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1. DA VISAO ADQUIRIDA A VISAO DE POPPER A Visio Adquirida Toda pessoa que consultar um modemo texto académico sobre a filosofia da ciéncia nio tardaré a concluir que se trata de um assunto muito estranho; nio é, como seria de se esperar, um estudo dos fatores psicolégicos e sociolégicos que promovem e encorajam a descoberta de hipoteses cientificas; nao é uma investigagio acerca das abordagens filo- ‘s6ficas do mundo que se encontram implicitas nas teorias cientificas do- ‘minantes; nio chega a ser uma reflexao sobre os principios, métodos ¢ resultados das ciéncias fisicas e sociais, que descrevem no mais alto nivel de generalidade os piniculos das descobertas cientificas. Na realidade, parece consistir em uma andlise puramente légica da estrutura formal das ‘eorias cientificas, que parecem estar mais ligadas a prescrigo de boa ‘pritica cientifica do que a descrigiio daquilo que tem de fato passado gomo ciéncia; ¢, quando eventualmente menciona a histéria da ciéncia, sefere-se 4 fisica clissica como se ela fosse a ciéncia protétipo, & qual ‘todas as demais disciplinas devem cedo ou tarde se ajustar, a fim de justi- Bear o titulo “ciénci Essa caracterizagio da filosofia da ciéncia ¢ atualmente considera- ‘& sltrapassada, pois reflete o auge do positivismo Iégico dos anos com- geeendidos entre as duas guerras mundiais. Entre os anos 20 e 50, 8 METODOLOGIA DA ECONOMIA filésofos da ciéncia concordavam mais ou menos com 0 que Frederick Suppe (1974) denominou “A visio adquirida das teorias”. Entretanto, os trabalhos de Popper, Polanyi, Hanson, Toulmin, Kuhn, Lakatos e Feyera- bend, apenas para mencionar os nomes mais importantes, vieram a des- truir a visdo adquirida sem, no entanto, substitui-la por nenhuma concepeio altemativa accitavel. Resumindo, a filosofia da ciéncia tem es- tado em uma situagéo de tumulto desde os anos 60, 0 que complica a tarefa de estabelecer uma diretriz simples para o assunto no espago de dois capitules. Enfim, hi muito a dizer, comegando com algumas princi- pais caracteristicas da visio adquirida e somente entio passando a nova heterodoxia, usando o trabalho de Karl Popper como linha divi as novas ¢ antigas abordagens da filosofia da cincia, O Modelo Hipotético-dedutivo De acordo com a abordagem padrio da ciéncia em meados do sé- culo XIX, as investigagdes cientficas comegam com a observagio livre ¢ sem preconceitos dos fatos, prosseguem por meio de inferéncia indutiva cm diregio a formulagio de leis universais sobre esses fatos e chegam finalmente, por meio de indugdo mais ampla, a enunciados de generalid de ainda maior conhecidos como teorias; tanto as leis como as teorias sio finalmente examinadas para que se possa aferir seus contetidos de verda~ de, por meio de comparagio de suas conseqiiéncias empiricas com todos 6 fatos observados, inclusive aqueles com os quais elas iniciaram. Essa visio indutiva da ciéncia, perfeitamente resumida no livro System of Lo- gic, Ratiocinative and Inductive, de John Stuart Mill (1843), e que até hoje continua sendo a concepeio de ciéncia do cidadio comum, comegou a se desvanecer gradualmente na ultima metade do século XIX, sob a influéncia dos escritos de Emst Mach, Henri Poincaré e Pierre Duhem, e foi quase totalmente substituida pelo modelo hipotérico-dedutivo de expli- cagao cientifica que surgiv depois da virada do século no trabalho do Cireulo de Viena ¢ dos pragmatistas americanos (ver Alexander, 1964; Harre, 1967; e Losee, 1972, caps. 10, 11). Entretanto, somente em 1948 & que © modelo hipotético-dedativo foi colocado em termos formais, sendo considerado o tinico tipo de expli- cagio vilido na cigncia. Essa versio avtorizada apareceu pela primeira ‘vez em um trabalho hoje famoso, escrito por Carl Hempel e Peter Oppe- nci- ova tre DA Visho ADQUIRIDA A VISKO DE POPPER » heim (1965), que argumentava que todas as expicagées verdadeiramen: te eientificas tem uma esirura Logica comum: envolvem pelo metes vei universal, mais uma declaragio de condigées relevants ini su de limites, que, juntas, constituem a explanans ou premissas a partir das quais uma explanandum, um enunciado sobre algum even'o ceuja ex- plicagio estejamos buscando, é deduzida com a ajuda das regras da logica aesuive, Por lei universal, quetemos dizer uma tal proposiga0 como “em fados os casos em que ocorrem os eventos A, ocorrem também os eventos BB tai leis univesais podem ser de forma determinista quando se refe- fem aos eventos individuais B ov de forma esttistica ao se referrer @ sees de_ eventos B (assim, leis estatisticas tomam a forma: “em todos ts casos onde os eventos A ocorrem, eventos B também ocorrem Som Mins probatildade de p, onde Ocp dito para exagerat mero de colocagses mplo, que a descen- jematicamente rela- fenétipos deixam nas ¢ implica algu- icimes nunca reapa- o darwinismo seria $e 7). Da mesma ‘oma Ma «ene wc de Ete ek, fees) Fo ek oem sesso Darwin + sere te ie de anak (er Bin, 199, 9p. TB Lee, DA Visio ADQUIRIDA A VISKO DE POPPER 6 forma, dizer que a evolugio darwiniana pode explicar o pescogo da girafa moderna, porém nunca poderia té-lo previsto com antecedéncia, equivale ‘a no compreender a teoria darwiniana, a qual prevé, se & que prevé de lguma forma, nio para individuos (como as girafas) ou para organismos (como os pescogos) e sim para caracteristicas ou conjuntos de earacteris- ticas, O proprio Darwin sabia perfeitamente que certos fatos, tais como a texisténcia de insetos assexuados e hibridos estéreis, pareciam contradizer ‘ua teoria; por isso todo um capitulo de A Origem das Espécies foi devo- tado a “objegies diversas & teoria da selegdo natural”, isto ¢, earacterist- eas que nio poderiam ter evoluido por meio da selegao natural. Em resumo, 0 darwinismo é passivel de refutagio por meio de observagées, 0 {que esti bem longe do fato de que em tempos recentes alguma especiali- zagio a la Darwin tem sido observada de forma direta (Ruse, 1982, pp. 97-108; Ruse, 1980, pp. 20-26). Nesse sentido, a evolugdo darwiniana nio é um tipo de teoria logicamente diferente da, digamos, mecénica rewtoniana ou da relatividade eisteiniana (Williams, 1973; Flew, 1984, pp. 24-31; Caplan, 1985), Entretanto, pode-se admitir que 0 modelo de explicagao cientifica baseado na lei com seu corolirio, a tese da simetria, ‘ado pode acomodar facilmente a teoria darwiniana da evolugao* Existem outros exemplos de teorias que parecem apresentar expli- ‘cages sem fazer previsdes exatas, como, por exemplo, a psicanilise de Freud e a teoria do suicidio de Durkheim, acusadas de nio serem verda- deiramente cientificas. Exemplos ainda mais amplos so constituidos por todas as formas de explicagées histéricas, que, na melhor das hipéteses, geram condigées suficientes, mas no necessirias, para que um certo tipo de evento ocorra ou que tenha ocorrido; o que 0s historiadores explicam ¢ quase nunca dedutivel a partir de suas explanans e, portanto, nao resulta ‘em algo que seja uma previsio exata (ou retrovisio). As explicagdes his- téricas sio de fato controladas por evidéncia fatual, assim como 0 sio as explicagdes cientificas; porém, a evidéneia normalmente é tio esparsa e ambigua que se toma compativel com um amplo niimero de explicagées alternativas ¢ até mesmo conflitantes. Portanto, é dificil se resistir ao ar- gumento de Hempel (1942), segundo o qual praticamente todas as expli- cagdes histéricas sio pseudo-explicagdes: elas podem ser verdadeiras ou falsas, porém raramente saberemos qual das circunstincias ocorre, € 0 4. Taser por iso € que Pope (176, pp 168, 17-180, nbn 197, pp. 6, 241-2, 267-8 wma vex gunerion gee seta risa evo 9 ¢ ua ela cei vel esi "am progam fe yeni nefisco~ um es posite! p erases testi 6 METODOLOGIA DA ECONOMIA historiador normalmente no esti preparado para nos ajudar a distinguir entre uma e outra, Resumindo: podemos fazer a defesa da tese da explicagio-sem-pre- visio, porém nio se trata de uma defesa forte, ¢ eu continuo convencido de que 0 modelo de explicagio cientifica baseado na lei sobrevive bem a toda a critica que Ihe tem sido dirigida. Trata-se de uma posigio contro- versa, mas ¢ suficiente que se diga que devemos estar na defensiva a0 recebermos uma explicagio que nao faz uma previsio, isto é, quando, em vex de uma explicagio, recebemos “compreensio". “Nés entendemos as causas dos terremotos", diz Frank Hahn (1985, p. 10), “porém no mo- ‘mento néo podemos prevé-los ou. Pelo contririo, todavia: os geofisicos tm feito grandes progressos em anos recentes no campo da previsio de terremotos, porque eles chegaram a entender com preciso suas causas. De qualquer forma, quando o entendimento nao esté acompanhado de ca- Pacidade de previsao, deveriamos perguntar: sera que é porque néo pode- mos assegurar toda a informagio relevante sobre as condigdes iniciais, assim como na maior parte da evolugio bioldgica, ou sera que é porque a explicagio nio se baseia de forma alguma em uma lei universal ou pelo menos uma generalizagao solta de algum tipo, assim como em tantas ex- plicagées histéricas? Se ocorre esta iltima opcio, eu dria que definitiva- mente esto querendo nos passar gato por lebre, pois nio é possivel se explicar qualquer coisa sem referéncia e um conjunto maior do qual essa coisa é um elemento (ver Elster, 1989). Normas Versus Pratica Corrente Nos ja vimos que 0 modelo de explicagio cientifica baseado na lei exclui a maior parte daquilo que pelo menos algumas pessoas considera- E esse é exatamente seu objetivo: ele procura “dizer como deveria ser” e no “dizer como &”. Essa fungio prescritiva e normativa do modelo de explicagio baseado na lei é considerada objetavel por seus -tais tragédias nunca acontecem! Esse argumento convencional de Duhem hoje em dia é conhecido ‘emo a tese de Duhem-Quine pois foi reenunciado por Williard Quine, 6 METODOLOGIA DA ECONOMIA modemo filésofo americano. Popper nio apenas é consciente da tese de Duhem-Quine, como na realidade toda a sua metodologia é concebida Para lidar com ela. Uma vez que Popper ainda é considerado em alguns sireulos como um falsificador ingénuo, ou seja, alguém que acredita que uma simples refutagao ¢ suficiente para invalidar uma teoria cienifica, vale a pena citar seu préprio endosso & tese de Duhem-Quine: Na readade, nenuma sontsagio concosiva de una toia pode Ser produsida; pois sere se poe diet que o esutads expeinenis no so confivels ou gue as dicepincng ee supbe exis entre o resultado experimental ea tear io apenas aparetese que desapae. ‘eo com o avango de nossa compreenso (Popper, 1965, p. $0 ver tambem pp 42,823, 108) Devido ao fato de que “nenhuma contestagao conclusiva de uma teoria pode ser produzida”, precisamos de limites metodoldgicos nos es- \tatagemas que podem ser adotados pelos cientistas para proteger suas teorias da refutagdo. Esses limites metodolégicos nao sio acessérios su- perficiais da filosofia da ciéncia de Popper; sio absolutamente essenciais Nio é a capacidade de falseamento como tal que distingue a cigncia da nio-ciéneia no trabalho de Popper; o que delimita a ciéncia da nio-cién- cia € 0 falseamento mais as regras metodolégicas que proibem aquilo que le a principio chamou de “suposigdes auxiliares ad hoc”, depois “estra- tagemas convencionalistas™ e finalmente “estratagemas de imunizagao” (Popper, 19722, pp. 15-16, 30; 1976, pp. 42, 44), Se lermos The Logic of Scientific Discovery, de Popper, procuran- do por frases como “eu proponho a regra..", “devemos adotar a regra metodologica...” etc., vamos encontrar mais de vinte exemplos. E eluci- dativo que apresentemos uma amostragem dessas frases’ (1) ~-adotar tais regras que venham a assegurar a testabilidade de ‘enunciados cienificos; iso quer dizer, sua falseabilidade (1965, p.49),. (2) .~.somente tais enuneiados podem ser introduzidos na ciéncia, sen- do testiveis de forma interdisciplinar (1965, p. 56). (3) em caso de ameaga ao nosso sistema, nio o salvaremos median- te nenhum tipo de estratagema convencionalista (1965, p. 82), Paw lita conpca ds eras, vr Jha (1S, ip, 2 411, em hom tiesto peu ‘tr qe tv, i em spn plo quebec di see com ena een, DA ECONOMIA » da tese de é concebida > em alguns, acredita que a cientifica, prods; pois as discrepincias ye que desapare 2,823,108. siva de uma gicos nos ¢s- roteger suas cessorios su- te essenciais a ciéncia da da nio-cién- em aquilo que jepois “estra- imunizagio” per, procuran- ddotar a regra plos. E eluci- stabilidade de bilidade (1965, ma ciéncia, sen- 5). remos median- 1965, p. 82). oti to pa wm tec DA Visio ADQUIRIDA A VISA0 DE POPPER a (4) .. somente aquelas [hipéteses auxiliares) sio aceitaveis cuja intro- dugio néo verha diminuir 0 grau de falseabilidade ou testabili- dade do sistema em questio, mas, sim, aumenté-lo (1965, p. 83). (5) Experimentos testados de forma interdisciplinar devem ser aceitos ‘ou rejeitados a luz de contra-experimentos. O apelo a deriva- ‘es légicas a serem descobertas no futuro pode ser desconside- rado (1965, p. 84), (6) Devemos considerar que {uma teoria] esté adulterada somente 20 descobrirmos um efeito reprodutivel que tefute a teoria. Em ou- tras palavras, aceitamos a adulteragio se uma hipétese empirica de nivel inferior que descreva tal efeito for proposta e corrobo- rada (1965, p. 86). (1). deve-se dar preferéncia iquelas teorias que podem ser testadas de forma mais rigorosa (1965, p. 121) (@) .. hipoteses auxiliares devem ser usadas da forma mais esparsa possivel (1965, p. 273). (9) .. qualquer nove sistema de hipdteses deve apresentar, ou explicar, as regularidades velhas, corroboradas (1965, p. 253). Essas regras metodolégicas, inclusive a que versa sobre a propria falseabilidade, constituem o critério de limitagio entre ciéncia e nao-cién- ‘cia na obra de Popper. Mas por que alguém deve adotar tal critério de delimitagio? “O tinico motivo pelo qual propus meu critério de demarca- ‘¢i0", afirma Popper, “é que ele é frutificante: muitos pontos podem ser Esclarecidos e explicados com sua ajuda” (1965, p. $5). Porém, frutifican- te para qué? Para a cincia? A aparente circularidade do argumento desa- parece somente ao nos lembrarmos de que a busea por ciéneia pode ser {pstificada apenas em termos nio-cientificos. Queremos obter conheci- ‘mento sobre o mundo, mesmo que seja conhecimento falivel, mas a razio fpor que nds desejamos tal conhecimento continua sendo uma questio me fafisica profunda e ainda nao respondida acerca da natureza do homem (ver Maxwell, 1972) “As regras metodolégicas sio aqui consideradas convenges”, diz Popper (1959, p. 59). Note que ele nio procura jusificar suas regras ape~ Jando para a historia da ciéncia, e de fato reeita a nogao que considera a ‘mxtodologia como disciplina que investiga o comportamento de cientistas ‘eo trabalho (1959, p. 52). E verdade que ele faz referéncias frequentes & Eéstéria da ciéncia — tendo Einstein como fonte especial de inspiragio 8 METODOLOGIA DA ECONOMIA (1959, pp. 35-6) -, embora nio admita que apresentou fundamento log para o que fazem os cientistas, no importando se eles percebem isso! Parece que seu objetivo é aconselhar os cientistas a proceder de forma a encorajar © progresso cientifico, e suas regras metodolégicas sio franca. ente normativas, como aquele famoso principio dos filésofos medievais, “a navalha de Occam”,.que permite uma discussio racional, mas nag Pode ser derrubada por contra-exemplos histéricos, Nesse sentido, otitule a obra maior de Popper, The Logic of Scientific Discovery, é confuso em dois sentidos". logica da descoberta cientifica nio & uma légica pura ou seja, uma série de proposigdes analiticas; como ele mesmo diz, “ logiea da descoberta cientifica deve ser identficada com a teoria do'mé- todo ciemtifico” (1959, p. 49), e essa teoria, como ja vimos, consiste no Principio da falseabilidade mais as regras metodolégicas negativas esp Ihadas a0 longo de seus escritos®. Além disso, a teoria do método cient fico, mesmo sendo descrita vagamente como um tipo de logica, nao é uma logica da descoberta cientificae sim uma logica de jusificagio, pois nova e frutificante hipotese cientifica Inferéncia Estatistica Muitos estudiosos tém se sentido perturbados pelas nogdes de prin- cipios metodol6gicos que nao sio em nenhum sentido generalizagies ba seadas em faganhas cientificas do passado. Porém, os economistas sio amiravelmente dotados para julgar 0 valor das tegras metodoldgicas pu. Tamente normativas, pois elas surgem sempre que eles estimam uma rela. ‘40 estatistica. Como ensina todo livro elementar de estatistica, a 1 Asin, Ppp, opie Nevin acta qe avi ud © mad de ind ncn gu tera ie sm nas adie ft slo «depo de rene meals fea Gop ¢ ci, 197. . 190; thn Popper 1972, p. 1067, 1969 pp. ban. Alt meme Bite de Popes (2276, 967, 48 date acs wt posits € cpeinlia dope. cane ne Roe Isramene ee 0 ede Darwin, ee, por sls singe dete or pander tte do mes item ue verdant poppet, 3 po eer se late ace de ances ep nani su to peri sr ervads or sh 14min so Pde sera quo de athe lit Lip dena sia ma domi aopi- (4s prot em semi, Lait er Forschung. ‘Ata ¢ conum gues econ tral de Pope ae det edo © lene isl ds segs ictodles que ren o “erage de iunizaio"; wer por thempl, Age (1996p ‘Maré (1972, $882, Wie (1975 eate mesmo Mage (173) DA VISKO ADQUIRIDA A visio DE POPPER » inferéncia estatistica envolve o uso de observagdes de amostras para infe- rir algo sobre as caracteristicas desconhecidas de uma populagdo, e a0 fazer tal inferéncia podemos ser muito rigorosos ou muito vagos: sempre ‘eorremos 0 risco do que & chamado erro Tipo I, a decisio de rejeitar uma hipétese que é de fato verdadeira, mas também estamos sempre sujeitos 420 erro Tipo Il, a decisio de aceitar uma hipétese que é de fato falsa, e ‘em geral nao existe uma maneira de estabelecer um teste estatstico que rio inclua em algum grau ambos os riscos simultaneamente, Aprendemos 4 testar uma hipétese estatistica indiretamente mediante a formagio de ‘uma versio negativa da hipdtese a ser testada, a hipétese nula, Ho. A probabilidade do erro Tipo 1 ou “amplitude” do teste entéo consiste na probabilidade de erroneamente se rejeitar Ho; e a probabilidade do erro Tipo Il consiste na probabilidade de erroneamente aceiti-la; a “forga” do teste € a probabilidade de rejeitar corretamente uma hipétese falsa que igual a (1 - Prob. erro Tipo II). Aprendemos ainda a escolher uma peque- na “amplitude”, digamos, 0,01 ou 0,05, ¢ maximizar a “forga” de forma consistente com aquela “amplitude” ou, expressando de forma alternati- va, estabelecer a probabilidade do erro Tipo I em algum nimero pequeno anbitrério, minimizando entio a probabilidade do erro Tipo II para a pro- babilidade dada do erro Tipo I. Isso finalmente produz uma conclusio segundo a qual uma dada hipstese € estabelecida no nivel de significancia de 5 por cento, ¢ isso quer dizer que estamos prontos para correr 0 risco de aceitar aquela hipétese como verdadeira quando nosso teste for tio rigoroso que haja de fato uma chance em vinte que rejeitemos uma hipé- tese verdadeira 0 objetivo dessa simples ligéo sobre o que se tomou conhecido como teoria de Neyman-Pearson de inferéncia estatistica foi demonstrar que qualquer teste estatistico de uma hiptese depende essencialmente de ‘uma hipétese alternativa com a qual se faca a comparago, mesmo que essa comparagao seja apenas um artefato, Ho. Isso é verdadeiro no ape- nas com relagio a testes estatisticos de hipéteses, como também a todos os testes de ““adugdes™. Um individuo € culpado de assassinato? Bem, depende da decisio do juiri, que pode consideri-lo inocente até prova em contrério, ou culpado até que consiga provar que é inocente. A propria prova, sendo tipicamente “circunstancial como eles chamam, no pode ser avaliada a menos que o jiri primeiro decida se 0 risco do erro Tipo I 4 menor ou maior do que o risco do erro Tipo Il. Queremos um sistema legal que nunca condene gente inocente, ao qual chegaremos ao custo de ‘ocasionais absolvigdes de partes culpadas, ou queremos estar certos de o \METODOLOGIA DA ECONOMIA sempre punir 0s culpados, ¢ nesse caso com a ocasional condenagio de partes inocentes? Os cientistas tém tipicamente um medo maior de aceitar uma fa dade do que deixar de reconhecer uma verdade; isto é, comportam-se ‘como se 0 custo dos erros Tipo I fosse maior que 0 custo dos erros Tipo 1. Podemos deplorar essa atitude, considerando-a conservadorismo indi- gesto, uma manifestagao tipica de recusa, por parte daqueles que tém teresses em doutrinas estabelecidas, em aceitar novas idéias, ou podemos elogié-la como uma manifestagdo de ceticismo saudivel, indicagio de tudo o que é salutar na atitude cientifica. Mas, seja lé qual for o nosso ponto de vista, devemos necessariamente concluir que dessa forma o que fe considera regras metodolégicas entra na propria questio de se aceitar 0 fato estatistico como um fato. Sempre que dizemos que uma relagao é ‘estatisticamente significativa em um nivel de significdncia tio baixo quanto 5 ou mesmo 1 por cento, comprometemo-nos com a decisio de aque o risco de acetar uma hipétese falsa é maior que o riseo de rejetar lima verdadeira, e essa decisio nio é por si propria uma questio de cca, nem pode ser justificada simplesmente apontando-se para a historia dos fatos cientificos passados (ver Braithwaite, 1960, pp. 174, 251; Ka- plan, 1964, cap. 6). Em face do cunho inerentemente estatstico da fisiea quintica mo- derma (Nagel, 1961, pp. 295, 312), essas nio sio observagdes infundadas, perfinentes apenas a uma ciéncia social como a economia. Sempre que as previsées de uma teoria forem de natureza probatilistica ( que previsoes fio o sio - qualquer experiéncia de laboratério feita para confirmar até qnesmo uma relagio tio simples quanto a lei de Boyle nunca encontrar © produto da pressio ¢ volume em forma de eonstante exata), a noglo de Estabelecer provas sem invocar principios metodolégicos normativos sera ‘um absurdo, A filosofia da ciéncia de Popper teria sido mais bem com- preendida, muito menos ligada a erros de interpretagio ainda abundantes va literatura secundéria, se ele tivesse feito referéncia expliita a teoria de inferéncia estatistica de Neyman-Pearson desde o inicio. E verdade que essa teoria de teste de hipdteses somente ‘emergitt com os escritos de Jerzy Neyman e Egon Pearson entre 1928 e 1935, tornando-se pritica padrio em um momento dos anos 40 (Kendall, 1968), ¢ que a obra The Logic of Scientific Discovery, de Popper, foi publicada pela primeira vez na Alemanha em 1934, cedo demais para se beneficiar daquela revelagao. Porém, Ronald Fisher, em um famoso trabalho de 1930, jé havin desenvolvido a concepyio de inferéncia fidueidria, que € DA visio ADQUIRIDA A visio DE POPPER a teoria de teste de hipsteses de Neyman- Peatson (Bartlet, 1968), e, além disso, Popper tem escrito muito sobre a filosofia da ciéncia desde 1934. O fato de Popper haver negligenciado as fmplicagdes da modema teora de inferénciaestatstca com relagao & lesofia da ciéncia toma-se ainda mais surpreendente quando ele iica ong discussio sobre probabilidade em The Logic of Scientifc Discovery aie mando que enunciados de probabilidade sio inerentemente nio-falsificé- vels porque “ndo desprezam qualquer coisa que seja observivel”™ (1965, Bp 489-90), “Esté bem claro", continua ele, “que a” flsifieagio pritcg “pode ser obtida somente através de uma decisio: metodoldgica que con- sigera eventos altamente improvaveis como refutados ~ como proibides™ (1965, p. 191). Ai esti a esséncia da teoria de ‘Neyman-Pearson, e, nesses {ermos, toma-se claro imediatamente que o principio da falscablidade alge normas metodolépicas para funciona. O fato de que Popper nic {enka explorado a teoria de Neyman-Pearsone, em particular, sua aparen te relutincia em ‘mencioné-la, deve entéo ser considerado como um da- Gules mistérios insoiveis da histria das idias®, Suponho que tem algo * Yer com sua oposigao, que durou a vida inteira, a0 uso da teoria da Probabilidade para estabelecer a verossimilhanga de uma hipétese — uma auestio atemorizante demas para snalisarmos aqui -, mas isso € apenas um hipstese inspirada. virtualmente idéntica a modema t Graus de Corroboragio Embora Popper negue o ponto de vista segundo o qual as expica- ses clentificas sio simplesmente “ingressos de inferéncia” para se fazer visbes, ele, entretanto, insiste que as explicagées cientificas nao po- “em ser avaliadas a nao ser em termos das previsées que implicam. Veri- e LMETODOLOGIA DA ECONOMIA ficar as previsdes de uma explicagio teorica, demonstrat que os fenéme- nos abservaveis sio compativeis com a explicagio, ¢ facil: existem pou- ‘as teorias que no possam ser autenticadas por algumas observagdes, Por incrivel que parece. Uma teoria cienifica somente ¢ testada quando um cientista especifica com antecedéncia as condigoes observaveis que pode- tam falsear a teoria™. Quanto mais exatas as especificagdes das condicdes falseadoras e mais provavel sua ocorréncia, maiores serdo 0s riscos enfren- tados pela teoria. Se a teoria for bem sucedida ao resist & falsificagao © se conseguir prever 0s resultados com sucesso, resultados esses que nio se originem de explicagdes cientificas concortentes, seri considerada alta mente confirmada ou, como Popper prefere, “bem corroborada (1959, cap. 10). Em resume, uma teoria € corroborada néo quando concord com muitos fates, porém quando no encontramos fatos que a refutem. Na filosofia da ciéneia tradicional do século XIX, as teorias clenti- ficas adequadas deviam satisfazer uma lista de ritérios, como consist cia intema, simplicidade, completeza, ¢ generalidade de explicagio, isto 6 a habilidade de implicar ou pelo menos jogar alguma Tuz em ampla Variedade de fenémenos (0 que William Whewell costumava chamar de “eonsondncia de indugao"), fecundidade, ou seja, 0 poder de estimular pesquise adicional e talvez até mesmo a relevincia pritica das implica: g5es. Vale a pena notar que Popper luta para reduzir a maior parte desses Sritérios tradicionais a sua demanda por previsdes falsificaveis. Obvia- mente, a consistincia logica € “o pré-tequisito mais geral” de qualquer teoria, pois uma explicagio autocontracitoria é compativel com qualquer fevento e, portant, nunea pode ser refutada (Popper, 1959, p. 92). Da mesma forma, é dbvio que, quanto maior a generalidade de uma teoria, mais amplo o alcance de suas implicagSes e mais ficil falsed-la; nesse sentido, a ampla preferéncia por teorias cientficas cada vez mais abran- gentes pode ser interpretada como o reconhecimento impliito do fato de Ge 0 progresso cientifico é caracerizado pela acumulagao de teorias que resistiram a testes rigorosos. De forma mais controvertida, Popper argu- imenta que a simplicidade tedrica pode ser igualada ao grav de falseabili- 4 Eines gue Dain (1859 p. 2289) fags pecamene ama epee io poppecns: “$6 Facet ova que ler red stra de ql epi ves sido forma arse i a ect, xo wigan mith eta, psa th poder ter sido prt ants Sree mr elect ochre di exe como exemple, mas meatal vo aso Teenan. "Agu mo eo ego para ana sei ¢ em co cs role sein en tims outa desert sere dos sovnbilops nodes. [DA Visio ADQUIRIDA A visKO DE POPPER e dade de uma teoria, no sentido em que, quanto mais simples a teoria, mais exatas suas implicagdes observaveis; portanto, maior sua testabilida- vie B devido ao fato de que teorias mais simples tém essas propriedades aque buscamos simplicidade na ciéncia (Poppet, 1965, cap. 7). Duvidames que esse argumento Seja convincente, uma vez que a propria nogio de Simplicidade de uma teoria€altamente condicionads pela perspective his térica dos cientistas. Mais de um historiador da ciéneia j4 notou que @ simplicidade elegante da teoria de atragdo de Newton, que tanto impres- Sionou os pensadores do século XIX, nio teve tanto efeito em seus cOn- temporineos do século XVI, e se a mecénica quantica modema t a teria the teltividade sito verdadeiras, deve-se reconhecer que nio sio teorias fruito simples". Tentativas de definit com exatidio o que se quer dizer vom teoria mais simples até agora felharam (Hempel, 1966, pp. 40-5), © Oscar Wilde provavelmente estava certo quando de forma satiriea comen- tou que a verdade é raramente pura e nunca simples Seja ld como for, a referéncia de Popper a “gravs de corrobors- io” sugere uma medida de comparacio entre torias, mas ele de fato, nega explicitamente a possibilidade de atrbuir uma expressio numérica to grau de falseabiidade de um sistema te6tico, Para comesar, nenhuma teorin pode ser falseada de forma decisiva por qualquer experimento sim- ples ~ a tese de Duhem-Quine, Depois, embora possamos instar 0s ciety fistas a nao fugir da falsificagdo de suas teorias mediante “estratagemas de imunizagio”, deve-se reconhecer 0 valor funcional do ato de aterse tenazmente, em certas circunstincias, a uma teoria refutada, na esperanga de que ela possa ser revista com 0 objetivo de lidar com as anomalias ccém: descobertas (Poppet, 19722, p- 30); em outras palavras, o conselho ‘erecido por Popper aos cientistas nao é de forma algumaindefinido. Em terosiro lugar, a maioria dos problemas de avaliaglo tedria envolve no apenas um duelo entre uma teoria e um conjunto de observagaes) sim ween Tuta em trés frentes entre duas ou mais teorias rivais e um conjunto de provas que ¢ explicado de forma mais ou menos satisfatéria pelas duas teins (Popper, 1965, pp- 32-3, 53-4, 108). As ts consideragdes redu- zem a concepgao de graus de corroboragio de uma teoria a uma compara: 1 Cone Pony (195,16) bu, st amnesic mete i ie sen ea 2 rade quis mecnce itis sto fens de compen, ere ema ote sodas pel renin, arin aoe aro pee ear a rac eee fle 0 come” terme Tai 4th apenas aans into to recess 6 \METODOLOGIA DA ECONOMIA gio ordinal ex post que é inerentemente qualitativa (Popper, 1972a, pp. 18, 59) (Quando flo em grav de comoboragio de uma teria, refiro-me a wma avaligio concise do extado (em um dado tempo 1) da discusso erica de uma tora, com relagdo a forma como resolve seus problemas; seu gra de tetbiliade;o rigor dos testes a que foi submatia; e 2 ‘maneia como resist aos testes. A corroboragio (ou gra de cooborago)é, potato, um relat rio avaliador de desempenko pasado, E essencilmee comparative: em geal, podese diver so- ‘menie que a tora A tem un grau de comoboragio mas alto (ou mais tno) que uma teria B oncorrenl,& Iz dh discs ents, © que inl testes, ad um cert tmp t. Sendo apenas tm relatrio de desmpento pasado, leva a una siuago de ter que esclher uma teria ene as denis. Porém, nada dic acerca de desenpenho faturo, ou sobre @ “confibilldade” de uma t00- ria. Nio acho que graus de vressimihanga, ov uma medida de conte de verdad, ou cones de flsidade (ou, digames, grade coroborato ou até mesme de probabildade logic) possam ser rnumericamente determinados, exceto em cero 805 limies (como Oe 1) © problema de dar uma precisio a concepgao de corroboragio tor- na-se ainda mais exacerbado pelo fato de que teorias rivais podem ter na realidade dominios ligeiramente diferentes, € em tais casos nao chegam nem a ser comensuriveis, Se, além disso, elas sio partes de um sistema de teorias mais amplo ¢ interligado, a tarefa de comparé-las em termos de seus graus de corroboragio ou verossimilhanga torna-se quase impossivel Essa dificuldade central na metodologia popperiana esti bem colocada em uma “reconstrugao racional” algo injuriosa de seu trabalho, escrita por um de seus alunos, Imre Lakatos (1978, I, pp. 93-4). Popper ¢ 0 falsificador dogmatico que unex publicou uma palava: ele fi inventado — “ettcado™ — prmeir por Ayer depois por muitos outs... Popper ¢o flsificador ingénwo, Poppe, falifieadorsfisiado, O Popper rel desenvolveuse de uma versio dogmitica a una veto ingénua do falseailisno meodoligico nos anos 20; ele chegou is “regras de aceitasdo" do {foeeablsmo tftcode nos 3005 $0. Porém, o verdadero Popper nunca abandonow suas regras de falzeanentorignss(ingdnua) Ele exig, até hoje, que 0 “erro de reftago™ em que set fesabelecido com antecedéncia: dave ser acordado que stuaies observives, se frem de ft0 ‘bserveis,ceifieam gue ators est refuada, Ele ind raduz“flsificagio™ como o resultado

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