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NOTAS E TRANSCRICOES A ADESAO DO CEARA A INDEPENDENCIA José Aurélio Cémara Quando chegou ao Ceara a noticia da Independéncia? ©’ uma pergunta ainda sem resposta. Imprensa néo havia ainda em nossa terra naqueles dias, de sorte que s6 uma pesquisa intensa em documentos da administracdo provincial da época poder& trazer alguma luz @ indagacio. Em tempos bem diversos de hoje, quando uma informag&o sobre um tufao qualquer da Cceeania chega ao nosso ecnhecimento em segundos ou minutos, nas ondas velocissimas do radio ou TV, era ent&io no bojo das galeras, ao capricho dos ventos, que se trans- portavam os homens, as colsas e as noticlas. A abdicagio de Pedro I ao Trono brasileiro, ocorrida no Rio em 7 de abril de 1831 somente foi conhecida em Fortaleza na noite de 13 de maio daquele ano, 36 dias, portanto, apdés o histériea acon- tecimento. Foi o brigue inglés “Atlas”, comandado pelo capitéo Edward Higginson, quem trouxe de Recife a importante ‘noticia, que trés dias depols seria divulgada as CAmaras Muntetpats pelo Vice-presidente em exercicio José de Castro e Silva. A queda do Gabinete da Malorldade, de fillagdo-tiberat, ocorreu em 23 de marco de 1841, e o navio que trazia a comuntca- cdo naufragou em Alagoas. Em consequéncia, sé em fins de-malo € que, em Fortaleza, se teve conhecimento da revirayolta politica acontecida na Cérte. Os conservadores ja ocupavam na capital do Pais as posigdes do mando e seus correligiondrios, dols meses de- pois, ainda sofriam, no Cearé, um ostracismo orlundo da precarie- dade das comunicagées. .. Machado de Assis, numa de suas cronicas, lamentava que 0 advento do cabo submarino abreviasse a vinda das informagdes da Europa, antes chegadas pelos navios de linha, porque, disia ele, entre uma noticia e outra havia tempo para refletir-se sobre elas. 32 REVISTA DO INSTITUTO DO CRARA © que nfo diria hoje o grande ironista ante a avalanche inces- sante de informagdes com que a era das comunicagées tumultua a calma e a reflexio dos mortats!. _ . Né&o se conhece, como dissemos, a data em que o Cearé se {nteiron da boa nova da Independéncia, © que revelam os documentos 6 que o grito do Ipiranga R&o teve, pelo menos aqui, a imediata significacio que depois as- sumiu. O que repercutiu vivamente, como fato caracterizador do novo status politico, fol a aclamago de Pedro I, em 12 de outubro seguinte, como Imperador e Defensor Perpétuo do Brastl, Também nfo se pode precisar quando aqui chegou a notf- ela da ocorréncla. O que se sabe 6 que, em 24 de novembro de 1822, os brasileiros e portugueses aqui domiciliados reuniram-se na Cama- ra Municipal da capital para, solenemente, oficlalizarem seu jura- mento de fidelidade ao Imperador recém-aclamado. ° ‘Os cearenses que assinaram o documento, que passarla & ‘Histéria como traduzindo a adesio do Ceara & Independéncia, constituiam a facgdo simpética aos interésses lusos, e contra a qual, “antes e depois se insurgiu a corrente nacionalista do interior, de que eram Hderes Trist&éo e Filgueiras. - Aquele documento, que a seguir transcrevemos, revela, sem. davida elguma, sua nitida inspiragfo filo-portuguésa e uma Inequi- ‘yoca preocupagio acomodaticia. Ei-lo: ,“Aos 24 de novembro de 1822, nesta vila Fortaleza de N. 8. Assungio eapital'da provincia do Cear& Grande, nas casas da CA- mara e Pagos do Conselho da mesma Vila, onde se acharam reuni- dos © Jide Fora presidente pela lei, vereadores e procurador do ‘ Conselho comigo escrivio abaixo nomeado, membros do Exo, Go- verno Provisério, tropa, clero, nobreza e povo, em virtude do qual edital, que este Senado, de acordo com 0 mesmo Exmo. Governo mandou publicar em data de 20 do corrente para efelto de se sclamar Imperador Constitucional do Brasil o Sr. D, Pedro de Al- ‘ eintara, 4 imitaciio da provincia do Rio de Janeiro, segundo cons- + ta das féthas piblicas, que no dia 12 de outubro passado era acla- * mado; e depois de recitada uma enérgica fala pelo presidente déste Senado fol aclamado Imperador Constitucional do Brasil > Sr. D. Pedro de Alcintara, com imensos e repetidos vivas, acompanhados de repiques de sinos e salvas reals do batalhéo e fortaleza, tudo * @lebaixo das mesmas cldusutas e condigdes com que foi aclamado + naquela Corte do Rio de Janeiro, E logo todos undnimemente ratl- - fiearam de névo a adesio e obediéncia ao mesmo Imperador, as ~(Cortes Constituintes ¢ legislativas do Brasil, que se vio instalar REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 221 no Rio de Janeiro, a S. Majestade El-Rei Constitucional o Sr. D. Jo&o VI e a serenissima Casa de Braganga, e protestaram defen- der o mesmo Imperador e a Patria a custa do proprio sangue, proclamando a sua Independéncia moderada e unldo a bem da san- ta causa Luso-Brasiletra, O que feito, foram & Igreja Matriz, onde velebrou-se um Te-Deum solene em agio de gracas; e de tudo para constar se mando fazer esta ata em que todos asssinaram, e que por cépia fésse remetida para o Ministério da Cérte do Rio de Janeiro. E eu, Joao Lopes de Abreu Lage, escrivio da Camara o escrevi, e com todos assinel. a) José Raimundo Paco do Por Bem Barbosa, Presidente; Francisco Xavier Torres, Padre Francisco. Gongalves Ferreira Magalhées, Mariano Gomes da Silva, Jos§ de Castro e Silva, Secretério; Joaquim Lopes de Abreu. Seguem-se 97 ; assinaturas”, | Aquela “Independéncia moderada”, e “Unido. a bem da. santa causa luso-brasileira”, nio traduziam, evidentemente, o pen- - tamento dos auténticos reyolucionaérios cearenses, daqueles que: vinham agitando o interior contra o conservadorismo filo-portu~: gués da capital, e isso foi violentamente revelado nos dois anag que se seguiram 4 Independéncia. (Publicado no “O POVO" de 22/1/1972).

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