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| RAMANA MAHARSHI RAMANA MAHARSHI ENSINAMENTOS ESPIRITUAIS “Sri Ramana é um verdadeiro filho do solo indiano, Ele é auténtico ¢, além disso, um verdadeiro fendmeno. Na [ndia, é considerado 0 ponto mais imaculado na brancura dos céus.” C.G. JUNG Ramana Maharshi é um dos maiores mestres espirituais da India mo- dema. Aos dezesseis anos, atingiu a experiéncia profunda do verdadeiro Eu superior sem a orientagao de um guru, permanecendo, daf em diante, consciente da sua identidade com a Absoluto em todos os momentos. Depois de alguns anos de reclusdo silenciosa, comegou a responder as perguntas formuladas por quantos prosseguiam em sua busca espiritual mundo afora. Maharshi nao seguia nenhum sistema tradicional de ensinamento e quase nfo escreveu. Seus ensinamentos tomaram’a forma de didlogos com visitantes que buscavam sua orientac4o; seu método de instrugdo consistia em dirigir quem andava em busca ‘de seu Eu superior, além de recomen- dar, como caminho para a compreensdo, um tipo de auto-indagacao in- cans4vel, no qual se destacava a pergunta: “Quem sou eu?” A transcrigdo dos didlogos de Ramana Maharshi é conhecida dos as- pirantes espirituais de todo o mundo e.apreciada pelo seu senso de intenso poder de inspiragdo, que transcende todas as divergéncias religiosas. EDITORA CULTRIX §) 9 Seetiments "Bn trabarh 2% para que sungdA ests pensanerte ? odesapego consists om destrusy infeiva mente os em seu Local de Otigem @ semdeixar vestigios. 26 tanto ve estade de Vigilia como ncestade AS conve persamentys nomes @ filmas ocorcem simmltaneamente , we ES % aleydon dey "Quo Sow sue? 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Rua Dr. Mario Vicente, 374 - 04270 - Sao Paulo, SP - Fone: 272-1399 que se reserva a propriedade literdria desta traducdo. Impresso nas oficinas gréfieas da Editora Pensamento. Sumario PREFACIO 7 INTRODUCAO DE C. G. JUNG 9 ESBOCO BIOGRAFICO . 13 QUEM SOU EU?...... - 17 INSTRUCAO ESPIRITUAL « 29 Instrugéo . pal Pratica ... - 35 Experiéncia - 47 Realizagéo ... Pel O EVANGELHO DE MAHARSHI ... 57 Trabalho e Remincia 59 Siléncio e Solidao . . 67 Controle da Mente eee Bhakti e Jfiana . 77 Eu Superior e Individualidade . . 81 Realizagao do Eu superior 85 O Guru e sua Graga ... . 91 Paz e Felicidade . . . 9 Auto-Inquirig&o --101 Sadhana e Graga .... » 109 O Jiiani e o Mundo 115 O Corago é 0 Eu superior 123 Aham e Aham-Vrtti .. 133 NOTAS | . 141 GLOSSARIO .. 143 Prefacio Uma inspiragéo suave — desprovida de pensamentos — é capaz de promover o éxtase da consciéncia total — além das palavras. Nos trés livros de respostas aos que buscam, Bhagavan Rama- na Maharshi, sem ferir 0 bom senso, a razdo ou a Iégica, expressou da melhor forma o indizivel, mostrando o caminho — os intimeros caminhos — para o Eu superior e o Ser. A fim de compreender a experiéncia maxima, deve-se buscar a experiéncia interior. Além do que vocé pensa, encontra-se 0 que vocé é. Tal per- cepgéo nao envolve praticas nem atitudes especificas, exceto a Compreensio. Nao é necessdrio o recolhimento — nenhuma mudanga de tempo, espago ou condigGes atuais — mas apenas uma mudan¢a de ponto de vista, que vocé realiza em favor de seu Eu superior. Em uma carta recente, S.S. Cohen faz a seguinte afirmacao: “ ‘Ser’ resume todo o ensinamento pratico de Bhagavan. Nada existe na vida material que possa substitui-lo — nem a riqueza, 0 sexo, as artes, a ciéncia ou qualquer outro ideal. O Ser é 0 Bem maior -, beatitude e verdade absolutas.”” Bhagavan chegou & Iluminacao por si mesmo, sem um guru fi- sico. Possa vocé encontrar a resposta neste livro. Essa pode ser a viagem que dispensa todas as outras. Descubra quem vocé é, e nao podera deixar de Ser! Saiba que vocé é imortal, e s6 lhe é dado Ser. Possam todos os seres alcangar o bem-estar, possam todos os seres ser felizes. Paz, paz. PAZ Joe & Guinevere Miller Introdugao Sti Ramana e Sua Mensagem para o Homem Moderno C. G. Jung Sri Ramana é um verdadeiro filho do solo indiano. Ele € autén- tico e, além disso, um verdadeiro fenémeno. Na India, é considerado © ponto mais imaculado na brancura dos céus. Encontramos na vida e nos ensinamentos de $17 Ramana o que de mais puro existe na india; com seu alento de libertagao da huma- nidade, é um cAntico milenar cuja melodia possui um tinico e gran- dioso motivo, 0 qual, em seus milhares de reflexos multicoloridos, renova-se dentro do espfrito hindu, do qual o préprio Sri Ramana Maharshi é a tiltima encarnagdo. A identificag&o do Self com Deus iré chocar o homem ociden- tal. Eis uma percepgdo estritamente oriental, segundo os escritos de Sti Ramana. A Psicologia nado tem nenhuma outra contribuicio a acrescentar, exceto constatar que se encontra bem além de seu al- cance propor coisa semelhante. Contudo, para o hindu, esta claro que o Self como Fonte Espiritual nao difere de Deus; habitando o préprio Self, o homem nao apenas est4 contido em Deus, mas € 0 proprio Deus. Si Ramana € bastante claro a este respeito. O propésito das praticas orientais € 0 mesmo do misticismo ocidental: mudar o foco do “Eu” em Self, o homem em Deus. 9 O que implica o desaparecimento do “Eu” no Self, e do homem em Deus. Esforgo semelhante é descrito em exercitia spiritualia, no qual a “propriedade pessoal”, o “Eu”, submete-se, no mais alto grau, ao Cristo. Sti Ramakrishna adotou a mesma posigéo no que se refere ao Self, sé que com ele torna-se um pouco mais evidente 0 dilema entre “Eu” e Self. Si Ramana deixa claro que o verdadeiro objetivo da pratica espiritual é a dissolucéo do “Eu”. Ramakrishna, entretanto, demonstra certa hesitag4o a esse respeito. Embora afirme que “‘enquanto durar o senso do Eu, serao impossiveis 0 Conheci- mento verdadeiro (jfidna) e a Libertagio (nukti)”’, resta-lhe reco- nhecer a natureza fatal de ahamkara. Afirma ele, “Como alguns poucos podem obter essa uniao (samddhi) e libertar-se desse ‘Eu’? S6 muito raramente isso é possivel. Falem o quanto quiserem, iso- lem-se continuamente; ainda assim esse ‘Eu’ insistiré em voltar. Der- tube o choupo hoje e amanha veré novos brotos formando-se. Quan- do por fim descobrir que esse ‘Eu’ nao pode ser destruido, deixe que permanega como o ‘Eu’ servo”. Diante dessa concessio, S1i Ramana é, sem dtivida, mais radical. As relag6es entre essas duas quantidades, o “Eu” e o Self, em constante modificag&o, constituem um campo de experiéncia que tem sido explorado pela consciéncia oriental de indole introspectiva, com intensidade praticamente inatingfvel para o homem ociden- tal. A filosofia oriental, tao diferente da nossa, representa para nds uma dadiva extremamente valiosa, a qual, contudo, “devemos con- quistar a fim de possui-la”.~Mais uma vez, as palavras de $17 Rama- ha resumem os ensinamentos fundamentais, acumulados pelo espirito da fndia ao longo de milhares de anos de contemplagio do Ser Inte- rior; a vida e a obra do Maharshi exemplificam mais uma vez 0 es- forgo interior dp povo hindu na busca da Fonte original libertadora. As nagées orientais veem-se ameagadas por uma rapida desin- tegragéo de seus valores espirituais, e o que surge em lugar destes nao pode ser considerado como o néctar do pensamento ocidental. Portanto, sébios como S$:i Ramakrishna podem ser considerados pro- fetas modernos, Nao apenas nos fazem lembrar a milenar cultura es- 10 piritual da india, como também sao a personificagao dessa cultura. A vida e os ensinamentos desses dois sfbios sfo um impressionante alerta, a fim de que nao sejam esquecidas as exigéncias da alma em meio & civilizagéo ocidental, com seus interesses materialistas, tec- noldgicos e comerciais. O impeto séfrego rumo a obtengao e & posse nos campos politico, social e intelectual, explorando a paixéo insa- cidvel e manifesta da alma ocidental, também vem se alastrando pelo Oriente e ameaga trazer conseqiiéncias que precisam ser examinadas. Muito jé se perdeu nao apenas na {ndia, mas também na China, onde outrora o espirito vivia e florescia. A exteriorizag4o da cultura oci- dental de fato pode exterminar diversos males, cuja destruigio mos- tra-se desejével e vantajosa. Contudo — a experiéncia tem mostrado —,tal progresso custa caro demais: a perda da cultura espiritual. Sem diivida, € mais confortdvel habitar uma casa bem arrumada e limpa, mas isso nfo responde & pergunta sobre quem é o morador dessa ca- sa, sobre se a alma desse morador partilha de semelhante ordem e pureza, isto 6, A da casa, de que participa a vida exterior. A expe- riéncia evidencia que, uma vez iniciada a busca de bens externos, 0 homem jamais se satisfaz com o suprimento das necessidades sim- ples da vida, passando a desejar buscar sempre mais no mundo ex- terno, movido por seus preconceitos. Esquece-se por completo de que, a despeito de todas as vitérias externas, interiormente ele conti- nua 0 mesmo e, assim, se queixa de sua pobreza quando possui ape- nas um automével e nao dois, como algumas pessoas que esto a sua volta. Naturalmente, a vida exterior do homem pode trazer intimeros progressos e certo embelezamento, que perdem seu significado na medida em que o homem interior nao os acompanha. A provisio de todas as “‘necessidades” €, sem diivida, uma fonte de felicidade que n&o deve ser subestimada. Todavia, além e acima desta, o homem in- terior tem necessidades que no podem ser satisfeitas por bens ex- ternos: e quanto menos a voz interior é ouvida, na busca das “‘mara- vilhas” deste mundo, mais o homem interior torna-se fonte de inex- plicdvel m4 sorte e incompreensivel infelicidade, em meio a con- dig6es de vida das quais poder-se-ia esperar coisa bem diferente. A 11 externalizagéo leva ao sofrimento incuravel, porque ninguém com- preende como é possivel sofrer em virtude da prdpria natureza. Nin- guém se espanta da prépria insaciabilidade, mas a considera um di- reito inato; o homem nio percebe que a dieta parcial de sua alma acaba por produzir desequilfbrios os mais sérios. Af reside a enfer- midade do homem ocidental, que néo descansaré enquanto nfo con- taminar o mundo inteiro com sua impaciéncia voraz. A sabedoria e 0 misticismo orientais, portanto, tem muito a di- zet-nos em sua linguagem inimitavel. Eles devem lembrar-nos 0 que possuimos de semelhante em nossa propria cultura, 0 que j4 esque- cemos, bem como dirigir nossa ateng&o para o que deixamos de la- do, como algo insignificante: 0 destino de nosso homem interior. A vida e os ensinamentos de Sri Ramana sao importantes nfo apenas para os hindus, mas também para o ocidental, fornecendo relatos de grande interesse humano, além de um alerta 4 humanidade que ameaga perder-se em meio ao caos de sua inconsciéncia e falta de autocontrole. Esta introducio foi escrita originalmente para o livro Der Weg zum Selbst, de Heinrich Zimmer, e traduzida por R. F. C. Hull no volume 11 das Obras Completas de C. G. Jung. Cedida pela Prince- ton University Press, editora das Séries Bollingen. 12 Esbogo Biografico Ramana Maharshi (1879-1950) foi um dos maiores mestres es- pirituais da India modema. Aos dezessete anos, atingiu a experién- cia profunda do verdadeiro Eu superior, sem a orientacaéo de um gu- ru, permanecendo, daf em diante, consciente da sua identidade com o Absoluto (Brahman) em todos os momentos. Depois de alguns anos de recluso silenciosa, finalmente comegou respondendo a per- guntas formuladas por quantos prosseguiam em sua busca espiritual mundo afora. Maharshi nado seguiu nenhum sistema tradicional de ensinamento; em vez disso, falava a partir da propria experiéncia di- reta da ndo-dualidade. Ramana Maharshi quase nao escreveu: seus ensinamentos tomaram a forma de didlogos com visitantes que bus- cavam sua orientagio (segundo transcrigéo de seguidores), as ins- trugdes breves por ele deixadas a seus seguidores, e algumas cangées. Seu método de instrugao consistia em dirigir repetidamente © que fazia a pergunta ao seu verdadeiro Eu superior, além de reco- mendar, como caminho para a compreensao, um tipo de auto-inda- gacao incansavel, no qual se destacava a pergunta “Quem sou eu?”. A transcrigéo dos diélogos de Ramana Maharshi é conhecida pelos aspirantes espirituais do mundo inteiro, e apreciada por seu intenso poder de inspiragao, o qual transcende todas as divergéncias reli- giosas, Sri Ramana Maharshi nascey no dia 29 de dezembro de 1879, em Tiruchuli, Tamil Nadu (sul da India), filho de Shundaram Ayyar, amanuense e advogado de interior; recebeu 0 nome de Venkatara- 13 man, abreviado para Ramana. Certo dia, aos dezessete anos, passou repentinamente pela experiéncia da morte, na qual percebeu que 0 corpo morre, mas a consciéncia nao é atingida. “Eu” sou conscién- cia imortal. ““Tais especulagées”, relatou ele tempos depois, “nao eram infundadas. Atravessaram-me como verdades vivas e poderosas, das quais tive a experiéncia direta, quase sem reflexdo. O ‘Eu’ (isto , o verdadeiro Eu ou Eu superior) é realidade, a nica realidade nesse estado transitério. Toda atividade consciente relacionada com © meu corpo fluia para esse ‘Eu’. Daquele momento em diante, toda atengdo, como se através de poderosa mégica, passou a ser atraida para o ‘Eu’, ou Eu superior. O medo da morte desapareceu por com- pleto. A partir dai, permaneci inteiramente absorvido no ‘Eu su- perior’.” Depois desta experiéncia, Venkataraman perdeu todo o interes- se pelas coisas do mundo e acabou por deixar o lar sem a permissao dos pais, chegando 4 montanha sagrada de Arunachala. La passou varios anos em silenciosa concentragao, primeiro no recanto escuro de um templo em Tiruvannamalai, no sopé da montanha, e, mais tar- de, em diversas cavernas da montanha; durante esse periodo, negli- genciou por completo todos os cuidados corporais e, em determina- do momento, foi literalmente devorado por insetos. Mesmo quando sua mie procurou-0 e tentou levd-lo de volta para casa, ele nao que- brou o siléncio e agiu como se nao estivesse vendo. Quando seus seguidores imploraram que desse alguma resposta aos apelos deses- perados da sua mie, ele escreveu as seguintes palavras impessoais em um pedaco de papel: “O destino da alma é determinado segundo seu prarabdha-karma. O que nao deve acontecer, néo acontecer4, nao importa 0 quanto vocé deseje. O que deve acontecer, aconte- cera, nao importa tudo o que vocé faca para evitar. Quanto a isso, nao resta dtivida. Portanto, o melhor caminho € permanecer em siléncio.” Quando, mais tarde, Ramana Maharshi interrompeu o siléncio, € comecou a responder a perguntas sobre o caminho para o Eu supe- rior, desenvolveu-se um Grama & sua volta em Tiruvannamalai. 14 Nessa localidade, Ramana Maharshi, que sofria de cancer, entrou em mahasamadhi. Até hoje aspirantes espirituais de todas as nacio- nalidades visitam o local, como ponto de peregrinacgao onde a pre- senga do grande santo ainda pode ser sentida. Adaptado do verbete “Ramana Mahar(i)shi”, da Enciclopédia de Filosofia e Religides Orientais, de Kurt Friedrichs (Boston: Shambhala Publications, 1988). 15 — Gad. QUEM SOU EU? XE 7 Quem sou eu? (NAN YAR?) Assim como todos os seres humanos desejam ser sempre feli- zes, Sem sofrimento; como existe em todos os casos, 0 amor supre- mo ao préprio Eu superior; e como apenas a felicidade produz o amor, para que se atinja essa felicidade que é a natureza do ser e que € experimentada no estado de sono profundo, onde nao hd men- te, deve-se conhecer o préprio Eu superior. Para tal, o caminho do conhecimento, que consiste na indagagao ‘‘Quem sou eu?”’, é 0 principal meio. 1- Quem sou eu? Nao sou 0 corpo fisico, composto dos sete humores (dhdtus); n&o sou os cinco érgaos dos sentidos cognitivos, isto é, os sentidos da audic&o, do tato, da visio, do paladar e do olfato, os quais apre- endem seus respectivos objetos, ou seja, 0 som, 0 toque, a cor, 0 sa- bor e 0 odor; nao sou os cinco érgaos conativos dos sentidos, isto é, os 6rgéos da fala, da locomog’o, da apreenséo, da excregéo e da Procriag4éo, os quais tém como fungées respectivas a fala, o movi- mento, a apreensao, a excregdo e 0 prazer; nao sou os cinco gases vitais, prana, etc., os quais realizam respectivamente as cinco 19 fungGes de inspiragdo, etc.; nao sou nem mesmo a mente pensante; tampouco sou a ignordncia, a qual é dotada apenas das impressdes residuais dos objetos, e na qual nao hd objetos nem fungées. 2- Sendo sou nada disso, entao, quem sou eu? Depois de negar todas as qualidades supracitadas com “‘isto nao, aquilo nao”, a Consciéncia que permanece — isto sou eu. 3— Qual a natureza da Consciéncia? A natureza da Consciéncia é existéncia-percepcao—beatitude. 4— Quando seré alcangada a realizagdo do Eu superior? Quando o mundo que é observado for afastado haverd a reali- zagao do Eu superior, que € o observador. 5— Ndo haverdé a realizagdo do Eu superior enquanto existir o mundo (considerado real)? Nao. 6— Por qué? O observador e 0 objeto observado sio como a corda e a ser- pente. Assim como o conhecimento da corda, que é 0 substrato, s6 sera obtido quando desaparecer o falso conhecimento da serpente iluséria, também a realizagao do Eu superior, que é o substrato, sé ser alcangada quando a crenga de que o mundo é real for afastada. 7 - Quando serd afastado o mundo, enquanto objeto observado? Quando a mente, causa de todas as cognigGes e de todas as ag6es, aquietar-se, o mundo desapareceré, 8— Qual é a natureza da mente? Aquilo que é denominado mente constitui um poder extraor- dindrio que reside no Eu superior, origem de todos os pensamentos. Sem os pensamentos, a mente nao existe. Portanto, o pensamento é a natureza da mente. Sem os pensamentos, nao existe uma entidade independente denominada mundo. No sono profundo, nado existem pensamentos e nao existe o mundo. Nos estados de vigilia e sonho existem pensamentos e também um mundo. Assim como a aranha produz o fio (da teia) a partir de si mesma e novamente leva-o para dentro de si, a mente projeta o mundo a partir de si mesma e nova- mente converte-o em si mesma. Quando a mente é produzida pelo Eu superior, surge 0 mundo. Por conseguinte, quando surge 0 mundo (aparentemente real) o Eu superior nao aparece; e quando aflora (brilha) o Eu superior, o mundo nao aparece. Quando se indaga in- sistentemente sobre qual a natureza da mente, esta acaba por deixar o Eu superior (como residuo). Atman € 0 que se relaciona com o Eu superior. A mente s6 existe em dependéncia de alguma coisa gros- seira; nfo existe sozinha. A mente é denominada o corpo sutil ou alma (Jiva). 9 — Qual o caminho para a compreensdo da natureza da mente? O que surge como “Eu” neste corpo é a mente. Se alguém in- dagar em que local surge em primeiro lugar o pensamento “Eu”, es- sa pessoa descobriré que esse local é 0 coragdo. Daf origina-se a mente. Alguém que pensa constantemente “Eu”, “Eu”, ser4 levada Aquele local. O pensamento “Eu” é o primeiro a surgir na mente. Os demais pensamentos s6 brotam depois deste. E apés o aparecimento do primeiro pronome pessoal que surgem o segundo e terceiro pro- nomes; sem 0 primeiro pronome, inexistem 0 segundo e terceiro. 10— Como aquietar a mente? ‘Através da indagacio “Quem sou eu?”, o pensamento “Quem sou eu?” destruiré todos os outros e, como a vareta usada para avi- var a fogueira, ao final ele mesmo acabaré destruido. Entao, surgir4 a compreensao do Eu superior. 21 11 — Por que agarrar-se ao pensamento ‘‘Quem sou eu?’’? Quando surgem outros pensamentos, no se deve insistir neles, mas indagar: “‘Para que surgem esses pensamentos?”’ Nao importa quantos sao eles. A cada um, deve-se indagar prontamente, “Para quem surgiu este pensamento?” A resposta seria “Para mim’’. Se logo depois se fizer a pergunta “Quem sou eu?”, a mente retorna 4 sua fonte e o pensamento se aquieta. Com a repeticgao dessa pratica, a mente desenvolverd a habilidade de permanecer em sua fonte. Quando a mente, que é sutil, aflora através do cérebro e dos érgaos dos sentidos, surgem nomes e formas grosseiras; quando permanece no coragio, tais nomes e formas desaparecem. Impedir que a mente divague e reté-la no Coragdo é o que se denomina “‘interioridade” (antar-mukha). Permitir que a mente saia do Coragio é conhecido como exteriorizagéo (bahir-mukha). Assim, quando a mente perma- nece no Coragao, o “Eu” que é a fonte de todos os pensamentos de- saparece e o Eu superior que sempre existiu pode brilhar. O que quer que se faca, deve-se fazé-lo sem o “Eu” egdico. Desta forma, tudo apareceré como natureza de Shiva (Deus). 12 — NdGo existem outras maneiras de aquietar a mente? Nao existem meios adequados afora a indagagéo. Com outros meios, a mente mostra-se aparentemente controlada, mas acabard por manifestar-se. Também através do controle da respiracao a mente se aquieta; mas s6 permanece assim enquanto a respiragao estd contro- lada, e quarido esta volta ao habitual, a mente também voltar4 a agitar-se e a vaguear, compelida por impressdes residuais. A fonte é a mesma para a mente e a respitagao. O pensamento é a natureza da mente. O pensamento “Eu” é o primeiro a surgir na mente; isto é egoidade. Daf originam-se a egoidade e a respiragao. Assim, quando a mente se acalma, a respiracao é controlada, e quando a respiragéo est4 controlada, a mente se acalma. Entretanto, no sono profundo, embora a mente esteja calma, a respiracéo no para. Isso se deve a vontade de Deus, a fim de que o corpo possa ser preservado e as 22 pessoas nao tenham a impressio de que é a morte. No estado de vigilia e no samadhi, quando a mente se aquieta, a respiragéo é con- trolada. A respiragao é a forma grosseira da mente. Até o momento da morte, a mente mantém a respiragdo fisica, quando o corpo mor- te, a mente leva consigo a respiragao. Portanto, o exercicio de con- trole respiratério serve apenas para acalmar a mente (ynanonigraha); mas nao destréi (manondasa). Assim como a pratica do controle respiratério, a meditagao nas formas de Deus, a repetigéo dos mantras, o controle alimentar, etc., nao passam de auxiliares para a calma da mente. Através da meditagéo nas formas de Deus e da repetigio de mantras, a mente € direcionada. Mas sua condig&o é errante. Assim como quando se dé a um elefante uma corrente para seu tronco, ele segue agarrado a corrente, também a mente se ocupa com um nome ou forma apenas. Quando ela se expande na forma de intimeros pen- samentos, todos tornam-se fracos; mas quando os pensamentos sio dissipados, a mente torna-se direcionada e forte; para essa forma mental, a auto-indagagfo torna-se facil. De todas as normas restriti- vas, a melhor € a relativa & ingestéo moderada de alimentos sattvi- cos; observando-se esse costume, a qualidade sAttvica da mente se acentua, 0 que sera de grande valia na auto-indagagio. 13 — As impressées (pensamentos) residuais dos objetos surgem in- terminavelmente, como as ondas de um oceano. Como afas- ta-las? A medida que a meditagio sobre o Eu superior se eleva mais € mais, os pensamentos vao sendo destrufdos. 14~ E posstvel afastar as impressées residuais dos objetos prove- nientes de tempos imemoriais, permanecendo o puro Eu su- perior? Em vez de entregar-se A diivida — “FE. possivel ou niio?” — é preciso que se atenha insistentemente 4 meditagdo sobre o Eu supe- 23 Tior. Mesmo quando vocé é um grande pecador, nao deve se preocu- par e lamuriar “‘Oh! Sou um pecador, como poderei ser salvo?’”’; ao contrario, deve renunciar por completo ao pensamento “‘Sou um pe- cador” — e concentrar-se intensamente na meditagao sobre o Eu supe- rior; entéo, sem diivida, haver4 vitéria. Nao existem duas mentes — uma boa e outra m4; a mente é uma sé. As impressées residuais € que sao de dois tipos — favoraveis e desfavordveis. Quando a mente encontra-se sob a influéncia das impressées favordveis, é considera- da boa; e quando sob a influéncia de impressdes desfavordveis, é considerada ma. Nao se deve permitir 4 mente vaguear rumo a objetos munda- nos e ao que diz respeito a outras pessoas. Nao importa o quanto ou- tras pessoas possam ser m4s; nao se deve nutrir édio por essas pes- soas. Deve-se evitar tanto 0 desejo quanto o édio. Tudo que se dé ao outro, dé-se a si mesmo. Se essa verdade for compreendida, o que nao sera dado aos outros? Com o surgimento do Eu superior, tudo brota; uma vez apaziguado o Eu superior, tudo se acalma. Conforme nos comportamos com humildade, daf resulta o bem. Se a mente se acalma, pode-se viver em qualquer lugar. 15 — Durante quanto tempo deve ser praticada a inquirigGo? Enquanto houver impresses dos objetos na mente, deve-se praticar a inquirigéo “Quem sou eu?”. Os pensamentos devem ser destrufdos no exato local de origem através da inquirigdo. E sufi- ciente que uma pessoa utilize repetidamente a contemplagéo do Eu superior até que este seja realizado. Enquanto restam inimigos no in- terior da fortaleza, eles continuam a miné-la; se séo destrufdos assim que surgem, a fortaleza permanece em nossas mos. 16 — Qual a natureza do Eu superior? Na verdade existe apenas o Eu superior. O mundo, a alma in- dividual e Deus constituem aspectos dele, como a prata na madrepé- rola; os trés surgem e desaparecem ao mesmo tempo. “24 O Eu superior existe onde nao existe o pensamento do “Eu”. A isso chama-se siléncio. O Eu superior é 0 mundo; o Eu superior é “Eu’’; o Eu superior é Deus; tudo é Shiva, o Eu superior. 17 — Tudo ndo é obra de Deus? O sol nasce sem desejar, sem deliberagéo, sem esforgo; e com sua simples presenga, 0 sol emite fogo, o Idtus floresce, a 4gua eva- pora; as pessoas realizam suas varias fungGes e entao repousam. As- sim como na presenca do magneto a agulha se desloca, com a sim- ples presenca de Deus as almas governadas pelas trés fungdes (cés- micas) ou pela quintupla atividade divina realizam seus atos e, entao, repousam, segundo seus respectivos karmas. Deus nada tem a transformar; Ele nao tem karma. Assim como os acontecimentos ter- Testres nao afetam o sol, ou os méritos e deméritos dos outros quatro elementos nao afetam o éter difuso. 18 — Quem é o maior dos devotos? O que se entrega ao Eu superior, que é Deus, é o melhor dos devotos. Entregar o Eu superior a Deus significa permanecer cons- tantemente no Eu superior, sem permitir o surgimento de quaisquer pensamentos além do pensamento do Eu superior. Deus suporta todos os fardos que Ihe sdo langados ao ombro. Se o poder supremo de Deus faz com que todas as coisas se movam, por que preocupar-nos constantemente, sem submeter-nos a esse po- der, com idéias tais como 0 que deve ser feito e o que nio deve ser feito e de que maneira. Sabemos que o trem transporta todos os car- Tegamentos; ent’o, por que levarmos conosco nossa pequena baga- gem com grande desconforto, em vez de colocar tudo no bagageiro do trem e acomodar-nos & vontade? 19— O que é desapego? O desapego consiste em destruir inteiramente os pensamentos em seu local de origem e sem deixar vestigios. Assim como 0 pesca- dor de pérolas amarra uma pedra a cintura, mergulha até o fundo do 25. mar e recolhe as pérolas, também o aspirante deve desenvolver 0 desapego, mergulhar dentro de si mesmo e obter a pérola do Eu superior. 20 — Nao é possivel a Deus e ao Guru libertarem uma alma? Deus e o Guru s6 podem mostrar o caminho da libertagao; so- zinhos nao podem libertar a alma. Na verdade, Deus e o Guru nfo sfo diferentes. Assim como a presa que cai nas garras de um tigre nao tem escapatéria, também aqueles que adentram o alcance do olhar complacente do Guru por ele sero salvos e nao se perderao; contudo, cada um por seus pré- prios esforgos deve buscar o caminho mostrado por Deus ou 0 Guru e alcangar a libertacgéio. S6 se pode conhecer a si mesmo com o pré- prio olhar do conhecimento e nfo com.o de outrem. Aquele que € Rama precisa da ajuda de um espelho para saber-se Rama? 21- E necessdrio dquele que anseia pela libertagao indagar qual a natureza das categorias (tattvas)? Assim como aquele que deseja livrar-se do lixo nao precisa analisé-lo e ver seu contetido, também o que deseja conhecer o Eu superior nao precisa contar o ntimero de categorias, nem analisar suas caracteristicas; o que ele tem a fazer é rejeitar por completo as categorias que ocultam o Eu superior. O mundo deve ser considera- do um sonho. 22 — Nao existe diferenga entre vigilia e sonho? A vigilia é longa e o sonho curto; essa é a tinica diferenga. As- sim como os acontecimentos do periodo de vigilia parecem reais en- quanto estamos despertos, também os acontecimentos do perfodo de sonho parecem reais enquanto sonhamos. No sonho, a mente toma outro corpo. Tanto no estado de vigilia como no estado de sonho, pensamentos, nomes e formas ocorrem simultaneamente. 26 23 — E de alguma valia a leitura de livros para aqueles que dese- jam a libertagao? Todos os textos afirmam que para lograr a libertagio deve-se acalmar a mente; portanto, o ensinamento conclusivo é de que a mente deve ser acalmada; quando isso é compreendido, nao é ne- cesséria a leitura intermindvel. A fim de acalmar a mente, basta in- dagar dentro de si sobre o que € o préprio Eu superior; sobre como essa busca pode ser efetuada ngs livros? Deve-se conhecer o Eu su- perior com o préprio olhar da sabedoria. O Eu superior encontra-se protegido por cinco camadas; mas os livros nado fazem parte delas. Como o Eu superior deve ser encontrado através da investigacao, eliminando-se as cinco camadas, intitil busc4-lo nos livros. Chegar4 © momento em que sera preciso esquecer tudo o que foi aprendido, 24 — O que é a felicidade? A felicidade é a prépria natureza do Eu superior; felicidade e Eu superior nao s4o diferentes. Nao existe felicidade em qualquer objeto mundano. Com nossa ignorancia, imaginamos obter felicidade dos objetos. Quando a mente se expande, ela experimenta o sofri- mento. Na verdade, quando seus desejos so satisfeitos, ela volta a seu lugar de origem e participa da felicidade, que é o Eu superior. Da mesma forma nos estados de sono, no samadhi e no desfaleci- mento, e quando o objeto desejado é obtido, ou o objeto indesejado € removido, a mente volta-se para o interior e desfruta da pura feli- cidade do Eu superior. Assim, .a mente agita-se sem cessar, saindo e retomando ao Eu superior. Sob a drvore, a sombra € aprazivel; sob o sol, o calor é intenso. Uma pessoa que esteve exposta ao sol refres- ca-se ao atingir a sombra. Aquele que permanece indo e voltando, da sombra ao sol e vice-versa, é tolo. O homem sdbio permanece in- definidamente na sombra. Assim, também, a mente de quem conhece a verdade nao deixa Brahman. A mente daquele que a desconhece, ao contrério, erra pelo mundo, sentindo-se infeliz e retornando, por um curto espaco de tempo, a Brahman, a fim de experienciar a feli- 27 cidade. Na verdade, 0 que se chama de mundo nao passa de pensa- mento. Quando o mundo desaparece, isto é, quando ndo existe pen- samento, a mente sente a felicidade; e quando surge o mundo, a mente sofre. 25 — O que é sabedoria-introvisdo (jnana-drsti)? Permanecer em quietude é 0 que se denomina sabedoria-intro- visao. Aquietar-se € dissolver a mente no Eu superior. A telepatia, o conhecimento de acontecimentos passados, presentes e futuros, e a clarividéncia nao constituem a sabedoria-introvisio. 26 — Qual a relagao entre a auséncia de desejo e a sabedoria? A auséncia de desejo é a sabedoria. Os dois nao sao diferentes; sao a mesma coisa. A auséncia de desejo consiste em impedir a men- te de vagar em diregdo a algum objeto. A sabedoria implica 0 nao- aparecimento de qualquer objeto. Em outras palavras, buscar apenas o Eu superior € desapego ou auséncia de desejo; ai permanecer é sa- bedoria. 27 - Qual a diferenga entre investigagdo e meditagao? A investigagao consiste em reter a mente no Eu superior. A meditacAo consiste em pensar que o préprio Eu superior é Brahman, existéncia-consciéncia-beatitude. 28 — O que é a libertagao? Indagar a natureza do préprio Eu superior que se encontra em cativeiro e compreender a sua verdadeira natureza € a libertagao. INSTRUCAO ESPIRITUAL XO Instrugao (UPADESA) 1 — Quais as caracteristicas de um verdadeiro mestre (sadguru)? A permanéncia constante no Eu superior, fitar a todos com 0 mesmo olhar, a coragem inabal4vel em todos os momentos, _luga- Tes e circunstancias, etc. 2 —Quais as caracteristicas de um disctpulo (sadsigya)? A poderosa nsia de dissolugao do sofrimento e a obtengao da alegria, e a intensa aversio a todos os tipos de prazer mundano. 3 — Quais as caracteristicas da instrugdo (upadesa)? A palavra upadeSa significa “préximo ao local ou assento” (upa, préximo; deSa, local ou assento). O Guru, personificagio do que € indicado pelas palavras sat, chit ¢ Gnanda (existéncia, cons- ciéncia e beatitude), mostra o caminho ao discipulo que, devido a aceitacao das formas dos objetos dos sentidos, desviou-se de seu verdadeiro estado e que, conseqiientemente, vé-se, atormentado e alquebrado por alegrias e tristezas, continuar dessa maneira, recolo- 31 cando-o em sua verdadeira natureza, onde nao existe a diferen- ciagao. UpadeSa significa também aproximar, mostrar ao préximo um objeto considerado distante, possibilitando ao discipulo ver que Brahman, que ele acreditava distante e diferente de si mesmo, est4 perto e nao é diferente dele. 4— Se é verdade que o Guru é o préprio Eu superior (atman), qual o principio subjacente a doutrina que afirma ser imposst- vel ao discipulo, ndo importa o quanto ele seja sdbio ou os poderes que eventualmente possua, atingir a realizacdo do Eu superior (&tma-siddhi) sem a graga do Guru? Embora 0 estado do Guru seja, em verdade, o de si mesmo, é muito dificil para o Eu superior que se tornou alma individual (jiva) devido & ignorancia perceber seu real estado ou natureza, sem a gra- ga do Guru. Todos os conceitos mentais séo controlados pela simples pre- senca do verdadeiro Guru. Se dissermos aquele que arrogantemente afirma ter visto o litoral distante do oceano do conhecimento, ou Aquele que declara arrogantemente poder realizar feitos praticamente impossiveis, “Sim, vocé aprendeu tudo que é possivel, mas apren- deu a conhecer a si mesmo? E vocé que é capaz de realizar feitos quase impossfveis, j4 viu a si mesmo?”, eles abaixarao as cabegas (envergonhados) e guardarao siléncio. Assim, € evidente que apenas através da graca do Guru e por nenhum outro meio torma-se possivel conhecer a si mesmo. 5 — Quais as caractertsticas da graga do Guru? Ela estd além de palavras ou pensamentos. 6 — Se é assim, por que costuma-se afirmar que o disctpulo perce- be seu real estado através da graga do Guru? E como o elefante que desperta depois de ver um leo em seu 32 sonho. Assim como 0 elefante desperta ante a simples visio do leao, igualmente o discfpulo desperta do sono do desconhecimento para a vigilia do verdadeiro conhecimento, por meio do olhar benevolente da graga do Guru. 7— O que significa a afirmagdo de que a natureza do verdadeiro Guru é a do Senhor Supremo (Sarve§vara)? No caso da alma individual que deseja atingir 0 estado do ver- dadeiro conhecimento, ou estado de divindade (Zsvara) e visando es- te fim pratica sempre a devogdo, o Senhor, testemunha daquela alma individual e idéntico a ela, surge na forma humana quando a de- vogao do individuo alcangou um estdgio de maturidade, utilizando- se de sat-chit-dnanda, suas trés caracteristicas naturais, sua forma e nome, os quais assume graciosamente e, a pretexto de abencoar 0 discfpulo, absorve-o em Si. Segundo essa doutrina, o Guru pode ser denominado Senhor. 8—- Entao, como alguns grandes seres atingem o conhecimento sem o Guru? Para algumas pessoas amadurecidas, o Senhor brilha como a luz do conhecimento e confere a consciéncia da verdade. 9 — Qual a finalidade da devogao (bhakti) e o caminho de Siddhanta (isto 6, Saiva Siddhanta)? Aprender a verdade de que todos os atos realizados com de- voco altrufsta, com o auxflio dos trés instrumentos purificados (corpo, mente e linguagem), na condigéo de servo do Senhor, tor- nam-se atos do Senhor, trazendo a liberdade dos conceitos de “Eu” e “Meu”. O que também € verdade para aquilo que os Saiva-Sid- dhantins denominam para-bhakti (suprema devocio), ou viver a ser- vigo de Deus (irai-paninittal). 33 10— Qual o objetivo do caminho do conhecimento (jana) ou Ve- danta? Aprender a verdade de que “Eu” nao é diferente de Senhor (Ivara) e libertar-se do sentimento de ser 0 agente (kartrtva, aham- kara). 11— Pode-se dizer que a finalidade de ambos os caminhos éa mesma? Quaisquer que sejam os meios, 0 objetivo a ser alcangado é a destruigéo do senso de “Eu” e “meu”, e como sao interdependentes, a destruicao de um deles provoca a destruigdo do outro; assim, tanto o caminho do conhecimento que afasta 0 senso do “Eu”, quanto 0 caminho da devogéo que remove o senso de “‘meu” serve ao propé- sito de alcangar aquele estado de siléncio que se encontra além do pensamento e da palavra. Nota: Se existe 0 “Eu”, é necessdrio aceitar também o Senhor. Se alguém deseja resgatar com facilidade o supremo estado de identida- de (sayujya) no momento perdido, deve aceitar essa conclusao. 12 - Quais as caracteristicas do ego? A alma individual na forma do “Eu” é o ego. O Eu superior que tem como natureza a inteligéncia (chit) nado possui o sentido de “Eu”. Tampouco 0 corpo inconsciente possui o senso de “Eu”. No misterioso surgimento de um ego ilusério que se coloca entre o inte- ligente e o inconsciente encontra-se a origem de todos esses proble- mas, €, com sua destruig&o, quaisquer que sejam os meios, 0 que realmente existe serd visto como tal. A isso se chama Libertagao (mokga). Pratica (ABHYASA) 1 — Qual o método para a pratica? Como o Eu superior de uma pessoa que tenta buscar a Auto- realizacao na verdade é ela mesma, como inexiste algo superior, ou além dela que deva ser alcangado, e como a Auto-realizacéo é a compreenséo da prépria natureza, aquele que busca a Libertagéo percebe, sem qualquer dtivida ou ma interpretagéo, sua verdadeira natureza distinguindo o eterno do transitério, jamais desviando-se de seu estado natural. A isto se chama a prética do conhecimento. E a investigagao que leva 4 Autocompreensio. 2—- O caminho da investigagdo pode ser seguido por todos os as- pirantes? Esse caminho serve apenas para as almas que esto prontas. As outras devem seguir métodos diferentes, segundo o estAgio de suas mentes. 3— Quais séio os outros métodos? So a) stuti, b) japa, c) dhyana, d) yoga e e) jfidna, e assim por diante. 35 a) Stuti consiste em cantar louvores a Deus.com grande senti- mento de devocio. b) Japa consiste em murmurar 0 nome dos deuses ou mantras sagrados, como 0 om, mental ou verbalmente. (Enquanto segue os métodos stuti e japa, a mente As vezes es- tard concentrada [lit. fechada] e as vezes difusa [lit. aberta]. Os ca- prichos da mente no serao evidentes para os que seguem esses mé- todos.) c) Dhyana é a repeticao dos nomes, etc., mentalmente (japa) com sentimentos de devogio. Nesse método, o estado mental ser4 facilmente compreendido. Pois a mente ndo pode estar ao mesmo tempo concentrada e dispersa. Quando alguém se encontra em dhya- na, nao ha contato com os objetos dos sentidos, e quando est4 em contato com tais objetos, nao ha dhyana. Portanto, os que se encon- tram nesse estado podem observar os caprichos da mente e, impe- dindo-a de pensar em outras coisas, fix4-la em dhyana. A perfeigéo em dhyana € 0 estado do Eu superior (lit. habitar na forma “‘disso”, tadakaranilai), Como a meditagéio atua de maneira extremamente sutil na ori- gem da mente, nao é dificil perceber sua ascensao e calma. d) Yoga: A respiragaéo possui a mesma origem da mente; por- tanto, acalmar uma dessas leva, sem esforgo, @ tranqjiilidade da ou- tra. A pratica de serenar a mente-através do controle da respiragio (pranayama) é denominada yoga. Os yogues, fixando a mente nos centros psiquicos tais como 0 sahasrara (lit. o \6tus de mil pétalas), permanecem durante qual- quer periodo de tempo sem tomar consciéncia de seus corpos. Du- rante esse estado, parecem imersos em uma espécie de alegria. Mas quando a mente aflora, trangiiilizada (tornando-se novamente ativa), ela retoma seus pensamentos mundanos. Portanto, é necessdrio treind-la langando mao de praticas como dhyana sempre que a mente se tornar exteriorizada. Assim ela atingird um estado onde nio existe manifestagao nem tranqiiilidade. 36 e) Jfidna € a aniquilacao da mente, na qual esta assume a forma do Eu superior, através da pratica constante de dhyana ou da inves- tigagio (vichara). A extingio da mente é 0 estado no qual cessam todos os esforgos. Os que af se encontram jamais desviam-se de seu verdadeiro estado. Os termos siléncio (mouna) e inagdo dizem res- peito apenas a esse estado. Nota: 1) Todas as praticas sao seguidas visando apenas a concen- tragao mental. Como todas as atividades da mente, tais como recor- dar, esquecer, desejar, odiar, atrair, descartar, etc., constituem alte- rag6es da mente, elas nao podem ser o seu verdadeiro estado. O ser absoluto e imutdvel constitui sua verdadeira natureza. Portanto, o conhecimento da verdade de um ser e ser essa verdade é conhecido como libertagdo do cativeiro e destruigéo das amarras (granthi nd- Sam). Até que esse estado de tranqiiilidade da mente seja firmemente atingido, a pratica de habitar constantemente o Eu superior e de manter a mente livre de outros pensamentos € essencial ao aspirante. 2) Embora numerosas sejam as praticas para obtengao da forca mental, todas atingem o mesmo fim. Pois é claro que a pessoa que concentra a mente em algum objeto acabar4 por simplesmente per- manecer como esse objeto, cessando todos os conceitos mentais. A isso se chama meditagéo bem-sucedida (dhyana siddhi). Os que se- guem o caminho da inquiricao percebem que a mente manifesta ao fim das perguntas é Brahman. Os que praticam a meditag&o percebem que amente manifesta ao fim da meditacao € 0 objeto da meditagio. Como © resultado é o mesmo em ambos os casos, cabe ao aspirante praticar de modo ininterrupto um desses métodos, até que seu objetivo seja alcangado. 4 — O estado de serenidade ainda requer ou ndo requer esforgo? O estado de serenidade nao é um estado de indoléncia passiva. Todas as atividades mundanas, que habitualmente exigem esforgos, so realizadas com a ajuda de uma parte da mente e com intervalos freqiientes. Mas 0 ato de comunhdo com o Eu superior (atma vyava- 37 hara), ou calma interior, implica intensa atividade, realizada com toda a mente e sem pausas, 5— Qual a natureza de maya? Maya é o que nos faz considerar como nao-existentes o Eu su- perior, a Realidade, os quais estéo sempre e em toda parte presentes, abrangentes e luminosos; e como realidade a alma individual (jiva), o mundo (jagat) e Deus (para), de cuja inexisténcia j4 se teve pro- vas conclusivas em todos os tempos e locais. 6— Se o Eu superior brilha por sua livre vontade, por que nao é reconhecido, como os demais objetos mundanos, por todas as pessoas? Onde os objetos sao conhecidos, € o Eu superior que se conhe- ce a si mesmo na forma desses objetos. Pois o que se conhece como consciéncia ou conhecimento é apenas a poténcia do Eu superior (dima Sakti). O Eu superior € 0 tinico objeto consciente. Nada existe fora do Eu superior. Se tais objetos existem, eles séo todos incons- cientes; portanto, nao podem conhecer a si mesmos, tampouco co- nhecerem-se uns aos outros. O Eu superior parece envolvido em luta no oceano do nascimento (ou da morte) na forma de alma individual, porque nfo conhece sua verdadeira natureza. 7 - Embora Deus esteja presente em tudo, parece, a partir de Passagens tais como “‘louvando-o através da Sua Graga’’, que Ele sé pode ser conhecido por meio de Sua Graga. Entéo, como a alma individual pode atingir, pelos préprios esfor¢os, a compreensdo do Eu superior na auséncia da Graga do Se- nhor? Como o Senhor denota o Eu superior, e Graga significa a pre- senga ou a revelagio do Senhor, nao existe um momento em que Deus permanega desconhecido. Se a luz do sol é invisfvel para a co- Tuja, a culpa € toda desse pdssaro e nao do sol. Da mesma: maneira, 38 pessoas que desconhecem o Eu superior, que é sempre a natureza da consciéncia, sio as tinicas culpadas desse desconhecimento. Como pode ser culpa do Eu superior? A Graga possui a mesma natureza de Deus; por isso Ele é conhecido como “‘a Graga abengoada’’. Portan- to, o Senhor, cuja natureza € a Graga, nao precisa conceder Sua Gra- ga. Tampouco existe algum momento particular para concedé-la. 8 — Em que parte do corpo habita o Eu superior? Em geral no coragio, do lado direito do peito. Isso porque cos- tumamos apontar o lado direito do peito quando nos referimos a nés. Alguns afirmam que.o sahasrdara (létus de mil pétalas) é a morada do Eu superior. Todavia, se isto fosse verdade, a cabega nao pende- tia para a frente quando adormecemos ou desfalecemos. 9— Qual a natureza do coragao? Os textos sagrados descrevem-no assim: entre os dois mamilos, abaixo do peito e acima do abdémen, existem seis 6rgéos de cores diferentes. Um deles assemelha-se ao botao de um nentifar, situado dois dedos para a direita; € o coragao. Ele € invertido e existe, em seu interior, um orificio diminuto, sede de profunda escuridio (ig- norancia), repleta de desejos. Todos os nervos psiquicos (nadis) de- pendem dele. Ai é a morada das forgas vitais, da mente e da luz (da consciéncia). Todavia, nao obstante esta descrigao, o significado da palavra coracdo (hrdayam) é Eu superior (Atman). Como indicam os termos existéncia, consciéncia, beatitude, eternidade e plenitude (sat, chit, Gnandam, nityam, piirnam), nao existem diferengas tais como exterior e interior, acima e abaixo. Esse estado de tranqiiilida- de no qual todos os pensamentos chegam ao fim é chamado estado do Eu superior. Quando é percebido como tal, nao ha espago para discussées sobre sua localizago dentro ou fora do corpo. 10— Por que tantos pensamentos surgem na mente, mesmo quando ndo hd contato com objetos externos? 39 Todos estes pensamentos devem-se a tendéncias latentes (piir- va samskdras). Surgem apenas na consciéncia individual (jiva) que esqueceu sua verdadeira natureza e tornou-se exteriorizada. Sempre que coisas especificas sio percebidas, a pergunta “Quem é que as vé?” deve ser feita; assim, elas desapareceréo no mesmo instante. 11- Como os fatores tripios (observador, observado e conheci- mento), os quais estGo ausentes no sono profundo, no sama- dhi, etc., se manifestam no Eu superior (nos estados de vigt- lia e sonho)? A partir do Eu superior surgem sucessivamente: a) chidabhasa (consciéncia refletida), que € uma forma de lu- minosidade b) jiva (consciéncia individual) ou 0 observador, ou o primeiro conceito c) fenédmenos, isto é, o mundo. 12 - Ja que o Eu superior é livre de nogdes como conhecimento e ignorancia, como pode permear todo o corpo na forma de percepgdo ou conferir percep¢do aos sentidos? Os s&bios afirmam que existe uma conex4o entre a fonte dos intimeros nervos psfquicos e o Eu superior, sendo essa a amarra do coragao; que o elo entre a percepgao e a inconsciéncia existiré até que seja cortado com a ajuda do verdadeiro conhecimento; que as- sim como a forga sutil e invisivel da eletricidade percorre os fios e faz maravilhas, a forga do Eu superior também percorre os nervos psiquicos e, permeando todo o corpo, confere consciéncia aos sen- tidos, e se esse vinculo for cortado, o Eu superior permanecerd o mesmo, sem quaisquer atributos. 13 — Como pode existir uma ligagdo entre o Eu superior, que é pu- ro conhecimento, e os fatores triplos, que séo o conhecimento relativo? De certa forma, acontece a mesma coisa no cinema. Assim como as imagens aparecem na tela, enquanto o filme re- flete imagens através das lentes, também o mundo dos fenédmenos continuard a aparecer ao individuo nos estados de vigilia e de sonho enquanto existirem impressdes mentais latentes. Assim como as len- tes ampliam os pontos mimisculos do filme, tormando-os enormes, e intimeras imagens séo mostradas em um segundo, da mesma maneira a mente amplia as tendéncias latentes, transformando-as em uma 4r- vore de pensamentos e mostrando em um segundo varios mundos. Novamente, assim como existe apenas a luz da lampada quando nao ha filme, também o Eu superior brilha sozinho, sem os fatores tri- plos, quando os conceitos mentais na forma de tendéncias esto au- sentes nos estados de sono profundo, desfalecimento e samadhi. As- sim como a lampada ilumina as lentes e etc., em seu estado natural o Eu superior ilumina 0 ego (shidabhdsa) etc. 14— O que é dhyana (meditagao)? E a faculdade de habitar o préprio Eu superior sem desviar-se de forma alguma de sua verdadeira natureza, e sem se sentir em me- ditagéo. Como nesta condig&o nao se esté consciente dos diferentes estados (vigflia, sonho, etc.), 0 estado de sonho (perceptivel) também é considerado dhyana. 15 — Qual a diferenga entre dhyana e samadhi? Dhyana é obtida através de esforgo mental deliberado; no sa- madhi nao existe esse esforgo. 16 — Quais os fatores que devem ser considerados em dhyana? E importante para aquele que se encontra estabelecido em seu Eu superior (Gtma nistha) néo se desviar um milimetro sequer dessa concentragéo. Desviando-se de sua verdadeira natureza, ele poderé ver luzes brilhantes, ouvir sons (incomuns) ou considerar reais as vises de deuses dentro ou fora de si. Ele nao deve se deixar enga- nar por esses fendmenos ¢ se esquecer de si. 41 CINEMA EU SUPERIOR a. A lampada no interior a. O Eu superior (equipamento) b. Lente diante da lampada b. A mente pura (Sattvic) jun- to ao Eu superior c. O filme, que consiste em} c. O fluxo de tendéncias laten- uma longa série de fotogra- tes que consistem de pensa- fias separadas mentos sutis d. A lente, a luz que a atraves-| d. A mente, sua iluminagao e o sa e a lampada, formando Eu superior, que juntos juntas a luz em foco formam o observador ou ji- va e. A luz que atravessa a lente e | e. A luz do Eu superior emer- ilumina a tela ge da mente através dos sen- tidos e ilumina o mundo f. Os vérios tipos de imagens| f. As v4rias formas e nomes que surgem na tela que surgem como objetos percebidos a luz do mundo. g. O mecanismo que pée o| g. A lei divina manifestando as filme em movimento tendéncias latentes da mente Nota: 1) Se o tempo gasto pensando nos objetos que nao séo o Eu superior forem utilizados na inquirigéo sobre o Eu superior, a auto- compreens&o, sera alcangada em pouco tempo. 2) Até que'a mente se estabelega em si mesma, algum tipo de bhavand (contemplagao de um deus ou deusa personificado, com profunda emogao e sentimento religioso) € essencial. Caso contrario, a mente sera freqiientemente assaltada por pensamentos obstinados ou pelo sono. 42 3) Sem passar todo o tempo praticando bhavands tais como “Eu sou Shiva” ou “Eu sou Brahman”, considerados nirgunopasa- na (contemplagio do Brahman sem atributos), 0 método de inqui- Tigéo sobre si mesmo deve ser praticado logo que se alcangar a re- sisténcia mental resultante desse updsana (contemplacao). 4) A exceléncia da pratica (sadhana) consiste em nao dar es- pacgo nem mesmo a um tinico conceito mental (vrtti). 17— Quais as regras de conduta que um aspirante (sadhaka) deve seguir? Moderagao nos alimentos, no sono e na fala. 18 — Quanto tempo se deve praticar? Até que a mente atinja, sem esforco, seu estado natural de li- berdade dos conceitos, isto é, até que o sentido de “Eu” e “meu” nao mais existam, 19 — Qual o significado de viver em solidéo (ekanta vasa)? Como o Eu superior esté em tudo, ele nao possui um local es- pecffico para a solidao. Ao estado de liberdade dos conceitos men- tais denomina-se viver em solidao. 20— Qual a caracteristica da Sabedoria (viveka)? Sua beleza reside em permanecer livre da ilusao depois de per- ceber uma s6 vez a verdade. S6 existe medo em quem percebe pelo menos uma ligeira diferenca entre si e o Brahman supremo. Enquan- to perdurar a idéia de que o corpo € o Eu superior nao se poder perceber a verdade, seja quem for o aspirante. 21 - Se tudo acontece segundo o karma (prarabdha: resultado das agées de uma pessoa no passado), como superar os obstdcu- los & meditagdo (dhyana)? 43 Prarabdha ocupa-se apenas da mente exteriorizada, nao da in- teriorizada. Quem busca o seu verdadeiro Eu superior nao teme qualquer obstdculo. 22 -— O ascetismo (sannyasa) é um dos requisitos fundamentais pa- ra quem deseja se estabelecer no Eu superior (atma nistha)? O esforgo para se libertar do apego ao préprio corpo na verda~ de busca habilitar o Eu superior. Apenas a maturidade do pensamen- to e a inquiricgéo eliminam 0 apego ao corpo, e nao as situagdes de vida (GSramas), tais como a do estudante (brahmachari), etc. Pois 0 apego esté na mente, enquanto as situagdes de vida pertencem ao corpo. Como os fatores fisicos podem dissolver 0 apego que se en- contra na mente? Pelo fato de a maturidade do pensamento e de a inquirigéo pertencerem 4 mente, apenas estes podem, através de in- dagagGes quanto & fungéo dessa mesma mente, dissolver os apegos que por um descuido tomaram conta dela. Todavia, como a discipli- na do ascetismo (sannyasa@Srama) € o meio para obter a imparciali- dade (vairdgya), e como a imparcialidade é 0 meio para a inquiri¢ao, de certa forma, fazer parte de uma ordem de ascetas pode ser consi- derado um meio de inquirigao através da imparcialidade. Em vez de desperdicar a vida entrando para uma ordem de ascetas antes de es- tar pronto para tal, mais vale viver o dia-a-dia. Para fixar a mente no Eu superior, que é sua verdadeira natureza, é necess4rio separé-la da familia de ilus6es (samkalpas) e dividas (vikalpas), isto €, renunciar mentalmente a familia (samsara). Este é 0 verdadeiro ascetismo. 23 — E regra estabelecida que, perdurando a minima idéia de que Eu-sou-o-agente, 0 conhecimento do Eu superior nao poderd ser atingido; contudo, é posstvel ao aspirante que leva uma vida familiar desobrigar-se adequadamente de suas tarefas sem tal sensagdo? Como nao existe regra de que a ago depende do senso de ser © agente, nao é preciso duvidar se algum ato ocorrer sem um agente 44 ou sem atuagéo. Embora o funciondrio do Ministério da Fazenda parega, aos olhos dos demais, estar realizando suas tarefas de manei- Ta atenta e responsdvel ao longo do dia, ele pode desincumbir-se de- las, sem apego, pensando, “‘Nao tenho nada que ver com todo esse dinheiro” e sem envolvimento mental. Da mesma maneira, o chefe de familia sensato também pode realizar sem apego as diversas tare- fas familiares que lhe cabem segundo seu karma passado, como um instrumento nas maos de outro. Acao e conhecimento nao sao obstd- culos um para o outro. 24 ~ De que serve a familia um sdbio chefe de familia que dispensa o conforto fisico, e de que lhe serve a familia? Nao obstante dispensar por completo o conforto fisico, se a familia, devido ao karma passado, precisa ser sustentada por essa pessoa, ela estaré realizando um servico para outros. A pergunta se © sdbio beneficia-se com a realizagdo de tarefas domésticas pode-se responder que, como ele j4 atingiu o estado de completa satisfagao, soma total de todos os beneficios e o maior bem de todos, ele néo espera obter mais nada com o cumprimento dos deveres familiares. 25 — Como atingir a cessagdo das atividades (nivriti) e a paz men- tal em meio as tarefas familiares, cuja natureza é de atividade constante? As atividades do homem sabio existem apenas aos olhos dos outros e nfo aos seus; embora ele realize tarefas grandiosas, em ver- dade nada faz. Portanto, suas atividades nao perturbam a inacSo e a paz de espfrito, pois ele sabe que todas as atividades ocorrem em sua simples presenga e que ele nada faz. Assim, ele atua como testemu- nha silenciosa de todas as atividades. 26 — Assim como o karma passado do Sdbio é a causa de suas atuais atividades, as impressées (vasanas) acarretadas por suas atuais atividades ndo iréo permanecer com ele no fu- turo? 45 Apenas quem é livre de todas as tendéncias latentes (vasands) € um Sabio. Sendo assim, como as tendéncias do karma poderao afeté-lo se ele é inteiramente desapegado de atividades? 27 — Qual o significado de brahmacharya? Somente a inquirigéo sobre Brahman deve ser denominada brahmacharya. 28 — A prdtica do brahmacharya seguida em conformidade com as (quatro) ordens da vida (a$ramas) é uma forma de conheci- mento? As varias formas de conhecimento, tais como o controle dos sentidos, etc., estéo incluidas em brahmacharya; assim, as praticas virtuosas adequadamente seguidas por quantos pertencem a ordem dos estudantes (brahmachdarins) ajudam bastante em seu desenvol- vimento. 29— E posstvel entrar para a ordem dos ascetas (sannyasa) dire- tamente da ordem dos estudantes (brahmacharya)? Os competentes nao necessitam entrar formalmente para as or- dens de brahmacharya, etc., na seqiiéncia estabelecida. Quem reali- zou o seu Eu superior nfo faz distingdes entre as varias ordens da vida. Portanto, nenhuma ordem o ajuda ou atrapalha. 30— Um aspirante (sadhaka) perde alguma coisa ndo observando as regras da casta e as ordens da vida? Como a aquisigéo (anusthana, lit. pratica) de conhecimento é 0 fim supremo de todas as prdaticas, nao existem regras a serem segui- das por aquele que pertence a qualquer ordem de vida e esteja cons- tantemente adquirindo conhecimento. Se ele procura seguir os cédi- gos de casta e as ordens da vida, o faz pelo bem do mundo. Nio obtém nenhum beneficio com a observancia dessas regras. Tampou- co perde alguma coisa deixando de segui-las. 46 } i } | Experiéncia (ANUBHAVA) 1-0 que é a luz da consciéncia? E a existéncia e a consciéncia luminosa que revela aquele que busca o mundo dos nomes e das formas tanto exterior como interior. Essa existéncia e consciéncia pode ser percebida nos objetos por ela iluminados. Ela nao se torna 0 objeto da consciéncia. 2—- O que é conhecimento (wijiiana)? E o estado tranqiiilo de existéncia e consciéncia que é viven- ciado pelo aspirante, 0 qual assemelha-se ao oceano sem ondas ou ao éter inerte. 3—- O que é beatitude? E a experiéncia da alegria (ou paz) no estado de vijfidna, livre de todas as atividades e semelhante ao sono profundo. E também chamado estado de kevala nirvikalpa (permanecer sem conceitos.) 4— O que é 0 estado além da beatitude? E 0 estado de paz de espirito continuo que é encontrado na quictude absoluta, jagrat-susupti (lit., dormir em consciéncia), o 47 qual assemelha-se ao sono profundo inativo. Nesse estado, a despei- to da atividade do corpo e dos sentidos, néo hd consciéncia externa, como no caso de uma crianga adormecida? (a qual nao est4 cons- ciente do alimento que a mae lhe dé). Um iogue nesse estado mantém-se inativo mesmo quando em atividade. A isso chama-se também sahaja-nirvikalpa samadhi (estado natural de absorgéo em si mesmo, sem conceitos). 5 — Como afirmar que todo o universo em movimento e em imobi- lidade depende de si? Eu superior significa o ser corporificado. Somente depois que a energia, latente no estado de sono profundo, surge com a idéia do “Eu”, € que todos os objetos sio experienciados. O Eu superior est4 presente em todas as percepgdes como aquele que percebe. Néo existem objetos a ser vistos quando o ‘‘Eu” est4 ausente. Por todos esses motivos, pode-se afirmar sem sombra de diivida que tudo provém do Eu superior e a ele retorna. 6 — Se os corpos e os Eus superiores que os animam encontram- se em toda parte, séo inumerdveis, como é posstvel afirmar que o Eu superior é apenas um? Se a idéia “Eu sou o corpo” € aceita,> miiltiplos sao os Eus su- periores. O estado onde essa idéia desaparece é o Eu superior, pois af néo existem outros objetos. Por essa raz4o, o Eu superior é consi- derado apenas um. 7 — Como afirmar que Brahman pode e ao mesmo tempo nao pode ser apreendido pela mente? Brahman nao pode ser percebido pela mente impura, mas pode s8-lo pela mente pura. 8 — O que é mente pura e o que é mente impura? Quando o poder indefinfvel de Brahman se separa de Brah- man, €, em uniao com o reflexo da consciéncia (chidabhdsa), assu- me varias formas, € chamado de mente impura. Quando fica livre do reflexo da consciéncia (Gbhdsa) através do discernimento, é chamado de mente pura. O estado de uniaéo com Brahman é a sua percepgéo de Brahman. A energia acompanhada pelo reflexo da consciéncia € denominada mente impura e o estado de separagéo de Brahman € a sua nao-percep¢ao de Brahman. 9- E possivel superar, durante a existéncia do corpo, o karma (prarabdha), a respeito do qual diz-se que perdura até o fim da vida fisica? Sim. Se o observador de quem depende o karma, ou seja,o ego, que existe entre 0 corpo e o Eu superior se funde com sua fonte e perde a forma, o karma relativo a ele ira sobreviver? Portanto, se nao existe o “Eu”, nao hd karma. 10- Se o Eu superior é a existéncia e consciéncia, por que des- crevé-lo como diferente do existente e do ndo-existente, do consciente e do nGo-consciente? Embora o Eu superior seja real, como ele abrange tudo, nao resta espago para questées que envolvam a dualidade da sua realida- de ou irrealidade. Portanto, ele é considerado diferente do real e do irreal. Da mesma maneira, embora seja consciéncia, como nada mais lhe resta conhecer ou dar-se a conhecer, diz-se que ele é diferente da consciéncia e da néo-consciéncia. 49 f 1 Realizacao (SRUDHA) 1-Como é 0 estado de realizagdo do conhecimento? E a firme permanéncia sem esforgos no Eu superior, no qual a mente que se tornou una com o Eu superior nao mais aflora. Isto é, assim como todos possuem a idéia habitual e natural de que “eu nao sou um bode, nem uma vaca, nem qualquer outro animal, mas sim um homem’’, quando pensa em seu corpo, ou quando lhe ocorre a idéia de que “eu nao sou os princfpios (tattvas) que se iniciam com 0 corpo e terminam com 0 som (nada), mas o Eu superior que é a existéncia, consciéncia e beatitude”, a consciéncia inata do Eu su- perior (dima prajjia), diz-se que ele atingiu o firme conhecimento. 2— A qual dos sete estdgios de conhecimento (jiana-bhimikas)* pertence o sdbio (jini)? Ele pertence ao quarto estagio. 3— Se é assim, por que existem mais trés estdgios superiores? As caracteristicas dos estagios de quatro a sete baseiam-se nas experiéncias do ser realizado (jivanmukta). Nao constituem estados 51 de conhecimento e libertagao. No que se refere ao conhecimento e @ libertag&o, nao sao estabelecidas distingdes nesses quatro est4gios. 4— Sendo que a libertagdo é comum a todos, por que apenas o varistha (lit. o mais eminente) é tao louvado? No que diz respeito 4 experiéncia comum de beatitude do va- ristha, ele € exaltado apenas devido ao mérito especial por ele ad- quirido em nascimentos anteriores. 5 — Jd que todos desejam experimentar o estado de beatitude inin- terrupta, por que motivo nem todos os sdbios (jianis) atingem o estado de varistha? Esse estado nio deve ser atingido por um simples desejo ou es- forgo. O karma (prarabdha) é a sua causa. Quando o ego morte junto com a sua causa, mesmo no quarto est4gio (bhi#nika), quem é 0 observador além desse est4gio capaz de desejar 0 que quer que seja ou de envidar esforgos? Enquanto se esforcam, eles nao sio sébios Giidnis). Os textos sagrados (srutis) que mencionam especialmente 0 varistha afirmam que os outros trés nao sao iluminados? 6 — Alguns textos sagrados afirmam que o estado supremo é aque- le onde os 6rgdos dos sentidos e a mente sGo completamente destrutdos; como entéo esse estado pode ser compativel com a experiéncia do corpo e dos sentidos? Se assim fosse, nao haveria diferenga entre esse estado e 0 es- tado de sono profundo. Ademais, como pode ser este considerado o estado natural, se existe em determinado momento e em outro nao? Como ja foi dito, isso acontece a algumas pessoas segundo seu karma (prarabdha) durante algum tempo ou até a morte. Nao pode ser considerado o estado final. Se assim fosse, todas as grandes al- mas e Deus, autores das obras Vedantinas (jridna granthas) e dos Vedas, nao seriam seres iluminados. Se o estado supremo € aquele onde nao existem os sentidos e a mente, tampouco o estado em que 52 | | | esses existem, como pode ser este 0 estado perfeito (paripurnam)? Apenas o karma é responsdvel pela atividade ou pela inatividade dos sdbios; assim, as grandes almas declararam que apenas o estado de sahaja-nirvikalpa (estado natural sem conceitos) é 0 estado mé- ximo. 7- Qual a diferenga entre o sono normal e o sono desperto (ja- grat susupti)? No sono normal nao sé nao existem pensamentos como nao existe consciéncia. No sono desperto, existe apenas a consciéncia. Por isso, diz-se que € 0 sono onde se est4 desperto, isto é, onde ha consciéncia. 8- Por que se diz que o Eu superior pertence ao quarto estado (turiya) e vai além dele (turiyatita)? Turiya significa aquele que é o quarto. Os que experimentam (jivas) os trés estados, de vigilia, sonho e sono profundo, conheci- dos como visva, taijasa e prajfia, 5 e que passam sucessivamente de um estado a outro, nao sao o Eu superior. O quarto estado (turiya) vem para tornar claro que o Eu superior é diferente dos outros trés, e € testemunha desses estados. Obtido este conhecimento, desapare- cem os trés estégios, assim como a idéia de que o Eu superior é uma testemunha, que é 0 quarto estado. Por isso diz-se que o Eu superior vai além do quarto estado (turiyatita). 9— Quais os beneficios obtidos pelo sdbio com os livros sagrados (srutis)? O sdbio, personificagao das verdades mencionadas nas escritu- Tas, nao tem necessidade delas. 10 — Existe alguma relagdo entre a realizagao de poderes sobrena- turais (siddhis) e a Libertagdo (mukti)? 33 Somente a inquirigao iluminada leva 4 libertagao. Os poderes sobrenaturais sao apenas aspectos ilusérios, criados pelo poder de maya (mayaSakti). A realizagéo do Eu superior que é permanente é a Unica verdadeira realizagao (siddhi). Realizagdes que aparecem e desaparecem, efeitos de maya, nao podem ser reais. Existem tendo em vista usufruir de fama, prazeres, etc. Para algumas pessoas sur- gem sem ter sido buscados, através do karma. Saiba que a uniéo com Brahman é 0 verdadeiro propésito de todas as realizagées. E é também o estado de Libertag&o (aikya mukti) conhecido como uniao (satyujya). 11 - Se essa é a natureza da libertagéo (moksa), por que certas es- crituras a relacionam com o corpo e afirmam que a alma in- dividual pode alcangar a libertagGo somente quando néo dei- xa o corpo? Apenas no caso de servidao real deve-se considerar a liber- tago e a natureza de suas experiéncias. Quanto ao Eu superior (pu- usa), ele nao se submete 4 serviddo em nenhum dos quatro estados. Se a servidao é apenas um pressuposto verbal, segundo declara enfa- ticamente o Vedanta, como surgira a questo da libertagfo, que de- pende da servidéo, quando esta nao existe? Sem o conhecimento dessa verdade, indagar qual a natureza da servidao e da libertagéo € © mesmo que falar a respeito de ‘altura, cor, etc., do filho que nao existe de uma mulher estéril, ou dos chifres de uma lebre. 12 — Sendo assim, as descrigées de serviddo e libertagdo encon- tradas nas escrituras nado se tornam irrelevantes e falsas? Nao. Ao contrério, a iluséo de servidio produzida pela ig- norancia desde tempos imemoriais sé pode ser afastada através do conhecimento, e, visando esse objetivo, o termo libertagdo (mukti) tem sido geralmente aceito. Isso é tudo. O fato de as caracteristicas da libertago serem descritas de formas diferentes prova que sao imagindrias. 54 ] { \ 13 — Se assim é, ndo seriam intteis todos os esforgos, tais como o estudo (lit. audi¢Go) e a reflexao? Nao. A convicgao firme de que a servidao e a libertagéo nao existem constitui o propdsito supremo de todos os esforgos. Como esse propésito de enxergar corajosamente, através da experiéncia di- Teta, que a serviddo e a libertagdo nao existem s6 pode ser atingido com a ajuda das prdticas supracitadas, esses esforgos so titeis. 14— Como afirmar a ndo-existéncia da servidéo e da libertagao? Chega-se a essa percepgio pela forga da experiéncia e nao simplesmente por meio das escrituras. 15 — Como experimentar isso? Serviddo e libertaggo nao passam de expressées lingiifsticas. Nao possuem realidade por si sés. Por conseguinte, nao podem exis- tir por si sés. B necessério aceitar a existéncia de alguma coisa bisi- ca, da qual constituam modificagées. Se alguém indaga, “Para quem existem a servidao e a libertagao?”, constata que “Elas existem para mim”. Se indaga “‘Quem sou eu?”, percebe a nao-existéncia de algo como 0 “Eu”. Entao, fica claro como um fruto Gnalaka na mao de alguém que permanece o ser real de alguém. Como esta verdade seré natural e claramente experimentada por aqueles que deixarem de la- do as discuss6es verbais triviais e indagarem a respeito de si mes- mos, sem diivida todas as pessoas realizadas nao irao ver servidio ou libertagao no Eu superior. 16 — Se ndo existem servidao nem libertagdo, por que a experiéncia real de alegria e tristeza? Elas s6 parecem reais quando o individuo se afasta de sua ver- dadeira natureza. Na verdade, elas nado existem. 55 17- E posstvel que todos conhegam de maneira direta e indubitd- vel qual é exatamente a sua natureza? Sem dtivida que é possivel. 18 — Como? Todos j4 passaram pela experiéncia em que, mesmo nos esta- dos.de sono profundo, de desfalecimento, etc., todo o universo, em movimento e estaciondrio (0 qual inicia-se com a terra e finda com 0 imanifesto (prakrti)), desaparece, mas nao o ser. Portanto, o estado de puro ser, comum a todos e sempre vivenciado por todos, é a sua verdadeira natureza. Conclui-se que todas as experiéncias, tanto no estado de iluminag&o como no estado de desconhecimento, que po- dem ser descritas com palavras sempre novas, opdem-se 4 verdadeira natureza do ser. 56 O EVANGELHO DE MAHARSHI Trabalho e Rentincia Discfpulo — Qual o mais elevado objetivo da experiéncia espi- Titual do homem? Maharshi — A realizagéo do Eu superior. D. — Um homem casado pode realizar o Eu superior? M. — Sem diivida. Casado ou nao, o homem pode realizar o Eu superior, porque Esse encontra-se aqui e agora. Caso contrario, se fosse necessario algum esforgo em determinado momento a fim de alcangé-lo, se o Eu superior fosse algo novo a ser adquirido, de nada valeria buscd-lo, pois o que nao é natural também nao é permanente. Mas digo que o Eu superior se encontra aqui e agora. D. — Um marujo mergulha no mare nao esta protegido por um colete impermedvel. Este mundo onde precisamos labutar arduamen- te dia apds dia assemelha-se ao oceano. M. — Sim, a mente € 0 colete impermedvel. 59 D. — Ent&o é possivel engajar-se no trabalho e, livre de dese- jos, manter a solidaéo? Contudo, as tarefas da vida diéria deixam pouco tempo para a meditagéo ou mesmo para a orag4o. M. — Sim, o trabalho realizado com apego é um grilhao, ao passo que, se realizado com desapego, no afeta o individuo. Mesmo enquanto trabalha, ele se encontra em solidéo. Empenhar-se em sua tarefa € 0 verdadeiro namaskar. . . e viver em Deus, o tinico verda- deiro asan. D. — Nao terei de renunciar 4 minha casa? M. — Se esse fosse o seu destino, nao surgiria essa pergunta. D. — Entéo, por que o senhor deixou sua casa na juventude? M. — Tudo acontece segundo a providéncia divina. O curso do comportamento nesta vida é determinado pelo prarabdha. D. — E aconselhvel devotar todo o meu tempo & busca do Eu superior? Caso seja impossivel, devo simplesmente manter-me tranqiilo? M. — Se puder manter a tranqiiilidade sem se envolver em ne- nhuma outra busca, sera excelente. Se nao conseguir, de que adianta manter a quietude, no que diz respeito 4 Compreensiéo? Enquanto uma pessoa vé-se forcada a ser ativa, nao deve desistir de tentar compreender o Eu superior. D. — As agdes de uma pessoa nao irao afetd-la em vidas sub- seqiientes? M. — Vocé nasceu agora? Por que pensar em outras vidas? A verdade é que nao existe nascimento nem morte. Deixe aquele que nasceu 0 encargo de pensar na morte e no paliativo resultante! 60 D.- 0 senhor pode mostrar-nos os mortos? M. — Vocé conhecia seus parentes antes de estes nascerem para que tentasse conhecé-los depois da morte? D. — Como um grhastha atua no esquema de moksa? Ele nao precisa tomar-se necessariamente um mendigo a fim de atingir a Li- bertacio? M. — Por que vocé se considera um grhastha? Pensamentos semelhantes, de que vocé é um sannydsin, irao obcec4-lo, mesmo se partir como um sannyasin. Sua mente o atormenta; néo importa se vocé vive o dia-a-dia ou renuncia a ele para ir viver na floresta. O ego é a origem do pensamento. Ele cria 0 corpo e o mundo, e o faz pensar em ser um grhastha. Caso vocé renuncie, 0 ego simplesmente substitui a idéia de sannyéisa pela de grhastha, e o ambiente da flo- resta pelo da casa. Contudo, os obstaculos mentais ld estaréo & sua espera. Até mesmo aumentam em novos ambientes. De nada adianta mudar de ambiente. O tinico obstéculo € a mente; ela precisa ser vencida, em casa ou na floresta. Se vocé consegue vencé-la na flo- Testa, por que nado em casa? Portanto, por que mudar de ambiente? Vocé pode comegar a trabalhar agora, seja qual for o ambiente. D. -E possfvel usufruir 0 samadhi mesmo ocupado com o tra- balho mundano? M. — O sentimento “Eu trabalho” € o obstaculo. Pergunte a si mesmo, ‘“‘Quem trabalha?” Lembre-se de quem vocé é. Entao, o tra- balho ndo iré amarré-lo; ele prosseguird automaticamente. Nao faca esforgos para trabalhar nem para renunciar ao trabalho; seus esforcos € que sao o estorvo. O que tem de acontecer, aconteceraé. Se vocé est fadado a nao trabalhar, haverd falta de trabalho, mesmo se vocé © procurar; se esté destinado a trabalhar, nao conseguiré evitd-lo; ser4 forgado a comprometer-se com o trabalho. Portanto, deixe essa 61 tarefa ao Poder Superior; vocé nao pode renunciar ao seu destino nem manté-lo como bem entende. D. — Bhagavan afirmou ontem que, engajando-se a pessoa na busca do Deus “‘interior”, 0 mundo ‘‘exterior” prossegue automati- camente. Afirmar-se que na vida de Sri Chaitanya, durante suas pa- lestras aos aspirantes, na verdade ele estava buscando Krishna (0 Self) dentro de si, esquecendo tudo a respeito de seu corpo e falando apenas de Krishna. Isso suscitou uma diivida, qual seja, a de se 0 trabalho pode ser deixado a si mesmo com seguranga. Deve-se man- ter a atengao parcialmente voltada para o trabalho fisico? M. — O Eu superior € tudo. Vocé est4 separado do Eu supe- tior? Ou o trabalho pode prosseguir sem o Eu superior? O Eu supe- tior € universal: assim, todas as ages prosseguirao, nao importa se vocé se esforga ou nao por envolver-se com elas. O trabalho prosse- guiré por si mesmo. Assim, Krishna disse a Arjuna que ele nao pre- cisaria se dar ao trabalho de exterminar os Kauravas; estes j4 haviam sido liquidados por Deus. Nao cabe a ele resolver trabalhar e preo- cupar-se com a sua fungfo, mas sim permitir que sua prépria natu- reza realize a vontade do Poder Superior. D. — Mas o trabalho poderd sofrer as conseqiiéncias, caso eu nao lhe dé atengao. M. — Dar atengao ao Eu superior significa dar atengio ao tra- balho. Vocé se identifica com 0 seu corpo; por isso, acredita que o trabalho € realizado por vocé. Todavia, 0 corpo e suas atividades, incluindo o trabalho, nao s&o separados do Eu superior. O que im- porta se vocé comparece ou n&éo ao emprego? Suponha que vocé caminhe de um local para outro, sem prestar atengao no caminho. Contudo, depois de algum tempo, vocé chega ao seu destino. Perce- be como caminha sem se dar conta? Assim acontece também com outros tipos de tarefa. 62 D. — Entao € como o sonambulismo. M. — Como o sonambulismo? Exatamente. Uma crianga esté profundamente adormecida e sua mae a alimenta; a crianga ingere 0 alimento como se estivesse acordada. Mas na manha seguinte, diz 4 mie: “Mamie, nao comi ontem a noite.” A mie e os outros sabem que ela comeu, mas a crianga afirma que nao; ela nao estava cons- ciente. Contudo, a agio aconteceu. Um viajante adormece na carroga. Os bois prosseguem, param ou se livram do jugo durante o trajeto. Ele néo toma conhecimento desses fatos, mas se vé num lugar diferente ao acordar. Manteve-se ditosamente ignorando os acontecimentos no caminho, mas a jornada terminou. Da mesma forma acontece com o Eu superior de um in- dividuo. O Eu superior sempre desperto compara-se ao viajante adormecido na carroga. O estado de vigilia € o movimento dos bois; 0 samadhi, a imobilidade dos animais (porque samadhi significa ja- gratsusupti, isto é, a pessoa est4 consciente mas nfo preocupada com a ago; os bois esto jungidos, mas ndo se movem); 0 sono é a libertagéo dos bois em relacao ao jugo, pois ocorre a completa in- terrupgéo das atividades que correspondem 4 libertag&o dos bois jungidos. Ou, de novo, o exemplo do cinema. As imagens sao projetadas na tela de um cinema. Mas os quadros em movimento no afetam nem alteram a tela. O espectador presta atengiio as cenas, nao a tela. Aquelas n4o existem sem esta; entretanto, a tela é ignorada. Da mesma forma, o Eu superior € a tela onde as cenas, as atividades, etc., prosseguem. O homem tem consciéncia desses tiltimos, mas nao percebe o primeiro, essencial. Da mesma forma, 0 mundo das ima- gens nao esté separado do Eu superior. Nao importa se ele tem consciéncia da tela ou nfo; a ag&o prossegue. D. — Mas no cinema existe um operador! M. — O cinema é feito de materiais inconscientes. A luz, as imagens, a tela, etc., sao todos inconscientes; por isso, precisam de 63 um operador, o observador consciente. Por outro lado, o Eu superior € a Consciéncia absoluta, ou seja, é auto-suficiente. Nao pode existir um operador separado do Eu superior. D. — Nao estou confundindo o corpo com o operador, mas sim referindo-me as palavras de Krishna no capitulo 18, versiculo 61, do Gita: “O Senhor, Oh Arjuna, habita o coragao de todos os seres e, com Seu poder ilusdério, movimenta todos os seres como se em uma M. — As fungdes do corpo que necessitam de um operador nas- cem na mente; como o corpo é jada, ou inconsciente, é necessario um operador consciente. As pessoas pensam que sao jivas, e Krishna afirmou que Deus reside no coragéo como Operador dos jivas. Em verdade, nao existem jivas nem operador fora deles; o Eu superior tudo abrange. Ele € a tela, as imagens, 0 observador, os atores, 0 operador, a luz, o cinema e todo o resto. Confundir o Eu superior com 0 corpo e imaginar o ator é como o observador representando- se como ator no cinema. Imagine o ator indagando se pode represen- tar uma cena sem a tela! E o caso do homem que considera seus atos separados do Eu superior. D. — Por outro lado, € como pedir ao espectador que represente no cinema. Entao, devemos aprender o sonambulismo! M. — As agées e estados existem segundo o ponto de vista do observador. Um corvo, um elefante, uma cobra, cada qual utiliza um dos membros com dois objetivos alternativos. Com um olho, o corvo contempla ambos os lados; para o elefante, a tromba serve de mio e nariz; e a serpente enxerga e ouve com os olhos. Nao importa se vocé afirma que o corvo tem um ou dois olhos, ou refere-se & trom- ba do elefante chamando-a de “mao” ou “‘nariz”, ou chama de ore- Ihas os olhos da serpente; o significado é o mesmo. Da mesma for- ma, no caso do jini, sono-vigilia ou vigilia-sono ou sonho-sono ou sonho-vigilia sao todos a mesma coisa. 64

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