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terminar os programas lo, mas com uma ajudinlll Ie Por acaso jd possufa alguns codigo so 2 internet via da amiga virtual, q ela conseguin aces. até Marte A primeira coisa q 1 satélite, que enviava singll que Luana fez depois de conseguir uma boa conexao foi enviar um 2 foto da vista da janela do quart tual. Slayer0000 respondeu com uma self em que fazia uma bitoca na escrivaninha de um escritério, 6 uniforme da Faraday Explorations em destaque. Ela nio devig 0 SHOW TEM tas a pele negra costumaval oe earn wando Luana anunciou qu QUE a tinha conseguido um Para a amiga virt alo les teriam conexao até tesmo em Marte, onde terminariam os tltimos detalhes da construgio. E assim Bom Jardim zarpou da ‘Terra Com internet e tudo, LAVINIA ROCHA 0 PLANETA TERRA sé tinha dado poucas voltas ao redor do Sol desde o comeco do meu treinamento. Por mais que os Grandes Ancestrais tivessem me criado especificamente para aqucla tarefa, as caracteristicas humanas que vieram no pa ote da minha personalidade cumpriam bem a fungao de tne deixar insegura. Nao era facil lidar com a ideia de que igora eu integrava ndo s6 uma grande equipe de assistentes divinos, mas também a equipe da nave espacial responsavel por cuidar de todos os humanos negros daquele enorme territério denominado Brasil. Eu conhecia muito sobre o universo na teoria, mas tinha certeza de que nao era o suficiente. Sabia, por exem- plo, que as equipes responséveis por cuidar de grandes po- puilagdes eram numerosas, mas isso nzo impedi que mew queixo caisse quando fui transportada para meu novo lar ¢ via quantidade de seres divinos na nave, todos comprometi- dos com 0 mesmo objetivo; sabia quee a tecnologia para um trabalho tao elaborado seria de ponta, mesmo assim, fiquei obcecada por tantos botdes, luzes ¢ ervas ao visitar a sala dos assistentes pela primeira vez ~ nem conseguia imaginar direito a quantidade de eédigos que poderiam ser eriados ‘em um lugar como aquele! Tinha nogao de como eram extensos 0s fios e cabos que conectavam a nave & Terra para que os cédigos fossem enviados, mas fiquei em choque a0 vélos pela janela. A criatividade das equipes dos Grandes Ancestrais em muito conhecida, mas nada foi tao especial quanto ver ng Fitica alguns dos cédigos da drea da culindria. A feijoaday especial, atigou minha curiosidade. Outro moment marcante foi quando adentreio universo da intelectualidade Passei varias fragdes de volta ao Si ol me deliciando com @ complexidade dos cédigos filos6fic 08 que rondavam a mente F is 1 dos humanos negros. No campo das artes, me apaixonei pelo cédigo denos minado “samba” ¢ passei a utilizar dispositivos invisiveis no puvido para que ninguém desconfiasse que eu acessava as notas sonoras dos humanos enquanto trabalhava Pui tirada do transe em que me encontrava ao descobrir um novo sambista por Adaobi Hemyolunna! Vocé ta me ouvindo’ Minha superiora colocou as maos na cintura e 0 raio de sol que entrava pela janela iluminou seu rosto, deixando ainda mais linda a pele cor de terra molhada que era apenas ‘um pouco mais clara do que a minha. ~ Me desculpe, Adaobi ~ respond, em conseguir pensar uma desculpa coerente Adaobi esticou o pescogo para analisar o que havia na tela do meu computador e semicerrou os olhos ao encontrar 6s videos de sambistas ao lado da ultima publicagao de um dos nossos grandes fildsofos Vejo que vocé se dedicou bastante a conhecer melhor »s c6digos que te mostrei, niio é mesmo? Sim, senhora — disse com respeito, temendo pelo meu cargo. Eu nem sequer havia passado pela fase de tre (Os Grandes Ancestrais ficariam decepcionados. ~ Pois agora chegou o momento de te inamento! mostrar o que anda Preocupando a equipe. Me acompanhe, por favor Algo no tom da minha superiora ndo omava com as notas festivas em meus ouvidos, de modo que retirei os dispositivos 44 res, © eu tentei Jui Adaobi. Percorremos largos corredor Hear ulencio em cada porta pela qual passdvamos na ten- Wiliva cle colctar alguma pista sobre aonde chine lev cet Hiiniles Ancestrais definitivamente haviam sido generc I porgio de ansiedade ao me eriar a g \ equipe responsével pelo Brasil existe ha varias voltas Ww Sol. No tempo dos humanos sto aproximadamente seis Hou Uau! 5 Fu sabia que, para nés, aquela quantidade de tempo no Jnificava muita coisa, mas, para os humanos, representava nimeras geragdes. Como toda equipe, enfrentamos rr iy um tempo pra ci, estamos perdendo 0 controle dizer, nem todos, mas no fim acho que ele acabaré aceitando. Novos olhares como o seu, Yolunna, podem trazer outras perspectivas para a nossa equipe De ee noel ber como reagir a frase ao eaegeee sonhecimentos na cabega, mas sem cheia de teorias ¢ novos cor Ps jualquer vivencia, Havia acabado de descobrir, por exemplo,, a i aras mos as trangas era uma das minhas maneiras de eres 30 que sentia. Como seria capaz de mater >roblema de uma grande equipe como aquela se ainda tinha ender sobre mim mesma? anto para apren Pe muita responsabilidade, Adaobi. Nao sei se dou % ou — Fique tranquila, existem novos Eas tros setores da equipe Sea ate oe a continuamos trabalhando, Gostaria apenas informasse caso visse algo que pudesse nos guiar a uma ee ou nos ajudar a melhorar. E provavel que estejamos errand em algum ponto. ~ Certo - concordei. Era 0 maximo que podia fazer naquele momento, Minha superiora revelou um pequeno sortiso antes de abrir uma porta e indicar com a mio para que eu entrasse primeiro na sala Nunca tinha visto um lugar tao deslumbrante! Ao me criar, os Grandes Ancestrais ndo tinham poupado nas doses de paixao a tecnologia, ¢ isso ficou dbvio quando vi todos aqueles painéis, telas, dispositivos, computadores e botdes, Meu coragao deu pulos. Uau, entéo esse érgiio nao servia apenas para bombear sangue E sempre bom ver a empolgagio dos novatos quando vem aqui. Gostaria de deixé-la admirando nossos aparatos Por mais tempo, mas o dever nos chama, e serei obrigada a te mostrar coisas nao to agradveis assim Minha superiora colocou duas cadeiras em frente A maior tela da sala e comegou a dar comandos a um painel Nio era como se eu estivesse a parte dos problemas que cxistiam no universo humano: 0s Grandes Ancestrais haviam fcito uma introducao as injusticas e contado que o objetivo das equipes que cuidavam do povo negro era quebrar eddigos Perversos para construir um lugar melhor, mas nosso trabalho ¢ra atrapalhado de forma constante por aqueles que chamé vamos de “os Outros” Toda essa teoria estava bem armazenada na minha men- te, mas 0 painel me mostrou imagens para as quais eu nao estava preparada, Havia uma diversidacle de cédigos feitos Pelos Outros que visavam a dominagiio do nosso pov. Adaobi comegou pelos primérdios da historia do terri- {rio brasileito. As coisas pareciam ir bem antes de o nome “Brasil” ser usado. No inicio, havia apenas um povo coman- dado por diferentes ancestrais; eles tinham outra relagdo com 0 lugar eu queria estudar mais a respeito dees, prineipal- tnente alguns de seus cédigos que pareciam se cruzar com os 8 Jhossos, como o da reveréncia A natureza. Mas no demorou nuito para Adaobi me mostrar um e6digo que quebrou toda s dinamica daquele territ6rio e ficou conhecido como “co jnizagao”, Em seguida, surgiu na tela 0 que os humanos Jhamaram de “eseravidkio”. Minha superiora parou quando petcebeu o impacto que aquela parte tinha causado em mim, Essa é a pior tragédia que a nossa equipe carrega. Fo. Jam tantas votas ao Sol trabalhando arduamente para destruir esse cédigo! Era uma sequéncia grande, complexa ¢ muito xen criptografada, os Outros amarraram tudo muito bem. E 0 que voces fizeram? - eel ea pouco embargada, me dando conta de que aquela sensagio tim dentro do meu corpo tentaa saira qualquer custo. Devia er por isso que uma espécie de agua salgada escorria pelos meus olhos. Seria dessa forma que o sentimento desagradavel tentava se libertar de mim? — Trabalhamos muito duro pra criar virias combina es capazes de competir com os Outros; os humanos cha: naram esse grupo de cédigos de “resistencia”. Mas, depois de séculos do tempo terrestre, quando estavamos prestes a quebrar a sequéncia “escravidio", os Outros viram que nao tinha saida, que nés vencerfamos essa, entdo inventaram a ‘edengio”, uma chave feita as pressas que foi aplicada em uma tal princesa. Em um segundo, fizeram com que tudo parecesse resolvido, até hoje os brasileiros falam disso como sm grande feito. Adaobi tinha os labios carnudos fechados em wm bico uma expressio revoltada no rosto. Eu conseguia imaginar que o rancor que ela sentia era muitas vezes maior que a minha revolta, que ja niJo era pequena. = Calma, entao os Outros fizeram uma sequéncia que beneficiou seu grupo de humanos em troca de sofrimento negro e, depois, quando viram que iam perdet 0 controle, criaram outro c6digo pra resolver tudo ¢ ficarem com a gl Precisamente, Yolunna. — Os Grandes Ancestrais niio me contaram nada sobre Eles preferiram que vocé visse nosso memorial com (5 proprios olhos. Compreendo ~ respondi, me sentindo um pouco ene ganada, Eles haviam me falado que tinhamos problemas para resolver, mas nao que seriam coisas to profuundas assim! Adaobi checou seu dispositivo pessoal e levou a mao rapidamente a testa antes de falar comigo outra ver. ~ Esqueci que tenho uma reunido agora com os assis- tentes do Nivel 2! Adoraria continnar te mostrando nosso me- morial, mas o grupo esté criando uma proposta para destruir © c6digo “solido da mulher negra” e preciso conterir isso. ~ Solido da mulher negra? - perguntei, sem saber 0 que aquelas palavras significavam Dificil explicar agora, s6 te mostrei até 1888 do calen. dério humano, ainda resta muita coisa para ver até que voce Possa entender essa sequéncia que os Outros criaram. Mas 1n6s vamos chegar Il! Agora preciso que volte & sua mesa Somente superiores ¢ assistentes a partir do Nivel 5 podem ficar sozinhos no memorial Certo. Amanha continuamos? Adaobi olhou preocupada para seu dispositivo, mas abriu um sorriso encorajador —Vou me esforgar ao maximo para isso. Concordei com a cabega, quando na verdade o que queria mesmo era implorar para que Adaobi terminasse de me mostrar a Hist6ria do Brasil. Eu estava perplexa com 0 que tinha visto até entao e ndo sabia o que esperar. Quantos ‘outros cédigos horriveis 0s Outros haviam criado desde 1888? ~ Assala de reunides fica pra 1, Nio tenho tempo suficiente para te levar de volta & sua mesa, vocé consegue voltar sozinha? — minha superiora perguntou com uma 48 expressio aflita, ¢ en soube que responder “niio” estava fora Be uc Jo, por mais que nao fizesse a menor ideia de qual direcao deveria seguir Claro! Ah, que timo ~ disse ela com um suspiro aliviado, — Até amanha, Yolunnal Adaobi saiu em disparada e eu me vi sozinha em frente \ porta do memorial. Por uma mimiscula fragao de volta a0 Sol, cogitei retornar e terminar de ver 0 que havia comegado. Tinha escutado muito bem 0 que minha superiora dissera ‘obre nao poder entrar naquela sala sozinha, mas havia algo borbulhando dentro de mim que eu nao sabia nomear muito bem. De acordo com teoria dos Grandes Ancestrais, aquele centimento podia ser raiva, citime ou gases. Nao, Eu nao devia quebrar as regras. No dia seguinte, Adaobi terminaria de me mostrar os problemas que os hu- manos negros tinham que encarar. Né? Mas ela nao havia prometido. Apenas dito que se esforga ria ao maximo. Ese estivesse ocupada demais para continuar me apresentando o memorial? E. se demorasse varias voltas 20 Sol para me colocar a par de tudo? Eu precisava trabalhar em prol dos humanos negros imediatamente! Os Outros com certeza estavam criando sequéncias e mais sequéncias de cédigos, ¢ eu tinha que comecar a decodificar e destruir! Quantos negros estavam sofrendo naquele exato momento, enquanto me decidia se quebrava ou ndo uma pequena regra? Era isso. Os Grandes Ancestrais me criaram para aju- dar com os problemas do povo brasileiro. Eu ndo podia decepcioné-los! Dei uma espiada pelo corredor, na tentativa de checar se havia alguém por ali e, em seguida, me voltei a maganeta da porta. Algo dentro de mim, que supus ser a pitada de bom senso colocada em minha consciéncia, tentou me convencer a agir de acordo com as normas. Eu ainda ¢stava em treinamento, Ser expulsa da equipe me impediria 48 de ajudar os brasileiros de forma definitiva, ¢ eu jamais des- cobriria o que veio depois de 1888. Com licenga, quem € voce? — Um superior surgiu atris de mim, interrompendo a guerra interna com a minha consciéncia. He era alto, tinha a pele bem escura e um olhar desconfiado, Osusto que levei fez com que minhas pernas tremessem 6 de todas as teagdes humanas que tinha experimentado até entao, aquela foi a mais estranha. Hmm... eu... ~ respondi, enquanto engolia em seco, tentando recobrar algum equilibrio. No cracha do superior, 0 nome “Utondu” vinha em letras garrafais, ¢ cu sabia que ele ra o responsivel pelo setor da Ciéneia, - Eu sou Hfemyolunna 4 nova integrante em treinamento. — Ah, claro! Seja muito bem-vinda! ~ Ele abr um sorriso afetuoso, e fiquei mais tranquila, Obrigada! Adaobi estava me apresentando 0 memorial agora vou voltar 8 minha sala — Otimo! Bom trabalho! ~ Ele acenou enquanto eu apressava o passo na ditegdo oposta 3 que minha supervisor havia seguido Utondu abriu a porta do lugar para onde eu queria tante voltar e suspiei, imaginando a quantidade de informagao que aquela sala teria a me oferecer. Assim que dobrei o corredor a direita, sem ter certeza se es- tava indo para o lugar certo, comecei a andar mais devagar e “observar com cautela o que havia do lado de dentro das portas abertas. Entre varios assistentes divinos trabalhando em seus computadores de ponta, uma sala me chamou a atengao: o ambiente era grande e repleto de plantas ¢ ervas no chao nas paredes € no teto. No meio de tanto verde, computado- res fouch screen mostravam informagdes a uma assistente 50 dlivina relativamente jovem. Os Grandes Ancestrais haviam inspirado na noite para criar seu tom de pele, assim como aviain feito comigo, ¢ provavelmente tinham destinado a cla grandes porgées de foco, pois a assistente demorou varias fragGes de volta ao Sol para me perceber ali Posso ajudar? ~ela disse, enquanto eu ainda estava cata- Jogando em minha mente as espécies de ervas que havia na sala. Ah, por favor, sou nova aqui e estou perdida — respondi, usando a desculpa que mais me parecia ttil naquele instante E, bem, nao era mentira Ah, uma das novas integrantes! — Ela abriu um sorts. Bem-vinda & nave. Estamos em apuros. = Pelo que andei vendo, parece que sim. =O que ja viu? A Historia do Brasil até 1888 e sua expresso preocu- pada encarando esse computador af. Ela soltou uma risadinha e checou a tela novamente, ~ Ta dificil criar um c6digo contra a presso alta O que é isso? — perguntei depois de conferir todo 0 meu armazenamento de teoria, sem encontrar nenhuma correspondéncia E uma doenga humana que afeta mais 0 povo negro, Por qué? Ela me olhou por alguns segundos, na diivida se devia explicar ou nao. A assistente fechou um pouco os olhos, montando uma expresso que eu tinha aprendido a identificar como desconfianca —Fica entre nés~ falei baixinho, para tentar convencé-la Uau, 0s Grandes Ancestrais acabaram de te criar ¢ voc® jf aprenden as habilidades da fofoca Soltei uma risada antes que seus olhos se voltassem a0 computador Bem, se vocé chegou até 1888, deve ter visto a teia de ‘c6digos emaranhados que formavam a escravidao, Na hora de a raptar nosso povo negro do continente africano, os humanos comandados pelos Outros os colocavam em péssimas condi ‘G®es dentro de navios. Muitos morriam desidratados, e os que sobreviviam eram aqueles que tinham maior capacidade de reter sal, jd que o sal retém gua. Acontece que isso também significa uma maior facilidade para desenvolver pressdo alta, e6 Por iso que essa doenga é mais encontrada em pessoas negras, Ela suspirou enquanto encarava uma muda de erva-doce 1 sua frente ~ Eu nao sei como os Outros eneaixam 05 e6digos uns nos outros desse jeito. Parecem sempre prontos pra criar ca: deias complexas que vao durar séculos humanos! E tam- bem nao sei até que ponto estamos conseguindo realmente destrutlos. A gente conseguin derrubar a escravidiio de um jeito formal, mas na pritica ela ainda esté em tudo! E nao consigo descobrir onde est o problema, sabe? Quando vou a reunides ¢ vejo as estratégias da nossa equipe, fico encantada, Temos assistentes ineriveis que criam sequéncias brilhantes, mas quando recebemos 0s relat6rios do mundo humano nem parece que estamos falando dos mesmos eddigos que nossa equipe criou! Parece que chega tudo errado lé na Terra Fiquei surpresa com o desabafo inesperado e nfo con. segui formular qualquer frase coerente. A assistente fechou os olhos por um segundo, parecendo esgotada, adotando um tom mais triste do que revoltado, Sio 614 anos do tempo humano! Parece pouco quando convertemos, mas é muito doloride porque nds nos apegamos a eles entende? Quantos viveram vidas miserdveis e deixaram marcas de dor € sofrimento pros seus descendentes? Isso 86 acontece porque nossa equipe nao consegue superar os Outros! Qual € © nosso problema? Sera que somos menos competentes? Nao € possivel! Bla me lancou um olhar profundo, e parecia esperar uma Tesposta conereta que colocaria fim a todos os problemas. Insprei Be fyyquanto mexia nas minhas trangas, na tentativa de onganizar algunas palavras de consolo, masa assistente logo voltou a falar Desculpa, eu ndo deveria jogar tanta coisa em cima de {una novata, $6 estou um pouco exausta por criar expectativas fine frustrar em seguida. Nem sei por que ainda tenho espe ana de quebrar 0 c6digo da pressio alta, A sensagao é de que Inlo importa o que a gente faca, amanha os Outros surgiraio ma nova sequéncia de doengas para 0 nosso pov. Ki, calma ~ falei, por fim ei duas cadeiras que estavam por perte yodasse comigo. ! pnvite ndo verbal para que ela se ace Pela minha teoria, frustragao faz parte do mundo mano, ¢ os Grandes Ancestrais gostam de nos eriar com sracteristicas humanas para que tenhamos mais nogao do jue eles vive todos os dias Elasoltou uma risada e eu estudei seu rosto por um tempo. —O que foi? sl 1 de teo. E que é engragado ver como voce « rias, mas ainda no tem muita experiéncia. Espero que iss¢ uuma grande reserva de esperana ¢ ignifique que voce tenha uma g >vas ideias pra trazer luz para o nosso lado, porque as vezes > vontade de jogar tudo para o alto e avisar aos Grandes Ancestrais que desist. Nao! ~falei mais alto do que tinha caleulado, e ela se uustou, — Vocé vai desistire af 0 qué? Vai deixar os Outros controlarem tudo ¢ inventarem cédigos e mais e6digos contra o nosso povo? Isso niio me parece uma opgdo! A gente precisa insistir e tentar mais ainda Ela se surpreendeu com a minha resposta exaltada € ficou alguns segundos me encarando, depois relaxou na ca Jeira e descew o olhar para 0 chao cheio de plantas, Sei que vocé esté certa e que nao € benéfico ter con to com tanto pessimismo... E36 que alguns dias sio mais 1 pessimismo nao fez.o menor efeito em mim, fique tranquila. Cada frase que vocé disse me deixou com mais sede de solugdes. Tem que existir alguma alternativa ~ Estamos procurando as respostas ha virias voltas ao Sol... ela justificou, soltando um suspito profundo, Mas sera que esto procurando no lugar certo? —pergunte ~ Bom, essa é a nossa nave espacial, nao temos mais onde buscar respostas. Mas cla é enorme! Algo esta funcionando mal e nao acredito que sejamos menos competentes. - E.0 que vocé sugere? — ela perguntou, com um tom de curiosidade. Ainda nao sei, mas vou pensar. A assistente soltou uma risadinha ¢ revirou um pouco 0s olhos. O que aquilo queria dizer? E bom ter carne fresca cheia de energia continuo, achando graca de alguma piada que eu nao havia captado, € se levantou da eadeita. ~ Mas agora preciso voltar a focar no trabalho, a pressio alta nao vai se resolver com ilusées. Cruze’ os bragos quando uma suspeita me ocorreu, ~ Isso que voce té fazendo € o tal do sarcasmo? — Se micerrei os olhos para que ela compreendesse a minha des confianga au, voeé aprende répido! — Ela soltou mais uma risada antes de se virar para 0 computador ~ Asilusdes nos mantém ativos, Se vocé nao tivesse ne- nhuma, nfo estaria tentando eriar um jeito de acabar com a pressdo alta. “Em cada canto uma esperanga” — citei o samba de um humano, Délcio Carvalho, em parceria e mais conhe cido na voz de Dona Ivone Lara. A qualidade dos eédigos ue formavam sua discografia era incrivel, ew estava viciadal Ela encarou 0 computador, depois se voltou para mim, € eu soube interpretar que ela nao tinha uma resposta para me devolver, mas tinha sido tocada pela minha fala, 54 Vou descobrir um jeito de resolvermos tudo, € voce ai me ajudar Levantei da cadeira decidida, me encaminhando para pra da sala, Eu? A gente nem se conhece! Encarei o nome escrito na porta da sala e me virei para Muito prazer, Azuka. Eu sou Yolunna Tentei imitar o sorrisinho sarcdstico que ela havia me langado antes, mas nao sei dizer se consegui fazer direito, talvez precisasse treinar mais. Azuka balangou a cabeca, ichando graca, e eu segui pelos corredores na intengao de No dia seguinte, nao desperdicei nem uma fragdo de volta ao Sol sequer; a partir daquele momento, todos os meus esforgos Tudo bem, eu havia gastado uma fragao mimiseula para organizar uma boa sequéncia de cangdes de Arlindo Cruz antes de comegar a trabalhar, mas nao tinha culpa se os Grandes Ancestrais haviam me criado com esse ponto fraco para o sambal Be eee nee ee ee Algo ali precisava me guiar a uma pista. Azuka havia dito algo sobre isso ter acabado de um jeito formal, mas ainda estar presente em tudo, Como um cédigo conseguia perdurar e se ceinventar tanto? Deveria existiralgum jeito de encontrar um descuido, um furo na sequéncia ou algo assim para destruila por completo Em meus ouvidos, Arlindo Cruz cantava: Camaro que dorme a onda leva Hoje é 0 dia da caca, amanha, do cagador Soltei uma risada pensando em como aquela frase era Pperfeita para o que eu estava sentindo: era hora de encontrar alguma fraqueza nos Outros para impedir que continuassem seu trabalho sujo, —Heryolunna! — ouvi Adaobi gritando a minha frente e pausei a miisica correndo, ~ Sei que ha dispositivos invisiveis €m seus ouvidos tocando samba em alto e bom som, consigo ouvir daqui. ~ Me desculpe, Adaobi, é que estou encantada ~ con- fessei, sem saber qual outro caminho seguir para escapar. Ela desmontou sua expressio rigida e esbocou um ~A parte da equipe que era responsével pelos cédigos culturais era muito boa, realmente, nao tenho como culpa. Os olhos de minha superiora vagaram, distantes, e seu sorriso sumiu, Nao consegui interpretar seus sentimentos porque ainda nao conhecia aquela expresso, mas no parecia algo positivd ~ Mas isso ndo quer dizer que estou procrastinandol — Apontei para o computador na intengao de mostrar que estava tentando decodificar a sequéncia “eseravidao’ Adaobi deixou escapar um sorrisinho que eu tinha apren- dido a identificar como orgulho, Ela geralmente o esbocava quando algum de seus aprendizes fazia algo bom. Que étimo! Acho que tetei melhores condigdes de fazer esse tra balho depois que conhecer mais da Histéria do Brasil. Ver as consequéncias desse cédigo que persistiram até hoje vai dar ‘uma baita ajuda para compreendé-lo melhor Orrosto de Adaobi se tomnou sério outra vez, e eu repassei mentalmente o que tinha dito, tentando encontrar algum erro que pudesse ter causado aquela expressao. Ah, Yolunna, foi exatamente sobre isso que vim falar com vocé. Estou atolada de reunides emergenciais hoje. O 56 cig enearerament em masque o Of rir esti trazendo graves problemas para os nossos humanos. ee dlispontvel para me acompanhar? perguntei, decepcionada ie eee cee reer Jos. As coisas vem piorando muito rapido. Mas continue traba- Thando com essa sequénciat Nés a estudamos desde sua criagao, nas talvez.vocé possa enxergé-la sob uma nova perspectiva, ~ Certo, Boas reunides, tamara que consigam avangar! Adaobi saiu com pressa, ¢ suspitei, frustrada. Eu havia riado grandes expectativas para a continuago da Hist6ria lo Brasil ¢ agora nao fazia a menor ideia de quando poderia onhecé-la, Se as coisas estavam piorando, minha superiora icaria cada dia mais atarefada, e eu, cada dia mais por fora dda atualidade na Terra. Por exemplo, 0 que seria esse cédigo do qual Adaobi tinha falado? O que ele significava, para nmego de conversa? Preciso de vocé - falei, entrando na sala de Azuka e fechan- dlo a porta atras de mim. A assistente levou um susto, deixando cair a muda de babosa que segurava. Uma fita vermelha prendia seus cabelos crespos, € 6cuilos grossos emolduravam o rosto jovem que analisava a planta antes da minha interrupgdo repentina Yolunna! — ela reclamou, e eu me apressei para pegar a muda no chao. — Desculpa, eu nao queria te assustar 7 E.bom dia pra voe@ também. ~ Azuka retirou 0s éculos, ¢ levou uma mio a cintura, aguardando que eu comecasse a falar. - O que vocé quer? : = Voc® tem autorizagao pra entrar no memorial? Nao, eu acabei de ser promovida a assistente Nivel 3 Uma expressiio desconfiada perpassou seu rosto. Mas vocé sabe como entrar? Yolunna, nés ndo temos autorizagio até o Nivel 5. f a regra. ~ Eu sei qual é a regra. O que eu perguntei foi se voce sabe como entrar. Azuka hesitou por uma fracdo mais longa de volta ao Sol Mesmo que eu ainda nao fosse uma especialista em reagoes humanas, aquela foi ébvia demais até para mim. - Nao... ~ ela enfim respondeu, com a voz. trémula, ~ Bem, voc@ acaba de me dar duas informagdes: primei- ¥0, que sabe, sim, como entrar no memorial; ¢, segundo, que 0s Grandes Ancestrais foram bem maos de vaca na hora de te dara habilidade de mentir Azuka revirou os olhos outra vez. Eu estava comegando @ notar um padrao. Vocé mal me conhece, por que est propondo quebrar as regras comigo? ~ Tudo uma questio de perspectiva: voce & a pessoa que eu mais conhego aqui, depois da minha superiora, ¢ ela definitivamente nao vai invadir 0 memorial comigo. ~ Isso ndo é suficiente pra confiar em alguém! Eu podia muito bem ir agora até ela e contar o que voc® anda tramando ~ameagou Azuka, erguendo uma sobrancelha ~ Ah, por favor, me poupe, Azuka. Nés duas sabemos que voc® no faria isso. Eu ja vi como se importa com o Povo negro, vi 0 afinco com que trabalha pra encontrar um jeito de acabar com a pressao alta, Vocé precisa me ajudar! Minha superiora esta muito ocupada e tenho a impressio de que ela nao vai ter tempo nunca mais! Bu preciso ver o resto da Historia do Brasil pra conseguir decodificar a sequéncia ravido” de uma vez, por todas! ~ N6s estamos tentando decodificé-la por completo ha séculos, por que vocé acha que milagrosamente vai encontrar uuma resposta sozinha? 58 Nao sei... Mas preciso tentar, os Grandes Ancestrais me criaram pra isso Eles te criaram pra quebrar regras? ~ Azuka me olhou co. 0 que aprendi a identiicar como um arirnico, e er Pelo menos foram generosos nas minhas porgdes de ~ Eu diria que pesaram a mao em “atrevimento”, lencia’, “petulancia saad Vocé vai me ajudar ou nao? — corte a frase antes que cla terminasse de citar o dicionério inteio, Por favor, Azukal Existe uma boa razio para os Grandes Ancestrais terem me ctiado e me colocado aqui. H algo errado e eu preciso me tomar til para conseguir descobrir No inicio da fala, Azuka parecia pronta para negar say algo do meu argument final mou a expres ussistente. Depois de um longo momento ponderando, cla suspirou e disse ~ Ku sei que vou me arrepender disso. Nao vai, ndo! —exclamei, comemorando. ~ Veja bem: vai ter que ser ripido, vou te apresentar um resumo de onde parow até 0 século 22, no qual os huma nos eso agora. Votnio pode conta a ningun meso, P senha de Utondu, 0 principalmente porque eu vou usar a se ae sie eheeerer er anieetete ee nem sonhar que fiz isso. Nem mesmo assistentes novos ele queria para a nossa nave, imagina se descobre que estou ajudando voce! } ‘erto, prometo! A gente vai li super-ipido e ninguém vai descobri — Espero que estejacerta Meu coracio comegou a bombear o sangue com uma velocidade maior, ¢ eu soube que estava ficando empolgada com a ideia de enfim conhecer a historia completa do Brasil Esse 6rgio no parava de me surpreender Azuka me colocou para espiar o corredor enquanto acessava 0 memorial com a senha de Utondu. Ondas de nsiedade me atingiam, em parte por estarmos fazendo algo escondido, em parte por dar mais um passo na direcao do ‘onhecimente Quando conseguimos entrar, vi no rosto de Azuka 0 quanto estava nervosa, Ela nao desperdigou nenhuma frago le volta ao Sol; primeiro, estudou o ambiente, ¢ depois me levou até um canto do memorial, onde ligou um computador, A tela era intimeras vezes menor do que a que minha supe- ‘ora havia utiliza, que cava bem no centro da sala, was uu sabia que Azuka estava tentando ser discreta. Esse aqui é um dispositive de pentiltima geracao, eles ‘mal ligam, entdo ninguém vai perceber que foi usado, Nao vou negar que acompanhar as imagens pela grande tela era bem melhor, mas ndo demonstrei nada mais que gratidao a Azuka. Ela jé estava se arriscando demais, Entio, vamos li, Depois da abolicao, os Outros criaram uum cédigo chamado “Reptblica”, Foi meio de surpresa, sabe? Parte da populagao nem sabia o que estava rolando. Azuka seguiu resummindo a historia do pais do qual cui davamos, e fui reagindo as novidades que 0 século 20 trouxe para 0 nosso povo. - Calma! O samba era criminalizado? — perguntei, chocada ee Assim como a capocira. N6s sempre criamos cédigos ncriveis no campo da cultura, ¢ os Outros nao titubeavam para encontrar formas de inutiliza-los. Isso nao faz sentido! Pesquisei sobre o samba do século 22 e nflo encontrei negros cantando, mas a lista de humanos »s Outros € enorme! E agora vocé me diz que nos primérdios © samba era ilegal? Como eles mudam de ideia assim? Ou les estio no centro das coisas, ou entio € crime? sn Ai, Yolunna, voee vai ver muita coisa dolorida aqui, i adianto. Em alguns momentos, os Outros eriam e6digos fingindo que tudo estava caminhando para 0 bem, mas, em ida, vemos que era s6 ilusio. Eu queria te dar uma chama esperanga, mas fica ainda pior na passagem do século 21 Levei a mao as trangas, nervosa por antecipagdo, e voltei 1 atengao para a tela, fazendo um sinal para que Azuka con- tinuasse, Nao demorou muito para entender 0 que ela queria dizer. Os humanos dos Outros reinventavam as formas de se nanter no poder, ¢ em todas as relagdes parecia haver um fragmento do cédigo “escravidao”. Era dbvio: ele nao havia ido quebrado por completo, fora apenas reconfigurado, exa tamente como Azuka suspeitav Abri meu dispositivo pessoal para anotar todas as carac- Leristicas que julgava relevantes e que poderiam me ajudar a trabalharno dia seguinte. Eu estava focada em destruir o que »s Outros tinham criado para trazer sofrimento aos humanos \egros, e aquele cédigo parecia estar na raiz de tudo. Eles Nossa, esquentou de repent - comentei enquanto procurava a temperatura do ar-condicionado. Azuka apontou para o termostato, me fazendo perceber que a temperatura estava no mesmo padrao de sempre Isso que vocé té sentindo nao € calor, Yoluna. Fraiva Raiva — repeti ao conectar a teoria que tinha arma- zenada sobre o sentimento com 0 que de fato me percortia. Enditeitei minha coluna, tentando avaliar qual era a extenstio daquelas sensagées. - Sim, estou com raival Vocé tem motivos para estar, depois de aprender essas = Se eu pudesse, iria agora mesmo até-a nave dos Outros e destriria tudo, Tudo! Azuka, sio muitas voltas ao Sol de sofrimento! Nao é possivell Estou ha seis séculos repetindo a mesma coisa Encarei sua expressiio cxausta e me levantei de repente, sentindo meu corpo espalhar a raiva por todas as partes. Eu guia ficar parada. Os Outros nao podiam fazer aquilo com 0 nosso povo! ~ Mas agora chega! — gritei mais alto do que tinha cal- culado. ~ Eu te prometo que trabalharei incansavelmente até destruir cada fragmento desse c6digo. K preciso recomecar do zero, olhar pra sequéncia como se nunca tivesse sido vista antes Azuka me devolveu um sorriso frouxo acompanhado de uma expressio triste, como se eu tivesse acabado de contar uma historia impossivel, um sonho distante — Acreditar, eu nao. Recomecar, jamais. A vida foi em frente e vocé simplesmente nao viu que ficou pra trds..— Azuka cantarolou ¢ eu imediatamente reconheci a cangao de Dona Tone Lara ¢ Délcio Carvalho. ~ Vocé falando parece uma Teproducao de quem eu era hi varias voltas ao Sol. Vocé também gosta do cédigo “samba”?1 — perguntei empolgada, ignorando seu segundo comentario, Bu estava decidida a fazer renascer a esperanga em Azuka e nao deixar que ela ocupasse sua mente com pessimismo. Se eu gosto? ~ Ela soltou uma risada. ~ Eu era do falecido setor cultural, ajudei a criar a sequéncia do ritmo! — Uaut! ~ Ergui as sobrancethas, admirada, - Mas como assim, falecido? — Ah, Yolunna... Do inicio do século 21 pra ¢4, a vida negra teve de se reafirmar ainda mais como uma luta por sobrevivéncia, € n6s tivemos que acabar com o setor cultural € realocar a equipe, Bu vim para drea da Ciéncia pra tentar encontrar curas, por exemplo. A sua superiora também foi transferida, mas Adaobi foi pra area de emergéncia. Me lembrei do sorriso frouxo da minha superiora ao falar da equipe de Cultura. Serd que ela estava com saudade do setor? Be — Eu nio acredito! - Levei a mao ao rosto, desesperada, F por isso que nao tem mais sambistas negros no século 221 Isso € um absurdo, Azukal E 0s atores, escritores, diretores, justradores? A Arte Negra morreu? Nao podiam ter acabado om o setor de Cultura assim Yolunna, nossos humanos esto morrendo — ela falou 1m um tom bem mais baixo e sombrio do que o que vinha Aposto que mais rapido ainda, agora que néio podem contar com a arte — Ku entendo sua tristeza, de verdade. Voce acha que {oj facil ver 0 setor cultural acabar? Nés fomos responséveis por criar cédigos incriveis! Vimos grandes nomes surgite nna Terra em todos os campos artisticos, mas... tivemos que priorizar ontras coisas. Eu nio aceitava o fato de a arte ter sido afetada! Minh: vontade era iniciar um protesto contra essa ago, mas quar do vi os olhos de Azuka deixando escapar lagrimas sofridas, percebi que nao era culpa das nossas equipes. Senti mais uma rie Dutros por terem influenciado nossas decisdes, mesmo que de forma indireta. Eles nao podiam fazer isso! Voltei para perto de Azuka ¢, ao passo que meus olhos marejavam, senti algo esquisito em meu coragao. Era nitida a tristeza que cla sentia também, e me perguntei se as emo: sennner podiam ser transmitidas assim, s6 pelo olha Quis ter 0 poder de devolvershe a esperanga. Se ela havia dito que em algum momento foi como eu, entao ainda devia ser possivel encontrar a Azuka positiva de antes. Coloquei uma mao em seu ombro enquanto a outra tentava enxugar as ligrimas de seu rosto Mas iremos achar 0 tom, um acorde com lindo som, fazer com que fique bom outra vez 0 nosso cantar. Ea gente vai ser a ns outra vez no ar..~ parei para que Azuka pegasse a deixa e terminasse a mtisica do Fundo de Quinta a I iI De inicio, cla apenas estalou a lingua ¢ movimentou as maos em um gesto de descaso, recusando-se a terminar 0 refi. Mas, quando um sorriso timido e saudoso nasceu em seus labios, decidi tentar de novo. E a gente vai ser feliz, ofha nds outra vez no ar. O show tem que continuar ~ ela enfim completou a intisica e sorri, orgulhosa. - Vocé precisa parar com isso, € me fazendo lembrar do quanto eu amava o setor da Cultura — Escuta 0 que vou te falar: nés vamos reverter 0 que os Outros andam fazendo, instaurar paz aos nossos humanos € voltar com a arte. A chuvat td eaindo, mas 0 samba ndo pode parar —citei outra cangao célebre na voz de Dona Ivone Lara, e ela rit, ~ Até porque preciso de novas cangdes pra escutar enquanto trabalho, entéo vamos agilizar isso ai — Nao acredito que vou deixar vocé ressuscitar minha esperanga, Se ela estivesse morta mesmo, vocé niio teria me tra- ido até aqui. Azuka me encarou, sem resposta, ¢ eu sorri, vitoriosa Mas ndo pude comemorar muito, jé que um barulho soou na entrada da sala e nossos olhares se encontraram, desesperados. — Esconde aqui, vem, rapido! — Azuka me puxou para debaixo de uma mesa e fez um sinal para que ficdssemos em silencio. Como assim a minha senha deu erro? ~ uma voz que eu jf tinha ouvido antes bradou, zangada ~ Niio sei dizer, senhor, a minha funcionou normal- mente. ~E-um tormento nao podermos fazer os testes na minha sala e esse ser o tinico lugar em que conseguimos captar 0 sinal direito. Essa nave ultrapassada e selvagem combina perfeitamente com esse povinho Ouvi um suspiro impaciente e um som robotizado quan- do a porta se fechou. By Como € bom me livrar dessa cata horrivel. Agora, posicione a humana no lugar cert. Sim, senhor Utondu. Nao me chame por este nome medonho! Jé nao basta odo mundo nessa nave me chamando assim. Tanto a palavra “humana” quanto o nome do supervisor nodo que encontrei as despertaram susto em nés duas, de modo q snesmas rugas na testa de Azuka. Coloquei a cabeca para fora \esa por um breve momento, e meus olhos se arregalaram yo ver duas figuras estranhas e desbotadas ao lado de uma urota negra deitada em uma maca. Antes que eu pudesse ter steza se era de fato uma humana, Azuka me puxou com uumna expressio desesperada, Vocé confirmou se algum humano nos viu quando capturamos essa aqui? ~ aquele que pensdvamos ser Utondu perguntou. : = Ninguém nos viu, senhor. Vocé sabe que eles ficam insuportiveis quando nos aproximamos, inventam histéria de alientgena e disco voador. Hissas coisas mirabolantes. —De fato. Isso porque... Ah, ndo! Nao acredito que voc® trouxe Js equipamentos antigos! Eu te falei que eles nos manda- ram novos! E por que nos documentos dessa humana consta ‘senhora de 63 anos” se ela € claramente uma garota de no maximo 20 anos? Vocé é um iniitil! a voz zangada ressoou novamente, ¢ eu me assustei — Me desculpe, senhor, deve ter havido algum engano. fou agora mesmo confirmar a Ino vi demorar uma cteraidade... Voce busca oe do- cumentos corretos e eu pego 0s equipamentos novos. Cubra a humana para que ninguém a veja. Certo, — Ennio se esquega de vestir de novo a aparéncia asquerosa O som robotizado tomou a sala novamente e em seguid a porta se fechou. faa sair daqui! Agora! ~ Azuka exclamou en Nos leva ‘mas cla nao estava mais 4. A sala parecia igual a como estavi ho momento em que entrar. ntamos, ¢ eu busquei a humana com os olhos, Eu vi uma garota deitada no centro, perto da tela maior = ae para onde a tinha visto, ever t2-a coberto com um lengo de camuflagem Azuka respondeu enquanto caminhava em diregio A porta, Comecei a tatear 0 ar, indo na diregao oposta, ~ O que voes ti fazendo, Yolunna? Precisamos sir daqui logo! - Azuka falou, com urgéncia Nao sem analisar a humanal —O quer! — Vocé no achou estranha a conversa daqueles dois? Existe algo de especial nela! ' Continnei avangando na sala e consegui colocar os dedos em uma espécie de tecido. Quando o puxei, uma parte se tomou visivel e revelou uma garotadeitada cin una maca coberta pelo tecido até os pés. Eles vao voltar, Yolunna. Precisamos ir logo! ~ Azuka me apressou, batendo um dos pés no chao com impaciénecia, Entdo vamos levé-la! — decidi, sem pensar muito, — Voce esté fora de si! ~ Sua sala é perto daqui. Voce vigia 0 corredor, eu em- purro a maca e nés a analisamos li, E depois?! Fazemos o qué?! Batemos na porta e fae ii, licenga, jd terminamos, podem ficar com ela”? Azuka se desesperava mais a cada segundo lamos: Sei lil A gente pensa nisso depois Cobri a garota com o lengo de camuflagem e comecei 56 Wuisestranhas da minha curta vida, Azuka se colocou na frente {Wy porta fechada, impedindo minha passagem. Fu niio vou participar disso! Nem sabia que eram feitos, Jestes em humanos! Kxatamente! Tem alguma coisa errada aqui e n6s pre- Yinumos descobrir que é. Fa nossa chance Sinto muito, mas, Antes que Azuka comegasse outra desculpa, corte’ a fala ton uma expressio irvitada Se nfo quer fazer parte disso, ndo entre na sua sala nas Jidximas fragées de volta ao Sol Enguanto ela formulava mais argumentos, dei a volta na jaca ¢inseri o comando no painel para abrira porta, mostrando ajuda dela. posicionando- {que estava disposta a seguir meus planos mesmo se Ti bom, ta bom — ela disse com press fe alrds da maca ¢ tomando meu lugar. ~ Vai conferir se tem j\guém no corredor, que eu empurro. Sorri para Azuka sem conseguir esconder a empolgacao. Quando entramos em sta sala, Azuka trancou a porta corren «lo, Ela esfregava as maos sem parar, e seu rosto revelava muita tensio. Imaginava que o meu nao estivesse muito diferente, mas cenquanto ela tinha medo de ser descoberta, minha inquietagao cra por finalmente tera oportunidade de conseguir novas pista. — Maldito momento em que aceitei te ajudar...~ ela pra- guejou, andando de um lado a outro. Deine’ Azuka em seu momento de afligo e retire’ o lengo de camuflagem da maca. A humana tinha labios gross0s, nariz largo, pele escura e seu cabelo era preto liso. Fla estava tio quieta que me aproximei de seu coragao para conferirse continuava batendo Certo, vamos encarar os fatos: 0 que Utondu estava fazendo com uma humana escondida no memorial? ~ Azuka perguntou mais para si mesma do que para mim. Be Nao era Utondu — me intrometi Nao, ndo era, Azuka colocou as maos na cintura e me encarou como Se eu estivesse falando uma grande bobagen Yolunna, ele € meu superior ha algumas voltas a0 Sol Falaram o nome dele e eu conhego sua voz. E eu jd 0 vie sei que nao tem uma pele desbotad como a daquela criatura. Pele desbotada? Utondu € da nossa cor! Exatamente! ‘Tem algo errado ai. - Caminhei para Perto de Azuka, sentindo as pecas se encaixando naquele 'mistério. - Ele chamou nossa nave de selvagem e ultrapassada € disse “esse povo” como se nao fizesse parte dele. Vocé nunca Percebeu nada de estranho nele? Nao... ~ Azuka demorou demais a responder e de ovo fez aquela expresso que entregava o quanto era uma Péssima mentirosa, Vamos, fale logo 0 que sabe Nao, € que...~ cla parou outra vex — Como € mesmo que os humanos dizem? Desembu- cha? — Tentei aliviar o clima com aquilo que chamavam de Piada, mas talvez eu nao tivesse o dom do humor, jé que sew Fosto permaneceu sério e preocupado. ~ Toda vez que consigo algum avango na Ciéncia, Uton du diz que estou errada e que devo recomecar o trabalho. E uma vez 0 escutei conversand no dispositive pessoal e se refe indo ao povo negro como algo inferior. Achei estranho. = Como hoje no memorial! Nés nos encaramos quando a mesma ideia pareceu per ‘Otrer nossas mentes, mas fui interrompida antes de conseguir Confirmar se Azuka pensava como eu. — Onde eu estou? a garota da maca perguntou com Entrei em panico. A Encarei A: aver. Ela me devolveu um olhar irritado com uma careta 1a acordou! a, buscando por uma instrugdo do que sendo! — ela sussurrou e entdo se voltou para Juana: — Ol, voce esté no hospital. Vocé sofrew um \oacidente, mas vai ficar boa Tog i | preendia com sua habilidad: Je improviso, a garota olhou ao redor, estranhando > ambiente Por que aqui € cheio de mato’ Hmm... € que.. estamos tentando fazer uma sala e« a¢do. As plantas purificam o ar e me perimental de recu Thora a condigao dos plmdes do pacente, E vocé € médica? — Ela uniu as sobrancelhas \ expresso da garota era de pura desconfianca, sim out Azuka de cima a baixo pmigo — ela disse ros? — perguntei, confusa, para ter certeza do qc per \giun como se ivesse dito um absurdo, - Moreninhos gacio se formou na minha cabeca. Por que alsa? Oh nndo ali ucla repulsa? © que estava acontece M et deu ¢ logo em seguida Depois te explico ~ ela responden e log do é cor de cabelo? - cochichei para Azuika, oltou para a gaota, que ainda observa o ambiente info acha estranho haver poucos médicos negros...querc ~Ah, 0s que chegam ld € porque fizeram por mereoef 1né? Nao tem nada a ver com a cor, somos todos iguais. Quetil quer vencer na vida consegue ~Mas vocé nao acha que a escravidao tornou tudo mall lesigual para os... para as pessoas morenas? — perguntei, meig Contrariada por ter que usar aquelas palavras Ah, claro que nio! A escravidao ja acabou hi muitos € muitos anos, gragas & princesa Isabel. Depois disso, as in iusticas acabaram e ficou tudo bem. Vocés nao sao daqui? © Brasil é a terra da miscigenagao! Aquilo 36 podia ser uma grande brincadeira. Talvez tudo se tratasse de um teste: et havia acabado de come: sar o trcinamento, ¢ eles precisavam ver como en reagia a situagdes como aquela, Fazia sentido, né? Era a tiniea explicagio. Azuka se afastou de nds e colhew algumas folhas perto de seu computador. Ela as misturou em um copo com Agua quente e voltou para perto da maca Quando vou ser liberada? Me sinto étimat Em breve! Vocé s6 precisa tomar esse tiltimo remédio € vamos comunicar a alta a sua familia, Observei a assistente entregar 0 copo a garota, que olhow a fumaga com desconfianga Nesse hospital vocés no usam comprimidos, no? ~ E que assim faz efeito mais rapido. Pode confiar em mim, ~ Azuka sorriu para a garota e, por uma fragio de volta 20 Sol, até eu acreditei em suas palavras. Nao demorou muito até a garota voltar a dormir pro- fundamente, ¢ eu enearei Azuka sem acreditar que ela tinha dopado a humana, Ainda tinhamos vérias perguntas para fazer! —reclamei Nao, Yolunna. O que nds temos para fazer é contar © que esté acontecendo para um superior. Vocé ouvi 0 que essa garota disse? Precisamos de instrumentos para analisar 0 sir c6cligos dominar a mente dela! Tem algo muito bizarro Vou chamar a Adaobi. Talver ela queira nos matar, mas #4 tunica pessoa em quem podemos confiar nesse momento. nearei a humana enquanto Azuka seguia para 0 com HNieador interno para chamara minha superiora e com certeza Je fazer ser expulsa da nave. Onde haviamos nos metido? jo de nervosismo as Ay batidas na porta levaram meu estad s slturas. Quantas regras haviamos quebrado? Adaobi s6 aceitou Jeixar seu servigo para trés quando Azuka disse que era um aso de vida ou morte, e assim que ela entrou na sala com uma ‘expressiio impaciente, soube que era o segundo caso. Onde 11 estava com a cabeca? ‘Tinhamos roubado uma humana! | De repente a possibilidade De um supervisor, ainda por cima! De repente a possibil de ser expulsa pareceu muito maior do que eu imaginara © que significa isso? ~ ela pronunciou cada palavra pausadamente ao encontrara maca com a humana no centro da sala. : o Adaobi tinha os olhos arregalados ¢ os revezav neo mim e Azuka. Ela tinha uma mao na cintura € a outra na beca, ¢ eu reservei aquela pequena fragao de volta ao Sol para aprender mais uma expresso humana, ‘ A gente acha que Utondu é um Outro e esta disfargado para prejudicar nossa eas oo ae a sse alguma coisa de ruim e pra poder dele pra impedir que fizesse alg cstudar um pouguinho, também — soltei tudo de uma vez sé, sentindo as palavras se atropelarem ~Yolunna! — Azuka me repreendeu, A O qué?! Nao foi a essa conchusao que a gente chegou — perguntei e ergui os ombros, sem entender sua reagao. = Sim, mas nio era pra gente soltar tudo de cara assim! 1 em voz baixa, olhando para o chao. ~ Vocés vao me explicar exatamente 0 que estio dize ~Adaobi gritou assim que fechow a porta atrds de si Azuka € eu comegamos do inicio. Nao foi fil expal Para Adaobi o que tinhamos feito, principalmente por v4 seu rosto decepcionado e irritado ao mesmo tempo a cad fevelacdo. Falamos da invasto ao memorial, de quando qua fomos pegas, da conversa que ouvimos, da cor deshotada de Utondu, até contarmos o que tinhamos acabado de ouvir dy humana. Azuka terminou a explicagdo com as desconfiangag sobre seu superior Uma longa fragdo de volta ao Sol se passou até que as ideias pareceram se aeitar na cabeca de Adaobi. Por fm, ela respirou fundo e voltou a nos encarar ~ Essa 6 uma acusagdo muito séria ~ ela disse por fim, € soltei a respiragdo que estava prendendo. Minha superiora pegou seu dispositivo e se aproximou a humana deitada na maca. Uma tela hologrdfica surgin acima da cabeca da garota, ¢ eu corri para ver o que rondava ua mente. Reconheci o eédigo “colonizagio” e 0 e6digo “escravidio”, que en vinha estudando com tanto afinco, Nao cram exatamente as mesmas sequeéncias, o que provava ainda mais que. teoria de Azuka estava correta: eles nunca haviam sido destruidos, s6 transformados, ~ O que € isso? — apontei para uma sequéncia longa € complexa que parecia formar uma corrente. Me chamou a atengdo porque nunca tinha visto antes, ~ Parece ser 0 “mito da democracia racial” — Adaobi respondeu, com uma expressdo de asco. - No inicio do séeulo 21, estivamos conseguindo alguns avangos para decodifie Io © quebré-lo, mas os Outros viaram o jogo, complexificaram o édigo, e as nossas tentativas foram em vio. Dat para frente tudo pareceu se elevar a niveis catastroficos. Ei muito mais facil para eles quando os nossos humanos acham que no tem nada de errado acontecendo, re esse momento que fomos Niio foi mais ou menos nesse to q FPeslocudas da equipe de Cultura € Utondu se tornow um perior? — Azuka perguntou, A BI As dss se encararam,c en quase podia ouvir seus of folios fazendo as contas, Sa Voce acha que... ~ Adaobi comegou, mas nao uli terminar. Utondu sempre esteve entre vo es Julho, modificando os cédigos e fornecendo informagies Bs Outros porque ele é um Outro ¢ esteve disfargado ee Jemnpo todo! — soltei o que clas pareciam nao conseguir dizer s, roubando o tra- vo ala / Se isso for verdade... Oh, nao! Tantas voltas ao eA trabalhando ao lado do inimigo, vendo as vidas ne a 1 € 0 eéigo “colonizagio” aleancar as ments dos - enviamos a Terra passa por nés, nossos! Todo cédigo que envia p ae (05 superiores. Utondu deve reconfiguré-los ou, no minim, exwiar as sequencias aos Outros para que consigam elaborar icédigos e destruir 0 que fazemos. | x He 7 oa s6 tém piorado desde 0 século pea Azuka conchuiu. eee serie son seery Cake ler tindo uma dor no coragio. ‘A onabe Quanto geateshavamosprdido nto pore ot Iho de nossa equipe era insuficiente, mas porque os human Ss aa equer ver nossos cédigos, afetados negis nao conseguiam sees ver deri pela seqtnas dos Outs? Mas isso acaba aqui. Vamos reporté-lo aos C a ., ar em nossos traba- Soci ¢ Und nines mia oar most hos. Nenhum humano negro vai continuar carregando a is desses cédigos em suas mentes. 6 : atari pose altiva, Adaobi abriu a nan e saiu da sala, decidida. Em seguida, virou-se para tris, revelando uma expresso impaciente. ‘Vamos, andem logo! Voces sao as testemmunhas de tudo © que aconteceu e do que vai acontecer. F 0 fim de uma era E 0 inicio de outra Olhei para Azuka, que tinha um largo sorriso aberto na boca, Me permiti acompanhar suas emogdes ao pensar no que estava por vir, Finalmente poderfamos construir um mundo de paz para 0s nossos. O show tem que continuar ~ cantarolei mais uma veg, Azuka deixou uma gargalhada escapar enquanto seguiamos minha superiora Acompanhei sua alegria quando me dei conta de que agora o futuro parecia ter um tom muito bem definido: 0 negro. can GD MAH STEFANO VOLP tripulagdo, nossos escudos ji estavam abaixados. Agora ent quanto esctevo, nada est quieto, os tambores comeg soar. A chuva forte ainda reverbera em tudo que vive e no que no carrega mais folego algum. Ainda assim, esse povo, meu Povo, se move como ar em liberdade, Nenhum de nés ignor a tenstio da ameaga que nos distancia do proprio futuro. Pata além dos limites da v jlancia do mocambo, nosso povo est envolto em dor. Meu corpo despido de coragem teme ficar perder a alegria que a esperanga em minha terra sustentou durante anos no meu mar de incertezas. eto gritar para o povo que comega a se misturar protejam-se, Iraw6! Me lembro das palavras de Quelimane Protege seu corpo, Itawél Proteger seu corpo é proteger sua historia”. Protejam-se, porque um dia nossas hist6rias aqui tam bém serdo contadas, esculturas, moldadas, dangas sero dan. sgadas, ¢ 0 ar que vibra agora desses tambores perdurard Sou Yagazie da geragao Pada dos Iraw6 de € meu primeiro registro como habitante do planet quala 3rid nos trouxe no ano 100 da didspora terrasulana, bifurcando nosso caminho de volta. Os sistemas da nave e da Grié nos informaram que este planeta tem a mesma idade de‘Terrasul, a humanidade aqui nasceu aproximadamente na mesma era que a nossa e ano em quie estamos provavelmente corresponde ao ano marcado para o retorno Terrasul. As semelhangas terminam af Estou em 1802 no planeta que chamam a ra. Ao solo em que piso, e onde meu povo perece, deram 0 nome Brasil MUM aT A Git ge] | WALDSON SOUZA IMA! TERMINOU ¢ xplicar a teori rcarou a espe de un Nos iiltimos me «le que me contara rc » tempo, cla nio falava sobre outra coisa, mas, agor pedindo muito de min E por isso que car aqui monitors stema rantindo que a viagem seja precisa Ela continuou a argument continuei em si lencio, Era ver I bia mexer na maquina. Pe is que ela tivesse feito d 2 provar a fun. onalidade de sua criaga a Ji como aquil ato fi Eu também eraa tinica a quem ela confiar Jo, seu projeto dos tiltimos anc 1 fami araram de visité-la, e, entre eles, a chamavam de louca por ore ficar trancada no quartinho dos fundc E tava cc ncordar 094 ante’, por firm im. Voce precisa voll pedir que ele s esidente Voce onteceu depois do atentado. pergunta, Por mais que cu t ouvide boca de Jorge Assis de forma breve e enviesada na escola, Imani havia abordado o assunto comigo mais d a vez, garantindo que eu ndo me esquecesse de nossif historia. Até podia ouvir sua voz repetindo o texto que, aquelé ponto, jd estava decorado. Depois de 2098, nosso pais entrou num longo perfo do de retrocesso. A economia quebrou, a desigualdade e a violéncia aumentaram, as hierarquias sociais se atenuaram, Os movimentos de oposigdo foram enfraquecendo, mas, nas leigdes daquele ano, Jorge Assis liderava as pesquisas. Nao fosse o atentado... ele teria ganhado. Era a mudanga que nosso. pats precisava naquele momento. Nao € por acaso que deram tum jeito de retiré-lo de cena Imani fechou as abas no computador com as noticias de mais ou menos dois séculos atras, Olha, Jamila, sei que € muito pra assimilar ~ disse = Vo t 1cé nfio tem que responder agora. Eu mesmo iria, mas, como disse, alguém precisa ficar aqui a precisa ficar aqui e cuidar da maquina, Ela parecia decepcionada. A tinica pessoa que nunca duvidara dela demonstrava inseguranga pela primeira ver, Queria ter dito ndo ali mesmo, acabar com aquela ideia sem sentido, Minha tia foi me envolvendo aos poucos, e me deixcilevar porque queria ajuda, Primeito, ela me fez voltar alguns dias, depois, algumas semanas, sempre pedindo que fizesse mudangas minimas, como quebrar uma janela, mudar guum objeto, s6 para termos cette za de que era possivel fazer alteragdes no passado. Porém, 0 que acabara de propor nao era mais um teste, mas, sim, seu objetivo final Nao sci se deveria existir algo com o poder de mudar a histéria de um pafs. Eta perigoso demais Fui embora e deixei minha tia sozinha no laboratério i provisado, Atravessei o quintal, que mais parecia um lixio, de 200 Lanta tralha acumulada, sentindo um incdmodo no pescox Fra como se 0 colar tivesse ficado mais pesado, como se, por 1 momento, eu estivesse desacostumada com a presenca Je. O fim daquele negécio era uma das coisas que Imani tinha jurado que mudaria, 0 resultado de vatios processos. Os colares jamais seriam inventados se vivéssemos em um undo mais justo, Mas 0 mundo no é justo, nunca foi. Quem poderi srantir que mexer com o passado nfo deixaria tudo pior Voltei para casa no MLT que passava por todas as qua ras do Setor 7. Sentei em uma das janelas do trem qui movia silenciosamente pelos trilhos. Podia ver as torres € os prédios de Nova Brasilia li longe, seguros ¢ intocados do outro lado da ponte. No dia seguinte, levaria meu irmao até 1 cidade para fazer o registro necessario para que ele come asse a estagiar. O dinheiro, apesar de pouco, seria muito hem-vindo. O seguro-desemprego acabara havia cinco mese ¢ eu contimuava desempregada. Meus pais nunca reclama- passaram a nao poder mais contar com a minha renda. Eu ivia angustiada com a situagio Quando entrei na sala, meus pais e meus irmaos, Miguel, Masika, estavam todos reunidos assistindo a televisio. Mi- guel veio correndo falar comigo. is vamos amanhi mesmo? ~ perguntou Masika veio com ele ¢ me abragou. ‘Vamos, sim — respondi, sorrindo. ~ J preparou suas — Posso ir com voc8s? ~ perguntou Masika antes que Miguel conseguisse responder. Voce sabe que nao tem idade ainda. Os dois tinham s6 dois anos de diferenga e eram muito parecidos, podiam se passar facilmente por gémeos. Eu, nc entanto, era diferente muito mais parecida com nosso pai do zm

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