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Goiânia, 25 de setembro de 2008.

RESENHA ACADÊMICA CRÍTICA


LOPEZ, Telê Porto Ancona (1974) Macunaíma: a margem e o texto
(Página 3 a 23). São Paulo, HUCITEC, Secretaria de Cultura, Esportes e
Turismo.
Resenhado por Giuliane Ferreira dos Santos- 061561
(Universidade Federal de Goiás- Faculdade de Letras)

O estudo de Telê Porto fala sobre a produção de Macunaíma de Mário


de Andrade. A autora revela as influências de conhecimento do autor, que
geraram a obra, seus personagens e situações, até os próprios relatos de Mário
nas etapas de produção da obra, como também, depois, com os (des)sucessos
de suas expectativas em relação ao público leitor e aos vanguardistas e
vanguardas daquele auge do modernismo.
Foi escolhida uma parte do estudo da autora para esta resenha, a qual se
intitula “A Origem”. A autora esmiúça esse tema em quatro seções: A
primeira,“Macunaíma et Marginália”, explica como o autor marcava, com
traços, grifos e cruzes, as margens e trechos dos livros e autores, por ele,
estudados e pesquisados; A segunda, “Mário de Andrade e Koch-Grünberg”,
conta como Mário de Andrade teve influência de um estudo seu, sobre alguns
livros do autor Koch-Grünberg, logo antes de escrever Macunaíma, de onde
ele tirou alguns mitos indígenas que o inspiraram, assim como também, na
mesma época, estudava os volumes 1,3 e 5 dos livros do autor Vom Roraima
zum Orinoco, no qual fez algumas pesquisas de elementos musicais; A
terceira,“Razões de Macunaíma”, em que a autora transcreve um trecho da
carta de Mário de Andrade ao Professor Sousa da Silveira, traçando uma
síntese da obra, na qual deixa claro suas intenções de criar “um poema herói-
cômico(...). O real e o fantástico fundidos num plano(...). Um Brasil só e um
herói só.”; E por fim, a quarta seção,“Macunaíma e Antropofagia”, em que
faz uma relação do movimento antropofágico com as observações do autor no
interior do Brasil (que também o influenciaram na produção da obra), as quais
levaram-no a perceber as características de um povo primitivo, embora, de
antemão, Macunaíma não tenha sido escrito com intenções antropofágicas.
Teremos, ainda, na terceira seção, quatro subdivisões intituladas: “Os
mitos indígenas e a rapsódia Macunaíma”, na qual a autora mostra como
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“Mário de Andrade faz da narração indígena um romance popular
representativo da gente brasileira, faz a rapsódia”; “Macunaíma, simbolismo
de brasileiro”, em que a autora mostra que, para Mário, símbolo é diferente de
simbolismo, e que o “anti-herói” será apenas simbolismo de “raízes éticas e
mitológicas muito antigas” brasileiras, provando que ele “não (é) como o
brasileiro, mas como um brasileiro bem caracterizado pela sua incaracterística,
trazendo à baila o comportamento do povo”; “Macunaíma, sátira de Brasil”,
em que a autora mostra como Mário de Andrade se decepciona pela
“incapacidade de análise” do povo brasileiro, que considera sua obra, uma
simples “sátira” da preguiça, da mentira e da burla, quando na verdade, é um
“retrato crítico, sem retoques”, e também mostra a contradição (inconsciente,
pelas condições da época) do próprio Mário ao negar a civilização,
abominando o mundo técnico e valorizando o primitivo, afinal, ele satiriza o
que lhe agrada?; E “Nacionalizar sem regionalizar”, em que a autora expõe o
quanto Mário de Andrade defendia a importância da nacionalização para o
povo brasileiro ganhar força encontrando a sua identidade, podendo assim,
universalizar-se, o que significa estar à altura de países prósperos, por isso, o
autor sempre fez pesquisas de língua falada e regionalismos em geral, foi aí
que, então, descobriu que estes só intensificavam as deficiências nacionais, e
portanto, quebrou o regionalismo, com a sua chamada “desgeograficalização”,
conseguindo o que queria, que era mostrar a “realidade nacional crítica” para
“conscientizar” o brasileiro de que há que se formar uma boa cultura nacional
ainda, esta era sua real intenção.
Macunaíma deveria ser, portanto, “o romance de uma estética
nacionalizante”, como mesmo afirma Telê Porto. Mas como constata o próprio
Mário de Andrade ao dizer que fracassou, para muitos, o romance foi reduzido
à sátira do comportamento do brasileiro.
Então, em quatro seções, com quatro subdivisões em uma delas, a
autora conta quem é a personagem Macunaíma:

“herói civilizador e divindade dual, contraditória,


teoricamente capaz de grandes feitos, os quais, na
prática, reduz e apequena. É sagaz, malicioso,
propenso ao menor esforço (...) personagens de
pouco caráter: Kalawunseg, o mentiroso,
Konewo, uma espécie de Pedro Malazarte e o
cunhado prequiçoso de Etetó.”

Só que ela está dando as características dos personagens dos livros nos
quais Mário de Andrade buscou inspiração. Ou seja, Macunaíma já existia.
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Mas em “O herói sem nenhum caráter”, ele ganha uma roupagem nova: a de
“síntese do Brasil”.
A autora também nos revela que o que Mário de Andrade queria,
construindo essa “rapsódia”, era:
“pôr em prática duas teses suas: o primitivismo
do povo brasileiro e a legitimidade estética da
literatura popular e oral, para auxiliar a criação
erudita.”

Mário de Andrade valorizava o primitivismo e o satirizava ao mesmo


tempo. E tudo para conseguir a nacionalização da estética literária juntamente
com a nacionalização e, conseqüente, universalização, da cultura brasileira.
Uma coisa que Telê Porto não diz é que isso foi, de certo modo,
eficiente enquanto o autor esteve vivo, e acima de tudo, enquanto os ideais
modernistas estavam em voga. O Brasil não só não se universaliza
culturalmente por essa obra (o que era de se esperar de um povo que de
primitivo evoluiu para atrasado), mas também não o faz por outros meios, o
que é bem claro hoje em dia, em que a nacionalização dá lugar à
“globalização”, na qual os povos de todos os países do mundo tendem a ficar
bem próximos em suas culturas, costumes, etc.
A preocupação de Mário de Andrade em desconstruir aquele índio
burguês apresentado por José de Alencar no século anterior, não foi só de que
aquele índio não era compatível com a realidade, mas foi também pelo fato de
que o pensamento burguês não deveria ser o simbolismo do Brasil, por isso
Macunaíma vem representar o que Telê Porto chama de “retrato crítico”, ou
seja, a realidade nua e crua do que realmente representa(va) a maioria dos
brasileiros, que com certeza, não eram os burgueses.
Hoje, na “contemporaneidade”, Macunaíma é objeto de estudo, mas
continua exercendo a função de sátira, ou quase mesmo, apenas sátira. O que
não vai mal, visto que é sempre “bom bater de frente” com a realidade
hiperbolizada para não deixar cair no esquecimento o que continua sendo
importante e muito sério. Mas a priori, quanto ao objetivo de Mário de
Andrade, pode-se dizer que caiu no fracasso.
“Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, como comprova Telê Porto
em seu estudo, vai sempre nos recordar do que é real e “feio” na nossa
sociedade, assim como também, é a prova de que alguém (se é que, nesse
caso, podemos reduzir Mário de Andrade a apenas isso) tentou estabelecer
uma consciência cultural no povo brasileiro que, claro, não correspondeu.

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