazer Sorrir em meio dos pesares ¢ chorar em meio das alegrias, A tua boca ingénua ¢ wiste # dele quando ele bem quer. Os teus selos miraculosos, Que amamentaram sem perder precério frescor da pubescéncia, Teus seies, que sdo como os seios Inactos das virgens, ‘Sao dele quando ele bem quer. 0 teu claro ventre, Onde como no venire da terra ouco bater O mistério de novas vidas ¢ de novos pensamentos, Tau ventre, cujo contorno tem a pureza da linha de mar [edu a0 pér-do-sol, B dele quando ele bem quer. 6 FEE EH ee EB EEE EE EEE i PEEPS ee eee eee) i | 56 ndo & dele a tua tristeza. ; Sino da Paixao.. Por meu pai?.. ~ Nao! Naot. Tristeza dos que perderam o gosto de viver. | Sino da Paixdo bate béo-bdo-ba0. Des que a vida traiu impiedosamente. i ‘Tristeza de crianca que se deve cfagar & acalentar, | Sino do Boniim, baterés por mim?,.. (A minha tristeza tambént...) S86 no & dele a tua tristeza, 6 minka triste amiga! i . Porque ele ndo a quer. | Sino de Belém, Sino da Paixao... Sino da Paixéo, pelo meu rmao.. Sino da Paiva Sino do Bon Saal Sino do Bent c e man, or mind | : inode Belt, qu arg le em! Sino de Belém, Si Belém, que graga ele tem! 3 de Pa. Sino de Belém, Sino da Patxdo... Sino do Bonfi Meninos carvoeiros Sino do Bont Oo ; meninos carvociros : Pastam a caminko da cidade. Eb, carvoero! ‘Sino de Belém, pelos que inda vem! It 40 tocando os animais com um relho enon Sino de Belém hate bem-bem-bem. eee. md an ett sill 0s burros sto magrinhos ¢ velhos. Sino da Paixéo, pelos que Id vo! Cada um leva seis sacos de carvio de lenha. Sino da Paixao bate bdo-baobao. A aniagem & toda remendade. (0s carvées eaem. Sino do Bork, por quem chora asin. eee . (Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, do- [brando-se com um gemido.) Sino de Belém, que graga ele tem! = Fh, carvoere! Sino de Belém bate bem-bem-bem. 6 mesmo estas criangas raqutticas eee Pao bem com esies burrinhos descadeirados. ino da Paixéo — inka irmal A madrugada ingénua pare ara eles Sino da Paixéo — pela minka mae! Pequenina, ingénua misérc Adoréveis carvoeirinhos que trabathais como se brincdsseis! ‘Sino do Bonfim, que vai ser de mim?.. ech carvoero! saa Quando voltam, vém mordendo mum pao encarvoado, Sino de Belém, como soa bet Sean aimee Sino de Belém bate bem-bembem. Dancando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos (desamparadost 46 ” Noturno da Mosela Arnoite... 0 silencio. Se fosse 6 0 siléncio! ‘Mas esta queda dégua que ndo para! que ndo paral Nao é de dentro de mim que ela flu sem A minha vida jose, foge — € sinto que foge i siléncio e a estrada ensopada, com dois reflexos inter- Fumo até quase ndo sentir mais que a brasa ¢ a cinza em [minka boca. 0 fumo jaz mal aos meus puimBes comidos pelas algas. 0 fumo & amargo e abjeto. Fumo abencoado, que és amargo le abjetot Uma pequenina aranha urde no peitoril da janela a teia- [zinha levissima, Tenho vontade de beijar esta aranhazinha.. No entanto em cada charuto que acendo euido encontrar 0 Lgosto que faz esquecer.. Os meus rerraros... OS meus livros. © men erucifiso de [msarfim... Ea noite. Ha multos anos tenho-a comigo. © tempo envelhecew-a, carcomewa, manchowa de pétina Tamarelo-suja. Os meus olhos, de tanto a olharem, Impregnaram-na da minha humanidade ironiea de tisico. 48 Um aia mao esripida Inadvertidamente a derribou e parti. |. Enudo aloeDiet com raiva recolktagueles rises fragmentos, {recompus @figurinha que chorava. 0 tempo sobre os feridasescurect ainda mals 0 sulo mor- | dente da patna Hoje este gessozinho comerciat Pccante © vive, e me jee agora rejletir (Que s6 ¢ verdadelramente vivo 0 que i sofreu. Noite morta Noite morta. Junto ao poste de ilwminagéo 105 sapos engolem mosquitos. Ninguém passa na estrada, Nem um bébado. No entanto hé seguramente por ela uma procissaio de som- Ubras. Sombras de todos os que passaram. Os que ainda vivem e os que jé morreram. | | | | a ) eam t | | (Nao desta noite, mas de outra maior.) Na Rua do Sabao | Cai cat balao Cai cai bali Wa rua do Saba! cy 0 que custou arranjar aquele baldocinko de papel i Quer jez fol o filha da lavadeira. Berimbau Um que trabalna na composigdo do jornal e toste muito. | Comprou 0 papel de seda, cortowo com amor, compas os ‘gomos oblongos. Depots austou 0 mortao de pez ao bocal de arame. Os aguapés des aguagais Nos trapds dos Japurds Eilo agora que sobe — pequena coisa tocante na escuridao ; ido céu. | Dos Japurds ¢ dos Purus. Levou tempo para criar {olego. Bambeava, tremia todo e mudava de cor. | 4 luca € uma maluca. ‘A molecada da rua do Sabao | Sai sozinha da maloca — Gritava com maldade: i © boto bate — bite bite. Cai cai baldo! Quem ojendeu a mameluca? © Cussaruim bota quebramos. Nos aguacais os aguapés — Cruz, eankoto! — Bolem... Peraus dos Japurds F fot subindo. De assombramentos « de espantosi... para longe.... Subitamente, porém, entesou, enfunowse e arrancou das} Imaos que o tenteavan. serenamente... Como se 0 enchesse 0 soprinho tisico do José. Cai eat bald! Penséo familiar A molecada salteou-o com atiradeiras assobios apupos rdim da pensdozinha burguesa. pedradas. de: wgados a0 tia os canteiros chatos. Cai cai baldo! de crestar as boninas que murcharam. Um senhor advertiu que os baldes sao proibidos pelas ‘amarelo! [posturas municipais. resistem. | E as délias, rechonchudas, plebéias, dominicais. Ele, foi subindo. . muito serenamente ‘Um gatinko faz pipt ara muito longe. ‘Nao eaiu na rua do Sabo. Cai muito longe.-. Cat no mar — nas éguas puras do | Sai vibrando com. eegd har alto. | — Ea iinica criaura ta: burgueso. 50 O Cacto Alquele cacto lembrava os ge Laocoonte constrangido pelt Ugolino e os jilhos esfai Um dia um rufao furlbundo abetew-o pela rai. 0 cacto tombou atravessado na rua, Quebrou os beirais do easario fronteiro, Impediu o transixo de bondes, automéveis, carrocas, Arrebentou os cabos elérricos'e durante vinte ¢ quatro ho- {ras privou a cidade de iluminazdo ¢ energia: — Era belo, dspero, intrardvel Pneumotérax ‘Debre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. ‘A vida intelra que podia ter sido e que ndo fot. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar 0 mééico: — Diga trinta e trés. — Trinta e trés.. trinta ¢ trés.. trinta e tré — Respire. {pulmdo direito infiltrado. — Entao, dowtor, no é possivel tentar 0 pneumotbrax? — Néo. A tinica coisa a fazer € tocar um tango argentino. Poética Estou farto do trismo comedido ‘Do lirismo bem comportado 52 desesperados da estaruéria: | Do lirismo funciondrio piblico com livro de ponto expe- lente protocolo e manijestaes de epreco ao, xenhor liretor | Bou farto do lirismo que para e val averiguar no diciond- [rio 0 eunho verndculo de um voedbulo Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construcdes sobretudo as siniaxes de excecdo Todos os ritmos sobretudo os inumeréveis Estou farto do lirismo namorador Politico lirismo que capitula ao que quer que seia fora de ist mesmo. De resto ndo é lirismo Serd contabilidade tabela de co-senos secretério do amante exemplar com cem modelos de cartas ¢ as diferentes Umaneiras de agradar as mulheres, etc. ‘Quero antes 0 lirismo dos loucos O lirismo dos bébedos 0 lirismo dificil e pungente dos bébedos O lirismo dos clowns de Shakespeare — No quero mais saber do lirismo que ndo é libertagdo. Porquinho-da-India Quando ex tinba seis anos Ganhei um porquinho-daindia. Que dor de coracto me dava Porque o bichinho 56 queria estar debaixo do fogdo! Levava ele pra a sala Pra os lugares mais bonitos mats limpinhos Ele néo se importava: ‘Queria era estar debaixo do fogao. Nao fazia caso nenhum das minhas ternurinkas... — 0 men porquinhoda-india joi a minha primeira namo- (rada. 83 O major Orajor morreu, Reformado. Veterano da guerra do Paraguai Herdi da ponte do Itororé. Nao quis honras militares, Nao quis discursos. Aperas 4 hora do enterro © corneteiro de um batalhdo de linka Deu a boca do timulo © toque de silencio. | | | | Evocagao do Recife | Recile i ‘Nao a Veneza americana Nao @ Mauritssiad dos armadores das Indias Ocidentais Nao 0 Recife dos Mascates Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois — Recife ‘Mas o Recife sem histéria nem literatura Recife sem mais nada Recife da minke injéncia A mia da Unido onde eu brincava de chicote-queimado ¢ Ipartia as vidragas da casa de dona Aninka Viegas Torénio Rodrigues era muito velho e botava o pincen® na [ponta do nariz Depots do jantar as familias tomavam a calgada com cadei- ras, mexericos, namoros, risadas A gente brincava no meio da rua Os meninos gritavam: 34 BS een A disténcia as vozes macias das meninas politonavam: Roseira dé-me uma rosa | Craveiro dé-me wm boréo | (Dessas rosas muita rosa Teré morrido em botio...) De repente nos longes da noite um sino ‘Uma pessoa grande dizia: Fogo em Santo Aniénio! Outra contrariava: Sao José! Tot6nio Rodrigues achava sempre que era Sdo José. (0s homens punham o chapéu salam furanito E eu tinka raiva de ser menino porque nio podia ir ver {0 foo Rua da Unio... Como eram lindos os nomes das ruas da minha infancia Rua do Sol (Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal) Atrds de casa ficava a rua da Saudade... ++ .onde se ia fumar escondido Do lado de id era 0 cais da rua da Aurora. . onde se ia pescar escondido Capiberibe — Caplbaribe Lé longe 0 seridozinho de Casangd Banheiros de patha Um dia ee vi uma moga nuinha no banko Figuel parado 0 coragao batendo Ela se riu Foi 0 meu primeiro alumbramento | 35 CCheia! a1 chelas! Barro bot morto drvores desirogos redo- : (moth sui E nos pegbes da ponte do trem de ferro os caboclos deste Imidos em jangadas de bananeiras Novenas Cavathadas Eu me deitei no colo da menina ela comecou a passar a [mao nos meus eabelos Capiberibe — Capibaribe Rua da Unido onde todas as tardes passava o preta das [bananas Com o xale vistoso de pano da Costa Eo vendedor de roletes de cana de amendoim (que se chamava midubim ¢ ndo era torrado [era cozido Me lembro de todos os pregoes: (Oves frescos e baraios Dez ovos por uma pataca Fol hé muito tempo. A vida ndo me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na lingua errada do povo Lingua certa do povo Porque ele é que fala gosteso 0 portugués do Brasil ‘Ao passo que nds que fazemos E macaquear sintaxe lustada A vida com uma porgio de coisas que eu rido entendia bem Terras que néo sabia onde ficavam Recife... ‘Rua da Unio... A casa de meu avo... ‘Nunca pensei que ela acabasse! Tudo 1d parecia impregnado de eternidade Recife ‘Meu avé morta. Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa [de mew avd Andorinha Aniorinka id fora esté dizendo: — “Passe! 0 dia @ toa, @ toa!” Andorinha, andorinha, minha cantiga € mais triste! Passei a vida @ toa, d toa... Irene no céu Grene preta Trene boa Trene sempre de bom-humor. Imagino Irene entrando no céu: — Licenga, meu branco! E Sao Pedro bonachao: — Entra, Irene. Vocé nao precisa pedir icenca. Profundamente Quando ontem adormect ‘Na noite de Sdo Joao Havia alegria € rumor Estrondes de bombas luzes de Bengala Vozes cantigas ¢ risos Ao pé das fogueiras acesas. No meio da noite despertei Nao ouvi mais vozes nem risos ‘Apenas baldes Passavam errantes Silenciosamente ‘Apenas de vez em quando © ruido de um bonde aT E ri ‘Ao pé das Jogueiras acesas? = Estavan rmindo Estavam todos Dormindo Profundamente ‘Quando eu tinha seis anos Nao pude jim da festa de Sto Soo Porque adormeci Hoje néo ougo mais as vores daquele tempo Minha av Meu ave Tordnio Rodrigues Tomésia Rosa ‘Onde estdo todos eles? todos dormindo deitados Profundamente. Namorados Ovrapaz chegowse para junto da moga e disse: Entonia, ainda nao me acostumel com 0 seu corpo, com [a sua cara. A moga olhox de lado e esperot. _— Voce ndo sabe quando a gente é crianga ¢ de repente vé [uma lagarta listrada? A moga se lembrava: ANA gente fica olhando.. 58 A meninice brincou de novo nos olhos dela. rapaz prosseguiu com muita docura: — Amiénia, voc® parece uma lagarta listrada. A moca arregalou os olhos, fez exclamagées. © rapox conchutu: — Anténia, voct & engracada! Voct parece louca. O impossivel carinho = Eu soubesse repor — No coracdo despedagado (AS mais puras alegrias de twa infanctal Vou-me embora pra Pasdargada Vowme embora pra Pasargada 14 sou amigo do rei Lé tenho @ mulher que eu quero Na cama que escolherei Voume embora pra Pasdrgada Youme embora pra Pasirgeda Aqui eu nao sou feliz Lé a existéncia é uma aventura De tal modo inconseqitente ‘Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que munca tive 59 nner TT TTT ee ee E como farei ginéstica Andarei de bicicieta ‘Montarei em burro brabo ‘Subirel no pau de sebo Tomarei bankos de mar! E quando estiver cansa Deito na betra do ri Mando chamar a mded égua Pra me contar as histérias ‘Que no tempo de eu menino Rosa vinka me contar Voume embora pra Pasdrgada Em Pasérgada tem tudo E outra civilizagao Tr Tem ale Tem prostinstas bonttas Para a gente namorar E quando eu estiver mas triste Mas triste de ndo ter jeito Terei a mulher que eu quero ‘Na cama que escolherei Vow-me embora pra Pasdrgada. Poema de finados © fitho tem mais precisto. 60 ee que resta de mim na vida Ea amargura do que sofr. Pois nada quero, nada espero. E om verdede estou morto ai. O Ultimo poema Abssim eu quereria 0 meu illeimo poema Que fosse temo dizendo as coisas mais simples € menos in- Ltenctonats Que fosse ardente como um soluro sem légrimas Que tivesse a belea das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem 0s diamantes mais ‘ Uimpidos A paixio dos suicidas que se matam sem explicaséo. Estrela da manha Procurem a estrela da manhé Ela desapareceu ia nua Desapareceu com quem? Procurem por toda parte Digam que sou um homem sem orgulho Um homem que aceta tudo Que me importa? Eu quero a estrela da manha Trés dias e trés noltes Fui assassino ¢ suicida Ladrio, pulha, falsério Virgem mal-sexuada Atribuladora dos aflitos Giraja de duas eabecas Peeai por todos pecai com todos Pecal com os malandros Pecai com os sargentos Pecai com os fuzileiros navais Pecai de todas as maneiras Com os gregos e com os troianos Com 0 padre e com 0 sacristéo Com 0 teproso de Powso Alto Depois comigo Te esperarei com mafuds novenas cavalhadas comerei terra Te direi coisas de uma ternura tdo simples Que 1 destalecerds Procurem por toda parte Pura ou degradada até a itltima baixeza Eu quero a estrela da manka. Cangéio das duas Indias Entre estas Indias de leste E as Indias ocidentais Meu Deus que disténcia enorme Quantos Oveanos Pacificos Quantos bancos de corais Quantas frias latitudes! Thas que a tormenta arrasa Que os terremotos subvertem Desoladas Marambaias Sirtes sereias Medéias Piibis e ndo poder mais Altos como a Estrela D'alva Longinquos como Oceanias — Brancas, sobrenaturais — Oh inaccessiveis praias!.. we Poema do beco Que importa a paisagem, a Gidria, a bata, a linka do ho- [rizonte? — 0 que eu vejo é 0 beco. Balada das trés mulheres do Sabonete Araxd As irs mulheres do sabonere Araxé me invocam, me [bouleversam, me hipnotizam Ob, as tés mulheres do sabonete Arasé ts $ horas da (earde! © meu reino pela trés mulheres do sabonete Araxdt Que outros, ndo eu, a pedra cortem Para brutais vos adorarem, © brancaranas azedas, Mulatas cor da lua vém salndo cor de prata (Ou celestes africanas! ‘Que eu vivo, padeco ¢ morro 36 pelas trés mulheres do [sabonete Araxé! ‘Sdo amigas, séo irmas, sto amantes as trés mulheres do : [sabonete Araxé? So prostituras, sto declamadoras, so acrobatas? So as srés Marias? Meu Deus, serdo as trés Marias? A mais nua & doirada borboleta. ‘Sea segunda casasse, eu ficava sajado da vide, dava pra [beber e nunca mais telefonava. Mas se a terceira morresse, [queres uma itha no Pactfico? [um bangald em Copacabana? 6 Ex responderia: Ndo quero nada disso, tetrarca, Eu sé [quero as trés mutheres do sabonete Araxd: © meu reino pelas trés mulheres do sabonete Araxd! Cantiga Nias ondas da praia ‘Nas ondas do mar Quero ser jeltz Quero me ajogar. Nas ondas da praia Quem vem me beijar? Quero a Estrela D'alva Rainka do mar. Quero ser feliz Nas ondas do mar Quero esquecer tudo Quero descansar. Momento num café Quando o enterro passou ‘Os homens que se achavam no café Tiraram 0 chapéu maguinalmente Saudavam 0 morto distraidas Estavam todos veltados para a vida Absortos na vida Confiantes na vida. Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado Othando o esquife longamente Este sabla que a vida é uma aglagdo feroz e sem finalidade Que a vida é traigio E saudava a matéria que passava Liberta para sempre da alma extinta. 64 Marinheiro triste Marinheiro triste ‘Que voitas para bordo Que pensamentos sto Esses que te ocupam? Alguma mulher ‘Amante de passagem (Que deixaste Longe Num porto de escala? Largas jraternais ‘Mais nobres'mais fundas? Marinkeiro rriste De um pats distante Passaste por min. Tao alhelo a tudo Que voltasses bébedo Marinkeiro triste! E eu que para casa Vou como tu vais Para 0 teu navio, Vou licido e triste. Amanha terds Depois que partires — Antes melhor fora Que voltasse bébedo! 5 Oragao a Nossa Senhora da Boa Morte ‘Diz rantos versos a Teresinha, Versos tao sristes, nunca se viu! Pedéthe coisas. O que eu pedia Era tao pouco! Nao era gl Nem era amores... Nem foi dinheiro. Pedia apenas mais alegria: Santa Teresa nunca me ouviu! Pare outras santas voltei os olhos. Porém as santas sdo impassiveis Como as muiheres que me enganaram. Desenganci-me das outras santas (Pedi a muitas, rezei a tantas) Aué que um dia me apresentaram ‘A Sama Rita dos Imposstveis. Fui despachado de maos vazias! Dei volta ao mundo, tentei a sorte. ‘Nem alegria mais peco agora, Que eu sei o avesso das alegrias. Tudo que viesse, viria tarde! © awe na vida procurei sempre, — Meus impossiveis de Santa Rita — Darme-eis um dia, ndo 6 verdade? Nossa Senhora da Boa Morte! D. Janaina D. tanaina ‘Sereia do mar Vai se banhar. D. Janaina Princesa do mar 6 D. Janaina Tem muitos amores Congo E ore de Aloanda E 0 sultéo-ios-matos # S. Salavat Saravé saravé Princesa do mar Dat-me licenga Pra eu também brincar No vosso reinado. Trem de ferro Cast com pao Café com pao Catt com pao Virge Maria que foi isto maquinista? Azora sim Caté com pao Agora sim Vou, jumaa Corre, cerca

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