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1ª Edição
Capa: ML Capas
Revisão: Sisa Lício e Liz Spencer
Derek
Consequências.
Até que ponto determinadas ações erradas podem
afetar no rumo de sua vida? Até que ponto elas podem
refletir em você de forma negativa? De acordo com a
terceira Lei de Newton, tudo que vai, volta. Tudo o que
você dá, lhe vem um semelhante como retorno. Para cada
ação, há uma reação.
Morte: um enigma. Uma espécie de bilhete premiado
vindo direto do inferno. Você nunca imaginou como seria
o dia de sua morte até sentir uma arma apontada para a
sua cabeça, uma faca ameaçando atingir sua jugular ou
chamas crepitando em torno de você.
Você nunca pressupôs que um bastardo doentio
decidiria usar da sua preferência pelo sadismo para
promover um tesão doentio em si mesmo, enquanto inflige
umas boas doses de tortura em algum ser enfraquecido.
Eles se aproveitam da vulnerabilidade para
conseguirem o que quer. Abusam da sede por vida para
derrubarem nossos escudos.
Desespero lesiona seu sistema.
Dor se propaga até no mais íntimo de você.
A dor é como uma vadia de duas faces. Ora amiga,
ora inimiga; ora bondosa, ora má. Eu aprendi a conviver
com ela, sensação excruciante, levando a merda fora de
mim, ao passo que eu me tornava rocha.
Na profissão em que eu atuava era mais que essencial
que você possuísse sempre o seu lado racional
trabalhando a todo vapor. Você tinha que ter não só sangue
frio, mas possuir a capacidade de analisar o
comportamento do seu oponente. Você tinha que
identificar o seu ponto fraco, cada gesto, cada mínimo
detalhe. Você tinha que ser ágil e esperto. E foi por este
motivo que eu me tornei um dos melhores lutadores
clandestinos dos subsolos de Nova York.
Eu fazia parte de um clube secreto de luta clandestina
intitulado Obsidian, onde os melhores e mais bem
treinados lutadores participavam. Cada um de nós
carregava marcas do passado que evitávamos ao máximo
compartilhar e um futuro incerto no qual não nos
arriscávamos em pensar.
Nós tínhamos nossas regras. Regras estas que
deveriam ser seguidas à risca e nunca quebradas. E uma
das mais importantes delas era não se apaixonar.
Sabe o porquê?
O amor te destrói e te venda, mas, para você que
nunca se apaixonou e se felicita por estar livre deste
sentimento corrosivo, eu tenho uma notícia não tão boa
assim, meu amigo: ele é inevitável.
Nova York, quatro anos atrás.
Dizem que o ser humano, por segundos antes de
morrer, tem um rápido e nostálgico flashback de toda sua
vida.
Eu tinha a nítida impressão de estar numa vazia sala
de cinema, vendo um filme triste e vergonhoso de todas as
minhas ações passadas. É neste momento que você para e
pergunta a si mesmo se fez algo de útil em sua existência
de merda. Se fez alguém sorrir, se matou a fome de um ser
vivo... enfim, se cometeu um ato importante ou se apenas
manteve sua bunda no sofá de casa assistindo às notícias
do CNN e se lamentando das catástrofes mundiais.
Eu sabia que não havia sido um cara bom e não me
orgulhava, muito menos escondia isso. Meus defeitos?
Eram muitos. Meus pecados, imperdoáveis. Mas eu não
tinha medo de morrer.
O sabor metálico do sangue era intenso. O inchaço
em meus olhos me impedia de enxergar corretamente. Me
encolhi na areia macia e alva e involuntariamente gemi
quando um pé revestido por um caro sapato italiano
acertou em cheio um ponto logo abaixo das minhas
costelas.
— Eu só vou perguntar mais uma vez — sibilou o
homem diante de mim, sua voz fria e letal como lanças
afiadas. — E espero que você colabore.
Não me movi. Estava incapacitado de o fazer.
Apenas ouvi sua voz rouca soar pausadamente logo acima
da minha cabeça:
— Onde. Está. O meu. Dinheiro?
— Eu não sei... — aquilo me rendeu uma dor aguda
no estômago quando fui atingido novamente. Meus olhos
ardiam com a areia que havia neles e meu cérebro parecia
estar solto em seu recanto.
— Mentiroso! — bradou, irado. — Por que diabos
você ainda insiste em defender aquela vagabunda? — ele
puxou meus cabelos com força, até que uma dor pungente
atingisse em cheio o meu couro cabeludo. — Ela vai
acabar com você, seu idiota. Achei que valesse mais que
isso!
Foquei mais uma vez no corpo imóvel de Samantha.
Um fino filete de sangue escorria de sua testa, onde havia
levado uma coronhada, pingando sobre a areia da praia.
Eu havia lhe trazido a este inferno, pensei.
Nós arquitetáramos um plano de fuga, assim que
percebemos não ser mais possível continuarmos às
escondidas. Eu possuía dinheiro suficiente para sustentar
a nós dois, mas ela havia insistido em tirar algo de
Marcel, a fim de levar para sua família em Wyoming.
Aquele fora nosso erro. Marcel dera falta do dinheiro
antes mesmo que estivéssemos fora do estado e nos armou
uma emboscada, apanhando-nos indefesos e desarmados.
Se fosse em outras circunstâncias, eu não hesitaria
em enfiar uma bala bem no meio de seu crânio. Ele era
odioso, deplorável e nojento. Mas eu estava em
desvantagem. Fui pego de surpresa, desarmado, estava
ferido e a mulher que eu amava se encontrava
inconsciente.
Aquela noite não terminaria bem.
— Você me decepcionou, Derek — disse ele, o
sarcasmo escorrendo pelos caninos feito o veneno de uma
cobra. — Um cara tão cheio de si, cometer a estupidez de
cair na tentação e deixar-se levar por uma vagabunda.
Estou entristecido, mas eu vou te dar mais uma chance. Eu
sei que você não teve culpa, companheiro. Tudo foi por
influência dela, não é mesmo? Aquela mulher é
manipuladora. Nós temos algo em comum, fomos iludidos
por ela e eu me compadeço por você.
Tentei controlar minha respiração acelerada,
conforme rolava para fitá-lo.
— Culpe a mim, Marcel. Ela não tem nada a ver com
isso.
— Tsc tsc, Derek, ouça só você! — ele balançou a
cabeça. — Está me assustando, homem. Vamos fazer
assim... eu cortarei o mal pela raiz, o que acha? Pouparei
o seu sangue e esquecerei o dinheiro que me roubaram.
Irei esquecer até mesmo o plano de fuga de vocês dois —
não precisei perguntar para saber o que ele queria com
aquilo. — Azael, traga-a.
— Não! — arrastei-me pelo chão, tentando me
erguer, mas uma dor aguda me atingiu o ombro e cessou
meus movimentos.
Despertando, Samantha murmurou meu nome. Seu
corpo foi sustentado pelos braços enormes do capanga de
Marcel e erguido do chão. Ouvir sua voz tão fraca e rouca
me deixava angustiado. Fazia um bom tempo que eu não
me sentia assim, e eu não gostava nem um pouco daquela
sensação.
— Porra, Marcel! — grunhi. — Solte-a. É a mim
quem você quer. Fui eu quem roubou o dinheiro.
— Isso é mentira! — Samantha se manifestou. — Eu
roubei. E eu dei fim no seu dinheiro de merda, Marcel.
Um violento tapa vibrou a sua face esquerda, fazendo
com que seu rosto bonito adquirisse um tom rubro. Me
odiei naquele momento por não poder fazer nada para
protegê-la.
— Eu tenho ciência disto, vagabunda! — Marcel
rugiu, os lábios bem próximos ao rosto de Samantha. Ao
se virar para mim, o sorriso diabólico estava presente em
sua boca novamente. — O que você acha da ideia de eu
matá-la agora, Derek? — ele puxou-a pelos cabelos.
Samantha gemeu, mas manteve-se firme. — Eu posso fazer
de forma lenta e agonizante... — ele desembainhou uma
faca de algum lugar em suas costas, colocando diante do
pescoço dela — ou eu posso ser piedoso e tornar isso
rápido.
Enquanto as palavras podres deslizavam da boca de
seu chefe, Azael compreendia a mensagem, sacando uma
arma do coldre em sua calça e apontando para Sam.
Marcel continuou:
— Vou permitir que você escolha, Derek. Seja
rápido.
Eu não sei ao certo quanto tempo a mente humana
custa para raciocinar em momentos difíceis, afinal, cada
um reage de uma determinada maneira. Mas o meu
cérebro estava em torpor naquele momento. Era como se
eu estivesse anestesiado e os pensamentos custassem a se
desenrolar.
Eu não iria devolver o dinheiro por dois motivos:
um, a grana já havia sido enviada para a família de
Samantha e, dois: eles nos matariam sem pensar duas
vezes, assim que o dinheiro estivesse em suas mãos.
Com certa dificuldade, sentei-me. Samantha me
olhava com um brilho conhecido nos olhos. Não havia
medo, apenas uma determinação e uma coragem que eu
não sabia de onde ela havia tirado. Nós dois estávamos
cientes do que aconteceria. Nós dois sabíamos que aquele
era o fim da linha.
Marcel colocou-a de pé. Admiração me envolveu ao
observar seus cabelos escuros e compridos se
esvoaçarem com a brisa gelada. Era madrugada e a lua, lá
do alto, derramava em sua pele macia uma luz prateada.
Samantha era linda.
Era minha.
E Marcel queria tirá-la de mim.
Coragem foi empurrada para cada zona do meu
cérebro, impulsionando o meu corpo em um avanço
certeiro na direção de Marcel. Assustado com o meu gesto
repentino, o homem deixou cair a faca. Não hesitei ao
puxá-lo pela gola da impecável camisa social e lhe dar
um soco, fazendo-o tombar na areia novamente.
— Desgraçado! — rugiu, alcançando a arma em suas
costas. Em um movimento rápido, consegui com que a
pistola voasse longe.
Agradeci aos anos de experiência árdua com a luta,
que me ajudaram a ser ágil, dando socos e mais socos em
Marcel até que eu o tive com o rosto totalmente sangrando
debaixo de mim. Prensei seu pescoço com as mãos. Seu
rosto começava a adquirir um tom arroxeado e ele lutava
por ar.
A vida dele pela sua. Eu já podia sentir o diabinho
sussurrando em meu ouvido. Incitando-me a ir mais firme.
Eu fui mais firme. Meus dedos enrolaram-se na carne
pegajosa com o suor que brotava e escorria. Dedos
apertaram minhas coxas; unhas curtas tentaram atravessar
o meu jeans; punhos fracos ansiavam ferir ainda mais o
meu rosto.
Mais firme.
Um urro de dor masculino ecoou pelo ar. Virei minha
cabeça a tempo de ver Azael ao chão, segurando sua coxa
onde um corte profundo empapava de sangue sua calça
escura. Ao lado dele, Samantha cambaleava com a faca de
Marcel em mãos.
Sorrimos um para o outro e ela gritou "Cuidado!" no
mesmo instante em que Marcel me pegava de surpresa e
direcionava-me um soco logo abaixo do queixo.
Caí com as costas na areia, lutando para me
reequilibrar. Outros golpes me foram desferidos, dos
quais maioria deles eu conseguia me defender. Me
livrando dele, rolei no chão e peguei uma das armas que
havia caído.
Apontei.
Engatilhei.
Respirações pesadas dominavam os movimentos
oscilantes do meu peito. Suor banhava a minha testa e
poeira cobria toda a minha roupa. Eu sabia como
empunhar uma arma. Havia crescido nas ruas escuras e
violentas de Detroit, lutava cada dia pela sobrevivência.
Com um pai bêbado e violento dentro de casa, eu tinha
que me defender. Nunca fizera uma vítima fatal, mas eu
estava disposto a fazer naquela noite.
— Fuja, Sam! — orientei apressadamente, meus
olhos ainda fixos em Marcel, calculando cada movimento.
— Eu darei um jeito neles.
— Eu não vou deixar você aqui! — ela balançou a
cabeça com veemência. — Estamos nessa, juntos.
— Me ouça, Samantha — insisti. — Corra!
— Não, Derek, eu não vou deixar você.
Marcel chamou minha atenção quando riu. Uma
risada feia e grotesca que fez o meu estômago se revirar.
Com a arma ainda preparada em minhas mãos, vi de
relance Samantha se apressar em empunhar a faca no
pescoço de Azael.
— Vocês dois são deprimentes — ele provocou. —
Acabe com isso logo de uma vez, homem. Mate-me e leve
a prostituta com você.
Ódio cru e letal me corroeu por dentro, contudo não
deixei transparecer. Samantha estava longe de ser uma
prostituta. Ele a havia iludido com um mundo cheio de
glamour e diamantes. Ela era apenas uma mulher inocente
que caíra em suas garras.
— O que foi? Não tem coragem? — outra risada. —
Eu sou Marcel Bloom. Meus homens irão atrás de vocês.
Eles os matarão, Derek. Portanto, acabe logo com isso.
Uma movimentação estranha seguiu suas palavras.
Direcionando meu olhar para o lado oposto, avistei os
faróis de outros automóveis evidenciando a chegada de
mais homens.
— Droga! — resmunguei, já me preparando. —
Corra para o carro, Samantha. Agora!
Alarmada, ela soltou Azael e correu em direção ao
SUV blindado que Marcel havia deixado estacionado
poucos metros dali.
Marcel continuava a sorrir tranquilamente ao me
observar segui-la. Eu ainda mantinha a arma apontada em
sua direção, garantindo que nenhum dos dois homens se
levantassem.
No momento em que eu entrei no carro e assumi o
volante, Azael se levantou, vindo em nossa direção. Girei
a chave já inserida na ignição e dei partida no carro, a
borracha rasgando o asfalto.
Tiros ecoaram atrás de nós e uma caçada insana no
meio da pista se iniciou. Os faróis emitiam uma luz clara e
cegante, atrapalhando a visão do que vinha logo atrás, mas
não o suficiente para me intimidar. Eu salvaria ao menos
ela.
— Eles estão vindo atrás de nós! — Samantha olhava
para trás, agora muito mais assustada.
— Mantenha-se abaixada — orientei. — Darei um
jeito de despistá-los.
Era madrugada e o tráfego de automóveis
praticamente não existia. O que impossibilitaria de nos
camuflarmos no meio da pista.
— Eles vão acabar conosco, Derek.
Olhei pelo retrovisor e havia dois carros atrás de
nós. Os tiros começaram a se tornar ainda mais altos à
medida que se aproximavam, raspando na lataria blindada
de Marcel.
Virei-me para ela.
— Você consegue dirigir? Consegue fazer isso?
— O que você vai fazer?
— Me diga, Sam, você consegue?
Ela balançou a cabeça em afirmativa.
Atentando para ainda manter a velocidade, permaneci
em meu lugar, manipulando os pedais do carro, enquanto
ela se curvava desconfortavelmente para assumir o
volante.
Peguei a arma e a preparei. Segundos depois eu
começava a atirar para fora, mirando um ponto logo atrás.
Os vidros dos outros automóveis provavelmente eram
blindados, portanto acertei nos pneus — nos dois
dianteiros. Um dos carros fez uma derrapagem brusca,
mas manteve-se a todo vapor.
Percebi que em um deslize eu havia reduzido a
velocidade, o que deu chance para o outro carro se
aproximar de nós. O motorista teve a infeliz ideia de
colocar o corpo para fora da janela e mirar em mim. Sem
pensar duas vezes, acertei-lhe um tiro.
Pneus entortaram, direção ziguezagueava e os dois
automóveis colidiram fortemente um com o outro bem
atrás de nós. Ambos, sem controle, começaram a pegar
fogo. Samantha gritou assustada, assim que a nuvem de
fumaça e calor se seguiram.
Assumi o controle do volante novamente e um sorriso
trêmulo despontou em meus lábios. A minha primeira
vontade foi de gritar. Extravasar até o limite. Bater no
peito e dizer àquele bastardo filho da puta que eu havia
vencido. Eu matei os seus homens e aquele inferno havia
acabado.
Eu ainda sorria quando alcancei a mão nervosa de
Samantha e beijei seus dedos trêmulos. Nós ainda
tínhamos uma segunda chance para sermos felizes.
Mas o meu sorriso não se manteve vivo por muito
tempo.
Bastou apenas um olhar pelo espelho retrovisor para
que eu conseguisse avistar um terceiro automóvel.
— Puta que pariu! — soquei o volante com força.
Eles não brincavam em serviço.
Havia, mais ou menos, dois caras dentro do veículo,
pelo que pude notar.
— Derek, eles vão nos matar! — ela voltou a se
desesperar, as lágrimas escorrendo por seu rosto. — Oh,
Deus, vamos morrer...
— Eu não vou permitir que eles façam nada com
você, ouviu bem? — passei uma mão em seus cabelos,
tentando acalmá-la, conforme manipulava o volante com a
outra, indo o mais rápido possível.
— Não há como escapar, Derek.
Realmente não havia como escapar. Parei
bruscamente ao olhar para o painel e perceber que o
combustível havia chegado ao fim.
Porra, era só o que faltava!
— O-o que houve? — ela indagou com voz trêmula.
Suspirei e recostei a testa no volante do carro,
tentando pensar em algo. Eu tinha que ser rápido. Forçar o
carro a ir mais alguns metros adiante não iria funcionar.
Eu teria que acabar com aquilo, ali. Naquele exato
momento.
Ergui a cabeça e me virei para ela.
— Escute bem, Sam — tomei seu rosto entre minhas
mãos. — Fique no carro. Os vidros são blindados. Não
saia! Eu darei um jeito neles e voltarei para você.
— Derek, o que você vai fazer?
— Acabar com eles.
Ela ficou ainda mais tensa.
— E se te ferirem?
— Eles não vão fazer nada comigo. Confie em mim.
— Derek...
— Você confia em mim, Sam? — insisti olhando bem
dentro dos seus olhos.
Relutantemente ela meneou a cabeça em afirmativa.
— Tenha cuidado — disse. — Eu amo você.
— Eu também te amo.
Dei-lhe um beijo rápido nos lábios e a deixei com a
faca, enquanto pegava a pistola. Eu estava ferido dos
golpes que Marcel me dera, porém ainda conseguia andar
e me manter de pé. As coisas teriam que dar certo ou
morreríamos os dois.
O outro veículo já havia parado a apenas alguns
metros de distância de mim. Observei atentamente quando
um dos homens saltou de lá. Em sua expressão facial
havia uma frieza que eu conhecia perfeitamente bem. Eu
sabia identificar a sede de morte no rosto de alguém. E
aqueles caras matavam por esporte.
— Entregue-se, Rushell — disse o homem, sem
delongas. — Aproveite enquanto o chefe ainda lhe quer
vivo.
— Eu prefiro morrer a ter que me submeter às ordens
de Marcel.
Ele riu, cuspindo no chão.
— Você está soando patético, Rushell. Tudo isso por
conta de uma vagabunda.
— A sua opinião pouco me importa — retruquei. —
Vamos começar o banho de sangue agora ou você está
esperando que eu chute este seu traseiro primeiro?
Sua expressão voltou a se fechar.
— Nós só queremos a garota. Nos deixe levá-la.
Fitei o rosto do homem à minha frente. A cor dos seus
olhos eu não conseguia identificar, pois estava escuro e
distante o suficiente para isso, mas notei que ele era
jovem. Mais ou menos a minha idade ou até alguns anos
mais novo. Seus cabelos eram loiros e bem alinhados.
Limpo e engomadinho demais para o meu gosto.
Firmei meus dedos na arma e preparei-me para usá-
la a qualquer momento. Eles estavam em maior número e
eu sabia que a probabilidade de virar uma peneira humana
era absurda, mas eu não deixaria que eles fizessem nada
contra Samantha. Aquilo era questão de honra.
— Para isso, você terá que passar por cima de mim
primeiro.
Ele fitou-me por um breve momento e a expressão de
diversão deu lugar à irritação.
— Eu avisei, Derek — sibilou. — Depois não
reclame.
O loiro deu ordens para que o outro homem saísse do
carro e avançasse em busca de Samantha e, assim, eu
ergui imediatamente a minha arma. Eu não sabia quanto de
munição ainda tinha naquela pistola, portanto os tiros
teriam que ser certeiros, em pontos fatais. Eu poderia
morrer a qualquer momento, mas eles não alcançariam
Samantha.
O som estrondoso do primeiro tiro ecoou no
momento em que acertei o homem no peito, impedindo seu
percurso até a minha mulher. A arma deslizou de sua mão.
Ele gemia de dor e xingava alto.
Aproximei-me do seu corpo ofegante e apanhei sua
pistola caída ao chão. Dando nele um chute certeiro,
evitei que se reerguesse.
— Eu nunca imaginei que você fosse ser tão fraco,
Carl — zombou o loiro, fitando o comparsa ao chão, sem
piedade alguma.
O tal cara — Carl — tentou se levantar mais uma
vez, seus olhos raivosos:
— Eu vou te mat... — o calei, disparando duas vezes
contra seu peito.
Mais uma vida que era levada embora pelas minhas
próprias mãos. Não houve compaixão, nem
arrependimento. Aquilo era guerra e eu já havia alcançado
o meu limite.
Foquei imediatamente no loiro a alguns metros de
distância e capturei o momento em que ele apontou sua
pistola em minha direção, ansiando me atingir.
Era assim que ele queria brincar? Pois
brincaríamos.
Mirei as duas armas no bastardo prepotente e
comecei a atirar. Um disparo após o outro. Literalmente
uma chuva de balas. O barulho era ensurdecedor, como
uma sinfonia em meio ao caos.
Ele escondeu-se atrás do veículo e começou a
disparar em minha direção. Eu não tinha mais noção de
tempo, não tinha mais noção de espaço. Eu só queria
atingi-lo. Queria matar todos eles e nos livrar daquele
inferno.
O homem arfou quando uma das minhas balas atingiu
o seu ombro. Permanecendo escondido atrás do veículo,
ele ainda tentava me acertar.
Filho da puta covarde.
Continuei com a minha missão, chegando cada vez
mais perto. A sede de sangue, mesclada ao desespero e
instinto de proteção saturando a minha mente. Para meu
azar, ouvi o clique indicando que as munições de uma das
armas em minhas mãos haviam acabado.
O loiro abriu um enorme sorriso e me surpreendeu ao
sair de trás do veículo, batendo palmas em uma falsa
congratulação.
— Impressionante — pronunciou com um riso
nervoso. — Você é um bastardo resistente, Rushell.
Eu respirava pesado ao observá-lo trocar o cartucho
de sua arma. No mesmo instante eu ergui a outra que
possuía, torcendo para que ainda estivesse carregada.
— Boa sorte para você, Derek. Um de nós sairá
morto daqui e espero que não seja eu.
E então, sem mais palavras, ele mirou sua arma em
minha direção. Segundos após, estava apertando o gatilho.
O som foi estrondoso. Ecoou alto. Rompeu forte. As
ondas sonoras pareciam se propagar no espaço ou era
apenas a minha mente embebida pela sede de sangue,
entorpecida pelo desejo cru de tirar a vida daquele
homem. A dor nos meus músculos não me abalou. O som
do tiro não me incomodou tanto assim. Mas houve algo
que feriu os meus ouvidos:
O grito.
Aquele grito agudo.
Aquele grito feminino.
Um grito que chamava o meu nome.
Parecia que tudo ocorria em câmera lenta quando me
virei e avistei Samantha ensanguentada ao chão. Ela
arfava e uma mancha enorme de sangue empapava seu
peito.
Ele havia mirado nela. Como eu não havia visto
quando ela saíra do carro?
Inferno!
— Samantha! — comecei a correr até ela e, antes
mesmo que eu lhe alcançasse, senti o impacto e algo
quente e duro perfurando o lado esquerdo das minhas
costas.
Caí de joelhos no asfalto frio, mas consegui me
arrastar a fim de chegar até Samantha. Eu tinha que salvá-
la.
— Você nunca desiste, não é? — ele gritou e,
segundos após, outro projétil perfurou a minha carne.
Urrei com a invasão, minha visão ficando embaçada,
minha mente ficando turva. Contudo, não parei até que
estivesse do lado dela.
Samantha arfava, com seus lindos olhos abaulados.
Aproximei minha mão do seu rosto frio e ela gritou de dor
ao arriscar um movimento em minha direção.
— Não se mexa — eu conseguia sussurrar. — Vai dar
tudo certo.
A quem eu queria enganar? Seu rosto já havia
perdido a cor. Seus olhos estavam sem brilho e ela mal
conseguia balbuciar uma palavra completa.
Dor invadia meu peito, infiltrando-se em minha carne
e rasgando a minha alma. Era pior do que qualquer coisa
que eu havia sentido antes. Aquele sentimento de perda.
Aquele sentimento de que o seu bem mais precioso está
escorregando entre seus dedos feito areia, dissipando-se
no espaço como fumaça. É algo que penetra em sua pele e
te faz parar por um segundo para se perguntar se aquilo
realmente é real.
Deus, como eu queria acordar.
Eu nunca fora do tipo que orava por seres superiores
nem que clamava-lhes a salvação; entretanto, eu estava
disposto a me prostrar aos pés de qualquer coisa que me
garantisse a vida de Samantha ilesa.
Todavia, aquilo não aconteceu. Eu não acordei.
Nenhum homem de vestimenta branca e auréola sobre a
cabeça ruiva surgiu diante de mim.
Ao contrário disto, eu vi o loiro se aproximar e
chutar minhas costelas com força.
— Idiota! — outro chute. — Tem ciência... — chute
— do quão burro... — chute — e estúpido... — chute —
você é?!
Ele começou a andar de um lado a outro,
visivelmente nervoso e totalmente descontrolado. Eu
buscava por ar e doía como o inferno toda vez que eu o
fazia. Cuspi uma mistura de saliva e sangue e contraí os
músculos esperando pelo pior.
— Era só me entregar a garota, mas não! Você quis
bancar o herói. Quis dar uma de Romeu apaixonado, e
agora terei que matar os dois! — bradou. Os pés
novamente bem próximos de nós. — Eu acho que já
terminei o meu trabalho com a vagabunda.
Voltei a olhar para Samantha e ela tremia. Eu não
queria acreditar que aquele seria o fim. Não daquela
forma. Eu fora fraco e aquele pensamento fazia com que
eu me sentisse ainda mais como um fodido.
Tentando controlar a onda de dor que me percorria,
fechei meus olhos, reconhecendo a fraqueza da minha
respiração.
Fui capaz de escutar seus passos. Ele chutou-me uma
última vez para garantir de que eu não me mexeria pelos
próximos minutos e afastou-se alguns metros de nós. Abri
um pouco minhas pálpebras trêmulas apenas para
observar o que acontecia. Sacando com o braço bom um
aparelho celular de seu paletó, o loiro discou algo e levou
o telefone ao ouvido.
— Marcel, aqui é o Simon — disse. — Eu já acabei
com ela, e o cara não vai durar por muito tempo, mas eu
posso tornar isso rápido se você quiser — um sorriso
diabólico surgiu em seu rosto. — Claro. Te ligo depois.
Ele desligou o celular e voltou em minha direção.
Senti o rasgo de escuridão tentando invadir a minha mente
e lutei contra ele.
— É uma pena que você se recuse a morrer, Rushell,
mas dessa vez eu garantirei que não haja mais volta —
dirigiu-se a mim, o sadismo dançando em cada letra
proferida. — Uma última palavra?
— Vejo você no inferno.
Ele deu uma risada zombeteira, sua cabeça loira
pendendo para trás. Voltando a olhar para mim, me
apontou a arma:
— Eu sou como a porra de um deus imortal, seu
fodido de merda.
Três.
Dois.
Bang!
PARTE I: INOCÊNCIA
— William Shakespeare.
1: Em Pele de Cordeiro
Dias atuais...
Faith
Eu estava sentada diante da mesa mais bem limpa e
organizada que já vira em meus vinte e dois anos de
idade.
Era daquela forma que as coisas funcionavam com o
meu irmão mais velho. A sua casa, que ficava em uma
área reservada no Upper East Side, possuía dois andares
e mais de oito quartos. E o mais engraçado em tudo aquilo
era que não havia tantos ocupantes na mansão. Apenas ele,
minha cunhada — Rachel — e meu sobrinho, Max.
Já lhe perguntara por diversas vezes o porquê de
tanto luxo, mas ele sempre dizia que dinheiro era para ser
utilizado, o qual nunca lhe faltava.
Cortei um pedaço da carne assada que Meredith, a
cozinheira da mansão, havia preparado e levei-o à boca,
saboreando o tempero excelente. Eu teria que me lembrar
de parabenizar Meredith mais tarde.
— Então, Faith — meu irmão, sentado em uma das
extremidades da mesa comprida, chamou minha atenção.
Seus olhos azuis fixos em meu rosto. — Como anda o
trabalho?
— Bem — respondi, limpando os lábios com o
guardanapo. — Teremos uma peça daqui a algumas
semanas baseada em O Morro dos Ventos Uivantes, e
estou me preparando para conseguir o papel principal.
— E qual a diferença em ter o papel principal ou
não, se Artes Cênicas não é sinônimo de futuro para
ninguém?
Suspirei, fingindo não me abalar.
Era sempre a mesma merda. Eu não sabia se Marcel
fazia aquele tipo de coisa para me magoar ou me irritar,
mas já havia aceitado a opção menos dolorosa que era o
fato de aquele ser somente o seu jeito de agir. Contudo,
algo me dizia que eu estava totalmente errada. Ele parecia
ter o prazer de me espezinhar, só porque eu não seguia
suas ordens.
Deitei o garfo sobre o prato e respirei fundo,
bebericando o suco de maçã e tentando relevar suas
provocações.
— O papel principal — expliquei — é um grande
peso no currículo de um ator. Se você obtém o lugar de
protagonista, isso significa que é capacitado o suficiente
para assumir a pressão e responsabilidade que ser um
possível profissional de renome implica.
— Hum... — ele fez um som de entediado. — Rachel
adora essas baboseiras. Vejo que vocês terão muito o que
conversar.
Direcionei meu olhar para a minha cunhada, sentada
de frente para mim, e lancei-lhe um sorriso ao qual ela me
retribuiu, desviando os olhos. Era engraçado como mesmo
ela sendo a mãe do meu único sobrinho, eu não sentia
conexão alguma. Era como se Rachel ocultasse algo,
escondida em sua própria bolha impenetrável que eram
seus pensamentos e aspirações.
Mas eu não a culpava. Marcel tinha a mania esquisita
de não permitir que sua mulher nem o seu filho saíssem de
casa. Aquilo era desgastante para qualquer um.
— Ela pode me acompanhar e assistir à uma das
peças que apresento — ofertei, analisando a reação da
minha cunhada. — Garanto que é muito mais divertido do
que pela TV.
— Rachel não precisa assistir à uma maldita peça de
teatro ao vivo quando temos uma televisão de inúmeras
polegadas em nossa sala de TV — ele pôs a mão sobre a
mesa e acariciou a da sua mulher. — Não é mesmo,
querida?
— Claro — Rachel sorriu com condescendência,
porém foi um sorriso que não alcançou os olhos. — Não
gosto de sair e você sabe disso, Faith. Agora, se me
derem licença, preciso descansar um pouco. Max está em
seu quarto com a babá. Ele adoraria vê-la.
— Pode deixar — assenti, abrindo um sorriso. —
Estou morrendo de saudade dele.
Rachel sorriu e pediu licença mais uma vez antes de
se afastar.
Depois que estávamos apenas nós dois na mesa,
Marcel voltou-se para mim:
— Minha irmã. Eu tenho um presente para você.
— Tem? — franzi o cenho, um pouco desconcertada.
— Mas não é o meu aniversário.
Ele soltou um abafado suspiro impaciente e voltou a
falar:
— Eu sei disto, mas quero presentear a minha irmã
mais nova. Que mal há?
— Nenhum — respondi, ainda não muito convicta.
Marcel não era do tipo de pessoa que presenteava os
outros sem um motivo aparente.
Sorrindo, ele apanhou uma caixa aveludada de uma
cadeira próxima à sua, que eu nem sequer havia reparado.
Abriu lentamente a tampa da caixa e retirou de dentro dela
uma corrente delicada com um pingente em formato de
borboleta e me entregou.
Era linda. Analisando mais de perto, pude perceber
que o pingente parecia ter uma pequena abertura entre as
duas asas, porém quando tentei mexer ali, Marcel
impediu-me.
— Não force o material, minha irmã. O objeto é
bastante delicado.
— Desculpe — eu disse, ainda analisando o
presente. Em seguida, abri um sorriso para ele. — Eu
adorei, obrigada...
— Marcel? — um terceiro ocupante adentrou o
recinto e, ao ouvir aquela voz, senti minha espinha
enrijecer automaticamente. Era incrível a forma como meu
corpo reagia negativamente em relação àquele homem.
— Estou almoçando — meu irmão respondeu,
ríspido.
— Preciso falar com você. É urgente... — o homem
se deteve ao me avistar na mesa. — Ora, ora, Faith! Que
bela surpresa vê-la por aqui.
— Aqui é a casa do meu irmão, Simon — respondi,
sem me dar ao trabalho de demonstrar simpatia. — Muito
me admira você ter acesso livre à ela.
— Eu e Marcel somos mais que simples
companheiros de trabalho, Faith, e você sabe muito bem
disso.
Permaneci calada, aguardando ele fazer algum
comentário em relação a nós dois, mas, por sorte, não
disse mais nada. Simon era esperto e ele sabia que não
era nem um pouco inteligente trazer à tona um assunto tão
delicado quanto nosso breve relacionamento de alguns
anos atrás, o qual eu lutava diariamente para esquecer dos
detalhes, contudo não obtinha muito sucesso.
As coisas que Simon fizera e dissera para mim
ficariam marcadas para sempre em minha memória,
atormentando-me até meu último suspiro. Sierra, minha
melhor e única amiga, já chegara a me perguntar o porquê
de eu ainda não ter contado nada a Marcel, mas além de
vergonhoso, de nada adiantaria. Na cabeça dele, Simon
era o homem perfeito para mim. O amigo digno de pôr
uma aliança no dedo de sua irmã mais nova. Até bravo
comigo ele ficara quando descobrira que eu havia
terminado com Simon. Agora eu tinha que aturar aquele
verme todas as vezes que planejava visitar Marcel.
A atenção que eu havia conseguido obter do meu
irmão se dissipou no momento em que Simon dissera ter
um assunto importante para tratar. Fui deixada sozinha na
mesa com a minha sobremesa, e logo após subir e brincar
um pouco com o meu sobrinho, saí sem me despedir.
Ao chegar em casa, notei a minha despensa vazia até
demais para uma mulher solteira e faminta como eu.
Então, percebi que já era a hora de eu dar uma passada no
supermercado; afinal, minhas séries e minhas guloseimas
desde muito tempo acabaram por se tornar minhas
melhores amigas nas noites de tédio.
Tirei o vestido de brim que eu havia posto somente
para evitar os comentários de Marcel em relação à minha
vestimenta e pus uma calça jeans com uma camiseta
branca de alças finas, que combinou perfeitamente com a
gargantilha que ganhara.
A viagem do meu prédio até o supermercado mais
próximo durava em torno de quinze a vinte e cinco
minutos de carro. Meu Volvo já era bem antigo e eu o
havia comprado de um senhor que se via atolado em
dívidas pela metade do preço que eu acharia em qualquer
outro lugar — fato que beneficiou ambos, já que na época
eu ainda estava na faculdade e precisava arcar com os
gastos que eu tinha estudando na NYU e morando de
aluguel em um pulgueiro no Brooklyn. Aqueles foram os
contras com os quais tive que lidar quando decidi sair de
casa e me tornar uma mulher independente.
Parei no estacionamento lotado do supermercado,
custando a encontrar uma vaga adequada para o meu
pobre carro, e parti direto para a sessão de laticínios. Pus
no meu carrinho manteiga, leite e um pedaço do queijo
que eu mais gostava. Na sessão de frios, não hesitei em
arrematar um pouco de presunto e steaks de frango
congelados. Eu não só gostava, como necessitava me
manter de alimentos industrializados ou em conserva, que
fossem fáceis de preparar, já que não tinha muito tempo
para cozinhar.
Parei na sessão de biscoitos e gemi de frustração ao
perceber que só havia um pacote de Cookies com gotas de
chocolate. Eu, geralmente, comprava dois ou mais.
Me contentando com o último pacote de biscoitos,
agachei-me para pegá-lo. No mesmo instante, uma outra
mão fez o mesmo.
Parei imediatamente.
Meus olhos examinaram os dedos masculinos na mão
grande, passaram pelo pulso, antebraço musculoso com
tatuagens que subiam desenhando os bíceps e perdi a voz
ao analisar o rosto dele, onde uma expressão divertida me
desafiava.
Eu já havia visto muitos caras bonitos antes — até
mesmo durante a minha adolescência paquerara com
alguns — mas ele tinha algo de diferente. Sua feição era
ao mesmo tempo máscula e suave. Não era aquela beleza
agressiva que eu estava acostumada a ver nos homens de
seu porte. Ele era... diferente, apenas.
O cara das tatuagens arqueou uma sobrancelha
quando me viu soltar o pacote de biscoitos, dando-me por
vencida. Senti coisas estranhas fazerem a minha pele
formigar.
— Desculpe — pronunciei, tentando me livrar do
embaraço. A situação se agravou no instante em que ele
sorriu. Era um sorriso bonito e genuíno, deixando à mostra
dentes brancos e com um alinhamento perfeito.
Aquilo foi a minha perdição.
— Sem problemas — ele estendeu o pacote de
biscoitos. — Eu acho que isso é seu.
— Bom, eu... — gaguejei. Enfiando as mãos nos
bolsos traseiros da minha calça, procurei a todo custo não
parecer como uma idiota. — Agradeço o seu gesto, mas
pode ficar com ele.
— Você sabe que rejeitar cookies com gotas de
chocolate é praticamente um pecado, certo? — ao ouvir
aquilo eu não consegui fazer nada além de soltar uma
risadinha que em outras circunstâncias eu consideraria
vergonhosa.
Fala sério, Faith!
— Bem... eu não quis dizer que não gosto. Mas é o
último pacote disponível e eu tenho um fechado em casa,
então, analisando a situação, acho que você tem mais
necessidade que eu no momento.
Ele sorriu e inclinou a cabeça, analisando-me por um
breve instante.
— A prática do altruísmo é uma virtude que pouca
gente possui, e os que a possuem dificilmente conseguem
manter — comentou. — Estou impressionado.
— Eu aprendi desde muito jovem a pensar nas
pessoas além de mim — respondi, um pouco constrangida.
— Então, é isso. Fique com os benditos biscoitos.
Algo como um leve encolher de ombros se destacou
em sua postura e de uma maneira esquisita julguei o gesto
como adorável.
— Já que você garante não ter problema com isso,
não irei recusar — falou. — Com licença.
E assim, da mesma forma como surgiu, ele
desapareceu.
Fiquei alguns minutos ali parada, tentando recuperar
minha coordenação motora e pôr minhas pernas para
funcionar. Da respiração eu já havia desistido.
Depois de pegar mais algumas coisas de que
precisava, fui direto para o caixa. Meus olhos vaguearam
por algumas vezes, distraidamente, à procura do tatuado
bonitão; contudo, não havia nem sinal dele.
É claro que não haveria. Um cara como aquele
estaria, no mínimo, com sua companheira fazendo
compras. Apesar de eu não ter notado nenhuma aliança em
seu dedo, nada impedia de ele ter uma namorada, certo?
Sem chances para você, Faith.
— Ei, você não vai andar, não? — o resmungo veio
de uma senhora atrás de mim. Ela me olhava impaciente e
visivelmente irritada.
— Desculpe — pedi antes de adiantar meu caminho e
passar as compras no caixa.
Ao sair do supermercado, fui direto para o
estacionamento e pus todas as sacolas pesadas no porta-
malas, relaxando meus ombros antes de assumir o banco
do motorista. Me apressei em ligar o carro e quando girei
a chave de ignição, o único barulho que ele fez foi um
clique irritante.
Tentei mais uma vez, para me certificar de que não
havia feito nada de errado, e na terceira tentativa desisti,
socando o volante e xingando baixinho.
— Ótimo! — ironizei, irritada. — Eu sabia que você
iria me deixar na mão um dia. Grande merda...
— Eu pensei que garotas bonitas nunca falassem
palavrões.
Pulei de susto ao ouvir aquela voz e, como a grande
idiota que eu era, bati com força minha cabeça no teto do
carro.
— Ouch! — meu rosto provavelmente parecia um
tomate devido à vergonha.
Será que eu não dou uma dentro perto desse cara?
— Você está bem? — ele franziu o cenho, ainda
agachado para me encarar através da janela do carro.
— Eu estou bem — ele se afastou para que eu
pudesse abrir a porta e sair. — Bom, e garotas como eu
não falam palavrões o tempo todo, somente quando o seu
carro resolve parar de funcionar no meio do
estacionamento de um supermercado.
Ele fez uma pausa, antes de falar:
— Eu posso te dar uma carona, se quiser.
Balancei a mão no ar, descartando aquela ideia.
— Não precisa, é sério. Eu moro perto, são apenas
alguns minutos andando.
— Mas você está cheia de sacolas pesadas —
argumentou. — E além disso, você cedeu um pacote de
cookies com gotas de chocolate para mim. Acho que o
mínimo que eu poderia fazer neste momento seria te
ajudar.
Fitei seu rosto por alguns instantes. Vários, talvez.
Sua barba estava por fazer e aquilo de uma forma estranha
me remeteu a guiar meus olhos para os seus lábios bonitos
que se curvavam em mais um sorriso encantador. Nos
olhos verdes havia um brilho que eu deduzi que poucas
mulheres conseguiam resistir.
Seria muito louco eu aceitar carona de um estranho?
Obviamente sim, mas eu estava com o meu celular
carregado e, além do mais, era dia, fim de semana e a
cidade estava bastante movimentada.
Libertando-me dos meus pensamentos, cedi,
ajudando-o a pôr minhas compras no porta-malas do seu
automóvel que estava a alguns metros dali.
O carro dele, diferente do meu Volvo 960 de segunda
mão que fedia a combustível e couro, era um belíssimo
Jeep com pintura preta e fosca e vidros fumê. Fiquei por
um momento parada diante do veículo sem saber o que
fazer até ele resolver abrir a porta do carona para mim.
Com um agradecimento tímido me sentei, pondo
minha bolsa sobre meu colo e aguardei ele assumir o
banco do motorista.
— Então — falou, enquanto ligava o motor —, para
onde iremos?
— O quê?
Ele sorriu.
— Onde você mora?
— Ah — sorri de volta, tentando deixar menos
constrangedora a minha confusão e passei o meu endereço
para ele que pôs o carro em movimento e pegou a estrada.
Eu estava bastante nervosa. Não apenas pelo fato de
estar dividindo um carro com um desconhecido, mas um
desconhecido como aquele.
Meu irmão, provavelmente, me mataria se soubesse.
Observei em silêncio a forma como manipulava o
volante com uma autoconfiança que eu só vira em Marcel.
Os cabelos castanhos e bem cortados e a barba rala não o
deixava nem um pouco parecido com o meu irmão, mas
ele era grande e... caramba, por que eu estava pensando
naquilo? Ele era só um cara que eu conhecera no
supermercado algumas horas atrás. Um cara gostoso que
tinha um sorriso lindo e um corpo que faria qualquer
celibatária salivar, mas continuava sendo um estranho e
nós, provavelmente, depois daquela carona nunca mais
nos veríamos.
— Clinton Hill me parece um bairro bom — ele
comentou enquanto fazia uma curva. — Suponho que você
não seja do tipo de garota que costuma sair muito.
— Está tão evidente assim?
— Mais ou menos — respondeu, e me perguntei se
aquilo era um bom sinal, quando ele acrescentou: —
Certos locais do Brooklyn são... tranquilos demais, por
assim dizer. Não creio que seja o melhor lugar para se
morar quando está em busca de diversão.
Mordi o lábio para reprimir um sorriso. Ele não era
o primeiro a me dizer aquilo.
— Nem tanto. Dá para passar o dia divertindo-se no
Brooklyn Bridge Park, ir à Coney Island durante o verão
e até assistir a uma partida de basquete no Barclay’s
Center.
Ele voltou a me encarar.
— Então você curte esporte.
— Eu adoro.
— Beisebol? — arriscou.
— O meu predileto.
— Isso é sensacional — ele disse. — Só não me diga
que você torce para o Yankees.
Sorri desafiadora.
— Você tem um belo senso de intuição.
Ele franziu o nariz, divertido.
— Bom, já era de se imaginar que você possuía ao
menos um defeito.
Não consegui conter a risada. Ele estava me
provocando.
— Você me parece ser um cara legal — torci o lábio,
resolvendo entrar no seu jogo. — Portanto, eu irei relevar
o fato de que você acabou de ofender o meu time de
beisebol preferido.
— Eu acho que tenho um ponto — ele me olhou por
alguns segundos, o que já estava me deixando um pouco
envergonhada, e voltou a falar: — Gostei de você, mas
pelo visto é um pouco tímida, não é?
Pus uma mecha de cabelo atrás da orelha para ganhar
tempo de formular uma resposta não tão vergonhosa,
entretanto nada vinha em minha mente. Desde quando eu
ficava assim diante de um cara? Porém, eu não podia ser
julgada, convenhamos. Ele era alto e forte demais para os
meus 1,68m liderarem sozinhos.
Aquilo era um tanto quanto intimidador.
— Não é nada disso, eu só... não sou muito de
conversar com estranhos — soltei.
Ele arqueou uma sobrancelha e me fitou, divertimento
dançando em seu olhar.
— Suponho que ainda seja um estranho pra você —
balancei a cabeça em afirmativa e ele sorriu ainda mais.
Eu estava gostando daquilo. — Ok, eu acho que depois
dessa, mereço uma chance de mudar isso. Você está com
pressa? Tem algo para fazer depois daqui?
Era sábado e o programa mais excitante que me
aguardava em casa era assistir aos episódios de Grey’s
Anatomy e devorar uma boa e velha fatia de pizza
gordurosa com algum pedaço de Brownie como
sobremesa.
Certo. Minha vida era realmente algo deprimente.
— Eu não tenho nada de muito interessante —
limitei-me a dizer.
— Ótimo — ele fez uma curva na próxima rua e,
antes que eu pudesse lhe perguntar mais algo, percebi que
estacionava em frente a um Cookie Shop.
— Acho que estou lhe devendo um cookie — ele
disse, sorrindo daquele jeito que eu já estava começando
a achar encantador.
Sorri de volta para ele e me apressei em pegar a
bolsa no meu colo e pôr no meu ombro, ao passo que ele
já dava a volta e abria a porta do Jeep para mim.
Agradeci o gesto e dei uma olhada na fachada do
estabelecimento que mais parecia uma filial menor e um
pouco menos feminina da Magnolia Bakery, com sua
fachada em tons claros e envidraçada, permitindo aos
clientes ter uma visão da movimentação exterior enquanto
se deliciava.
Ele pôs educadamente a mão em minhas costas e
seguimos em direção ao Cookie Shop. A porta de vidro
com um logotipo cor de rosa estampado foi aberta por ele
e eu passei primeiro, sentindo de imediato o cheiro bom
de biscoitos assando. Podem existir coisas boas no mundo
e aromas inimagináveis. Mas nada se compara ao cheiro
de biscoitos caseiros sendo assados.
Eu já estava salivando.
Ele se aproximou de uma mesa e eu o segui,
sentando-me quando uma cadeira foi arrastada para mim.
— Espero que você goste daqui — disse. — É
tranquilo, aconchegante e eles servem um dos melhores
cookies da região.
— Me parece muito bom — sorri.
Ele pegou um dos cardápios ovais e estendeu as
sobrancelhas, parecendo analisar as opções.
— E então, o que vai querer?
— Chocolate parece bom.
Consegui arrancar dele outro sorriso.
— Boa pedida.
Ele se levantou e foi até o balcão portando duas
comandas. Eu notei de relance ele conversar com a moça
do balcão. Ela corava e mexia várias vezes no cabelo —
gestos nítidos de alguém que estava flertando com um
cara. Eu não a julguei, afinal ele era bonito.
Um homem bonito e estranho! Aquele pensamento
ainda me atormentava, como se fosse uma ideia muito
estúpida eu ter aceitado tão facilmente estar ali com ele.
Mas que mal ele poderia fazer à mim, afinal? Era dia e
havia outras pessoas no estabelecimento... Merda, Faith!
Pare com isso.
Malditos anos os que vivi sob as asas de Marcel! Eu
já estava começando a agir de forma ridícula.
Minutos depois, ele voltou para a mesa com uma
bandeja e retirou de lá dois pratinhos com cookies
recheados. Ofereceu-me um e tomou outro para si. Havia
duas canecas fumegantes de chocolate quente ali também.
— Como um bom observador, notei que você não tem
problema algum com chocolate, então resolvi lhe trazer
um chocolate quente para acompanhar.
— Está ótimo, obrigada — agradeci e aproximei o
recipiente dos lábios para tomar um gole.
— Bom, garota bonita devoradora de chocolate, o
que eu preciso dizer sobre mim para não ser mais um
estranho pra você?
Ergui minha cabeça e dei de ombros sutilmente.
— O que você quiser me contar.
— Certo... — ele ponderou por alguns segundos. —
Eu tenho vinte e nove anos, torço para os Mets, não fumo,
mas bebo às vezes. Nasci em Detroit, no Michigan e me
mudei para Nova York aos dezessete anos de idade. Dos
dezoito aos vinte e quatro eu fui lutador, me especializei
em Ciências da Computação e hoje lido com informática.
Uau.
— Você trabalha com informática? — exclamei sem
conter minha surpresa. — Tipo, como um... hacker?
— O que foi? — ele parecia se divertir com a
situação. — Só por que eu não tenho cara de nerd, não
posso trabalhar com informática?
— Não é isso! Não me leve a mal, mas é que... sei lá!
Eu poderia imaginar qualquer coisa, menos isso.
— As aparências enganam — aquelas palavras
saíram arrastadas da boca dele. — E quanto a você?
Trabalha com o quê?
— Eu sou atriz — respondi, analisando sua reação.
Mas, diferente de Marcel, ele esboçou interesse, o que me
fez relaxar um pouco.
— Impressionante — falou. — E em que parte,
exatamente, você atua?
— Peças. Alguns musicais. Eu também faço trabalho
voluntário alguns dias da semana em clínicas infantis
especializadas no câncer.
— Muito bonito de sua parte, mas... revidando o seu
comentário, você não tem cara de atriz.
Eu franzi o cenho.
— Por que não?
— Você sabe... — inclinou o queixo em minha
direção. — Tímida demais.
Era a segunda vez que ele comentava aquilo, o que
não era verdade, pois eu não era tímida — não com as
outras pessoas. Todavia, havia algo nele que me deixava
desconcertada e eu não podia evitar.
Baixei o olhar, o que o fez rir. Merda!
— Eu não disse? — falou. — Mas não se preocupe.
Gosto disso também.
Bom. Deus.
— Hm, bem, você disse que não fuma, certo? —
gaguejei, tentando mudar de assunto.
— Mais ou menos — ele respondeu.
— Mais ou menos? — perguntei confusa.
— Sim. Digamos que... eu já fui fumante, bebi demais
e usei todas as porcarias prejudiciais que você possa
imaginar, mas hoje em dia eu tenho metas a serem
alcançadas e esses vícios me atrapalhariam de qualquer
maneira. Resolvi cortar.
— É uma decisão sensata — opinei, apoiando meus
cotovelos sobre a mesa, de mãos cruzadas. Curvei meus
lábios para cima de forma sutil. — Hacker, ex-lutador,
não fuma e mal bebe... — estreitei os olhos. —
Considerando que seja uma boa hora para devolver o seu
comentário de instantes atrás, eu gostaria de saber se
existe algum defeito que você possui, além de torcer para
os Mets.
Ele sorriu de lado e se inclinou em minha direção.
Sua mão parou na colher que mexia o chocolate na caneca
e ele murmurou:
— Eu mato pessoas.
Senti minhas orelhas esquentarem e entreabri os
lábios, tensa. Foi quando ele sorriu ainda mais — na
verdade ele gargalhou, com aqueles malditos dentes que
pareciam surreais de tão perfeitos expostos para mim.
— Minha nossa, você deveria ter visto a sua cara —
ele ainda ria. — Desculpe, mas é que você fica linda
quando se desconcerta e eu não pude evitar a
oportunidade.
Oh, uau!
Soltei um riso nervoso. Ele tinha senso de humor,
pelo menos, certo?
— Tudo bem — eu disse. — E obrigada pela parte
que me toca. Eu geralmente coro quando fico nervosa. E,
bom, eu começo a falar demais também.
— Sem problemas — percebi seu olhar descer até o
meu colo. Porém, para a minha surpresa, ele fitava a
minha gargantilha e não os meus seios. Mais um ponto
pra ele. — Pelo visto você gosta de borboletas, hein?
Ele acenou como queixo para a joia, depois para a
tatuagem pequena em meu pulso — a única que eu tinha e
que definitivamente não se comparava àquelas obras de
arte ornamentando sua pele bronzeada e malditamente
tentadora.
— Sim, eu gosto — estendi o pulso e passei
involuntariamente o dedo sobre o desenho colorido. —
Borboletas são bonitas e vibrantes e aparentam sempre
tão alegres. Verdadeiros exemplos de vida, se pararmos
para pensar. Elas nascem sendo bichos aprisionados por
suas limitações e se transformam em um belo inseto,
encontrando nessa transformação a oportunidade de serem
livres.
— Livres por pouco tempo — salientou. —
Borboletas não duram muito, você sabe. Algumas
possuem uma média de vida de, no máximo, um ano.
— Você é sempre assim, tão realista? — brinquei e
ele riu dando de ombros. — Você tem razão, mas todos
nós teremos que morrer um dia. O que determina se sua
existência vale a pena ou não, é a forma como você a
vivencia.
Ele ainda me encarava, de forma analisadora.
— Você não tem medo de morrer?
Suspirei.
— Eu tenho medo de ser esquecida. De não fazer a
diferença, de alguma forma. Como eu disse, tudo depende
da forma como você vivencia. A diferença em sua
passagem na Terra se faz quando você se torna
inesquecível. Essa é a única maneira de se tornar imortal.
— Faz sentido — ele piscou para mim. — Vejo que
tenho muito a aprender com você, garota bonita.
☆☆☆
Já era tarde quando o Jeep parou bem em frente ao
meu prédio.
— Entregue, senhorita — ele disse enquanto eu me
adiantava em sair do carro.
— Obrigada — agradeci, dando a volta com ele até o
porta-malas. — Foi muita gentileza sua ter me levado até
o Cookie Shop e se oferecido para me trazer até aqui.
— Não foi nada. Quer que eu ajude a levar as coisas
lá para cima?
— Não precisa. Eu consigo me virar — recusei. —
Obrigada de novo.
— Certo — ele me entregou a última sacola e ficou
ali, parado com as mãos nos bolsos dianteiros da calça,
observando meu rosto ficar ruborizado pela milésima vez
naquele dia. — Descobrimos tanta coisa um do outro, mas
você ainda não me disse o seu nome.
Era verdade. Me dei um chute por dentro com aquele
pensamento. Que desatenta eu fui.
— Faith Bloom — respondi com um sorriso. — E
você, quem é?
Por alguns segundos ele apenas me fitou. Seus olhos
num tom de verde escuros, sustentavam uma intensidade
que fazia minhas pernas fraquejarem.
— Foi um prazer conhecer você, Faith — ele me
estendeu uma mão, que eu segurei com os dedos gelados.
Sorriu de volta, os olhos ainda fixos em mim, e
respondeu: — Eu me chamo Derek. Derek Rushell.
2: O Bote
Derek
Faith
Escuridão.
Foi a primeira coisa que meu cérebro registrou no
instante em que eu abri os meus olhos.
Remexi-me da forma que foi possível sobre a
superfície em que eu me encontrava e senti imediatamente
a dormência que se alastrava pelas minhas mãos unidas.
Meu peito pulsava intensamente com as batidas do meu
coração descompassado, minha boca estava seca como se
houvesse algodão preenchendo-a por completo e senti a
minha língua colar à minha garganta, tamanha sede que eu
sentia.
Eu não sabia onde estava. Apenas que havia algo
macio abaixo das minhas costas. Meus ombros doíam com
as minhas mãos amarradas para o alto e os meus
tornozelos também estavam doloridos e atados.
Puxei minhas mãos com força, tentando — mais por
motivos de instinto — me livrar das malditas amarras,
então uma voz feminina estalou, paralisando-me
instantaneamente:
— Se eu fosse você não tentaria fazer isso.
Senti todo o sangue se esvair do meu sistema. Tentei
abrir e fechar os meus olhos mais uma vez e concluí que o
gesto era inútil, levando em conta o fato de haver algo os
tampando. Uma espécie de capuz, talvez, que cobria toda
a minha cabeça.
— O que está havendo? — minha voz saiu abafada.
— Onde estou?
— A única coisa que você deve saber é que está
viva, princesa — debochou a voz feminina. — Isso basta.
Eu não me lembrava de muita coisa. Apenas que
havia sentido muito sono na tarde anterior, deitara-me
para dormir e, quando acordei, já estava aqui. Será que
era algum pesadelo? Mas aquelas amarras eram firmes e
dolorosas demais para não serem reais.
Oh, meu Deus!
— Me solte! — comecei a me desesperar,
remexendo-me.
— Acalme-se, doce Faith. Ninguém vai lhe fazer mal
algum... ainda.
Paralisei.
Aquela voz. As ondas sonoras saídas de uma forma
tão cortante e suave, impregnaram em meus ouvidos e
pareciam flutuar no ar como minúsculas partículas
invisíveis.
Como ele podia ter uma voz tão tranquilizadora e
ao mesmo tempo tão letal?
— O-o que... — minha voz falhou. — O que está
acontecendo?
Não obtive resposta. Apenas ouvi passos vindo em
minha direção e a minha espinha se enrijeceu
imediatamente. Quando o capuz foi retirado do meu rosto,
minhas pupilas tremeluziram para que eu me adaptasse à
luz vinda da janela e meus olhos encontraram os seus.
Diferente do dia em que o conheci, ele estava sério.
A expressão gentil dando lugar a um olhar letal.
— Você... — sussurrei, apavorada. — Oh, meu
Deus...
— É um prazer rever você, doce Faith — ele sorriu
sem dar a mínima para o meu desespero e confusão,
ambos muito notáveis.
Puxei novamente as minhas mãos e voltei a me
desesperar.
— Me solte! — eu gritava. — Me tire daqui! Me
solte!
— Pare com isso, já! — ele latiu, me vendo me
debater presa àquela cama.
Mas eu não parei de me remexer e tentar me livrar
daquilo, mesmo com seus olhos assustadores sobre mim.
— Pelo visto vai ser uma dor na bunda lidar com ela
— a mulher disse. — Se você quiser eu posso...
— Não ouse encostar um dedo sequer em mim, sua
vadia! — rosnei, não reconhecendo o meu comportamento
tão agressivo. Mas eu não estava em condições de medir
os meus atos para com o próximo, convenhamos.
Mal tive tempo de respirar para o que veio em
seguida. Em um segundo eu estava perdida em meus
pensamentos; no outro, um tapa era desferido em meu
rosto. Ardeu. Odiei a cadela ainda mais e tive certeza que
a estapearia de volta se fosse em outra situação.
Percebi o maxilar do homem se tensionar, seu olhar
ficando ainda mais duro e uma respiração pesada deixou o
ambiente tenso. Segundos passaram até ele finalmente fitar
o rosto magro da loira esquisita e sibilar acidamente:
— Eu disse que podia bater nela?
A mulher pareceu surpreender-se um pouco com a
atitude dele.
— Derek, eu não estou entendendo, nós...
— Eu vou perguntar mais uma vez, Holly — ele
repetiu. — Eu disse que podia bater nela?
Ela ficou estática. Parecia irritada, mas ao mesmo
tempo com medo.
— Não.
— Exatamente. Eu não ordenei que batesse nela,
portanto você nunca mais faça algo cuja ordem eu não
decretei.
— Mas a cadela me chamou de vadia! —
argumentou.
— Você é uma vadia, querida — refutou calmamente.
— Agora nos deixe a sós.
— Derek...
— Dê o fora!
Ela fez cara feia, me olhando como se fosse capaz de
comer o meu fígado no almoço se tivesse oportunidade,
mas obedeceu a ordem.
Quando já estávamos a sós, ele veio até mim, seus
olhos verdes me analisando intensamente. Encolhi-me
quando ele chegou mais perto. Confusão me tomou no
instante em que ele começou a desatar o nó das minhas
mãos e depois dos pés. Mesmo livre, eu não conseguia me
mover. Seu olhar era algo hipnotizante. E ameaçador.
Terrivelmente ameaçador.
— Agora somos só você e eu, doce Faith — sua voz
era baixa e malditamente calma. — Se tentar fugir, a morte
será a sua única saída.
Com olhar predador, Derek se aproximou de mim.
Olhos faiscando com algo que me dizia que eu não iria
sair daquela tão facilmente.
Puxando uma cadeira de madeira que mantinha-se
prostrada ao lado da cama em que eu me encontrava, ele
se sentou diante de mim. Seus olhos em momento algum
desviaram dos meus.
— Você sabe quem eu sou?
Não respondi. Mantive-me quieta, apenas fitando seu
rosto e observando a barba rala que ainda estava ali. Ele
suspirou impaciente.
— Você não está colaborando em nada, doce Faith.
Perguntarei mais uma vez: você sabe quem diabos eu sou?
— Eu acho que sim — respondi a contragosto.
— Quem sou eu, Faith?
— Derek... Rushell — eu disse. — Ao menos foi o
que você me disse.
— Muito bem — ele inclinou a cabeça. — E você
sabe por que está aqui?
— Não, inferno! O que eu fiz para você? — por um
momento eu pensei em socá-lo, me levantar e correr, mas
ele estava muito perto.
Perto demais.
— Às vezes não é necessário cometer exatamente
algo, Faith — sua voz não se alterava em momento algum.
— Talvez nós cavamos nossa própria cova pelo inocente
fato de tomar decisões errados, estar no local errado... ou
até mesmo nascer na família errada.
Agora, sim, eu entendia tudo!
Já havia visto em noticiários e até em filmes a forma
como aqueles criminosos agiam. Eles ganhavam a
confiança da vítima, as sequestravam e depois exigiam
uma bolada como resgate. E quem melhor para se
sequestrar senão a irmã mais nova de um dos maiores
empresários de Nova York?
— Então é isso, não é? — eu disse. — Você quer o
dinheiro do meu irmão? Pois bem, deixe-me lhe dizer uma
coisa: eu lhe dou a merda do dinheiro, só me deixe ir
embora.
— Tão bonita, mas tão tola — replicou, sem mudar o
tom. — Eu não quero o dinheiro do seu irmão, Faith. Eu
definitivamente não quero nada que envolva a conta
bancária do filho da puta do seu irmão. O que eu quero é
bem mais que isso. Vale muito mais que isso. Eu quero o
sangue de vocês dois, você me entendeu agora?
Oh, merda.
Comecei a ficar ainda mais tensa. Afastei-me o
quanto pude dele, recostando-me no espaldar da cama de
solteiro. Meus olhos relanceando para os cantos do
quarto, em busca de algo que pudesse me livrar daquela
situação. Mas não havia nada.
Eu estava sozinha, perdida e havia um sádico dizendo
querer meu sangue, mantendo-me cativa.
— P-por quê? — minha voz saiu com um bom grau
de desespero. — Olha, se foi algo que eu disse ou fiz...
me desculpe, não foi a minha intenção.
— Você foi uma garota bastante educada, Faith. Não
se preocupe.
— Então é alguma rixa antiga? Vocês são inimigos ou
algo assim?
— Quase isso — ele suspirou. — Marcel me tirou
algo muito importante. E eu estou disposto a tirar algo de
importância dele também.
— Mas... eu não entendo — tentei me manter calma,
mas estava ficando bem difícil. — Desculpe. Seja lá o
que ele tenha feito. Eu não tenho culpa, não estou sabendo
de nada...
— É claro que não.
A sua calma já estava me irritando. O medo deu lugar
à fúria e eu senti vontade de xingá-lo dos piores palavrões
possíveis, mas era óbvio que eu faria aquilo somente em
pensamento. Não era burra a tal ponto.
— Isso não vai durar por muito tempo — avisei. —
Meu irmão sentirá a minha falta e ele... ele vai me
procurar. Vai mandar a polícia atrás de você.
— Oh, é mesmo? — ele caçoou. — Seu irmão não
arriscaria sua maldita bunda envolvendo a polícia nisso,
querida. Seu irmão é tão sujo quanto eu.
O quê? Eu não podia acreditar naquilo.
— O que quer dizer com isso?
— Marcel é um assassino, um contrabandista. O
dinheiro que ele faz crescer vem do tráfico de armas e
mulheres por todo o continente. O seu irmão não é nada
menos do que um criminoso.
Balancei a cabeça com veemência.
— Isso é mentira! Você não conhece o meu irmão.
Não sabe nada sobre ele.
— Sei bem mais do que você imagina.
Pausei por um instante. Ele estava tentando me
convencer de que Marcel era o verdadeiro bandido
naquela história? Quando ele quem me iludira, sequestrara
e me enfiara em um quarto?
— Você está tentando me convencer de que o meu
irmão é um criminoso?
— Não estou tentando nada, mas sinto lhe informar
que ele é um de primeira linha.
— Eu não acredito em você!
— É uma pena — ele ainda se mantinha tranquilo. —
Não te obrigarei a acreditar em mim, no entanto. Não
importa o que diga ou o que tente, você é minha agora.
— Pra isso você vai ter que me matar primeiro,
babaca — cuspi, furiosa.
Ele chegou até mim. Recuei.
Mais um passo. Recuei novamente.
Quando não havia mais espaço para me esquivar, sua
mão agarrou um punhado do meu cabelo, forçando-me a
fitar seus olhos intensos.
— Tola... — sua língua traçou um caminho curto e
arrepiante desde a base da minha nuca até a minha orelha.
— Eu vou fazer com você o que bem quiser, Faith. Irei
foder essa sua linda cabecinha. Você será minha, sua
mente será minha. Até a sua alma eu vou possuir. —
Minha respiração se acelerou quando ele recostou seus
lábios quentes e molhados bem próximos ao meu ouvido,
e voltou a murmurar com sua armadilha em forma de
ondas sonoras: — Depois eu irei matar você. Na frente
dele. Será olho por olho, dente por dente.
E assim, ele se levantou, me deixando sozinha no
quarto.
Ouvi apenas o clique da porta sendo travada e
percebi que os meus dias no inferno estavam apenas
começando.
4: Sem Rastros
Derek
Faith
Derek
Faith
Eu nunca fora muito fã da reclusão. Ainda que morar
sozinha tenha sido uma decisão unicamente minha,
momentos solitários geralmente me impeliam a recordar
com muita facilidade do quão vazia era a minha vida.
Eu só havia tido um único namorado sério em toda a
minha existência. Um namorado que deixara traumas
inolvidáveis e feridas abertas na alma, com as quais eu
tive que lidar sozinha em torno de um bom tempo. Eu era
uma pessoa de poucas relações, sem muitos amigos e
presa em um estágio deplorável de carência. Eu gostava
de mascarar aquilo como sendo autossuficiência, mas eu
sabia, no âmago do meu ser, que nada do que eu retratava
para mim mesma e para os demais era verdade.
Eu só queria alguém. Um alguém que não fosse tão
problemático quanto eu e que estivesse bem em conviver
com as minhas merdas.
Aproximadamente um ano atrás, eu tentara transar
com um colega da faculdade. Seu nome era Troy e ele
viera da Austrália para estudar música na NYU e morar
com sua avó. Troy tinha um sotaque interessante, voz
bonita e cabelos legais. Ele gostava das mesmas músicas
que eu e assistia às mesmas séries. Foi em uma festa na
casa de Sierra, quando as coisas começaram a esquentar
entre a gente e eu decidi que seria uma boa ideia levá-lo
para o meu apartamento. Nós nos conhecíamos havia mais
de um ano e sempre nos demos bem. Mas eu não havia
medido as consequências das minhas escolhas e sofri por
cada uma delas no instante em que chegamos em minha
casa. No instante em que ele tirou a minha roupa, e no
maldito instante em que ele se deparou com tudo aquilo
que eu sempre lutei para esconder.
Eu não o culpei; final, ninguém é obrigado a fazer
sexo com alguém como eu. Uma garota cheia de marcas
profundas por dentro e por fora. Eu não sabia o que havia
doído mais: se fora a forma como ele olhou para o meu
corpo — um olhar que me fazia sentir diminuta e feia —
ou relembrar da época em que eu fui nada menos do que a
vadia burra e submissa que permitia as merdas doentias
de um cara.
No momento em que Troy alegara estar sem
camisinhas, preparando-se para dar o fora da minha casa
como um fugitivo da polícia, eu apenas assenti, fingindo
engolir sua desculpa esfarrapada, ao passo que ele fingia
não ter visto nada. Ao menos ele não comentara nada a
respeito com ninguém. Ele não era esse tipo de cara.
Aquela foi a última vez que eu decidi ir para a cama
com alguém. Foi a última vez que eu decidi permitir que
alguém tocasse no meu corpo e enxergasse nada mais do
que aquilo que eu estava disposta a mostrar. E se eu
morresse sem mais uma única noite de sexo — coisa que
eu já estava imaginando que fosse acontecer em breve —
eu não me importava, considerando o fato de que homem
nenhum pudesse me ver nua.
Simon não havia me deixado apenas marcas
psicológicas. Ele deixara marcas no meu corpo. Como
uma penitência que eu era obrigada a pagar diariamente
por acreditar em suas palavras doces e venenosas.
— Vai ficar aí me olhando o tempo todo? — ataquei,
menos incomodada do que tentava aparentar. Eu não havia
tido uma noite muito boa, repleta de sonhos indesejáveis
que continha muito sangue, tiros e socos. Eu não estava
nada bem com a ideia de estar presa por dias, e algo se
retorcia em meu estômago somente em visualizar o corpo
alto e proporcionalmente musculoso do homem à minha
frente.
Derek cruzou os braços sobre o peito largo, piorando
a situação e eu me forcei a desviar os olhos da rigidez
bem marcada que se evidenciou em sua camisa clara,
irritada com a minha reação ridícula.
Céus, eu só podia ser mentalmente doente.
— Não gosta que te observem? — ele questionou,
sem ainda desviar os olhos dos meus. — Você é uma atriz,
afinal.
— Não gosto que você me observe — retruquei,
enfatizando a palavra.
Dei uma última garfada nos ovos mexidos do meu
café da manhã e mastiguei-os logo em seguida. Pus a
bandeja no chão enquanto engolia o restante do alimento e
me recostei no espaldar da cama. Meus cabelos
provavelmente estavam parecendo um ninho e passei as
mãos por eles. Não que eu me importasse em ficar bonita
diante daqueles dois idiotas, mas no mínimo uma boa
higiene eu gostaria de manter.
De repente, dúvidas pipocaram em meu cérebro. Por
quanto tempo eu ficaria presa, afinal? Eu precisaria de um
bom shampoo, absorventes internos e roupas limpas. Mas,
pensando bem, não seria necessário nada daquilo quando
eu estivesse morta.
Oh, Deus.
Olhei diretamente para Derek, conforme ele se
aproximava e apanhava a bandeja no chão.
— Agora você que está me observando — pontuou,
erguendo-se. — O que há?
— Por quanto tempo você pretende me manter aqui?
— perguntei, tentando conter a ponta de desespero e
melancolia que insistia atravessar a linha tênue do meu
autocontrole.
— Não interessa.
— Já que eu sou sua prisioneira, você não poderia ao
menos me manter a par do que provavelmente vai
acontecer comigo? — argumentei.
— Sim, claro que eu posso. Mas não vou — sorriu.
— Passar bem, Faith.
Imbecil!
Horas depois, o bastardo reapareceu no quarto.
Deixou uma bandeja em cima da minha cama e, como da
primeira vez, observou-me comer toda a comida, feito
uma criança que se recusa a se alimentar e necessita de
vista grossa da mãe.
Terminei a refeição e meus olhos se voltaram para a
porta no instante em que Holly adentrou o quarto e se
juntou a nós. Ela carregava uma bolsa aparentemente
pesada, a expressão de desagrado sempre presente.
— Obrigado, Holly, pode se retirar — Derek disse.
E como o bom cãozinho de guarda que era, assim ela
o fez. Senti uma certa compaixão pela mulher.
— Você sempre a tratou assim? — perguntei. —
Como seu animal de estimação?
Derek olhou-me com aquele ar sisudo e pose
intimidadora, e então me respondeu:
— Não é da sua conta como eu lido com os meus
assuntos.
— Seus assuntos? — soltei um ruído de escárnio.
Estava sendo uma idiota, mas não podia deixar de
debochar da situação. — Ouça a si mesmo. Você é o cara
mais louco e babaca que eu já conheci.
— E você é uma cadela extremamente irritante — era
a segunda vez que o filho da puta me chamava de cadela.
— Levante-se.
Encolhi-me em cima da cama no instante em que ele
veio em minha direção.
Merda, o que ele iria fazer? Eu havia extrapolado em
minhas perguntas, óbvio! Será que ele iria me bater ou
tentar algo pior?
Tentei lhe empurrar, conforme ele chegava até mim e
agarrava com força os meus braços. O pânico crescente se
instalou em meu corpo, fazendo com que todo o sangue do
meu sistema percorresse violentamente sua trilha, ao
passo que eu começava a me dar conta do que
possivelmente estava prestes a acontecer.
Grande. Fodida. Merda.
— Tire suas mãos de mim! — rosnei, sentindo um
misto de raiva, medo e desespero. Comecei a espernear,
tentar chutá-lo e arranhá-lo, mas ele não foi piedoso. Suas
mãos ainda estavam tão firmes em meus braços que eu já
estava começando a sentir dor.
— Eu não vou falar de novo, Faith. Levante-se!
Quando não o obedeci, ele puxou com mais força os
meus braços, ocasionando em um rasgo feio na alça do
meu pijama. Parte de um dos meus seios ficou nua e eu
retraí-me instantaneamente, sentindo-me exposta e
totalmente vulnerável.
As lágrimas começaram a forçar saída por meus
olhos, meu nariz ardeu e eu mordi o lábio. Estremeci ao
notar a fúria e impaciência estampada em seus olhos
verdes.
— Porra, inferno, você não colabora! — Derek
praguejou e rapidamente me pegou no colo, lançando-me
sobre o ombro como um maldito homem das cavernas.
Tentei me debater enquanto ele me levava para fora
do quarto, em direção ao corredor. Esmurrei-o, esperneei,
tentei mordê-lo e gritar, mas nada fazia efeito. O cretino
era como uma maldita montanha. Comecei a desejar que
Holly estivesse ali comigo em vez de Derek. Ela não
tentaria me violentar a força.
Entrando em mais um cômodo, o qual eu não
consegui enxergar direito devido ao meu pânico, ele me
pôs no chão. Só consegui sentir o chão frio. As lágrimas
ameaçavam descer pelo meu rosto. Eu estava começando
a me sentir nauseada.
— Oh, meu Deus, o que... — calei-me no momento
em que senti o jato frio da água lamber os meus cabelos.
O que diabos aquilo significava?
Permiti-me abrir completamente os meus olhos e me
dei conta: ele ainda estava vestido.
Oh, Deus, ele estava vestido. Muito obrigada.
Então, eu percebi que estava em um banheiro. Mais
precisamente debaixo de um chuveiro. A água estava fria,
mas fazia calor naquele dia, então não me importei muito
com aquilo.
— Tire a roupa — ordenou.
— O quê? — exclamei nervosamente. — Eu não vou
tirar a minha roupa pra você.
— Puta que pariu — com uma certa impaciência,
Derek curvou-se diante de mim e baixou a parte de baixo
do meu pijama em um único gesto. Contudo, ele parou os
movimentos no minuto seguinte.
Congelei junto com ele, sentindo um misto de
lembranças ruins atacarem a minha mente. Estremeci
quando dedos subiram por minha coxa esquerda e ele
traçou de leve uma das marcas suaves e esbranquiçadas
que me acompanharam havia tempos. Era estranho, mas eu
não me senti como no dia em que Troy, o garoto
australiano, me viu nua. O olhar de Derek era diferente.
Não continha repulsa ou pena, aquilo era bem mais
profundo. Uma conexão estranha, algo que eu captei e
nunca havia presenciado antes:
Empatia.
— Onde conseguiu isso? — foi um murmúrio. Seus
olhos ainda permaneciam focados em minha pele.
— Não é da sua conta — empurrei sua mão fora.
Minha voz estava rouca, minhas pernas tremiam e seu
olhar sobre o meu corpo não denunciava nenhuma
conotação sexual, mas eu estava ainda muito nervosa.
Sem mais uma palavra, ele se levantou e abriu uma
das gavetas do armário abaixo da pia. Tirou de lá um
sabonete ainda lacrado e, após retirar o sabonete da
embalagem, veio em minha direção.
— Não me toque — pedi, fazendo com que ele
parasse imediatamente.
Ele apenas me fitou. Eu sabia como ninguém que
estupradores sentiam ainda mais prazer com o desespero
de suas vítimas. Se ele quisesse me violar naquele
banheiro imediatamente, no estado em que eu me
encontrava, com certeza, ele faria. E eu não sabia se
poderia lidar com aquilo dali em diante.
Mas, para a minha surpresa, Derek apenas pôs o
sabonete no suporte ao meu lado e saiu do banheiro por
alguns minutos. Quando retornou, automaticamente me
cobri, afinal estava seminua na frente dele e já havia me
esquecido daquilo. Sem olhar para mim, ele jogou a bolsa
que Holly havia trazido. Analisando, superficialmente,
cogitei serem alguns de meus pertences e — santo Deus
— tinha roupas limpas ali também.
— Seja rápida — disse, ainda de costas. — Se você
demorar mais de dez minutos aqui dentro, eu virei atrás de
você, estando vestida ou não.
No instante em que Derek saiu do banheiro e bateu a
porta atrás de si, eu apanhei tudo o que precisava e
coloquei em um canto na pia.
Peguei um pouco do shampoo que cheirava a hortelã
e ensaboei os meus cabelos. Lavei o máximo que pude,
tanto o meu corpo quanto a minha cabeça, afinal eu não
sabia quando eu teria outra oportunidade de um banho
decente. Esperava que fosse logo.
Após sair do box e me vestir, peguei uma escova de
dentes que Derek havia deixado e abri o armário em busca
de algum tubo de pasta. Enquanto colocava um pouco de
pasta de dente sobre as cerdas da escova, inúmeros
pensamentos vaguearam pela minha cabeça.
Onde eu estava?
Será que era muito distante de Nova York?
Eles teriam um telefone por ali?
E se tivessem, em que lugares costumavam esconder?
Pensei em várias coisas. Pensei em tentar alcançar a
janela do alto, pensei em gritar por socorro e arriscar se
ouvida por algum vizinho. Cheguei até cogitar quebrar o
espelho acima da pia do banheiro e cortar a garganta de
Derek quando ele retornasse, mas aquele pensamento logo
se esvaiu, pois eu não teria coragem de fazer aquilo.
Deus, eu não tinha coragem de ferir uma barata.
Como sairia dali viva?
Eu estava lavando minha boca, quando a porta do
banheiro se abriu de repente, fazendo com que eu desse
um sobressalto.
Por sorte, eu já estava vestida. Os olhos de Derek
passearam brevemente pelo meu par de calças legging
pretas e camiseta de algodão vermelha.
Sem uma palavra, ele abriu mais a porta e se afastou
para o lado, dando espaço para que eu passasse. Eu fiz,
sem me dar ao trabalho de dirigir um olhar a ele.
Percebi que o local em que estávamos era, na
verdade, mais um quarto. Me questionei quantos quartos
havia naquela casa. Aquele era maior que o anterior e
tinha uma cama aparentemente mais confortável. Como o
outro, não possuía janelas baixas, mas a iluminação era
muito melhor também.
E tinha um banheiro.
— Você vai ficar aqui a partir de agora — decretou.
Eu não sabia se deveria agradecê-lo por aquilo,
portanto dei de ombros, afinal eu ainda era uma
prisioneira e não tinha, de fato, o que agradecer. Sentei-
me na cama, constatando que era realmente macia. Puxei o
travesseiro e o abracei contra meu corpo.
— Qual o tamanho dessa casa? — questionei. — E
onde nós estamos, exatamente?
— Boa tentativa — ironizou. — A única coisa que
você precisa saber é que essa casa é minha. Não roubei
de ninguém, se é o que está pensando.
— Você pode não ter roubado a casa, mas deve ter
roubado muitos bancos para conseguir se manter, não é?
Ou deixe-me adivinhar, o sequestro é seu crime predileto.
— Não, Faith, eu tenho um trabalho. E, acredite, ele
não envolve assassinato, muito menos sequestro de
pessoas — respondeu seriamente. — Eu não estava
mentindo quando disse que trabalhava com informática. E
se você quer saber, sim, eu ganho dinheiro com isso.
Muito dinheiro.
Fiquei calada. Eu não sabia se era por reconhecer
que ele não havia mentido para mim ou porque
simplesmente já estava perdendo a graça provocá-lo.
Derek recostou-se contra a porta fechada e cruzou os
braços. Nossos olhares duelaram por alguns instantes
antes de ele resolver voltar a falar:
— Você não vai mesmo me falar sobre as cicatrizes?
— Que diferença faria se eu falasse?
— Nenhuma, eu acho.
— Então não há motivos para tocarmos neste assunto.
Derek suspirou e desceu seu olhar até as minhas
pernas, que agora estavam cobertas, depois subiu
novamente para a minha face.
— Você tem mais delas nas costas também, não é? —
insistiu.
— Por favor, cale a boca — eu fechei meus olhos
com força, me abraçando aos meus joelhos. Raramente eu
agia daquela forma, como uma menina medrosa e
perturbada, mas eu não estava em um bom momento e
definitivamente não precisava que ele agravasse ainda
mais a minha situação.
— Você não deveria se envergonhar delas, Faith —
avisou. — Suas marcas são a confirmação de que você
travou batalhas no passado e venceu todas elas.
Deslizei as mãos para baixo e finalmente olhei para
ele.
— E como você sabe que eu venci?
— Você ainda está aqui — frisou. — Nenhum
guerreiro, por mais invencível que seja, sai de uma guerra
ileso. Mas se este guerreiro sobrevive à todas as batalhas,
essa é a prova de que ele é forte o suficiente para
conseguir triunfar sobre qualquer possível trauma.
Fazia sentido. Eu nunca havia parado para pensar
naquilo de tal maneira, mas talvez ele não fosse muito
diferente de mim. Derek parecia ser o tipo de cara
irredutível, invencível e totalmente fechado. Mas eu sabia
que, no fundo, ele era um alguém quebrado. E pessoas
quebradas tendem a se esconder por trás de suas
máscaras. Eu havia feito isso.
— Você já lutou também, Derek? — minha voz saiu
baixa. Era como se eu estivesse quase certa de que ele
não responderia.
Seu olhar manteve-se grudado no meu por um
milésimo de segundo a mais, então ele desviou os olhos e
me surpreendeu:
— Várias vezes.
E com isso, ele me deixou sozinha no quarto.
Uma coisa que eu percebi e me chamou a atenção:
Derek não havia trancado a porta dessa vez.
8: O (Anti) - Herói
Derek
Se existia algo que eu me obrigara desde muito
jovem a aceitar, era a ideia de eu não ser, nem de longe,
um cara bom. Eu não me considerava a porra de um herói,
muito menos o invejável príncipe encantado descrito nos
romances e contos de fadas. Todavia, você acredite ou
não, eu tinha os meus princípios. Princípios estes que
concediam o primeiro lugar na lista para a aversão
extrema à qualquer espécie de violência contra mulheres.
Bem... Faith seria uma exceção àquela regra. Não que eu
planejasse espancá-la ou coisa do tipo, mas eu teria que
tirar sua vida um dia; contudo, eu ainda mantinha uma boa
parte do meu lado humano acesa. Ou eu acreditava
resguardar, não sabia ao certo.
De uma forma estranha, ver aquelas cicatrizes no
corpo de Faith arrancara uma boa merda de mim. Não que
a garota fosse meu problema ou que eu devesse me
importar com tal conjuntura, mas eu ainda era capaz de me
lembrar do quão assustada ela parecera diante da simples
possibilidade de ser tocada por mim. Era mais que
evidente que marcas como aquelas foram causadas por um
homem — e só Deus sabe quais outros tipos de sujeiras
ele fora capaz de fazer com ela. Em contrapartida, havia o
fato de eu não dever me importar tanto com aquela merda;
afinal, não sobraria muito de Faith quando eu finalmente
decidisse qual seria sua hora certa de morrer.
Ajeitei a gravata coberta pelo paletó cor chumbo do
meu sofisticado conjunto de terno e ocupei uma das
poucas mesas que ali se viam desocupadas. O acolchoado
do assento em que eu me encontrava era macio, revestido
de um couro vermelho e aparentemente caro. Me
permitindo reclinar as costas contra o espaldar do mesmo,
passeei o meu olhar pela boate de iluminação parca.
O local, no qual eu já estivera anteriormente, era
dirigido por um bom grupo de idiotas que mantinham suas
bundas intactas em algum escritório de merda oculto no
subsolo. Marcel, provavelmente, já estaria enviando até
seus cachorros para me procurarem àquela altura e,
apesar do disfarce totalmente formal que eu havia optado
por aderir naquela noite, eu não poderia dar muita
bandeira no local. Mas eu tinha algo a fazer antes de dar o
próximo passo e não iria recuar.
Acenei quase imperceptivelmente para a garota de
cabelos castanhos-acobreados que, parada a um pouco
mais de dez metros de mim, observava-me com uma
ansiedade notória. Ela inspirou fundo, soltando
pesadamente o ar e, instantes depois, caminhou em minha
direção. Parou ao meu lado, aparentemente muito nervosa.
Conforme que ela me fitava, eu podia minuciar os
traços característicos e marcantes de sua nacionalidade
mexicana, como a pele olivada, cabelos escuros e olhos
quase pretos. Diferente do que eu fora capaz de ver na
outra noite, ela não trajava nenhuma fantasia de figuras
artísticas dos anos 50, mas um vestido longo de cor
vermelha e justo que deixava bem notória a sua falta de
peso.
Ainda em silêncio, ajeitei a minha posição no
estofado, dando espaço para que a garota tivesse um
melhor acesso. Ela sentou-se em meu colo, inclinando
sutilmente o tronco em minha direção.
— Tudo pronto? — questionou em um sussurrar.
Qualquer um que nos visse ali, naquela posição,
interpretaria a cena como uma das corriqueiras
exposições que eram acostumados a serem retratadas
naquele ambiente todas as noites.
— Quase pronto — informei. — Eu ainda estou
analisando qual seria a melhor forma de fazer isso. Você
acha que apenas subir e fingir ir para um dos quartos
resolveria?
— Eu creio que não — disse. — Há seguranças lá
em cima, muitos deles. O grupo só foi reforçado desde o
último acontecimento.
— Certo, já era de se imaginar — resmunguei. —
Então só nos resta tirar os seguranças de lá de cima.
Preciso que você vá até o banheiro feminino e ative o
alarme de incêndio. Eu agirei logo após.
— Mas... no banheiro? — seu tom de voz
demonstrava um grau elevado de ansiedade e uma pitada
de desconfiança. — Por que você não faz isso?
— Eu não posso entrar no banheiro feminino,
querida. Não me interprete mal, mas as mulheres fazem
um alarde muito maior quando coisas ocorrem. E eu quero
o caos. Necessito dele.
— Tudo bem — ela finalmente concordou. — Dê-me
o isqueiro.
Estendi o objeto e ela agarrou com uma mão nervosa.
— Acalme-se — eu disse, pacientemente. — Vai dar
tudo certo.
— Eu espero que sim.
Ela sorriu de leve e se levantou do meu colo,
desaparecendo logo em seguida no corredor que dava
acesso ao banheiro.
Passei meu olhar pelo local, fazendo uma inspeção
superficial e considerando o número aproximado de
seguranças, clientes e prostitutas. O prédio não tinha
muito mais que três andares além do subsolo, onde
rolavam as transações. Num andar ficavam os quartos; no
outro, provavelmente, se localizavam a sala de câmeras e
os quartos das prisioneiras; e por último, havia o terraço
que não possuía nada, na verdade, além de uma escada de
incêndio externa, interditada por questões que eu não
estava a fim de descobrir.
Mas o mais importante naquilo tudo era que a escada
dava acesso aos fundos da construção, fazendo com que
fosse um pouco difícil descobrirem o que estava se
passando uma vez que o caos estivesse sendo tomado na
entrada. Além disso, ele era completamente isolado e
ninguém se arriscaria subir quatro lances de escada para
se livrar de um incêndio pelo terraço. O caminho estava
livre, bastava pormos o nosso plano verdadeiramente em
ação.
Estiquei meu braço para visualizar as horas no meu
sofisticado Rolex Oyster, descobrindo já se passarem da
meia-noite. Instantes depois escutei o alarme soar forte
pela boate. Em questão de minutos o alvoroço se alastrou,
e eu não esperei a garota reaparecer para finalmente agir.
Rumei em direção às escadas na área que dava
acesso ao pavimento superior e dei sorte ao não encontrar
nenhum segurança por ali. A maioria, provavelmente, já
estava no andar de baixo tentando descobrir o que diabos
acontecia e evacuando o local.
Terminando de seguir o meu caminho, pus minha
arma de prontidão para quando fosse preciso realmente
usá-la. Eu sabia o local exato de onde ficavam as
meninas. A prostituta que me ajudara, cujo nome eu
descobrira ser Lena, havia me dito muita coisa; inclusive,
que algumas garotas eram mantidas presas em quartos
específicos como uma espécie de lista de espera para
finalmente serem “recrutadas”. Mas, embora soubesse
exatamente onde ficavam os quartos, eu não possuía as
chaves e sabia que eles não seriam idiotas o suficiente
para deixar a fechadura destrancada.
Esgueirei-me pelo corredor. O barulho dos gritos e
euforia lá de baixo ainda era nítido. Não demoraria muito
para os filhos da puta se darem conta de que não havia
incêndio algum, então eu teria que agir rápido.
Abri uma porta.
Nada.
Outra.
Nada.
A próxima porta foi aberta com um estrondo. Em
menos de um piscar, eu dava de cara com um par de armas
apontado em minha direção.
Silêncio.
Um estalo.
Tive que pensar rápido, e em um movimento preciso
meu pé direito voou, acertando o braço de um dos caras.
Ele caiu urrando de dor, e o outro cara atirou,
tentando me acertar. Alguns centímetros a menos de
distância e ele conseguiria me atingir. Parti para cima dele
e nos embolamos em uma luta, até que finalmente consegui
tirar pistola de seu poder.
O cara da mão machucada ergueu-se e tentou apanhar
novamente seu instrumento de ataque. Dei-lhe um tiro na
cabeça sem pensar muito e mirei no próximo. Sorte que
havia silenciadores nas armas e eu poderia matar os dois
sem fazer muito alarde.
— As chaves — pronunciei —, onde estão?
— Porra, cara, o q...
— Cala essa boca e me indique onde estão as chaves
do quarto das garotas!
— Eu não sei o que você está falando, fodi... oh! —
ele calou e cuspiu um bom monte de sangue no instante em
que lhe dei um soco.
— Eu estou falando sério — colei a arma na lateral
da sua cabeça. — Me diga onde estão as chaves ou eu vou
fazer os seus miolos voarem em milhares pedaços e tentar
descobrir o que quero por outros meios.
O homem engoliu em seco e, após puxar a gravata e
tomar um hausto de respiração, respondeu:
— Elas ficam no... no piso superior, na sala de
câmeras.
— Há seguranças por lá?
— Os únicos que cuidam de lá somos eu e o Robb...
— ele dirigiu um olhar rápido para o corpo do parceiro
caído no chão. — O cara que você acabou de matar.
— Espero que você não esteja mentindo para mim,
ou as coisas podem piorar consideravelmente caso eu
descubra que você está tentando ser mais esperto que eu
— sentenciei. — Me leve até lá.
— O-o quê?
— Está surdo? — pressionei ainda mais o cano da
arma contra sua pele que já começava a ficar pegajosa
com o suor. — Me leve até as malditas chaves.
Não esperei por respostas e o agarrei pelo colarinho.
Ele se moveu com certa dificuldade, andando pé ante pé
pelo corredor pouco iluminado do prédio. Naquele
momento eu tive uma oportunidade maior de analisar as
paredes daquele andar. Todas eram revestidas de um
papel de parede com estampa de traços semelhantes aos
dos artistas da era renascentista, misturados à mitologia
grega.
Na verdade, eram adaptações das obras mais
famosas, onde as mulheres apareciam nuas, ostentando
curvas e seios maiores que o normal, servindo, de várias
formas repugnantes, aos homens. Em muitas, até eram
retratadas pinturas eróticas de ninfas e anjos em posições
submissas. Uma verdadeira coleção de desenhos
repulsivos e machistas. Da Vinci provavelmente desejaria
morrer uma segunda vez se fosse capaz de presenciar algo
como aquilo.
Já estávamos a um passo de alcançar as escadas
quando, para sua infelicidade, o homem que eu mantinha à
minha frente girou nos calcanhares, seu cotovelo em
posição de ataque. Desviei do seu golpe e ele não hesitou
quando decidiu vir para cima de mim novamente, tentando
vergonhosamente travar uma luta que para ele já estava
perdida.
Eu poderia brincar com toda a adrenalina daquela
situação, mostrar àquele cara que ele estava a um passo
de finalizar a escavação da sua própria cova, mas eu tinha
coisas para fazer e não podia simplesmente ficar
brincando de luta no corredor de uma boate supostamente
em chamas; portanto, um soco no nariz e um tiro foram o
suficiente.
Deixei o corpo do cara ali, estirado aos pés da
escada e me apressei em subir os degraus que me
mantinham distante do último andar. Assim que pus os pés
no corredor, constatei que havia veracidade nas palavras
do tal segurança quando ele me dissera haver outros
homens ali. De fato, não havia. Passando por todas as
portas, que para mim eram insignificantes, parei em frente
à que realmente me interessava. Colada à madeira, havia
em letras garrafais numa placa de metal a seguinte
descrição: “SALA DE CÂMERAS”.
Abri a sala com facilidade, já que se encontrava
destrancada. Passei meu olhar pelo local pouco espaçoso,
até encontrar uma caixa de tampa envidraçada acoplada à
parede. Havia pequenas placas de identificação abaixo de
cada uma delas e eu removi a que sabia ser a do quarto
das prisioneiras.
Rumei apressadamente de volta para o corredor,
aproveitando para trocar o cartucho da minha arma e
direcionei-me para a porta a qual eu sabia ser a do quarto
das meninas.
Inseri a chave e girei.
No instante em que manipulei a maçaneta,
escancarando a porta, dei de cara com uma cena
deplorável. Um grupo de jovens em torno de seus vinte
anos de idade, notoriamente assustadas e trêmulas. Uma
delas já carregava uma cadeira na mão, mas soltou no
exato momento em que me viu. Duas delas tentaram
avançar em minha direção, no entanto eu estendi uma mão,
parando-as.
— Eu vim para ajudar — informei. — Mas, para que
tudo saia conforme planejado, vocês terão que colaborar
comigo.
— Como? — exclamou uma delas em espanhol. —
Por favor, nos tire daqui! O alarme de incêndio está
soando em todo lugar. Oh, Deus, nós vamos morrer. Não
queremos morrer!
Uma euforia se instalou no ambiente, fazendo com
que todas as mulheres murmurassem lamentações e
preces. Eu já ia dizer que nada de pior iria acontecer
quanto a isso, quando senti alguém tocar no meu braço.
Vire-me e dei de cara com Lena.
Ao seu lado havia aproximadamente meia dúzia de
garotas. Todas que ela, provavelmente, havia escoltado
para fugirem junto com as prisioneiras.
— Alguns seguranças já descobriram que é alarme
falso — disse quase desesperadamente. — Nós
precisamos tirá-las daqui, agora!
— Certo — virei-me para as garotas e falei no
idioma que elas compreendiam. — Saída de incêndio no
térreo. Há apenas uma escada, portanto vocês terão que
colaborar. Tirarei uma por uma daqui, mas teremos que
ser rápidos, ok?
As garotas ainda aparentavam estar muito
desconfiadas, mas logo após Lena interferir e garantir-
lhes que eu era de extrema confiança, seus olhos se
iluminaram e elas concordaram avidamente com um gesto
de cabeça.
— Venham comigo.
E assim, eu saí, dando cobertura enquanto Lena me
auxiliava apressando suas amigas. Chegamos ao piso
térreo e uma lufada de vento frio soprou em nossos rostos.
Ajeitei a escada de incêndio e a primeira garota desceu,
sendo acompanhada pela próxima e assim sucessivamente.
Quando todas as meninas já estavam lá embaixo do lado
de fora na rua, eu aguardei até que Lena o fizesse.
— É sua vez — eu disse, mas fui surpreendido
quando ela negou com um gesto de cabeça.
— Eu não posso — sussurrou.
— Como é? — questionei, confuso. — E eu posso
saber o porquê?
— A minha irmã mais nova... ela está lá dentro.
Puta merda!
— Como assim? Não estavam todas as prisioneiras
no quarto?
— Não, exatamente... — ela murmurou, seu rosto já
começando a se molhar de lágrimas. — As virgens ficam
em locais separados para serem... iniciadas.
Eu não precisei procurar por muito em sua expressão
dolorosa para saber do que se tratava aquilo.
Merda, filhos da puta!
— Ok, eu acho que compreendo tudo, mas você pode
me explicar por que diabos a sua irmã estava aqui o
tempo todo e você não me avisou nada?
— Porque eu não queria atrapalhar a fuga das
meninas, porque achei que fosse mais fácil conseguir fugir
com ela se eu mesma fosse atrás — ela começou a chorar.
— Oh, meu Deus...
— Certo. Eu vou resolver isso. Só peço que você se
acalme e me diga onde ela está.
— Eu acho que... no mesmo andar onde nós
estávamos. Eu não sei ao certo, deve ter algum cara lá
dentro com ela. Eles o chamam de deflorador. Oh, céus, a
minha irmãzinha, ela só tem treze anos.
— Tudo bem. Desça. Eu irei buscá-la.
— Eu não posso — ela agarrou o meu braço, como
se aquilo me fizesse compreender o tamanho de sua
necessidade. — Você não entende. Ela foi sequestrada
poucos dias após descobrirem que eu planejava fugir. Eu
aceitei a sua ajuda para salvar as meninas, mas eu tenho
que ficar. Não posso ir e deixá-la, senão morreremos nós
duas!
— Hey, se acalme — livrei o meu braço do seu
aperto, segurando nas suas mãos geladas de dedos finos.
— Eu vim para ajudar todas vocês, e não vou sair daqui
enquanto não estiverem todas salvas; portanto, trate de
descer e me esperar lá embaixo. Eu vou buscar a sua irmã
e a levarei até você — assegurei. — Como ela se chama?
— Nala — ela fungou. — Este é o seu nome.
Saquei meu telefone do meu bolso e disquei o
número de Ryan rapidamente.
— Ryan.
— Sim, D. — respondeu ele do outro lado.
— Eu preciso que você fique com as meninas aí
embaixo. Terei que permanecer mais alguns minutos aqui
em cima para resolver algo.
— Derek, que diabos... Isso é arriscado, porra!
— Eu sei disso, Ry, faça o que estou pedindo. Nos
veremos em breve.
— Você é um filho da puta louco e sabe disso, não é?
— sim, eu sabia. Sem mais uma palavra minha ele
suspirou e se rendeu. — Ok, eu estarei aqui. Tenha
cuidado.
Após encerrar a chamada, me virei para Lena e fitei
seus olhos assustados.
— Eu preciso que você desça. Meu amigo estará lá
embaixo e ele vai escoltar todas vocês em uma van. Eu
vou buscar a sua irmã e, quando todas estiverem sãs e
salvas, vocês serão enviadas em segurança para onde
nunca deveriam ter saído, ok?
— V-você promete? — ela estava tão trêmula, porra.
— Você promete que vai trazê-la viva?
— Eu prometo.
Ela assentiu e finalmente se virou para descer a
escada e se juntar às suas amigas.
Eu só esperava poder cumprir honrosamente com a
minha palavra. Senão seria a primeira vez que eu
quebraria uma promessa.
☆☆☆
Além dos quartos com numerações e um vermelho
vibrante nas portas, havia apenas um no final do corredor
cuja cor se diferenciava. Ele era de um roxo vivo e eu já
podia avistar luzes saindo pela fresta que separava a porta
do chão. Eu não possuía as chaves e correr até a sala de
câmeras novamente me faria perder muito tempo, então eu
teria que usar a força e arriscar enfrentar seja lá o que
estivesse lá dentro.
Sem mais delongas eu tomei impulso e me choquei
contra a porta. Quando ela finalmente se escancarou, meu
estômago por pouco não se revira.
O cheiro de urina era nítido. Papéis de paredes
eróticos, colagens de revistas pornográficas nas janelas
fechadas e nada menos do que poucos móveis. Na cama,
sobre os lençóis revirados, uma garota magra e de cabelos
escuros deitava embolada em posição fetal. Ela era tão
magra que eu conseguia ver nitidamente os gomos da sua
coluna através da pele fina.
— Nala — sussurrei. Após me certificar de que não
havia mais ninguém no quarto além de nós, aproximei-me
dela apenas o suficiente para poder avistá-la.
Ela ergueu os olhos e ao me ver chegar mais perto,
esquivou-se, provavelmente muito assustada.
— Tudo bem, eu não vou te machucar — assegurei.
— Estou aqui para ajudá-la.
— Demonio... — ela murmurava. — Pacco,
Demonio...
Eu não sabia ao certo a quem ela se referia, mas
provavelmente era um dos homens fodidos que Marcel
mantinha como funcionários.
— Está tudo bem, Nala, não vou permitir que lhe
machuquem. Você fala o meu idioma? Hablas inglés?
Ela fez que não com a cabeça e recuou um pouco
mais ao me ver.
— Ok, te levarei para fora daqui — continuei, em seu
idioma. — Tudo vai ficar bem.
Eu sabia que seria uma merda muito fodida lidar com
aquela situação dali em diante. Por Deus, ela só tinha
treze anos e havia sido brutalmente mantida em cativeiro e
estuprada. Marcel era um filho da puta nojento e iria
pagar caro.
Retirei meu paletó e cobri o seu corpo nu, dando-me
conta da enorme mancha de sangue misturada a urina no
interior de suas coxas. Eu já estava me preparando para
pegar a menina no colo, quando uma batida pesada na
parede deixou-me em alerta.
Preparei a minha arma no exato instante em que me
virava para dar de cara com um homem alto de cabelos
compridos e barriga proeminente. Seus olhos eram frios e
perfuravam, tais como pontas de um iceberg.
Eu senti a excitação da adrenalina percorrendo o meu
corpo e sorri por dentro. Ryan estava certo, eu era um
filho da puta muito louco.
— Que merda você está fazendo aqui? — ralhou o
homem, alternando seu olhar entre mim e a minha arma.
Pelo que pude perceber ele estava desarmado.
Malditos bandidos inexperientes.
— Pacco! — a menina murmurou com olhos
arregalados... — Demonio.
— Cale essa maldita boca, pequena vadia — rosnou
o homem, e em um gesto que em mim causou repulsa,
levou uma mão às calças apertando o saco. — Ou eu te
mostro mais uma vez o que o demônio aqui é capaz de
fazer. — Direcionando seu olhar para mim novamente ele
sibilou: — E quanto a você? Quem é?
— Eu sou o cara que vai arrancar as suas bolas — e
sem pensar duas vezes, avancei em sua direção, fazendo
com que meu punho acertasse em cheio o seu nariz.
O cara arregalou os olhos, levando a mão ao nariz
quebrado. Esboçando uma expressão de crua fúria, partiu
para cima de mim. Eu não lhe dei chances para me dar
mais do que um soco e atingi o seu estômago,
respectivamente o seu rosto, fazendo com que seu corpo
pesado tombasse no chão devido ao desequilíbrio
ocasionados pelos meus golpes.
— Seu filho da puta! — ele grunhiu com a mão no
nariz sangrento e tateou no chão em busca de algo. Quando
não encontrou nada que lhe servisse, ele se manteve de pé,
correndo até mim feito um touro. — Eu vou te...
Calei-lhe com outro soco e, desta vez, ele apenas
cambaleou para trás, mas permaneceu ereto.
Ele parecia zonzo e estava ainda mais feio com tanto
sangue no rosto, mas só em relembrar da menina
inofensiva que gemia de dor em cima daquela cama, algo
primitivo cresceu dentro de mim. Dificilmente eu me
permitia me descontrolar, dificilmente eu deixava que o
ódio sobrepusesse qualquer espécie de sentimento que eu
viesse a ter, mas coisas como aquelas me faziam lembrar
da minha mãe em cima de uma cama indefesa e dolorida
após uma sessão gratuita de pancadas que o meu pai
prestativamente se incumbia de lhe dar.
Puxei-o pelos cabelos ondulados e deixei seu rosto
bem próximo do meu, nossos olhares duelando
furiosamente. Eu já podia sentir o cheiro agridoce do seu
sangue que escorria até a camisa branca.
— É você o deflorador? — questionei. Não obtive
respostas, então eu usei a mão que ainda mantinha minha
arma para golpear novamente o seu estômago.
Ele se curvou e gemeu, cuspindo uma merda escura
que eu julguei ser bile e sangue.
— O quê? Eu acho que não estou compreendendo,
Pacco. É esse o seu nome, certo? Você é o maldito
deflorador?
— Eu não vou dizer nada a você, seu merda! — ele
respirava com dificuldade.
Eu não precisava de mais nenhuma confirmação para
me dar conta de quem ele realmente era. Ainda mantendo
poder sobre seus cabelos, eu choquei o seu rosto contra
um dos móveis ali perto. Ele urrou de dor e abriu bem os
olhos, como se a visão começasse a ficar turva.
— Quantas meninas já lhe pediram misericórdia,
Pacco? Quantas garotas você estuprou ao longo da sua
medíocre existência?
— Muitas delas — havia algo como zombaria em seu
tom de voz. — Várias, se quer saber, idiota, mas que
diabos isso tem a ver com você, afinal? Você pretende
usá-las de inspiração para quando finalmente Marcel lhe
encontrar e for a sua hora de morrer?
Eu dei uma risada de escárnio. Ele estava fodido,
mas tinha um senso de humor interessante.
— Eu vou matar o seu chefe antes mesmo que ele
tenha a chance de fazer um movimento muito grande em
minha direção — aproximei-me ainda mais. — Eu vou
acabar com a vida Marcel, irei destruir com toda a merda
do seu negócio, eu irei matar todos os seus homens, um
por um, até conseguir chegar até ele — pausei, analisando
os seus olhos escuros. — E eu vou começar por você.
Ele grunhiu algo antes de eu lançar o seu rosto
novamente contra o móvel. Sua mão tateou para trás,
golpeando a minha perna. Eu tive que usar da minha força
para lhe causar mais uma onda de dor.
— Antes de qualquer coisa, eu tenho algumas coisas
a lhe ensinar, Pacco — comecei. — Primeira lição da
noite: você não pode, em hipótese alguma, tocar em uma
garota sem o devido consentimento dela — e o seu rosto
beijou o tampo do móvel no instante seguinte. — Você não
pode, nem em sonho, usar da sua força contra uma mulher,
seja ela americana, estrangeira, heterossexual ou lésbica
— outro golpe. — Nada de tocar em menores de idade; —
golpe — e por último, mas não menos importante: você
não pode cometer a infelicidade de esquecer a sua arma;
afinal, nunca sabemos quão perigosos os nossos inimigos
podem ser, não é mesmo? — Assim que lhe dei o golpe
final, seu corpo cedeu para frente, deslizando para o chão.
Seu rosto estava uma merda bem feia, e eu até
poderia considerar que ele já estava morto, não fossem os
gemidos anasalados.
Puxei-o pela gola da camisa e o pus de pé. Virei-me
para a garota que ainda estava deitada sobre a cama e
questionei:
— Nala, você consegue se mover? Consegue andar
sozinha?
Ela gemeu ao tentar fazer um movimento muito
grande, mas assentiu.
— Certo, você é uma garota forte, eu estou certo
disso. Siga-me, e sejamos rápidos. Eu vou tirar você
daqui, ok?
Ela fez que sim com a cabeça. E quando levantou-se
da cama, pude ver mais nitidamente a mancha de sangue
nos lençóis. Tive que me conter para não torcer o pescoço
do filho da puta ali mesmo.
Com a menina em meu encalço, arrastei o homem
comigo e consegui alcançar o térreo facilmente. A
dificuldade maior seria em conseguir descer a escada de
incêndio com aquele peso morto comigo, mas eu
conseguiria, e apesar de a ideia de jogá-lo lá de cima
fosse tentadora, eu tinha planos melhores para o filho da
puta.
Orientei que a menina descesse a escada com
cuidado e, logo em seguida, consegui fazer meu caminho
até lá embaixo. Assim que pusemos nossos pés no solo,
Lena veio correndo em nossa direção.
— Nala, querida! — ela abraçou a irmã
imediatamente e, ao notar seu estado, chorou sem
reservas.
Ryan apareceu logo em seguida. Percebi que ele já
havia colocado todas as meninas dentro de sua van.
Apenas Lena, sua irmã e nós dois estávamos do lado de
fora.
— Que diabos você está fazendo com ele aqui,
Derek? — No meio de toda emoção quase ninguém se deu
conta do cara que eu carregava comigo; exceto Ryan,
claro.
Acho que havia algo que eu ainda não tinha citado e
que mudava completamente a minha teoria de confiança
zero em relação às outras pessoas. Eu confiava, sim, em
alguém, e isso se devia ao fato de ele ter salvado a minha
vida no momento mais difícil dela. Ryan e eu havíamos
nos conhecido desde exatos quatro anos atrás, logo após
eu ter sido desovado por Simon em um beco qualquer,
cujo local ao meu redor havia sido manipulado para que
acreditarem ter ocorrido ali uma tentativa de assalto.
Digamos que eu corrompi o cara em muitos aspectos.
Primeiramente, por ele ser um ex-policial e filho de boa
família, que virou, de certa forma, um criminoso no
instante em que resolveu acobertar as minhas merdas.
Ryan não gostava da ideia de vingança que eu mantinha
em mente, e já me dera diversos puxões de orelha a
respeito da minha situação com Faith, mas ele era um
amigo fiel, além do fato de eu lhe pagar uma boa bolada
que servia muito bem para sustentar alguns de seus
familiares e o seu modo de vida.
Apesar da nossa gritante diferença física — ele
possuía músculos muito mais magros que os meus e fora
agraciado com uma poderosa dose de melanina, a qual
proporcionara à sua pele um tom invejável de chocolate
— Ryan era como um irmão mais velho e superprotetor.
Um amigo de verdade que eu poderia contar para todas as
horas. Alguém que eu sabia que nem mesmo Holly seria.
— Relaxa, Ry, eu sei o que estou fazendo —
assegurei-lhe.
— Claro que sabe — murmurou, formando aquele
vinco na testa que evidenciava a sua constante
preocupação. — Só tome cuidado, irmão.
— Eu sempre tomo, não se preocupe — e sem mais
uma palavra, arrastei o homem até o porta-malas do meu
carro. Bati a porta logo em seguida. Quando retornei até
meu amigo, voltei a fitar-lhe. — Ryan, leve as garotas
para um hospital. Você sabe exatamente o que fazer. —
Me virei para Lena. — Está tudo em ordem. Vocês podem
confiar no Ry. Ele é um cara legal, e logo, logo todos os
trâmites para que vocês voltem para suas famílias serão
resolvidos. Espero que dê tudo certo a partir de agora.
— Obrigada — ela disse, visivelmente emocionada.
Acenei de volta, apenas. Eu não era muito bom com
esse lance de demonstrações de afeto e não fiz mais do
que retribuir um favor. Antes que eu me virasse, ela tocou
o meu braço:
— Você é um homem muito bom. É o nosso herói e
nunca serei capaz de agradecer o suficiente pelo que fez
por nós.
— Volte para a sua família e para o seu noivo, isso já
é o bastante para que eu me sinta satisfeito — eu disse,
relembrando-me de algo que ela me dissera sobre ter um
noivo a esperando no México. — E quanto a eu ser um
herói: não se equivoque, garota, eu posso ser muito mais
sujo que muitos vilões por aí.
E sem mais uma palavra, virei-me, seguindo em
direção ao Jeep e tomando o meu lugar no veículo.
Se ela soubesse que eu mantinha uma garota tão
jovem quanto ela em cárcere dentro da minha própria
casa, mudaria de ideia completamente.
Eu não era, nem de longe, a porra de um herói.
9: A Chance
Faith
Eu sempre me considerei uma boa garota.
Membro, desde muito jovem, de um mundo onde a
perfeição era o limite mínimo tolerável, eu procurei a
todo momento ser uma garota considerada perfeita aos
olhos de todos. Com muito custo empenhara-me em
representar a imagem da menina de ouro. A princesinha
protegida. A garota cujo futuro premeditadamente traçado
seria baseado em um bom relacionamento com um homem
do seu meio social e fosse a idealização de vida íntegra e
sublime que costumamos ver nas colunas sociais.
Eu seria uma boa esposa, uma boa dona de casa,
seria uma boa mãe.
Eu cuidaria dos meus filhos. As meninas, eu educaria
adequadamente e sempre estaria disposta a treiná-las —
como eu fora — ensinando-lhes a serem íntegras,
respeitáveis, fabulosas e doces.
Não como uma garota má.
Garotas boas, dizia o meu pai, não falavam
palavrões, não faziam tatuagens, não aderiam aos
piercings, nem tampouco se sentavam de pernas abertas.
Elas não permitiam que os bicos dos seus seios ficassem à
mostra — nem mesmo uma pequena marca em relevo sob
a camisa fina — e meninas boas, definitivamente, não se
masturbavam ou tinham acesso a pornografia.
Elas deveriam ser como um exército de Barbies
humanas: castas, higiênicas, não muito inteligentes e
prontas para estarem sempre bonitas, perfumadas e
arrumadas. Serem obedientes, respeitar, devotar e se
submeter aos seus homens, fazendo tudo aquilo que
estivesse ao seu alcance para agradá-los.
Eu cresci como uma garota boa. Cresci como uma
garota de aceitava todas as ordens e obrigações que me
eram impostas de bico calado, pois aquilo era o esperado
de mim. Era o que eu precisava para ser aprovada pelo
meu pai, pela sociedade e por Marcel. Mesmo que dentro
de mim algo sempre se rebelasse contra a ideia.
Mas nem tudo é como se imagina ou como se anseia.
Eu não soube ao certo se foi a morte do meu pai ou o
cansaço de sempre agir na linha, mas eu passei a não ser
mais uma garota boa, assim que me rebelei contra Simon e
o nosso relacionamento.
Eu não era uma garota boa perto de Derek, também.
Não só pelo fato de coisas estranhas ocorrerem em
meu interior contra a minha própria vontade sempre que
eu estava perto dele, mas também porque eu mentia e
enganava. Eu estava me comportando como uma vadia
dissimulada, e o pior de tudo é que eu não me arrependia.
Eu não me importava.
Àquela altura do campeonato eu estava na fase do
tudo ou nada, do matar ou morrer, do oito ou oitenta.
Aquilo não era um conto de fadas, muito menos uma
novela mexicana, onde a mocinha sofre durante toda a
trama e consegue alcançar a verdadeira felicidade no
final. Eu me transformara em uma prisioneira, uma
sobrevivente diária, uma marionete: peça principal em um
plano de vingança sujo e a qualquer momento eu poderia
ser fria e brutalmente assassinada.
Eu decidi que não queria morrer.
Eu decidi que iria me libertar.
Nem que para isso eu devesse fingir ser uma garota
boa.
Mas as garotas que optam por fingir aquilo que não
são tornam-se, no fundo, garotas más, certo?
Danem-se as teorias.
Eu estava havia exatos quarenta e dois minutos e
dezenove segundos sentada naquela cama, com meus pés
sobre o colchão e esperando o momento certo de atacar.
Derek havia me trazido um relógio recentemente e agora o
meu mais novo fiel companheiro descansava sobre o
criado mudo ao lado da cama, seus ponteiros trabalhando
a todo vapor dentro do aparelho redondo.
Não que eu e Derek estivéssemos nos falando com
muita frequência ou trocando mais palavras do que o
necessário, mas ele parecia satisfeito com o meu
comportamento submisso e me proporcionava algumas
ínfimas regalias. Eu não respondia mais rudemente às suas
perguntas, não retrucava os seus comentários e muito
menos o provocava. Eu deixava ele aguardar do lado de
fora do banheiro todas as vezes que ia tomar banho, eu
comia toda a comida que ele me trazia sem protesto algum
e ele já estava deixando a porta do quarto aberta por um
bom tempo. Holly continuava sendo a cretina de antes,
mas eu parei de tentar levá-la ao limite também. Eu tinha
que fazer aquilo.
Assim que os ponteiros do relógio bateram
exatamente às seis da noite, eu me levantei da cama. Eu
sabia que Derek não estaria ali naquele horário, pois
sempre saía de casa àquela hora e Holly parecia estar
vendo alguma merda qualquer na televisão no andar de
baixo. Ela subiria somente por volta das sete para levar o
meu jantar.
Meus pés cessaram os passos quando cheguei até a
grossa porta de madeira e girei a maçaneta. Abri
suavemente e ela rangeu, fazendo com que eu parasse e
soltasse de leve a respiração.
Sentindo-me mais segura para continuar o meu
caminho, eu terminei de escancarar a porta e pisei no
corredor, olhando para todos os lados.
Vazio.
Andei mais alguns passos, atendando para que o piso
de assoalho não rangesse, muito menos que eu derrubasse
ou me esbarrasse em algo e chamasse a atenção de Holly.
Ela, sem sombra de dúvida, me esganaria se descobrisse
que eu havia saído do quarto sem permissão.
Ali eu pude ter uma melhor noção do tamanho da
casa. O corredor, pelo menos, era enorme, com várias
portas fechadas e eu abri a mais próxima, torcendo para
que não estivesse trancada. Quando girei a maçaneta e
empurrei, suspirei aliviada. Mas para a minha decepção,
não havia nada de muito útil ali. Apenas uma cama com
colchão nu e móveis parecidos com os que tinham no meu.
Pouco provável encontrar algo ali.
Fechei a porta e fui para o próximo. Tal qual foi a
minha decepção quando não encontrei nada de
interessante ali também.
Já impaciente, me dei um momento para pensar
melhor. A casa era grande, mas apenas duas pessoas
moravam ali além de mim.
Derek era o dono daquele lugar, como havia me dito
antes, e geralmente os quartos nos finais dos corredores
eram os maiores. Então era bem provável que o quarto de
Derek fosse ali, no fim do corredor. Ou até mesmo o de
Holly, que provavelmente o compartilhava com o homem.
A ideia de Derek enroscando-se nos mesmos lençóis que
Holly enviou uma onda de náuseas por dentro de mim,
retorcendo o meu estômago em um nó desagradável.
Aquela era a última coisa na qual eu desejaria pensar.
Recompus-me e segui o meu caminho direto para o
quarto no fim do corredor. Girei a maçaneta, a ansiedade
já me tomando, mas assim que empurrei e a porta não
cedeu, eu quase gemi de frustração.
Era óbvio que o babaca não deixaria a porta do seu
quarto destrancada. Por que o faria?
Mas o que eu iria fazer, então?
Pensei rápido. Se ao menos eu possuísse a útil mania
de prender os meus cabelos com grampos ou encontrasse
algum outro objeto que me proporcionasse uma facilidade
maior naquele processo, com certeza, aquilo me ajudaria.
Mas merdas como essas aconteciam somente em
filmes e best-sellers do Dan Brown. Eu não era nem de
longe uma expert em fuga, muito menos alguém que já teve
como aprender a se livrar de situações difíceis um dia.
Mas eu decidi que eu seria uma garota má a partir
dali para lutar pela minha sobrevivência, certo?
Eu teria que encontrar um meio de resolver aquela
merda.
Lembrei-me do relógio sobre o móvel no meu quarto
e um surto de adrenalina me envolveu. Seria ele. Minha
única e mais útil opção. Corri de volta até o quarto e, com
uma certa ansiedade, lutei para tentar desmontar o
aparelho revestido no que me parecia ser aço.
Após, com muito custo, conseguir remover o ponteiro
maior, constatei que bem provavelmente ele serviria.
Disparei de volta para o quarto o qual eu julgara ser o de
Derek e ajustei a minha posição para ter um melhor
acesso à fechadura.
Inseri o ponteiro no miolo, tentando me concentrar ao
mesmo tempo em que mantinha a atenção dirigida a
qualquer movimento que se desse atrás de mim. Eu já
havia visto isso em filmes e séries antes, não seria tão
complicado assim, seria?
Um barulho se fez e eu congelei. Me virei e não tinha
ninguém atrás de mim. Provavelmente era Holly mexendo
em algo no andar de baixo.
Ótimo.
Continuei cutucando a fechadura com o objeto e
quando finalmente ouvi o clique indicando que eu havia
conseguido manipular o miolo, sorri para mim mesma e
empurrei a porta.
O seu quarto era masculino e muito prático. Possuía
móveis essenciais e, claro, era maior do que qualquer
outro quarto daquela casa. Sua cama parecia bem macia
também, mas eu segurei a minha vontade impulsiva de
experimentar aquele colchão e corri imediatamente meu
olhar pelo local, tentando me localizar e finalmente
decidir por onde começar.
Se eu encontrasse ao menos um computador ou um
telefone que pudesse facilitar a minha comunicação com
alguém, eu estaria muito bem.
Decidi ir nas gavetas de seu criado mudo e remexi
nas coisas sem cuidado algum, afinal eu tinha pressa. Ao
puxar a última gaveta, dei de cara com algo que me fez
sorrir para mim mesma. Não era um aparelho eletrônico,
muito menos uma arma — não uma convencional — mas a
tesoura comprida de ponta fina serviria para me ajudar em
algum momento.
Enfiei a tesoura no cós da minha calça e continuei
com minha busca.
Corri até o seu closet e deslizei a porta preta de
correr. Ternos, camisas polo, regatas, diversos jeans,
acessórios e sapatos, todos organizados e alinhados por
modelos e cores. Quase que rolei os olhos diante da cena.
Abri todas as gavetas. Nada.
Abri mais alguns compartimentos embutidos no
armário e já começava a sentir o suor brotando das raízes
dos meus cabelos e escorrendo até as minhas têmporas,
seios e pescoço. As minhas costas provavelmente estavam
úmidas também e soltei um suspiro de desapontamento,
relembrando que a qualquer momento Holly poderia estar
ali em cima e a primeira coisa que ela veria seria o quarto
de Derek com a porta aberta e todas as coisas remexidas.
Mas eu também não aceitava o fato de ter me
arriscado tanto para fazer da minha atitude uma tentativa
falha.
Portanto, eu fui ainda mais rápido, cavando entre as
peças de roupa, cabides, pares de sapatos masculinos,
luvas, caixas...
Parei.
Um suspiro ficou preso em minha garganta quando
minha mão tateou algo liso. Puxei em um único impulso e
o objeto veio comigo. Era uma caixa não muito grande,
mas também não muito pequena. Espaçosa o suficiente
para se armazenar objetos pessoais da garota que você
sequestrou e manteve como sua prisioneira por semanas.
E eu estava certa.
Quando abri a caixa, tive que torcer o nariz para
evitar tossir ou espirrar com o cheiro de mofo e resíduo
de poeira. Dentro dela havia alguns objetos que reconheci
de imediato serem meus. Como documentos, uma bandeira
pequena com o símbolo do Yankees, as chaves do meu
carro, alguns livros e... o meu celular.
Sim, o meu celular estava no fundo da caixa também!
Ergui-me rapidamente, saindo do maldito closet e
tentando a todo custo manusear o aparelho. Percebi que
ele estava leve demais e constatei que Derek havia
removido a bateria.
Cretino!
Voltei a debruçar-me sobre a caixa, tirando todos os
objetos do meu caminho de forma ávida, a fim de
encontrar a minha preciosa bateria.
— Por favor, por favor, por favor... — eu sussurrava,
conforme cavava mais e mais entre os objetos. — Isso!
Finalmente encontrei e, com isso, voltei para o
quarto, andando para lá e para cá, inserindo nervosamente
a bateria no celular.
Eu só esperava que ele não estivesse com defeito.
Meus dedos estavam trêmulos, minha respiração
irregular e o meu peito parecia armazenar uma espécie
maluca de triturador. Batendo forte a todo vapor.
— Respire, Faith... respire.
No momento em que pressionei o botão de ON e a
tela se acendeu, meu coração deu uma guinada ainda mais
brusca. Mordi o meu lábio, praticamente chorando de
tanta adrenalina e emoção, os fios de esperança se
revigorando dentro de mim.
Aquilo daria certo.
Tinha que dar certo.
Aguardei todo o processo de reinicio e quando a
minha área de trabalho finalmente ficou exposta para mim,
uma tela mais escura sobrepôs o meu papel de parede.
Meu sorriso morreu no mesmo instante em que li a
mensagem:
BATERIA FRACA. CONECTE O SEU
DISPOSITIVO À UM CARREGADOR.
— Inferno! — praguejei, correndo em direção à
caixa e caçando feito louca o carregador, mas para o meu
desespero, ele não estava lá. Como diabos ele não estava
lá?!
Eu, definitivamente, odiava Derek.
Olhando para a tela do meu celular, constatei já
serem quase dezenove horas e que a bateria só possuía
mais sete por cento de carga.
O que significava que eu teria que ser breve, seja lá
a decisão que fosse tomar.
Respirei fundo, pensando nas possibilidades. Uma
bateria com sete por cento, duraria em torno de cinco a
dez minutos. Tempo suficiente para ligar para alguém e
pedir socorro.
Mas quem?
A polícia, claro!
Disquei para o primeiro número que me veio à
mente. Quando a voz levemente abafada da mulher do
outro lado da linha adentrou os meus ouvidos, tive que me
segurar para não gritar.
— Emma Holt, Emergência. Qual a sua solicitação?
Oh, Deus!
— Ah, oi... Emma! — eu tremia, segurando o
aparelho com as duas mãos e mantendo-o colado ao meu
ouvido como se minha vida dependesse daquilo, e de fato
dependia. — Eu me chamo Faith Bloom, tenho vinte e
dois anos e fui sequestrada já faz alguns dias. Não faço
ideia de para onde me levaram, muito menos se sairei
viva daqui... — eu dizia rapidamente, quase sem pausa
entre uma palavra e outra. — Por favor, eu estou tão
assustada... a minha bateria está no fim, vocês precisam
ser rápidos e eu necessito muito de ajuda.
— Por favor, acalme-se. Onde a senhorita está?
— Eu já falei que eu não sei! — mordi o meu lábio
logo que essas palavras saíram da minha boca. Eu não
queria ser rude com alguém que estava ali para me
auxiliar, muito menos correr o risco de Holly ouvir a
minha voz alterada do andar de baixo. — Desculpe, mas...
eu não sei. Eu não estou podendo nem sequer acessar a
internet. Eu só posso lhe dizer que morava em Nova York,
no Brooklyn e eles me trouxeram para cá, eu estou presa
em uma casa há dias. Não faço a mínima ideia de onde se
trata. Eu temo pelo que poderá acontecer comigo, caso eu
permaneça por mais tempo...
— Compreendo, senhorita. Se acalme e mantenha-
se na linha. Você pode me informar o seu nome
completo?
— Faith — eu disse rapidamente. — Eu me chamo
Faith Elizabeth Bloom. Sou irmã de Marcel Bloom, ele é
um empresário muito reconhecido, talvez vocês consigam
entrar em contato com ele e avisar, ou... — calei-me. Eu
já estava começando a falar muita coisa desnecessária.
Teria que ser objetiva, não possuía muito tempo.
Arrisquei olhar para a tela do celular e vi que já
tinha perdido mais três por cento.
Céus...
— Faith Bloom? — a voz da mulher chamou a minha
atenção e voltei a pôr o celular no ouvido.
— Sim?
— Nós tentaremos ajudá-la. Aguarde um momento,
senhorita...
— Você não vai desligar, não é? — me desesperei.
— Claro que não. Só um instante — disse a moça. E
após silenciar o telefone, momento do qual foi regado à
ainda mais tensão e medo da minha parte em perder o
contato, ela retornou com uma voz mais séria. — Nós
iremos atrás de você, senhorita Faith, basta permanecer
na linha. Nós estamos rastreando o seu nu...
Um clique.
Dois cliques.
Silêncio.
Olhei para a tela do celular e ele havia desligado.
— Merda, não... — choraminguei.
Meus ombros caíram, como se eu não estivesse
suportando mais todo o peso daquela decepção e o brutal
rompimento do maldito fio de esperança. Apertei todos os
botões avidamente, mordi o lábio de forma desesperada.
Eu gemia, eu suplicava, eu chorava...
Nada.
A minha única esperança se foi.
Eu estava sozinha novamente.
E iria morrer...
— Mas que porra você está fazendo aqui?!
Oh, merda.
Me virei imediatamente e apertei o celular entre os
meus dedos trêmulos. Sentindo a intensidade do desespero
varrer todo o meu corpo. Meu coração batia forte, as
minhas mãos suavam e estavam pegajosas.
Meu cérebro entrou em um torpor momentâneo no
qual só me permitia pensar em uma única coisa:
Eu estava completa e irrevogavelmente fodida.
— Já chega dessa merda toda — sibilou Holly,
atirando a bandeja que tinha em mãos no chão e levando
uma mão ao coldre preso à calça. — Fodam-se as
autorizações de Derek. Eu vou ensinar você a obedecer
uma maldita ordem, vadia.
10: Em Maus Lençóis
Faith
Derek
Duas horas.
Duas malditas horas resistindo à uma sessão de
tortura.
Soltei um longo suspiro de enfado, me permitindo
reconhecer que o cara era bem mais resistente do que eu
havia imaginado. Levando em conta toda a sujeira que eu
já havia lhe causado — inclua nesse pacote cortes,
contusões e, no mínimo, duas costelas fraturadas —
juntamente com toda a merda de manipulação
perturbadora que eu também trabalhara em torno de sua
mente pervertida de fodedor de crianças, eu me animei ao
saber que teria um pouquinho mais de diversão no meu
caminho. Não que não me agradasse o fato de minhas
odiosas presas poderem colaborar de livre e espontânea
vontade, mas eu também não via um problema muito
grande em me esforçar em meus trabalhos. Eu era um
cara muito dedicado.
Os meus músculos já se viam parcialmente
doloridos. Toda a tensão se difundida como raízes em
várias regiões do meu corpo, e eu não contestaria se
pudesse me dar ao luxo de um decente banho. Por mais
que aguentasse pelo menos umas vinte horas pela frente
acordado, o cansaço já estava começando a reclamar em
torno de mim. Eu ainda não havia nem chegado aos trinta e
naquele momento me sentia como um velho.
A vida é uma grande vadia.
Arrastando as solas dos meus sapatos pelo chão de
linóleo escuro, eu tomei um tempo para respirar. Embora
aquela merda não me incomodasse tanto assim, o lugar
fedia a urina e óleo de motor. Era apenas mais um dos
cômodos escuros de antigas fábricas abandonadas que
serviam de refúgio para moradores de rua, usuários de
drogas ou putas que se achavam pudicas o suficiente para
curvarem-se diante de um pau em algum beco frio e
escuro.
Equipado com sacos de lixo repletos de resíduos
industriais, mesas velhas, pedaços de madeira ou barras
de ferro enferrujados, era o bastante para mim.
Confortável até demais para meu amigo Deflorador.
— Você sabe que está sendo um cara muito burro,
não é, Pacco? — murmurei, sentando-me na cadeira que
pus diante do seu corpo pendurado por uma corda presa
ao teto. Olhando daquele ângulo ele parecia como um
porco em exposição em algum frigorífico. Nojento.
Patético.
Engraçado, um pouco.
— Vá se... foder — balbuciou. As marcas arroxeadas
em seus braços suspensos deixavam sua carne com um
aspecto adoecido, e eu até poderia dizer que nós
estávamos fazendo uma interação demasiado interessante
durante o tempo que eu gastei mantendo-o preso naquela
merda em busca de informações, mas ele não colaborou
muito ao longo dos dias e aquele jogo estava ficando
cansativo. Ou quem sabe o cara já não estivesse
alimentando uma espécie de relação fodida de amizade
com o meu punho.
Levantei-me da cadeira, que rangeu no chão com o
meu movimento calculado. Abrindo um sorriso, eu me
dirigi até a mesa mais próxima e apanhei a faca especial
que havia separado. Ela era feita de aço, lâmina afiada
com relevos e dentes convexos nos dois gumes.
Aquilo faria uma merda muito dolorosa.
— Você está me fazendo perder a paciência, Pacco
— o meu tom de voz era inalterado e, pela expressão que
vi estampada em seu rosto, aquilo não o agradou muito. —
Um endereço. Eu só estou te pedindo um maldito
endereço.
— Eu já disse que não vou falar nada.
— Bom, isso é uma pena — passei novamente o
polegar coberto por minha luva preta sobre a lâmina da
faca. — Será que você precisa de um estímulo?
Adiantei mais alguns passos, aproximando-me de seu
corpo impotente e o cara gemeu feito uma puta acuada no
mesmo instante. Seus olhos esbugalhados, praticamente
saindo das órbitas.
— Merda, cara, que porra é essa?!
— Ora, não vá me dizer que você nunca viu uma faca
antes — gozei, sorrindo amplamente. Estendi mais uma
vez a lâmina. — Caramba, ela está bem afiada.
— Mas que inferno... eu não posso! Se eu contar, eles
irão me matar!
Arqueei uma sobrancelha.
— Bom, o risco é seu — forcei um suspiro. — Eu
tenho uma faca de quinze centímetros na palma da minha
mão. Você sabe o estrago que uma coisa como esta pode
causar? Levando em conta o fato de que você tem, em
média, apenas seis litros de sangue no corpo, um corte na
sua veia femoral faria você ter uma hemorragia bem feia e
sangrar feito um porco em questão de segundos. O que te
daria, aproximadamente, dois minutos de vida. Pode
parecer pouco, mas são cento e vinte segundos
cronometrados enquanto você agoniza em uma poça do
seu próprio sangue até a morte — senti sorriso alcançar
os meus lábios. — A anatomia humana pode ser
incrivelmente assustadora, não?
Ele guinchou algo em lamentação e, após um suspiro
trêmulo, forçou sua voz a sair novamente:
— Tá legal, tá legal... — engoliu em seco. — Eu
conto.
Abaixei a faca e voltei a ficar sério:
— Desembuche.
— Há um galpão abandonado, próximo à Austin
Street no Queens, número 1239. Era uma espécie de
garagem industrial e que hoje virou depósito de drogas.
Todo mês chegam vários caminhões com toneladas
daquela merda para serem armazenadas lá.
— E quanto às armas?
— As armas não vão para lá. Marcel não seria tão
idiota a ponto de dar tanta bandeira. Apesar de eles terem
cobertura de alguns tiras, ainda é muito arriscado.
Fazia sentido.
— E você não sabe onde elas ficam?
— Eu não sei — e ao notar o meu olhar duvidoso, ele
acrescentou: — Eu não estou mentindo. Marcel nunca nos
deixa nos envolver completamente em seus negócios. Eu
estou dizendo o que eu sei.
— Certo, e a segurança? — voltei a perguntar. —
Não minta para mim, eu quero números exatos.
Ele balançou a cabeça, parecendo pensativo.
— Uns três, no máximo.
Como tirar doce da boca de criança.
— Pelo visto, você não é tão fodão assim, hein,
Pacco — deixei escapar uma risada. — Onde estão as
suas bolas agora?
Me aproximei mais alguns passos dele. Estava nu e
seu pau flácido pendia entre as suas pernas como uma
prova vergonhosa da escória que ele era.
— O-o que você tá fazendo, cara? Eu disse a
verdade... Eu dei o maldito endereço.
— Eu sei, e fico grato pela informação. Espero que
você não esteja mentindo — ele se remexeu na corda
conforme eu me aproximava. Assisti aquilo com um
sorriso nos lábios. Merda, aquilo seria doloroso. — Não
me leve a mal, ok, amigo? Nada pessoal, mas eu não estou
no meu melhor dia, e preciso seriamente fazer algo.
— Porra, você é louco — ele se balançou, tentando
inutilmente se soltar. — Psicopata filho da puta!
— Uau, você me ofendeu agora — murmurei,
ignorando suas lamentações e fiz uma pausa. — Mas ao
menos eu sei em que circunstâncias devo manter o meu
pau dentro das minhas calças.
O corte foi rápido. Fácil. Ele gritou, eu observei.
Sangue jorrou e eu apenas dei alguns passos para trás.
Ele não duraria muito, então eu não precisava perder
mais tempo naquele lugar.
Limpando o sangue das minhas mãos, eu vesti o
capuz do meu casaco e saí direto para a rua fria e escura.
Mesmo dentro do carro, eu ainda podia ouvir os
gritos esganiçados e gemidos que ele dava.
Eu não disse? Exatamente como um porco.
☆☆☆
Encostei meu carro a alguns metros de distância do
galpão de fachada amarela, cujo canto superior se lia o
número 1239. O depósito para onde eram levadas as
drogas de Marcel não parecia exageradamente extenso,
mas não precisava ser muito inteligente para saber que ali
dentro havia milhares de dólares convertidos em
toneladas de cocaína. Por um momento eu desejei
internamente que Marcel estivesse ali quando parte
daquilo que ele lutou anos para construir fosse pelos ares.
Eu queria ver estampado em seus olhos o brilho do
desespero. Seria divertido. Bem mais divertido do que o
que eu vira nos olhos de Faith no dia em que a sequestrei.
Talvez fosse meio idiota eu dizer isso, mas tirando a
parte em que era excitante a sua petulância e resiliência,
eu não via muita diversão em mantê-la sob cárcere. Ela já
estava começando a ser bem... maleável, por assim dizer;
e apesar de já saber desde o começo qual era o seu jogo
com tudo aquilo, eu permiti lhe dar algumas regalias. Não
era pelo fato de eu gostar da garota, muito menos por estar
sentindo alguma espécie de empatia por ela, mas Faith
estava colaborando e eu não era um completo filho da
puta durante todo o momento, afinal de contas.
Desci do carro e me esgueirei atrás de um dos
caminhões. Aproximadamente dois caras conversavam e
fumavam do lado de fora.
Posicionei a minha arma e mirei. Na testa.
No instante em que o primeiro cara caiu, o seu amigo
ao lado já se preparava para puxar o rádio que mantinha
preso à calça. Não hesitei e disparei em seu peito.
Me aproximei mais. Da porta eu já podia ver
quantidade de caminhões estacionados lá dentro. No
mínimo, sete. Puro dinheiro em pó.
Sorri para mim mesmo.
Dando mais uma averiguada, constatei que o outro
segurança estava sentado em uma das cadeiras de
madeira, com um boné sobre os olhos e eu achei ter
escutado algo como um ronco.
Me aproximei sorrateiramente e fui direto em direção
às lonas escuras cobrindo algo que eu já sabia o que era.
Desatarraxei a tampa do galão. O odor da gasolina
preencheu o ambiente quando eu molhei toda a droga.
Me afastei e risquei o primeiro palito de fósforo.
Fogo lambeu a parte traseira do galpão e, em
seguida, vi o clarão. Com isso, todas as outras coisas
começaram a queimar junto e o caos estava feito. Meu
serviço estava acabado por aquela noite.
Fui direto para o carro e dei partida.
Foi quando o meu telefone tocou e eu não hesitei em
atender.
— Arraste a sua maldita bunda para casa. Agora! —
a voz de Ryan soou tensa.
— Eu posso saber que diabos está fazendo você agir
como uma cadela ciumenta que acaba de encontrar uma
marca de batom da camisa do seu homem?
Ele suspirou. Em seguida, voltou a falar com voz
mais controlada:
— Nós temos problemas, Derek.
Dei uma pausa. Eu ainda mantinha o olhar na direção,
mas meus sentidos ficaram em alerta.
— Esclareça melhor isso.
— Eu acho melhor você verificar com os seus
próprios olhos — ele murmurou. — Ao que tudo indica, a
sua pequena garota fez uma grande travessura.
Maldição.
Faith
Eu não sabia exatamente para onde Derek havia me
levado, mas aquele lugar, com certeza, não era Nova
York. E minhas desconfianças se comprovaram, assim que
avistei, pelo vidro da janela do carro, uma placa de
madeira gasta onde se lia Newburgh.
John Wallace e seus parceiros ainda mantinham-se
calados e eu apenas permaneci quieta. Por mais que eu
estivesse fora da casa de Derek agora, algo ainda
espezinhava minha mente. Primeiramente, os policiais não
haviam prestado socorro a Holly, e por mais que ela fosse
uma bandida que acabara de iniciar uma troca de tiros
com eles, ainda estava viva quando saímos do lugar. E,
bem, eu imaginei que houvesse ao menos uma espécie de
protocolo entre bons policiais que consistia em ao menos
prestarem socorro aos bandidos feridos, certo? Até
porque ela teria que ser presa, caso saísse daquela
história viva. Estremeci com o pensamento de que Holly
provavelmente estaria morta por minha culpa, mas tão
rápido quanto, tratei de jogar isso para o alto. Eu estava a
salvo agora e eu não queria mais que minha mente girasse
em torno disso.
Eu deveria estar pensando em como tudo seria a
partir dali. Era fato de que eu não havia sofrido um trauma
muito grande a ponto de precisar de um psicólogo, mas
era bem provável que o meu irmão insistisse naquilo
futuramente. Lembrando de Marcel, me remeteu a
relembrar que eu precisaria fazer uma ligação para ele o
quanto antes.
— Eu preciso fazer uma ligação.
Os dois homens sentados à frente se entreolharam
brevemente, antes de John me olhar pelo espelho do carro.
— E eu posso saber para quê?
A pele do meu rosto instintivamente se esticou com
aquele tom de voz, mas eu decidi ignorar.
— Eu preciso que o meu irmão saiba que estou bem.
Eu me sinto mais segura assim.
John foçou um sorriso.
— Você está segura conosco, querida.
— Eu sei, mas...
— Nós já estamos chegando — seu tom foi cortante.
— Agora descanse o máximo que puder, sim?
Eu me forcei a assentir e recostei minhas costas
contra o banco. O carro fez uma curva, entrando em uma
estrada deserta repleta de arbustos e grama e comecei a
estranhar ao perceber que já estávamos a, pelo menos, uns
quarenta minutos rodando, mas ainda não parecíamos
estar perto de algum lugar que significasse civilização.
Que merda era aquela?
— Para onde estamos indo? — questionei
— Para onde você deve ir — respondeu Charlie. Ele
parecia impaciente.
Quando o carro parou, em frente a uma construção
antiga de madeira parecendo uma cabana abandonada de
filme de terror, eu me forcei a não surtar.
Que diabos aquilo significava? A menos que as
delegacias em Newburgh fossem feitas de madeira
apodrecida e oca, aquele lugar definitivamente não era
para onde eu deveria ir.
Não tive tempo de dizer mais nada quando o homem
que estava ao meu lado agarrou o meu pescoço com força
e forçou-me para fora.
— Vamos lá, querida. Nós temos assuntos para
acertar.
Nem fodendo!
Comecei a me debater, chutar e arranhar. Mas eles
eram três e — porra — estavam me machucando. No
instante em que eu abri a boca para gritar, algo veio em
minha direção. Em seguida, o que eu via era preto.
12: Ligando os Pontos
Derek
O sangue ainda fresco enxovalhava o pequeno tapete
de entrada. No local onde deveria estar alojado todo o
conjunto de fechadura da porta, uma marca de bala
formava um buraco de poucos centímetros de diâmetro,
deixando o aço parcialmente completo.
Capturei a cápsula do projétil no chão e analisei em
silêncio.
— Eu ainda estou me perguntando o que diabos você
fez com o sistema de segurança que eu tanto me empenhei
em preparar para esse lugar — a voz de Ryan ainda era
aborrecida.
— Holly deve ter negligenciado sobre isso,
provavelmente — eu respondi, me lembrando pela
milésima vez do quão idiota eu fora em permitir que
alguém como Holly mantivesse guarda sobre a casa.
— Ah, claro. A vadia louca — ele bufou. — Aquela
cadela sempre me assustou, e eu sempre me perguntei
onde você estava com a maldita cabeça quando decidiu
acolhê-la justamente aqui.
— Você não é o único, acredite.
Eu ainda não podia crer que aquela merda estúpida
havia acontecido justamente comigo, que era sempre tão
cuidadoso. E o pior de tudo é que provavelmente poderia
ter sido evitada, afinal, a residência era localizada em um
lugar isolado o suficiente para impossibilitar que pessoas
tivessem fácil acesso à ela sem um possível chamado.
Não fora à toa que decidi comprar uma casa
localizada na parte mais escondida da cidade Newburgh.
Sendo inicialmente uma antiga moradia de veraneio
abandonada, eu a comprara por um preço bom em uma
localização até agradável, repleta de árvores que eram
constantemente cuidadas.
Eu mesmo cuidara de tudo. Demorei em torno de seis
meses para reparar a pintura descascada, escadas
deterioradas, móveis velhos e piso danificado. Foi
durante esses meses, também, que eu reforcei a segurança
das janelas, das portas e dos arredores. Eu sabia que Faith
gostava de lugares claros, então eu deixei a janela no alto,
mas espaçosa o suficiente para entrar luz. Em um
pensamento estranho, eu me dei conta de que estava
agindo como um maldito noivo em preparativos pré-
casamento. Só que no nosso caso — eu ri amargamente —
eu manteria a minha noiva presa e depois a assassinaria.
Doentio.
Olhei para o local onde o corpo de Holly estivera
antes que eu chegasse. Ela era uma boa amiga — ao
menos nos momentos em que lhe convinha. A mulher era
louca e já era de se imaginar que mais cedo ou mais tarde
algo como isso lhe aconteceria. Ryan havia feito um
belíssimo trabalho tirando parte da sujeira do lugar, assim
que teve oportunidade. Ele me disse que havia vindo até a
casa para realizar uma das verificações que sempre fazia
no sistema de alarme e acabou por encontrar a porta
arrombada, Holly estirada no chão exibindo um buraco de
bala no peito e a casa nesse caos. Ele entrou, deu um jeito
no corpo e fez o que pôde com o chão.
— Você está total e irrevogavelmente ferrado e tem
ciência disto, certo? — Ryan voltou a falar. — A garota
vai dar com a língua nos dentes, assim que encontrar o
primeiro que lhe oferecer ajuda.
— Talvez ela nem tenha a maldita chance de falar
alguma coisa — eu disse, e de uma forma estranha aquilo
me retorceu por dentro.
— O que você está querendo dizer com isso, cara?
— ele retrucou. — A menina destruiu a casa e acabou com
a sua amiga louca, depois fugiu sem rastro algum. Isso
depois de ter sido sequestrada e mantida em cárcere por
você. Você acha mesmo que ela perdoaria algo assim?
— Não foi ela.
— O quê?! — Ryan parecia incrédulo.
— Eu disse que não foi ela — repisei. — Há tiros
por toda parte, muita coisa quebrada. Faith não teria força
suficiente para isso. Sem contar que ela, provavelmente,
nunca tocou em uma arma.
— Ela é irmã de um bandido, Derek! — ele
exclamou como se aquilo fosse uma coisa muito óbvia e
eu ainda não houvesse me ligado. — Eu não duvido nada
que aquela garota não tenha tocado em uma coisa dessas
algum dia.
— Eu sei o que estou falando, Ryan. Não foi ela.
Ele suspirou e suspendeu as mãos.
— Ok, então, o que você acha que aconteceu? Ela fez
uma espécie de contato telepático com extras terrestres e
eles vieram até aqui e a levaram?
— Muito mais provável — ironizei, caminhando
mais alguns passos pelo local. No chão havia alguns
destroços de objetos quebrados, mas nada que
denunciasse explicitamente a visita de mais alguém. Havia
mais buracos de tiro na parede e outro no aparador ao
lado da porta. Sofás fora do lugar, cacos de vidro em
algumas partes e uma mancha enorme no chão, de sangue
com sabão. Essa era a versão Ryan de limpeza.
— Derek, o quão bem você conhece essa menina?
Sério, você apenas criou uma espécie de obsessão por
acabar com o irmão dela, a sequestra e agora me vem com
essa história de que não acredita que foi ela quem fez tudo
isso — ele fez um gesto com os braços indicando o caos
ao nosso redor —, quando ela era a única pessoa aqui
dentro, além de Holly que, por sinal, está morta. Já passou
pela sua cabeça que ela seja muito mais esperta do que
pensamos?
Sim, Faith era esperta e aquilo nunca fora um
segredo para mim.
Ele continuava tagarelando sem parar e eu me
obriguei a ignorá-lo, permanecendo com a minha busca.
Os tiros nas paredes eram poucos e o da porta fora
preciso. Coisa de quem já está acostumado a usar uma
arma, o que definitivamente não era o caso de Faith.
Poderia ter sido Holly, mas ela não teria motivos para
atirar na fechadura da porta, uma vez que possuía as
chaves.
— Sabe, isso é estranho — a voz de Ryan me tirou
dos pensamentos.
— O que é estranho?
— Toda essa sua situação com a garota.
— A garota tem nome — já estava ficando irritado
com sua insistência. — Acho que não seria muito
doloroso se você tentasse chamá-la de Faith.
Ele sorriu e deu de ombros.
— Um belo nome, a menina tem — rolei os olhos
diante da provocação. — Mas e aí, você a vigiou por
quanto tempo mesmo? Dez, doze meses?
— Um pouco mais de um ano — respondi, sem saber
ao certo onde ele queria chegar com aquilo.
Ele estreitou os olhos, pensativo, e se sentou no sofá,
apoiando os pés na mesa de centro parcialmente inteira.
— Isso é um bom tempo, não? — voltou a falar,
cruzando as mãos sobre o estômago. — Eu fico
imaginando as cenas: a garota indo até a manicure, ao
supermercado, ao trabalho e tudo mais, e você sempre
atrás como um namorado ciumento — ele arqueou a
sobrancelha. — Ou um namorado protetor. Aposto que
você já deve ter botado para correr uns dois ou três
assaltantes em potencial durante esse período, hein?
— Talvez — resmunguei, me negando a reconhecer
que eu realmente fizera aquilo algumas vezes.
Ryan voltou a sorrir e dessa vez seu sorriso se
transformou em uma gargalhada.
— Puta merda! Isso é quase um relacionamento.
Eu parei o que estava fazendo e me obriguei a olhar
para ele. O idiota me fitava com um sorriso fodido nos
lábios. Semicerrei meus olhos, tentando saber onde
diabos ele queria chegar com toda aquela conversa.
— Você está insinuando que eu estava buscando
nutrir uma espécie de relacionamento com a minha
prisioneira? — arqueei uma sobrancelha. — Sério, Ry, o
quão doente você acha que eu sou?
— O tipo de doente que não admite suas merdas —
ele disse. — Derek, eu acho que nós temos um grande
problema aqui.
— Não me diga.
— Eu não estou falando somente do sumiço da sua
garota e toda a bagunça — ele balançou a mão para
enfatizar o seu ponto. — Mas você já parou para pensar
que toda essa fixação por mantê-la por perto talvez não
tenha somente a ver com o seu irmão?
Era só o que me faltava.
Me virei para ele.
— Não, eu nunca parei para pensar nisso, Ryan. Até
porque eu estava com a minha mente ocupada o suficiente
com o fato de que eu precisava não perder a minha
maldita vida, principalmente no momento em que você me
encontrou apodrecendo aos pés de uma lata de lixo, quatro
anos atrás — pausei e respirei fundo. — Acho que este é
um motivo muito bom para eu querer fazer o que eu fiz,
não acha?
— Eu não estou dizendo que você não teve seus
motivos sanguinários para fazer isso, Derek —
argumentou. — Mas convenhamos que você fica diferente
quando fala dela. Você fica... eu não sei. Você
simplesmente muda.
Eu dei uma pausa, respirando fundo. Eu estava
cansado, meus músculos precisavam de um descanso, mas
não podia fazer muito sobre aquilo, pois tinha assuntos
para resolver. Assuntos estes que incluíam o sumiço de
Faith, a garota cuja morte eu mesmo planejara e esse
idiota ainda ousava encher a minha paciência com toda
essa conversa esquisita?
Eu não era paciente o suficiente para isso.
— Você faz péssimas deduções — foi a única
resposta que dei. — Agora cale essa boca, arraste este
seu traseiro feio até aqui e venha me ajudar.
Ele rolou os olhos e se levantou do sofá, vindo em
minha direção e começando a retirar algumas peças
quebradas do caminho. Voltei a fazer o que estava me
dedicando com tanto empenho, prometendo a mim mesmo
que da próxima vez em que eu fosse comprar uma casa,
ela teria menos objetos de vidro. Foi quando vi algo que
chamou a minha atenção: bem no chão, em meio aos
infinitos cacos transparentes, havia um celular. Era um
aparelho simples, de modelo antigo, de uns dez anos atrás,
provavelmente. Sem muitas funções, apenas para tirar
fotografias e fazer ligações. Bem conveniente.
— Isso é seu? — indaguei a Ryan e ele negou com
um gesto de cabeça.
Voltei a analisar o aparelho, dando-me conta também
de que não era um dos meus telefones, muito menos o de
Holly. O de Faith eu mesmo havia desmontado e sabia que
não era. Ergui a pequena tampa e dei uma averiguada
pelas funções — sem senha de bloqueio. Que ótimo.
Ao sondar pelas últimas ligações, não me deparei
com muitos contatos. Apenas um número de uma mulher.
Emma Holt.
Bom, bom. Grande coisa. Um nome nos leva a vários
destinos, e aquele, definitivamente, era um caminho
interessante.
Fiz um sinal com o dedo para que Ryan mantivesse
em silêncio e disquei. No segundo toque uma voz melosa
atendeu:
— Hey, baby, eu já estava com saudade — revirei
os olhos, mas permaneci em silêncio. A mulher aguardou
por resposta por mais um segundo e no momento em que
voltou a falar, parecia encolerizada: — John, você sabe
que eu odeio quando me deixa falando sozinha. É melhor
você parar agora com os seus joguinhos ou...
Encerrei a chamada.
Ryan ainda mantinha seus olhos em mim, curioso.
— E então?
— Pelo visto a última pessoa com a qual ele teve
contato por este celular foi uma tal de Emma. Deve ser
namorada do cara que, ao que tudo indica, chama-se John
— falei.
Agora eu só precisava descobrir que tipo de ligação
esse cara tinha com Faith e o seu sumiço. Voltando para a
lista de contatos do celular, eu corri pelos inúmeros
números desconhecidos e dei-me conta de que boa parte
das nomeações da Agenda vinha acompanhada por algum
cargo da polícia.
— Bom, isso já é alguma coisa, certo? — Ryan
comentou. — A notícia ruim é que John é um nome um
tanto quanto comum. Vai ser meio difícil encontrar esse
cara.
— Talvez sim, talvez não — falei enquanto ainda
analisava a agenda. — Eu só preciso ligar uma coisa à
outra, Ry. Há contatos policiais por aqui também, o que
pode ser uma grande pista... — em seguida, eu congelei.
— Ora, ora...
— Algo interessante?
Atirei o celular para ele.
— Veja com seus próprios olhos.
No momento em que Ryan segurou o celular e
visualizou a tela, ele soltou um assobio baixo.
— Marcel? Uau.
— Exatamente. Coincidência demais? — voltei a
andar pela sala, tentando pôr a minha mente para
funcionar. Eu precisava mais do que nunca ligar esses
pontos finais agora. — Marcel envolvido com a polícia,
tiros, Faith aparentemente resgatada. Não é uma charada
muito grande.
— E como você tem tanta certeza de que o cara é um
policial? — Ryan pôs em questionamento. — Por mais
que ele tenha contato com policiais, poderia ter sido, sei
lá, um assaltante.
— Eles entraram e levaram somente a garota, Ryan
— respondi, esperando que aquilo fosse mais que óbvio.
— Apesar do fato de que um policial experiente não faria
algo como isso, dessa forma, seja lá quem tenha estado
aqui, queria levar apenas garota. Eles simplesmente
apanharam Faith daqui e a levaram. O que me deixa muito,
muito irritado, pois eu não gosto que se metam nos meus
assuntos, muito menos que mexam no que é meu.
Ryan soltou um assobio baixo e passou a mão pela
cabeça quase rala.
— Faz sentido. Mas... pode ter sido apenas um dos
homens do irmão dela. Já passou pela sua cabeça isso?
— Sim, eu sei. E é por isso que nós vamos tentar
eliminar as possibilidades. Começando com o fator
polícia.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que nós vamos nos certificar com a
própria polícia se eles sabiam que Faith estaria aqui.
Um som estranho saiu da garganta do meu amigo e ele
olhou para mim como se estivesse fitando um fugitivo de
um manicômio.
— Derek, você perdeu a sua mente?! — exclamou.
— Você sabe que estaria morto no instante em que pusesse
seus pés em uma delegacia, certo?
Sorri.
— Claro que eu sei. E é por isso que você vai me
ajudar.
— Como é que é?
— Exatamente, Ry. Você esteve por um tempo na
polícia. Acredito que tenha algum contato importante.
— Derek, eu não sei se você percebeu, mas eu não
sou mais um tira, meu amigo. Eu não posso apenas entrar
lá e buscar informações sem que as coisas se tornem
estranhas demais.
— Claro que não, mas você conhece policiais, certo?
Qual é o nome mesmo daquela morena bonita que você
não parava de falar sobre? Candice?
— Cadence — ele me corrigiu, ficando vermelho
instantaneamente como um colegial. Rolei os olhos. — E
eu não vou envolvê-la nisso. Ela é uma garota legal.
— Eu não disse que não era — repliquei. — Será
apenas um telefonema para a sua namorada. Nada de mais.
— Ela é uma amiga — me corrigiu. — E eu ainda
não tenho certeza se deveríamos.
Revirei os olhos novamente. Eu já estava começando
a ficar impaciente.
— Uma amiga com a qual você fez sexo por mais de
um ano. Enfim, eu não estou interessado em discutir sobre
a sua vida sexual. Eu quero um telefonema, não vai doer
nada. Ligue para a sua amiga e consiga saber se tivemos
uma ligação para a emergência com o nome de Faith
Elizabeth Bloom entre as dezoito e vinte e uma horas do
dia de hoje. Depois disso, eu saberei o que fazer.
— Você é um filho da puta — ele resmungou antes de
puxar o seu telefone do bolso.
Eu sorri.
— Eu só estou tentando te ajudar a conseguir um
encontro decente.
☆☆☆
Quarenta minutos e um convite para jantar depois,
Ryan desligou o telefone. Ele olhou para mim e deslizou o
celular de volta para o seu bolso.
— Bom, pelo visto a sua querida prisioneira fez uma
ligação que foi cortada em poucos minutos. Cadence me
informou que saiu uma viatura do local por volta das
dezenove horas. No entanto, os policiais ainda não
retornaram para a delegacia ou deram alguma sinalização
a respeito.
Merda!
— Eu não sei o quê, mas tem algo de muito, muito
errado nisso. Já era para eles terem aparecido por lá. Já
se passaram horas desde a ligação.
— Você tem razão — ele falou, voltando a se sentar
no sofá. — E então, o que você acha que seria melhor a se
fazer?
Voltei a caminhar pela sala enquanto pensava.
— Essa Emma, provavelmente, é a única que
conhece o tal John, ou seja, única pessoa com quem eu
posso contar. O que significa que ela vai ser a minha
passagem para chegar até o cara.
Ryan se inclinou, apoiando seus cotovelos nos
joelhos.
— O que diabos você está pensando em fazer,
Derek?
Ainda calado, peguei novamente o celular que havia
encontrado na sala e digitei uma mensagem curta e apertei
em “enviar”. Ryan me olhou com uma expressão
desconfiada.
— Eu marquei um encontro com a vadia amanhã cedo
no centro da cidade — respondi tranquilamente e analisei
a pequena fotografia da tal Emma no contato da agenda.
— Por que você está fazendo isso? — Ryan me
perguntou quando me sentei ao seu lado.
— Eles levaram algo que é meu, Ryan, e eu costumo
reivindicar as minhas coisas de volta — respondi
simples.
Ele bufou.
— Ela é só uma garota com uma mala de problemas,
e que mais cedo ou mais tarde irá foder com a sua vida.
— A minha vida já foi fodida há muito tempo, Ryan
— eu disse. — Esse idiota, seja lá quem for, atrapalhou
os planos do cara errado e agora ele vai pagar pela merda
que fez.
Ele balançou a cabeça e voltou a passar a mão pelos
cabelos.
— Merda! Eu me sinto como um velho falando com
você.
Eu dei uma risada.
— Mas você realmente está ficando velho, irmão.
☆☆☆
Caminhei do banheiro para o quarto e desenrolei a
toalha em meus quadris, deitando apenas de cueca sobre a
cama fria.
Peguei o celular de Faith, que eu havia encontrado
algumas horas atrás jogado ao chão do meu quarto, e
analisei a pequena fotografia na tela. Eu pusera a bateria
do celular para carregar havia alguns minutos, e no
momento em que a luz se acendeu tratei de me certificar se
ela realmente fizera uma ligação para a polícia por volta
das dezoito horas, confirmando o fato.
Dera-me conta de muitas outras coisas também.
Principalmente o fato de que o meu quarto estava
completamente revirado, minhas roupas remexidas,
gavetas fora do lugar e toda a bagunça que se pode
imaginar.
O que mais me surpreendeu foi a tesoura
ensanguentada no chão. Apesar da aparência frágil, Faith
era uma guerreira. Bem provável que tentara travar uma
luta com Holly em algum momento. Será que ela teria tido
a coragem de matar Holly, caso tentasse?
Sorri amargamente, voltando a analisar o plano de
fundo do celular. Eu gostava daquela foto em especial.
Faith parecia feliz, fazendo algo de que gostava, com
quem gostava. Ela costumava sorrir com frequência,
percebi isso durante o tempo em que estive a espreitando.
Ela não sorrira mais desde o dia em que a sequestrei. Eu
destruí isso. Eu havia destruído tanta coisa, e era bem
provável que eu estivesse destruído a própria Faith
também. Talvez ela nem estivesse mais viva àquela altura
do campeonato.
Atirei o celular em qualquer direção e passei a mão
pelo rosto, dobrando os meus braços atrás da minha
cabeça, logo em seguida, apoiando-os no travesseiro. Me
peguei levemente irritado com o curso dos meus
pensamentos.
Que merda estava acontecendo comigo?
Soltei um resmungo baixo e tratei de tentar descansar.
Eu precisava disso. Precisava das minhas forças
renovadas se quisesse encontrar o tal John ou seja lá quem
estivesse no meio daquilo tudo.
Mas, como um castigo ou uma maldição, as imagens
de Faith não saíam da minha cabeça, reprisando uma e
outra vez, como num filme: Faith com seus amigos, Faith
na formatura da faculdade, Faith com as crianças que
visitava, Faith abrindo um sorriso tímido e ficando
vermelha todas as vezes em que eu comentara algo que a
deixava desconcertada no dia em que finalmente nos
encontramos. E por último, os olhos assustados, raivosos
e decepcionados no momento em que tirei o maldito capuz
de sua cabeça. Ela não sorriu mais a partir dali. Por minha
culpa.
Abri os olhos e fitei o teto, suspirando
melancolicamente.
— Tarde demais para voltar atrás.
13: No Inferno Faz Frio
Faith
Derek
Faith
Faith
Derek
Faith
Faith
Os olhos grandes e azuis da mulher no reflexo do
espelho era, provavelmente, a única coisa que denunciava
quem eu realmente era. Eu havia acabado de finalizar o
processo de tingir os meus cabelos — que agora eram
castanhos, quase pretos. Foi até interessante, pois serviu
para realçar os meus olhos. Eu me senti mais bonita com a
mudança, afinal sempre me considerei muito branca e os
cabelos loiros extremamente claros deixavam-me com um
aspecto ainda mais pálido, sem contar no fato de que eu
parecia mais como uma adolescente de colegial do que
uma mulher de vinte e dois anos. Eu definitivamente
parecia mais velha agora.
Eu ainda não havia saído do banheiro. Não sabia
exatamente se estava pronta para aquilo, mas nós iríamos
viajar em pouquíssimos instantes e eu realmente deveria
me adiantar. Irrompi para fora do banheiro e dei de cara
com Derek sentado no puído sofá da sala, de cabeça baixa
e cotovelos apoiados nas coxas. Pigarreei para chamar a
sua atenção e no momento em que ele ergueu a cabeça,
notei a estupefação estampada em seus olhos. Nervosismo
me abateu diante do olhar analisador de Derek. Voltei a
limpar a minha voz que notei estar trêmula:
— Eu fiquei diferente, eu sei — eu disse, forçando
um sorriso estranhamente nervoso. — Espero que não
tenha ficado algo bizarro.
— Você está sexy — bom, eu não esperava algo
como aquilo. Apenas o fato de ouvir estas três palavras
fez coisas retorceram-se em meu ventre.
— Bom, eu acho que isso foi um elogio — retruquei
e ele sorriu.
— Sim, embora eu não tivesse do que reclamar
quando você estava loira. Eu acho que você ficou quente
nesse visual. E, já que eu tenho que me passar por um cara
casado e desempregado, eu creio que mereço ao menos
uma esposa gostosa, certo?
Fiquei sem reação. Merda, ele estava realmente
dizendo que me achava quente? Ninguém nunca havia me
chamado de gostosa antes. Eu sempre me considerei
normal e apesar meus seios serem um pouco maiores do
que os da maioria das garotas que conhecia, eles não eram
uma espécie de atrativos em mim. Não quando você é
praticamente uma antissocial, maníaca em séries e cheia
de cicatrizes no corpo. Mas Derek me achava — uau! —
quente. Mordi o lábio para evitar sorrir feito uma idiota,
porque era isso o que eu era. Uma grande idiota.
— Bom, você está quente também — expressei,
empolgada. Era apenas para ser uma forma de descontrair,
mas eu não sei se ele levou aquilo na brincadeira, pois o
sorriso torto que me lançou de volta definitivamente me
dizia o contrário. Eu e minha maldita língua. — Quero
dizer, você está... bom assim.
Seu sorriso se converteu em um riso travesso e eu
mordi dentro qualquer frase que meu cérebro infeliz tenha
tentado elaborar. Por que eu ficava parecendo uma
adolescente estúpida sempre que ele era legal comigo?
Era bem mais fácil lidar com o Derek idiota que me
lançava palavrões. O Derek encantador me deixava
desconcertada. E como se a minha situação já não
estivesse pior, ele salientou:
— Eu sei que sou sexy, doce Faith. Não precisa ficar
vermelha por reconhecer isso.
Certo, a minha cota de bochechas coradas já havia
alcançado o seu limite por aquele dia. Eu teria que
enfrentar uma viagem com Derek por sei lá quantas horas
e, se continuássemos naquele rumo, eu chegaria na
Califórnia com o rosto pegando fogo, enquanto ele não
pararia de rir da minha reação. Ele adorava me provocar,
o bastardo.
Como se prevendo a minha extrema necessidade de
atenuar o momento constrangedor, Ryan apareceu na porta
após dar duas batidas leves, se anunciando. Nos viramos
para encará-lo.
— Espero que tenham tido uma boa noite de sono,
pois a viagem será longa — disse ele. — Eu já enchi o
Jeep de gasolina suficiente para algumas boas horas e tem
alguma comida lá, também. Imagino que dê apenas para
um lanche, então vocês terão que se virar para comer na
estrada.
Droga, de carro? Eu imaginei que fôssemos de avião.
Mas não era seguro, levando em conta o fato de que
éramos fugitivos e provavelmente um aeroporto seria um
dos primeiros lugares onde nos procurariam.
Sem problemas, Faith. Não é como se você fosse
surtar estando ao lado de Derek por, o quê... seis, sete
horas, aproximadamente? Eu conseguiria viajar com ele
por seis horas sem problema algum.
— Quanto tempo, mais ou menos vai durar essa
viagem? — perguntei.
— Dois dias — respondeu Ryan.
Puta merda, dois dias?! Dois dias em um carro com
Derek. Deus, eu esperava não mata-lo até lá.
— Tudo bem — falei, tentando não demonstrar o
quanto aquilo me inquietava. — Nós já podemos ir?
— Claro — Derek disse. — Você pôs tudo o que
precisava na mala? Não está esquecendo de nada?
— Não é como se eu tivesse muita coisa para levar
— respondi. — Está tudo comigo.
— Bom, então eu só tenho que desejar boa viagem —
disse Ryan. — Eu ligo para manter vocês a par das
novidades.
— Ok — Derek falou. — Valeu por tudo.
— Não há de quê. E a propósito, você ficou muito
sexy com essa cor de cabelo, menina Faith. Eu adorei.
Não deixei de sorrir.
— Obrigada, Ryan.
— Bom — Derek pigarreou um pouco forçado
demais, seu semblante sério. — Eu acho que nós temos
que ir, não é?
Assenti e fui guiada pelos dois homens até o Jeep.
Pusemos nossas malas no porta-malas e eu aproveitei para
colocar o casaco que Derek havia me emprestado no
banco da frente. Eu sentiria frio futuramente. Não
pretendia devolvê-lo tão cedo.
Quando já estávamos ambos no carro, ele ligou o
motor e, logo após, uma música dos X-Ambassadors
penetrou em meus ouvidos. Bom, ao menos um bom gosto
musical eu podia reconhecer que o homem possuía.
Ele pôs um par de óculos de sol e se virou para me
encarar.
— Pronta para viajar dois dias ao meu lado, doce
Faith?
— Se você não me irritar até chegarmos lá, é bem
provável que eu pense duas vezes antes de te dar outro
tiro.
Ele deu uma risada.
— Se você tivesse uma boa pontaria, até que eu me
sentiria ameaçado.
E sem mais uma palavra, ele pôs o carro em
movimento. Eu vi a forma como ele ficava bem com
aqueles óculos escuros e me dei conta de que matá-lo não
seria o meu maior desafio naquela viagem. Nem de longe.
☆☆☆
Dizer que uma viagem de incontáveis quilômetros do
estado de Nova York até a Califórnia ao lado de Derek
era algo entediante, seria uma grande e descarada mentira.
Ele não era muito de se abrir e contar coisas sobre o seu
passado, óbvio, mas era irritantemente sarcástico o
suficiente para se tornar engraçado. Eu consegui descobrir
— com um pouco de persistência maligna que me fez
adquirir o apelido nada carinhoso de Pequena Cadela
Insistente — que ele gostava de escutar bandas de heavy
metal e hard rock, tal como Kiss, Metallica, Aerosmith e
Red Hot Chili Peppers. Ele também havia confessado em
algum momento que detestava comida japonesa, reality
shows e não tinha paciência para garotas sem cérebro. Seu
sabor favorito de sorvete era creme e a sobremesa
predileta, cookies com gotas de chocolate — eu tentei
descobrir se ele estava zoando com a minha cara nessa
parte, mas percebi no mesmo instante que estava sendo
seriamente sincero.
Contudo, o seu lado "legal" e "gentil" se limitava a
isso, claro, sendo sobreposto pelo lado bastardo dos
infernos que ficou durante um longo momento contestando
o fato de eu ter sido basicamente uma fã dos Backstreet
Boys na adolescência e crer veemente na teoria de que o
Michael Jackson ainda estava vivo. Qual era o problema
em eu acreditar que Michael Jackson não havia morrido,
de fato? Eu ainda não havia perdido a esperança de um
dia poder assistir a um show seu.
— Você nunca parou para pensar que talvez ele tenha
realmente morrido e virado um zumbi, cavado o solo com
as próprias mãos para finalmente voltar ao mundo
exterior? — zombou, ainda dirigindo. — Exatamente
como vimos no videoclipe de Thriller, sabe? Com vermes
saindo dos seus olhos, muita sujeira e sangue pútrido
escorrendo da...
— Ugh, Deus, você é tão nojento! — o cortei fazendo
uma careta ao imaginar a cena. Ele deu uma risada,
satisfeito com a reação que ocasionou em mim e balançou
a cabeça.
— Fala sério, Faith, você realmente crê nessa
merda? — sem aguardar por uma resposta minha, voltou a
fitar a estrada, dividindo sua atenção entre ambos. —
Esse é o problema da juventude do século XXI. Estes
programas de televisão estúpidos, juntamente com a
internet e a mídia parasita alienam as pessoas, fazendo o
trabalho de convencê-los a acreditar nessas baboseiras
sem noção que eles montam, apenas para ganhar dinheiro.
— Você fala como o meu avô falaria — resmunguei
com um revirar de olhos. — Parece um velho de setenta
anos.
— Eu sou experiente — salientou, naquele tom
presunçoso que tanto me irritava, mas eu já estava
começando a me acostumar, pois fazia parte dele. — E eu
só aceito ser comparado com o seu avô de setenta anos,
caso ele não tenha sido fã de boybands como Backstreet
Boys ou 'N Sync em algum momento de sua vida, porque
isso, no mínimo, comprometeria seriamente a minha
masculinidade.
Relanceei um olhar em sua direção e percebi que ele
estava com uma expressão zombeteira. Óbvio que estava
fazendo aquilo para me irritar — mais um lado de Derek
que eu ainda não sabia como lidar muito bem. De
qualquer forma, o Derek descontraído e implicante, era
mais interessante do que o Derek sombrio e sanguinário.
— Tente admitir ao menos uma vez, Derek — eu
voltei a argumentar —, os caras eram realmente bons.
— Não, eles não eram bons, Faith. Existe uma grande
diferença entre você ser bom em algo e em você fazer
aquilo que agrada a maioria para seguir um estilo que
virou moda. Você pode não ser bom, mas por fazer aquilo
que a massa considera fascinante, acaba se tornando um
astro.
— Oh, então você acha que eu só ouvia Backstreet
Boys porque era uma adolescente influenciada pela
epidemia musical da minha época?
— Eu não quis dizer isso — ele falou. — Talvez
tenha a ver com o fato de eles terem possuído uma versão
menos talentosa do Leonardo Di Caprio como vocalista.
Eu não sei o porquê dessa coisa toda, mas as garotas
parecem ter problemas sérios de libido quando o assunto
é “caras loiros com olhos claros”. Apenas aceite, babe.
Você tem um péssimo gosto musical.
— Bom, dane-se a sua opinião sobre o meu gosto
musical, pois eu realmente não me importo — mentirosa.
— Agora, pare de me chamar de babe, ok?
Eu admito que estava parecendo uma adolescente
fazendo birra, o que era estranho, pois drama em excesso
não era muito o meu forte, mas em se tratando de Derek,
eu ficava automaticamente com os nervos à flor da pele. O
homem realmente sabia me tirar do sério quando queria.
— Por que? — ele questionou, dirigindo-me um
olhar. — Você não gosta?
Oh, eu gostava. Eu gostava muito, mas não estava
disposta a ser complacente com ele. O idiota fazia de tudo
para me ver fora do sério.
— Talvez eu odeie.
— Ou talvez você prefira que eu te chame de Raio de
Sol, não é?
— Eu não gosto muito desse apelido também —
franzi o cenho, encabulada. — Aliás, apenas uma pessoa
me chama assim. Como você descobriu?
Ele deu de ombros.
— É uma longa história, você não gostaria de saber.
— Derek! — adverti.
— O quê?
— O que diabos você fez com o Matt?
— Matt? Matthew Kyle? — pronunciou de forma
serena. Em seguida ele bufou em desdém. — Ele é um
babaca. Você deveria me agradecer por eu finalmente ter
te livrado daquilo.
Olhei-o perplexa. Oh, meu Deus! Será que...?
— Você... você matou o Matt?
— O quê? — exclamou como se eu tivesse ficado
louca. — Não, eu não matei o idiota do seu namoradinho,
mas isso não o torna menos babaca.
Ok, menos mal. Suspirei aliviada.
— Caramba, você me assustou.
— Qual o problema se eu tivesse o matado? — ele
voltou a me fitar, aparentemente bastante interessado. —
Por acaso você se importa tanto assim com ele?
— É claro que eu me importo, seu babaca idiota. Ele
é meu amigo.
— Bom, ele não me parece muito com alguém que
queira ser apenas um amigo para você, e talvez ele não
seja tão importante assim também, não é? Afinal, eu
aposto que você não o chama de babaca ou idiota a cada
maldito segundo do dia!
Ótimo, nós já estávamos brigando. Que belo
progresso, Faith!
Obriguei-me a me calar. Ele parecia seriamente
irritado com aquela conversa e por um momento eu não
compreendi muito bem qual era realmente a sua. Será que
Derek havia ficado chateado por eu defender Matt? E se
fosse, por que diabos ele se importava com isso, afinal?
Não era como se Matthew fosse uma ameaça para ele, no
fim de contas.
— Ok, talvez eu tenha exagerado com você, me
desculpe — eu disse, sentindo-me ridícula. — Você não é
um babaca idiota, também. Quero dizer, não o tempo
todo... — só na maioria das vezes, pensei, mas neguei-me
a pronunciar.
Eu estava verdadeiramente arrependida, pois apesar
da nossa calorosa discussão, Derek conseguia manter um
diálogo agradável e maduro durante a maioria do tempo.
Sem contar que aquela era uma boa forma de aproveitar
para conhecê-lo melhor. Eu não gostaria de perder a
oportunidade, pois eu não imaginava que ele fosse
despejar tão facilmente qualquer coisa valiosa sobre seu
passado, caso eu simplesmente perguntasse. O que havia
acontecido naquela manhã talvez tenha sido apenas uma
exceção. A sua forma de descarregar um peso depois de
tantos anos guardando para si todas aquelas informações.
— Isso não importa, realmente — desconsiderou. —
Pois mesmo se eu fosse o grande babaca idiota que você
adora tachar constantemente, eu não estaria desistindo de
te chamar de babe pelos malditos próximos dias que
estivermos juntos. Acho que é um ótimo apelido para
manter as aparências, não é, babe?
Rolei os olhos, considerando seriamente mandá-lo ir
à merda.
☆☆☆
Nós já estávamos a aproximadamente dez horas na
estrada, e eu realmente estava com muita vontade de fazer
xixi. Por sorte não sentia sono, mas já havíamos comido
todo o estoque de comida que Ryan fornecera, o que se
resumia em Hot Pockets recheados com presunto e
cheddar, batatas Pringles e algumas garrafas de água. Eu
sentia falta de comida em meu estômago, precisava
seriamente me alimentar.
— Nós não podemos parar em algum lugar para
comer? — choraminguei dramaticamente. — Eu sinto
como se houvesse um buraco gigante se abrindo no meu
estômago, Derek.
— Jesus Cristo, pra onde é que vai tanta comida? —
resmungou ele, fazendo com que eu semicerrasse meus
olhos. Troquei de posição para encará-lo.
— Eu comi já faz umas quatro horas, estou faminta.
Além do mais, eu preciso ir ao banheiro também.
— Certo, já entendi — murmurou. — A gente vai
parar na próxima lanchonete que encontrarmos para comer
algo e ir ao banheiro, está bem?
— Está ótimo, obrigada! — sorri, realmente muito
empolgada com o fato. Como uma adolescente impulsiva,
avancei no banco para dar um beijo em sua bochecha.
Senti Derek ficar rígido. Ele pigarreou, inquieto e eu
voltei à minha posição inicial. Pela primeira vez eu via
Derek desconcertado com algo, e aquilo era... fofo? Não,
não. Talvez fosse adorável. Adorável ainda não era a
palavra adequada para definir, mas eu sentia-me
estranhamente excitada depois de tudo.
Contudo, a minha euforia durou apenas por alguns
minutos, pois no instante em que Derek estacionou o carro
próximo a inúmeros outros automóveis repletos de
adesivos de caveiras e motocicletas gigantes e potentes —
que nem mesmo se eu vendesse o meu fígado e rins para o
Mercado Negro conseguiria comprar uma igual —
imaginei que a única coisa comestível que servissem ali,
provavelmente estaria cru e dentro de uma tanga para
strippers. Era bem provável que a minha entrada naquele
lugar nem fosse permitida, tendo em vista a cara de pateta
que certamente eu estava exibindo.
— Que diabos de lugar é esse? — perguntei,
atravessando cuidadosamente a porta baixa do local e
sentindo o cheiro forte da fumaça de cigarro dando boas-
vindas às minhas narinas, bem como o hard rock que
tocava alto o suficiente para que meus ouvidos coçassem
e minhas palavras quase não fossem ouvidas.
— Um lugar onde há banheiro e comida — tão
amável... — O mais próximo, além desse, seria a mais ou
menos quatro horas de viagem.
— Você já veio aqui antes? — questionei. — Digo,
você sabe no que estamos nos metendo, não é?
— Claro que sei, babe. E eu já estive em lugares bem
piores que esse aqui, acredite.
Como se aquilo fosse aliviar a tensão crua se
espalhando em torno dos meus músculos.
Derek cutucou meu ombro com o seu e fez um gesto
de cabeça em direção à uma mesa vazia, a única no local:
— Vamos lá. Toda essa demora está me deixando
com fome também.
Caminhei com ele, observando as pessoas que se
mantinham sentadas de frente ao balcão e às mesas. Fosse
bebendo, jogando ou... bem, enfiando a língua na garganta
um do outro. Algumas garotas passeavam seminuas pelo
local com bandejas nas mãos, como se não fosse nada de
mais ostentarem meio palmo de saia cobrindo suas
bundas.
— Eu estou realmente com muito medo desses caras
— praticamente sussurrei para Derek. — Eles são
assustadores.
Olhei na direção dos caras que mais se pareciam
motoqueiros selvagens do que qualquer outra coisa. Era
óbvio que eu provavelmente estava sendo bem
preconceituosa a respeito, mas eles me amedrontavam de
uma forma que me faziam ter vontade de sair correndo.
Mas Derek estava lá comigo, me lembrei. Ninguém
tocaria em mim enquanto ele estivesse por perto.
— Basta não encará-los. Se algum deles vier falar
com você, não ignore, mas também não dê muita brecha.
Eu vou estar com você e, para todos os efeitos, nós somos
um casal. Duvido que se aproximem enquanto eu estiver
por perto.
— Enquanto?
— Sim, babe, eu vou estar por perto durante todo o
maldito tempo, exceto quando você estiver no banheiro —
ele sorriu maliciosamente. — A não ser que você queira
que eu te faça companhia.
— Ha Ha, muito engraçado — ironizei, mas no fundo
considerando o quão interessante seria se ele me
acompanhasse.
Menina má, menina muito má! Não pense nessas
coisas.
Ele sacudiu a cabeça, ainda sorrindo um pouco e
apoiou os braços sobre o tampo da mesa, quando
questionou:
— E por falar nisso, o que você acha de ir até o
banheiro enquanto eu faço os pedidos?
— Você pode me levar até a porta? — perguntei,
nervosa o suficiente para não demonstrar um pingo
malícia em meu tom de voz. Eu realmente queria que ele
me acompanhasse e reconhecia estar me sentindo como
uma menina medrosa em seu primeiro dia de aula. Mas
Derek foi muito paciente em relação a isso, me seguindo
em direção ao único, e provavelmente sujo, toalete que
tinha por ali.
— Tem certeza de que não quer que eu entre com
você? — perguntou Derek com aquele sorriso de cretino
nos lábios. — Você sabe que a probabilidade de haver o
zumbi do Michael Jackson aí dentro é gritante, não é?
Rolei os olhos.
— Dependendo da quantidade de maconha que eu
fumar, talvez eu tenha a sorte de testemunhá-lo fazendo o
moonwalker — repliquei, empurrando-o pelos ombros
para que se afastasse da porta. — Mas eu não uso drogas,
portanto não corro esse risco. Dê o fora, Derek.
Ele ainda sorria sutilmente no momento em que
agradeci brevemente a sua ajuda em me acompanhar,
infiltrando-me logo em seguida no banheiro e batendo a
porta. Quando saí de lá, minutos depois, demorei um
pouco para encontrar a nossa mesa em meio à tanta
fumaça e pessoas. Devia ser aquele fato que me fazia não
ser muito fã de aglomerações. Era ainda mais difícil
considerando a minha pressa e, no mínimo, a meia dúzia
de pares de olhos curiosos e famintos direcionados à mim.
Finalmente consegui me reorientar. Encontrei Derek
sentado com as costas apoiadas na cadeira de uma das
mesas, mas quase parei os meus passos ao avistar a cena:
Derek de braços cruzados, portando-se casualmente,
enquanto, três caras mal encarados o cercavam.
Um deles parecia estar em torno de seus vinte e
poucos anos, possuía uma cabeleira castanha, tatuagens e
era muito magro para a sua altura. O outro, era um pouco
mais baixo e usava uma bandana preta com estampa de
caveiras. O que mais me assustou foi o último. O homem
que encarava Derek imitando sua pose. A expressão
estampada em seu rosto não era nada amigável. Ele era
parrudo, de barba e cabelos compridos. Vestia uma
jaqueta de couro sem mangas.
Que diabos aquilo significava?
Chupando uma respiração, tomei um ímpeto de
coragem, caminhando em direção à mesa. Ombros retos,
postura ereta e um sorriso que escondia o nervosismo que
eu sentia no momento. Cada passo que eu dava, mais
nítidas suas vozes ficavam. Estremeci com o tom usado
pelo barbudo.
— Ei, amigo, nós estamos tentando fazer isso do jeito
fácil — disse ele. — Mas você não quer colaborar.
— Uma pena, não? — Derek respondeu e eu podia
jurar que ele estava debochando. — No entanto, eu não
tenho o interesse de sair daqui tão cedo. Não enquanto a
minha garota não estiver perfeitamente acomodada e
alimentada.
O quê? Ele estava me incluindo naquela? Santo Deus,
eu não queria ter que chegar à Califórnia com um maldito
olho roxo ou dentes faltando. Eu prezava o suficiente da
minha vida para arriscar aquilo.
— Ei, rapazes — exclamei quando os alcancei.
Tentei soar natural e simpática. — O que está havendo
aqui?
— Você é a garota dele? — perguntou o homem
barbudo.
Eu juro que por um momento cogitei em contar toda a
verdade sobre a nossa situação e sair correndo dali feito
uma desequilibrada mental. No entanto, senti o braço de
Derek roçar meu pulso e me lembrei de que ele estava em
uma enrascada, que precisava mais do que nunca do meu
apoio, afinal eu também estava incluída naquela.
— Sim, eu sou — falei, abrindo outro de meus falsos
sorrisos encantadores. — Algum problema?
Ele não respondeu de imediato. Coçou a barba de
meses — na qual eu não me surpreenderia se encontrasse
um ninho de ratos lá dentro — e varreu-me de cima a
baixo. Seu olhar era predatório, aproveitando a situação
para demorar-se um pouquinho mais na região do meu
busto.
— O problema, boneca, é que o seu cara ocupou a
última mesa vazia do bar — ele falou, referindo-se a
Derek. — E nós queremos muito beber acomodados nela.
Ele havia mesmo me chamado de boneca?
— Oh, entendi. Vocês querem a mesa — forcei
novamente o sorriso. Porra, eu estava parecendo um
maldito banner de propaganda publicitária de marca de
pasta de dente! — Então se esse é o problema, eu acho
que nós podemos...
— Não, nós não podemos — Derek me interrompeu,
segurando o meu pulso firmemente. — E você, sente aí.
Ok, sinal vermelho. Se existia algo mais ameaçador
do que um grupo de homens grandes e aterrorizantes nos
intimidando, era Derek contrariado. Então eu engoli seja
lá o que estivesse prestes a vir como protesto e me sentei.
Lancei-lhe um olhar, questionando silenciosamente se ele
havia ficado louco, mas o idiota apenas entortou
despreocupadamente o canto de uma das sobrancelhas
para cima, como se realmente não se importasse em ter
sua bunda chutada a qualquer momento.
— Derek — sussurrei entredentes. — O que diabos
você está fazendo?
— Você estava com fome, certo? Portanto não
sairemos daqui até que você esteja alimentada — ele
disse. Voltando a fitar a trupe de mal encarados diante de
nós, disse: — Ei, caras, agora que o show de vocês
acabou, será que podem nos dar licença?
Algo como um rugido esganiçado saiu da garganta do
homem quando ele riu, sendo seguido por seus amigos.
— Nem fodendo, idiota! — bom, bom, alguém estava
irritado. Encolhi-me automaticamente na cadeira. Eu temia
o fato de haver a possibilidade de Derek se levantar, pois
eu sabia o que acontecia quando ele estava bravo, mas
também era inteligente o suficiente para me dar conta de
que estávamos em minoria, sem contar no fato de que e eu
não poderia nem sequer se considerada uma lutadora em
potencial. — Você está na nossa área e aqui as coisas
costumam acontecer do nosso jeito — continuou o
barbudo. — E nós queremos beber nessa mesa.
— Grande coisa — Derek bufou, ainda muito
tranquilo para a situação em que nos encontrávamos. O
homem era realmente louco. — Por que você não pega a
sua maldita caneca de cerveja e apoia ela nos peitos da
sua namorada? — Que diabos ele pensava que estava
fazendo? — Eles são enormes e eu te garanto que não
estou fazendo muito esforço para receber uma boa visão
do decote.
Prendi meus lábios entre os dentes e procurei uma
forma de controlar a tremedeira de minhas mãos e pernas.
Eu tinha medo até de respirar. Parecia que qualquer
movimento que eu fizesse iria ocasionar em uma explosão
em algum ponto daquele bar — o que talvez fosse uma
reação ridícula de alguém que não se sentia confortável
perto de homens maus. Bem, exceto Derek, mas Derek era
um caso à parte e eu preferia não envolve-lo nessa lista.
Com os olhos ainda saturados de um brilho que
demonstrava fúria, Barbudo deu um passo à frente, seus
punhos cerrados. Só após esse movimento eu pude lançar
um olhar examinador para a garota loira que, até então,
via-se escondida atrás dele. Ela era pequena,
aproximadamente 1,60m de altura, pele bronzeada, roupas
curtas e muito justas e — santo inferno — seus seios eram
realmente enormes.
— Você está ferrado! — rosnou o barbudo, se
aproximando mais um passo.
— E você está bêbado — Derek retrucou. — Eu
consigo sentir daqui o bafo desagradável desse seu hálito
podre. Não tente nada idiota pra cima de mim, porque
você não duraria nem dois minutos nesse estado.
Embora fosse frustrante concordar com Derek, eu
podia dizer que ele tinha razão. Analisando mais
atentamente, pude perceber que o homem não conseguia
proferir uma palavra completa sem retardar o processo,
seu corpo transpirava com odor semelhante a cerveja —
ou era apenas a sujeira impregnada em seu corpo. Eu não
saberia.
As palavras pareceram terem lhe atingido em cheio,
mas ele não recuou, avançando para Derek. No entanto um
dos seus amigos o segurou pelo braço e o deteve. Eu não
estava em uma posição muito favorável na mesa, mas tive
nitidamente a percepção dos fatos quando a garota loira
de seios fartos — que eu imaginei ser a namorada do tal
barbudo — olhava com profunda admiração para Derek, o
cara que acabou de criticar o seu decote.
Que descarada!
— Que tal se nós... fizéssemos um jogo? — sugeriu
ela. — Como uma espécie de disputa.
— E o que nós apostaríamos, baby? — questionou o
cara.
— Ora essa, a mesa — sorriu. — Ou vocês poderiam
tornar isso mais divertido.
O homem abriu um sorriso de volta. Algo como um
gesto de cumplicidade entre os dois se elevou, fazendo-
me questionar a mim mesma o que diabos aquilo
significava.
— Bom, eu acho que isso seria interessante — o
barbudo voltou a falar. — Nós podemos jogar uma partida
de bilhar. Se você ganhar, fica com a mesa. De quebra eu
lhe ofereço a minha doce Shelby.
Mas que diabos...?!
— E eu posso saber quem é Shelby? — Derek
questionou, aparentemente tão confuso quanto eu.
Mordi o lábio apreensiva. Eu só esperava que ele
estivesse falando de sua moto.
— Eu sou Shelby — respondeu a loira, abrindo outro
de seus sorrisos de piranha. O qual eu tive vontade de
arrancar do seu rosto com as minhas próprias unhas.
Derek fitou o grupo, sério. Em seguida, irrompeu em
uma gargalhada.
— Você está me oferecendo a sua garota em um jogo?
É isso mesmo?
— Relaxa, cara — disse o outro. — Nós não temos
problemas em dividir.
Os olhos de Derek focaram no corpo avantajado da
garota à nossa frente e eu me perguntei se ele estava
pensando em concordar com toda aquela merda. Ele não
podia compactuar com aquilo. Os caras eram loucos ou
aquela mulher provavelmente tinha alguma doença grave
na região genital. Não era possível que as pessoas
saíssem oferecendo suas parceiras para outros caras como
se elas fossem objetos.
Derek se manteve calado por extensos segundos,
como se estivesse analisando a proposta. Eu julguei ser
apenas uma estratégia sua para quando ele realmente fosse
mandar os caras irem à merda e nos arrastar para fora
daquele lugar. Eu nem sabia se sentia fome mais. No
entanto, os meus nervos emaranharam-se em rebuliço
quando ele finalmente decidiu falar, deixando-me ainda
pior:
— E se você ganhar? O que leva em troca?
O homem riu de lado, coçando novamente o queixo.
— A mesa, claro — em seguida, ele lançou-me um
olhar que gritava "sujeira" em letras garrafais. Meu
coração palpitou de medo. — E a sua garota.
Oh, Deus. Ele era realmente muito louco. Entretanto
era óbvio que Derek não iria fazer algo como aquilo,
certo? Derek não era um imbecil irresponsável. Ele não
gostava de mim, mas demonstrou se importar ao menos um
pouco comigo. Isso já era o suficiente para ele não insistir
naquela ideia estúpida. Não é?
— Fechado — decretou, se levantando. — Uma
partida, nada mais.
— O quê? — pasmei. — Que diabos você pensa que
está fazendo?
— Eu estou tentando fazer com que esses imbecis nos
deixem em paz.
— Me oferecendo como se eu fosse uma mercadoria?
— ralhei. — Você é um grande imbecil, Derek.
— É Grant — ele arrastou de volta. — E não se
preocupe, pois eu sei o que estou fazendo, ok?
— É claro que sabe — bufei ironicamente. — Você é
um babaca egoísta que parece estar fora do juízo. É bom
que você vença essa maldita aposta, porque eu não vou
deixar aquele imbecil me tocar. E ainda vou torcer para
que ele enfie um taco daqueles exatamente no meio da
sua...
— Melanie, querida, me escuta — Derek me
interrompeu, segurando em meus ombros e sacudindo-me
um pouco, o suficiente para que eu o encarasse em
silêncio. Em seguida, relanceou um olhar na direção dos
caras. Me empurrou suavemente, até um ponto onde
apenas eu o escutaria, e sussurrou: — Eu nunca faria nada
que pusesse sua integridade em risco de propósito, Faith,
você sabe. Por mais que você não creia, eu sei o que estou
fazendo aqui e, acredite, essa é a solução mais fácil de
sairmos desse lugar sem causar uma guerra. — Ele
suspirou e subiu a mão para segurar o meu rosto. Ele
estava tão perto e, bem diferente do homem barbudo a
alguns metros de nós, seu cheiro era bom e o seu hálito
exalava o aroma da goma de canela que ele havia
mascado momentos atrás. — Já disse para você confiar
em mim, Faith, só não torne isso ainda mais difícil. Sente
sua bunda bonita em algum lugar perto da mesa de bilhar e
finja ser uma garota doce que está se divertindo com tudo
isso, ok?
Assenti freneticamente. Ele se afastou de mim.
Seguindo em direção à mesa de sinuca, Derek apanhou um
dos tacos. Eu estava nervosa, admito, mas não com tanto
medo como antes. Eu sabia que ele não iria fazer nada
para que eu saísse ferida. Eu não deveria me sentir assim,
mas eu me sentia.
O jogo começou e eu me obriguei a acompanhar
calada por motivos óbvios, onde incluía no fato de eu não
fazer a menor ideia de como se jogava bilhar. No entanto,
Derek parecia saber fazer aquilo muito bem.
Pobre garota inocente, você ainda não percebeu que
ele é exemplar em tudo? Zuniu o meu subconsciente.
Bem, não tudo, eu pensei; afinal, eu ainda não havia
experimentados outras... performances de Derek. No
entanto, eu imaginava que ele deveria ser ainda melhor
nas demais situações.
Engoli uma risada, mesmo diante de toda a confusão,
e balancei a cabeça.
Caramba, eu era uma safada.
Voltando a focar no jogo, relaxei um pouco mais ao
perceber que Derek estava vencendo quase todas as
jogadas. Bom, ao menos era isso o que aparentava no
marcador do pequeno quadro na parede. Foi quando eu
também vi a tal Shelby recostada contra a mesa grande e
escura com centro revestido em feltro, seus peitos
praticamente saltando para fora.
A excitação nos seus olhos era quase palpável. Pude
notar que estavam direcionados à Derek. Foi naquele
momento que eu repensei sobre os fatos e considerei se
seria realmente uma boa ideia ele vencer. A verdade é que
aquela situação era uma maldita faca de dois gumes, pois
se ele perdesse, eu teria que ser atirada nos braços do tal
idiota barbudo e enfrentar seja lá o que ele estivesse
programando para mim. No entanto, se Derek vencesse...
ele teria que reivindicar sua "recompensa" que, no caso,
seria a maldita Shelby. Eu não sabia se estava preparada
para aquilo. Éramos para ser um casal, não é? Eu não
suportaria ser traída, mesmo que fosse de mentirinha.
O restante do jogo eu passei roendo as minhas unhas,
dissecando Shelby apenas com um olhar torto e temendo o
que estaria por vir depois de tudo aquilo. Por sorte — ou
falta dela — o placar final indicava explicitamente a
vitória de Derek. O que não foi muito difícil, sejamos
realistas, pois o outro cara não estava praticamente
suportando manter o seu próprio corpo de pé.
Dando tapinhas nas costas do meu companheiro de
mentirinha, ele e o parabenizou, mas deixando bem claro
que ele só havia perdido pois estava muito bêbado. Bom,
eu não podia contestar aquele fato.
Shelby foi a próxima a se aproximar de Derek. Antes
mesmo que eu pudesse chegar mais perto dele, ela
enganchou o seu braço no dele, passando a outra mão pelo
peito do cara que tecnicamente pertencia a mim.
Cadela.
— Eu acho que está na hora de você pegar seu
prêmio, não é, meu bem? — ronronou.
Algo se retorceu em meu ventre quando ele pôs a
mão sobre a dela. Oh, Deus! Mais um pouco daquilo e eu
iria seriamente vomitar.
— Valeu, mas não — respondeu ele. — Eu só queria
a mesa.
O quê?
— Como é que é? — Shelby parecia furiosa.
— Eu disse que não — decretou ele novamente, se
livrando do aperto da loira.
A garota ainda o fitava, totalmente pasma, quando
Derek caminhou em minha direção. No entanto, o tal
barbudo — que àquela altura eu ainda não sabia como se
chamava — o interrompeu.
— Ei, cara, qual é o seu problema? Você é gay?
Derek não respondeu de imediato e eu percebi que
era porque ele estava se controlando para não rir. De fato,
a pergunta era no mínimo ridícula, mas vindo daquele
pedaço de homem à nossa frente eu não me surpreendi
muito.
— Não, eu não sou gay — ele disse.
— Então o quê? — retrucou. — Você não acha a
minha Shelby atraente o suficiente?
Santo Deus, será que seria pedir demais querer ter
um jantar e um restante de viagem em paz? Eu já estava
completamente esgotada de tudo aquilo. Não estava muito
disposta a continuar com aquela merda.
— Ele não é gay, nem tampouco está interessado na
sua namorada — explodi. — Por Deus, ele já venceu o
maldito jogo e está abrindo mão de um dos prêmios. Será
que vocês podem nos deixar em paz de uma vez por
todas?
— Isso é uma idiotice — ralhou Shelby, a
inconformada. — Se querem mesmo saber, vocês nem se
parecem como um casal de verdade.
— Você tem razão, baby — concordou o barbudo,
fazendo-me engolir em seco de nervosismo no momento
seguinte: — Eu acho que vocês estão mentindo para não
terem que lidar conosco. Ninguém até hoje rejeitou a
minha Shelby e isso é destratar a minha garota.
Quão doente uma pessoa chegava a ser a ponto de
se enfurecer porque um outro cara se recusou a foder a
sua companheira? Que gente maluca.
— Eu não me importo pra o que vocês pensam, se
querem saber — Derek pronunciou. — Eu amo a minha
garota, ela me ama, e nós não dividimos. Simples assim.
Caramba, ele era um ótimo em contar mentiras,
pensei.
Finalmente ele se aproximou de mim, puxando-me
pelo braço. Eu senti seu toque quente em minha pele e
imediatamente o meu corpo reconheceu a sensação de
segurança. Ele encarou o meu rosto. Seus olhos estavam
tão intensos nos meus que em outras circunstâncias eu me
derreteria só por ouvir aquelas palavras. Palavras estas
que eu tinha ciência de serem totalmente falsas, apenas
para despistar a desconfiança do barbudo e de sua
namorada.
— Você não concorda, babe? — sua voz era tão
suave e tão quente, invadindo os meus ouvidos e
causando-me múltiplas sensações. Por que ele não falava
comigo daquele jeito sempre? Eu tinha certeza de que
jamais cogitaria xingá-lo novamente, caso ele usasse
apenas aquele tom de voz.
Alguém pigarreou impaciente e eu me lembrei de
imediato o porquê de ele estar agindo daquela forma. Ele
queria iludir, claro, e o bastardo era tão bom que por um
momento eu fui pega pela armadilha.
Voltando a me lembrar que ele havia me feito uma
pergunta, obriguei-me a concordar, sacudindo a cabeça
para cima e para baixo, feito um robô maldito.
Barbudo riu.
— Vocês são patéticos — debochou. — Eu ainda não
acredito em nada do que disseram até agora e, a menos
que me provem o contrário, eu irei julgar que estão
tentando nos fazer de idiotas com essa história, o que me
deixa muito bravo. Vocês não gostariam nada de me ver
bravo.
Merda!
— O que você quer que a gente faça? — questionei.
— Que transemos feito coelhos na sua frente para
provarmos um ponto?
Diferente do que imaginei, o homem olhou-me com
interesse, parecendo realmente cogitar aquilo. Eu e minha
maldita língua!
— Apesar de a cena ser tentadoramente excitante,
vocês não precisam chegar a este ponto, caso não queiram
— disse ele. — Apenas prove que vocês não estão
tentando nos fazer de idiotas.
Busquei auxílio em Derek, virando-me para encará-
lo. Por mínimos segundos eu senti a mescla de relutância,
tensão e ponderação em seu semblante duro. Ele soltou um
suspiro longo e como um cara que pensava rápido, deixou
de encarar o barbudo para trocar o seu corpo de posição,
apenas alguns centímetros, ficando frente a frente comigo.
Suas mãos deslizaram pela minha cintura, detendo-se
no topo dos meus quadris e eu podia sentir seus dedos
roçarem de leve a pele nua quase na altura do meu cóccix.
Suguei uma respiração tentando controlar a sensação
precoce de frio na barriga, mesclado à algo mais que
desceu pela minha espinha. Seus olhos se fixaram nos
meus, intensos, calorosos e vivos demais para que eu
sequer cogitasse desviar o olhar. Então ele se aproximou
um pouco mais de mim, nossas respirações muito
próximas. Instantaneamente, eu me dei conta do quão
aguçados se viam os meus sentidos. Meus seios roçando
em seu peito, sua respiração controlada, o barulho da
minha pulsação frenética. Era como se apenas um mísero
toque dos seus dedos sobre o tecido da minha roupa fosse
suficiente para enviar uma descarga pelo meu corpo. Cada
poro se alterando em um arrepio gostoso, e — puta
merda! — ele mal havia me tocado!
O que aconteceria caso ele... doce menino Jesus!
Meus pensamentos se esvaíram no instante em que Derek
chegou seu rosto ainda mais perto e roçou seus lábios em
meu pescoço. Sua pele se friccionou contra a minha,
apenas o suficiente para manter-me acesa.
Dedos fortes e habilidosos escovaram um dos meus
braços, subindo gradativamente e incitando em mim um
calafrio, até alcançar e minha nuca e agarrar um punhado
do meu cabelo escuro e curto. Algo pulsou lá em baixo,
bolhas invisíveis se contorciam em meu ventre. Meu
coração bateu forte, rápido e descompassadamente;
minhas mãos suaram e eu me senti como uma adolescente
virgem do Ensino Médio de novo. No momento em que o
toque dos seus lábios macios deslocou-se para a minha
orelha, senti como se todo o meu ser estivesse
transformando-se em uma chama viva.
— Por favor, não chute as minhas bolas por isso —
ele sussurrou.
Eu já estava prestes perguntar por que diabos eu o
chutaria, quando senti sua mão apertar um pouco mais
forte a minha nuca e de repente senti-me muito necessitada
daquilo.
Contudo não pude exigir absolutamente nada naquele
momento, muito menos no seguinte; pois, assumindo a
missão de oficialmente destruir todos os meus neurônios,
Derek me fez perder qualquer palavra quando, de repente,
os seus lábios reivindicaram os meus.
20: Bonnie & Clyde
Faith
Eu conseguia sentir nitidamente o sabor levemente
adocicado que provinha de sua boca. Os movimentos
lânguidos de seus lábios cálidos, casados com as
deslocações ousadas de suas mãos e língua, possuíam o
efeito de me embevecer, como a mais poderosa bebida
destilada, deixando-me seriamente trêmula, arfante e
desnorteada. Soltei um gemido abafado no momento em
que sua língua se atreveu a acariciar de leve o meu lábio
inferior e jurei a mim mesma que aquilo era efeito do
pequeno corte que eu ainda possuía.
Era mais do que evidente que havíamos nos infiltrado
em uma zona extremamente perigosa, visto que nossas
ações, naquele momento, não eram as mais integramente
corretas. Nos beijávamos descaradamente dentro de um
bar barra pesada, fornecendo gratuitamente um belo show
a algum grupo de idiotas que se achavam espertos o
suficiente para encherem a paciência com desconfianças
fundamentadas apenas por suas mentes afogadas em
álcool. Algo dentro da minha cabeça — uma parte que
ainda não havia ficado insana — zunia uma e outra vez
para que eu cessasse com o beijo e, consequentemente,
encerrasse os movimentos habilidosos de suas mãos sobre
meu corpo, pescoço e cabelos. Para que eu desse um fim
àquele jogo de uma vez por todas. No entanto, eu me
sentia tão... bem. Eu sentia-me necessitada, ardente e
totalmente apertada. Em diversas partes do meu corpo —
inclusive em alguma região localizada em meus seios.
Sua mão apertou a minha cintura com ainda mais
firmeza e a maldita língua resoluta voltou a tocar a minha.
Incitando, sugando, tomando o último resquício de
equilíbrio mental que eu ainda possuía e — puta merda!
— ele era bom naquilo também.
Eu já estava começando a ficar irritada, porque o
homem parecia ser perfeito em tudo. Até mesmo, pensei,
anatomicamente, ao dar-me conta do poderoso inchaço em
suas calças, cutucando o meu estômago quando ele me
apertou mais duro.
Oh, Deus, seria muito eu pedir um pouco mais de
oxigênio? Com certeza não, mas para isso eu teria que
desgrudar dos lábios de Derek e eu definitivamente não
estava interessada em me arriscar a perder o contato.
De olhos fechados, pernas bambas e respiração
entrecortada, eu sentia que o meu corpo havia ido às
chamas em questão de segundos. Minhas mãos agarraram
seus braços musculosos e eu segurei com força a camisa
escura que moldava em seu corpo como uma segunda
pele, conforme as suas desciam lentamente, um roçar
quase doloroso, indo de encontro à minha bunda. Ele
aproveitou o momento para encaixar adequadamente meu
traseiro em seus dedos. Senti novamente o latejar
desconcertante entre as minhas pernas. Minha calcinha
estava totalmente molhada, eu sentia, e isso só porque o
homem havia me dado um beijo! Merda, aquilo era surreal
e vergonhoso. Derek, provavelmente, me acharia ridícula
se descobrisse.
Ele se afastou apenas alguns milímetros, como se
para recobrar a sua respiração e por uma fração de
segundos captei Derek me encarando. Meu olhar manteve-
se fixo no seu, sua mão voltou a deslizar para o meu
pescoço, reativando cada terminação nervosa. Para meu
deleite, seus lábios encontraram os meus de novo.
O céu. Eu havia reencontrado o céu.
Uma sensação estranha se acumulou na base da minha
espinha, meus dedos dos pés se enrolaram e eu estiquei as
minhas pernas para tentar nivelar as nossas alturas e, de
alguma forma, ter um pouco mais daquilo que ele estava
me dando. Agarrei os seus cabelos curtos e Derek grunhiu,
mordiscou e chupou o canto do lábio que não estava
machucado. Eu sentia que havia derretido, áreas do meu
corpo pulsavam enlouquecidamente e minhas pálpebras
estavam pesadas. Então, tão surpreendentemente como
aquilo havia se iniciado, ele finalmente encerrou o beijo e
se afastou. Dessa vez não retornou e eu senti um vazio
quase pungente. Eu queria que ele me preenchesse. Duro.
Forte. Rápido. Inferno! No que eu estava pensando? Eu
não conseguia pensar, para ser mais exata.
— Uau! Isso foi... quente — murmurou Shelby em
algum lugar ali perto. Seu tom visivelmente ofegante. Eu
poderia agir como uma cadela possessiva e sorrir
vitoriosa para ela, mas eu não estava conseguindo respirar
muito bem, então desisti.
— Espero que não tenham ficado dúvidas dessa vez
— Derek sibilou com voz rouca e aparentemente irritada,
puxando-me pela mão no instante seguinte. Então ele
murmurou um “babacas” e se virou, seguindo em direção
à mesa.
Minhas pernas ainda tremiam, o meu corpo ainda
ardia e os meus lábios formigavam, ansiando por mais
daquilo que haviam experimentado momentos atrás. Ele,
no entanto, estava estranho. Bem mais estranho do que de
costume. Postura rígida, sério e não me olhava, o que me
incomodou consideravelmente.
— Por que... — pigarreei ao sentir minha voz rouca e
refiz a frase: — Por que você fez aquilo?
Derek ergueu os olhos e me dirigiu um olhar — o
primeiro desde que havíamos nos beijado:
— Ao que se refere?
— Você sabe do que estou falando! — eu estava
ficando irritada por sua insistência em fingir que não
sabia. — O beijo!
Ele não respondeu de imediato. Apenas me encarou
enigmaticamente antes de dar de ombros e limpar a
garganta.
— Eles estavam desconfiando — disse, de forma
plácida. — Foi para manter as aparências.
Oh, claro. Apenas para manter as malditas
aparências.
— Eu acho que você conseguiu — respondi bem
mais enfezada do que queria. — O que você iria fazer,
caso tivesse perdido o jogo?
Derek voltou a me olhar ainda sério e suspirou como
se fosse um esforço muito grande me dar aquela resposta.
Era em momentos como aqueles que eu sentia vontade de
socar a sua cara. Ele não podia ficar menos... estranho
depois do que havia ocorrido? Afinal de contas foi ele
quem me beijou, eu não havia pedido por aquilo, embora
tivesse apreciado, e muito. Parecendo desistir de lutar
contra a minha insistência, ele segurou na barra da sua
camisa e levantou o tecido de leve, apenas alguns
centímetros, mas o suficiente para que eu pudesse focar no
pedaço do “V” evidente acima do cós da sua calça. Notei
que ele havia feito aquilo para me mostrar a arma.
Ah, claro, ele não saía sem a maldita arma.
— Relaxa, babe, eu sempre tenho um plano B. Nunca
te ofereceria para outro cara — decretou.
— Claro que não — rebati. — Até porque eu tenho
que concordar, em primeiro lugar, para que isso venha a
acontecer, certo?
— Você tem razão — disse. — Mas, mesmo que você
quisesse, eu jamais permitiria.
Oh, uau. Eu acho que estava com fome novamente.
— Nós poderíamos... comer agora? — sugeri,
procurando desesperadamente mudar de assunto.
— Claro. Eu vou fazer os pedidos.
Com um aceno de mão, Derek chamou uma das
garçonetes seminuas que veio ao nosso encontro em
questão de segundos. Após fazermos os nossos pedidos,
ela se afastou, me deixando com a terrível necessidade de
preencher o silêncio que havia se instalado em nossa mesa
e esquecer do beijo abrasador que acabávamos de ter e
ainda fazia partes do meu cérebro não funcionarem de
forma correta.
— Você havia me dito que já esteve em lugares
piores que esse aqui — eu comecei. — Para quais
lugares, além de Nova York e Michigan, você já viajou?
— Seattle — falou. — Fiquei algumas semanas por
lá.
— E como são as pessoas de lá?
— Não muito calorosas, se é o que quer saber.
Ponderei sobre aquelas palavras. Antes mesmo que o
filtro do meu cérebro pudesse funcionar, eu repliquei:
— Não é como se você fosse a pessoa mais calorosa
do mundo também, não é?
Uma risadinha escapuliu da minha garganta, conforme
a expressão dele tornava-se aquela coisa maldita que ele
sempre fazia quando estava pensando sacanagens. Mas
como eu sabia quando ele pensava em sacanagem? Droga,
eu não deveria ter ciência disso, não é? Eu sou uma
cadela louca.
— Por que diz isso, doce Faith? — seu tom frio de
momentos atrás havia morrido completamente. Engoli em
seco, preparando-me para o que estava por vir: — Por
acaso você deseja experimentar o meu lado quente?
Puta merda! Ele estava querendo me provocar, óbvio.
Mas eu não iria mais recuar como fazia todas as vezes que
ele insinuava coisas daquele tipo. Eu tive a língua daquele
bastado provocador dentro da minha boca — duas vezes!
— e eu sabia que por mais que ele insistisse em se manter
frio, suas... apalpadas não haviam sido apenas para
manter as aparências. Não mesmo!
Inclinando-me de leve sobre a mesa, fiquei frente a
frente com ele. Estávamos tão próximos que eu podia
jurar que as pontas de nossos narizes praticamente se
roçariam.
— E se eu quiser? — rebati, tão desafiadora quanto.
Eu já estava começando a ficar de saco cheio de todo
aquele seu joguinho de provocações, apenas para me
deixar vermelha e, no fim das contas, se regozijar da
minha estúpida e incontrolável reação como um
verdadeiro cretino.
Mas, diferente do que acontecia comigo quando era
pega de surpresa, ele apenas sorriu. É claro que ele
sorriu, o bastardo. Parecia que ele gostava quando eu o
provocava. Aquilo já estava começando a se transformar
em um jogo incrivelmente perigoso e eu sabia que no fim
das contas um de nós dois iria se queimar. Provavelmente
o lado mais fraco.
— Bom, então teríamos um sério problema aqui —
sua voz era baixa, rouca e mesmo sob o barulho quase
ensurdecedor da música que tocava, ele conseguiu causar
o efeito desejado em mim.
Antes que eu pudesse dizer mais algo, a garçonete
voltou com os nossos pedidos. Foquei em devorar o meu
grande e gorduroso hambúrguer, para tentar não pensar
muito em Derek, em suas palavras e... em seu beijo. Que
beijo foi aquele? Eu ainda não sabia definir, mas apesar
do fato de ter pouca experiência, eu tive a comprovação
de que Derek possuía a capacidade de enlouquecer até a
mais habilidosa das prostitutas.
☆☆☆
Era tarde e, por sorte, nós já estávamos na metade do
caminho. Contudo, não dava para dormir naquele carro.
Além de aquela opção ser dolorosamente desconfortável,
estava frio o suficiente para necessitarmos de algo quente
para nos enrolarmos.
Estacionamos em frente a um motel de aparência
velha e deteriorada. A fachada, que julguei ter sido clara
em seus dias melhores, era de um branco amarelado, com
portas de madeira envelhecida. O cheiro forte de
eucalipto, logo que adentramos a pequena recepção, deu-
me a impressão de que eu estaria em maus lençóis caso
sofresse de algum problema respiratório.
Uma velha senhora ostentando uma verruga
amarronzada no nariz e rosto enrugado pela idade já
avançada nos atendeu. No começo eu cogitei exigir por
um quarto com duas camas, mas não havia muitas opções
ali, além do fato de que era para eu e Derek nos
passarmos por um casal apaixonado. Dormir em quartos
separados não seria uma boa forma de provar aquilo aos
demais.
— Eu tenho apenas um quarto vago — ela disse de
má vontade. — Venham comigo.
Seguindo as suas ordens, nós subimos com ela em
direção ao estreito corredor de luz parca. Ela parou em
frente à porta do quarto que julguei ser o único vazio dali
e retirou de seu avental um molho de chaves. Abriu a
porta, afastando-se um pouco para que entrássemos antes
dela.
— O quarto é um dos maiores que temos aqui. Possui
cama de casal, banheiro e uma janela que pode ser aberta.
Logo vocês poderão se acomodar melhor assim que eu
trocar as roupas de cama — falou. — E não fiquem muito
tempo no banheiro, a encanação é antiga. Também tomem
cuidado com a descarga, o sanitário está entupido e às
vezes a água transborda.
Ugh.
— Hum, ok, eu acho que nós conseguiremos resolver
isso — falei.
— Certo — resmungou a velha de volta. Em seguida,
retirou um bolo de lençóis dobrados de dentro de um
armário embutido de madeira, colocando sobre a cama.
Ela voltou a falar enquanto arrumava a roupa de cama no
colchão: — Não façam muito barulho, nem sujem os
lençóis, caso as coisas esquentem aqui dentro — que
diabos era aquilo?
Alternei meu olhar entre a velha e Derek, que
carregava uma expressão debochada.
— Hm... eu acho que não entendi muito bem — voltei
a murmurar, tentando ter certeza de que ela não havia dito
o que eu pensei que dissera.
— Eu disse para não fazerem barulho — repetiu. —
Têm mais pessoas dormindo nos quartos ao lado.
Oh, caramba! Ela estava insinuando que nós...? Eu
abri e fechei a boca. Abri novamente, para finalmente
esclarecer as coisas com aquela velha malcriada, quando
Derek foi mais rápido que eu:
— Você ouviu as recomendações, não é, querida? —
por que eu tinha a leve impressão de que ele estava
aprontando algo? — Nada de barulho à noite. — Em
seguida, ele encarou a velha novamente. — Ela costuma
gemer bem alto às vezes, principalmente quando eu pego
pesado. Mas eu sempre tapo a sua boca quando
necessário.
Eu juro que demorei uma fração de segundos para
identificar o motivo de ele estar fazendo este maldito
comentário. Inferno, eu queria mata-lo e rir ao mesmo
tempo, pois a expressão estarrecida da mulher foi
sensacional.
— Não seja um hipócrita — retruquei. — Você
costuma fazer bem mais barulho que eu. Às vezes eu tenho
a impressão de estar transando como uma máquina de
costura antiga — me aproximei da mulher eu sussurrei. —
Às vezes ele uiva. Como um lobo, sabe? É assustador,
mas é sexy.
Os olhos da mulher se arregalaram ainda mais. Ela
pigarreou, totalmente desconcertada.
— Jesus Cristo — murmurou. — De qualquer forma,
isso não é da minha conta. Eu acho que já dei todas as
coordenadas, não é? Tenham uma boa noite.
Ela nos deu uma última olhada antes de se virar e
sair, batendo a porta atrás de si.
— Pelo visto a prima de Matusalém não é tão dura
quanto parece — Derek comentou.
Não deixei de dar uma risada.
— Ela me assustou, mas foi divertido — eu disse, me
virando e batendo meu braço no móvel ao lado,
apanhando um pouco de sujeira escura que eu realmente
não sabia o que era. — Deus, será que todo lugar nessa
cidade é assim? — resmunguei. — Isso cheira mal.
— Não toque nisso — ele falou. — Podem haver
germes de todos os tipos por aqui. Sabe Deus o que os
antigos hóspedes andaram fazendo em cima dessas coisas.
— Você realmente não está ajudando, Derek!
— Não complique as coisas, Faith — disse ele. —
Esse lugar ao menos tem um banheiro e uma cama. Não é
como se fôssemos ficar aqui por toda a vida. Nós
chegaremos em Scout Lake em breve.
— Assim espero — murmurei. Eu estava exausta.
Havia passado por coisas suficientes naquele dia, e
precisava seriamente repor as minhas energias. Olhei para
a cama que não aparentava ser muito confortável, mas
calculando o quão agradável seria quando eu finalmente
me deitasse nela e apagasse. Mas então, um pensamento
me veio à mente: só havia uma cama no quarto. — Ei,
você vai dormir no chão?
Derek trocou de posição para me encarar
diretamente. Sua expressão era algo como se ele não
estivesse acreditando que eu houvesse considerado aquela
possibilidade.
— Por que eu dormiria no chão com uma cama de
casal imensa neste quarto?
Remexi-me, desconfortável.
— Bom, eu achei que... — suspirei. — Você não está
pensando em dormir comigo, não é? Porque, sério, Derek,
eu não vou dividir uma cama com você.
— Então durma no chão.
Eu senti minha boca se entreabrir em surpresa. O
idiota havia mesmo me dito aquilo? Não que eu fosse
morrer ou algo do tipo, se dormisse naquele chão duro,
mas onde havia ido parar o seu cavalheirismo? Derek,
provavelmente, não o possuía.
— Pois bem, eu posso muito bem dormir no maldito
chão, seu ogro idiota! — despejei, caminhando em
direção ao móvel de madeira de onde eu havia visto a
senhora retirar as roupas de cama. Eu conseguiria achar
algo macio o suficiente para dormir em cima.
— Eu achei que nós já tivéssemos superado a fase
dos apelidos carinhosos, doce Faith.
— E eu achei que você tivesse prometido que pararia
de agir feito um babaca — continuei, sem dirigir-lhe o
olhar, ainda mantendo minha atenção no armário dos
lençóis. Droga! Era alto e eu não alcançava!
— Você quer ajuda?
— Não, obrigada!
Ele suspirou e balançou a cabeça. Notei, de relance
ele levar as mãos aos quadris, encarando-me com uma
expressão de desagrado, como se buscando paciência
para lidar com a situação.
— Você está sendo infantil, Faith. Eu não agi como
um babaca.
Ok, eu estava agindo infantilmente, mas ele havia me
irritado. Para ser mais sincera, não bastava muito para
Derek me irritar. Percebendo que eu não iria dizer alguma
coisa tão em breve, ele prosseguiu:
— Não proibi você de dormir na cama comigo,
proibi?
Finalmente eu me virei e o encarei de frente. Eu
sentia minhas bochechas esquentarem. Aquilo era tão
constrangedor.
— Não, mas é que... eu nunca dormi numa mesma
cama que um cara, e isso meio que soa estranho.
— Você nunca dormiu com um cara antes? E eu estou
me referindo a apenas... dormir — neguei com um gesto
de cabeça. Derek lançou-me um olhar compreensivo,
porém curioso. — Quantos namorados você teve, Faith?
Droga! Tinha como aquilo ficar pior? Eu não queria
ter que me expor daquela forma para ele. Fazia eu me
sentir muito... inexperiente. O que eu realmente era.
— Hum... eu... eu só tive um — respondi. — O
Simon, você sabe.
Tocar no nome de Simon fez Derek ficar rígido.
Cerrou o maxilar e notei a suavidade com a qual ele agiu
comigo ir embora completamente.
— Eu não me surpreendo — murmurou
desdenhosamente. — O cara não parece ser capaz nem
sequer de fazer uma mulher atingir o orgasmo, duvido
muito que se dê ao trabalho de dormir com ela.
Suas palavras me fizeram — por mais que eu tenha
tentado evitar — comparar Derek com meu ex-namorado.
Como seria dormir com ele? Aquilo significava que ele
não era do tipo que fodia e chutava seu traseiro para fora
de sua cama depois? Céus, ele havia acertado, mesmo que
inconscientemente, quanto a Simon não saber fazer uma
mulher atingir um orgasmo, o que me fez imaginar que
Derek provavelmente conseguiria e não uma única vez.
Calor. Eu sentia calor. Oh, droga, má ideia. Então
para deixar menos embaraçosa aquela situação, eu decidi
levar a conversa para um outro rumo. Pigarrei, falando a
primeira coisa que me veio à mente e que servia para
fazê-lo esquecer aquilo.
— Vamos decidir assim: você fica com o lado
direito, ok? Eu costumo dormir melhor do esquerdo.
Um sorrisinho surgiu em seu lábio e ele fez aquela
coisa malditamente sexy de passar a língua sobre o lábio
inferior. Eu quase me derreti.
Quase.
— Tudo bem — concordou. — E para provar que eu
não sou nenhum ogro idiota, eu deixo você tomar banho
primeiro. Ao que tudo indica, eles têm água quente aqui.
— Obrigada! — murmurei, verdadeiramente grata.
Logo em seguida ajeitei minhas coisas, pronta para me
infiltrar no banheiro.
Ao fechar a pequena porta sanfonada atrás de mim,
constatei que o local não era de todo limpo, mas razoável
o suficiente para tomar banho aquela noite. Da forma que
pude, me lavei e tratei de vestir o par de roupas que havia
separado. Eu não queria ter que vestir um jeans para
dormir, mas com Derek ao meu lado seria a opção mais
viável.
Após sair do banho, encontrei Derek sentado sobre o
colchão, segurando seu iPhone e digitando algo.
— Eles não possuem sinal aqui — falou. — Pelo
visto só vou poder ligar pra Ryan quando chegarmos lá.
— Não se preocupe com isso. Ryan sabe se virar e
notícias ruins correm. Não é isso o que dizem?
— Pois é, talvez você esteja certa — replicou. — Eu
estou cansado, acho melhor tomar o meu banho e me
deitar em seguida.
— Ok — concordei, observando-o se levantar e
trancar-se dentro do banheiro.
Durante todo o maldito momento foi praticamente
impossível não projetar imagens de Derek se despindo e
se ensaboando em minha mente. Como ele deveria ser nu?
Inferno, eu estava tendo pensamentos de uma virgem
adolescente. Que diabos havia acontecido comigo e com a
minha maldita libido — que por sinal eu praticamente
nunca tivera e havia acordado em tempo recorde?
Deitei na cama e infiltrei-me sob os lençóis. Deitada
feito uma múmia, eu rezei para que já estivesse dormindo
quando ele saísse. No entanto, eu ainda estava bem
acordada quando Derek irrompeu da porta do banheiro,
vestindo apenas uma cueca e... o que era aquilo? As suas
tatuagens, agora eu podia ver, se estendiam desde seus
bíceps até o peito.
Algumas eu não conseguia enxergar corretamente,
diante da escuridão, mas pude notar o quanto suas pernas
eram magníficas, seu torso muito bem construído. Tudo
nele gritava pecado. Me perguntei se em algum momento
alguma garota havia lambido aqueles mamilos. Eu o faria,
se tivesse a oportunidade.
Sua grande cadela tarada! Gritou meu
subconsciente. Bom, me desculpe, mas eu não estava
morta.
— Você... — pigarrei. — Você não vai se deitar
assim, não é?
— Assim como?
— Seminu.
Ele arqueou uma sobrancelha, aproximando-se um
pouco mais, sem se importar por estar ostentando tudo...
aquilo. Mas quem se importaria com um corpo daqueles,
convenhamos?
— Eu estou nu? — indagou.
— Hum... não exatamente. — gaguejei.
— Então não há problema em eu me deitar assim — e
com isso, ele se infiltrou debaixo dos lençóis, bem ao meu
lado.
Me remexi em minha posição, sentindo-me de repente
muito incomodada e engoli em seco umas três vezes antes
de me dar conta de que eu não estava respirando. Merda,
ele cheirava tão bem. E seus braços e seus malditos
mamilos estavam tão próximos agora. Talvez se eu
chegasse um pouco mais perto...
— Faith, você está bem? — ele questionou.
— Eu... eu estou ótima. Por que?
— Você me parece... sem ar.
— Eu estou legal — forcei-me a pigarrear de novo.
Virei de costas em sua direção e percebi quando, em
algum momento, o meu traseiro tocou em algo... duro. Ele
estava excitado? Caramba!
Senti a respiração de Derek se alterar.
— E você? — questionei, um pouco envaidecida por
saber que não era somente ele que causava efeitos em
mim. — Está se sentindo bem?
— Eu estou ótimo — falou, tentando aparentar
normalidade.
Ele se afastou de mim e eu sorri na penumbra do
quarto.
— Boa noite, Derek.
— Boa noite — foi a única coisa que ele resmungou
de volta. Bom, o nosso menino não estava em uma
situação muito diferente da minha, mas foi ele quem
decidiu assim, e eu estava irritada o suficiente por me ver
em uma situação na qual eu não podia resolver.
Que morresse com uma crise maldita de bolas roxas.
☆☆☆
Nós não perdemos muito tempo assim que
acordamos. Tínhamos que chegar em Scout Lake no dia
seguinte pela manhã, e embora eu houvesse passado
praticamente toda a noite em claro, pensando na bagunça
que havia se tornado a minha vida, eu levantei cedo, assim
como Derek.
— O carro está ficando sem gasolina — ele disse. Já
estávamos na estrada havia algum tempo. — Tem um
posto de gasolina a alguns quilômetros daqui. Vou dar uma
parada.
— Ótimo. Eu realmente preciso esticar as minhas
pernas.
Derek dirigiu por mais algumas horas até
encontrarmos o tal posto de gasolina e estacionarmos.
Saímos do veículo e logo fomos saudados pelo sol de
provavelmente mais de trinta graus que fazia naquele dia.
— Eu vou tentar ligar pra Ryan novamente — ele
disse, alcançando o seu celular. — Você fica aqui com o
carro?
— Claro — respondi.
Ele se afastou e eu pus o automóvel para abastecer.
Em seguida, caminhei em direção à pequena loja ali perto,
onde vendiam algumas revistas e mantimentos. Aquele
ponto da Califórnia já era estupidamente quente. Eu sentia
o suor começando a brotar e escorrer para dentro da
minha camiseta fina. Lembrei de que não tínhamos mais
água no carro e não seria nada saudável arriscarmos ficar
sem água por mais um dia. Quão arriscado seria se eu
desse apenas uma passada na conveniência para comprar
algo para bebermos?
Virei-me para avistar Derek com o telefone na
orelha, falando com alguém — provavelmente Ryan. Fiz
um aceno para ele, embora não tenha tido certeza de que
ele viu, e segui rumo à conveniência.
Ao atravessar a porta de vidro, fui direto para a
sessão dos freezers. Apanhei uma garrafa grande de água
e algumas latas de refrigerante e coloquei dentro da cesta.
Fui em direção à sessão de petiscos e peguei um pacote
grande de Doritos. Foi quando uma voz me fez paralisar.
— Olá, boneca... — o tom usado era totalmente
repugnante.
Virei-me e dei de cara com os caras que havia visto
no bar na noite anterior. Eles não pareciam bêbados dessa
vez, mas continuavam aparentando serem os maiores
babacas. E para completar, eles estavam... estranhos.
Eufóricos demais. Olhei para o lado de fora, através do
vidro, e não avistei suas motos.
Tem como isso piorar?
— E aí — eu disse, fitando-os. — Que coincidência,
não?
— Talvez seja o destino — refutou o barbudo. Seus
amigos começaram a rir, como se aquilo fosse uma piada
engraçada.
Controlei meus impulsos de revirar os olhos e tratei
de tentar passar por eles, apenas para me livrar daqueles
idiotas. Eles me deixavam desconfortável e aquilo não era
nada bom. No entanto, o barbudo segurou o meu braço.
— Com pressa? — questionou.
— Sim, eu preciso ir — respondi, tentando puxar
meu braço de volta, mas seu aperto não diminuiu.
Droga!
— Não precisa ser tão apressada, boneca. Nós
queremos apenas conversar.
— Onde está a sua namorada, hein? — rosnei. — Por
que você não aproveita o momento para encher o saco
dela?
— A Shelby? — ele riu. — Ela é uma vadia e não
estamos mais juntos. Eu prefiro você.
Foda-se!
Eu ia puxar o meu braço novamente, quando observei
Derek entrar no estabelecimento. Graças a Deus! Sua
expressão não era das melhores, também. O barbudo me
soltou imediatamente e lançou um olhar para os seus
amigos.
— Foi bom ver você de novo, boneca — disse.
Dirigindo um olhar para Derek, ele se afastou em silêncio,
seus amigos em seu encalço.
— O que os idiotas queriam? — perguntou ele, sério.
— Nada de mais — respondi, mas percebendo que
sua expressão não era apenas pela presença dos caras.
Oh, Deus, será que havia acontecido algo com Ryan? — O
que aconteceu? Ryan deu alguma notícia?
— Tudo na mesma — respondeu com um gesto de
cabeça. Em seguida, levou as mãos aos quadris e suspirou
irritado. — Por que você não ficou no carro, como eu
mandei?
— Eu precisava comprar algo para bebermos e
comermos, Derek — expliquei. — Não acredito que você
está irritado só porque eu me afastei por alguns minutos.
— Não por você ter se afastado, mas por não ter me
avisado nada sobre isso.
— Eu avisei! — bom, ao menos eu havia tentado.
Derek olhou-me como se eu fosse uma adolescente
irresponsável e ele um adulto prestes a me dar uma
bronca. Eu não gostava quando ele agia como se eu fosse
uma menina idiota. Eu era uma mulher. Será que não iria
perceber isso nunca?
— O pneu do carro está furado, Faith — falou. — E
tudo isso porque você não pôde tomar conta dele por
alguns minutos.
— O quê? — me indignei. — A culpa não é minha se
você não sabe dirigir e acaba furando o pneu por isso.
— Eu não estou falando disso — pronunciou. —
Alguém sabotou os pneus.
— Como assim? Você está falando sério?
— Sim, eu estou — disse ele.
Ai, droga!
— Nós temos um estepe, não temos?
— Sim, no entanto, apenas um — disse. — E eles
furaram os quatro.
Porra!
— Merda, isso é ruim, muito ruim. Você tem ideia de
quem tenha feito?
— Eu tenho uma suspeita — ele lançou um olhar na
direção dos motoqueiros, que conversavam
enigmaticamente no caixa da conveniência, alternando
seus olhares para nós em alguns momentos.
Óbvio.
— Eu vou acabar com aqueles idiotas.
— Derek, nem tudo se resolve no cano de uma arma
carregada — falei. — Nós estamos em um local público.
Há testemunhas aqui e isso causa... sujeira!
Ele revirou os olhos, voltando a me encarrar de
forma cética.
— Faith, o quão idiota você acha que eu sou? —
resmungou. — Senti-me imensamente ofendido agora.
Cruzei os braços, agora irritada.
— Ok, Chuck Norris, qual é a sua ideia para que
possamos ir embora daqui sem derramamento de sangue?
Ele estreitou os olhos perante minha ironia, mas logo
desistiu de retrucar. O seu cérebro, provavelmente, já
processando todo um esquema. Ele me assustava às vezes
quando fazia isso.
— Relaxa — me assegurou, abrindo aquele sorriso.
— Eu tenho um plano.
Claro! Ele sempre tinha.
☆☆☆
Minha mão pousou com força na lateral do rosto de
Derek e sua cabeça girou para o lado.
— Porra, vadia! — vociferou ele, agarrando os meus
braços com firmeza suficiente para não machucar-me, mas
para que alarmasse quem estivesse à nossa volta.
— Me solte, seu imbecil! — grunhi demonstrando
raiva. — Eu odeio você!
— Foda-se! — replicou. — Eu sou o seu marido e
você vai ter que aprender a não jogar comigo!
— O que está havendo aqui? — era a voz do
motoqueiro que se aproximava.
Ótimo!
Fiz cara de quem estava incomodada e sentindo dor,
com a mão do meu suposto marido agarrada em meu
braço, e girei minha cabeça para encará-lo. Derek fez o
mesmo.
— Não é nada com o que você deva se preocupar —
Derek falou. — Apenas uma discussão calorosa entre um
casal.
— Ou uma crise de ciúmes idiota — eu resmunguei
— Sério, Grant, eu não aguento mais as suas
desconfianças ridículas!
— E eu não aguento mais ver você agindo como uma
vadia diante do meu próprio nariz!
Meus olhos se expandiram. Ele estava ameaçador
naquela posição de uns tantos centímetros maior que eu.
Calculei se havia a necessidade de golpeá-lo uma outra
vez, mas me lembrei que o tapa que eu havia dado fora
forte o suficiente para tornar o nosso teatro convincente.
— Hey, cara, nunca te ensinaram que não se deve
tocar dessa forma em uma mulher? — disse o barbudo. —
Você está encrencado.
— Minha garota, meu assunto — Derek vociferou. —
Cai fora!
O homem coçou a barba, encarando Derek de olhos
semicerrados e postura altiva. Eu sabia que ele estava
mordendo a isca direitinho. Só esperava que a droga do
plano desse realmente certo até o fim, ou estaríamos
fritos.
— Que tal se você deixasse ela resolver essa coisa?
— sugeriu. — Se quiser, ela irá com você. Caso
contrário, solte seu maldito braço.
Derek arqueou uma das sobrancelhas, ainda muito
desafiador.
— É óbvio que ela vai escolher a mim —
engambelou-se. — Não é mesmo, querida?
Seus olhos pousaram em mim. Eu engoli em seco,
forçando os meus músculos a tremerem, como se eu
estivesse nervosa. Realmente eu estava, e aquilo meio que
ajudou.
— Bem, eu... não! — disse finalmente. — Solte-me,
Grant. Acabou!
— Como assim, acabou? — ele fingiu irritação. —
Você não está falando sério, está, babe?
— É óbvio que estou — falei. — Fique aqui com o
seu maldito ciúme, eu estou indo embora.
— Você não tem como ir — provocou. — Não há
carona disponível, e o carro é meu.
Arregalei os olhos e entreabri os lábios, simulando
estar no mínimo ressentida. Antes mesmo que eu dissesse
algo, o barbudo se manifestava novamente.
— Ei, boneca, não se preocupe com isso. Estamos de
camionete hoje. Eu posso te dar uma carona.
— Você pode? — pisquei docemente. — De
verdade?
— Claro! Eu jamais deixaria uma beleza dessas
desamparada — puxando-me para si, ele deslocou um
braço pesado para a minha cintura. Plantou um beijo na
lateral do meu rosto e por um fio eu não o empurro.
— Então é isso, Mel? — Derek voltou a falar. —
Você vai embora com... eles?
— Sim! — fui firme. — Estou sem carona, afinal,
não é? Dê o fora, Grant. Eu não quero nunca mais ter que
olhar na sua cara.
— Whoa! — zombaram os homens compartilhando
risadinhas.
— Babe, você não pode... porra, babe, vamos
conversar! — ele gaguejou. Uau, Derek era bom naquilo.
— Eu já disse que não — disparei, aproximando-me
mais do homem que me segurava. — Acabou, Grant.
Apenas aceite.
Derek soltou um suspiro pesado e fingindo estar
derrotado e furioso, lançou-nos um palavrão, antes de se
virar e irromper para o lado de fora do local, pisando
duro.
Era agora o momento de agir.
— Vamos lá, baby... — sibilou o barbudo com voz de
predador. — Não se preocupe com ele. Nós cuidaremos
de você.
— Hum... espere! — o detive antes que me puxasse.
— Para onde nós vamos, exatamente?
— Para onde você quiser ir — respondeu. — Isso
lhe soa agradável?
— Muito — respondi com um sorriso tímido.
Aproveitei para passar os dedos em seu pescoço. Eu
sabia que os caras gostavam daquilo. — Só há um
probleminha.
— E qual é?
— O idiota do meu... bem, o Grant, ele não me
alimentou durante todo o maldito dia — fiz biquinho. —
Estou faminta.
Ele sorriu.
— Bom, o que você deseja, boneca? Nós podemos
resolver o seu problema.
Mordi o lábio, fingindo estar pensativa.
— Que tal se vocês me comprassem umas batatas e
cerveja? — aproximei-me dele, contendo o repudio em
torno daquele gesto e sussurrei: — Álcool me dá tesão.
Ele soltou um grunhido que demonstrava o quanto
aquelas palavras haviam o agradado. Senti seu braço
apertar ainda mais em torno da minha cintura.
— Pelo visto você é uma menina selvagem, hein? —
murmurou. — Quem diria.
Lambi meu lábio inferior e sorri para ele, voltando a
murmurar feito uma maldita gata manhosa:
— Não leve isso a mal, mas eu estou com muita raiva
e a fim de descontar toda essa frustração em algo que
realmente valha a pena — em seguida, deixei o meu tom
de voz o mais sexy possível: — E adivinha? Sentir raiva
também me deixa com muito tesão.
Ele engoliu em seco e senti-o afoito.
— Certo, certo, vamos ser rápidos com isso. Novato,
leve a garota para a caminhonete. Eu vou comprar algo
para comermos e, em seguida, seguiremos viagem. Há
muita bebida no carro, docinho. Nós vamos nos divertir
bastante, eu garanto.
— Assim espero — olhei na direção do rapaz que
aparentava ter mais ou menos a minha idade. Possuía
cabelo loiro escuro e usava um colete. No entanto, o seu
não era repleto de emblemas, como o dos outros homens.
— Mas... eu preciso mesmo ir com ele? Você poderia me
dar as chaves do carro e eu aguardaria por lá.
— Nem pensar — retrucou o barbudo. — Aquele
imbecil do seu ex ainda pode estar lá fora. Eu não confio
em deixá-la sozinha em torno dele.
Pisquei, fingindo deslumbramento.
— Oh, isso foi doce — comentei. — obrigada...
hm...?
— Tiger — ele completou e eu contive uma careta.
Que tipo de mulher batizava seus bebês com nomes desse
tipo? — Leonel “Tiger” Dawson.
— Uau, isso soa sexy — comentei, dando uma
risadinha.
— Os caras me apelidaram assim, logo que entrei
para o clube — falou orgulhosamente. — Eu sou
insaciável como um tigre, baby.
Puta que pariu. Onde Derek havia me metido?
Soltei outro de meus falsos sorrisos doces, fingindo
ter me agradado com sua pequena demonstração de
orgulho e aproveitei a deixa para finalmente me afastar
dele.
— Certo, Tiger. Eu espero você na caminhonete, ok?
Esperei ele assentir e dei uma piscadela. Virando-me
em direção à porta, tratei de rebolar os meus quadris com
a maior grau de indecência que eu conseguia, conforme
caminhava. O garoto, no entanto, me seguia. Droga, eu
tinha que me livrar dele!
Evitei relancear um olhar ao meu redor procurando
por Derek. Eu sabia que ele estaria por perto, assim como
combinamos.
— Escuta... qual o seu nome mesmo?
— Denny — respondeu o rapaz. Ele parecia ansioso.
— Eu me chamo Denny.
— Ok, Denny, você não precisa ficar comigo por
todo o tempo, se não quiser. Eu não vou mexer em nada.
Juro.
— Eu não posso — ele negou veemente. — Eu recebi
ordens do Prez para cuidar de você, e é isso o que vou
fazer.
— Quem é Prez?
— O Tiger é o Prez. O presidente do clube, sabe? —
ele abriu um sorriso.
— Oh, e você é amigo dele ou parente?
— Nah, eu sou apenas um prospecto — balancei a
cabeça, seja lá o que aquilo significava. — Estou em
treinamento, mas em breve farei parte do clube. Como
todos os outros, terei a minha própria Harley e poderei
adicionar patches em meu colete.
— Hm... legal — murmurei, observando-o retirar as
chaves de algum lugar do seu bolso e inserir no carro para
abrir a porta. — Imagino que você não vê a hora para que
isso aconteça, não é?
— Sim, claro — disse. — Eu estou muito ansioso.
Sorri para ele, procurando demonstrar simpatia. O
garoto parecia legal e por um momento o meu lado
“manteiga derretida” sentiu piedade pelo que eu estava
prestes a fazer. Mas, durante o pouco tempo em que
convivi com Derek, eu aprendi a ser um pouco mais
egoísta e pensar em mim primeiro. E naquele momento, eu
vinha em primeiro lugar. E Derek também.
Desde quando Derek havia se transformado em uma
prioridade?
Observei, quieta, enquanto Denny abria a porta da
velha caminhonete, fazendo um gesto com a mão para que
eu subisse primeiro. Permaneci em minha posição,
procurando retardar aquele momento.
— Hum... Denny, eu realmente gostaria de ficar um
pouco mais aqui fora. Está fazendo tanto calor — ele
concordou com um gesto de cabeça. De repente, abri meus
olhos o máximo que consegui e apontei para um ponto no
chão. — Oh, meu Deus, o que é aquilo!?
— O que.... Ow... Isso dói! — Denny guinchou no
momento em que bati a porta do carro em seu nariz. Ele
veio em minha direção, eu dei uma joelhada em suas
bolas, e antes que ele pudesse ter um próximo movimento,
Derek aparecia por trás, puxando-o pela gola da camisa e
lhe dando um soco.
O garoto caiu no chão. Por um momento senti pena.
— Me desculpe, Denny — falei, roubando-lhe a
chave da caminhonete. — Não é nada pessoal, ok?
E assim, entrei no carro, ao passo que Derek
apanhava as nossas poucas coisas que já estavam
escondidas em algum ponto perto do carro e a colocava
no fundo da caminhonete.
Nesse momento, os motoqueiros já haviam se dado
conta de que algo estava errado e corriam em nossa
direção, prontos para nos atacar. Ocupei o banco do
motorista e Derek entrou do meu lado, batendo a porta ao
seu lado.
Dei partida, cantando pneu e observando pelo
retrovisor os homens se distanciarem ainda mais atrás de
nós, conforme o carro tomava velocidade.
— Puta que pariu! — gritei eufórica. — Nós
roubamos um carro, porra, caralho!
Eu não sabia de onde havia vindo tanto palavrão, mas
eu me sentia... excitada!
Derek riu ao meu lado, divertindo-se com a minha
reação.
— Pelo visto você nunca roubou um carro antes, não
é?
— E você já? — questionei, ainda muito eufórica.
Seu sorriso morreu um pouco. Ele desviou o olhar.
— Determinadas situações exigem certas atitudes. E,
sim, eu já roubei um carro antes, se é o que quer saber.
Mordi o lábio e sorri amplamente.
— Minha nossa, eu me sinto tão... criminosa!
Uma risada escapuliu dos meus lábios e apertei o
botão do rádio do carro. As batidas contagiantes do
cowntry de Dolly Parton começaram a tocar.
— Sim, você foi uma ótima criminosa hoje, babe —
ele me elogiou. — Fez um ótimo trabalho, principalmente
na hora do tapa. Estou com a bochecha queimando até
agora.
— Me desculpe pelo tapa — desculpei-me, um
pouco preocupada com o grau de força que havia usado.
— E obrigada pelo elogio, eu fui uma das melhores da
minha turma na faculdade de Artes Cênicas.
— Eu não tenho dúvida disso — ele sorriu e eu
imaginei ver uma pontada de orgulho brilhando em seus
olhos verdes.
— E então, para onde vamos agora? — perguntei.
— Scout Lake fica a alguns quilômetros daqui.
Teremos que parar em algum lugar para dormir e seguir
viagem amanhã pela manhã — disse ele.
Foi quando uma ideia me veio à cabeça.
— A gente não precisa necessariamente nos hospedar
em um outro motel sujo com velhas enxeridas, não é?
— Talvez não... mas onde você sugere que fiquemos?
Sorri, animada.
— Você já dormiu sob a luz da lua?
21: Boas Garotas Preferem os Caras
Maus.
Faith
Já era noite quando decidimos que seria seguro o
suficiente estacionar a caminhonete em um determinado
ponto da estrada. O local era extremamente deserto. A lua
estava cheia naquela noite, o céu limpo o suficiente para
nos fornecer a esplendorosa visão das estrelas que
cintilavam no alto, como pequenos diamantes incrustados
em um fino tecido escuro.
Busquei o olhar de Derek, ainda dentro do
compartimento pouco iluminado. Notei que ele não
correspondia ao meu gesto, encarando o horizonte em
silêncio. Sua cabeça estava apoiada contra o encosto de
couro gasto do banco do carro. Ousei me aproximar
apenas mais alguns centímetros de seu corpo e perguntei:
— No que está pensando? — foi praticamente um
sussurro. Como se o meu próprio cérebro estivesse
lutando contra a ideia de tirá-lo daquele torpor. Ele ficava
bonito assim, bem mais bonito do que de costume.
Finalmente, aparentando ter afugentado seja lá quais
fossem os pensamentos que viesse a estar tendo, Derek
voltou a me fitar. Por uma razão, talvez inexplicável, o
meu coração se acelerou no mesmo instante, golpeando
freneticamente contra o meu peito.
— Eu estava pensando sobre como seria tudo isso,
caso jamais tivéssemos nos conhecido. Ou se eu não
houvesse a sequestrado e iniciado toda essa confusão.
Suspirei. Confesso que, por inúmeras vezes ao longo
do tempo em que passamos juntos, culpei Derek por todo
o inferno pelo qual havia sido obrigada a passar. Contudo,
depois de repensar sobre nossa atual conjuntura, cheguei à
conclusão que, querendo ou não, Derek acabou sendo a
minha salvação em meio a todo aquele caos. Ele havia me
salvado de homens cruéis. Por mais que fosse confuso
admitir, sem ele eu estaria perdida.
— Provavelmente eu estaria morta — declarei. —
Pelas mãos de John.
Derek sorriu fracamente, voltando a recostar a
cabeça contra o banco. Naquela posição, com aquele
sorriso pequeno nos lábios, ele não aparentava um cara de
vinte e tantos anos, rude na maior parte do tempo e que
torturava e assassinava pessoas. Derek parecia... jovem,
até. Bonito. Muito bonito.
— Querendo ou não, eu acabei fazendo o certo.
— Sim, você foi o meu herói — brinquei, dando um
empurrão de leve em seu ombro com o meu. Arranquei
dele um outro sorriso.
— Pra quem era considerado o temido vilão da
história, até que eu me dei bem — brincou. — Virei herói
e ainda fugi com a donzela.
— Menos, ok? — resmunguei. — Você não é nenhum
príncipe.
— As garotas não curtem os príncipes, babe — deu
de ombros. — Elas sonham durante toda a vida em se
casar com príncipes encantados que aparecem em seus
cavalos brancos, mas são nos pervertidos que elas
procuram prazer de verdade.
Uau. Em que momento a nossa conversa sobre
artimanhas do destino havia se ampliado para aquele
rumo? Minhas bochechas começaram a esquentar, claro —
principalmente quando reconheci que o que ele dizia era a
mais pura verdade. Os pervertidos talvez fossem bem
melhores. Não que eu já houvesse tido experiência com
algum pervertido que valesse a pena — Simon eu
considerava um doente mental — mas eu imaginava. E
bastou aquele pensamento para que coisas se acendessem
dentro e fora de mim.
— Você pode até ter razão — dei de ombros. Eu não
iria dar o braço a torcer tão facilmente. — Mas talvez eu
ainda prefira os príncipes.
— Ou — ele sorriu — talvez você ainda não tenha
experimentado um pervertido.
Rolei os olhos.
— Você se garante muito, não é? — desdenhei. —
Que tal se você convertesse toda essa sua potência sexual
em energia mental e me ajudasse a bolar um plano para
que possamos ter uma noite decente nesse carro?
— Não foi você quem inventou de dormir “sob a luz
da lua”? — retrucou fazendo aspas com os dedos. —
Então se vira.
Eu definitivamente preferia os príncipes!
— Ótimo. Eu estou indo para fora. Está realmente
quente hoje, e eu adoraria se pudéssemos sair de dentro
dessa lata velha.
— Claro, princesa, você é quem manda — provocou
ele, tratando de abrir sua porta. No entanto ainda
permaneceu sentado. — Aliás, você já acampou antes?
Enruguei o cenho.
— Por que a pergunta?
— Bom, porque é praticamente o que vamos fazer
agora. Só que com a desvantagem de não haver barraca.
— Eu realmente não me importo. É nossa última
noite na estrada, roubamos um carro e estamos fugindo da
polícia e de um grupo maluco de motoqueiros sem noção.
Dormir ao ar livre seria o menor dos meus problemas
essa noite — decretei, abrindo um sorriso em seguida. —
Além do mais, os caras disseram algo sobre ter bebida no
carro... — abaixei-me para apanhar uma caixa que meu pé
já cutucara havia um bom tempo, mas não tivera a
oportunidade de checar o que era.
Realmente, havia uma caixa de cervejas lacradas.
Acabei encontrando de brinde um saquinho com algo que
julguei ser maconha.
Caramba.
— Eu acho que nós merecemos um pouco de
diversão depois de tudo pelo que passamos hoje, não é
mesmo? — empolgação me varreu quando abri a caixa.
Peguei uma das garrafas de cerveja e levei à boca
para arrancar a tampa, como eu já havia visto em muitos
filmes, no entanto, o resultado não foi como o esperado.
— Aw! Calamba! — gritei ao perceber que havia
mordido a minha língua.
— Mas que diabos você fez? — Derek resmungou
arrancando a garrafa da minha mão, abrindo da mesma
forma que tentei, porém com maestria. — Você está
sangrando?
— Não, eu não extou xangranfo. Não xe preocupe
— respondi, ainda com dificuldade.
Derek prendeu o riso.
— É dessa forma que você diz querer se divertir?
— Cale exa maldita boca — apanhei a cerveja de
sua mão e tomei um gole da bebida, percebendo que a dor
na língua começava a diminuir. — Ela não está gelada,
mas serve. Você não vai beber?
— Você quer me embebedar?
— Talvez — respondi. — Eu juro que não tento
desenhar um pênis de batom em sua testa, caso você
desmaie em algum momento.
E lançando para ele um sorriso, eu capturei o que
havia sobrado das cervejas, abrindo a porta do carro e
saindo.
— Traga a maconha e providencie algum cobertor —
gritei, já do lado de fora. — Eu estarei na carroceria.
☆☆☆
— Uau, eu estou vendo estrelas — comentei,
bebendo um gole de cerveja e me rendendo a uma
gargalhada no momento seguinte. Sem querer, a bebida
acabou pulverizando para frente, atingindo o meu rosto e
roupa. — Droga, eu estou toda molhada!
E por algum motivo que a minha mente bêbada julgou
divertida, caí na gargalhada novamente.
Derek resmungou algo e levou sua garrafa à boca. Eu
não sabia quantas garrafas havíamos bebido, mas Derek
provavelmente já havia ingerido tanto álcool quanto eu,
contudo ele não parecia nada... tonto. Eu, no entanto, via
tudo girando.
— Eu poderia até dizer que isso tem a ver com o fato
de você estar deitada, olhando para o céu — comentou
ele. — Mas como eu acompanhei todo o seu desempenho
ao longo das últimas duas horas, é bem provável que isso
seja apenas o efeito da cerveja.
Bufei.
— Não me venha com esse papo, ok? — falei. — Eu
me sinto muito bem.
— Tem certeza? — indagou, me encarando. Mas ao
invés do que eu imaginei que fosse encontrar em seus
olhos quando o observasse, ele parecia preocupado,
apenas. — Eu acho que essa seria a hora certa de parar.
— Ah, Derek, não seja um chato — resmunguei. —
Você, provavelmente, já bebeu mais do que eu, no entanto
não parece pretender parar. Direitos iguais, baby.
De uma forma inexplicável, aquilo me soou
engraçado também. Caí na risada novamente.
Pelo visto, eu estava muito divertida naquela noite.
— Bom, já que quer assim... — Ele deu de ombros e
bateu sua garrafa na minha em um brinde. Ele era tão
confuso às vezes.
O silêncio se instalou ao nosso redor. Apenas o
barulho dos insetos que faziam morada por aquelas
redondezas era ouvido. Eu não sentia medo, apesar de
estar escuro e distante de qualquer lugar que indicasse
vida na Terra, mas eu gostei daquela calmaria. Me fazia
refletir e pensar em coisas que não devia. Mas que eram
inevitáveis de serem pensadas, no entanto.
— Conte-me um segredo — pedi.
Derek parou o processo de levar a garrafa até a boca
e me fitou. Ele estava com as costas recostadas contra a
cabine da caminhonete, um joelho flexionado para cima,
enquanto a outra perna esticava-se casualmente sobre o
cobertor estendido, que havíamos encontrado em algum
lugar no fundo do carro.
Eu, no entanto, estava deitada sobre outra parte do
cobertor, minha cabeça muito próxima de sua coxa direita.
— Que espécie de segredo você quer saber? — sua
voz era serena, com seu natural tom de rouquidão.
— Um segredo que mais ninguém saiba.
— Se eu te contar, não vai ser mais um segredo —
devolveu, voltando a beber da garrafa.
Bufei como uma menina contrariada e reformulei o
meu pedido.
— Ok. Então conte-me algo que poucas pessoas
sabem. Algo que eu ainda não sei.
Ele permaneceu em silêncio. Por um momento me
senti invasiva demais por exigir algo daquele tipo, pois
ninguém era obrigado a compartilhar seus segredos com
quem não queria. No entanto, ele estreitou os olhos,
começando a sorrir de forma maliciosa. Os lábios finos e
altamente beijáveis estenderam-se lindamente.
— Eu tenho um piercing — Oh, uau. Eu não esperava
por aquela. — Na cabeça do meu pau.
— O quê?!
Engasguei. Tossi. Pigarreei.
Então, em questão de segundos, eu me vi com o
cotovelo apoiado no chão. Virei de lado para encará-lo.
— Você tem... você realmente tem um piercing... lá?
— Sim, eu tenho — confirmou. — É um apadravya.
Já ouviu falar?
— Hum... já, claro — gaguejei. — Isso é tão... —
sexy! — estranho.
Ele deu de ombros.
— As garotas gostam. Dizem que é bom para
estimular o ponto G. — falou. — Você sabe o que isso
significa, não é?
— É claro que eu sei o que é um ponto G! — tentei
soar como uma mulher experiente e muito bem resolvida
sexualmente. No entanto, eu não era. Então a minha
tentativa de mascarar a verdade foi provavelmente um
fiasco, quando ele voltou a sorrir, ainda me encarando
com olhos avaliativos.
— Tem certeza? — provocou. — Você está corando
feito uma virgem agora.
Eu estava?
Bom, eu não podia ter certeza, mas o meu rosto
queimava.
— Eu não sou uma virgem — defendi-me, acho que
mais pelo motivo de tentar provar a mim mesma do que
para ele que eu realmente não era.
Derek ficou sério. Seja lá que pensamento estivesse
se passando por sua cabeça naquele momento, não era
algo que em todo lhe agradava.
— Muitas das vezes, ter feito sexo não significa
nada, Faith.
Engoli em seco.
— O que você quer dizer com isso?
— Eu quero dizer que você pode ter feito sexo sua
vida toda, com vários caras, mas pode nunca ter tido um
orgasmo, por exemplo.
Será que ele estava dizendo que eu tinha cara de
quem nunca havia gozado? Céus, será que eu estava sendo
tão óbvia assim?
— Bem, eu... — gaguejei, sem palavras.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Está vendo? Você corou e ficou nervosa. Isso é um
sinal.
— Sinal de quê?
— De que eu estou certo. As pessoas tendem a se
esquivar e sentirem-se desconfortáveis diante de situações
onde exigem que elas exponham uma realidade íntima que
não lhe é satisfatória ou considerada normal para a
maioria. É natural do ser humano, Faith. Tão natural
quanto uma mulher não conseguir atingir o orgasmo se não
houver recebido estímulo suficiente.
Permaneci em silêncio. Não era como se ele
estivesse me acusando. Muito pelo contrário, Derek
estava me absolvendo de uma possível penalidade
psicológica por eu não ter experimentado antes o
verdadeiro prazer de estar com um cara.
Aquilo foi doce. Foi ainda mais doce pelo fato de ele
não ter se dado conta do que estava fazendo.
— Obrigada, mas eu tenho ciência de que isso pode
ser... normal, até demais — murmurei. — Só não me sinto
confortável falando sobre isso com alguém.
— Se ainda não percebeu, eu sou o único amigo que
você tem agora — disse. — Temos que começar a nos
acostumar com isso, não é?
— Talvez — respondi. — Mas não é como se
fôssemos começar a fazer festa do pijama, comer sorvete
e falar sobre desilusões amorosas.
Ele soltou uma risada que me fez rir também.
Voltamos a encarar o céu. Eu me sentei e voltei a procurar
por mais uma cerveja, mas não havia mais nenhuma
garrafa lacrada. Todas vazias.
— Droga, bebemos tudo — reclamei. Eu queria mais
uma.
— Uma hora teria que acabar — ele ria da minha
expressão. — Eu acho que já chega por hoje.
É, talvez.
Acho que havia extrapolado os limites. No entanto
aquele fora o primeiro dia em que decidi fazer algo
considerado errado. Eu queria ter tido ao menos um dia na
minha vida para fazer coisas que nunca havia feito antes.
Para chutar o balde, como Sierra costumava dizer, e ser
verdadeiramente livre. Passei a minha existência toda sob
uma redoma de prata, sendo protegida e tratada como uma
boneca intocável, e no que deu? Namorei um idiota sádico
que não conseguia me fazer gozar nenhuma maldita vez em
que esteve comigo, nunca havia ido sequer a um parque de
diversões e era uma idiota boba que acreditava na
conversa fiada de caras bonitos que me abordavam no
supermercado. Não que não tenha valido a pena este
último item, mas acho que dá para ter uma ideia de como
a minha vida foi uma droga.
Voltei para a posição em que estava minutos atrás.
Foi quando vi o saquinho de maconha ali perto. Eu nunca
havia fumado aquilo e não tinha o menor interesse em
ficar chapada, mas a curiosidade falou mais alto. Se eu
desse apenas uma tragada? Era o meu dia de chutar o
balde, afinal, certo?
— Você já usou isso alguma vez? — Derek
questionou, percebendo que eu já estava com o saquinho
na mão, já apanhando um dos cigarros montados dali de
dentro. Era esquisito. Comprido e fino, e tinha um formato
feio.
As pessoas poderiam tentar fazer cigarros de
maconha um pouco mais bonitos.
Ficando de joelhos diante de Derek, eu mordi o lábio
ansiosa. Será que ele me repreenderia por querer fazer
aquilo?
— Não — eu disse. — E você?
— Eu já usei até cocaína, Faith — respondeu como
se não fosse nada demais, enquanto eu julgava ser a maior
aventura suja da minha vida. — E isso não é legal para
alguém como você — finalizou, puxando o cigarro da
minha mão.
— Por que não? — perguntei. — É só uma tragada.
Eu nunca fiz isso antes.
Ele bufou. Parecia irritado quando voltou a falar:
— Você já fez alguma coisa considerada imoral
alguma vez? E ter roubado a caminhonete hoje não conta.
— Bom, eu... — engoli em seco, tentando cavar em
minha mente algum momento em que eu tenha feito algo
considerado errado. — Eu comecei a ingerir bebida
alcoólica antes dos vinte e um.
— Uau, isso é realmente surpreendente — debochou.
— Sua adolescência deve ter sido uma grande merda.
Estreitei os olhos e tomei o cigarro de maconha de
sua mão.
— Foda-se, você — rosnei, caçando o isqueiro que
Derek retirara de seu bolso havia algumas horas e
descansava ali perto.
Acendi o cigarro, levei aos lábios e dei uma tragada,
sem saber ao certo o que fazer em seguida. Decidi engolir.
Não bastou muito tempo para que eu sentisse como se os
meus pulmões houvessem se transformado em um
reservatório de fumaça. Então, a onda de tosse veio, antes
mesmo que eu pudesse evitar. — Oh, porra...isso é...
horrível!
Como alguém conseguia fumar aquela merda?
Derek balançou a cabeça.
— Você não está acostumada, é normal acontecer
isso logo de primeira. Tente puxar e não prender a fumaça.
Vai ficar mais fácil nas próximas tragadas e o efeito será
melhor.
Então eu fiz novamente, da forma que ele me indicou.
Dessa vez foi menos estranho. Ainda não era bom, mas ao
menos eu consegui lutar contra a onda de tosse.
Senti meu corpo relaxar. Minha cabeça parecia leve,
assim como todo o resto de mim.
Daquilo eu gostei.
Sentindo-me ousada, eu me aproximei ainda mais de
Derek e soprei a fumaça em seu rosto, excitação me
varrendo por inteiro. Seus olhos se fixaram em meus
lábios entreabertos. Em seguida, subiram para encarar os
meus olhos. Notei, de repente, que estávamos muito perto
um do outro.
Puxando o cigarro de minha mão, Derek me
surpreendeu quando o levou aos lábios. Em seguida,
tragou com maestria, imitando o meu gesto de soprar a
fumaça em meu rosto. Droga, aquilo era sexy! A forma
como seus olhos semicerrados me encarava, a boca
expelindo a fumaça de uma forma que o deixava com uma
cara de perigosamente sexy. Ficamos nos encarando por
um momento que julguei ser uma eternidade, até ele
resolver avançar um pouco mais e morder o meu lábio
inferior.
Não foi doloroso. Foi leve, suave. Apenas a pontada
de seus dentes cravados docemente na carne macia do
meu lábio.
Ele puxou e depois soltou. Minhas pálpebras
pesaram. Quando avançou novamente, sua língua irrompeu
para fora, a ponta provocadora alisando sobre o local
para suavizar aquele gesto. Eu não soube em que momento
permiti que isso acontecesse, mas quando dei por mim,
uma de suas mãos estava subindo pelas minhas costas, à
medida que a outra alisava para cima e para baixo a pele
do meu braço.
— Você está arrepiada — ele sussurrou.
— Eu... devo estar com frio — menti, arfante.
— Mas você está quente — apontou. —
Incrivelmente quente.
E como se não houvessem problemas a enfrentar,
inimigos com os quais nos preocupar, muito menos
diferenças entre nós para abordar, ele simplesmente me
beijou.
Não foi como o beijo da noite anterior. Foi mais
suave, lento, sensual. Ele jogava com as mãos no meu
corpo, dentes e língua provocando minha boca e lábios.
Senti a pressão de suas mãos nas costas das minhas coxas.
Em seguida, eu estava sendo puxada para o seu colo,
sentada de frente para ele. Sua boca abandonou-me por
um momento, como se para recobrar a respiração e senti
sua testa se apoiar na minha.
Ele estava incrivelmente quente também.
— Isso também foi para manter as aparências? —
arfei.
Ele sorriu. Voltou a sugar o meu lábio, envolvendo
minha língua com a sua, me fazendo derreter contra seu
corpo duro.
— Não — murmurou, com os lábios ainda grudados
nos meus. — Esse foi porque eu quis.
E então, tão incrivelmente como havia acontecido no
momento anterior, eu estava o beijando outra vez. Eu
sentia o meu peito subindo e descendo, minhas mãos
arranhando suas costas, pescoço e couro cabeludo. Seus
braços apertaram a minha cintura, indo de encontro ao
meu traseiro. Eu arfava, vibrava e gemia.
Sua boca desceu pelo meu pescoço, mordiscando e
chupando a pele com avidez. Um toque quente e ao mesmo
tempo áspero pressionava contra as minhas costas, ao
passo que ele deslizava os lábios para o meu colo em
carícias ousadas. Quando dei por mim, eu estava
murmurando seu nome, sentada sobre a ereção mais que
evidente de Derek, pronta para explodir.
— Oh, Deus, eu... — não consegui terminar a frase
quando ele voltou a engolir meus gemidos com mais um
beijo de molhar a calcinha. Para ser mais exata, tudo o
que ele estava se propondo a fazer me deixava úmida.
— O que você sente? — perguntou quando se
afastou, ainda alisando de leve a pele do meu braço.
Arrepios varreram em volta de mim. — Diga-me, Faith.
— Eu me sinto bem — respondi, incapaz de formular
uma resposta muito inteligente. — Me sinto fodidamente
bem.
— Isso pode ficar ainda melhor, babe — murmurou,
soltando um grunhido de satisfação entre os meus lábios.
Ele inverteu nossas posições e me pôs de costas no
cobertor, dando-me um beijo longo. Ele pressionava e
tomava meus lábios com euforia, mas conseguia ser
delicado em alguns momentos. Conseguia ser cuidadoso
com o seu peso sobre mim ou com a forma com a qual eu
era mantida sobre aquele cobertor fino.
— Agora me responda com sinceridade, Faith —
voltou a se afastar alguns centímetros. — Algum homem já
fez você gozar?
Droga, Derek, você tinha mesmo que fazer essa
pergunta?!
— Hm... não.
— Ótimo — pelo seu tom de voz, aquilo havia o
agradado. — Eu gosto de saber que serei o primeiro.
Ele seria?
Sim, ele seria.
Oh, Céus, obrigada!
Quando sua boca tomou a minha novamente, eu já
estava hipersensível e excitada. Abracei seus quadris com
as minhas pernas e apertei-me nele, buscando um pouco
de fricção para aplacar a pressão entre as minhas coxas,
ao passo que minha mão descia para apalpar o volume
poderoso na parte frontal de suas calças.
Ele estava incrivelmente duro. Eu sabia que talvez
estivesse agindo como uma devassa, mas pouco me
importava. Eu não possuía vasta experiência com o
assunto, tendo em vista o pouco conhecimento que obtive
com o sexo, mas com Derek tudo era diferente. Eu
confiava nele, por mais que algo no meu interior dissesse
para não fazer aquilo. Derek não era nada parecido com
os outros homens que conhecia, e naquele momento eu
queria ter um pouco de diversão. Eu estava bêbada,
chapada e talvez me arrependesse no dia seguinte, mas o
meu corpo não parecia seguir os meus comandos
cerebrais. Ele o queria. Verdadeiramente. E aquilo já era
o suficiente.
— Faith, babe, se acalme — ele sussurrou. Retirando
gentilmente a minha mão da sua calça, levantou os meus
braços acima da minha cabeça. — Você não quer que isso
termine rápido demais, não é?
Fiz que não com a cabeça, mas ainda dividida entre o
sentimento de não querer esperar muito por aquilo
também.
— Então acalme-se — pediu, deslizando de leve os
lábios pelo meu pescoço, subindo até a base da minha
orelha. — Você verá que isso vai ser bem mais prazeroso
se fizermos tudo com calma.
Outra rajada de calor irrompeu para o meio das
minhas pernas. Me contorci e empinei o meu peito para
cima, ansiando por ao menos um toque.
Mas Derek era malvado — bem mais malvado do
que eu julguei — e, ao invés de me tocar da forma que eu
tanto ansiava, ele apenas deslizou uma mão até a bainha
da minha camiseta. Subiu devagar o tecido, como se
estivesse planejando estender aquela doce tortura ainda
mais. Expôs lentamente a pele quente da minha barriga,
pouco a pouco. Conforme ele subia a minha blusa, eu
sentia os meus mamilos intumescerem-se, formigando
perante o contato com o tecido do meu sutiã.
Cada terminação nervosa do meu corpo estava sendo
ativada apenas com aquele mísero contato. Nem mesmo
um terço do que eu tinha certeza de que ele seria capaz de
me proporcionar. Derek começou a beijar meu pescoço
novamente, deslizando seus lábios para trilhar beijos por
meu colo e barriga. Aquele gesto me fez saltar e
estremecer. Ele voltou a me encarar com olhar
indagatório.
— Está tudo bem? — perguntou.
Assenti freneticamente e puxei sua cabeça para o
ponto anterior, voltando a me deleitar com a sensação dos
lábios de Derek sobre minha pele. Ele foi subindo
novamente, repetindo a trilha de beijos desde o meu
ventre até as minhas costelas. Levantou o restante da
minha blusa e expôs o meu sutiã.
Um dedo roçou apenas um pouco sob o tecido da
peça. Em seguida, ele abaixou as taças do sutiã. Meus
seios saltaram para fora, o vento fazendo toda a minha
pele se arrepiar.
— Você tem peitos maravilhosos, Faith — elogiou
enquanto passava um dos polegares pelo bico de um dos
seios e amaciava o outro com a mão forte, intercalando
movimentos ásperos com suaves. — Eu estou me
perguntando o que você me deixaria fazer com eles.
Oh, Céus, eu estava me desintegrando. Ele precisava
mesmo perguntar aquilo?
— Faça o que quiser — gaguejei.
— Não me dê carta branca, babe — riu
maliciosamente, aproximando-se ainda mais. — Eu tenho
vontade de fazer muitas coisas com eles e muitas delas te
deixariam perplexa.
— Faça o que quiser — repeti quase desesperada. —
Só não demore tanto.
— Isso quer dizer que eu posso sugá-los? — seu
dedo tocou novamente o mamilo e eu estremeci. Eu nunca
imaginei que um ponto tão pequenino houvesse tanto
poder em proporcionar prazer. — Apertá-los? —
continuou, unindo os dois globos juntos, amaciando a
carne com sua mão áspera, porém habilidosa. Não era
assim quando Simon me tocava. Nunca foi assim quando
Simon me tocou. Mas Derek conseguia me deixar molhada
apenas com um mísero toque. — Ou mordê-los? — Ele
arranhou os dentes de leve sobre a pele e aquilo quase me
descontrola. Contorci-me debaixo dele, incapaz de
formular uma resposta verbal. Parecendo ter
compreendido o que eu realmente queria, ele abaixou a
cabeça, até que sua boca estivesse capturando um dos
meus seios.
Ele começou vagaroso, apenas o toque de sua língua
sobre aquele bico rígido, mas em seguida começou a
sugar. Ele chupava e mordiscava, acariciava e apertava,
me deixando cada vez mais no limite.
— Derek... — eu gemia, inquieta e arfante.
Ele elevou a cabeça e sorriu.
— Você gosta disso, não é? — sussurrou, sugando
provocativamente a pele acima do meu seio. Ele prendeu
o meu mamilo duro entre o polegar e indicador e o torceu
de leve, enviando uma onda de prazer por todo o meu
corpo. — Dessa forma?
— Hm... sim — gemi, ansiando por mais.
— Eu gosto quando você geme enquanto mantenho a
minha boca e os meus dedos em seu mamilo, doce Faith
— murmurou com voz rouca. — O que me faz imaginar
que tipo de som você faria quando eu estivesse com a
minha língua deslizando entre os lábios de sua boceta.
Puta merda!
Eram inacreditáveis as sensações que Derek
conseguia provocar em meu corpo. Ainda absorvendo
suas palavras, senti ele escorregar para baixo. Em questão
de segundos, suas mãos estavam nos meus pés, removendo
as sapatilhas que eu usava. Em seguida, ele levou os
dedos até o cós da minha calça, abrindo os botões do
jeans e descendo o material pelas minhas pernas. Assim
que ele retirou a peça e jogou-a de lado, senti seus dedos
roçarem de leve em minha panturrilha, junção dos joelhos
e coxas. Eu não me sentia envergonhada pelas marcas que
possuía. Ele já havia me visto com menos roupa que
aquilo e, sinceramente, a julgar pelo olhar de Derek, não
eram exatamente as marcas que estavam chamando sua
atenção naquele instante.
Derek curvou seu corpo para baixo. Sua boca voltou
a encontrar a minha pele, plantando beijos pelo osso do
meu quadril e na borda da minha calcinha, bem próximo
de onde eu o queria. Seus dedos se infiltraram nas laterais
da peça bem menos sexy do que eu desejei que fosse para
aquele momento e desceram o tecido pelas minhas pernas.
Afastando as minhas coxas ele beijou o interior de cada
uma delas, cada vez mais perto. Gemi quando um dedo
roçou a minha entrada, inspecionando o local.
— Você está incrivelmente molhada — observou. —
E tão quente... — ele enfiou um dedo em mim e eu me
contorci.
— Você quer mais disso, Faith? — ele mexia seu
dedo para dentro e para fora numa lentidão torturante. —
Quer mais dos meus dedos em sua pequena boceta? —
passou a língua em minha virilha. O polegar se aventurou
a manipular suavemente o meu clitóris. — Já imaginou o
quão maravilhoso seria ter o meu pau sendo sugado
furiosamente por ela?
Céus, por que ele insistia em dizer aquelas coisas?
Eram as palavras mais sujas e eróticas que eu já havia
ouvido em toda a minha vida. Eu estava praticamente
pingando.
— Responda, Faith — provocou ele ao se dar conta
do meu estado. — Diga-me.
— Porra, sim... — rosnei impaciente. — Por favor,
Derek... me lambe.
Vento quente soprou contra a minha pele quando ele
sorriu, deliciando-se com o meu pedido. Ele abaixou a
cabeça. Girei a minha própria em agonia, conforme meu
corpo reagia ao efeito da carne macia de sua língua quente
varrendo a minha intimidade.
Senti que estava fazendo uma viagem ao espaço.
Gotículas de suor se formando nas raízes dos meus
cabelos, meu corpo febril, onde chamas pareciam crepitar
em minhas entranhas.
Derek trabalhava de forma lenta, ainda provocante.
Sua língua em movimentos vagarosos, ora para cima e
para baixo, ora em movimentos circulares. O ritmo me
deixava cada vez mais na borda.
— Oh, Deus, sim, sim, sim... — eu agarrei os seus
cabelos curtos, lançando os meus quadris em uma dança
desconexa. Meus gemidos engasgados, palavras
aleatórias, minha boca seca e entreaberta. A respiração
entrecortada.
E como se eu já não estivesse louca o suficiente, ele
começou a fazer algo com os lábios, como se estivesse
beijando-me... lá em baixo.
Aquilo foi extremamente excitante, seus lábios me
chupando como se eu realmente fosse digna de ser
saboreada. Quando percebeu que eu já estava quase lá,
ele parou com os movimentos. Passou preguiçosamente a
língua em meu clitóris, ao passo que um dedo voltava a se
infiltrar em mim. Estremeci enquanto ele me fodia com
sua língua e os dedos.
Eu estava tão incrivelmente na borda...
— Derek, eu acho que... oh! — gritei e me agarrei a
seja lá o que estivesse ao meu redor. Seu dedo se curvou
em meu interior e ele começou a movimentar a ponta para
cima, como se estivesse buscando por algo. Gemi e
depois gritei mais alto, sem me envergonhar pelo barulho
que estava fazendo. Meu corpo era pura brasa, minha voz
não parecia me pertencer e minhas atitudes não condiziam
com o tipo de pessoa que eu havia sido treinada desde
pequena para ser. Mas que se fodessem os rótulos. Que se
fodesse tudo. Naquele momento, eu só me arrependia de
não ter conhecido a língua deste homem antes.
Ele conseguia fazer maravilhas com ela.
E mesmo eu julgando ser impossível, em algum
momento as sensações devastadoras em meu corpo foram
se elevando. Cada pedaço de pele experimentando o calor
violento que tudo aquilo me proporcionava. E foi assim,
entre toda a loucura desenfreada daquele momento, que eu
gozei. Foi letárgico, foi intenso, foi incrível. Eu sentia
como se houvesse alcançado o céu e descido em questão
de segundos, meu corpo fragmentando-se em milhares de
pedacinhos. Eu já havia me masturbado antes e conhecia o
que era ter um orgasmo sozinha, mas com Derek nada foi
como eu imaginei que seria.
Fechei meus olhos, sentindo os tremores
abandonarem lentamente o meu corpo. Quando me
recuperei por inteiro, admirei o sorriso que ele deu.
Ainda grogue, levantei o meu rosto e tentei abaixar a
minha blusa, mas sua mão me deteve.
— Fique assim — exigiu, com um sorriso
preguiçoso. — Eu gosto de olhar para eles.
— Você é um cafajeste depravado — acusei.
— Você gosta — replicou. Realmente, eu adorava.
— E então?
— Você quer que eu te dê uma nota? — sorri
languidamente. Ainda muito grogue e apreciando o sorriso
presunçoso que ele ainda ostentava. Óbvio que ele não
esperava por uma nota, pois ele sabia exatamente que
havia feito o seu trabalho muito bem feito. — Eu descobri
algo que você poderia fazer com a língua mais
constantemente, em vez de usá-la para encher a minha
paciência.
— Isso é alguma desculpa para ter a minha língua
entre suas pernas sempre que quiser?
— Talvez — murmurei, virando de lado. Foi quando
percebi que ele ainda estava duro. Incrivelmente duro.
Estendi minha mão e a passei por cima do seu
membro ameaçando explodir a calça. Ele segurou meu
pulso, detendo-me.
— Melhor não, Faith.
— Por que? — questionei. — Eu só vou retribuir.
— Eu sei o que você quer, mas em hipótese alguma
eu terei a sua boca bêbada em volta do meu pau.
Semicerrei os olhos, sentindo-me ofendida.
— Ei, eu posso não ter experiência e estar bêbada,
mas acho que tenho capacidade de ao menos fazer um
boquete decente.
Ele balançou a cabeça e riu.
— Eu não tenho dúvida disso, babe — falou. — Mas
eu não quero que você tenha motivos para pensar que me
aproveitei do fato de você estar bêbada. Eu não sou esse
tipo de cara.
— Eu sei que não é — retruquei. — Além disso,
você está bêbado e enfiou a cabeça entre as minhas
pernas. Não é como se regras não houvessem sido
quebradas aqui.
— Sim, mas.... — ele se interrompeu quando lhe
empurrei pelos ombros.
Derek gaguejou algo, tentando argumentar, mas
desistiu no momento em que eu levei um dedo à sua boca.
Desci a mão até seu cinto e desafivelei, depois baixei o
zíper.
— Eu ainda não tenho certeza se essa é uma boa
ideia — tentou protestar.
— Que tal você decidir isso depois que eu terminar?
— lambi meu lábio inferior, me deliciando em
antecipação com a perspectiva de tê-lo em minha boca. —
Apenas relaxe, baby. Eu juro que não vou morder.
22: Caras Maus Preferem as Más
Garotas
Derek
Eu sempre me considerei uma pessoa centrada.
Alguém que agia por meios racionais e não permitia que
assuntos triviais lhe roubassem a atenção. Óbvio que toda
a minha vida não se resumiu apenas em bases lógicas e
ações cem por cento cronometradas, afinal, diferente do
que muitos presumiam, eu era um ser humano, e seres
humanos erravam. Mas o que me diferenciava de ao
menos noventa por cento dos demais cidadãos que se
achavam muito espertos e poderosos em seus carros do
ano e mulheres bonitas empaladas em seus paus, era que
eu buscava me empenhar ao máximo em tudo o que fazia.
Exatamente para que as chances de erro fossem mínimas.
Ações inconscientes ou decisões onde o meu pau falava
mais alto que meu cérebro, praticamente eram
inexistentes. Bem, isso até Faith aparecer. Até ela me
fazer cometer erros fodidos e aparentemente irreversíveis,
e até ela desandar as coisas. Inferno! Eu queria beijá-la e
matá-la. Fazê-la gozar, até que a garota não fosse mais
capaz de lembrar nem sequer do próprio nome e, no
momento seguinte, surrar a sua bunda bonita e puni-la.
Mas eu estava impossibilitado de pensar coerentemente
naquele momento. Pelo menos enquanto eu mantivesse
aquela garota sexy, corajosa e louca, insistindo para
chupar o meu pau. E ela estava bêbada, voltei a me
lembrar. Tão bêbada quanto eu...
Que Deus me ajudasse, mas Faith era,
provavelmente, o erro mais certo que eu já havia
cometido em toda a minha vida.
O vento soprava uma corrente fresca e bem-vinda,
bagunçando os seus cabelos agora escuros, deixando-os
desgrenhados em uma posição extremamente quente. Seus
seios pálidos com mamilos rosados ainda estavam
descobertos, oscilando conforme ela respirava cada vez
mais pesado. Eram bonitos. Macios. Não enormes e
desproporcionais, mas eram grandes o suficiente para que
eu conseguisse amaciá-los da forma que nos conviesse.
Ela gostava de um toque sujo, e — porra! — o fato de a
garota ser tão corajosa era quente. Bem mais quente do
que ela era capaz de imaginar. Eu consegui ficar ainda
mais duro apenas ao me lembrar da sensação de tê-la em
minha boca.
— Não que eu já tenha visto muitos paus ao longo da
minha existência, mas você é bem grande... — ela
observou após tragar em seco. Suas bochechas estavam
coradas, lábios úmidos e olhos intensos e ansiosos,
perfurando cada parte do meu corpo. — Bem maior do
que eu imaginei.
Senti o canto do meu lábio curvar-se em um pequeno
sorriso convencido. Era divertido e fascinante vê-la
daquele jeito. Sua mão macia, quente e tão fodidamente
pequena acariciava o meu membro com interesse, as
pontas dos seus dedos mal se tocando, enquanto ela
punhetava-me em movimentos lentos e torturantes. Seus
olhos se fixaram nas duas pequenas esferas prateadas que
atravessavam a glande do meu pênis.
— Ainda dá tempo de desistir — falei. — Caso você
sinta-se desconfort... porra! — grunhi quando sua boca
envolveu o meu membro, apenas a cabeça. Em seguida,
Faith deslizou os lábios para baixo e para cima. Pondo a
língua para fora, serpenteou em movimentos curtos,
lambendo o pré-sêmen que já escorria da ponta.
Quando ergueu a cabeça, apenas um pouco, percebi
que ela me fitava com olhar divertido e provocante. Eu
jamais imaginaria que Faith pudesse ser tão quente,
participativa e principalmente malvada. Todavia uma
parte de mim — a parte masoquista — se agraciava com
aquela sensação.
— Eu já disse que você fica bem melhor de boca
fechada, Derek Rushell? — ela praticamente ronronou. —
Ou se for para abri-la, que seja apenas para gemer o meu
nome.
Inferno! Que porra ela pensava que estava fazendo?
Ela queria me arruinar.
Seria mais fácil se a maldita não tivesse uma boca
tão boa.
— Porra... — soltei mais uma série de palavrões, ao
passo que Faith voltava a me chupar.
De início, sua boca deslizou lentamente. A língua
varreu o meu membro, como se estivesse sondando a
minha reação ou ao menos procurando tempo para saber o
que fazer depois. Aquilo me levou a imaginar que ela era
a porra de uma boa aluna, porque a garota conseguia me
deixar cada vez mais duro, apenas captando os sons que
eu fazia.
— Isso, babe, mais fundo. Leve-me mais fundo... —
e ela atendeu ao meu pedido. Chupando meu pau com
avidez, dedicando-se em executar aquele ato com
maestria. Eu sentia-o praticamente ir em sua garganta
enquanto ela forçava cada vez mais. No entanto, conforme
ia chegando ao seu limite, Faith retrocedia. Ela usava os
lábios, língua e mãos, que agora acariciavam as minhas
bolas, exercendo pressão suficiente para me deixar em
ponto de bala.
— Hm... eu estou excitada de novo! — gemeu ela,
voltando a me acariciar.
— Porra, mulher! — grunhi ao vê-la lançando-me um
olhar necessitado. Ela tinha noção do quão gostosa ficava
me fitando daquele jeito? — Toque a si mesma. Eu quero
ver você gozar enquanto me chupa.
Faith atendeu ao meu pedido. Ela levou uma mão até
o meio de suas pernas e começou a tocar a si mesma.
Ainda me chupando avidamente, Faith ia cada vez mais
fundo. Realmente mais fundo.
Puta merda.
Eu não sabia o que havia feito para merecer aquilo,
mas seja lá o que fosse, eu sentia-me como a porra de um
abençoado.
Seus dedos iam rápido em suas dobras certamente
úmidas. Ela gemia, ainda deslizando o meu pau em sua
boca, sem pudor ou receio algum sobre o que estava
fazendo. Aproveitei o momento para segurar em seus
cabelos e a fiz ir mais fundo — ao menos até onde eu
percebi que ela suportava — acariciando as mechas
escuras.
Os gemidos e espasmos de Faith no instante em que
ela atingiu o orgasmo foram o suficiente para que eu
mesmo alcançasse o meu limite. O jato pulverizou para
frente, indo direto para boca dela. Tentei puxar sua cabeça
— não queria obrigá-la a beber o meu esperma, embora
achasse aquilo sexy — mas ela não permitiu.
Ela engoliu. Tudo.
Caralho.
Por um momento, o qual eu não soube exatamente
quanto se passou, eu fitei o céu em silêncio para recobrar
as minhas forças. Ela se arrastou para cima, desabando
bem perto de mim. Olhei para o lado e a visão de seu
peito subindo e descendo fez eu me sentir um pervertido
de primeira, mas meio que era impossível não notar.
— Você poderia ao menos tentar disfarçar —
murmurou, ajeitando sua blusa e sutiã para esconder a
visão.
— Você teve a minha boca e mãos sobre eles por um
bom tempo hoje. Não venha com esse papo agora — puxei
Faith para mim e fiz com que ela descansasse sua cabeça
em meu ombro.
Por que diabos eu estava fazendo aquilo?
Ela sorriu timidamente. Percebi que suas bochechas
coravam.
— Eu não machuquei você, machuquei? — sua
insegurança era algo adorável, principalmente após ter
presenciado seu comportamento de minutos atrás. — Eu
não tenho muita experiência com isso.
— Não, você foi perfeita — eu disse.
Ela crispou o a testa, mas um pequeno sorriso
orgulhoso estava em seus lábios.
— Perfeita como?
— Perfeita do tipo “melhor boquete de toda a minha
vida”.
Seu sorriso se ampliou ainda mais. Ela esticou a
cabeça para plantar um beijo rápido no canto da minha
boca e voltou para a posição anterior, pousando uma mão
sobre o meu peito.
— Hm... você tem um coração — disse, sentindo as
batidas descompassadas. Sua voz denotava diversão e um
pingo de cansaço. Eu também estava exausto. — Quem
diria.
— Eu acho que sim — repliquei com um sorriso
pequeno. — Mas não conta pra ninguém.
Ela riu e ficou em silêncio por alguns minutos.
— Derek?
— Sim?
— Nós vamos nos arrepender disso amanhã, não é?
— Com certeza — respondi. — Mas estamos
bêbados, você sabe. Sempre há uma desculpa.
Ela voltou a rir, mas permaneceu calada, ainda
acomodada contra a curva do meu ombro e pescoço.
Percebi, em algum momento, que eu acariciava suas
costas.
Depois de um tempo, Faith acabou dormindo em
meus braços. Eu não deveria achar aquilo bom. No
entanto, foi bem melhor do que gostaria de admitir.
A verdade era clara: eu estava completa e
irrevogavelmente fodido.
23: Bem-Vindos à Scout Lake
Faith
Gritos. Eles se infiltravam em meus ouvidos e rugiam
dentro da minha cabeça, socando as paredes como um
punho atingindo a superfície maciça de um saco de
pancadas.
Dor espetava em torno do meu cérebro, como
inúmeras agulhas afiadas perfurando o órgão.
Mais gritos.
Guitarras.
Bateria.
Alguém dizia coisas como possuir nove vidas, olhos
de gato e ter retornado do luto. O único luto que eu
lamentava era o dos meus neurônios. Parecia que as
malditas coisas estavam em chamas.
Foi naquele momento que eu me arrependi
amargamente pela quantidade de álcool que havia
ingerido na noite anterior.
— Uh... merda... — gemi. — Que porcaria é essa?
— AC/DC — uma voz conhecida anunciou ao meu
lado.
Como se um botão de Play houvesse sido
pressionado, no mesmo instante eu despertei. Senti que
meu corpo sacolejava de leve. Estava sentada em algo
macio e minhas pernas parcialmente nuas recebiam o
vento da janela que vinha ao lado.
Em um gesto reflexivo, levei as mãos até minhas
coxas, só para me dar conta de que eu não vestia nada
além de uma calcinha e uma camisa masculina tão grande
que em mim parecia um vestido.
— Onde estão minhas roupas? — saltei.
— Sua blusa estava fedendo a cerveja e o restante
delas ficou na carroceria da caminhonete — Derek
respondeu, ainda dirigindo. Sua voz era calma sob a
música rascante tocando dentro do carro.
No momento em que ele me olhou, senti seus olhos
varrerem meu corpo e uma quentura cobriu o meu rosto.
Imagens da noite anterior chuviscavam nitidamente
em minha cabeça: a bebida, a maconha, as provocações e
os beijos.
Deus, nosso sexo!
Não que tivéssemos feito sexo, exatamente, mas o
que fizemos não deixou de ser sexo.
E foi bom.
Eu repetiria quantas vezes fossem possíveis. No
entanto, eu não era nenhuma idiota e assumi que seria o
mais sensato não tocar no assunto; afinal, eu ainda não
sabia qual seria a reação de Derek diante de tudo o que
havia acontecido.
Ele parecia neutro. Será que havia se arrependido?
Será que me achava uma boba inexperiente? Ou pior, será
que eu realmente havia lhe agradado? Eu sabia que ele
era... muito, diante do que eu havia recebido ao longo da
minha vida. Mas eu não sabia ao certo se eu havia sido o
suficiente para ele. Apesar de ter dito que o meu oral foi o
melhor que recebera em todos os tempos, ele estava
bêbado. Convenhamos que medir o grau de um boquete
quando se tem umas boas doses de cerveja atuando em seu
sistema não é a melhor escolha.
— Bem, eu não posso chegar à Scout Lake vestida
assim, você sabe — falei. — Estou apenas em minha
calcinha e sua camisa.
— Eu sabia que você iria dizer isso, mas não quis te
acordar tentando pôr mais roupas em você. Então separei
algumas peças e pus aos seus pés.
Olhei para onde ele havia me dito que estavam
minhas coisas e apanhei as duas peças de roupa: um short
azul claro e camiseta.
— E meu sutiã? — indaguei.
— Você não precisa de um — respondeu,
relanceando um olhar sugestivo em direção aos meus
seios.
Dei de ombros, relevando seja lá o que ele tenha
tentado insinuar com aquilo, e retirei a camisa. Senti
Derek se remexer em seu assento, provavelmente afetado
diante do meu ato, mas foda-se. Ele já havia me visto nua
na noite anterior. Não era como se segredos estivessem
sendo revelados agora.
Depois de vestir a blusa, pus o short e passei as mãos
por meus cabelos, tentando domá-los de alguma forma.
Era meio difícil conseguir realizar aquela proeza, tendo
em vista que eles estavam bem mais curtos e indomáveis.
— Minha cabeça parece que vai explodir! — gemi.
Ele deslizou uma mão do volante para abaixar o som
do carro. Pisquei algumas vezes, encantada com a sua
solidariedade.
— Obrigada — murmurei. — Quanto tempo até
chegarmos na cidade?
— Menos de duas horas — Derek respondeu. — Em
breve nós estaremos lá.
— Ótimo... — falei, recostando a cabeça no encosto
do banco.
Eu precisava realmente descansar e repensar na
minha vida. Já havia passado por muitas emoções ao
longo daqueles dois dias.
☆☆☆
Derek
Faith
Estreitas faixas de luz penetravam entre as fendas
entreabertas na cortina da janela. Era possível discernir,
vindo lá de fora, o barulho intrigante que os pássaros
faziam. Girei meu corpo até estar deitada de costas no
colchão e fitei o teto antigo. Um dos pequenos adornos do
singelo lustre pendia em seu local, balançando em
movimentos curtos, conforme eu tentava sair do torpor que
abraçava boa parte do meu corpo.
Nas nuvens. Era como eu me sentia. Meus músculos
estavam relaxados, o meu corpo ainda era ciente das
sensações que havia experimentado na noite anterior.
Derek havia me feito receber dois orgasmos, sem contar
no fato de que o senti novamente em minha boca... e eu
queria mais. Muito mais. Droga! Não havíamos feito sexo
ainda e eu me sentia como uma maldita ninfomaníaca.
Aquele pensamento me levou a imaginar o porquê de
não termos feito sexo ainda. Será que era cedo demais?
Eu estava mergulhando de cabeça naquilo — seja lá que
diabos de relação fodida nós tínhamos — e não era como
se não sentíssemos atração um pelo outro. Toda vez que
ele me tocava, era como se eu estivesse prestes a entrar
em combustão. Era bom. Era certo. Era tão fodidamente
certo.
— Ele vai me deixar louca — murmurei para as
paredes, aproveitando o fato de que eu estava sozinha no
quarto.
Eu não sabia se Derek havia ficado comigo durante
toda a noite ou apenas até o momento em que eu adormeci,
mas, de qualquer forma, o seu lado na cama estava frio.
Saí da cama e caminhei em direção ao banheiro.
Escovei os meus dentes e lavei o meu rosto. Quando olhei
mais atentamente para o meu reflexo no espelho, quase
salto com o que vi.
Havia marcas. Mordidas rosadas na pele acima do
meu seio esquerdo e um chupão no meu pescoço.
— Filho da puta — murmurei, tentando cobrir o
estrago que Derek havia feito com um pouco de
maquiagem. Eu não podia permitir que as pessoas me
vissem assim. Iriam pensar o quê? Que nós éramos como
dois animais? E isso por que nem havíamos fodido ainda.
Ainda. Essa palavra fez algo vibrar em meu baixo
ventre. Tratei de me livrar o quanto antes da ideia
distorcida que minha mente orquestrou. Eu tinha que
descer, tomar o meu café e procurar por Chad. Achei
interessante a proposta de emprego de Darla e
provavelmente fosse legal eu ter algo com o que ocupar o
meu tempo até não termos notícias de Nova York.
Desci as escadas e encontrei Derek na cozinha. Ele
havia preparado o café da manhã, sinal de que havia ido
até o centro e feito compras.
— Bom dia — falei, notando que ele acabava de
encerrar uma chamada.
— Bom dia — respondeu. — Ryan mandou
lembranças.
— Eu teria gostado de falar com ele — sorri. —
Quero ter a oportunidade da próxima vez.
— Você tem um sono pesado demais — pontuou. —
Além disso, eu não achei que fosse uma boa escolha te
acordar.
Isso significava que ele havia dormido comigo toda a
maldita noite? Bom, de toda forma, ele estava com os
cabelos úmidos e cheirava a sabonete — que significava
que, provavelmente, havia tomado banho em outro quarto;
afinal, não vi vestígios de banho no meu banheiro.
— E então, você teve notícias de Nova York? Como
andam as coisas por lá?
— John Wallace parece estar sendo procurado pelo
FBI por corrupção, suborno, dentre outras merdas. Me
parece que Marcel reforçou a aliança com o cara, mas eu
ainda não tenho ciência ao certo sobre quais os seus
motivos para isso. Nem mesmo se ele sabe sobre John ter
tentado te matar.
— Ok, eu entendo, mas espere... se o FBI está à
procura de John, isso significa que nós, muito
possivelmente, tenhamos apoio. E com isso, teríamos que
voltar? — perguntei, bem menos animada do que deveria.
— Ainda não é seguro — respondeu. — Eles podem
estar investigando, mas por trás disso, deve haver algum
informante de John. Dar as caras por agora é a pior das
decisões. Vamos esperar a poeira baixar e ver no que vai
dar.
— Está bem — uma boa parte de mim se via contente
por não podermos voltar para Nova York ainda. Havia um
tempo desde que eu não tinha uma vida considerada
normal. E pela primeira vez eu estava vivenciando aquilo.
Em um casamento falso com um assassino que me
sequestrou e resolveu me ajudar. Mas, mesmo assim,
parecia uma vida normal.
Comecei a me servir de um pouco do café e Derek
sentou diante de mim, fazendo o mesmo. Percebi que ele
me encarava com um meio sorriso.
— O que foi agora?
— Nada — disse ele. — Você tem planos pra hoje?
Eu estava pensando em abrir a garagem e ver o que
conseguimos aproveitar dela.
— Você precisa de ajuda? — perguntei. — Bom,
porque eu pensei que pudesse ir até o bar em que Chad
trabalha e tentar aquela vaga que Darla mencionou.
Senti o corpo de Derek se tensionar. Desgosto
estampado em seu rosto.
— Faith, se foi por causa do que Ada disse, você
sabe que não precisa trabalhar, não é? Fui eu quem
inventou esse plano em primeiro lugar e jamais te deixaria
desamparada. Mesmo se não fosse esse o caso, eu tenho
condições de sustentar nós dois.
— Derek, eu entendo a sua boa vontade, mas além do
fato de eu querer ser útil de alguma forma e não achar
muito certo ser sustentada por você, seria estranho nós
ficarmos aqui, mantendo uma casa deste tamanho e sem
trabalhar.
— Eu já disse que vou abrir a maldita oficina. Para
todos os efeitos, estamos lucrando ou temos economias.
— Derek... — gemi. — Por favor, não complique
isso pra mim. Eu preciso trabalhar, fazer algo, ou vou
enlouquecer.
Ele rolou os olhos.
— Eu não vou lhe propor cuidar da casa e da
cozinha, porque eu acho que você chutaria as minhas
bolas por isso.
— Com certeza.
— Certo — ele se deu por vencido. — Eu vou levar
você até esse tal bar e aproveitarei para ver como são as
coisas por lá.
— Derek, é um bar, como qualquer outro.
— Você quase teve um ataque de pânico no último
bar em que nós fomos — ele retrucou. — Então eu vou
ver como tudo funciona por lá.
— Bem, o Chad vai estar lá também — falei, lutando
para que ele não surtasse.
Ele não surtou. Um bom sinal, certo?
Mas ele exalou pesadamente e me encarou sério.
— Ok. Eu vou ter uma conversinha com o Chad
também, para me certificar de que você esteja segura.
— Conversinha? O que diabos você quis dizer com
isso?
Ele sorriu de lado.
— Eu só vou conversar com o garoto, doce Faith —
falou. — Não se preocupe.
E se levantando, ele contornou o balcão. Se inclinou,
aproximando-se de mim, sua boca a milímetros do meu
ouvido e murmurou:
— A marca do chupão que deixei em seu pescoço
ainda é bem visível. Não tente esconder isso, muito menos
se envergonhe. Para todos os efeitos, eu sou seu homem.
E como se não houvesse deixado os meus miolos
fervendo, ele se afastou, saindo da cozinha.
Meu homem? Bom, aquilo não lhe dava o direito de
me marcar. Pensei, tocando o local onde estava a marca.
Pensando bem... contanto que não estivessem
visíveis, ele poderia continuar com aquilo. Era bom.
Estupidamente bom.
☆☆☆
Eu não sabia ao certo onde o bar era localizado,
afinal estava na cidade fazia um pouco mais de um dia,
mas tive ciência de que era distante de onde morávamos.
Aproximadamente uma hora de carro, o que descartaria
qualquer possibilidade de irmos a pé. O Dark Horse tinha
um aspecto rústico, portas de madeira e um pequeno hall
escuro que dava acesso ao salão principal. Ainda era dia
e o bar não estava funcionando, mas pude perceber um
pequeno palco no centro da parede, o balcão ia de um
lado a outro. Nas paredes, cabeças de animais
empalhados que em outro momento eu julgaria
assustadores, mas havia passado por tanta coisa ao longo
das últimas semanas, que eu tinha minhas dúvidas de que
algo realmente fosse capaz de me abalar de verdade.
Chad havia me dito que muitos motoqueiros e
universitários frequentavam o local. Imaginei que fosse
por isso que, apesar de ter uma aura tão antiga e peculiar,
havia um pouco do moderno ali também. Como as
banquetas de madeira envernizada, mesas vermelhas,
pequenos sofás em alguns lugares e uma aparentemente de
última geração aparelhagem de jogos de luz que julguei
ficarem incríveis à noite. Uma mistura muito louca e
esquisita, mas que deixava o ambiente com uma energia
bastante acolhedora.
Chad me lançou um sorriso tímido e gesticulou para
que eu o seguisse até o balcão. Depois de muito insistir e
argumentar, eu consegui com que Derek parasse de ir
adiante com a ideia de impedir que Chad me
acompanhasse sozinho até o bar. Ele não dissera nada
sobre a parte de ambos terem uma conversa, mas eu torcia
para que ele realmente não inventasse de fazer aquilo.
Seria assustador. Ele conseguia deixar qualquer um se
borrando em suas calças quando queria.
Chad se aproximou de uma porta atrás do balcão e
deu leves batidas na madeira fechada. Quando esta se
abriu, uma mulher de pele escura e muito bonita surgiu do
limiar. Sua uma expressão aparentava cansaço, mas aquilo
não interferia nem um pouco em sua beleza.
— Melanie, esta é Sandra — Chad me apresentou a
mulher. Ela abriu um sorriso simpático. — A minha chefe
e gerente do bar.
— Olá, Sandra — cumprimentei de volta, estendendo
uma mão que ela apertou gentilmente.
— Chad havia me falado sobre você mais cedo —
disse ela. — Então quer dizer que você está em busca de
um emprego?
— Sim. Na verdade, eu cheguei recentemente na
cidade e preciso me estabilizar urgentemente.
Ela sorriu novamente. Em seguida, pediu para que a
seguíssemos até seu escritório.
Eu esperava ter boas notícias a partir dali.
☆☆☆
Saí de lá com uma sensação boa. Sandra dissera para
eu ir no próximo fim de semana, que seria dali a poucos
dias. Eu começaria como uma espécie de estagiária e
depois, caso passasse na fase de teste, o emprego seria
meu.
— Você realmente gostou? — Chad me perguntou.
— Eu adorei — não era algo que eu estava
acostumada a fazer, mas eu não morreria por isso. — Vai
ser bom pra eu me adaptar melhor à cidade e aos
habitantes.
— Alguns desses caras que aparecem por aqui são
barra pesada — ele me alertou. — Mas não tenha medo.
Eu estarei aqui.
Um sorriso alcançou novamente os meus lábios. Ele
era adorável.
— Obrigada, Chad.
Ele encolheu os ombros, aparentemente
desconcertado, e limpou a garganta.
— Eu acho que é melhor nós irmos, não é? Não há
muito o que se fazer por aqui até o dia de você iniciar no
trabalho. Por sorte, a minha próxima escala é no fim de
semana também. Você não vai estar sozinha nessa.
Aquela ideia me agradou, então eu sorri novamente
para ele, enquanto caminhávamos.
☆☆☆
O restante da semana foi bem menos estranho do que
eu imaginei que seria. As coisas não estavam menos
confusas, no entanto. Derek não havia voltado para o meu
quarto depois daquela noite, e eu não pedi para que ele
voltasse. A verdade em tudo aquilo era que éramos dois
orgulhosos e nenhum dos dois se dava ao trabalho de dar
o braço a torcer.
O meu turno no Dark Horse começaria no próximo
fim de semana à noite. Assim que as coisas seriam. Eu
trabalharia alguns dias da semana no bar para cobrir
algum funcionário faltoso ou sob licença e ganharia minha
remuneração diariamente. Era bom, pois eu teria dinheiro
constantemente e não precisaria depender de Derek em
tudo. Bastardo confuso.
Eu estava, além de ansiosa, intrigada. Derek passara
toda a maldita semana remexendo na oficina. Ele havia
dado um jeito de conseguir uma outra caminhonete com
Phill e estava desmontando a caminhonete que havíamos
roubado. Não era seguro sair com aquela coisa por aí,
realmente.
Ele também havia montado esconderijos tanto na
garagem, quanto no porão da casa. Eu sabia que ele estava
escondendo armas ali, só não sabia que ele havia trazido
todas aquelas coisas conosco. De uma forma estranha,
aquilo me confortou, mas eu ainda um pouco receosa.
Apesar de tudo, eram armas.
Era sábado. O dia em que eu finalmente iria começar
no trabalho. Ajeitei as minhas chaves e o meu celular —
um novo, pois o antigo Derek descartara, para evitar
possíveis rastreamentos — em meu bolso e me preparei
para sair. Quando cheguei no andar de baixo, ele estava
de pé na sala. Vestindo uma camisa cinza, jaqueta de
couro, seu jeans habitual e botas. Ele caminhou
tranquilamente até a porta e a abriu.
Arqueei uma sobrancelha.
— Para onde você pensa que vai?
— Você vai ficar aí plantada? — retrucou, sem se
importar em responder a minha pergunta. — Vai se
atrasar.
Ele realmente iria me levar?
Certo. Aquilo era estranho, pois já fazia uns bons
dias que ele só falava o básico comigo. Sempre se
esquivando quando eu chegava perto, como se eu portasse
alguma doença contagiosa. E agora ele inventava de me
acompanhar até o trabalho? Eu precisaria de um manual
para compreendê-lo.
Assenti e saí pela porta. Ele me acompanhou
momentos após.
Chegamos no bar e notei que ele já estava
basicamente cheio. Derek ocupou uma das mesas e se
acomodou de forma que pudesse ter uma visão mais ampla
do local — e de mim.
Ele estava disposto a me vigiar, mas, apesar de ter
me irritado um pouco, eu me senti mais segura com aquilo.
Avistei Chad que sorriu enquanto andava em minha
direção, mas se retraiu um pouco ao avistar Derek.
— Ele vai ficar aqui toda a noite? — perguntou,
enviando um discreto olhar na direção do meu suposto
marido.
— Creio que sim — olhei para trás e avistei Derek
nos encarando intensamente. Ele tinha uma arma consigo,
eu sabia, então apenas fingi que nada daquilo realmente
estava acontecendo.
Sem perceber a situação, Chad sorriu de volta e deu
de ombros, me guiando para apanhar o meu uniforme —
um avental. Meus cabelos estavam escovados e amarrados
em um pequeno rabo de cabalo. Eu vestia um jeans e
camisa com mangas e tênis. Simples e confortável.
Comecei a trabalhar. O movimento ficou rapidamente
intenso depois de um tempo e eu esperei que não piorasse.
Derek não ficava na minha zona de atendimento. Sua mesa
era de Chad, o que consequentemente me fazia estremecer
toda vez que Chad se aproximava e perguntava se ele
queria algo. Ele não estava bebendo, não nada alcoólico,
mas estava atento a tudo. Seus olhos percorriam o local
como uma presa em busca de uma possível ameaça.
Já eram quase duas da manhã e meus pés estavam me
matando. Eu parei, recostando-me no balcão para dar um
pouco de descanso aos meus pés e percebi que todo o bar
ficou mais silencioso naquele instante. Muita gente estava
tensa, inquieta e dava atenção à um ponto específico na
direção da porta.
Curiosa, guiei meu olhar para onde tanto encaravam,
e foi quando eu os vi. Eles vestiam preto — a maioria
couro — e exalavam uma aura puramente masculina e
ameaçadora. Eram grandes, intimidantes e pareciam ter
ciência daquilo. Imediatamente eu me dei conta do que se
tratava.
Motoqueiros.
Ok, Faith, não surta.
Olhei para o colete de um deles e comprovei que o
nome do clube não era o mesmo clube de motoqueiros dos
quais havíamos roubado a caminhonete. Menos mal.
Entretanto, percebi que as coisas poderiam piorar quando
eles acomodaram-se em uma das mesas que eu atendia.
Certo. O destino adorava me pregar uma peça.
Caminhei com passos vacilantes em sua direção, mas
com um sorriso no rosto.
— Boa noite, rapazes — cumprimentei, assim como
Bethan, uma das garçonetes mais antigas, havia me
orientado que fizesse. — O que desejam?
— Cerveja para todos — falou um dos caras. Ele
tinha um cabelo escuro que ia até a altura dos ombros.
Pele morena e olhos negros como a noite. Seus músculos
eram muito bem construídos e se tensionavam facilmente
sempre que ele fazia um movimento com os braços sobre
a mesa. O homem era extremamente sexy, e eu me
perguntei por um momento o que havia acontecido com a
genética das pessoas daquela cidade.
— Certo. Aguardem só um momento — terminei de
anotar em meu bloquinho e forcei um sorriso antes de me
retirar.
Tomei um tempo para respirar, conforme passava a
um dos barmen os pedidos.
— Você acha que consegue dar conta? — questionou-
me Bethan, parada ao meu lado. Ela era alta, o que fazia
com que eu elevasse o meu rosto um pouco para fitá-la. —
Aqueles caras são meio difíceis de lidar, mas não irão
machucar você ou fazer algo estúpido. Basta manter-se
neutra.
— Está tudo sob controle — dei um sorriso para
tranquiliza-la. — Eu consigo dar conta deles. Obrigada.
Ela sorriu de volta.
— Certo, vou voltar ao trabalho. Boa sorte.
Murmurei um "obrigada" e esperei ela se afastar
antes de pegar a bandeja com as bebidas dos caras.
Quando voltei com as cervejas, percebi que eles estavam
rindo de alguma piada que um deles dizia. Havia, pelo
menos, cinco na mesa. Eu podia dizer que todos eles eram
assustadores. Distribuí todas as cervejas em cima da mesa
e me virei para me afastar, no entanto, uma mão tatuada
agarrou o meu braço. Fui forçada a me virar.
— Espere, boneca. Você ainda não nos disse o seu
nome — falou. — Você é nova aqui?
— Sim.
— E você conhece as regras?
— Regras? — mas que diabos o babaca estava
falando?
— Sim, as regras. Ao menos um de nós aqui nessa
mesa já fodeu com uma garçonete gostosa desse bar. E
adivinhe só: você é gostosa.
Ele riu da própria piada e eu fiquei ali, calculando o
quanto de problemas eu conseguiria se partisse a maldita
bandeja no meio da sua cara.
— Eu sou casada, desculpe — repliquei, tentando
puxar meu braço de volta, mas ele não me deu folga.
— Eu não vejo problemas nisso — falou. — Knife e
Shade não fodem as casadas, mas desde que haja
consentimento, eu realmente não me importo, baby.
Imediatamente senti nojo do imbecil. Estava
começando a ficar seriamente irritada.
— Não vai rolar! — tentei me virar e me livrar de
seu aperto, mas parei no momento em que avistei Derek
vindo em nossa direção.
Porra! Era só o que faltava.
— Solte ela, Shark — disse o moreno. Ele possuía
uma espécie de remendo escrito "presidente" em seu
colete. Sinal de que ele era o líder do grupo.
No entanto, o outro cara apenas sorriu, apertando
ainda mais seus dedos em meu braço. Ele era estranho.
Cheio de tatuagens e uma cabeça raspada. Bizarro era a
palavra que o definia melhor.
— Ele disse para soltá-la, Shark — rosnou um
barbudo, sentado ao lado do presidente. Diferente do
barbudo do outro bar, ele não era fora de forma, nem
tampouco fedia a cerveja barata. Sua barba era bem
aparada, olhos intensos e verdes. — Você é a porra de
algum idiota?
Shark finalmente me soltou. Dei um passo para trás.
Eu ia abrir a minha boca para agradecer aos homens
que intervieram, quando Derek apareceu atrás de mim. Ele
estava tenso. Parecia furioso também.
Meu homem. Certo. Ele poderia se considerar como
algo do tipo naquele momento.
— Algum problema aqui? — sua voz era calma, mas
eu sabia que por dentro pensamentos assassinos
permeavam sua cabeça.
— Problema nenhum, irmão — falou o moreno. —
Nós já resolvemos tudo.
— Claro que resolveram — ele retrucou, ironia
nítida. Virando-se para mim, ele me segurou pelo braço.
— Vamos dar o fora aqui.
— O quê? — engasguei quando percebi que Chad
estava se aproximando, logo atrás vinha Sandra. Porra.
Aquilo era algum jogo para testar os meus nervos?
— Posso saber o que está acontecendo aqui, rapazes?
— Sandra perguntou, cruzando os braços como uma
professora irritada diante de sua turma travessa.
— Você vem comigo — Derek me disse, ignorando
completamente a minha chefe. — Eu falei que esse lugar
não era pra você.
— Eu não sei se você percebeu — falou o tatuado,
que há pouco estava grudado em meu braço —, mas eu
tenho a impressão de que ela não quer ir.
— Oh, o seu cérebro funciona agora? — Derek
zombou.
— Ele funciona, e muito, cara — refutou. — E eu
estou neste exato momento pensando na boceta dessa
vadia agarrada em meu pau.
Ele se ergueu de onde estava para encarar Derek
frente a frente. Foi tudo muito rápido. Em um momento, eu
estava ansiando afundar a cara do tatuado com o meu
punho. No outro, eu estava sendo arrastada para trás, o
corpo pesado de Derek cobrindo boa parte da visão do
que estava à minha frente e uma pistola apontada para a
cabeça do homem. A música parou. Tudo ficou silencioso.
A energia tensa pairando sobre nossas cabeças.
— Caramba, ele tem uma arma... — Chad murmurou
perplexo e eu quase gemi de frustração.
Havíamos destruído o disfarce em menos de dois
dias.
— Você é durão, hein? — sorriu o moreno. Ele era
louco? Ele não parecia ter medo de Derek, e Derek não
parecia estar blefando dessa vez. Ele era bom naquilo,
mas eu tive medo de que o outro cara fosse bom também.
— Ninguém mata um dos nossos irmãos e sai ileso,
amigo.
— Eu sei que não — ele sorriu. — Mas sejamos
realistas e vamos admitir que não vai sobrar muito da
metade de vocês quando isso estiver acabado.
Engoli em seco. Aquilo era como um maldito campo
minado e no momento eu tive medo até de respirar.
Em meio à confusão, eu não havia percebido que o
barbudo mantinha uma arma apontada para a cabeça de
Derek também. Deus, eu queria que um buraco se abrisse
e me engolisse naquele momento. Seria menos doloroso.
— Abaixe a arma, Shade — o presidente falou. —
Ele é esperto e não vai atirar.
— Você está certo disso? — Derek provocou. Eu já
havia visto ele fazer aquele jogo fodido com a
mentalidade das pessoas. Ele já tentara me amedrontar
daquela forma e havia conseguido, mas eu percebi que
aqueles homens eram diferentes de mim. Bem diferentes.
— Eu adoraria estourar os miolos desse bastardo imbecil.
Eu pensei que o homem fosse recuar, ou ao menos
puxar uma outra arma, então nós faríamos uma festinha de
confetes com projéteis reais. No entanto ele apenas sorriu.
Ele. Porra. Sorriu.
— Ela é sua garota? — perguntou, apontando com o
queixo em minha direção. Um arquear de sobrancelha,
como se perguntando "o que você acha?" foi a única
resposta que Derek lhe ofereceu. O outro pareceu captar a
mensagem, contudo. — Abaixe a arma, Shade. Shark é um
bastardo sem noção. Até mesmo eu sinto vontade de partir
a cabeça dele às vezes. — Ele enviou um olhar sinistro
para o tal Shark e era impressão minha ou o cara havia se
retraído? — Quem sabe eu não faça isso qualquer dia
desses?
O tal Shade abaixou a arma e voltou a se sentar,
guardando a pistola lentamente de volta.
— Está tudo na devida paz, amigo — disse o
presidente. — Eu também não deixaria a minha garota
sozinha por aí se ela fosse tão gostosa quanto a sua.
Derek fez um som de desaprovação e o cara balançou
a cabeça. Nos ignorando completamente no momento
seguinte.
— Bethan, me traga mais uma cerveja, baby. A minha
não está mais gelada.
Derek voltou a guardar sua arma, dando a Chad um
olhar de "você conta isso a mais alguém e eu te mato".
Então, seu olhar furioso se voltou para mim.
— Pra fora — ele disse. — Agora.
— Como é? — disparei. — Que merda está
acontecendo com você?
Ele não respondeu. Em vez disso, agarrou o meu
braço e me arrastou para fora. Senti o vento beijar minha
pele quando alcançamos o lado de fora do bar.
— Você não vai ficar aqui — ele rosnou. — Eu fui
obrigado a puxar uma arma para um cara, porra! Na frente
do nosso vizinho.
— Eu não mandei você fazer isso. Estava
conseguindo me sair muito bem, se quer saber.
Ele parou e me fitou como se estivesse incrédulo de
que eu realmente havia tido coragem de dizer-lhe algo
como aquilo.
— Entra no carro — foi sua palavra.
— Não, porra. Não é assim que funciona!
— Do meu jeito sempre funciona. Eu estou irritado,
Faith. Muito. Então se você tiver um pingo de juízo nessa
sua cabeça, vai entrar na porra desse carro agora.
— Foda-se! Eu não vou obedecer suas ordens
enquanto você estiver gritando como um louco.
— Eu não estou gritando.
Era verdade. Eu estava gritando. Como uma cadela
histérica. E já havia atraído a atenção de um bom número
de gente. Eu ainda estava fervendo de raiva quando entrei
no carro. Ele me deixou com meus pensamentos por todo
o caminho, sempre calado. Eu julguei que ele estivesse
tão furioso quanto eu.
No momento em que ele estacionou na garagem, eu
bati a porta do carro atrás de mim, sem me dar ao trabalho
de lhe dirigir um olhar. Me enrolei com as chaves da porta
de casa por alguns segundos antes de irromper para dentro
e subir para o quarto. O meu quarto. O quarto no qual
aquele bastardo idiota não fazia questão de dormir, e que
assim permanecesse. Mas diferente do que desejei que ele
fizesse, ele veio atrás de mim e, antes mesmo que eu
pudesse bater a porta na sua cara e me trancar lá dentro,
sua mão tornou a minha tentativa falha.
— Que merda você pensa que está fazendo? —
rosnei furiosa. — Tire sua maldita bunda daqui, Derek, ou
eu juro que...
— O quê? — desafiou ele, dando um passo em minha
direção.
Lambi meus lábios, incapaz de formular uma resposta
para sua pergunta. Ele estava ficando cada vez mais
próximo. Aquilo era perturbador.
— Você pretende me amarrar na cabeceira da cama e
me torturar ou algo do tipo? — ele estava zombando de
mim. Bastardo idiota. Como ele ainda tinha coragem de
zombar de mim, quando eu estava prestes a arrancar suas
malditas bolas?
— Saia do meu quarto! — gritei. — Dê o fora,
Derek.
— Você tem certeza que quer que eu saia? — mais
um passo. — Eu não acho que você esteja sendo de todo
sincera.
— Que tipo de jogo você pensa que está fazendo? —
eu disparei. — Você me sequestra, depois me salva, foge
comigo para proteger a minha bunda e depois você muda
completamente. Você começa a me provocar e dizer
coisas que me perturbam, você me dá orgasmos e do nada
você muda novamente. Você fica distante e agora você
puxa a arma pra um grupo de motoqueiros apenas para me
proteger, porra. Quer me enlouquecer?
Eu estava gritando. Inferno, eu estava agindo
histericamente, e eu percebi que talvez ele tivesse
conseguido. Talvez ele houvesse realmente me deixado
completamente louca.
— Eu estava dando um tempo. Tentando fazer com
que minha cabeça voltasse ao normal. Eu não consigo
pensar coerentemente com você por perto.
Que diabos ele queria dizer com aquilo?
— Bom, eu não sei muito o que dizer sobre isso, mas
espero que você tenha conseguido — cuspi com raiva.
Ele não respondeu de imediato. Seus olhos ainda
eram intensos, ele ainda estava com raiva. Que bom, pois
eu também estava.
— Você tem que seguir as regras, Faith — ele falou,
desviando completamente do meu comentário. — Eu falei
pra você que aquele lugar não era bom, porque eu sabia
exatamente o que diabos iríamos encontrar por lá. Então
você não me escuta e fode com tudo.
— Agora a culpa é minha? Mais uma vez eu repito,
idiota: eu não pedi para você me salvar — cuspi de volta.
— Não tente me controlar, Derek. Eu posso concordar e
conviver com muitas de suas atitudes, mas eu não sou uma
de suas vadias.
— Em primeiro lugar: eu não estou tentando
controlar você. Estou tentando fazer com que você não
haja estupidamente a cada maldito minuto e ferre com
tudo. E, segundo: eu não tenho vadias.
— Oh, claro que não tem — debochei. — Eu me
esqueci que você é o grande homem quebrado, pertencente
à uma vadia só.
Ok. Eu admito que cutuquei profundamente em sua
ferida e admito que não me arrependi cem por cento por
ter feito aquilo. Foi golpe baixo, claro, mas eu queria
tanto magoá-lo.
Aquilo estava me sufocando em níveis alarmantes. Eu
queria chorar, também. De raiva. Raiva de mim. Raiva
dele. De raiva dela. Sempre ela.
Todo aquele inferno havia se iniciado apenas por
causa dela.
Talvez eu estivesse agindo como um monstro egoísta
e insensível, pensando daquela maneira sobre alguém que
havia morrido de forma tão fria e brutal — e pelas mãos
do meu irmão, diga-se de passagem — mas eu era
humana. Já estava no meu limite.
— Você não deveria ter dito isso — seus olhos eram
frios e intensos.
Eu queria aquilo, certo? Mas por que eu sentia
minhas pernas tremerem tanto? Eu dei um passo para trás,
ele deu outro para frente, seguindo-me até que eu
estivesse encurralada contra a parede. Eu não tinha saída.
— O que você vai fazer? — perguntei, tentando
disfarçar os tremores em minha voz. — Me bater?
Seu lábio torceu de um lado. Foi por um milésimo de
segundos, e logo depois eu imaginei estar vendo coisas.
Não era possível que isso estivesse acontecendo, não é?
Ele não estava sorrindo em um momento tão tenso como
aquele.
— Bem que você merece — falou. — Você precisa
aprender a se comportar, Faith. Como uma boa garota.
— Não tente agir comigo como se eu fosse uma
adolescente estúpida, Derek — retruquei. — Isso não vai
funcionar.
— Costuma funcionar sempre que eu enfio a minha
língua entre as suas pernas...
Filho da puta.
Antes mesmo que ele chegasse mais perto, minha mão
ia de encontro a sua cara. Deve ter doído, porque minha
palma queimou como o inferno.
— Porra! — ele praguejou. A fúria que vi em seus
olhos me deixou temerosa. Recuei com medo de sua
reação, mas antes mesmo que eu desse meu próximo
movimento, ele me puxava pelo braço e batia sua boca
contra a minha.
Não foi suave. Não foi gentil. Era como se ele
estivesse querendo me punir de alguma maneira. Infligir
dor e ao mesmo tempo prazer. Ou apenas fazer com que eu
me desintegrasse. Talvez fosse isso.
Eu mordi seu lábio com força, sentindo o sabor
ferroso de seu sangue em minha língua, e de uma forma
doentia aquilo me excitou. Eu sentia meus mamilos duros
contra o tecido da minha camisa.
— Porra! — reclamou.
— Tente ser menos idiota, caso queira que eu pare de
te ferir! — falei.
— Talvez eu devesse tentar manter a minha mente em
torno das lembranças de Samantha — revidou. — Ela não
me deixava com a cabeça e o corpo tão fodidos, como
você faz!
Ele estava dizendo aquilo para me magoar. E
magoou, de certa forma.
Eu queria socá-lo. Fazê-lo sangrar. Eu queria agredi-
lo de todas as maneiras possíveis.
Eu queria beijá-lo.
Eu era louca. Louca e masoquista.
— Ela está morta, Derek. Será que você não
percebe? — minha voz falhou, mas eu estava além do meu
limite para me importar. Ele não respondeu. — Por que
você não aproveita essa sua fixação por sua namorada
morta e não derrama a sua merda em cima dela? Era assim
que você agia quando ela te irritava?
— Não! — Derek veio até mim, e eu não precisei
com exatidão aquilo, mas sua mão veio para o meu braço,
agarrando meus pulsos. Ele me virou de costas e bateu a
minha frente contra a parede, seu peito muito próximo de
mim. — Ela dificilmente me irritava, coisa que você faz
com bastante frequência. Mas quando isso acontecia, nós
costumávamos foder — sua barba rala arranhava atrás da
minha orelha, enviando arrepios até as pontas dos meus
pés. — Nós fodíamos duro, Faith. Era intenso.
— Desgraçado — rosnei. — Vá se foder.
— Foder você seria bem mais interessante.
Então eu senti apenas o meu corpo sendo virado
bruscamente de frente para ele e sua mão deslizando do
meu pulso para ir de encontro ao botão da minha calça
jeans. Sua boca colou na minha, tomando o pouco de
energia que eu ainda possuía. Ele beijava meu pescoço,
meu colo e meus ombros, para subir para a minha boca
novamente.
— Eu ainda estou com vontade de matar você —
murmurei, chutando as minhas calças no chão e correndo
minhas mãos desesperadamente pelos seus ombros para
retirar sua jaqueta e em seguida a camisa. Por que ele
tinha que ser tão... apetitoso? Era muito mais difícil
daquela forma.
— Eu sei. Também quero te esganar — ele mordeu
minha clavícula. — Eu quero apertar o seu lindo pescoço
até que toda essa raiva passe — ergueu uma das minhas
pernas e minha calcinha encharcada friccionou-se contra a
sua coxa, deixando-me muito ciente do quão necessitada
eu estava. Era vergonhoso, doloroso e extasiante. — Mas
eu quero te foder, também. Muito.
Oh, sim. Eu gostei de como aquilo soou.
Gemi, me afastando o suficiente para conseguir
ajudá-lo a remover suas calças e cueca. Ele retirou
rapidamente o resto da minha roupa e então estávamos nus
em cima da cama, quentes, necessitados e furiosos. Eu
conseguia perceber isso pela forma como ele trabalhava
todo o seu caminho para me infligir tortura. Era agoniante
a forma como ele ia lentamente, lambendo os pontos
certos, para depois recuar na melhor parte. Eu era
sensível na região dos seios — Derek sabia disso — e ele
não tocava nos meus mamilos. Não da forma que eu
queria. Ele beijava e mordiscava os pontos ao redor, mas
não fazia a maldita coisa que eu queria que ele fizesse.
Eu me contorcia, recebendo os beijos que ele dava
em todo o meu corpo, querendo um pouco mais daquilo.
Querendo muito mais daquilo que ele estava me
oferecendo. Levei minhas mãos aos meus seios,
manipulando meus mamilos, mas então ele apanhou
minhas duas mãos e as pôs unidas acima da minha cabeça.
Eu queria socá-lo.
— Baby — eu ronronei. Desde quando eu
ronronava? — Não me torture tanto.
Um sorriso diabólico brilhou em seu rosto.
— Você quer isso? — ele provocou, roçando a
cabeça do seu pau em minha entrada. Ele mergulhou
apenas a ponta e depois recuou.
Eu não respondi. Eu me contorci debaixo dele,
arqueando os meus quadris, tentando encontrar o ponto
exato para ter o que eu tanto queria. O que eu tanto
precisava.
— Responda, Faith. O que você quer?
— Foda-se — arfei. — Não é como se você não
soubesse.
Ele riu e aproximou os lábios do meu estômago.
— Você tem razão, babe. Eu sei exatamente do que
você precisa — provocou, beijando a pele logo acima,
abocanhando um dos meus mamilos dessa vez. — Mas
você foi uma má menina, Faith. E eu costumo punir as más
meninas.
— Bom, eu acho que você já me infligiu tortura o
suficiente...
Seus olhos se estreitaram e um sorriso satisfeito
surgiu em seus lábios, fazendo com que eu mordesse
instintivamente o meu.
— Vamos lá, Derek — implorei. — Me foda.
E com isso, ele me fodeu.
Me fodeu dura, rápida e asperamente. Ele não foi
gentil, ele não foi piedoso, mas eu também não queria que
ele fosse. Eu queria mais dele. Eu queria mais daquela
coisa intensa, quente e eletrizante que apenas ele me
fornecia. Eu sentia seu piercing raspar nos locais certos,
enquanto seu enorme pau fazia seu caminho em meu
interior, minhas paredes internas se contraindo com cada
arremetida, sugando o que podia.
Minhas unhas cravaram em suas costas e em sua
bunda, trazendo seu corpo ainda mais perto do meu.
Arrancando sangue de sua pele sem que eu me
arrependesse nem um pouco daquilo.
— Mais rápido — pedi, quase em desespero. —
Baby, faça isso mais rápido.
E ele atendeu ao meu pedido. Derek meteu cada vez
mais rápido, ao passo que se inclinava para beijar a
minha boca. E eu o recebi de muito bom grado. Eu gostava
de beijá-lo. Eu gostava da sensação de sua língua se
enrolando na minha, ou quando seus dentes mordiscavam
de leve, os barulhos que ele fazia.
Ele ainda deslizava para dentro e fora de mim, seus
olhos agora estavam nos meus, suas arremetidas eram
profundas. Um roçar do seu peito no meu fez-me bem
ciente do suor que brotava e escorria. Meu corpo estava
febril, o prazer se elevando com cada toque. Um som
agudo saiu de minha garganta e eu perdi a linha de
raciocínio. Foi quando minha agonia se elevou e eu senti a
sensação se acumulando, transformando-se em uma onda e
chegando cada vez mais perto. Naquele momento, eu só
conseguia focar no seu pau entrando fundo em mim, sendo
empurrado uma e outra vez para o meu interior, causando-
me sensações nunca antes vividas.
Suas mãos agarraram os meus quadris, os dedos
grandes apertando firmemente a carne. Doeria no dia
seguinte, mas seria bom. Seria uma prova de que eu
realmente havia experimentado aquilo.
Ele trocou de posição, erguendo o tronco e segurando
minhas coxas abertas, de forma que ele tivesse mais
facilidade para me foder livremente.
E ele fez isso. O lindo e intenso homem entre as
minhas pernas fez exatamente isso. Ele me fodeu ainda
mais duro. Eu só tinha forças para me contorcer com cada
estocada e gemer o seu nome como uma vadia louca.
— Ah, Deus, eu estou tão quente...
Eu não conseguia me segurar, por mais que tentasse,
era tão intenso e eu sentia-me tão sensível e no limite...
Percebendo o quão perto de chegar ao clímax eu
estava, Derek diminuiu a velocidade. Arfei quando minhas
costas bateram na cama. Ele me puxou pelos cabelos e
minha cabeça se inclinou para trás. Ele se inclinou e
passou a língua sobre a pele do meu pescoço, sugando o
meu suor.
Seu pau deslizou lentamente para fora, até a ponta. Eu
protestei.
— Por favor... — gemi.
— O quê? — ele empurrou novamente. Senti meus
olhos rolarem para trás, os sons de satisfação se
misturando com seus grunhidos. — É isso o que você
quer, Faith? Que eu me enterre até o fundo em você?
Eu não tive tempo de responder quando ele recuou
novamente e depois bateu de volta. Mordi meu lábio com
força, minha coluna formando um arco.
Eu estava muito além de qualquer pensamento
racional. A luxúria tomando conta de todos os meus
sentidos. Derek pressionou sua testa na minha e voltou a
me tomar, seu ritmo constante e lento. Inclinei minha
cabeça, buscando a sua boca e ele me deu o que eu queria
quando me beijou duramente.
Eu suspirei de contentamento enquanto ele me
agraciava. Sua boca caiu até o meu seio e ele mamou o
pico duro do meu mamilo esquerdo. Em seguida, ele
repetiu o processo com o outro. Derek estava além de
qualquer coisa também. Ele estava esfomeado, intenso,
selvagem e entregue.
Senti que tudo iria se desintegrar no momento em que
ele escorregou uma mão até entre as minhas pernas e
começou a acariciar o meu clitóris. Minha boceta agarrou
o seu pau e o meu mundo se transformou em um completo
agrupamento de flashes coloridos.
Os dedos massageavam em círculos o ponto principal
do meu prazer, seu pênis escorregava para dentro e para
fora de mim, batendo tão fundo que eu conseguia senti-lo
em meu útero.
Minhas unhas voltaram a marcar suas costas, meus
dedos dos pés enrolaram-se. Me estiquei quando senti que
era o meu fim. O delicioso fim.
Acabei gozando intensamente. Derek encontrou sua
liberação segundos depois e rolou ao meu lado.
Eu fiquei ali, parada, tentando recobrar a minha
respiração e encontrar palavras para descrever o que foi
aquilo.
Só então, me lembrei de algo que rapidamente me
tirou do torpor: não havíamos usado proteção alguma.
— Droga, Derek, você não se protegeu.
— Merda — ele resmungou. — Eu tenho uma caixa
dessas coisas no meu quarto, mas estava impaciente o
suficiente para ir buscar.
— Você tinha camisinhas? — ergui meu tronco,
apoiando-me com o cotovelo sobre o colchão e estreitei
os olhos para ele. — Me diga o porquê de você ter
camisinhas em seu quarto, se combinamos de não foder
ninguém enquanto estivéssemos aqui?
Ele sorriu, me puxando até que eu estivesse com a
cabeça deitada em seu peito.
— Eu sou um cara prevenido — e presunçoso,
pensei. Ele sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais
tarde. Sinal de que ele não estava sendo tão imune a mim
como queria demonstrar.
— Claro — resmunguei. — Sua sorte é que eu não
estou em meu período fértil, mas ainda temos um outro
problema...
— Eu sei. Não se preocupe com isso, eu nunca
transei sem camisinha antes e estou há quatro anos sem
fazer sexo.
Arregalei os meus olhos.
— Você não faz sexo há quatro anos?
— Isso é um problema pra você? — ele sorriu,
divertindo-se. — Eu acho que a julgar pelos seus gritos,
ainda estou em forma.
Rolei os olhos. Maldito presunçoso. De qualquer
forma, ele não estava mentindo. O maldito sabia muito
bem fazer aquilo.
Ignorando suas provocações e um pouco mais
tranquila, me aconcheguei ainda mais em seu peito.
Aquilo era bom. Eu nunca tivera algo como aquilo com
Simon. Eu nem mesmo sentia prazer em estar com Simon.
Mas com ele era diferente.
Derek envolveu o braço em minha cintura, alisando
as minhas costas. Eu estava com as pálpebras pesadas.
Não demoraria muito para eu dormir ali.
— Você me assusta — ele sussurrou de repente.
Demorei uns bons segundos para registrar aquilo.
— Isso é algo ruim? — murmurei de volta.
— Eu não sei — confessou. Sua mão ainda alisava as
minhas costas, meus olhos ainda estavam fechados, mas eu
ainda estava muito ciente de cada movimento seu. — Você
desperta o melhor e o pior de mim. Isso é preocupante.
Eu fazia aquilo? Bem, não era diferente comigo,
pensei.
— Se isso te conforta, você costuma fazer eu me
sentir da mesma forma.
Senti que ele sorriu. Se inclinou em minha direção,
puxando a minha perna, até que ela estivesse entrelaçada
com a sua. Sua mão passeava sobre a minha coxa nua.
Ele gostava de me tocar. Ele gostava de manter suas
mãos sobre mim, e isso fazia eu me sentir como a garota
mais sexy e bonita da face da Terra. Eu era quebrada,
talvez não tanto quanto ele, mas eu era quebrada. Eu tinha
meus fantasmas e aprendi a expulsá-los. Eu aprendi a
conviver com as más lembranças, sozinha, até então. Mas
agora eu tinha Derek. Eu sabia que não poderia fantasiar
coisas, mas, naquele momento, eu sabia que tinha Derek.
E Derek tinha a mim.
Nós éramos como duas peças quebradas, de formas
totalmente distintas, mas que se encaixavam perfeitamente
entre si. Louco ou não, aquilo fazia todo o sentido para
mim.
Talvez fizesse para ele também.
26: Armas e Rosas
Derek
Havia uma perna bonita, de pele macia, entrelaçada à
minha. O cheiro característico de sabonete exalava de
muito perto, à medida que os cabelos de Faith — ainda
levemente úmidos — espalhavam-se sobre meu ombro.
Eu sentia o meu braço dormente, mas não estava
dando tanta importância, assim, ao fato. Eu não me
importava em ter uma garota com metade do seu corpo
pesando sobre o meu. Eu não me importava com o toque
de suas unhas arranhando o meu peito. Eu não me importei
nem sequer com o fato de que ela havia me despertado do
sono e estava acordada às, provavelmente, duas horas da
madrugada, fazendo nada mais do que passar sua mão
pequena sobre mim, como se eu fosse uma espécie de
objeto histórico exposto para ser apreciado.
Inclinei o meu queixo para baixo, nivelando meu
olhar com o seu rosto. Observei silenciosamente Faith
contornar, de modo distraído, uma das minhas tatuagens no
peito. Ela tinha aquele vinco suave entre as sobrancelhas,
os lábios rosados e inchados levemente entreabertos e sua
respiração era tranquila. A calmaria de seu estado durou
por pouquíssimo tempo — ao menos até ela perceber que
eu havia acordado. Ela parou o que fazia e me abriu um
sorriso tímido, seus olhos azuis ainda muito brilhantes.
— Eu não queria acordar você. Me desculpe — após
um momento de hesitação, ela remexeu-se contra mim,
provavelmente pretendendo se afastar. No entanto o meu
braço ao redor da sua cintura não permitiu que seus
movimentos não se limitassem àquilo. Não afrouxei o
aperto porque não havia chance do caralho de eu tirá-la
daquela posição tão cedo.
— Não há problema algum nisso — a tranquilizei. —
Mas eu acho que ter uma boa noite de sono seria muito
mais interessante do que ficar me observando.
Faith sorriu timidamente, puxando o lençol sobre o
peito.
— Eu não estava conseguindo dormir — revelou. —
E você é bom de observar.
Sorri de volta, apreciando a forma em como ela
ficava mais bonita depois do sexo. Algo que alternava
entre o selvagem e o tímido. O sensual e o virginal. Ela
estava feliz, e eu me senti bem ao constatar que havia
contribuído para seu estado de espírito.
Pouco tempo se passou até a testa de Faith se
encrespar novamente. Sua cabeça se ergueu, de modo que
ela pudesse ter mais facilidade para me encarar mais
diretamente.
— Quem é Martha? — perguntou, mudando
totalmente o rumo da conversa. Sua mão se estendeu
novamente, arrastando-se sobre o meu peito e parou no
ponto onde descansava uma tatuagem pequena com a tal
palavra escrita em letras cursivas.
— Esse é o nome da minha mãe — respondi.
Faith pareceu surpresa com a forma em como eu
respondi tão facilmente àquela pergunta.
— Você nunca me falou sobre a sua família antes —
disse ela. — Você tem algum parente vivo?
— Não que eu saiba — falei. — Mas não faria muita
diferença, caso eles estivessem.
— Você não tem ninguém?
Ali estava um ponto que me incomodava trazer à
tona. Eu não gostava de relembrar sobre o meu passado,
principalmente a parte que envolvia a minha família. Eu
não tinha nada de bom para recordar deles, salvo a minha
mãe — única pessoa que merecia ter uma vida melhor
diante de toda a merda que fomos obrigados a passar, no
entanto, não havia tido a mesma sorte que eu.
— Eu não preciso disso, Faith.
— Como não, Derek? Todos precisam.
— Não eu — reafirmei. — Aprendi a lidar com as
minhas merdas sozinho, a viver sozinho. E tem sido assim
por muito tempo.
Imaginei que ela fosse se fechar e se afastar, mas ela
apenas voltou a sorrir, passando a palma macia sobre a
minha barba rala.
— Você tem a mim agora.
Estendi a mão e passei os dedos sobre sua face. Ela
não tinha uma pele de porcelana, cabelos sempre sedosos
e alinhados ou era o modelo padronizado de garotas
gostosas que se via em revistas e televisão, mas ela era
perfeita pra mim. Mesmo desbocada, louca e disposta a
me tirar do sério quando decidia. Mesmo sendo teimosa,
insistente e curiosa. Nada daquilo sobrepujava o fato de
ela ser linda quando corava, ser sexy quando se irritava e
ser malditamente receptiva na cama. Eu gostava da forma
como seus quadris ondulavam, sempre que ela estava
impaciente para encontrar liberação ou como seus
gemidos preenchiam os meus ouvidos como uma droga
afrodisíaca em meu sistema sanguíneo. Ela não seguia
rótulos, ela não era influenciável. Ela era apenas ela.
Apenas Faith. Minha Faith.
Ela também me tinha.
Rolei na cama para me manter apoiado sobre ela. Um
braço de cada lado do seu corpo e senti sua respiração se
acelerar, o peito subindo e descendo.
Puxei para baixo o lençol que cobria seus seios e
passei um dedo suavemente sobre um mamilo, me
deliciando com o quão fácil ela era de se estimular.
— Você tem um cheiro bom — abordei, esfregando
sutilmente meu nariz na curva do seu pescoço. — E seu
gosto é ainda melhor.
Ela riu, se contorcendo debaixo de mim.
— Você sabe que se dissesse coisas desse tipo para
todas as garotas, elas cairiam aos montes em sua cama,
não é?
— Sem dúvida, sim — falei, contornando seu lábio
inferior com a ponta do meu polegar. — Mas eu não quero
outras garotas em minha cama.
Seu sorriso desapareceu e senti a tensão sexual se
estabelecer no ambiente. Havíamos acabado de fazer sexo
fazia algumas horas, e eu já estava duro apenas com a
perspectiva de ter meu pau enterrado dentro de seu calor
molhado outra vez.
Ela era como uma compilação do caralho entre tudo
o que havia no inferno e no paraíso.
— Se eu te contar uma coisa, você não vai rir de
mim? — perguntou.
Levantei uma sobrancelha, percebendo o rubro voltar
às suas bochechas.
— Você já confessou ser fã dos Backstreet Boys —
repliquei. — Acho que consigo não me surpreender agora.
Seus olhos rolaram e um leve tapa foi depositado em
meu ombro, conforme ela mordia o lábio para não rir.
— Não é isso, é que... eu acho que estou viciada.
Franzi o cenho.
— Em quê?
Suas bochechas coraram novamente e por um
momento eu tive vontade de dizer todas as coisas que eu
planejava fazer com ela naquela cama, só para ter o
prazer de vê-la corar ainda mais. Ela ficava vermelha
muito facilmente, principalmente quando eu falava
sacanagens em seu ouvido. Um misto de excitação com
acanhamento. Era magnífico.
— Em sexo, Derek — praticamente sussurrou. — Eu
nunca me senti tão... necessitada.
Segurei-me para não rir de sua confissão, pondo
minha língua para fora e contornando a costura do seu
lábio. Um suspiro baixo escapou entre eles, o que me fez
acomodar-me ainda melhor entre as suas pernas. Segurei a
ponta do seu queixo.
— Não há mal algum nisso, Faith — murmurei. —
Acredite em mim.
Ela sacudiu a cabeça:
— É estranho. Eu não me sentia assim com... você
sabe. Eu nunca me senti assim com ninguém antes.
— Você está me comparando com o seu ex-
namorado, péssimo fodedor de merda?
— Não é isso — ela bufou. — Eu só estou um pouco
admirada por estar vivenciando algo que julguei ser
impossível experimentar um dia.
Concordei. Realmente deveria ser horrível ter
passado por tudo o que ela passou e, provavelmente, ter
aceitado tudo calada. Eu iria matar Simon, aquilo era
certo. Mas ele iria pagar caro por cada sofrimento que a
havia feito passar.
— O que ele fazia com você? — interpelei. — Seja
sincera, Faith. Eu não estou aqui para te julgar.
Em um primeiro momento, ela manteve-se calada,
provavelmente buscando as palavras adequadas para
dizer aquilo, ou simplesmente porque estava apenas
ponderando se seria uma boa ideia ou não, confessar o
ocorrido.
— Ele era meio... excêntrico — disse.
— Excêntrico em que sentido?
Ela respirou fundo e lambeu os lábios, antes de
voltar a falar:
— Simon gosta desses lances de sado — soltou. —
Ele gostava de me amarrar à cama e fazer... coisas.
Senti a raiva se construindo dentro de mim. Idiota do
caralho.
— Ele machucava você — concluí. Ela assentiu
fracamente. — E você chegou a gostar disso alguma vez?
— Claro que não! — estremeceu. — Ele sempre
arrancava sangue de alguma parte do meu corpo. Se não
fosse com seus chicotes, era com as facas. Ele gostava de
me cortar enquanto... enquanto me penetrava — ela
encolheu os ombros. — No começo eu estava
deslumbrada. Ele não aparentava ser assim, e era o único
cara que o meu irmão permitia se aproximar de mim,
então eu me deixei levar. Ele foi paciente quando soube
que eu era virgem. Ele fez de tudo para que a minha
primeira vez fosse considerada perfeita. Eu não gozei,
mas não foi tão doloroso como eu pensei que seria. Mas
depois de um tempo ele veio com essa conversa de que
queria diversificar. Que iria me apresentar algo que eu
iria gostar. Mas eu não gostei.
Esta última declaração saiu em um sussurro.
— Você não procurou por ajuda?
Ela negou com um gesto de cabeça.
— E por que você não o fez? Por que não contou a
alguém?
— Ele costumava gravar vídeos — confessou. —
Vídeos nossos. Ele me ameaçava e dizia que iria mostrar
ao meu irmão o quão vagabunda eu era e coisas desse
tipo. É óbvio que ele estava blefando quanto àquilo, pois
eram vídeos comprovando que ele era um estuprador de
merda, e Simon não seria tão idiota a ponto de se arriscar
a tanto. Mas eu era muito jovem na época, Derek. Não
tinha a percepção que tenho hoje. Eu nem sequer sabia o
significado de estupro.
— Como você lidou com isso depois que decidiu dar
um basta?
— Eu me retraí — respondeu. — Não fiquei
traumatizada, por incrível que pareça. Eu tinha medo de
Simon, claro, e por isso decidi não denunciá-lo à polícia,
nem contar ao meu irmão, principalmente pelo fato de ser
pouco provável Marcel enxergar a minha relação com
Simon como abusiva. Mas eu sabia que existiam caras
legais lá fora. Caras legais que me fariam ter um orgasmo
e não agiriam como idiotas. Mas por mais que eu tivesse
essa ciência, eu preferi não arriscar. Preferi ficar sozinha.
Eu havia confiado muito em Simon e deu no que deu. Mas
aí eu conheci um cara na faculdade... Troy era seu nome.
Ele parecia legal e gostava das mesmas coisas que eu. Ele
parecia diferente até mesmo de Simon.
— E o que aconteceu? — insisti.
— Nós começamos a flertar. Eu concluí que ele era
realmente diferente do meu ex e que ele estava a fim de
mim, também, então eu me vi decidida a ir para a cama
com ele. Mas na hora H, não foi como eu imaginei que
seria.
— Por que não? — perguntei, passando a mão sobre
sua mandíbula. Ela estava tensa.
— Ele viu minhas cicatrizes — ela riu sem humor. —
É realmente meio... desestimulante tudo isso. Eu não criei
caso. Deixei que ele fosse embora.
— Não, não é — eu falei. Como alguém desiste de
comer uma garota por causa de fodidas marcas? — E se
você quer mesmo saber, ele é um idiota — continuei. — E
um brocha.
Ela deu uma risadinha. Suspirando, tocou meu rosto.
— Eu estou bem com isso, Derek. Você não precisa
dizer coisas legais para fazer eu me sentir melhor.
— Você sabe que eu não sou esse tipo de cara —
beijei atrás da sua orelha, e desci uma trilha em sua pele,
até que meus lábios estivessem colados ao seu ouvido. —
Você é a garota mais gostosa que já esteve na minha cama,
Faith Bloom. E não foram poucas.
Ela riu ainda mais, enlaçando meu pescoço com seus
braços.
— Bom, então estamos empatados, por que você foi
o cara mais quente que já esteve na minha também.
— Claro que fui — sorri presunçosamente. Eu
adorava provoca-la. Espalhei suas pernas abertas e beijei
o canto do seu lábio. Eu queria transar com ela. Como eu
nunca quis nada em muito tempo. — Você ainda está
sentindo-se... necessitada? — questionei, imitando seu
tom.
Ela afirmou com um gesto de cabeça e mordeu o
lábio no momento em que desci meus dedos para a sua
pequena e deliciosa boceta.
— Isso é ótimo — falei, assaltando seu pescoço
agora. — Eu acho que podemos deixar a conversa de lado
e partir para a parte mais interessante, não? Afinal de
contas eu tenho uma ninfomaníaca para saciar.
Ela gemeu em resposta e eu fiquei ainda mais duro.
Aquela noite seria longa.
☆☆☆
O sol queimava o suficiente para não se tornar
incômodo naquela manhã. A pele dos meus ombros e
braços recebiam os raios solares, descobertos por conta
da camiseta sem mangas que eu usava. No momento em
que Faith apareceu, eu já havia terminado de abastecer
boa parte do fundo da caminhonete com o que
precisaríamos.
— O que você está fazendo? — ela indagou,
ocupando espaço ao meu lado.
— Preparando a caminhonete — respondi. — Nós
vamos sair.
Ela franziu a testa e cruzou os braços, desconfiada.
— Sair para onde?
— Logo você saberá — respondi. — Vem comigo.
Segui em direção à casa e subi as escadas. Faith me
acompanhou todo o caminho. Adentrando o quarto, fui até
o meu armário e tirei de lá uma caixa.
Entreguei-lhe.
— Abra — encorajei. Ela aproximou a caixa do
ouvido e sacudiu primeiro. Desistindo de tentar adivinhar,
ela lambeu os lábios ansiosamente e rasgou o material.
Seus olhos se arregalaram no mesmo instante em que
a caixa foi totalmente aberta.
— Oh, meu Deus, isso é...
— Uma Beretta — completei. — Bonita, não? Ela é
leve, menor e mais fácil de carregar. Vai se ajustar
perfeitamente à sua mão.
Faith olhou para mim como se um chifre houvesse
nascido em minha testa.
— O que eu vou fazer com isso?
— Usar — disse eu, como se a resposta fosse óbvia.
— Ela é sua agora.
Engasgando uma respiração, Faith voltou a olhar para
a arma.
— Deus, por que você não me deu bombons ou
flores, como os caras normais fazem?
Levantei as sobrancelhas.
— Eu pareço um cara normal pra você?
— Pra ser sincera, não — respondeu, dando-se por
vencida.
— Exatamente, babe — sorri. — Eu vi o quão
irritada você ficou ontem por eu tê-la defendido dos
caras. Se você não quiser que coisas desse tipo aconteçam
novamente, tem que saber se defender de verdade. Ter
uma arma e saber usar essa coisa nos momentos em que
houver necessidade.
Um sorriso travesso surgiu em seus lábios.
— Até quando você me irritar?
— Você sabe que não seria uma boa ideia atirar em
mim — repliquei. — Agora mexa essa bunda bonita para
fora. Eu vou te ensinar a usar essa belezinha.
Ela se levantou. A perplexidade de momentos antes
dera lugar à excitação.
— Isso vai ser divertido.
☆☆☆
Após aproximadamente quarenta minutos dirigindo,
estacionei a caminhonete em uma zona deserta, a qual eu
já havia escolhido de antemão para que pudéssemos fazer
aquilo. O local era próximo ao principal rio de Scout
Lake, e apenas alguns metros de distância da margem
existia uma pequena passagem que dava acesso à um
território aberto e deserto. Perfeito para fazer o que eu
planejava.
Segurei o enorme saco de feno, e Faith me ajudou,
carregando o alvo improvisado que eu havia feito.
Passamos pela margem do rio, o barulho da cachoeira
muito intenso, e atravessamos as diversas árvores que nos
separavam do terreno. O cheiro característico de flores
invadiu minhas narinas. Percebi que o mesmo acontecia
com Faith, quando um brilho deslumbrado atingiu sua
face.
— Há roseiras aqui! — ela exclamou admirada. —
Mora alguém por perto?
— Não — respondi. — Mas é bem provável que
algum morador insista em cultivar flores. Não me admira
muito. A terra daqui parece boa.
— É lindo! — Faith caminhou até uma das roseiras
do local e apanhou uma flor com cuidado para não ferir
seus dedos. — Você é realmente louco. Quem mais me
levaria para aprender a atirar em meio às rosas?
— Quem mais lhe ensinaria a atirar? — retruquei.
Ela apenas rolou os olhos em resposta. — Agora, venha
aqui.
Faith obedeceu meu chamado. Tomei de sua mão o
alvo. Finquei a madeira no solo, testando para me
certificar de que estava firme, e pus o saco de feno ao
lado.
— Vamos lá — chamei sua atenção. — Nós vamos
fazer isso com o saco de feno primeiro. Depois
treinaremos com o alvo, ok?
Assentindo, ela pegou a arma que eu havia lhe dado.
— Primeiramente, você precisa saber os detalhes
básicos em relação ao manuseio. É necessário que você
sempre se certifique de que a arma esteja carregada.
Nunca deixe a trava de segurança desarmada se não
houver necessidade. Se você apontar uma arma para
alguém, esteja certa de que tem coragem suficiente para
atingir aquela pessoa. Estamos falando de sobrevivência,
Faith. Às vezes, decisões difíceis precisam ser tomadas...
e rapidamente. Você me entendeu?
Ela lambeu os lábios ressecados e assentiu.
Continuei:
— Bom, o básico você já sabe. Esta arma é
específica para tiros a curta distância. Eu posso te ensinar
a usar um revólver ou pistola de calibre maior
futuramente, mas por ora, trabalharemos com uma de
calibre pequeno — falei. — Antes de tudo, você precisa
verificar se ela está carregada. Basta soltar o cilindro
para fazer com que ele gire para o lado. Após feito isso,
você verifica se todas as câmaras do cilindro estão
munidas.
Ela fez conforme orientado. Em seguida, seus olhos
estavam voltados em minha direção.
— Estão todos vazios — franziu o cenho.
— Eu sei disso, quero que você a recarregue.
Rugas se formaram em sua testa. Faith mordeu o
lábio, e eu percebi a hesitação crescente.
— É insegurança isso que estou vendo impresso em
seu rosto? — provoquei. — Vamos lá, boneca. Você tem
uma arma na mão e está prestes a usá-la. Você acha
mesmo que seu oponente vai acreditar que você tem
capacidade de se defender, se está insegura quanto a isso?
— É claro que estou! Eu não sei usar essa coisa —
defendeu-se. — E não me chame de boneca.
— Da última vez que você segurou uma dessas, fez
um ótimo trabalho na minha perna. Então pare de agir
como uma garotinha e vá em frente.
Captei perfeitamente o momento em que seus olhos
brilharam com fúria, seu rosto ficando vermelho diante da
minha provocação.
— Onde estão as munições? — questionou, decidida.
— Vamos acabar logo com isso.
Sorrindo, puxei as balas do meu bolso e lhes
entreguei o suficiente para carregar todos os tambores.
Faith preencheu um por um com dedos trêmulos, mas
muito corajosa. Lhe ensinei todo o restante do processo e,
em questão de minutos, ela estava com a arma pronta para
uso.
— Próximo passo — continuei: — Aponte o cano
para baixo e mantenha a trava de segurança ainda no lugar
enquanto você ajusta sua posição. Seus pés devem estar
abertos na largura dos ombros. O pé esquerdo, um passo à
frente do direito. Fique com o corpo reto, mas levemente
curvado para frente, mantendo o equilíbrio. O cotovelo do
seu braço direito deve estar quase completamente reto.
Flexione o cotovelo do braço esquerdo. Não muito... o
suficiente para manter o ajuste — ela fez exatamente como
orientado. Caminhei em sua direção, dando os últimos
ajustes no que faltava: — Mão esquerda dando apoio à
direita. Assim... Polegares alinhados e aperto firme.
Depois de ensinar à ela todos os últimos detalhes, eu
solicitei que desarmasse a trava de segurança.
E então, Faith deu o primeiro disparo.
Suas mãos tremeram. Seu corpo foi impulsionado
para trás. O tiro atingiu alguns centímetros de distância do
alvo marcado no saco de feno. Faith estava prestes a
baixar os braços, quando eu a impedi:
— Não faça isso. Continue na posição. Você errou o
alvo dessa vez, mas quero que se concentre e tente acertar
na próxima. Não sairemos daqui até você conseguir.
Ela suspirou, percebi que me xingou em pensamento.
No instante seguinte, se preparou para o próximo disparo.
Foi melhor dessa vez, mas não o suficiente; portanto,
orientei que ela fizesse o mesmo processo novamente.
Ficamos aproximadamente duas horas entre
descarregar arma, carregar novamente, treinar posição e
atirar. Faith era fácil de aprender e não demorou muito
para que ela estivesse com uma pontaria muito boa para
uma iniciante.
— Eu estou morta e praticamente surda — ela gemeu,
parando na margem do rio e descansando a arma e todos
os equipamentos que trazíamos conosco no chão. — Você
é o pior professor que alguém poderia ter.
— Me lembrarei de providenciar equipamentos de
proteção da próxima vez — eu disse. — E pare de
reclamar, eu não peguei tão pesado com você.
— Diga isso para as minhas mãos — resmungou.
— Você tem ótimas mãos — puxei-a pelos pulsos, até
que ela estava entre meus braços. Tentando manter a cara
emburrada, Faith virou o rosto para o lado, mas não
tardou para que ela estivesse se aconchegando ainda mais
entre meus braços. Ela era boa de tocar.
— Eu confesso que foi divertido — sorriu, ficando
na ponta dos pés para me dar um beijo rápido. Havia uma
flor enterrada na dobra da sua orelha, a qual ela havia
colocado em seu cabelo em algum momento. De uma
forma ridícula eu consegui achar aquilo bonito.
Seus braços vieram para o redor do meu pescoço, o
peito rente ao meu. Eu não tive a oportunidade de
assimilar o que veio a seguir: em um único impulso, suas
pernas estavam cruzadas em meus quadris, seu peso me
puxando para frente. Acabei me desequilibrando e, com
isso, ambos caímos no rio.
No momento em que imergirmos por completo, eu
empurrei minhas pernas para baixo, tentando impulsionar
o meu corpo a subir à superfície, enquanto minha mão
corria para seu corpo e eu tentava manter Faith segura.
Contudo, eu não pude fazê-lo a tempo, notando que ela
deslizava facilmente de mim, desaparecendo logo em
seguida.
Baques frenéticos socavam dentro do meu peito
quando voltei para a superfície. Meus olhos varriam os
quatro lados freneticamente, ansiando encontrar Faith em
algum lugar, mas não havia sinal dela.
Porra!
— Faith? — chamei. — Faith!
Eu já estava prestes a me afundar na água novamente,
quando senti algo puxar a minha perna e cabelos escuros e
curtos despontando debaixo d’água.
Ela sorria. Na verdade ela ria da minha cara.
— Você estava me procurando? — questionou, ainda
rindo.
— Não faça isso nunca mais, porra — ignorei sua
pergunta.
— Você é sempre mal humorado assim? — seu
sorriso não havia se desfeito.
— Sim. E essa merda não teve graça nenhuma.
— Não seja um chato, Derek — disse, revirando os
olhos. — Onde está o seu senso de humor?
Não respondi sua pergunta, ainda muito irritado. Ela
riu, espirrando água em meu rosto. Tentei não cair em seu
jogo quando sua mão escorregou pela minha face. Eu
ainda estava irritado com o que ela havia acabado de
fazer. Por um momento achei que ela tivesse realmente
ido, porra, e era tudo uma brincadeira idiota. Faith insistiu
em seu toque, descendo os dedos para o meu pescoço. Um
suspiro escapou de seus lábios quando sua boca tocou a
minha. Seus peitos roçavam no meu, os mamilos túrgidos
de Faith provocando-me uma tremenda ereção. Aquilo foi
o suficiente para toda a minha irritação ser substituída por
algo ainda maior.
— Eu quero você — ela murmurou, me provocando
com o roçar de nossas bocas.
— Você já me tem — respondi, correndo meu braço
ao redor de sua cintura.
— Não — balançou a cabeça. — Eu quero você
aqui.
Avançando novamente, ela me beijou mais duro. Eu
degustei o máximo que consegui dos seus lábios macios.
Escorri minha mão para a sua bunda, puxando sua perna e
forçando-as abertas ao redor dos meus quadris.
— Seja específica — provoquei. — O que você quer
de mim, exatamente?
Ela gemeu frustrada e apertou seus tornozelos
cruzados, criando fricção de seu núcleo ainda coberto.
Meu pau ameaçava saltar das minhas calças. Inferno! Eu
estava duro como uma rocha e precisava aliviar aquela
pressão maldita o quanto antes.
— Você sabe — respondeu. — Eu quero tudo.
Ela já possuía muito de mim, pensei pesarosamente,
mas procurei ignorar meus conflitos internos para puxar
seu lábio inferior e chupá-lo, soltando em um pop. Um
braço permaneceu em sua cintura, ao passo que o outro
subia. Agarrei os seus cabelos, puxando para o lado e
inclinei seu pescoço, deixando a pele alva totalmente
exposta para mim. O chupão que eu havia deixado nela na
outra noite já tinha desaparecido. Eu precisaria marcá-la
novamente.
Ela era minha. Meu lado “homem das cavernas”
rugiu, enquanto o lado racional me dizia para não seguir
por aquele rumo. No entanto, o meu pau ditava o seu
próprio caminho. E ele, naquele instante, estava disposto
a se enterrar naquela mulher, independentemente do que
era certo ou errado em tudo aquilo. Meu corpo a queria.
Tudo em mim a queria.
Minha boca correu toda a extensão do seu pescoço
macio, arrancando gemidos, estimulando, sugando, tendo
tudo o que eu podia da sua pele. Eu nunca me cansava de
ter minha boca e mãos sobre ela.
— Você precisa começar a usar anticoncepcionais —
àquela altura, eu já abria o zíper da minha calça e
libertava o meu pau.
— Eu vou fazer isso, não se preocupe — ela lambeu
os lábios e senti seus dedos envolverem o meu membro.
Para cima e para baixo, para cima e para baixo.
Porra, ela era boa em aprender as coisas.
Soltei-a por um instante e lutei contra o botão de sua
calça jeans. Ela baixou a perna e deslizou a peça junto
com a calcinha para baixo com um pouco de dificuldade.
Voltou a erguer as pernas em seguida.
Apertando-a ainda mais contra mim, passei meus
dedos em sua entrada, enfiando somente as pontas e
retirando.
— Mova-os — ela implorou quase que
desesperadamente. — Por favor, apenas os mova.
Ignorando sua súplica, eu corri minha boca sobre sua
garganta, descendo ainda mais e suguei o gosto salgado do
seu suor que escorria junto com a água entre seus seios.
— Você está se tornando uma pequena gatinha
autoritária — murmurei. — Agora vai ser do meu jeito,
babe. Eu irei levar todo o meu tempo com você. Depois
disso irei fodê-la. Em quantas posições forem possíveis.
Voltei a cutucar sua abertura com meus dedos e sua
mão pequena aumentou a pressão ao redor do meu
membro, firmando seu toque na carne.
Ok, ela queria jogar.
Ela remexia os quadris, ansiosa, e apesar de adorar
torturá-la, eu decidi não estender muito o seu sofrimento
— teríamos tempo para aquilo depois. Enfiando dois
dedos dentro dela, senti no momento em que seus suspiros
se tornaram mais intensos. Ela era tão apertada. Ela
também era quente como uma fornalha e era boa. Ela era
muito boa.
Eu recuei e fui mais fundo dessa vez, meus dedos
deslizando lentamente, estimulando cada terminação
nervosa, raspando apertadamente a suas paredes que se
comprimiam ao redor de mim.
— Tão... bom... — ela suspirou.
— Eu adoro a forma como seus gemidos ecoam em
meus ouvidos, doce Faith — inclinei minha cabeça e a
minha boca se fechou sobre o seu mamilo coberto pela
camiseta fina. Subi os lábios, beijei e chupei a pele
abaixo de sua garganta, minha língua traçando um caminho
curto até a base da sua orelha. — Faça isso de novo,
babe. Grite o meu nome enquanto meus dedos estão dentro
você.
— Dê-me mais... — desafiou, mordendo o lábio.
Porra, ela estava me provocando.
Diminuí a pressão, mostrando a ela quem realmente
estava no controle. Faith moveu ainda mais suas ancas,
buscando mais contato. Sorri diabolicamente.
— Então grite meu nome — insisti.
— Faça-me gritar — foi a única resposta em troca.
Eu precisava fodê-la. Eu precisava daquilo, mas não
seria uma boa ideia fazer o que eu queria fazer com ela
dentro do rio. Num único gesto eu removi meus dedos de
dentro dela. Soltei-a e engoli seu protesto de confusão e
desapontamento com um beijo, conforme a puxava para
fora da água.
Tirei minha camisa e a estendi sobre a grama.
— Ajoelhe-se e fique de costas para mim — ordenei.
Mesmo curiosa, Faith obedeceu.
Ajoelhando-me atrás dela, puxei sua camiseta para
cima e, em seguida, removi o sutiã. Minha palma foi
direito para suas costas, espalmada sobre a pele e subindo
em um movimento lento, dando-me a oportunidade de
tocar as diminutas marcas de corte que haviam ali. As
marcas de um passado doloroso que ela fazia questão de
esquecer. Um passado que ela iria esquecer
completamente, se dependesse de mim.
— Agora se incline — minha voz saiu rouca. Faith
pareceu não compreender muito bem o que eu queria, mas
não resistiu quando coloquei as mãos sobre seus ombros,
forçando gentilmente o seu tronco a se dobrar para frente.
Sem muitas opções, ela apoiou as mãos no solo, seus
joelhos tendo o mesmo destino.
Naquela posição, sua boceta e bunda ficavam
deliciosamente expostas. Ela brilhava, rosada, melada e
certamente quente. Tão fodidamente quente. Aquilo tudo
era meu. Eu senti uma necessidade imensa de marcá-la.
Em todos os lugares.
Um tapa foi desferido na bochecha esquerda de seu
traseiro. Ela deu um gritinho e seus joelhos vacilaram,
mas senti a sua excitação se aumentar.
Minhas mãos amaciaram a carne, amenizando a
ardência em sua pele. Sem aviso prévio, ela recebeu outro
tapa, no lado direito. Desta vez, Faith apenas gemeu.
Segurei os dois globos de sua bunda, agora corados,
e apertei. Não o suficiente para machucar, mas foi firme.
Eu faria loucuras com aquela bunda em algum momento.
Mas aquilo não era sobre mim, era sobre ela; então eu
tratei de expurgar as imagens que meu cérebro estava
formando sobre meu pau enterrado naquele ponto e rocei
o polegar em sua vulva avermelhada.
Inclinando-me para a frente, posicionei-me de modo
que meu rosto ficasse à altura da sua fenda. Minha língua
rompeu para fora, relaxando em sua carne. Tracei com
vontade o caminho de toda a extensão de sua vagina
molhada.
Ela estremeceu de imediato, empurrando-se para
mim.
Meus dedos também entraram no jogo e eu continuei
trabalhando nela. Ora meus lábios fechavam-se sobre o
centro, ora minha língua serpenteava ao redor. Meus
dedos também estimulavam o feixe de nervos em seu
clitóris sensível. Não demorou muito para que Faith
estivesse esfregando-se por vontade própria na minha
cara. Ela estava prestes a gozar, mas não seria tão fácil
assim.
Puxei minha cabeça e ela gemeu em protesto.
Minha mão foi novamente aos seus quadris,
apertando a carne, conforme a outra ajustava meu pau em
sua entrada.
— Eu estou prestes a comer você sem piedade, babe
— avisei. — Me diga, o quão dentro disto você está?
— Você ainda pergunta? — ela replicou. — Eu disse
que quero tudo, Derek, então vá em frente e me foda.
Sentindo um sorriso se arrastar por meus lábios,
rocei a cabeça contra sua entrada, misturando os sucos de
excitação que escorriam de ambos os pontos. Bastou uma
respiração profunda para que, no momento seguinte, eu
estivesse enterrado até o fundo — ao menos o quão fundo
eu conseguia ir sem machucá-la. Retirei-me lentamente e
fiz de novo, sentindo os membros de Faith vacilarem,
testando o quão ajustável ela conseguia ser, ao passo que
sua carne se abria e fechava com cada avanço e
retrocesso.
Corri a mão por suas costas, tendo total ciência do
contraste entre a sua pele macia e meus dedos calejados.
Eu roçava de leve a sua pele com a minha mão, e o meu
pênis raspava em seu interior, saindo e entrando macio,
numa lentidão quase dolorosa.
Agarrei os seus cabelos e enrolei entre os meus
dedos. Sua cabeça inclinou-se para trás e eu me curvei
para a frente. Passei minha língua, seguindo caminho até
atrás da sua orelha. Mordendo o lóbulo, raspando a barba.
Ainda provocando-a o máximo que eu conseguia.
E então, eu puxei e empurrei mais fundo. Ela
resfolegou.
— Grite — ordenei contra seu ouvido.
Faith gemeu em resposta. Um gemido contido e
entrecortado. Mordeu o lábio com força e fechou os olhos
em êxtase, mas não emitiu nenhum som a mais sequer.
Maldita.
E então, em um deslizar e empurrar, eu fiz de novo.
Minha pélvis bateu contra sua bunda. Minha mão correu
por seu corpo e encontrou o seu seio pesado.
Amassei o peito e rolei um mamilo duro entre os
dedos.
— Grite — desta vez, minha língua traçou caminho
por sua nuca, meus lábios descendo um pouco mais,
sugando a umidade do seu suor mesclado com a água. —
Vamos lá, babe. Eu quero ouvir você gritando o meu
nome.
— Talvez você não esteja se esforçando o bastante
— um sorriso de desafio nasceu em seus lábios. Eu sentia
ela se segurando para não explodir, para não dar o braço a
torcer e finalmente se entregar.
Por mais irritante que parecesse ser, eu gostava
daquilo nela. Eu gostava de tê-la testando os meus limites
e me provocando, apenas para me desafiar a fazer o que
ela queria. Eu não deveria estar tão afetado assim por
conta de uma boceta, mas o meu tesão era tanto que
chegava a me corroer por dentro, sugando a minha força
de vontade e cobrindo o lado racional do meu cérebro
com uma manta escura.
Que se foda a minha sensatez.
Puxei meu pau e empurrei, Faith choramingou em
resposta. Fiz de novo, e de novo, até que o único som,
além dos pássaros e a água da cachoeira, era o dos nossos
corpos se unindo, sua bunda macia recebendo os impactos
dos meus movimentos. Ela tremia com cada impulso que
eu dava, e eu rugia em êxtase, bebendo em profundos
goles a visão de seu corpo curvado na minha frente, suas
costas arqueadas, seus quadris rebolando e sua bunda
chocando-se contra minha região pélvica.
A cena era altamente erótica. Eu estava a ponto de
gozar apenas em visualizar aquilo. Ela era sexy como o
inferno. Seu corpo era moldado para mim, e eu continuei
investindo. Avançando e recuando cada vez mais rápido.
Sentindo sua vagina moer meu pau com as estocadas
profundas que eu dava.
— Oh, Derek! — ela finalmente gritou — Sim! Sim!
Sim!
Suor brotava de suas costas, os sons não eram mais
contidos. Fogo apertava as minhas entranhas. Eu bati mais
forte, mais rápido, mais profundo.
— Porra!
O seu orgasmo veio rapidamente, intenso e
duradouro. Seu corpo convulsionou debaixo do meu, sua
garganta emitindo sons desconexos e palavrões aleatórios.
Ela ainda estremecia sob mim quando minha liberação
veio logo em seguida. Jorrei o meu esperma em jatos
poderosos.
Saí de dentro dela e Faith desabou no chão, rolando e
deitando de costas.
Com respiração arfante, apoiei minha testa em seu
peito.
— Isso foi... incrível — disse ela.
— Da próxima vez... — ofeguei — eu quero que
você grite o meu maldito nome enquanto eu te fodo.
Ela sorriu travessa.
— Eu já disse que você não manda em mim... — ela
me provocou. — As minhas roupas se foram. Acho que
sobrou apenas a minha blusa.
Não deixei de sorrir com o fato. Meus dedos
desceram por seu estômago, indo mais abaixo, até o local
onde eu estive enterrado momentos atrás.
— É bom você ir se acostumando — eu disse,
observando-a se remexer contra os meus dedos
preguiçosamente. — Nós não vamos precisar muito de
roupas a partir de agora.
— Você vai ser a minha perdição — ela riu e depois
passou os dedos entre os fios molhados do meu cabelo.
— E você, minha redenção — inclinando-me em sua
direção, beijei a ponta do seu nariz.
Ela puxou minha cabeça, apoiando minha testa na
sua. Prendeu o leve rasgar de lábio emocionado,
emoldurando meu rosto com suas mãos, nivelando nossos
lábios e me dando um beijo.
— Você fala coisas muito bonitas quando está
descontraído, Derek Rushell.
Ergui minha cabeça e encarei seus olhos azuis e
muito brilhantes, os lábios ainda ostentando o vermelho
natural, resultado das mordidas e chupadas que eu dera.
Suspirei, ainda em silêncio.
Esse era o grande problema na coisa toda: Derek
Rushell não costumava ser descontraído.
E Derek Rushell não falava coisas bonitas.
27: Roleta-Russa
Marcel
Faith
E assim, numa vida onde eu, por muitas vezes, me
pegava questionando ser realidade ou não, os dias se
passaram. Oito semanas, para ser mais exata. Parecia que
a cada dia, eu e Derek nos aproximávamos um pouco
mais.
Não éramos como um casal de namorados
apaixonados; afinal, nunca acreditei que Derek pudesse
sequer um dia assumir tal perfil, mas nós estávamos indo
bem. O sexo era incrível, a nossa convivência havia
melhorado consideravelmente e, com o passar dos dias,
conhecíamos melhor cada detalhe um do outro. Ele até
havia confessado já me perseguir antes do sequestro.
Fiquei abismada com sua confissão, ao reconhecer que ele
realmente estivera presente no dia em que apresentei O
Quebra Nozes, dentre outras datas memoráveis, mas um
sentimento estranho de que eu era importante para Derek
de alguma forma, me preencheu.
Eu sabia que era idiota pensar assim, tendo em vista
que na época ele só queria me prejudicar, mas, pensando
bem, no momento presente eu não tinha tanta convicção de
que ele realmente me machucaria. Ele era como um animal
selvagem ferido. Um animal onde a dor da perda havia
nublado qualquer resquício de humanidade que possuía.
Mas eu tive certeza, diante dos seus olhos me encarando
com adoração, de que Derek nunca me machucaria por
livre e espontânea vontade.
Este era um fato que por mais que me aliviasse,
também me fazia estremecer. E se Derek me machucasse
um dia? Não fisicamente, claro, mas e se ele quebrasse o
meu coração por alguma razão que talvez nem ele tivesse
controle a respeito? Eu sabia que a nossa situação não era
nada boa. Por mais que estivéssemos vivendo como um
casal comum, eu ainda era a irmã do cara cuja cabeça ele
queria boiando numa tigela com sangue. Além disso,
Derek amava outra pessoa: Samantha. Seu primeiro e
único amor. O que aconteceria quando Derek finalmente
cumprisse com sua promessa de vingança? Como eu
reagiria convivendo com o homem que tirou a vida do
meu irmão? E o mais importante: será que Derek, depois
de finalmente ter se vingado de todos, decidiria viver ao
meu lado? Eu não sabia. Algo me dizia que aquele seria o
fim da linha. No momento em que Marcel e todas as outras
possíveis ameaças estivessem sido eliminadas, Derek
seguiria seu caminho solitário, levando consigo apenas as
lembranças boas do que vivemos juntos. Eu, no entanto,
provavelmente voltaria para a minha vida monótona e
certinha. Mas eu não seria a mesma Faith. Eu sabia que
não havia possibilidades de eu ser a mesma garota de
meses atrás, que fora sequestrada pelo cara mais incrível
que já havia conhecido. Derek havia quebrado barreiras e
me proporcionado descobrir quem eu realmente era.
No treinamento de disparo, eu estava um pouco
melhor. Não era uma profissional, mas aprendi o
suficiente para me defender, caso fosse necessário. Eu não
havia voltado ao bar depois da confusão com os
motoqueiros, mas não senti falta do local, por incrível que
pareça. A nossa proximidade com os vizinhos limitava-se
a algumas ocasionais visitas ao longo das semanas. Chad
não havia tentado se aproximar de nós depois de Derek
praticamente o ameaçar, mas meu suposto marido até que
estava se comportando como um esposo e vizinho comum.
Eu gostei daquilo.
No sexo, as coisas não poderiam estar melhores.
Derek era insaciável e extremamente incrível. Eu sempre
chegava ao orgasmo toda vez que transávamos, sem contar
no fato de que aprendi posições que jamais havia
imaginado existir. Todavia, tudo seguia seu rumo nos
limites permitidos, é claro, pois não podíamos correr o
risco de envolver muito sentimentalismo ou, até mesmo,
uma criança em toda essa confusão. No fim da minha
terceira semana em Scout Lake, Darla havia me lavado à
uma farmácia logo após conversarmos a respeito do
controle de natalidade. Ela ficara surpresa por eu, sendo
tecnicamente uma mulher casada sem intenção de ter
filhos, não ter pensado nisso antes. Usei a desculpa de que
remédios contraceptivos me incomodaram muito no
passado. Ela engoliu a minha mentira, o que me aliviou.
De pé na pequena oficina improvisada, eu observava
os músculos do meu esposo de mentirinha se flexionarem
a cada movimento e bebia da visão de suas costas largas
de frente para mim. Por algum motivo, Gabe — filho mais
novo de Darla — não tirava os olhos de Derek, muito
atento a cada movimento que ele fazia, como se estivesse
disposto a aprender tudo.
— Vocês querem uma limonada? — perguntei
aproximando-me dos dois.
Gabe se virou para me encarar.
— Eu quero limonada! Tem um gosto bom.
Sorri e despejei um pouco do suco no copo sobre a
bandeja, entregando-lhe logo após.
— Obrigada, sra. Ryder. Você é muito bondosa e
bonita — eu já havia perdido as contas de quantas vezes
Gabe havia me chamado de bonita. Ele seria um bom
galanteador quando crescesse.
— Obrigada, Gabe. Você é um rapaz muito bonito
também.
Ele sorriu, parecendo satisfeito com o meu elogio e
voltou a se virar.
— Uau, isso é o máximo — Gabe gritou eufórico,
correndo para mexer em alguma coisa que havia visto.
Quando percebi, o menino apontava para uma pistola ao
lado da caixa de ferramentas.
— Merda! — Derek resmungou.
— Merda! Merda! Merda! — gabe repetiu,
aparentemente feliz por finalmente estar falando um
palavrão fora dos ouvidos dos pais. — O senhor tem uma
arma!
— Não toque nisso — Derek o repreendeu. — Deus,
esse garoto é terrível.
— Ele é somente um menino curioso — eu defendi.
— Você deveria cuidar melhor das suas coisas.
— Eu posso tocá-la um dia? — Gabe perguntou,
referindo-se à pistola.
— Talvez, quando você já estiver na faculdade e for
capaz de andar com os próprios pés — Derek respondeu.
Gabe olhou para baixo, até o fim de suas pernas.
— Mas eu já ando com meus próprios pés.
— Você já está na faculdade?
O menino franziu o cenho e balançou a cabeça.
— Não... mas quando eu estiver, você deixa?
— Que seja — Derek respondeu de má vontade.
— Irado! — gabe exclamou, excitado. — O meu pai
vai adorar saber que o senhor me permitirá segurar sua
arma, Sr. Ryder!
— O quê? — Derek exclamou. — Eu não disse isso,
porra... quero dizer, eu não disse isso, garoto.
— O senhor disse.
— Não, eu não disse!
— Disse, sim, porra! — replicou o menino, sem
conter a euforia.
Derek respirou fundo.
— O seu pai sabe que você anda falando palavrões?
— Não, mas o senhor fala muitos palavrões. Eu não
posso, também?
— Se você quiser perder a língua, sim.
— Grant! — repreendi, usando o nome falso, afinal
Gabe havia se mostrado um menino esperto o suficiente
para não deixar passar o fato, caso eu chamasse Derek por
seu verdadeiro nome.
Derek se virou para me encarar e torceu o lábio em
desagrado:
— É por isso que eu nunca vou ter filhos.
Senti uma pontada estranha no peito com aquela
declaração. Era normal ele não querer ter filhos, afinal, eu
mesma, no momento, não pensava em ter. Mas apenas o
pensamento de que Derek talvez não imaginasse de forma
alguma um futuro construindo uma família com alguém, me
entristecia. Por mais que fosse ridículo e impossível, eu já
havia fantasiado um futuro com ele por um bom par de
vezes.
— Gabe, por que você não senta e toma o seu
refresco? — sugeri. — Você poderia fazer isso?
Gabe fez uma cara triste, mas não protestou.
— Tudo bem.
Sacudi a cabeça, sorrindo, e caminhei até Derek.
— Eu vou precisar da caminhonete para ir no centro
da cidade hoje. Você acha que poderia liberá-la para mim
agora?
— Claro, mas — seu cenho se enrugou — eu posso
saber o que você vai fazer lá?
— Eu vou comprar umas coisas — respondi. —
Coisas de garota. Você não gostaria de saber.
A verdade era que naquele dia, Derek estava fazendo
trinta anos. Eu soube disso porque fucei os seus
documentos originais sem que ele se desse conta. Era
estranho ele não mencionar comigo uma data tão
simbólica, e eu ainda não sabia o que faríamos para
comemorar, mas eu não estava decidida a passar em
branco. Queria comprar ao menos algo que o deixasse
feliz.
Ele assentiu.
— Ok, você espera eu fazer os últimos reparos?
— Claro — sorri, empolgada.
☆☆☆
Ao atravessar os portões que me separavam do lado
externo, observei de relance no momento em que Chad
saía de sua casa.
— Melanie! — ele gritou e eu desacelerei. — Você
está indo até o centro?
— Sim, eu estou — sorri meio sem jeito. Era
estranho tê-lo falando comigo depois do momento
constrangedor pelo qual passamos no outro dia.
— Eu posso pegar uma carona?
Ainda relutante, assenti.
Ele abriu a porta do passageiro e sentou-se ao meu
lado. Após um momento de silêncio, ele raspou a
garganta.
— Eu... quero te pedir desculpas — falou. — Por ter
evitado você e o seu marido.
Uau, então nós realmente tocaríamos naquele ponto.
— Tudo bem, Chad. A culpa não é sua. Der... —
corrigi-me — Grant estava tentando me proteger, apenas.
Ele encolheu os ombros.
— Bom, aquele tipo de coisa no bar acontece mais
vezes do que o considerado normal, acredite, e embora eu
jamais tenha imaginado que Grant fosse esse tipo de cara,
compreendi o seu lado. Eu faria o mesmo em seu lugar.
Sorri.
— Que bom. Fico feliz que você não tenha
comentado com ninguém. Pode ser um pouco complicado
para os outros entenderem.
— Ele me ameaçou, praticamente — Chad refrescou,
soltando uma risada baixa. — Não é como se eu houvesse
tido uma escolha.
Culpa me bateu. Mordi o interior da minha bochecha,
procurando uma forma de amenizar a tensão da situação.
— Ele só sente ciúme — salientei. — Não se
preocupe com isso.
— Ciúme de mim? — ele parecia surpreso.
— Também — fui sincera. Não havia motivos para
eu mentir, na altura do campeonato.
Chad deu outra risada. Mas essa foi diferente, quase
como se ele estivesse debochando. Uma risada que
deixou-me momentaneamente confusa.
— O que foi?
— Você está dizendo que seu marido sente ciúme de
mim.
— E qual o problema? — eu não queria que ele
estivesse a fim de mim, mas senti-me ofendida pela forma
como ele falou. Como se eu não fosse digna de despertar
ciúme em alguém.
— Digamos que... você não faz o meu tipo.
— Oh, não? — certo, alguns caras preferiam
mulheres mais altas ou mais magras, e, convenhamos,
apesar de não me achar feia, eu não era um bom exemplo
de beleza. Era no máximo normal. — Huh, isso é bom, eu
acho. Grant não vai precisar cortar nenhuma parte do seu
corpo.
Eu ri com aquela brincadeira. Ele, no entanto, ficou
tenso. Era provável que ele sentisse que o meu suposto
marido fosse capaz de fazer aquilo. Bom, ele realmente
era.
— Não se preocupe, ok? — reforcei. — Está tudo
tranquilo agora, e eu realmente estou feliz em saber que
você deseja se reaproximar. Eu não gostaria de me afastar
de vocês. É muito bom ter sua mãe como amiga. Ela é
incrível.
— Sim, ela é — ele sorriu, provavelmente
compartilhando do mesmo sentimento que o meu. Uma
sombra escura passou pelo seu rosto no momento seguinte,
como se ele estivesse recordando de algo que o afligisse.
— Está tudo bem, Chad? — perguntei.
Ele sacudiu a cabeça em afirmativa.
— Sim, está tudo ótimo. Você poderia me deixar
aqui?
Guiei meu olhar para o lado de fora da janela e me
dei conta de que já havíamos chegado. Eu mesma tinha
dirigido todo o caminho e mal havia percebido que já
tínhamos adentrado o centro da cidade.
— Claro — sorri amigavelmente e estendi-lhe uma
mão. — Amigos?
Chad ficou parado por um tempo consideravelmente
longo e notei um pequeno sorriso surgir em seus lábios
também. Ele ergueu a mão de volta e apertou a minha.
— Amigos.
No momento em que Chad saiu, senti como se
houvesse tirado um peso muito grande da consciência. Eu
não gostei do comportamento de Derek em relação ao
nosso vizinho, mas o medo de que as desconfianças
aumentassem a respeito de nós dois me atingiram com
muito mais força. Eu não queria que o nosso faz-de-conta
acabasse, e faria o que fosse possível para ainda mantê-lo
intacto.
☆☆☆
As lojas em Scout Lake eram estrategicamente
divididas em zonas. Havia as do ramo alimentício, as que
tratavam de produtos de higiene e beleza, havia as
farmácias, lojas de roupas... e por último encontrei o local
reservado para o funcionamento das lojas de objetos
pessoais e decoração. Havia uma livraria ali perto
também, como se fazendo contraste com os demais
estabelecimentos cujos grupos ela não se encaixava.
Decidi seguir em direção à livraria. Derek gostava
de ler, aquilo era certo, e talvez eu achasse algo legal para
ele. No entanto, eu não tinha tanta convicção de que ele
teria tempo para dedicar à leitura. Mesmo assim, percorri
as estreitas ilhas, onde prateleiras com títulos nos mais
variados gêneros ostentavam a gama de sentimentos
convertidos em papel.
Puxei um livro qualquer da prateleira, dando-me
conta de que eu havia ido parar no setor de Chick-lit e
observei a capa do livro, cujo título lia-se "A Herdeira –
Nem Todo Conto de Fadas Precisa Ser Perfeito". Eu nunca
havia ouvido falar daquele livro antes, e achei o título
desnecessariamente longo demais, mas o que me
interessou, apesar de tudo, foi o fato de que ele havia sido
escrito por uma autora brasileira. Eu nunca havia lido
nada de um autor brasileiro antes e decidi que seria uma
boa forma de ampliar meus horizontes arriscando.
Pus o livro debaixo do braço e segui rumo à ilha de
suspense. Encontrei alguns títulos bastante conceituados,
como Stephen King e Agatha Christie, e até mesmo pensei
em comprar algum daqueles para Derek, mas mudei de
ideia ao me lembrar de seu excêntrico apreço pelo
sadismo. Ele já tinha uma mente psicótica o suficiente
para ler Stephen King.
Suspirando, decidi que um livro talvez não fosse o
melhor presente para dar a Derek. Eu queria algo que ele
guardasse para toda a vida. Simples e simbólico. Eu só
não sabia o quê.
Caminhei para a fila do caixa, a fim de pagar o livro
que havia adquirido, quando uma voz conhecida — a voz
da última pessoa que eu desejava encontrar em um dia
daqueles — chamou minha atenção.
— Melanie! — ela gritou. — Como está?
Respirando fundo, virei-me para encarar ninguém
menos que Ada Beaumont. A vadia dos peitos invejáveis.
— Ada, querida, que coincidência! — cumprimentei-
a com o mesmo sorriso falso estampado na cara. — Eu
estou ótima. E você, como vai?
— Bem, obrigada — ela continuou sorrindo e notei
seu pescoço se esticar algumas vezes, enquanto seus olhos
percorriam ao redor. — Onde está Grant?
Oh, ela era bem direta.
— Grant está em casa — respondi. — Cuidando dos
afazeres, enquanto eu faço compras. Ele é um marido
excelente.
Ok, eu estava mentindo um pouco — talvez muito —
mas foda-se. Eu não iria dar detalhes da minha vida para
aquela vadia, e muito menos iria permitir que ela
encontrasse motivos para voltar a alfinetar o meu suposto
casamento.
— Você realmente tem muita sorte em tê-lo, não é?
— ela apontou falsamente maravilhada.
— Com certeza, sim — aproximei-me mais dela,
como se para contar um segredo. — Já me peguei muitas
vezes agradecendo ao Destino por ter me presenteado com
alguém como Grant. Inclusive, tê-lo em minha cama todas
as noites já é um sonho consumado.
Seus olhos brilharam instantaneamente, a mão
subindo para arrumar o cabelo impecavelmente escovado.
— Oh, eu imagino — gaguejou. — Quero dizer...
bom, deve ser realmente o máximo. Não que eu me
interesse em experimentar o seu marido! — ela gesticulou,
como se estivesse descartando aquela possibilidade. —
Ele não faz muito o meu tipo. Você me compreende, não é,
Melanie?
— Não se preocupe com isso, eu compreendo
perfeitamente — respondi de forma cínica.
— Fico feliz — ela trocou de posição, apertando um
exemplar de Calendar Girl sobre os peitos e desceu o
olhar para a região onde eu mantinha aninhado o meu
próprio livro entre o corpo e o antebraço. — Qual livro
você comprou?
— Kama Sutra — menti, sem vacilar. Não dando-lhe
sequer a chance de ver a capa. — Grant adora variar. Ele
é insaciável.
Boquiaberta, Ada não exprimiu uma única palavra. A
pele do seu rosto ficou vermelha como um tomate, o rubor
descendo por seu pescoço. O embaraço era evidente.
Bom, ela não parecia tão embaraçada assim quando
inventou de dar em cima de um cara supostamente casado,
debaixo da porra do meu nariz.
— Agora eu preciso ir — falei, sem realmente
esperar que ela me respondesse. — Foi bom rever você,
querida.
Despedindo-me com um gesto, caminhei em direção
ao caixa, que já se encontrava vazio, e paguei o livro que
havia adquirido. Ada ainda estava parada quando me
virei. Abri o sorriso mais falso que consegui e caminhei
em direção à saída, rebolando a minha bunda como uma
verdadeira cadela vingativa.
Bom, era realmente isso o que eu era. Não havia
motivos para negar.
☆☆☆
Ao sair da livraria, levei algum tempo passeando
pelas calçadas medianas ao longo da avenida principal do
centro de Scout Lake. Eu ainda não havia comprado o
presente de Derek e continuava no escuro a respeito do
que levar para ele.
Foi quando, parando em frente à uma joalheria,
encontrei algo. Não era o presente mais adequado para se
dar a alguém como Derek, mas notei, ao pôr os olhos no
belo pingente que brilhava e pendia na joia, que aquele
era perfeito.
Simples e simbólico. Exatamente como eu imaginei.
Quando voltei para casa, já era praticamente quatro
da tarde. Me questionei se Derek ficaria desconfiado por
eu ter demorado tanto tempo. De toda forma, eu poderia
inventar a desculpa de que passei tempo demais na
livraria tentando encontrar um livro que me interessasse.
Ao entrar em casa, fui saudada pelo cheiro
maravilhoso e familiar de temperos locais, e constatei, no
momento em que pus os pés na cozinha, que Derek estava
preparando o nosso jantar. Era véspera de fim de semana,
seu aniversário, e ele estava gastando seu tempo
preparando o jantar.
Ele me surpreendia cada dia mais.
— O que isso significa? — arqueei uma sobrancelha,
referindo-me à panela com algo muito cheiroso
borbulhando dentro. Pude notar que era alguma espécie de
molho.
— Nosso jantar — ele devolveu meu olhar.
Eu não queria que ele pensasse que eu havia ficado
brava ou, até mesmo, estar tendo uma crise de ingratidão
diante do seu gesto, mas eu também não queria jantar em
casa aquela noite. Eu havia feito planos para o aniversário
de Derek, e eu o levaria. Ele compactuando com aquela
decisão ou não.
— Sinto muito dizer isso pra você, baby, mas nós não
vamos comer em casa esta noite.
— Não?
Cruzei os braços, sem querer acreditar que ele
realmente iria fingir que nada estava acontecendo. Era o
seu aniversário!
— Você não está se esquecendo de nada? —
perguntei.
— Eu estou? — seu rosto adquiriu a mesma
expressão indecifrável que ele assumia toda vez que
queria esconder certas emoções, mas eu já o conhecia o
suficiente para não cair mais naquilo.
— Derek, eu sei perfeitamente o que você está
tentando fazer, então apenas pare, ok?
Ele soltou um suspiro derrotado e passou as mãos
pelo cabelo.
— Certo, a única pessoa que sabe disso além de mim
é Ryan. Como diabos você descobriu?
— Da forma mais óbvia — respondi. — Mexendo
nas suas coisas.
Após a confissão, eu dei alguns passos para frente,
até que o alcançasse, e estiquei-me um pouco, nivelando a
altura de nossas bocas e o beijei.
Foi um beijo rápido e singelo. Quando me afastei,
seus olhos estavam brilhando.
— Feliz aniversário.
Ele sorriu fracamente e senti suas mãos deslizarem
para a minha cintura, o dedão se infiltrando por baixo da
minha blusa, fazendo-me ter pequenos arrepios.
— Me desculpe por... — pus um dedo em seus
lábios, calando-o.
— Não fala nada, ok? Eu sei que você vai pedir
desculpas por não ter mencionado que hoje era o seu
aniversário, mas eu te entendo perfeitamente. Não há mal
algum em tentar esquecer o passado, Derek,
principalmente se você sofreu tanto nele. Mas eu sou o seu
presente agora, e você é o meu. Portanto, eu acho que
seria justo curtirmos o presente juntos, você não
concorda?
— É, eu acho que sim — ele concordou, sorrindo
mais amplamente dessa vez.
— Eu gostaria muito se fizéssemos algo interessante
hoje.
— E o que você tem em mente? — perguntou.
Encolhi os ombros.
— Poderíamos ir ao parque, por exemplo. Eu nunca
fui ao parque de diversões. Creio que seria ótimo para
aliviar a tensão dos últimos dias.
Ele inclinou a cabeça.
— No parque? Eu nunca fui a um parque de
diversões, também.
— Bom, então seremos os primeiros um do outro.
Não havia malícia no meu comentário, mas óbvio que
Derek interpretaria aquilo de uma forma diferente.
Ele segurou o meu rosto, puxando-me até que
ficássemos o mais próximo que conseguíamos um do outro
sem nos beijar.
— Independentemente de quem tenha feito seja lá o
que for com você antes de mim, eu sempre vou me
considerar o seu primeiro.
Fiquei por um momento parada, esperando que ele
dissesse que desejava ser o último, mas é óbvio que
aquele tipo de coisa só acontecia nos livros e filmes de
Romance. Aquela era nossa realidade. E a minha
realidade e de Derek consistia em contarmos apenas com
o presente. Sem passado e sem um futuro.
Então eu foquei no presente e joguei os pensamentos
tristes para o alto. Aquela noite seria para nós dois,
especialmente para ele.
Pela primeira vez, desde que nos conhecemos,
teríamos um encontro de verdade, e o torcer inexplicável
no meu estômago fazia eu me sentir como uma adolescente
boba outra vez.
Uma adolescente boba e completamente
apaixonada.
☆☆☆
Faith
[...]
[...]
Derek
Minha mãe sempre me dizia que por trás de toda dor
e sofrimento, havia uma saída para a desopressão. Que
além de toda mágoa reprimida e palavras duras
derramadas, havia o conforto, como uma mão quente que
te acaricia no âmago e leva embora toda consternação.
Ela me dizia que havia um bom lugar depois da
passagem, e que era para lá onde as boas pessoas iam.
Esse lugar era bonito, dourado e limpo. Anjos cantavam
ao redor e apenas os privilegiados se encontravam com o
Pai.
Minha mãe era católica. Ela usava como uma forma
de conforto, diante de toda a merda que passávamos, suas
teorias sobre sua religião. Mas o que ela não tinha nem
sequer ciência era que eu, mesmo sendo apenas um
adolescente, já sabia que o paraíso não era o meu destino.
Meu caminho era muito mais duro, escuro e sinuoso do
que qualquer garoto da minha idade estava destinado e
preparado a enfrentar.
Mas eu estive.
Eu fui até o fim.
Eu engoli toda a desgraça e sofrimento que me
atingiram com punhos de ferro, e então, como se eu fosse
algum tipo de merecedor de merda que encontra um
bilhete premiado, ela apareceu. Ela fez coisas com o meu
psicológico e com meu corpo. Ela abraçou a minha alma e
escavou, de alguma maldita forma, um caminho longo até
meu coração. Quando dei por mim, toda a coisa estava
acontecendo.
Eu não conseguia manter minhas mãos longe dela, eu
não conseguia me desgarrar da ideia de sentir seu cheiro a
cada maldito minuto e eu sorria como um idiota caído.
Faith Bloom foi a minha destruição e reconstrução,
tudo de uma só vez. Eu encontrei a minha passagem para o
inferno e para o paraíso em uma única pessoa.
Naquele momento, eu já era capaz de acreditar estar
realmente apto a conhecer o paraíso. Não havia ouro,
anjos cantando, muito menos uma divindade onipresente
em torno da minha quebrada essência, mas havia
felicidade, carinho e paixão. Ela me amava, e eu já
percebera aquilo havia algum tempo. Eu só ainda não
entendia o porquê. Quer dizer, que mulher em seu juízo
perfeito se apaixona por um cara como eu? Eu era ferrado
de diversas maneiras e não tinha nada de bom para
oferecer a ela. Mas a garota encontrou algo de bom em
mim. Ela cavou fundo e, no pouco que encontrou, ela se
apegou.
Faith não era egoísta, nem gananciosa. Ela era
altruísta e se contentava com o pouco que eu dava.
Todavia, coisas estranhas estavam acontecendo comigo. E
a mais estranha delas era que a cada dia eu queria ser
mais. Apenas por ela. Apenas para ela. Tudo em minha
porra de vida a partir de então era somente em prol dela.
Eu não podia dizer que não estava arrependido de ter
sequestrado Faith, mas a coisa boa em tudo aquilo é que
se eu não tivesse feito, ela não teria entrado em minha
vida. Ela não teria lançado sua doce essência em cima de
mim, e o mais importante: ela não teria se apaixonado por
mim. Foram dias de uma paz que eu jamais havia sido
capaz de sentir. Confesso que, por um momento, Faith me
fez esquecer planos de vingança, minha ex-namorada
morta e toda essa teoria mais que concreta de que
estávamos na mira de um bandido e provavelmente da
polícia. Eu poderia até mesmo esquecer de Marcel por
Faith, se fosse em outras circunstâncias, mas ela também
podia ser cruel. E três meses pode ser tempo suficiente
para que a cadela te prove isso.
Eu tive três meses para conhecer Faith como se
estivéssemos juntos por uma vida.
Eu tive três meses para devotar e amar a garota que
um dia eu planejei matar.
E eu tive três meses para manter minha felicidade
livre, antes que toda a merda fosse lançada para cima de
mim, e um tufão passasse sobre o nosso castelo de vidro,
derrubando fragmento por fragmento.
Nada é perfeito, por que a minha vida seria?
Naquela noite, eu tive um sonho. Quando despertei,
uma mão pequena repousava em meu ombro, a pele fina e
branca de Faith contrastando com a minha escura. Um
olhar preocupado cobria seu lindo rosto.
— Derek, você está bem? — ela parecia assustada.
— Eu estou bem — assegurei, puxando-a pra mim.
— Apenas um sonho ruim.
— Você sonhou com ele outra vez?
“Ele” era o meu pai. Não foi a primeira vez que tive
aquele tipo de sonho desde que passei a dormir com Faith
— sonhos estes que mais se adequavam a surtos de
lembranças do meu passado — e ela sempre estava lá por
mim quando eu acordava. Eu contei a ela, em algum
momento, sobre os meus pais e sobre a vida que tive. Não
havia motivos para esconder aquilo dela, e se ela estava
realmente disposta a se juntar com um cara tão complexo
como eu, teria que fazer isso sabendo em que merda
estava se metendo.
— Sim — respondi. Para suavizar o momento, sorri
para ela, passando a acariciar o seu braço. — Mas não se
preocupe. Está tudo bem, eu juro.
Faith sorriu e beijou o canto da minha boca.
— Você sabe que pode contar comigo, caso precise
conversar, não é?
— Eu sei — ela ainda sorria quando repousou a
cabeça contra o meu peito. — Ei?
— O quê? — ela voltou a me encarar.
— Eu te amo.
Faith respirou mais pesadamente. Senti suas
bochechas corarem. O tecido de sua camisola roçou
contra meu peito, os seios inchados sob o pano fino
praticamente me convidando a tocá-los, mas eu ignorei.
— Eu também te amo — ela se inclinou e plantou
mais um beijo em meus lábios.
Naquela noite, depois de manter Faith em meus
braços, eu consegui dormir mais tranquilamente. Na
manhã seguinte, assim que levantamos e tomamos nosso
café, algo estranho ocorreu quando eu me prontifiquei a
verificar o meu celular, como sempre fazia. Percebi que
havia oito chamadas de Ryan, todas efetuadas durante a
madrugada. Eu não sabia como não tinha me dado conta
do meu celular tocando, mas depois do meu sonho, ambos
dormirmos feito pedra. Era compreensível.
— O que foi? — ela perguntou ao notar meu
semblante preocupado.
— Ryan — respondi. — Há várias ligações dele.
— Será que aconteceu algo?
— Eu não sei — falei. — Ele não costuma me ligar
tão cedo. É bem provável que alguma merda tenha
realmente acontecido.
— Bom, então ligue de volta. Talvez seja importante.
Assenti e deslizei o dedo sobre a tela do aparelho,
mas parei o que estava fazendo quando percebi que havia
uma mensagem no correio de voz. Decidi saber qual era a
mensagem primeiro e cliquei em ouvir:
— Derek — a voz de Ryan era ofegante e ansiosa. —
John Wallace está morto. Provavelmente foi Marcel
quem o fez. No entanto, eles descobriram sobre mim
também. Eu não sei como essa merda aconteceu, mas
estou caindo fora antes que tudo piore. É bem provável
que você não ouça falar de mim por um bom tempo. Eu
entrarei em contato, assim que possível. Espero que
entenda, Derek. Eles estão vindo atrás de mim. Aconteça
o que acontecer, quero que saiba que eu te amo, irmão.
E assim, a mensagem foi encerrada.
Faith me olhou assustada. Eu queria correr até ela e
confortá-la, mas eu precisava saber o que diabos estava
acontecendo com Ryan, então eu liguei para o seu número.
Para minha surpresa e alívio, ele atendeu no terceiro
toque. No entanto, apenas sua respiração branda soou do
outro lado da linha.
— Ry — eu chamei. — Onde você está? Que diabos
de conversa foi aquela?
Silêncio.
— Ryan, responda, porra. Você está me irritando.
Mais silêncio, então, uma risada.
Uma fodida risada que não era a do meu melhor
amigo.
— Olá, Rushell — a voz de Simon saiu lenta,
debochada e cheia de veneno. — Eu acho que te
encontrei.
Faith
Derek
Os olhos dela ainda estavam avermelhados e
inchados, devido ao choro de momentos atrás, quando
adentramos a caminhonete com tudo o que possuíamos de
mais essencial e abandonamos Scout Lake na madrugada.
Não era surpresa alguma o reconhecimento de que
Marcel ainda nos procurava, portanto, apesar de não
duvidar da lealdade de Ryan em nenhum momento, eu não
queria arriscar o fato de que talvez ele realmente tivesse
ciência sobre nossa atual localização.
Todavia, apesar da objetividade impressa na ideia de
que permanecer em Scout Lake enquanto Marcel estivesse
vivo era bastante arriscado, não fora somente aquele fato
que fez com que eu tomasse tal decisão. Eu estava bravo,
bem mais bravo do que já estivera por um bom tempo, e
grande parte daquilo se ocasionava ao me relembrar do
que havia acontecido com Ryan.
Apenas a ideia de pensar nele causava-me um ódio
mortal. Fazia com que a sede de sangue e vingança,
naturalmente, me consumissem. Eu não era o tipo de cara
que se apegava às pessoas, mas as poucas que
conseguiram encontrar seu caminho até o meu coração,
tinham realmente um grande significado. Ryan era uma
delas. Ele era o meu melhor amigo, praticamente irmão. E
Simon tirou a sua vida na minha frente. Tudo por conta de
sua vingança e gostos sádicos.
Mas aquilo acabaria. Eu mataria Simon, nem que eu
morresse depois, mas eu o mataria.
Chegamos em Nova York num sábado. Nos
hospedamos em um hotel barato e distante de onde Faith
costumava ficar. Era mais seguro que nos mantivéssemos
longe de seu círculo de amigos e possíveis homens de
Marcel à espreita. Aquilo geraria consequências que nós,
provavelmente, ainda não estávamos preparados para
enfrentar.
— Eu me sinto tão cansada — ela falou, atirando
suas malas aos pés da cama quando adentramos o quarto.
— É como se fossem anos desde que eu estive aqui pela
última vez.
Removi minha jaqueta e estirei os meus músculos.
Uma viagem de dois dias não era nada fácil,
principalmente com toda a tensão da situação empurrando
seu peso sobre nossos ombros.
— Eu também — respondi. — Muita coisa aconteceu
desde então. Isso é normal.
Faith balançou a cabeça e forçou um sorriso em
minha direção, que saiu cheio de tristeza. Ela também
estava apreensiva, eu percebia claramente, mas não era
para menos. As coisas entre nós estavam tensas, nosso
futuro estava incerto. Era como se houvesse uma bomba
atômica a um fio de explodir a qualquer momento, e nós
não tivéssemos nem sequer um meio de fazer com que
aquilo parasse.
— Você gostaria de tomar um banho comigo? — ela
perguntou, encolhendo os ombros.
— Claro — eu respondi. A ajudei a remover seu
casaco. Meus dedos descansaram sobre seus ombros e eu
massageei os seus músculos antes de puxar para fora de
seu corpo a blusa.
Ela se encaminhou para o banheiro e terminou de se
despir. Eu fiz o mesmo e adentrei o box, fechando a porta
de vidro logo em seguida.
A água extremamente quente caía sobre nós,
molhando aos poucos cada polegada dos nossos corpos. O
vapor subia, a névoa se dissipando e as gotículas de água
condensada embaçando o vidro.
Aquele momento, desde que fomos obrigados a
assistir a cena repugnante de Ryan sendo assassinado, era
o primeiro que tirávamos para realmente relaxar. E ela
parecia necessitar tanto quanto eu de um descanso
decente.
Eu a ajudei a se ensaboar. Em seguida, despejei um
pouco de shampoo em minha mão, massageando seus
cabelos. Ela retribuiu minha ação de semelhante forma e,
quando dei por mim, Faith estava chorando novamente.
Ela estava abalada e eu não a culpava por isso. Eu já
havia visto e feito coisas realmente piores do que Simon
fizera com Ryan, mas, de toda forma, ele era meu amigo.
Pensar no modo como tudo aconteceu doía de maneira
intensa.
— O que vamos fazer, Derek? — ela perguntou, suas
lágrimas sendo lavadas pela água do chuveiro.
— Eu vou matar Simon — eu respondi com
sinceridade. — Em seguida, matarei o seu irmão.
Ela levantou os olhos para me encarar.
— E... e eu? — sua expressão era tristonha.
— Você será livre para escolher o que quiser.
Ela engoliu em seco.
— E se eu quiser você?
Passei as mãos sobre seus braços e em seguida a
puxei para mim, colando seu peito nu contra o meu. Ela
era tão pequena, parecia tão indefesa em meus braços. Eu
amava aquilo nela. A forma como ela parecia minúscula,
mas por dentro tinha uma força e uma coragem que eu não
poderia expressar em medidas.
— Você terá a mim.
Ela sorriu fracamente, me abraçando ainda mais
apertado.
— Você promete?
Sorri de volta.
— Eu prometo.
Faith ficou na ponta dos pés e me beijou. Sua mão
escorreu sobre o meu peito e desceu para a minha cintura,
descansando lá.
— Eu não quero perder você, Derek — murmurou
contra meu peito. — Me prometa que vai ter cuidado. Me
prometa que você vai voltar pra mim depois que todo esse
inferno acabar.
— Eu prometo — beijei o topo de sua cabeça. —
Isso é tudo o que eu mais quero.
☆☆☆
Já era a quinta noite que passávamos em Nova York.
E já era a terceira vez que eu tinha aquele sonho. Mas em
vez de sonhar com meu pai ou com a morte da minha mãe,
eu sonhei com Ryan. Seu corpo ensanguentado, gritos de
agonia, a respiração entrecortada e depois o silêncio. Eu
sonhei com a risada sádica de Simon e os murmúrios
dolorosos de Faith. Então eu estava sonhando com uma
criança. Um bebê loiro, bonito e indefeso. Um fruto meu e
de Faith. Felicidade me inundou naquele momento, mas
durou por pouco tempo quando Simon arrancou meu filho
dos meus braços e ergueu a faca que usou para matar
Ryan, a um passo de feri-lo.
Despertei sentindo o suor escorrer por minha testa.
Estava frio naquela época do ano e aquilo me intrigou.
Faith dormia ao meu lado. Seu semblante, que costumava
ser tranquilo, sendo substituído pela expressão de
apreensão. Provavelmente ela também estava imersa em
um sonho ruim.
Fosse o que fosse, eu não queria perturbá-la.
Levantei da cama a passos lentos e fui até a janela do
quarto. Puxei parte da cortina para o lado e espreitei, da
minha posição, o lado de fora. A rua parecia tranquila, a
neve de dezembro começando a cair, cobrindo
parcialmente os telhados das casas.
O Natal nunca foi uma época do ano fácil para mim.
Eu era um cara solitário e pessoas solitárias não se
sentiam muito bem em uma época do ano onde todos se
juntavam aos seus familiares e amigos para celebrar um
momento especial. Pensar nisso me fez imaginar se Faith
também não sentia falta da vida que tinha antes de me
conhecer. Eu a privei de muitas coisas, principalmente a
tornei tão solitária quanto eu. E mesmo assim, ela
escolheu a mim.
Imerso em meus pensamentos, por pouco não capto o
momento em que uma figura escura se moveu detrás dos
galhos de uma árvore no estacionamento do outro lado da
rua. Aquele tipo de movimento em uma noite vazia e
gelada era, além de inconsequente, peculiar. Eu não era
idiota de dizer que ele, seja lá quem fosse, estava apenas
passando o tempo. Percebi que trajava preto, e o casaco
grosso não me permitia identificar muito bem seus traços.
Bem vestido o suficiente para não ser um morador de rua
e pequeno demais para ser um homem.
Então, como se um botão de alerta houvesse sido
acionado, todos os meus instintos de autopreservação
rugiram, ditando para que eu verificasse o quanto antes o
que estava acontecendo.
Se fosse algum capanga de Marcel, ele morreria. Em
seguida, eu tomaria o mais rápido possível as
providências adequadas para tirar Faith de seu caminho.
Eu iria matar os homens que ferraram com a minha vida,
mas eu não meteria Faith em mais confusão do que ela já
havia se metido.
Soltando o tecido da cortina, retornei para o quarto.
Corri as mãos por todo o assento na pequena poltrona e
puxei as calças e camisa que havia deixado ali mais cedo,
vestindo-as imediatamente. De baixo do travesseiro, eu
apanhei minha Glock. Apesar de já ter feito aquilo antes
de dormir, testei mais uma vez o cartucho, certificando-me
de que estava carregado. Pus a arma no cós da minha
calça e me inclinei sobre a cama, sacolejando o ombro de
Faith até que ela despertasse.
— O quê? O que está havendo? — ela murmurou,
atordoada e alarmada.
— Fique com isso — orientei, colocando a Beretta
que havia lhe dado de presente em sua mão. — Você já
sabe muito bem como usá-la, não é? Portanto fique atenta
e use apenas se necessário.
— Derek, o que está acontecendo? Aonde você vai?
— Tem alguém lá embaixo. Pode ser qualquer
pessoa, mas é bem provável que seja algum dos homens
do seu irmão nos vigiando. Se isso realmente está
acontecendo, é sinal de que ele está de olho em nossos
passos. Eu quero que você fique aqui e não abra a porta
para ninguém além de mim, ok?
— Ok — ela assentiu e, antes que eu me virasse,
chamou. — Derek? — olhei para ela. — Tenha cuidado.
— Não se preocupe, babe — sorri, tranquilizando-a.
— Eu não vou demorar.
E assim, peguei um casaco de moletom e o vesti.
Puxei o capuz até que cobrisse minha cabeça e desci de
elevador os quase dez andares até o piso térreo. Uma vez
do lado de fora do hotel, consegui perceber que a figura
ainda permanecia ali, porém escondia-se atrás de um
carro preto estacionado.
Pus-me a caminhar o mais lenta e silenciosamente
possível, percebendo que ele não se dava conta da minha
presença — e se desse, era um ótimo ator. Continuei
minha caminhada pelas finas árvores cobertas de neve. O
cascalho rangeu no momento em que estive a um passo de
lhe atacar. Percebendo que havia mais alguém por perto, a
figura tentou se virar, mas eu fui mais rápido quando
empurrei suas costas. Seu peito bateu contra o capô do
carro, roubando seu ar e equilíbrio.
— Não se mova! — sibilei, torcendo seus braços
para trás. Fui capaz de captar um doce ruído abafado
quando ela gemeu.
Porra, era uma mulher?!
— Por favor, não me machuque — ela implorou. —
Eu juro que não estou aqui para lhe fazer mal, eu só
quero...
— Mamãe, é você? — uma voz infantil se sobrepôs à
da mulher. Pude perceber que vinha de dentro do carro.
Havia uma criança metida nisso também? Que porra
era aquela?
Eu já estava começando a pensar na possibilidade de
ter cometido um terrível engano, quando ela voltou a falar
e, ao ouvir mais detalhadamente a sua voz, algo acendeu
dentro de mim:
— Está tudo bem, querido. Permaneça no carro, ok?
— uma pausa, e então um murmúrio de concordância
vindo da criança dentro do veículo. Um momento após,
ela voltou a se dirigir a mim: — Eu posso explicar. Sou
uma pessoa de bem, não estou aqui para fazer nenhum mal
a você. Por favor, me solte!
Meus ouvidos assimilaram o timbre de sua voz, a
forma como as palavras saíam de sua boca. Então, tudo
pareceu cair sobre a minha cabeça, comprimindo o meu
cérebro e deixando-me um tanto atordoado.
Eu dei um passo para trás imediatamente, como se
apenas o simples contato de nossas peles queimasse algo
profundo em mim. Eu começava a lutar para pôr minha
mente em ordem, mas então ela se virou e tudo voltou a
desmoronar. Olhos verdes, grandes e expressivos me
encaravam cheios de medo, confusão e... calor?
Não, porra, eu estava tão obcecado que era muito
provável que estivesse ficando louco. Certo?
— Não me machuque — ela voltou a implorar. — Eu
não tenho nem sequer como me defender, caso você
assuma que sou uma ameaça. Acredite em mim. Eu estou
aqui para ajudar.
Faith
Derek
Faith
☆☆☆
Eu iria participar diretamente daquilo. Foi a
primeira certeza que eu tive, assim que ouvi atentamente
as diretrizes de Derek.
Simon iria ser pego e iria pagar por tudo o que
havia cometido. Foi a segunda certeza.
O plano, além de arriscado, possuía uma
porcentagem mínima de dar certo. O sucesso na execução
dependia de inúmeros fatores, dentre eles, a colaboração
inconsciente tanto de Simon, quanto de Marcel. Eles
teriam que estar fora do jogo, caso contrário, nada estaria
feito.
A saia lápis de executiva bem comportada descia até
os meus joelhos. O terninho de cor creme estava
devidamente ajustado às minhas curvas e os meus cabelos
escuros em um rabo de cavalo mal se moviam, ligados a
tanto gel.
Aquilo tudo era extremamente delicado. Ir até a
empresa da qual o meu irmão era presidente, e Simon, o
vice, me deixava com os nervos em frangalhos. Era óbvio
que nós não faríamos aquilo com a presença deles e,
apesar de o local ser extremamente grande, eu teria que
me expor para boa parte dos funcionários. Não havia
dúvida de que, caso alguém desse com a língua nos dentes
antes do momento adequado, tudo estaria perdido.
Senti o celular dentro do meu bolso vibrar e o retirei
para me dar conta de que havia uma mensagem de Derek.
No torpedo ele avisava que Simon e o meu irmão haviam
acabado de sair da empresa. Certo. Era a hora.
Entrei no elevador vazio e subi até o último andar.
Meus saltos batiam no piso de mármore clara, conforme
eu caminhava a passos ensaiados e postura firme. Parei
diante da mesa, onde uma mulher pequena de cabelos
escuros e curtos me encarava com um sorriso um tanto
quanto curioso.
— Pois não? — exigiu educadamente.
— Olá — olhei para o seu crachá, onde se lia
“Maddison Baile” e voltei a encará-la —, Maddison, eu
sou Faith Elizabeth Bloom, irmã de Marcel Bloom e
herdeira desta empresa. Também sou amiga de longa data
de Simon. Acabei de chegar de viagem e gostaria de lhe
fazer uma surpresa.
— Uma surpresa? — ela sorriu amplamente. — Oh,
que máximo! E qual seria?
— Não seria uma surpresa se eu revelasse à
secretária de Simon o que pretendo, não é? — forcei um
sorriso para ela. — Então, você pode me liberar as
chaves do escritório?
Seu sorriso desapareceu imediatamente.
— Desculpe-me, senhorita, mas eu não tenho
permissão para deixar que ninguém além do Sr. Walker ou
Sr. Bloom tenha acesso aos escritórios da diretoria.
— Querida, você realmente ouviu o que eu disse? —
ergui um dedo para gesticular amplamente. — Eu sou
dona de metade disto aqui. Irmã do homem que paga o seu
salário e ex-namorada do cara responsável por você não
ser uma fracassada sem emprego atualmente. Então, você
tem certeza de que é realmente sensato me impedir de
entrar naquela sala? — finalizei apontando
arrogantemente para a porta fechada do escritório de
Simon.
Eu não gostava de falar daquele jeito com as pessoas,
com tanta hostilidade, mas eu não tinha muito tempo e a
garota estava realmente me atrapalhando.
Ela pigarreou e ajeitou seus óculos de grau,
lançando-me um sorriso desconcertado. Pobre menina.
— Bom, me desculpe pela inconveniência, mas o Sr.
Walker é extremamente rigoroso quanto às ordens que dá.
Eu realmente não posso deixá-la entrar, mas eu posso
ligar para o Sr. Walker e apenas confirmar se está tudo
bem a senhora aguardar na...
— Maddison, você realmente parece ter problemas
de audição, não é? — voltei a intimidá-la. — Eu disse
que tenho uma surpresa para Simon. Se você contar a ele,
não será mais uma surpresa — ela ficou calada, me
encarando, e eu abri um sorriso para suavizar minha
arrogância. — Veja bem, por que você não me deixa
entrar e, caso Simon fique irritado, eu mesma resolvo isso
com ele. Basta liberar as chaves do escritório. Eu juro
que não mexerei em nada.
Novamente, ela voltou a ajeitar os óculos e engoliu
em seco. Liberou um suspiro e finalmente se deu por
vencida.
— Bem, se é assim, creio que não haja problema, não
é? Só um minuto — ela se curvou e abriu uma de suas
gavetas. Tirou de lá um molho de chaves e me indicou a
referente à porta do escritório de Simon. — Veja bem, é
esta daqui.
— Oh, muito obrigada! — sorri. — Não se preocupe
que, caso o plano dê certo, eu garantirei que você tenha
um considerável aumento de salário muito em breve.
Seu rosto se iluminou imediatamente. Ela voltou a
assentir, sorridente.
— Muito obrigada, senhorita Bloom. Tenha um bom
dia.
— O mesmo para você, Maddison — apanhei as
chaves e caminhei em direção ao escritório.
Uma vez lá dentro, tranquei a porta e me virei,
percorrendo com o olhar cada polegada do local. O
escritório era grande, claro e arejado. Uma janela
envidraçada ia do chão ao teto, protegida por grossas
persianas. Do meu lado esquerdo, havia uma pequena sala
de arquivos com a porta entreaberta. Tudo muito limpo e
organizado.
Caminhei rapidamente até a mesa de Simon, onde seu
laptop de cor escura descansava sobre a madeira.
Puxando o par de luvas que Derek me indicara trazer,
cobri ambas as minhas mãos e ergui a tela do aparelho.
Assim que apertei em iniciar, uma tela com solicitação de
senha brilhou para mim.
Agora era a hora de usar as técnicas de informática
que Derek havia me ensinado.
Puxei o pen drive do meu bolso e inseri no aparelho.
Todo o processo para quebra de segurança durou em torno
de meia hora. Ao finalizar, me senti como uma maldita
James Bond de saia lápis.
Por pouco eu não ria diante da loucura de tudo aquilo
e parti para o próximo passo.
Eu teria que instalar um programa no computador de
Simon, que nos permitisse ter acesso a tudo o que ele
fazia de longe. Derek também havia me ensinado a fazer
aquilo, mas eu estava obviamente muito nervosa.
Iniciei o processo e aguardei. Olhando para o relógio
percebi que já fazia quase uma hora desde que entrei
naquela sala. Dependendo do que Simon e o meu irmão
foram fazer longe da empresa, eles poderiam estar de
volta ainda antes do que imaginei.
Finalmente consegui abrir o programa e instalei.
Removi o pen drive do computador e desliguei. Preparei-
me para sair dali o mais depressa possível, foi quando
recebi outra mensagem de Derek:
Mudança de planos: Simon voltou. Saia daí
imediatamente.
Respirei fundo e alisei a minha roupa antes de
caminhar em direção à porta, mas então eu percebi que já
era tarde demais quando ouvi:
— Olá, Sr. Walker. A sua...
— Agora não, Srta. Baile! — ele a cortou,
impaciente.
Os passos ficaram cada vez mais nítidos. Escutei o
barulho de chaves no miolo da fechadura. A maçaneta na
porta girou. Em seguida, ela foi escancarada.
Porra. Porra. Porra.
Eu estava ferrada!
34: Segundo Passo
Derek
Já fazia quase duas horas desde que Faith entrara.
Trinta minutos desde que lhe mandei a última mensagem, e
eu ainda não havia recebido nem sequer uma resposta.
Mas que diabos! A insegurança era uma merda bem
fodida, mas eu não podia deixar aquele tipo de sentimento
me abalar em um momento tão delicado como aquele. Eu
tinha que descobrir o que diabos havia acontecido dentro
daquele escritório e, caso tudo tivesse dado errado, eu
tomaria as providências para que Faith fosse salva. Nem
no inferno que o filho da puta cretino colocaria as suas
mãos malditas sobre ela outra vez.
Eu estava escondido dentro da caminhonete, do outro
lado da rua, mas tendo completa visão do que acontecia
na frente da empresa. Mandei um segundo torpedo para
Faith e, como havia acontecido anteriormente, não obtive
respostas.
— Agora eu vejo por que você a ama — disse
Rachel/Samantha ao meu lado. Eu não sabia exatamente
por que diabos decidi lhe trazer comigo, mas talvez tenha
sido pelo motivo de poder ter um olho sobre ela enquanto
Faith estava lá dentro. Para me certificar de que a mulher
não faria nenhuma besteira. Eu ainda não confiava nela.
— Eu posso saber como você chegou a essa
conclusão? — perguntei, ainda sem tirar o olho da direção
da empresa. Mais dez minutos e eu sairia dali em busca de
Faith. Não importavam as consequências.
— Ela faz tudo por você — respondeu. — Ela está
arruinando a vida do próprio irmão por você. Ela está
arriscando a própria pele, apenas por você. Isso é muito
corajoso.
— Sim, ela é incrível. Mas Faith não está fazendo
isso por mim, apenas. Ela está fazendo por nós —
divaguei, não escondendo o pequeno sorriso admirado
que brotava em meu rosto. — Uma das coisas que mais
me admirou em Faith, desde que eu a conheci, foi o fato
de ela ser altamente altruísta. Gestos simples, que nem ela
mesma percebia, mas que a tornava diferente de qualquer
outro ser humano com o qual eu tive contato. Faith era
diferente. Eu percebi isso desde o primeiro momento em
que pus os meus olhos sobre ela.
Samantha sorriu tristemente.
— Faith te merece muito mais do que eu, Derek. Eu
espero, sinceramente, que quando isso acabar, você cuide
bem dela. Que vocês possam ser felizes juntos.
— E eu espero que você encontre alguém, também,
Samantha — falei com sinceridade. — Alguém que seja
bom o suficiente para te fazer se sentir completa. Dinheiro
não é tudo, segurança também não. Sexo é bom, mas uma
hora enjoa. Vai chegar o momento em que você vai sentir
falta de alguém para te arrancar um sorriso, enxugar suas
lágrimas ou te segurar nos momentos de tormenta. E eu
desejo, de coração, que esta pessoa esteja lá pra você
quando isso acontecer.
Ela voltou a sorrir e apertou minha mão timidamente
antes de voltar a descansar as suas sobre o colo.
— Obrigada, Derek.
Retribuí com um aceno de cabeça, então voltei meu
olhar para o relógio no painel, dando-me conta de que os
dez minutos já haviam se passado.
Porra, onde estava Faith?
— Fique aqui — orientei, verificando a minha arma.
— Eu vou atrás dela.
— Mas, Derek, isso é arriscado — objetou. —
Simon está lá dentro.
— Exatamente — falei. — Simon está lá dentro com
Faith. Eu vou até lá. Permaneça no carro.
Mesmo temerosa, ela assentiu, engolindo em seco.
Ajeitei o meu casaco e abri a porta do carro,
rompendo para fora. Uma lufada de ar frio se chocou
contra o meu rosto e eu me movi para a calçada. Olhei
para os lados, me certificando de que não havia ninguém à
espreita me observando, e me preparei para atravessar a
rua.
Foi quando uma mão enluvada puxou com força meu
ombro.
O meu primeiro instinto foi de agredir seja lá quem
estivesse atrás de mim. Entretanto, quando me virei e dei
de cara com olhos azuis de Faith, me contive a tempo.
— O que diabos aconteceu com você? — perguntei.
Ela não trajava mais o disfarce de executiva que tinha
usado mais cedo. Sua vestimenta assemelhava-se à roupa
de um zelador de prédio, os cabelos escondidos em um
boné. As luvas eram diferentes das que lhe dei. Pareciam
luvas de limpeza.
Bom, merda, seja lá como ela conseguiu isso, eu
tinha que parabenizá-la.
— É uma longa história — Faith respondeu, ofegante.
— Simon apareceu no escritório enquanto eu ainda estava
lá dentro. Eu consegui me enfiar na sala de arquivos, foi
quando encontrei este kit de limpeza por lá — ela
gesticulou para sua vestimenta. — Provavelmente foi
algum funcionário que esqueceu, e eu o beijaria agora se
descobrisse quem foi. Enfim, troquei de roupa e fingi que
estava apenas limpando quando Simon me pegou lá
dentro. Por sorte, ele não me reconheceu. Apenas ficou
irritado, me mandou voltar uma outra hora, e então eu
encontrei a deixa para sair.
Sorri, pensando no quão brilhante ela foi.
— Você conseguiu instalar o programa?
— Não me subestime, Sherlock — provocou com um
arquear de sobrancelhas.
Inferno, ela era boa. Ela era, definitivamente, a
melhor.
☆☆☆
Nós tínhamos tudo sob controle. Tínhamos acesso
aos dados de Simon, possuíamos informações sobre o que
ele mais gostava de fazer, mas aquilo ainda não era o
suficiente. Já era noite e havíamos ficado pelo menos dez
horas entre investigar e vigiar, e o bastardo não havia
feito nada mais do que entrar em alguns sites e blogs
relacionados a investimento e fazer transações sobre
fornecimento de drogas.
Ele havia até mesmo enviado um e-mail para Marcel,
explicando qual dia e horário a remessa estaria
disponível. Mas aquele tipo de jogada a respeito dos
negócios de Marcel era passado. Meu foco era atentar
contra a vida dos dois, e brincar de queimar cocaína
realmente não era algo que eu desejava fazer.
Eu já estava praticamente considerando que aquele
plano foi uma perda total de tempo, quando vi o alerta da
tela do computador que eu usava brilhar. Uma janela,
indicando que Simon havia se conectado novamente,
apareceu na tela.
Pelo visto, nós ainda poderíamos brincar.
Faith seguiu meus movimentos enquanto eu voltava a
me acomodar diante do computador e observava
atentamente o que acontecia.
Simon começou a trabalhar, abrindo várias páginas e
janelas. Percebi, no momento em que ele executou um
processo diferenciado, o que diabos ele queria com
aquilo.
— O que ele está fazendo? — Faith perguntou,
confusa.
— Ele está acessando algum site dentro da Deep Web
— informei. Aquilo iria ser interessante.
O primeiro a ser acessado foi um site chamado
excitingandobscure.com. Não era preciso ser um
Einstein para perceber de que aquilo se tratava de um site
pornográfico. Simon clicou em um botão que levou a outra
aba, onde se via uma espécie de catálogo com diversos
nomes excêntricos alinhados por ordem alfabética. Ele
clicou em um dos perfis, nomeado como Gummy Bear, e
iniciou um chat.
Não havia a foto da garota, muito menos sua idade,
nome real ou qualquer outra coisa do tipo. Mas por que
haveria? Aquela merda com certeza era algo ilegal,
principalmente estando dentro da Deep Web. Seria no
mínimo idiota deixar pistas à solta.
A primeira mensagem veio de Simon. Eu
praticamente ri ao ler seu nome de usuário, tamanho
egocentrismo.
Mr. Supreme: Olá, Gummy Bear. Você sentiu minha
falta?
Poucos segundos se passaram, até a garota do outro
lado responder sua mensagem.
Gummy Bear: O que você acha?
Mr. Supreme: Hm... eu acho que você está
desejando que eu lhe puna novamente, não é? A última
vez não foi o suficiente?
Gummy Bear: Você sabe que eu gosto de um jogo
pesado. Talvez eu realmente queira que você o faça. ;)
Doentio.
Mr. Supreme: Você está se transformando em um
pequeno ursinho abusado, Gummy Bear. O que tem para
mim hoje? Talvez eu lhe perdoe, dependendo da
performance.
Gummy Bear: Eu tenho uma faca aqui comigo. Sua
lâmina está afiada, e eu realmente gostaria muito de ver
você se tocando enquanto deslizo-a sobre meu corpo.
— Merda, eu acho que vou vomitar — Faith
sussurrou ao meu lado.
Permaneci em silêncio, observando a próxima
mensagem.
Mr. Supreme: Hm... isso parece interessante. Eu já
estou excitado apenas em imaginar os filetes de sangue
brotando de sua pele branca e macia. Você poderia
mostrar para mim?
Gummy Bear: Claro. Mas, espere, você tem o
vídeo?
Mr. Supreme: Não me venha com essa.
Gummy Bear: Baby, você me disse que tinha um
novo vídeo e iria mostrá-lo para mim. Faça isso ou
desative a conexão.
Mr. Supreme: Porra, você é um pequeno monstro.
Gummy Bear: Você gosta, não é?
Mr. Supreme: Sim, foda-se.
Minutos se passaram sem que nenhum dos dois
digitasse nada. Em seguida, um pequeno símbolo de envio
piscou na tela. Fui capaz de observar que Simon havia
acabado de enviar um vídeo para Gummy Bear. Ele
apertou no botão de Play e uma outra tela se sobrepôs à
do chat. De imediato, nós só pudemos ver uma moça loira
e bonita sorrindo para a câmera. Ela mordeu o lábio e, em
seguida, deslizou um dedo sob a alça fina de seu vestido
curto.
Era nítido o som da respiração ao fundo. Então a voz
de Simon ordenou:
— Tire a roupa, Ashley.
A garota apenas fez uma pequena pausa, seus olhos
encarando sedutoramente Simon — quem eu julguei estar
do outro lado gravando tudo. Ondulando os quadris
sensualmente, ela escorregou ambas as alças do vestido,
descendo a peça logo em seguida. Ela não usava sutiã,
então foi fácil ficar nua quando removeu sua calcinha.
Faith se remexeu em desconforto ao meu lado.
— Bem, eu não sei se estou preparada para ver um
vídeo pornô caseiro entre Simon e alguma prostituta. Ele
me repugna.
Virei para encará-la.
— O que foi? Você tem algo contra isso? —
provoquei. — Nós poderíamos gravar algo do tipo algum
dia, você sabe. É extremamente excitante observar sempre
que meu pau afund...
— Derek! — ela me cortou, seus olhos arregalados
fitando a tela.
Seguindo seu olhar, eu pude observar o que havia
perdido em meu momento de distração.
— Puta
merda.
A garota estava deitada na cama, com as mãos atadas
na cabeceira acima de sua cabeça. Completamente nua,
ela arfava. Sua expressão, ao invés de prazer, denotava
somente dor. Seus seios estavam ensanguentados, a
barriga lisa também se via manchada. Torci o nariz
involuntariamente ao ver a mão de Simon surgir com uma
faca. Ele deslizou o metal sobre a pele da garota,
rompendo a carne.
— Por favor, pare! — ela implorou. — Oh, Deus,
pare!
— Você é uma putinha suja, Ashley — Simon rosnou
com sua voz doentia. — Você gosta disso, baby? Hein?
— Não, porra! Você é doente — ela gritou. — Seu
filho da puta doente! Pare!
— Oh, meu Deus, ele está... — Faith sussurrou e
afundou o rosto contra o meu pescoço, respirando pesado.
Eu sabia que Simon já havia feito coisas daquele tipo com
ela, mas presenciar o ato e imaginar Faith naquela
situação, seriamente me enfureceu.
Por sorte, a gravação foi cortada naquele ponto.
A tela com o chat entre Simon e a tal misteriosa
Gummy Bear voltou a brilhar. Ela foi a próxima a mandar
uma mensagem:
Gummy Bear: Whoa, isso foi quente! A vadia está
morta?
Mr. Supreme: O que você acha?
Gummy Bear: Eu acho que você fez um bom
trabalho. Mas seria muito mais interessante se nós
pudéssemos aproveitá-la juntos.
Mr. Supreme: Nós teremos tempo para isso, baby.
Agora a minha vez.
Gummy Bear: Aguarde um minuto.
Eu não sabia ao certo o que esperar daquela
interação maluca, mas definitivamente presenciar Simon
se masturbando enquanto observava uma garota mutilar a
si mesma através de uma câmera não era algo que eu
estivesse de acordo. Mas eu estava ali para descobrir os
segredos de Simon, então eu teria que ir até o fim.
— Você não precisa continuar vendo isso se não
quiser — eu disse à Faith. — Chega de Simon e suas
esquisitices por hoje. Talvez seja hora de vigiar sua
cunhada e o menino no outro quarto.
— Não é necessário, Derek. Acredite, ela não tem
para onde ir — Faith respondeu. Ela parecia bem calma
agora, o que me aliviou. — E eu quero ir até o fim, você
sabe. Nem que para isso eu tenha que presenciar cenas
como essas.
Assenti e segurei em sua mão, antes de voltar minha
atenção à tela.
Uma tela preta e quadrada apareceu no visor e,
momentos após, a câmera era ativada. De imediato eu não
pude ver nada além de uma parede totalmente branca e
uma cadeira vazia de frente para o computador. Mas
então, braços finos e pálidos afastaram a cadeira e alguém
aparecia completamente sem roupa na frente da tela.
— Mas que diabos... — Faith não concluiu a frase,
provavelmente tão chocada quanto eu.
Certo. Eu confesso que imaginei mil e uma coisas
enquanto tentava cravar a imagem da excêntrica Gummy
Bear em minha cabeça: uma garota jovem até demais; uma
garota repleta de cicatrizes; alguma dona de casa louca
por fetiches doentios; mas, definitivamente, eu nunca
imaginei que Gummy Bear fosse um cara.
Isso mesmo. Simon mantinha um relacionamento
sádico e homossexual com um cara que participava de
chats em sites da Deep Web.
No momento seguinte, mais uma mensagem de Simon:
Mr. Supreme: Você ainda tem as marcas que te
deixei na semana passada. Eu adoraria fazê-lo de novo.
Gummy Bear se inclinou até que seu rosto estivesse
de frente para a câmera e sorriu. O cara não parecia ter
muito mais que vinte e poucos anos. Era alto e tão magro
que os ossos do seu corpo pareciam colados à pele. Por
toda a área visível dos braços e costelas eu via marcas
avermelhadas de cortes e algumas contusões. Ele não
parecia estar incomodado com aquilo, muito menos
quando apanhou o seu pau, começou a massageá-lo e
ergueu uma faca.
— Ok, já chega — falei, batendo a tela do
computador.
Faith se afastou e endireitou sua posição enquanto
ficava em pé.
— Isso foi... eu não tenho nem palavras para
descrever.
— Eu sei, foi bizarro — concordei. — Bom, a única
resposta adequada é que Simon precisa de tratamentos
psiquiátricos, e com urgência.
— Sim... e quanto ao vídeo da garota? — Faith
abordou. — Ambos são doentes —balancei a cabeça,
concordando com ela. — Eu nunca imaginei que Simon
pudesse ser gay, também.
— Bom, seja lá qual gênero sexual que realmente o
excite, o negócio é que ele tem um calcanhar de Aquiles.
E nós vamos trabalhar em torno disso.
Ela me lançou um olhar aflito e caminhou em minha
direção.
— Prometa que vai ter cuidado — pediu. — Simon é
bem mais perigoso do que imaginamos.
— Vai dar tudo certo, babe — respondi, tocando com
o polegar o vinco de preocupação entre suas
sobrancelhas. — Talvez nem tanto para ele.
O restante da semana foi dedicado apenas à
espionagem sobre a interação entre Simon e o tal Gummy
Bear. Ambos eram igualmente doentios, possuíam gostos
extremamente excêntricos e pareciam ter sido realmente
feitos um para o outro.
Vários outros vídeos de meninas sendo torturadas na
hora do sexo eram enviados pelos dois, juntamente com
mensagens debochadas, repulsivas... e juras de amor. Sim,
eu consegui acompanhar uma conversa entre os dois, onde
o foco principal foi um monte de merda melosa sobre
romantismo. Descobrir que Simon tinha preferência por
homens foi algo que me deixou bastante surpreso, mas ver
Simon jurando várias vezes que amava alguém, era algo
que beirava o limite do surpreendente.
E seria por meio dele que eu o faria sentir a mesma
dor que eu havia sentido.
☆☆☆
Mr. Supreme: Olá, Gummy Bear. Você está
disponível agora?
Gummy Bear: Olá, Mr. Supreme. Sempre estou às
suas ordens.
Mr. Supreme: Eu quero ver você.
Gummy Bear: Agora? Ok, eu ligarei a câmera.
Mr. Supreme: Não. Quero vê-lo pessoalmente.
Boate Grayson, periferia do Queens. Às onze.
Gummy Bear: O quê? Eu adoraria, mas acho que
isso vai contra as regras, certo? Nós já nos encontramos
uma vez durante esse mês. Não seria nada seguro
repetirmos.
Mr. Supreme: Mudança de planos. Mudança de
regras. Eu e você, na Grayson, às onze. É melhor que
esteja lá.
☆☆☆
Simon
Derek
Uma única lâmpada presa à uma corrente enferrujada,
balançava no teto, fazendo com que as sombras escuras e
disformes tremeluzissem à parca claridade amarelada.
Poeira revestia a pequena estante de metal acoplada
à uma das paredes laterais. Sujeira enegrecida maculava a
tinta já antiga, onde pinturas aleatórias — provável
resultado do trabalho de vândalos desocupados — davam
ao local uma aura ainda mais caótica. Ao redor, inúmeros
objetos metálicos, tal como correntes e espetos de ferro
mantinham-se em exibição.
Não era muito difícil encontrar locais iguais àquele
pela cidade de Nova York. Até mesmo eu, assim que
chegara à cidade, utilizava-os como abrigo. Eu não
possuía dinheiro, muito menos moradia, e o pouco que
conseguia nas ruas era o suficiente para arcar somente
com a minha alimentação e algumas necessidades básicas.
Eu me aproveitei da forma que pude destas antigas
construções esquecidas pelo governo e grandes
empresários e as tornava meu lar, meu refúgio.
E agora, aquele seria o local perfeito para dar um fim
em tudo. Ou ao menos em parte de tudo.
Peguei uma garrafa de água na prateleira e caminhei
até alcançar a cadeira localizada no centro do ambiente,
mantendo-me frente a frente com Simon.
Analisando o seu estado, digitalizei as fitas adesivas
reforçadas envolvendo seus pulsos aos braços da cadeira.
As pernas também estavam atadas. O corpo mole descaía
sutilmente para a frente, a cabeça tomando uma posição
estranha para o lado.
Jorros de fôlego ressoaram pelas paredes úmidas no
momento em que despejei grosseiramente todo o conteúdo
da garrafa sobre o rosto de Simon. Ele despertou
instantaneamente, seu olhar oscilante.
— Você está totalmente desperto? — perguntei,
inclinando-me. — Eu não quero que hajam desculpas
depois, se, por ventura, me acusarem de torturar um
homem sem controle sobre suas faculdades mentais.
Seu lábio torceu para cima, o sorriso saindo mais
como uma careta.
— Tão presunçoso... Você se sente melhor agora?
Aposto que sim.
— Não o suficiente — respondi. — Eu ainda nem
sequer comecei.
Eu era capaz de sentir a sua respiração pesada, água
e suor tornando sua pele brilhosa e certamente
escorregadia. Eu havia removido seu paletó mais cedo, de
modo que ele estava vestindo apenas as calças e camisa
social com as mangas arregaçadas. O filho da puta não
tinha nem sequer um corte sobre a pele visível. Pelo visto
ele era o único a se divertir em seus encontros sexuais.
— Você me pegou dessa vez, não é? — sua voz ainda
era meio grogue. — Mas acho que não contou com algo:
dois de meus homens se encontram lá fora. Eles estarão
aqui em breve.
— Sinto lhe informar, mas seus homens estão mortos,
Simon.
Seu sorriso desapareceu no mesmo instante.
Desconforto e confusão varreram sobre seu olhar no
momento em que ele pareceu, finalmente, dar-se conta de
seu estado: a cadeira velha e os pulsos amarados
firmemente à ela.
— O que diabos você vai fazer? — se debateu. —
Você pensa que me amedronta atando-me à uma cadeira?
Seu grande imbecil. Isso é o máximo que você consegue?
— Diga-me você, Simon — eu desafiei. — Até que
ponto você acha que eu iria?
— Não muito — desdenhou. — Eu ainda me lembro
de como você praticamente implorou para eu te deixar
vivo naquela noite. A forma como ficou quando eu atirei
naquela vadia. Você parecia uma cadela patética.
— Acho que estamos quites neste quesito, não é? —
devolvi. — Você parece uma cadela patética agora.
Ele se curvou para a frente, seus olhos desafiadores.
— Você me tem amarrado, imbecil! Solte-me e
mostre que você não é o covarde inútil que eu penso que
é.
Não consegui segurar a risada.
— Eu sou o covarde? Bela tentativa, Simon. Você
não mudou nada, e isso me alivia. Eu não quero ter
sentimento de culpa depois.
Ele também riu.
— Nada mudou, realmente. E quando eu digo isso,
estou me referindo à exatamente tudo. Ela ainda está viva,
você já deve saber, não é? A cadela da sua namorada —
quando não obteve resposta, prosseguiu: — Sabe, eu estou
imaginando o que aconteceria, caso você estivesse
realmente morto. A puta provavelmente estaria triunfando
sobre seu maldito cadáver junto com Marcel — ele
zombou. — Você é tão estúpido. Como se sente ao se dar
conta de que foi feito de idiota durante todo esse tempo?
Dei de ombros.
— Eu não me importo com o que Samantha faz,
realmente.
— Claro que não — rebateu ele. — Você tem Faith
agora, certo? Seu novo brinquedinho pervertido. Você está
fodendo ela?
Eu não lhe ofereci resposta. Ele encontrou a deixa
para prosseguir:
— Vamos, me diga. Não precisa ser tímido com isso,
afinal eu sei o quanto ela é boa. Sua boceta foi a coisa
mais apertada e quente que eu já fui capaz de sentir em
volta do meu pau.
— Cale a boca — fuzilei-o com o olhar. Deixando
totalmente explícito o meu sinal de alerta.
— Eu estou dizendo alguma mentira? Confesse que
ela é realmente apertada e geme como uma vadi... — sua
cabeça virou violentamente para o lado quando meu punho
acertou em cheio seu maxilar.
Simon grunhiu, endireitando lentamente a posição.
Um pouco de sangue aparecia logo abaixo do seu lábio,
mas ele não pareceu se importar quando sorriu.
— Whoa, eu acho que tem alguém estressado aqui.
Vamos lá, eu não disse nenhuma mentira, Derek. Vai negar
que ela é estreita como uma maldita virgem? Ou que fica
tão foda de sexy quando grita. Ela já gemeu meu nome na
hora do sexo com você? Eu aposto que ela fez muito isso
em pensamento, porque eu não sou do tipo que permite
que elas se esqueç...
— Já chega! — cansado de aturar suas merdas,
apanhei o primeiro objeto que encontrei próximo à mim e
parti para cima dele.
Lancei o Pé-de-cabra em um único impulso na
posição horizontal diretamente sobre seu estômago.
— Filho da puta! — Simon rosnou, dobrando-se
sobre sua barriga. — Você provavelmente quebrou uma de
minhas costelas.
— Eu disse para calar a boca — retruquei de forma
ácida. Desta vez, porém, ele pareceu entender o recado.
— Veja seu estado — fitei-o friamente e soltei o
objeto de ferro. — As coisas serão do meu jeito a partir
de agora, e é melhor você aprender isso. Caso contrário,
merdas acontecerão muito antes do esperado. Eu tenho
certeza de que você não gostaria nem um pouco de me ver
trabalhando irritado, Simon.
Ele não disse uma palavra. Apenas engoliu saliva,
provavelmente lutando para recobrar a respiração.
— Então — voltei a abordar enquanto me afastava
dele, passando a mão pelos cabelos e tentando controlar
melhor os meus impulsos. — Qual a sua coisa toda com
aquele cara... Gummy Bear?
Simon finalmente demonstrou que suas cordas vocais
estavam em um bom estado quando limpou a garganta.
— Eu não sei onde você está querendo chegar,
Rushell.
Bufei.
— Ora, como não? Não adianta tentar se fazer de
desentendido agora. Eu andei acompanhando algumas de
suas conversas. Foi bem fácil, o que apenas prova o quão
estúpido você é. Mas e aí, vocês são realmente um casal?
Não que eu tenha algo contra, sabe? Vocês são meio que
uma espécie de Romeu e Julieta moderno?
— Não seja um fodido pau — sibilou, desviando do
assunto. — Pare com toda essa porcaria, e me diga de
uma vez por todas onde ele está.
Levantei uma sobrancelha.
— Ansioso?
— Estou apenas calculando o quanto de danos eu
precisarei fazer quando, finalmente, pôr minhas mãos
sobre você.
Revirei os olhos internamente, segurando o riso de
escárnio que coçou minha garganta. Ele nunca aprendia,
porra.
— Atrás de você — falei, apontando com um gesto
de cabeça para um ponto além dele.
Simon se debateu para poder virar o rosto e constatar
que eu estava sendo sincero, mas ele não conseguia,
diante de seu estado. Impaciente, caminhei até que
estivéssemos muito perto. Arrastei sua cadeira e a girei.
Também preso à uma cadeira, estava Elliot. Ele ainda
não havia despertado totalmente, mas não faltaria muito
para finalmente estar ciente. Eu queria que ele estivesse
bem capaz de sentir, também.
— Merda — a voz de Simon tinha um resquício de
aflição. — Você o matou?
— Nah — descartei. — Não seria tão divertido se a
cereja do bolo fosse devorada antes do momento certo —
Simon permaneceu calado, mas ele continuou alternando o
olhar entre mim e seu namorado, seu semblante
desconfiado. — O que foi, Simon? Você não acredita em
mim?
Ainda sorrindo, eu caminhei até o corpo semi
desfalecido de Elliot. Puxei seus cabelos, mantendo sua
cabeça firme e, sem aviso, soquei seu rosto.
Elliot gemeu com a dor súbita.
— Vê? — fitei um Simon furioso. — Ele está vivo.
— Miserável — Simon sibilou. — Toque nele outra
vez e eu vou matar você.
— Você não está em condições de exigir nada —
revidei. — Mas tudo vai depender de você, embora. Você
tem uma escolha aqui.
Ele congelou.
— O que está querendo dizer com isso?
— Estou dizendo que você pode colaborar comigo e
poupar a vida do seu namorado. Caso contrário, você
decide por si só o que acontece com ambos.
Ele balançou a cabeça e franziu a testa. Pela primeira
vez desde que chegamos ali, eu via sua grossa barreira de
autoconfiança se partindo aos poucos.
— Tudo isso é para se vingar de mim, Derek? Você
tem noção do quão ridículo está sendo? Você não pode
simplesmente esquecer tudo isso e seguir em frente?
— Seguir em frente? — em questão de segundos eu
estava diante dele. Minhas mãos bateram contra os braços
da sua cadeira. O objeto tremeu com o gesto brusco. —
Quatro anos. Você me fez passar malditos quatro anos
enjaulado numa casca de autopreservação e desejo de
vingança. Você me fez repugnar tudo o que era puro e
odiar o fraco. Você me fez perder uma parte da minha
vida, e você fez eu tirar parte da vida de uma menina
inocente — pausei. Eu tinha certeza de que meus olhos
estavam injetados naquele momento. — O seu sangue,
Simon... nas minhas mãos. É tudo o que eu quero.
Ele engoliu em seco. Seus olhos ainda estavam fixos
em meu rosto, grandes e firmes.
— Besteira — falou. — Samantha está viva e, pelo
que sei, Faith também. Eu posso tentar convencer Marcel
a desistir de toda essa merda, e então você poderá ir
embora para bem longe daqui. Todos nós poderemos
seguir em frente, Derek. Nunca foi uma coisa pessoal,
você já deve imaginar. Marcel fez o que fez, somente por
causa da vagabunda.
— Você está me propondo passar uma borracha em
tudo o que aconteceu?
Seu olhar vacilou por um instante, mas ele insistiu:
— Por que não? Você nunca foi uma ameaça, até o
dia em que decidiu fugir com Samantha. Vocês levaram
muito dinheiro consigo e fizeram a besteira de serem
imprudentes. Mas as coisas podem acontecer de forma
diferente agora. Vá embora, Derek, e eu garantirei que
Marcel não tente nada contra você. Deixe Elliot fora
dessa, também. Ele não tem nada a ver com as minhas
merdas.
Não esbocei emoção alguma enquanto analisava sua
expressão séria e esperançosa. Retornei para a posição
anterior e encarei Simon ainda mais fixamente, soltando
uma risada logo em seguida.
Ele não se arriscou dizer mais nada, contudo me
olhava confuso e provavelmente irritado com meu gesto
repentino, tentando sem muito sucesso ocultar o último.
— Então é isso?
— O quê?
— Seu garoto — esclareci. — Você está com medo
de que eu o machuque?
— Não seja ridículo — falou. — Estou tentando
salvar as nossas bundas, imbecil. Mas se você quiser se
ferrar sozinho, vá em frente. Não vai demorar muito para
Marcel te localizar, embora.
— Eu sei — respondi. — Mas isso não me intimida,
muito menos me impede de continuar por este caminho.
Muito pelo contrário. Eu quero o sangue de Marcel
também, e o quanto antes ele vier até mim, melhor. Eu
estou disposto a dar um fim nisso, Simon, e nada vai me
fazer mudar de ideia. Quanto ao seu namorado, não se
preocupe com ele. Eu não irei matá-lo.
Ele voltou a ajustar sua posição limitada na cadeira.
Seu olhar compenetrado parecia levemente aliviado.
— Não?
— Não — repeti, balançando a cabeça em negativa.
— Você vai.
☆☆☆
A respiração parecia estabilizada. Suor escorria de
sua testa e seu corpo estava mole, tal qual o de uma
boneca de pano estúpida. Me inclinei para manter meu
rosto na altura do de Elliot e chamei seu nome por pelo
menos três vezes até que ele erguesse o olhar e me fitasse.
Totalmente desperto. Ótimo.
— Como se sente, Gummy Bear? — perguntei.
— Foda-se — ele murmurou de volta.
Uma risada baixa escapou de mim enquanto eu me
virava para encarar Simon.
— Ele é uma cópia sua, não é? — comentei com
desdém. — Claro que seria... Eu me pergunto agora, como
diabos você fez isso. Eu fico me perguntando, também,
sobre quantas garotas e caras você corrompeu para chegar
onde chegou neste seu jogo fodido de controle.
— Eles sempre vieram até mim — Simon se
envaideceu. — É uma espécie de dom, sabe? Aconteceu o
mesmo com Faith.
Decidi ignorar sua provocação a respeito de Faith e
continuei impassível. Ele não iria conseguir me tirar do
sério desta vez. Não mesmo.
— Eu soube que você tem gostos... peculiares —
continuei. — Inclusive, se isso envolver a dor física do
seu parceiro. Estou certo?
Ele revirou os olhos simulando tédio. Bom, o menino
assustado estava começando a mostrar as suas garras
novamente.
— O que foi? Você quer experimentar também? —
provocou. — Faith e sua boceta apertada não estão
fazendo o trabalho direito?
Sacudi a cabeça, ignorando, mais uma vez, a sua
tentativa falha de me tirar do sério.
— Como eu disse, eu não tenho nada contra —
repliquei. — Entretanto, Faith e sua apertada boceta
fazem um ótimo trabalho, inclusive. Um trabalho que você
nunca foi capaz de desfrutar, aliás, pois não teve a maldita
capacidade — ele ficou em silêncio dessa vez. Eu decidi
continuar: — Bom, vamos ao que realmente interessa. Eu
quero que você analise atentamente um dos braços de sua
cadeira.
— Do que diabos você está falando?
— Olhe para o braço direito da sua cadeira —
repeti. Desta vez, ele obedeceu. — O que você vê nela?
Ele voltou a me encarar irritado.
— Vá se foder. Que merda de jogo é esse?
Eu refiz o meu caminho até Elliot e, agarrando
novamente os cabelos loiros dele, puxei sua cabeça. Seu
pescoço ficou firmemente inclinado para trás e, com isso,
retirei do meu bolso uma faca. Pressionei a lâmina contra
sua garganta.
— Eu disse à você que as coisas serão do meu jeito a
partir de agora, e eu não estava blefando a respeito das
consequências — encarei-o fixamente. — Agora me diga,
Simon... o que diabos você vê no braço da cadeira?
— Um botão — ele respondeu, tentando conter a
raiva. — Eu vejo um botão.
— Você sabe para quê serve este botão?
— Como eu saberia?
Sorri, deleitando-me com aquele momento. Soltei os
cabelos de Elliot e voltei a caminhar até ele.
— Você, provavelmente, não percebeu isso ainda,
mas há fios ligados em vários pontos do assento de Elliot.
Estes fios, por sua vez, correm todo um caminho até se
encontrarem na fiação extra que está conectada a este
botão em sua cadeira. Você vê? Isso é lógica simples, e eu
não irei te dar uma aula sobre física ou eletricidade agora,
mas acontece que estes fios são de alta tensão e o material
da cadeira de Elliot é diferente ao da sua — ele
permaneceu calado enquanto eu continuava. — Há puro
metal por toda sua estrutura, o que automaticamente fará
com que o corpo do seu namorado queime feito um
maldito hambúrguer grelhado em questão de segundos,
caso o botão seja acionado.
Seus olhos se estreitaram.
— O que diabos você está pretendendo com isso? —
perguntou. — Você acha mesmo que eu faria a loucura de
eletrocutá-lo? Você me julga, mas é igualmente doente.
Dei de ombros.
— Como eu disse, você tem um direito de escolha
aqui — cruzando os pulsos atrás das minhas costas, voltei
a caminhar casualmente enquanto falava. — Sabe, Simon,
eu andei, inevitavelmente, vendo alguns de seus vídeos
caseiros também. Você tem uma grande variedade em
relação às suas perversões doentias, mas as garotas são
seu único alvo. Algum motivo especial nisso?
Quando olhei para ele, pude ver novamente o
pequeno sorriso arrogante em seus lábios. Idiota.
— Elas são mais estúpidas — respondeu. — Fodidas
presas fáceis.
— Seu namorado foi bem estúpido, também, quando
caiu na minha armadilha — comentei. — Acho que nós
podemos fazer um jogo justo agora, não?
Ele voltou a estreitar os olhos.
— Do que está falando?
— Você feriu a minha garota no passado. Eu acho
justo arrancar um pouco de sangue do seu cara também.
Simon entreabriu os lábios para dizer algo, mas as
palavras retornaram quando eu dei as costas à ele e dirigi
minha atenção à Elliot. Erguendo a faca sob meu poder, eu
voltei a agarrar os seus cabelos.
— Não! Não! — Elliot começou a balbuciar. — Por
favor, não!
— Olhe para ele, Simon — falei, ignorando os
murmúrios e tentando manter o homem que se debatia
desajeitadamente sob controle. — Tão desesperado. Isso
te excita?
— Desgraçado — ele rosnou.
— Eu não sei você, mas não acho que ele esteja se
divertindo com isso agora — passei a lâmina da faca
lentamente sobre a pele branca da bochecha de Elliot.
— Pare! — Simon exigiu.
— Ou o quê? — fiz lentamente um caminho da
bochecha até o pescoço, a ponta fina fincando sutilmente
na direção de sua jugular. — Ele cheira a marshmallows e
vômito. Sangue seria um ótimo adicional nesta mistura,
não acha?
Simon respirou pesado, apertando os pulsos fechados
quando pressionei a faca um pouco mais sobre a pele de
Elliot, adicionando uma marca avermelhada à ela.
— Eu vou te matar.
— Você não pode — sorri. — Você está fraco e
impotente. Inútil. Eu poderia facilmente assassiná-lo e
depois esquartejá-lo na sua frente, que você não poderia
fazer nada.
Simon permaneceu em silêncio enquanto eu soltava
Elliot.
— Mas, apesar da imensa vontade a respeito, eu não
irei fazer isso. Eu lhe disse que você seria o único a matá-
lo e não estava blefando quando o fiz.
— Pois tente — desafiou. — Você me verá morto
antes de eu sequer pensar em acatar alguma de suas
malditas ordens.
Oh, ele estava me desafiando? Eu adorava um
desafio.
Voltei a firmar meu contato sobre a faca e me dirigi
novamente à Elliot. Ele tentou, de sua forma limitada,
encolher seu braço quando o puxei bruscamente, meus
dedos escorregando sobre a pele suada.
Soltei seu braço e a mão livre bateu direto contra o
seu pescoço, agarrando firmemente a garganta fina.
Empurrei até que sua cabeça estivesse numa posição
desconfortável, e então eu apertei.
Íris azuis ornamentadas por glóbulos grandes e
injetados me saudaram quando ele ampliou os olhos,
desesperado por oxigênio. Ignorei sua expressão
apavorada e levantei a outra mão. Virei minha cabeça,
olhando diretamente na direção de Simon enquanto, em um
só golpe, cravava a ponta do objeto metálico sobre a pele
pálida de seu namorado.
Simon soltou um palavrão e se debateu em sua
cadeira, tentando inutilmente se libertar. Eu pressionei
ainda mais fundo a faca contra Elliot, o material
atravessando músculos e tendões, até que senti a ponta
bater contra algo duro quando alcançou o seu limite.
Os gritos eram cheios de agonia e dor. Elliot mordeu
o lábio para engolir o ruído, e então eu puxei e bati a faca
de volta. Eu queria tê-lo gritando. Eu queria tê-lo se
contorcendo de dor e queria tê-lo agonizando sobre a
poça do seu próprio sangue.
O que veio em seguida, você não gostaria de
presenciar. Eu girei a faca em movimentos lentos, o
material rasgando seu caminho. A voz de Elliot
sobressaiu qualquer ruído que pudesse existir ali, o som
num tom levemente rouco ecoando pelas paredes.
Ele continuava a gritar quando me afastei. Eu peguei
um pano sujo, que encontrei atirado sobre a prateleira,
limpei a faca com ele e depois fiz uma bola, enfiando-a
em sua boca.
Em seguida, voltei a me afastar. Peguei uma garrafa
de álcool, refazendo todo o meu caminho até Elliot.
Simon protestou, provavelmente dando-se conta do
que diabos eu pretendia fazer. Eu ignorei seu lamento
quando, lentamente, desatarraxei a garrafa e despejei o
álcool sobre a ferida exposta no braço de Elliot.
Ele voltou a gritar imediatamente, mordendo a bola
de pano enterrada em sua boca, os olhos transbordantes
em lágrimas.
Me virei para Simon.
— Ele está sentindo dor — eu disse. — Aperte o
botão.
Simon sacudiu a cabeça, seu olhar furioso.
— Eu sei o que você está tentando com isso — falou.
— Sem chance. Eu não vou fazer isso.
— Bem, você é teimoso — falei. — Vamos para a
próxima etapa.
Voltei a dar as costas para Simon e caminhei de volta
pelo quarto sujo, analisando as minhas opções. Os espetos
de ferro me davam um leque de possibilidades, mas
maioria delas exigia um trabalho extremamente cuidadoso,
afinal eu não queria perfurar um órgão importante e fazer
com que o idiota morresse antes da hora.
Então, eu parti para as correntes. Elas estavam em um
péssimo estado, mas aquilo pouco me importava. O cheiro
ferroso entranhou em minhas narinas no momento em que
peguei uma das correntes enferrujadas e retornei para
Elliot.
Puxei sua cadeira, vendo-o se debater. Em seguida eu
inclinei a cadeira para trás, de modo que suas costas
mantivessem apoiadas contra a parede, enquanto as pernas
traseiras permaneciam no chão.
Enrolei a corrente no pescoço de Elliot, até que
ficassem somente as duas pontas livres, e as prendi no
gancho na parede.
— Não se mova — alertei. Ele não o fez, de qualquer
forma. Qualquer movimento muito brusco geraria um
deslocamento da cadeira, resultando em um possível
escorregão e fazendo com que seu corpo fosse sustentado
somente pela corrente em volta do seu pescoço. Em boa
parte dos casos, acidentes como aquele poderiam ser
fatais.
Me dirigi até o Pé-de-cabra que havia utilizado para
agredir Simon e o apanhei. Quando me ergui e cruzei meu
olhar com o de Elliot, percebi que ele já sabia o que viria
em seguida. Ele já havia parado de gritar por conta da
queimadura em sua ferida, o que era uma coisa boa. Eu
não queria aquele filho da puta enchendo os meus
ouvidos.
Caminhei em sua direção. Os olhos do homem se
expandiram ainda mais. Ele se encolheu na cadeira, como
se aquilo fosse fazer com que ele se afastasse de mim.
Tarde demais.
Com uma das mãos, segurei em sua cadeira, evitando
que ela desabasse diante de qualquer impacto mais
brusco. Ergui o objeto de ferro e desci o metal
violentamente até que ele se chocasse contra a perna de
Elliot.
Mais um grito. Esse me deixou com a impressão de
que o homem estava rasgando fora seus malditos pulmões.
Não seria o suficiente, embora.
Ergui novamente e bati na outra perna.
— Merda! — Simon começou a balbuciar, seus
ruídos angustiados misturados aos gritos de dor de seu
namorado. — Merda! Merda!
— Aperte — desafiei, ofegante.
— Cale a boca.
— Ele está sofrendo, Simon. Aperte o botão.
Ele balançou a cabeça.
— Foda-se, não!
Não me virei para encará-lo. Em vez disso, levantei
a barra de ferro mais uma vez, e desci novamente.
Mais gritos.
Mais pancadas.
Maldições.
Pancadas.
Juras de morte.
Pancadas e mais pancadas.
Eu não me lembro ao certo em qual momento eu
decidi parar. Só me lembro de haver um cara se
contorcendo na minha frente e alguém gritando ao fundo.
Sangue sujava o Pé-de-cabra em minha mão, meu coração
batia freneticamente diante de toda a adrenalina, o sangue
correndo de forma violenta pelo meu sistema.
Baixei meu olhar para analisar a minha mais recente
obra fodida e assumi que, a julgar pelos gritos e lágrimas
que Elliot liberou, eu havia feito algo bem fodido com o
osso do seu joelho.
Não seria novidade nenhuma se eu dissesse que ele
estava uma merda. Seus olhos praticamente se fechavam.
Não demoraria muito para ele desmaiar.
Me virei para Simon.
— Aperte. O. Botão! — pontuei.
— Cale-se, porra! — ele retrucou. Sua voz estava
trêmula, testa suada e corpo tenso.
Eu sabia exatamente como era angustiante assistir a
pessoa que você ama sofrer. Não que eu tivesse um pingo
de compaixão pelo idiota, mas eu reconhecia facilmente
os sinais de que ele estava seriamente doente com tudo
aquilo.
Só mais um pouco.
Apenas um pouco mais daquilo, então ele explodiria.
Foda-se, eu queria aquilo.
O Pé-de-cabra deslizou da minha mão quando o
soltei aos meus pés. Puxei a bola de pano da boca de
Elliot e o segurei pela orelha, forçando-o a me encarar.
Ele estava com o corpo mole e a cabeça mal se
mantinha ereta, mas eu sabia que ele ainda era capaz de
sentir tudo o que eu lhe fazia.
Então, eu ergui meu pé e bati contra sua perna
quebrada.
Elliot se encolheu de dor — ele já não gritava mais
àquela altura do campeonato. Eu levantei novamente a
minha perna, mas parei ao escutar um gemido seguido por
uma pequena frase.
— O que disse? — perguntei a Elliot.
— Por favor — ele repetiu ofegante. — Eu disse por
favor.
Levantei uma sobrancelha.
— Você está implorando? — em seguida, olhei para
Simon. — Você vê? Ele está implorando. Acho que temos
aqui mais um motivo para que você aperte o maldito
botão.
— Ele está quase morto — Simon observou. — Não
vai fazer diferença se eu apertar ou não...
— Aperte — Elliot gemeu. — Eu não suporto mais
isso. Por favor, apenas aperte.
Houve silêncio, e então houve gemidos, houve
respirações pesadas e eu pude jurar que vi lágrimas
escorrendo pelo rosto de Simon quando ele fechou seus
olhos e apertou as pálpebras juntas.
Me afastei de Elliot, preparando-me para assistir a
cena prestes a se desenrolar.
E então, houve um chiado, um corpo se contorcendo
em espasmos ao meu lado, cheiro de plástico e carne
queimada... em seguida, silêncio.
O único barulho no ambiente era pelo choro baixo e
lamurioso de Simon. Eu fiz com que Simon Walker
chorasse. Quão filho da puta eu era? Que se dane, eu
faria novamente.
Era como se a morte e todo o tipo de coisas ruins e
degradantes houvessem passado por aquele local,
lançando sua podridão em torno do ambiente e devastando
tudo. Acontece que eu era o único ceifador naquele
momento. Eu era o responsável pelo cheiro de morte e
pelo choro do meu inimigo.
No entanto, o que eu senti foi como se parte de toda a
dor que havia sido obrigado a passar por anos houvesse
se distanciado. Eu só havia sentido algo como aquilo
antes, no dia em que o meu pai morreu na minha frente.
Talvez eu fosse um demônio na pele de um homem
quebrado ou um homem quebrado na pele de um demônio.
De uma forma ou de outra, eu possuía algo que me
estimulava a querer ser bom e tentar fazer a coisa certa um
dia: eu tinha Faith, e eu estava fazendo aquilo por ela
também.
— O que eu fiz? — Simon sussurrou, me tirando dos
meus pensamentos. Eu não tinha certeza se aquela
pergunta era dirigida à mim ou a si mesmo. — Deus, o que
eu fiz?
— Você o matou — acusei. — Como se sente ao
reconhecer isto?
Ele balançou a cabeça, perturbado.
— Eu não fiz! Você quem me obrigou! Eu não fiz!
— Você fez — continuei. — Você é um monstro,
Simon. Não somente por mutilar garotas inocentes, mas
você matou o homem que você ama.
Ele voltou a soluçar dessa vez, balbuciando palavras
que eu não compreendi. Me aproximei e ergui a faca. Ele
não se afastou, no entanto. Eu não soube ao certo se era
por ainda me subestimar ou ele não estava dando a
mínima para o fato de que eu estava prestes a fincar
aquilo contra seu corpo. Provavelmente o último. Eu não
o feri, embora não me faltasse vontade. Em vez disso,
cortei as fitas adesivas de seus braços e pernas.
— O que você está fazendo? — Simon perguntou, um
tanto atordoado.
— Eu estou te dando a chance de ter um fim justo —
respondi, lançando as armas que tinha sob meu poder em
um canto. — Luta limpa, corpo a corpo. Você está pronto?
Ele não se moveu por um longo tempo, me olhando
desconfiado como se certificando-se de que eu não iria
lhe pregar uma peça.
— Por que você está fazendo isso? — perguntou. —
Por que não me mata de uma vez por todas?
— Porque eu não quero tornar isso fácil pra você —
eu respondi.
Ele permaneceu imóvel por alguns segundos. Seu
olhar caiu para o corpo sem vida de seu namorado, e algo
passou por seus olhos naquele momento. Simon cuspiu no
chão e, em seguida, se levantou. O ódio permeado em sua
expressão facial.
Segundos se passaram até que ele conseguisse se
firmar em pé, mas quando finalmente o fez, seu próximo
movimento foi partir para cima de mim. Ele ergueu o
braço, em posição de ataque, ansiando me acertar com um
golpe. Eu desviei, fazendo com que Simon atingisse nada
mais que o vácuo. Em seguida ele veio de novo,
procurando me atacar de diversas maneiras, todas elas
sem sucesso.
Simon estava possesso de raiva, o que era bom, pois
eu o queria exausto. Mas por outro lado, ele já estava
muito fraco. Fazia horas que não se alimentava, sem
contar o baque emocional pelo qual acabara de passar.
Não que eu me importasse. Ele poderia morrer em
sua própria miséria fodida e eu ainda assim pisaria sobre
seu cadáver.
Em um pequeno momento de distração minha, Simon
conseguiu me acertar um soco. Aquela foi a deixa para
que eu partisse para cima dele, revidando o golpe. Não
foi preciso mais do que três socos seguidos para que ele
cambaleasse como um bêbado e tombasse no chão.
Ele se levantou no momento seguinte, babando uma
mistura nojenta de sangue e saliva. Voltando a partir para
cima de mim, ele se chocou contra o meu estômago.
Ambos caímos no chão. Ele me socou duas vezes antes de
eu conseguir rolar e lhe desferir mais um golpe. Ele tentou
se erguer, então eu fiz mais uma vez. E outra. E mais outra.
Até que finalmente ele desistisse.
Bom, de uma coisa eu tinha que parabenizar o filho
da puta. Ele tinha determinação. Entretanto, a fraqueza já
havia cobrado seu preço em torno dos músculos de
Simon. O rosto repleto de hematomas e a respiração
acentuada não deixavam dúvidas de que aquele era o seu
limite.
O fodido limite.
Me levantei, os olhos fixos na figura praticamente
imóvel de Simon no chão.
— Você está uma merda — falei, me regozijando com
seu olhar diretamente em mim. — Você fede como uma
também.
— O que... você quer?
— Isso — respondi, lhe golpeando com um chute nas
costelas. — Você tem ciência — chute — do quão burro
— chute — e estúpido — chute — você é? — as palavras
que ele havia me dito anos atrás, enquanto me tinha na
mesma posição lastimável, saíam amargas da minha boca.
Me afastei dele e alcancei minha arma, destravando
enquanto retornava. — Eu quero que você saiba de uma
coisa, Simon — declarei. — Eu estou fazendo isso por
Samantha. Estou fazendo isso por Ryan, e eu estou fazendo
isso por Faith. Eu também faço por Ashley, Danna,
Hailley e Sasha. Eu faço por Daisy, e por todas as garotas
que um dia tiveram a infelicidade de cruzar o seu caminho
— fiz uma pausa, sentindo a ansiedade e ódio fazendo
minha voz falhar. Respirei fundo. — Eu estou fazendo isso
por mim — Simon ficou em silencio enquanto eu apontava
a arma para ele. — Uma última palavra?
Lágrimas escorriam pelo rosto pálido, maculado com
seu próprio sangue.
— Não me mate.
Um sorriso perverso cresceu em meu rosto.
— Você é como a porra de um deus imortal, lembra?
Ele não respondeu. Não era necessário.
E sem mais uma palavra, eu atirei.
☆☆☆
Os vestígios de sangue ainda sujavam a minha luva
de couro escura quando apanhei o galão de gasolina e
despejei o líquido inflamável por todo o cômodo. Risquei
um fósforo e joguei sobre o corpo de Simon, que foi o
primeiro a queimar, sendo seguido por Elliot, todo o
caminho restante sendo lambido pelo fogo.
Saí o mais depressa possível do quarto improvisado,
descendo os lances de escada que me separavam do
térreo. Contornei a construção antiga, em busca do melhor
caminho para a fuga. Foi então que eu vi algo estranho:
Um carro preto estacionado a poucos metros.
Porra! Eu havia me certificado de dar um fim em
qualquer coisa no carro de Simon que pudesse acusar sua
localização, mas não havia me ocorrido que seus
capangas provavelmente haviam levado um carro consigo.
Inferno!
Eu decidi, então, dar o fora dali o quanto antes.
Estava feito, e eu sabia que mais cedo ou mais tarde
alguém apareceria. Girei em meus calcanhares, mas parei
ao ver um par de armas apontado para a minha cabeça.
— Você pensou que fosse ser fácil? — a voz de
Marcel me desafiou. Ao seu lado, havia um de seus
homens.
Eu não respondi de imediato. Deixei apenas que
fosse liberado o sorriso de satisfação que nasceu em meu
rosto. Eu devia ser louco. Certo, porra, já era para eu ter
me dado conta disso antes, não? Um grande fodido louco,
prestes a morrer.
Que se dane.
— Olá, Marcel — saudei. — Espero não ter feito
você esperar por muito tempo.
36: No Covil do Lobo
Faith
Os minutos se transformaram em horas. O dia se
transformou em noite e, com isso, mais uma manhã nos
saudou sem que eu obtivesse nem sequer uma mensagem
de Derek.
No momento em que todos concordamos com o
plano, onde ele sozinho cuidaria de Simon, eu fiquei
apreensiva. Entretanto eu também sabia que ele tinha
razão quando alegou que minha presença por lá não seria
uma boa ideia. Eu havia visto — e tecnicamente feito —
coisas demais ao longo daqueles últimos meses, mas tinha
que reconhecer que não era nada fácil ver um homem
sendo torturado. Mesmo se aquele homem fosse a pessoa
que eu mais odiava nesse mundo.
Embora soubesse que ele era esperto e cuidadoso, eu
fiquei preocupada com Derek. Eu não sabia ao certo como
diabos ele planejava lidar com Simon, ou quanto tempo
isso demoraria, mas de qualquer forma já era para ele ter
ao menos entrado em contato comigo, certo?
— Você acha que devemos ligar para ele? — Rachel
questionou enquanto se sentava ao meu lado.
— Eu não sei — mordi o lábio e apertei o telefone
celular em minhas mãos. Eu não sabia o que diabos fazer,
uma vez que eu não tinha ideia de como estava se
procedendo tudo.
— Não fique preocupada, Faith — ela pediu. — Ele
é esperto e é um homem grande. Você sabe, é meio difícil
derrubá-lo.
Ignorei sua tentativa de me acalmar e me levantei da
poltrona, voltando a perambular pelo pequeno quarto,
apreensiva.
Eu iria mandar uma mensagem. Ao menos uma
mensagem eu poderia enviar sem que lhe atrapalhasse,
certo?
Desbloqueei a tela do meu celular e enviei um
torpedo a Derek, perguntando se estava tudo bem. Ele não
respondeu na primeira hora. Muito menos na segunda, nem
tampouco na terceira.
Porra.
— Eu vou ligar — falei, decidida.
Disquei o número dele e pressionei o aparelho contra
minha orelha. Vários toques depois só serviram para que
a ligação caísse na caixa postal.
Bom, ao menos ele estava em uma área onde havia
sinal telefônico. Seria muita estupidez se alguém houvesse
o levado para um local onde ele pudesse ter acesso ao
sinal, certo? E se ele perdeu o telefone? Ou pior, e se
alguém o levou e acabou tirando o telefone dele?
Merda.
Com minha preocupação multiplicada por dois,
disquei seu número novamente. No momento em que a
ligação caiu novamente na caixa postal, decidi deixar uma
mensagem de voz:
— Derek — falei. — Eu estou preocupada. Me diga
se está tudo bem quando você ouvir essa mensagem ok?
Não seja um idiota sobre isso e me responda.
Mais uma hora se passou. Rachel tentou me acalmar,
mas, mesmo assim, eu estava uma pilha de nervos.
Soltando um longo suspiro, eu me virei decidida.
Removi meus shorts e abri a gaveta da cômoda. Retirei de
lá uma fita adesiva e comecei a improvisar um suporte,
envolvendo meu tornozelo com a fita e prendendo uma
faca contra o meu tornozelo.
— O que diabos você está fazendo?
— Me preparando — respondi enquanto ainda
ajeitava a faca de uma forma que não ferisse minha pele.
— Muito me admira você não saber de uma coisa dessas.
Você já deveria ter traçado um plano de sobrevivência
durante esses anos que viveu com Marcel.
Ela encolheu os ombros.
— Derek nunca me ensinou como me defender antes.
Eu parei o que estava fazendo e olhei para ela.
— Ele provavelmente não imaginava que algo fosse
acontecer naquela época. As coisas são diferentes agora.
— Você sabe que não é bem assim, Faith — disse
ela. — Por mais que Derek não tenha tido comigo todo
esse cuidado que tem com você, eu não fico chateada. Eu
já reconheci que o que havia entre nós era apenas atração
física. Ele se preocupava comigo, claro, mas ele era
jovem e, de certa forma, ingênuo — sorriu. — Eu fico
feliz em saber que ele está em boas mãos com você.
Bom, eu não queria chegar àquele ponto, falando com
a ex do cara que eu amava e pretendia me casar. Era ainda
meio estranho pensar no fato de que a minha cunhada
havia transado com o homem que eu dormia.
Ugh.
— Bom, eu estarei saindo em breve — eu disse,
aproveitando para mudar de assunto.
Caminhei até a cômoda e peguei as chaves do carro
que Derek havia deixado comigo. Guardei no bolso do
moletom grosso e fechei o zíper. Vesti um par de jeans e,
em seguida, fui até uma das malas debaixo da cama e tirei
de lá uma bolsa. Alcançado algumas notas e uma arma,
entreguei tudo à ela.
— Tome — falei, lhe empurrando os pertences. —
Fique com isto.
— O quê? — ela gaguejou. — Faith, eu não
entendo... o que diabos eu faço com isso?
— O dinheiro é pra você fugir pra longe daqui — eu
disse. — Leve Max com você e tentem começar uma nova
vida. Esqueça toda essa coisa com Marcel, afinal Derek
já tomou partido disso, e assim será até ele finalmente
cuidar de tudo — apontando para a arma que ela segurava
como se fosse um bicho asqueroso, eu continuei. — E isso
é pra você se defender. Veja — eu apanhei a arma da mão
dela e demonstrei como usava, ao mesmo tempo em que
lhe ditava o que ela precisava saber. — Não é tão
complicado quanto parece. Você vai conseguir lidar com
isso, e lembre-se: apenas a utilize se for necessário, ok?
Ela engoliu em seco e assentiu.
Lancei à ela um sorriso para acalmá-la e, depois de
lhe devolver a pistola, me virei. Peguei minha própria
arma, colocando-a no cós da minha calça, uma vez que eu
não tinha um coldre comigo.
Caminhei até onde Max estava dormindo e dei um
beijo em sua testa.
— Eu vou sentir sua falta, garotinho — sussurrei
contra a bochecha rosada do meu sobrinho. — Fique bem.
Quando me levantei, Rachel ainda estava me olhando
com grandes olhos confusos e assustados.
Como ela conseguiu sobreviver à Marcel durante
quatro malditos anos?
— O que foi agora? — eu perguntei.
— Você tem certeza disso? — questionou. — Eu não
sei se é uma boa ideia deixar você aqui sozinha e sumir
do mapa, Faith. Eu não estava mentindo quando disse que
queria ajudar.
— Eu não estou sozinha, Samantha — de uma forma
estranha, chamá-la pelo nome de batismo fez a coisa toda
a respeito de Derek e seu pau dentro dela ainda mais
esquisita. Desde quando eu havia ficado tão possessiva?
— Derek está comigo e, além disso, eu sei me cuidar
muito bem. Acho melhor você se preparar para dar o fora
também. Estarei saindo em breve.
Ela suspirou e assentiu, enquanto voltava a olhar para
a arma em sua mão.
— Posso saber de mais uma coisa?
— Claro — eu respondi.
— Aonde você vai, Faith?
Eu já estava na porta àquela altura. Pus a mão sobre a
maçaneta e por mais alguns segundos eu mantive meu
olhar sobre ela.
— Você sabe — respondi. — Estou indo ajudar o
meu homem.
☆☆☆
Cinco minutos depois, eu estava sentada no banco
dianteiro da velha caminhonete que havíamos adquirido
ainda na época em que estávamos em Scout Lake. Aquele
carro parecia ter tido dias melhores, mas era o único meio
de transporte que nós possuíamos, então teria que servir.
Outro fato que me preocupou foi o de Derek não ter
levado o carro consigo. Eu sabia que ele queria chamar o
mínimo de atenção possível, mas fugir sem um automóvel
disponível, caso as coisas dessem errado, era muito
complicado.
Eu também não sabia ao certo o endereço do
provável cativeiro onde ele havia armado a emboscada,
mas ele me dera o mapa detalhado de alguns pontos em
que costumava ficar quando morava na rua, e o
conhecendo como eu conhecia, era muito provável que
houvesse escolhido um daqueles.
Olhando para o pequeno mapa de metade da cidade,
com rabiscos e círculos em vermelho, eu recostei minha
cabeça contra o banco de couro eu gemi.
Havia, pelo menos, uns seis pontos marcados. Quanto
tempo eu demoraria até localizar todos? Isto é, caso
Derek estivesse realmente em um desses.
Maldito fosse ele e sua cabeça dura. Por que ele
tinha sempre que insistir em tentar me proteger, não me
envolvendo nos detalhes?
Eu decidi que ficar ali me lamentando iria apenas me
fazer perder tempo, então eu liguei o carro. Quase que
meu coração salta pela minha boca quando meu celular
começou a vibrar incessantemente. Quando verifiquei, o
número de Derek brilhava na tela.
Oh, realmente havia alguém lá em cima olhando por
mim.
O alívio durou apenas um segundo. Assim que atendi
o telefone celular, uma voz rouca e familiar me saudou.
— Eu estou decepcionado — ouvir a voz do meu
irmão, depois de tanto tempo, causou-me um frio que
subiu desde os meus dedos do pé até a minha espinha.
Pensando bem, quem quer que estivesse lá em cima
adorava me pregar uma peça.
— Marcel — falei, procurando acalmar os meus
nervos. — Onde ele está?
Eu torcia para que Derek estivesse ileso. Eu torcia
para que ele ao menos estivesse vivo, porra. Eu faria
qualquer coisa para ajudá-lo. Bastava ele estar vivo.
— Nem ao menos um “olá, irmão, eu senti sua falta”?
— ele ironizou. — É assim que você me recompensa
depois de anos vivendo debaixo do meu teto? É assim que
você me agradece aos anos de dedicação, boa criação e
frequentando as melhores escolas? Fodendo com o meu
maior inimigo? O cara que sequestrou você e quase lhe
assassina?
— Vá se ferrar — eu rosnei. — Você não é, e nunca
foi um bom homem. Então não me venha com essa
conversa de ingratidão porque eu dou uma merda para os
seus sentimentos falsos — respirei fundo. — Eu só quero
que você diga de uma vez por todas onde caralho ele está.
Eu nunca havia levantado a voz para o meu irmão.
Inferno, eu nunca havia levantado a voz para ninguém até
o momento em que conheci Derek. De certa forma, mesmo
sabendo que era um ato um tanto quanto irresponsável, eu
gostei daquilo. Eu me senti um pouquinho menos inferior a
ele, já que ele sempre me fez sentir como merda durante
toda a minha maldita vida.
O silencio que se seguiu após meu pequeno ataque de
ira demonstrou que Marcel havia ficado surpreso.
Chupe essa, seu babaca arrogante.
— Ele está onde sempre deveria ter estado, Faith —
sua voz era calma e fria. — Preso como um cão de briga
malcriado — eu senti o riso perverso atravessando o
autofalante do meu telefone. — Não vai demorar muito
para o bastardo ser nada menos que um pedaço de carne
ensanguentado. Então, quando isso estiver resolvido, eu
terei uma séria conversa com você. Você precisa aprender
quem é que manda. Por bem ou por mal.
Eu não tive tempo nem de revidar sua resposta,
quando senti a linha ficando muda. Ele havia desligado o
maldito telefone na minha cara.
Babaca.
Eu respirei fundo, pondo o carro em movimento. Se
Marcel pensava que me intimidaria, estava muito
enganado. Eu poderia sair morta naquela história, mas eu
daria um fim em toda aquela merda.
E então eu parti para o único lugar onde teria a
esperança de encontrar Derek. Ou ao menos o lugar que
me permitiria conseguir ter uma ideia de onde Derek
estava.
O covil do lobo.
☆☆☆
A viagem até a casa de Marcel durou em torno de
uma hora. Gelo percorria meus ossos e uma mão invisível
apertava minhas entranhas. Nada daquilo tinha a ver com
o tempo frio em Manhattan, apesar de tudo. Eu estava uma
pilha de nervos, o que não era surpresa para ninguém.
A velocidade na qual eu corri também não facilitou a
minha situação. Eu era uma medrosa em muitos aspectos,
mas estava pouco me lixando para o fato de que poderia
morrer num acidente automobilístico a qualquer momento.
Eu queria apenas salvar a vida de Derek, e foi este
pensamento que me impulsionou a continuar todo o
caminho até alcançar a mansão onde um dia eu havia
morado, como se eu possuísse uma espécie de asa
invisível ou, até mesmo, sete vidas.
O alto portão de ferro me saudou quando saí da
caminhonete e caminhei até ele. Minhas mãos envolveram
as finas barras de metal e sua frieza espetou contra meus
dedos. Apertando com mais força, eu sacudi.
— Ei! — eu chamei, pressionando o botão do
interfone.
Quando ninguém me respondeu, eu sacudi com ainda
mais força.
— Eu sei que você está aí dentro, Marcel. Me
responda!
Um momento se passou sem que eu obtivesse retorno.
A casa não se parecia mais com o lugar que eu chamara de
lar durante parte da minha vida. Ela estava sombria, sem
brilho, sem risos e sem cor. Aquela casa, na verdade, só
servia como uma espécie de tapete para onde era varrida
toda a sujeira que a minha família fizera por anos. Era
como se eu nunca conhecesse o seu lado real. Da mesma
forma que eu nunca conheci a verdadeira face do meu
próprio irmão.
Mais uma vez, eu forcei o portão com sacolejos
violentos; no entanto, um chiado familiar atraiu minha
atenção. Então eu ouvi alguém limpar a garganta através
do interfone. Logo em seguida, a voz desconhecida soou:
— Sim? — pelo timbre, era óbvio que se tratava de
um homem. Não Marcel, mas eu julguei ser um de seus
funcionários.
— Onde está Marcel? — eu perguntei.
Mais alguns segundos se seguiram até que ele
retornasse a falar, aparentemente de má vontade:
— E você, quem é?
— Eu sou uma das antigas moradoras desta casa e
irmã do seu chefe — gritei. — Portanto, deixe-me entrar!
Houve um momento de aparente desconforto, um
raspar de garganta, e então o homem disse:
— A casa está fechada, senhorita. Acho melhor
voltar em um outro horário.
— Como é? — me exasperei. Eu sabia que estava
fazendo aquilo de forma estúpida, mas todo o meu
autocontrole havia se acabado. Se pensamento matasse,
aquele imbecil já estaria beijando a bunda do diabo. —
Escute bem, idiota, eu vou lhe dizer algo e não quero ter
que repetir: eu tenho arquivos que provam que seu chefe é
um tremendo de um cretino criminoso. Há cópias
espalhadas por, pelo menos, três pontos deste estado.
Caso algo aconteça com Derek, ou Marcel se negue a me
atender, eu não vou hesitar em entregá-lo para a polícia —
menti. A verdade era que eu não confiava o suficiente na
polícia para recorrer à eles em busca de auxílio a Derek.
Não depois do que Simon dissera a respeito de os caras
estarem atrás dele. Eu sabia que Simon poderia estar
blefando, mas eu não podia arriscar a dar aquele tiro no
escuro.
Ele expirou rudemente, então houve o silêncio. Um
silêncio longo o suficiente para me fazer praguejar em
pensamento e chutar o maldito portão.
O homem havia mesmo me deixado falando sozinha?
Não havia escolha. Eu teria que entrar naquela casa.
Só sairia dali sem Derek, caso um de nós dois estivesse
morto.
Apenas o pensamento de ver Derek morto causou
uma onda desagradável de arrepios por todo o meu corpo.
Eu precisava evitar aquilo. Então eu apanhei a minha
arma, mirei na fechadura e atirei. Pequenas faíscas
choveram ao redor quando metal tocou metal.
Mais dois tiros foram dados por mim e, quando me
preparava para o próximo, ouvi o ruído do interfone
novamente. Desta vez, era a voz de Marcel:
— O que diabos você pensa que está fazendo, Faith?
— ele, obviamente, estava bastante irritado.
— Eu estou destruindo o seu portão — eu respondi
como se aquilo fosse algo muito óbvio. Realmente era. Eu
tinha uma arma na minha mão, afinal de contas.
Ele praguejou e eu ouvi suspiros e remexer de
objetos. No momento seguinte, ele voltou a falar:
— Acalme-se, Faith. Você está nervosa e essa coisa
não lhe diz mais respeito. Mexa sua bunda para fora da
minha residência e sinta-se feliz por eu não ter lhe dado
uma lição.
— Eu acho que não ouvi isso, certo? Você é louco ou
o quê? — balancei a cabeça, indignada. — Eu não te
reconheço mais, Marcel. Sabe o quê? Na verdade eu
nunca conheci você. Você sempre foi uma ilusão, a
imagem falsa de irmão mais velho e protetor. Um bandido
vestindo o personagem de homem de negócios e pai de
família centrado. Você sempre viveu para toda essa merda
de crime, e eu me sinto muito mal por reconhecer isto,
mas até mesmo a sua família pouco lhe importa. Você não
se importa comigo, não é?
— É aí que você se engana — refutou calmamente.
— Eu me preocupo com você, Faith. Eu não teria
assassinado o maldito John Wallace se não me
preocupasse com você. Eu não teria dado uma lição no
homem que lhe sequestrou e manteve sob cárcere, se eu
não me preocupasse com você.
Respirei fundo, forçando as lagrimas a retornarem.
Somente em ouvir a menção a Derek me deixava com os
nervos em frangalhos.
O que ele queria dizer com “dar uma lição”? Tive
medo de pensar sobre.
— Isso, provavelmente, é algo que você nunca sentiu
ou irá sentir por conta da alma suja e coração sombrio que
possui, mas eu amo esse homem, Marcel — falei. — E se
você realmente acha que eu vou mudar de ideia por causa
das coisas horríveis que diz sobre Derek, eu quero que
saiba que eu preferiria estar morta do que ver você fazer
algo contra ele.
Ele bufou, exasperado.
— Ouça a si mesma — resmungou. — Você só pode
estar ficando louca, Faith. Dê o fora, eu não vou alertar
uma outra vez. Vá embora, e deixe-me resolver isso por
mim mesmo.
Desespero e frustração me atacaram. Senti minha
respiração ficando dificultada e busquei avidamente por
ar. Não haveria jeito. Eu não conseguiria salvar Derek a
tempo. Não se dependesse de Marcel.
— Eu tenho nojo de você! — rosnei. — Na verdade,
eu odeio você! — em seguida, voltei para o carro. Eu
tinha que pensar em algo. Inferno! eu tinha que pensar em
algo muito rapidamente.
Minha testa descansou no volante enquanto eu
pensava em minhas opções, e eu poderia dizer a você que
elas eram todas nulas. Eu não tinha com quem contar. A
polícia era, muito provavelmente, uma das mais fortes
aliadas de Marcel, e o meu próprio irmão estava prestes a
matar o homem que eu amava.
Isto é, caso ele já não tivesse o feito.
Bile subiu até minha garganta. Respirei fundo e forcei
meu corpo a não ir por aquele caminho. Imagens diversas
de Derek preso em algum lugar, com frio, sujo e
machucado destacaram-se dentro da minha cabeça. Por
mais que eu tenha conseguido controlar a onda de náuseas,
as lágrimas não foram tão obedientes assim. Uma ardência
característica queimou atrás dos meus olhos quando
comecei a chorar. As poucas lágrimas que deslizavam
pela minha bochecha intensificaram-se até que meu rosto
se via molhado e soluços silenciosos irrompiam de mim.
— Droga! — comecei a socar o volante, o painel do
carro e todo o resto que se via ao meu alcance. — Droga!
Droga!
O que eu iria fazer?
Apesar do meu desespero, algo me veio à mente. Um
flash de luz em um túnel totalmente escuro. Eu pensei no
carro velho, pensei na minha arma e pensei no fato de meu
irmão me subestimar tanto — algo que muito me irritava,
mas naquele momento cairia como uma luva. O maior
impacto vem de onde você menos espera.
Eu estava ali com um propósito, que era salvar a vida
de Derek, e só sairia quando tudo estivesse acabado.
— Já chega, Marcel — eu sibilei com determinação.
Não pensei em mais nada quando pus cinto de
segurança e girei a chave de ignição. O motor velho
roncou quando ganhou vida. Minhas mãos suavam, mas eu
consegui executar todo o processo de pôr o carro em
movimento.
Recuei e acelerei...
Baque.
O portão de ferro estremeceu com o impacto.
— Porra — ouvi Marcel praguejar em algum lugar,
mas ignorei o que ele dizia.
Recuar e acelerar...
Baque.
O capô estava visivelmente amassado e o carro
começava a fazer um barulho estranho, mas que se
danasse tudo aquilo. Ele ainda estava funcionando, então
serviria.
Respirei fundo.
Recuar e acelerar...
Baque.
Eu me preparava para a quarta tentativa quando o
portão se abriu. Eu não soube ao certo se foi por conta das
batidas ou se alguém lá dentro havia feito isso, mas eu
decidi não trabalhar muito a minha mente em torno do
assunto e entrei com tudo.
O carro fez seu caminho desalinhado, cortando vento
e esmagando a grama, até que eu parei bruscamente em
frente à imensa fachada branca. Saí do carro já apontando
a arma para a fechadura da porta, foi quando esta se abriu.
Aproximadamente cem quilos de pura massa corporal
me saudaram quando dei de cara com um os seguranças do
meu irmão. Provavelmente era o idiota que atendera o
interfone. Marcel vinha logo atrás.
— Veja só o estrago que você causou em minha
residência — ele me repreendeu.
Dei de ombros.
— O prejuízo que você vai ter não é nada,
comparado ao quanto você lucra com suas prostitutas
ilegais em seus clubes secretos.
Sua feição ainda era dura quando ele deu um passo à
frente.
— Eu vou fingir que você não acabou de arrebentar o
portão da minha casa, logo após me levantar a voz feito
uma louca, Faith — e ainda sem tirar os olhos de mim, ele
segurou em meu braço com força. — Agora você vai agir
como a boa menina que é, vai dar meia-volta, se enfiar
naquela lata velha que muito provavelmente foi roubada e
desaparecer da minha casa. É o último aviso.
Foda-se. Eu já estava cansada de tê-lo agindo comigo
como se eu fosse uma criança muito estúpida ou qualquer
outra coisa do tipo.
O que veio em seguida não foi exatamente articulado,
mas que se danasse, eu já estava fodida de inúmeras
formas: eu cuspi em sua cara.
Eu simplesmente cuspi contra o rosto do meu irmão
criminoso e torturador de namorados sequestradores.
Marcel me soltou imediatamente. O olhar de desgosto
e repulsa em seus olhos azuis quando ele me encarou fez
algo retorcer em meu peito.
Ele era meu irmão, apesar de tudo. Saber que ele não
possuía nem um pingo de remorso por me ver sofrendo,
doía de alguma maldita forma.
Contudo, nada daquilo foi pior do que a ardência em
minha bochecha quando ele conectou o dorso da sua mão
violentamente em meu rosto.
Ele nunca havia me batido, também. Bom, eu nunca
havia cuspido nele. Pelo visto, aquele era o dia das
estreias.
— Tire a arma dela.
Eu sentia as lágrimas queimando por trás dos meus
olhos, mas não eram de tristeza. Eram lágrimas de raiva,
mágoa, desespero e frustração. No entanto, eu as forcei a
retornarem. Não iria dar aquele gostinho aos babacas. Eu
podia lidar com aquilo.
O homem veio para cima de mim. Eu tentei desviar a
tempo e me defender, no entanto ele foi mais rápido que
eu quando torceu o meu pulso e puxou a arma da minha
mão.
— Leve-a para dentro e não a machuque — Marcel
voltou a ordenar. — Apenas mantenha os olhos sobre ela
— em seguida, se virou para mim. — Você precisa se
acalmar, Faith.
— Onde diabos ele está? — eu grunhi. — Me diga,
Marcel, onde ele está?
— Ele está vivo, se isso te faz se sentir melhor —
respondeu. — Agora entre.
Eu tentei resistir, eu tentei lutar e tentei usar da minha
força, mas o segurança era muito maior e
consequentemente mais forte que eu. E, bem, se eu queria
encontrar Derek, eu teria que ir para dentro. Portanto eu
entrei na casa.
Subimos as escadas. Fui levada por um caminho que
eu reconheci ser o do meu antigo quarto. Quando já
estávamos quase no fim do corredor, Marcel parou,
chamando nossa atenção.
— Eu vou voltar para o porão — informou ele, sua
voz sombria. — Você, fique de olho nela até eu ordenar o
que fazer.
Pelo brilho diabólico nos olhos do meu irmão, no
instante em que ele trocou um olhar com seu capanga, eu
sabia o que aconteceria. Ele estava prestes a fazer algo
realmente sério com Derek.
Oh, Deus.
Depois que meu irmão me lançou um último olhar e
se virou, desaparecendo pelas escadas, Troll — eu
resolvi chamá-lo assim, uma vez que ele se parecia muito
com um e eu ainda não sabia como se chamava — me
pegou pelo braço e me forçou a andar.
Uma vez dentro do quarto, ele se trancou comigo,
empurrando seu imenso corpo contra a porta.
Mas que diabos?
— Você vai ficar aqui dentro? — eu perguntei
rispidamente.
Ele sorriu uma careta e cruzou os braços.
— Você acha mesmo que eu te deixaria aqui dentro
sozinha? — apontou com o queixo para a janela. — Não
vamos correr o risco de que você pule.
— Você acha mesmo que eu pularia? — minha voz
saiu aguda. Realmente, minha primeira intenção seria fugir
pela janela, mas ele não precisava saber disso. — Você já
viu a altura disto?
Ele deu de ombros.
— Nunca se sabe.
Que idiota fodido.
Eu não sabia quanto tempo havia ficado sentada
naquela cama em busca de um plano de fuga, mas o meu
mais novo companheiro parecia não se cansar de ficar
agindo feito uma estátua humana. E, bem, eu não
conseguiria ir ao socorro de Derek sem que ele me desse
ao menos uma maldita trégua.
Eu tinha que pensar em algo, e confesso a você que já
estava ficando cansada de tentar encontrar saídas e ser
falha em todas elas. Mas eu não era o tipo de pessoa que
desistia fácil, principalmente já tendo chegado àquela
altura do campeonato.
Eu não sabia exatamente se foi a mistura de tensão e
nervosismo ou se eu estava passando por uma fase
realmente ruim, mas, para a minha falta de sorte, eu
comecei a me sentir estranha. Primeiro veio a leve
tontura, algo que eu consegui disfarçar bem,
principalmente por estar sentada. Mas no momento em que
foquei meus sentidos ao meu redor e senti nitidamente o
aroma de limão do produto de limpeza, que
provavelmente havia sido utilizado recentemente no
quarto, junto ao cheiro de Troll, as coisas pioraram.
— Eu não estou me sentindo muito bem — eu disse
tentando me levantar da cama.
— O que está havendo? — Troll me questionou
desconfiado.
— Eu estou passando mal — respondi irritada. —
Você poderia pegar um copo d’água para mim, por favor?
Ele ficou sério, como se estivesse considerando o
meu pedido. Em seguida, estreitou os olhos e riu.
Ele apenas riu da minha cara.
Eu adoraria poder quebrar o seu maldito nariz torto.
— Eu já entendi tudo — falou, ainda tentando se
recuperar da onda de gargalhadas. — Você é uma
espertinha, hein? Não tente ir por esse caminho comigo,
garota. Eu conheço muito bem tipos como você.
Tipos como eu? O que diabos ele queria dizer com
“tipos como eu”?
Eu finalmente me levantei, preparando-me para
revidar seu comentário com algo realmente rude, mas
novamente o enjoo me bateu em cheio. Desta vez, eu não
consegui segurar. Em questão de segundos eu estava me
curvando aos pés do homem e despejando tudo o que tinha
no meu estômago em seus pés.
— Puta que pariu — ele resmungou. — O que
você.... merda!
— Desculpe — eu falei, mas na verdade eu estava
me contorcendo de triunfo por dentro. — Eu disse a você
que não estava me sentindo muito bem.
— Que seja — rosnou. — Vá se lavar.
Havia um banheiro no quarto. Um que possuía uma
janela minúscula no alto, e se eu não me tornasse uma
Faith compacta de cinco escalas inferiores ao meu
tamanho normal, jamais conseguiria passar.
Mesmo assim, o banheiro era um lugar que tinha
opções. Muito mais opções do que aquele quarto vazio e
sem graça.
Em silêncio, caminhei até o banheiro. Uma vez lá
dentro, fechei a porta. Por sorte o homem não resolveu me
acompanhar. Lavei o meu rosto, batendo um pouco de
água fria em minha nuca. Eu abri o compartimento acima
da pia em busca de um enxaguante bucal e, assim que
localizei, utilizei o produto para lavar a minha boca.
Quando finalizei, percorri cada metro quadrado possível
daquele banheiro em busca de algo que eu pudesse utilizar
como arma. Todavia, o máximo que eu consegui encontrar
ali, além dos produtos de higiene pessoal, foi uma loção
para cabelos em spray e uma maldita escova.
Uma fodida escova de dente comum. O que eu faria
com aquilo?
Voltando para a porta me certifiquei de que não havia
chances de Troll ter saído de sua posição de sentinela na
entrada do quarto. Retornei para a posição anterior, então
analisei as minhas opções.
A lata ainda estava pesada, portanto continha muito
produto. Não era um spray de pimenta, mas produtos
como aqueles continham ingredientes prejudiciais em
contato direto com os olhos ou a pele. Serviria para
despistar Troll enquanto eu corria. Mas era óbvio que eu
não conseguiria me manter longe dele por muito tempo.
Além do fato de o homem estar armado. Eu tinha que
encontrar algo com o que me defender.
Foi então que eu me lembrei. A faca.
Como é que eu não havia pensado nela antes? Me
agachei e tateei o suporte improvisado de fita adesiva,
puxando a faca com cuidado para não ferir minha perna. A
enfiei no cós da minha calça, atentando para que eu
pudesse ter fácil acesso quando precisasse.
Colocando a lata atrás das minhas costas, eu saí do
banheiro.
— Eu realmente sinto muito — falei, assim que meu
olhar cruzou com o do homem. — Eu não sei o que
aconteceu comigo. Deve ter sido algo que comi.
Ele soprou um “ok” irritado, mas não disse mais
nada.
— Como você conseguiu limpar a bagunça? —
perguntei, notando que boa parte do vômito no chão havia
sido removido.
— Toalhas — ele respondeu apontando para o
armário.
— Certo — forcei um riso nervoso. — Isso é tão
constrangedor.
Eu estava me aproximando lentamente. Ainda estava
a uma distância considerada grande o suficiente para que
pudesse tentar qualquer coisa, mas eu não podia fazer
alarde, portanto mantive toda a calma possível.
— Pois é — ele retrucou sisudamente.
— Isso nunca aconteceu comigo antes, acredite. Com
certeza foi algo que não me caiu bem.
Ele suspirou, demonstrando impaciência.
— Você já disse isso.
— Hum, certo, me desculpe — parei. Nós estávamos
a poucos centímetros de distância agora, e muito me
surpreendeu ele não ter se dado conta de que eu escondia
a lata atrás das minhas costas. Ótimo, porque caso isso
acontecesse, eu estaria ainda mais ferrada. — Como é o
seu nome mesmo?
Ele me lançou um olhar enviesado.
— Por que você quer saber?
Encolhi os ombros.
— Bom, porque eu pensei que... já que nós vamos
ficar aqui por tempo indeterminado e... — eu não concluí
a frase. Em vez disso, eu puxei a lata e, mirando o bico na
direção do seu rosto, despejei o máximo de produto que
conseguia contra seus olhos.
Ele deixou escapar um ruído de dor e surpresa e se
aproximou de mim, cambaleando para frente. No espaço
de uma respiração, eu estava puxando a faca e partindo
para cima dele.
Eu fui rápida e gananciosa, mas eu tinha que
confessar algo: o homem tinha a porra de um bom reflexo.
Ele conseguiu desviar a tempo, suas mãos tateando o
ar e exercendo força sobre meus ombros. Me
desequilibrei e caí.
A faca voou para longe e, com isso, eu me arrastei
para apanhá-la. Minha mão tocou o cabo de madeira.
Tentei esticar meu braço no limite para pegá-la, foi
quando ele puxou minha perna. Dei-lhe um chute que
atingiu seu nariz, e Troll gritou, afastando-se de mim.
Novamente com a faca sob meu poder, eu me arrastei
rapidamente até que estivesse de pé. Ele rastejou todo o
seu peso pelo chão, uma mão cobrindo o nariz de onde
escorria um pouco de sangue, a outra servindo como
auxílio para manter equilíbrio. Os olhos estavam
avermelhados e lacrimejavam, mas ele já conseguia me
enxergar. Ao menos o suficiente para poder se defender.
Ele tateou em seu terno para pegar sua arma, foi
quando eu avancei novamente e pulei em suas costas.
Envolvi o seu pescoço com meu braço, enquanto voltava a
erguer a faca com o outro. Ele começou a girar e se
debater. Ele chocou-se de costas contra a parede e o
baque me tirou o ar. Pressionei com mais força o meu
braço em seu pescoço. Em seguida, cravei o objeto na
lateral de seu pescoço — ou no ombro... eu não sabia ao
certo.
Eu me desgarrei dele e observei enquanto ele
ziguezagueava pelo quarto, seus movimentos perdendo aos
poucos a força.
Oh, Deus, eu havia assassinado um homem?
Eu não sabia muito bem sobre anatomia. Eu também
não sabia ao certo em que local do seu pescoço a faca
havia atingido, mas ele estava perdendo sangue e, caso
não conseguisse algo para estancá-lo, a merda seria
realmente feia.
Mesmo com o ferimento provavelmente profundo, ele
ainda conseguiu caminhar alguns passos, avançando para
cima de mim.
O homem nunca desistia?
Eu corri meu olhar ao redor, em busca de algo que
pudesse me ajudar, foi quando localizei um abajur em
cima do móvel próximo. Puxei o objeto com força e
espatifei todo o frágil material contra a sua cabeça.
Troll caiu feito um imenso e pesado saco de cimento
no chão. Ele ainda se movia e respirava, mas eu não
queria pensar muito a respeito de que ele pudesse viver
por mais tempo. Eu surtaria se eu pensasse, e salvar a
bunda de Derek era muito mais importante do que
qualquer outra coisa. Então eu me agachei e tateei por sua
roupa em busca de uma arma. Acabei encontrando uma.
Sem olhar para trás, me apressei em sair do quarto.
Analisando os quatro cantos do corredor vazio, me
dei conta de que não havia mais ninguém na casa além de
nós. E então eu pensei em Derek. Onde eles estariam? Eu
ouvi Marcel falando algo como estar no porão. Óbvio.
Tinha que ser para lá onde ele havia levado Derek. Eu só
torcia para que ele estivesse bem.
Eu segui cuidadosamente todo meu caminho enquanto
descia as escadas. Eu conhecia aquela casa como a palma
da minha mão e, por sorte, eu sabia o caminho até o
porão.
Chegando no corredor do andar de baixo, eu me
esgueirei contra a parede. Barulhos de uma voz masculina
ecoavam cada vez mais alto conforme eu chegava ainda
mais perto da porta que dava acesso ao porão. Ela estava
entreaberta, e então eu vi:
Meu irmão falava algo que eu não conseguia entender
muito bem. Eu não conseguia ver Derek também, não do
ponto onde eu estava, mas eu via algo como uma bota
masculina que eu sabia ser dele.
Seu pé se mexeu fracamente, o que me deixou
aliviada ao reconhecer que ele ainda estava vivo.
Empurrando lentamente a porta, eu entrei. Cheiro de coisa
velha e sangue me assolaram. Prendi a respiração e
continuei, descendo silenciosamente os degraus. Eu não
precisava vomitar uma segunda vez no mesmo dia.
Meus pensamentos foram cortados quando eu vi algo
que me chocou. O rosto de Derek estava muito
machucado. Hematomas arroxeados, alguns
provavelmente recentes, outros mais antigos, cobriam seu
rosto. Ele respirava com dificuldade e mal movia a
cabeça.
Oh, Deus, eu havia chegado tarde demais?
Senti vontade de chorar. Primeiro pela dor que ele
provavelmente estava sentindo. E segundo, por pensar que
talvez ele não sairia dali vivo. Talvez nem eu mesma
saísse viva, tendo em vista como estava se sucedendo
tudo aquilo.
E então, como se houvesse ouvido meus
pensamentos, seu olhar cruzou com o meu. A surpresa e o
medo eram nítidos, mas algo a mais brilhou ali. Eu soube
que ele estava tentando me tranquilizar. Era sua forma de
me dizer para ficar tranquila e que tudo terminaria bem.
Bem para quem? Era a pergunta que não calava.
Ele se mexeu um pouco e, ainda olhando para mim,
sorriu fracamente. Eu decidi, a partir dali, que eu faria
qualquer coisa para tirá-lo daquele lugar vivo. Não
importava o quê, eu faria qualquer coisa.
— O que você acha tão engraçado? — Marcel
rosnou. Era óbvio que ele ainda não havia me visto. —
Você não parecia estar tão animado assim, há alguns
minutos, enquanto meu punho acertava seu queixo de
merda.
Desgraçado. Eu odiava meu irmão.
— Você é um homem morto — Derek conseguiu
dizer.
Marcel liberou um ruído que dizia estar zombando do
que acabara de ouvir. E para completar seu deboche, ele
começou a rir.
— Idiota — falou. — Você é tão estúpido.
Ele se aproximou de Derek e levantou o punho,
armando um próximo golpe. No entanto eu fui mais rápida.
Cortando a pouca distância entre mim e meu irmão, eu
colei o cano da pistola sob meu poder contra a sua
cabeça.
O tempo pareceu congelar, as respirações eram
controladas e eu jurava que o zunido dentro do meu crânio
era o meu cérebro entrando em curto. Talvez fosse o único
movimento que eu fazia em vida, mas eu iria até o fim.
Respirei fundo, firmei meus punhos e engatilhei.
Minha voz era rouca:
— Sai de perto dele agora ou eu juro, pela alma dos
nossos pais, que vou estourar a sua cabeça.
37: Tensão
Derek
Faith
Derek estava morto. Foi o primeiro pensamento que
tive ao avistar o corpo desfalecido do homem que eu
amava.
A posição ainda era estranha. Seu corpo grande e
machucado descansava ao lado do armário destruído. Ele
parecia tão indefeso. Derek nunca fora um homem frágil.
Ele sempre manteve domínio sobre tudo, inclusive o que
acontecia ao seu redor, no entanto a merda havia fugido do
controle, ambos estávamos desprotegidos, e eu não tinha
nem sequer um aliado. Eu precisava zelar pela integridade
física de nós dois. Sozinha.
Os ruídos que Marcel soltava não escondiam o
cansaço e a dor que provavelmente estava sentindo. Seu
ombro se via machucado, havia um tiro em sua perna, e o
sangue, assim como contusões, cobriam boa parte do
rosto. Como se houvesse acabado de sair de uma guerra,
era a forma como ele se parecia. No entanto, eu estava
pouco me lixando para o fato. Derek estava inconsciente,
e ele era prioridade.
Me levantei com dificuldade, pois a região externa
da minha coxa ainda doía devido ao baque que levei
quando caí, e me arrastei até ele.
— Derek? — o sacudi. — Diga alguma coisa, Derek.
Por favor, a gente precisa sair daqui!
Nada.
— Derek?!
Nada.
— Vamos lá! — me desesperei. — Eu não posso
fazer isso sem você!
Uma risada chamou minha atenção. Me virei para
encarar Marcel que, já de pé, me observava.
— Não seja ingênua — disse ele. — Ele não vai
durar por muito mais tempo, você já deveria ter percebido
isso.
Minha garganta se fechou e o ódio me envolveu. Senti
minhas mãos apertarem em punhos, minhas unhas
cravando nas palmas tão fortemente que eu sentia que a
qualquer momento o sangue brotaria daquele ponto.
Por mais que Marcel nunca tenha sido o melhor
irmão do mundo, eu acreditava que ele gostasse ao menos
um pouco de mim. Quer dizer, irmãos tendem a querer
cuidar e proteger uns aos outros, certo? Por mais que a
relação fraternal não seja uma das melhores, você é
fadado a ter, por instinto, a necessidade de proteger o seu
sangue.
Eu amava Marcel, mesmo sabendo que não recebia o
mesmo sentimento de volta. Até me sentira em parte
aliviada por saber que Derek não iria assassiná-lo na
minha frente e — não me leve a mal — por mais que ele
merecesse pagar por todo o sofrimento que causou, eu
preferiria, caso tivesse escolha, vê-lo se redimir por seus
erros atrás das grades, do que presenciar uma bala
perfurando o seu cérebro.
Entretanto, as coisas haviam mudado a partir de certo
ponto. Eu percebi que não tinha mais jeito. Era matar ou
morrer. Oito ou oitenta. A selva.
Puro instinto de sobrevivência e, sinceramente, desde
o primeiro instante em que ele colocou o dedo sobre
Derek, eu percebi que a melhor coisa para todos os
envolvidos era se Marcel estivesse morto.
— A culpa é toda sua — sibilei.
Minhas mãos se arrastaram atrás de mim. Firmei meu
toque em algo frio e comprido, fechando meus dedos em
torno dele. O corpo era fino. Parecia ser uma das
ferramentas que haviam caído quando o armário desabou.
Eu torcia para que conseguisse localizar a bendita arma
carregada, mas ela estava perdida debaixo dos escombros
de metal enferrujado e madeira velha. Eu tinha que agir
rapidamente.
— Pare de tentar colocar toda a maldita culpa em
mim! — ele retrucou. — Foi você quem fodeu com um
assassino e foi burra o suficiente para se deixar levar por
ele! Portanto não me venha com isso agora, ok?
— Não que isso importe pra você, mas eu me
apaixonei por ele, seu imbecil — gritei. — Você nunca
vai saber o que isso significa, porque não é capaz de
amar, muito menos de fazer com que alguém o ame!
Ele balançou a cabeça.
— Eu amo meu filho — disse. — E eu sei que ele me
ama também.
— Você acredita mesmo que Rachel vai deixar você
se aproximar de Max depois de todas as besteiras que
fez? — balancei a cabeça. — Seu filho está bem longe
daqui agora. Você nunca vai saber notícias sobre Max.
Ele passou a mão pelos cabelos, com raiva.
— Vocês, suas putas! — rosnou. — Vocês são umas
ordinárias. Eu vou matar aquela vadia quando tiver
oportunidade.
Soltei o ar, parcialmente aliviada pelo fato de a
minha cunhada e sobrinho estarem bem longe de Nova
York àquela altura. Eu estava fadada a morrer naquela
casa com Derek, mas ao menos outras duas vidas eu
salvaria.
Sorri sem humor.
— Você não vai assassinar mais ninguém — apontei.
— Vamos todos morrer nesta casa, Marcel, mas você não
mata mais ninguém.
Eu não calculei com precisão meus movimentos, mas
fui ágil o suficiente para que, em questão de segundos,
meu corpo estivesse se chocando contra o dele. Ergui
minha mão, percebendo que a ferramenta que eu havia
apanhado era, na verdade, uma chave de boca e desci o
objeto contra o seu ombro ferido.
Ele rugiu, recuou e bateu as costas contra a parede.
Eu investi novamente, mirando na direção do seu
rosto. No entanto ele foi mais rápido quando segurou meus
pulsos, enquanto eu ainda lutava para atingi-lo com chutes
e socos.
— Eu odeio você! — rosnei, ainda em fúria. —
Odeio!
— Cale essa boca — ele torceu meu pulso para que a
chave de boca caísse e me empurrou. Eu acabei caindo no
chão, a dor se alastrando pela minha bunda. — Você não
sabe o que diz, porra. Você está me deixando louco.
— Você não percebe? — eu repliquei. — Você já é
um caso sério de cérebro fodido e mente distorcida. Você
está destruindo a minha vida, e eu nunca vou te perdoar!
— Eu não estou te pedindo perdão — disse. — O seu
namorado teve o que merecia. E o mesmo vai acontecer
com você, caso não colabore.
Marcel começou a andar pelo espaço, mancando um
pouco devido à perna ferida. Era óbvio que ele estava
perturbado. Também parecia bastante cansado.
— Ok — ele respirou fundo e voltou a falar. — Nós
vamos cuidar do corpo dele primeiro, depois vamos
embora desta casa. Você vem comigo e não quero ouvir
mais nada a respeito dessa merda. Ou você dança
conforme a minha música, ou vai ser enterrada junto com
esse imbecil.
A forma como ele falou comigo me causou um
arrepio.
— Foda-se! — gritei. Ele estava sugerindo enterrar
Derek vivo? Só por cima do meu cadáver. — Você é
louco. Completamente louco.
Ignorando seu olhar de repreenda, eu voltei para
Derek. Eu tinha que acordá-lo. Tinha ao menos que tirá-lo
dali.
— Derek, porra, acorde!
Eu toquei em suas costas e percebi que ele respirava.
No entanto, não pude aprofundar minha inspeção quando,
de repente, um estrondo abalou a casa.
— Que diabos é isso? — Marcel praguejou,
alarmado.
Em seguida, uma sirene soou pela residência, alta e
aguda.
Paralisei. E se a polícia havia chegado? Eu não sabia
quem quer que pudesse ter chamado o socorro, mas fosse
quem fosse, eu estava feliz por algo como aquilo estar
acontecendo.
— Provavelmente é a polícia — falei. — O jogo
acabou para você, Marcel.
— Não seja estúpida — começando a dar voltas pelo
porão, certamente nervoso, ele balançou a cabeça. — Isso
é o detector de fumaça. A casa está pegando fogo, porra.
Fogo? Era só o que me faltava.
Eu movi meus pés até alcançar a base do pequeno
lance de escada, e então consegui ouvir mais nitidamente.
Sim, era o alarme de incêndio.
Desespero me envolveu. Eu não fora capaz de
perceber, no meio da adrenalina e desespero, mas o
cheiro era forte. Gás de cozinha, misturado à fumaça.
Droga!
Nós tínhamos que sair dali, mas antes de tudo eu
precisava de socorro para Derek.
Eu não tive tempo de voltar até ele, pois Marcel me
pegou e me puxou pelo braço.
— Venha, vamos sair daqui.
— Não! — eu protestei. — Derek está inconsciente,
seu idiota. Me solte!
Ele continuava me puxando, e eu tentando resistir.
— Ele não vai sobreviver por muito tempo, Faith.
Venha comigo e não seja uma cadela. Nós temos que sair
daqui.
— Pois vá sozinho! — eu puxei meu braço. — Eu
não vou a lugar algum sem ele.
Ele bufou, furioso.
— Foda-se! Eu vou matar esse imbecil.
E com isso, ele se dirigiu para cima de Derek. Eu fui
mais rápida, montando um bloqueio, empurrando seu peito
com toda a força que possuía. Marcel tentou me tirar do
caminho e, sem aviso, o meu joelho se conectou com o
meio de suas pernas.
— Sua cretina! — meu irmão se curvou com a nova
invasão de dor, mas não sem antes me dar um tapa no
rosto.
Ardeu. Senti o mundo girar, mas não vacilei quando
vi que Marcel estava partindo para cima de Derek de
novo, agora com algo na mão. Parecia uma barra de ferro.
Voltei a atacá-lo, meu joelho tentando ao máximo
atingi-lo, minhas unhas cravando na pele, meus braços
empurrando.
— Você é tão idiota — gritei. — Seu fodido doente,
eu quero que você morra!
Ele me empurrou, eu caí. Rolei no chão quando ele
me deu um chute nas costelas.
O ar de repente ficou espesso.
— Veja só o que você me faz fazer! — vociferou,
enfiando os dedos entre os cabelos. — Eu não quero te
machucar, Faith, portanto colabore!
Eu não consegui dizer mais nada. Fiquei ali no chão,
enquanto ele voltava a mancar até Derek.
Merda! Eu não podia permitir que ele fizesse aquilo.
Eu me arrastei pelo chão, tentando sem muito sucesso
chegar até ele sem que causasse muito alarde. Contudo,
tanto eu quanto Marcel paralisamos quando um tiro
chamou nossa atenção. Eu só não sabia precisar se era de
longe ou perto de onde estávamos.
— O que diabos isso significa agora? — ele rosnou,
desviando o caminho e vindo em minha direção. — Vamos
sair daqui, porra, não discuta.
Eu tentei resistir e me debater — eu não podia sair
dali sem Derek —, mas ele era muito mais forte e mais
ágil que eu.
Marcel me puxou e, em questão de minutos, eu estava
sendo arrastada por escadas, corredores e em
determinado momento eu não conseguia enxergar muita
coisa.
A casa estava pegando fogo, fumaça tóxica e escura
cobria boa parte do ambiente. Coloquei a manga do meu
casaco contra meu rosto, impedindo-me de inalar muito.
Como aquilo havia acontecido? O cheiro de gás era
forte também, coisa que nós não sentimos com nitidez
estando no porão e envolvidos por tanta confusão. Era
óbvio que o vazamento começara a ocorrer havia um bom
tempo.
Marcel continuou me puxando por uma área que eu já
não reconhecia. Nós andamos até um determinado ponto,
tentando enxergar o que podia.
Eu parei e ainda tentei me soltar, mas fui impedida
por braços fortes e pela onda de calor. Eu só conseguia
pensar em Derek e no quão em perigo ele estava.
Marcel recuou rapidamente quando um lustre
despencou do teto a poucos centímetros de nós.
Ele praguejou e voltou a se afastar quando uma
cortina totalmente lambida pelo fogo por pouco não atinge
seu terno.
Aquela era uma das desvantagens de se ter uma casa
quase que totalmente equipada por carpete de tecido e
cortinas pesadas. A merda estava se alastrando muito
rapidamente. Não havia saída visível.
Nós iríamos morrer ali dentro.
Não foi o fim que eu sempre desejei para a minha
história e de Derek. Eu tinha esperanças de que nós um
dia fôssemos viver juntos em uma casa bacana, com
crianças e uma cerca bonita onde eu poderia plantar flores
num canteiro.
Nós seríamos uma família e viveríamos felizes.
Mas tudo aquilo havia sido destruído.
Queimado num fogo vivo, da mesma forma que
acontecia com aquela casa.
Era o fim.
— Ei! — uma voz conhecida chamou nossa atenção.
Nos viramos. — Procurando por mim?
Pelas sombras da fumaça enegrecida, não era muito
fácil visualizar nitidamente, mas eu consegui avaliar o
suficiente para identificar quem era.
Samantha.
O que ela estava fazendo ali depois de eu ter
orientado para que fosse embora da cidade eu não sabia,
mas seja lá por qual motivo ela tenha vindo até nós, eu me
senti aliviada.
— Sua vagabunda — Marcel vociferou. — Foi você,
não foi? Foi você que botou fogo na minha casa?
Eu engoli em seco e meus músculos ficaram tensos.
— O que você acha? — ela desafiou. — A minha
intenção era queimá-lo vivo neste lugar que só me fez ter
lembranças ruins. De qualquer forma, acabou, Marcel.
Você nunca mais vai prender mulher alguma nessa prisão
que chama de lar.
Marcel riu.
— Você é mesmo uma vadia burra, Samantha — ele
disse. — Todos nós vamos morrer nesta casa. Eu vou para
o inferno, mas a levo comigo.
Agora foi a vez de Samantha sorrir.
— Não, Marcel — eu a vi levantar a arma e apontá-
la para o meu irmão. — Você é o único que vai morrer
aqui.
— Você vai mesmo atirar no seu marido? — ele
provocou. — O homem que te deu uma casa e lhe tirou da
miséria?
— O homem que só me fez de seu fantoche, você quis
dizer — ela acusou. — Eu nunca fui feliz com você,
Marcel. Eu nunca me senti amada e querida, e isso acaba
agora!
— Eu sou o pai do seu filho — ele continuou.
Cautela em cada palavra. — Como você acha que Max
vai reagir quando souber que a mãe assassinou o seu pai?
Que você privou o garoto de ter uma vida normal?
Eu já podia ver as lágrimas molhando o rosto da
minha cunhada. Max era seu ponto fraco e Marcel estava
sabendo jogar perfeitamente com aquele fato.
— Eu estou protegendo ele — respondeu ela. — Eu
não quero que o meu menino cresça sendo um homem
como você. Seria demais para mim.
— Você não tem coragem — ele desafiou. — Você
mal era capaz de me fazer gozar, o que acha que
conseguiria agora, utilizando uma arma?
Ela não respondeu, mas eu podia ver o ódio em seus
olhos.
Ele riu e continuou.
— Ora, quando é que você vai se tocar? Todos
sempre te enxergaram como uma mulher fina e respeitada,
mas na verdade você nunca passou de uma... — suas
palavras foram cortadas quando um impacto cortou o ar.
Então eu percebi que Samantha havia dado seu primeiro
tiro no peito de Marcel.
Ele abaixou o olhar até o ponto onde o sangue
começava a manchar sua roupa, mas sorriu. Sua cabeça se
ergueu lentamente e, com isso, novamente alfinetou:
— Isso é tudo o que você consegue? A mulher que
não passava de uma vagabunda embalada numa roupa de
grife pensa que criou bolas para... — outro tiro.
Ele ofegou, mas continuou:
— ...me desafiar — sua voz estava fraca, a
respiração entrecortada, mas ele voltou a insultar
enquanto cambaleava para a frente: — Uma puta de luxo,
é isso o que você é. Uma imprestável. Uma cretina que
nunca fez nada de útil na vida além de abrir as pernas
para... — e com isso, mais um tiro fora ouvido, seguido
por outro e mais outro. Tantos disparos que meus ouvidos
não souberam definir a quantidade, mas eu percebi que
Samantha havia descarregado todo o maldito cartucho da
pistola no meu irmão quando ela continuou apertando o
gatilho, mas nada mais saía.
O silêncio se seguiu.
Marcel alternou seu olhar entre nós duas. Eu só o vi
abrir e fechar a boca como um peixe fora d’água. Em
seguida, desabou no chão.
Morto.
Marcel estava morto.
Eu estava em choque. Eu não sabia quanto tempo
havia se passado, ou o que eu estava fazendo ali parada,
mas eu sentia calor, um calor insuportável, e algo
começava a me deixar tonta e me fazia tossir. Ao fundo eu
ainda escutava a sirene do alarme. Havia alguém gritando
comigo.
— Faith! — Samantha gritava. Sim, Samantha, a
antiga Rachel. A ex-namorada de Derek e viúva do meu
irmão recentemente assassinado. Recobrei meus sentidos.
— Vamos dar o fora daqui! Eu ateei fogo em vários
pontos da casa, o incêndio está se alastrando muito
rapidamente.
— Derek — eu consegui dizer. — Temos que salvar
o Derek!
Ela parou.
— Droga! Onde ele está?
— No porão — informei. — Temos que ajudá-lo. Ele
está desmaiado no porão.
Ela se virou, mas novamente um pedaço de algo
semelhante ao forro do teto caiu próximo a nós.
— Não temos mais tempo, Faith — ela balançou a
cabeça. — Eu presumo que o sistema de alarme acionou o
socorro. Eles estarão aqui em breve. Vamos, eles vão nos
ajudar a resgatá-lo. Mas temos que sair daqui agora!
— Não, eu não vou sair daqui sem ele — me
desgarrei dela.
— Faith!
Ela tentou me pegar novamente, mas eu comecei a
correr, desviando do fogo e dos destroços de móveis
queimados.
Eu tinha que encontrá-lo. Eu tinha que ajudar Derek.
Onde ele estava? Onde eu estava? A fumaça se movia
por toda parte, eu não conseguia enxergar muito e já havia
inalado o suficiente.
De repente, eu me senti tonta.
Droga! Não era o melhor momento para desmaiar.
Andei com cuidado — ao menos pela parte que ainda não
havia sido atingida — e foi quando tropecei em algo e caí
sobre a minha perna.
Gritei com a dor. Puxei a minha perna e tentei me
arrastar ainda mais, mas boa parte do chão estava
pegando fogo, as paredes estavam quentes. Eu não
consegui ir muito longe. Ouvi apenas passos atrás de mim.
Mãos desesperadas me pegaram pelo braço, enquanto
alguém falava alguma coisa sobre termos que sair dali.
Era Samantha. Ela ainda estava ali. Meus olhos focaram
em algo e novamente a tontura me bateu.
Eu não soube ao certo o que havia dito, mas eu
lembrei de tentar dizer o nome dele uma última vez antes
de perder os meus sentidos completamente.
PARTE V: FINAL
Faith
Faith
Faith
Taint
Ei, cara.
Eu nem sei por onde começar essa merda, mas não
ria de mim por isso, ok? Eu não sou muito bom com as
palavras. Apesar de ser um cara moderno, ouvir Miley
Cyrus (aliás, você já assiste Hannah Montana agora?) e
depilar as pernas, eu não sou do tipo de cara que faz
declarações e porcarias do gênero.
Certo, eu sei o que você deve estar pensando agora.
Eu já disse que te amava por um bom par de vezes, não
é? Isso soou tão gay agora, mas vamos lá, eu não tenho
preconceitos. O negócio é que, sim, você é importante
para mim, Derek. E é por este motivo que estou lhe
escrevendo esta carta. Uma carta que eu não tenho
certeza se vou ter coragem de enviar para você, mas
esteja certo, caso leia isso algum dia, que toda a minha
alma está nela.
Nova York; verão; quatro anos atrás. Eu havia
acordado com o barulho de galhos batendo contra a
minha janela, logo após ter tido um sonho onde pássaros
gigantes invadiam a minha casa, prendiam-me na
cadeira da cozinha e roubavam todo o meu cereal.
Infantil, eu sei, mas eu tinha um medo do caramba de
pássaros, e eu também morria de medo de viver na
solidão. É curioso o fato de um cara como eu ter optado
por ser policial, mas coisas como essas ocorrem, talvez
por já estarem escritas no caderninho do Destino ou
simplesmente por uma mera ironia da vida. Acontece que
naquela noite — a noite em que eu levantei da cama e
decidi sair para a rua por não querer ficar sozinho em
casa — eu acabei por encontrar você.
Você acredita em anjos da guarda?
Acredita em destino, truques da vida ou instinto?
Eu não sei. Nós tivemos tão pouco tempo para falar
sobre isso, mas já parou para pensar que eu, talvez,
tenha sido uma espécie de anjo da guarda para você?
Não do tipo brega que veste batas e tem asas, mas o tipo
de anjo da guarda sexy (mais precisamente com uma
razoável camada de músculos), engraçado, modesto e
totalmente leal?
Já parou para pensar que a menina Faith, com todo
o seu jeito delicado, esquentadinho e carismático, seja o
destino lhe dando uma chance de recomeçar?
Eu não estou ficando louco, Derek, ela é importante
para você. Não tente negar, pois eu percebi isso. Talvez
até antes de você mesmo perceber. E antes que pense que
eu estou tentando me meter na sua vida, quero apenas
lhe pedir para que jamais, em hipótese alguma, você
deixe que o que sente por ela morra. O amor verdadeiro
é um dos sentimentos mais puros e virtuosos que estamos
propensos a sentir um dia, e ele só acontece uma vez.
Exatamente isso que você leu, meu amigo. Uma
única vez.
Eu não sei como você vai reagir a isso, mas as
coisas estão mudando, Derek. Eu não quero te preocupar
ou te deixar alarmado, mas eu sei que o meu tempo aqui
está contado. Mas, ei, não se assuste. Eu aceito isso,
sabia? Eu aceitei o meu destino desde o momento em
que estendi a mão para você e me tornei o guardião dos
seus maiores segredos. Eu aceitei a minha sina desde
que você me ensinou a ter cautela, não medo. Quando
você me mostrou que valores muitas vezes podem vir em
formas de atitudes distorcidas e pensamentos incomuns.
Eu aceitei tudo isso porque é essa a minha missão
na Terra.
Você pensa que eu salvei a sua vida, mas, na
verdade, foi você quem salvou a minha. Você me ajudou
a vencer meus medos e a encontrar um verdadeiro
sentido na vida. Você me mostrou que pessoas, por mais
amarguradas e quebradas que elas sejam, são capazes
de se reconstruir um dia.
Eu sempre acreditei que tinha algo de bom em você,
Derek. E eu ainda acredito.
Nunca se esqueça: eu te amo, cara.
Do seu irmão de alma,
Ryan C. Kennedy.
Dobrei cuidadosamente a carta escrita numa simples
folha de papel ofício e a guardei dentro do meu bolso.
Secando as gotas de suor que escorriam por entre as
minhas sobrancelhas, eu voltei para o fundo do trailer,
invadindo a velha garagem.
As diversas prateleiras anexadas à parede guardavam
vários frascos de óleo de motor e graxa. Um carrinho de
mão detonado pelo tempo descansava em pé ao lado de
um pneu.
Corri meu olhar com mais afinco pela oficina e
localizei no lado oposto o que eu precisava. Apanhei a pá
que estava em menos pior estado e voltei para o lado de
fora. Em seguida, comecei a escavar.
Desde o momento em que eu e Ryan nos tornamos
uma dupla, concordamos que ambos teríamos um
esconderijo só nosso, onde guardaríamos mantimentos
reserva, caso algo acontecesse com um de nós.
Nós escondíamos dinheiro, armas e tudo o que
precisávamos dentro de caixas enterradas nos arredores
do estacionamento de trailers onde ele costumava ficar
algumas vezes. E era exatamente por este motivo que eu
estava executando aquele processo.
Encontrar a carta que o meu melhor amigo havia me
escrito e nunca chegou a me entregar foi algo que me
surpreendeu. Ele havia escondido o pedaço de papel em
um cofre dentro do seu quarto, junto com algumas cópias
de documentos e chaves de carros velhos.
Refleti sobre todas as coisas que ele havia me dito.
Realmente, Ryan fora uma espécie de anjo da guarda. Sem
ele eu sabia que não conseguiria estar onde eu estava.
O filho da puta fazia falta...
Após escavar o suficiente, consegui encontrar a caixa
de madeira. Puxei o objeto que não pesava muito e o abri.
Lá haviam vários documentos falsos, entre outras
coisas de que eu precisaria. Peguei a cópia de um deles e
avaliei. O documento ostentava a minha foto, no nome lia-
se Taint Maloy.
Taint era um professor de educação física de trinta e
dois anos, sem passagens pela polícia, sem mulher, sem
filhos e quase meio milhão enterrado em algum ponto de
merda no solo do estacionamento de trailers abandonado.
Eu não era bobo, havia guardado dinheiro em, pelo
menos, três pontos ao redor do estado.
Eu sabia que no dia que a merda batesse no
ventilador, eu precisaria ter reservas. E foi exatamente o
que aconteceu. A polícia estava atrás de mim, eu era um
fugitivo supostamente morto e, apesar do fato de sentir
saudade de Faith, eu não podia dar as caras.
E só em pensar que eu quase morri.
Se aquele homem não houvesse aparecido no
momento em que eu acabara de despertar totalmente
desorientado naquele porão cheio de fumaça, as coisas
estariam feias.
Olhei para a marca avermelhada em meu pulso onde
meses atrás o segurança de Marcel havia me dado uma
maldita mordida, tentando me fazer soltar o pedaço de
perna de cadeira que eu havia utilizado para me defender
no momento de fúria.
Eu não sabia de onde havia saído aquele fodido, uma
vez que eu acreditava que o único capanga de Marcel
dentro da casa estivesse morto. Na verdade, ele parecia
mal, com uma marca de facada no ombro, tão
desorientado quanto eu.
Ele tentou me acertar, nós travamos uma pequena
luta, e então eu o asfixiei. Aquilo foi o fim para ele.
Depois disso eu consegui me safar pela pequena janela no
porão. Com um pouco de dificuldade, mas finalmente
passei por ela.
Eu sabia que Marcel morrera, e Faith estava segura,
pois eu vi o exato momento em que a ambulância chegou
para socorrê-la. Todavia, ainda não era o momento certo
de aparecer. Eu não podia correr aquele risco.
Eu tinha, primeiramente, que cuidar da minha
documentação falsa, doaria o montante em dólares que
pertencia a Ryan para os seus familiares e, em seguida, eu
iria atrás de Faith.
Não iria demorar muito. Eu sabia que ela me
esperaria.
43: Fantasmas Não Batem Na Porta
Faith
Derek
Derek
FIM
Agradecimentos: