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BROKEN

ATÉ QUE PONTO VOCÊ IRIA POR


VINGANÇA?

Quebrando Regras | Vol. 1


(Série de livros Independentes)

LIZ S PEN C ER
Copyright © 2017 Liz Spencer.

1ª Edição

Capa: ML Capas
Revisão: Sisa Lício e Liz Spencer

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens,


lugares e acontecimentos nela descritos são produto da
imaginação da autora e usados de forma fictícia. Qualquer
semelhança com nomes, datas, pessoas, vivas ou mortas, e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Nenhuma parte desta publicação pode ser
reproduzida ou transmitida sob qualquer forma ou por
qualquer meio eletrônico ou físico sem o prévio
consentimento por escrito da autora, exceto no caso de
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permissão da autora, nem ser de outro modo circulado em
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originalmente publicado.
A autora reconhece o status de marca registrada e a
propriedade da marca registrada de todas as marcas,
sejam elas quais forem, mencionadas neste livro.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da
Língua Portuguesa.
Sumário
Sinopse
Epígrafe
Prólogo
1: Em Pele de Cordeiro
2: O Bote
3: Mostrando as Garras
4: Sem Rastros
5: Fogo e Pólvora
6: Que Comecem os Jogos
7: Meu Passado, Minhas Marcas
8: O (Anti) - Herói
9: A Chance
10: Em Maus Lençóis
11: Contratempos
12: Ligando os Pontos
13: No Inferno Faz Frio
14: A Busca
15: A Luz
16: O Primeiro Toque
17: Problemas Ocultos
18: Mudança de Planos
19: A Jogada Perfeita
20: Bonnie & Clyde
21: Boas Garotas Preferem os Caras Maus.
22: Caras Maus Preferem as Más Garotas
23: Bem-Vindos à Scout Lake
24: Boa Vizinhança
25: Up in Flames
26: Armas e Rosas
27: Roleta-Russa
28: Feliz Aniversário
29: Quando os Demônios Amam
30: Inferno no Paraíso
31: A Volta
32: Segredos Revelados
33: Primeiro Passo
34: Segundo Passo
35: Grand Finale
36: No Covil do Lobo
37: Tensão
38: Combustão
39: Perdas e Ganhos
40: Os Pingos Nos Is
41: Despedidas
42: Regresso
43: Fantasmas Não Batem Na Porta
Epílogo
Agradecimentos:
Playlist:
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Sinopse
Uma coisa é certa sobre mim: eu estou longe de ser
bom.
Não se iluda com o meu olhar, tampouco com as
minhas palavras. Eu posso ser bem convincente quando
quero.
Eu não estou aqui para ser o cara dos seus sonhos,
muito menos o seu príncipe encantado. Minha sina é
derramar sangue. Não tenho orgulho; não tive escolha; não
sou herói, mas não me considero vilão.
Se eu sei amar? Já amei uma vez. Uma única e
derradeira vez. Ela me foi tirada da forma mais cruel
possível, o que não só alimentou o ódio que eu já sentia,
como me fez nutrir um intenso desejo de vingança.
Eu só não sabia ao certo como executar isso, até
descobrir a existência dela.
Não citaremos nomes, mas digamos que ela era tudo
aquilo que faltava em mim. Ela era luz enquanto eu era o
breu, ela simbolizava vida, eu alimentava a morte. Boa,
pura e inocente. De fato, uma presa fácil, e eu me
aproveitei disso da forma mais atroz possível para pôr em
prática o meu plano de vingança. Se eu sinto culpa? A
culpa foi-se junto com a minha capacidade de amar.
Quem é ela? Eu gosto de compará-la a um anjo.
E quem sou eu? Bem, meu caro... eu sou o pior e o
mais sujo dos demônios.
Epígrafe

“A vingança é uma espécie de justiça selvagem.”


— Francis Bacon.
Prólogo

Derek

Consequências.
Até que ponto determinadas ações erradas podem
afetar no rumo de sua vida? Até que ponto elas podem
refletir em você de forma negativa? De acordo com a
terceira Lei de Newton, tudo que vai, volta. Tudo o que
você dá, lhe vem um semelhante como retorno. Para cada
ação, há uma reação.
Morte: um enigma. Uma espécie de bilhete premiado
vindo direto do inferno. Você nunca imaginou como seria
o dia de sua morte até sentir uma arma apontada para a
sua cabeça, uma faca ameaçando atingir sua jugular ou
chamas crepitando em torno de você.
Você nunca pressupôs que um bastardo doentio
decidiria usar da sua preferência pelo sadismo para
promover um tesão doentio em si mesmo, enquanto inflige
umas boas doses de tortura em algum ser enfraquecido.
Eles se aproveitam da vulnerabilidade para
conseguirem o que quer. Abusam da sede por vida para
derrubarem nossos escudos.
Desespero lesiona seu sistema.
Dor se propaga até no mais íntimo de você.
A dor é como uma vadia de duas faces. Ora amiga,
ora inimiga; ora bondosa, ora má. Eu aprendi a conviver
com ela, sensação excruciante, levando a merda fora de
mim, ao passo que eu me tornava rocha.
Na profissão em que eu atuava era mais que essencial
que você possuísse sempre o seu lado racional
trabalhando a todo vapor. Você tinha que ter não só sangue
frio, mas possuir a capacidade de analisar o
comportamento do seu oponente. Você tinha que
identificar o seu ponto fraco, cada gesto, cada mínimo
detalhe. Você tinha que ser ágil e esperto. E foi por este
motivo que eu me tornei um dos melhores lutadores
clandestinos dos subsolos de Nova York.
Eu fazia parte de um clube secreto de luta clandestina
intitulado Obsidian, onde os melhores e mais bem
treinados lutadores participavam. Cada um de nós
carregava marcas do passado que evitávamos ao máximo
compartilhar e um futuro incerto no qual não nos
arriscávamos em pensar.
Nós tínhamos nossas regras. Regras estas que
deveriam ser seguidas à risca e nunca quebradas. E uma
das mais importantes delas era não se apaixonar.
Sabe o porquê?
O amor te destrói e te venda, mas, para você que
nunca se apaixonou e se felicita por estar livre deste
sentimento corrosivo, eu tenho uma notícia não tão boa
assim, meu amigo: ele é inevitável.
Nova York, quatro anos atrás.
Dizem que o ser humano, por segundos antes de
morrer, tem um rápido e nostálgico flashback de toda sua
vida.
Eu tinha a nítida impressão de estar numa vazia sala
de cinema, vendo um filme triste e vergonhoso de todas as
minhas ações passadas. É neste momento que você para e
pergunta a si mesmo se fez algo de útil em sua existência
de merda. Se fez alguém sorrir, se matou a fome de um ser
vivo... enfim, se cometeu um ato importante ou se apenas
manteve sua bunda no sofá de casa assistindo às notícias
do CNN e se lamentando das catástrofes mundiais.
Eu sabia que não havia sido um cara bom e não me
orgulhava, muito menos escondia isso. Meus defeitos?
Eram muitos. Meus pecados, imperdoáveis. Mas eu não
tinha medo de morrer.
O sabor metálico do sangue era intenso. O inchaço
em meus olhos me impedia de enxergar corretamente. Me
encolhi na areia macia e alva e involuntariamente gemi
quando um pé revestido por um caro sapato italiano
acertou em cheio um ponto logo abaixo das minhas
costelas.
— Eu só vou perguntar mais uma vez — sibilou o
homem diante de mim, sua voz fria e letal como lanças
afiadas. — E espero que você colabore.
Não me movi. Estava incapacitado de o fazer.
Apenas ouvi sua voz rouca soar pausadamente logo acima
da minha cabeça:
— Onde. Está. O meu. Dinheiro?
— Eu não sei... — aquilo me rendeu uma dor aguda
no estômago quando fui atingido novamente. Meus olhos
ardiam com a areia que havia neles e meu cérebro parecia
estar solto em seu recanto.
— Mentiroso! — bradou, irado. — Por que diabos
você ainda insiste em defender aquela vagabunda? — ele
puxou meus cabelos com força, até que uma dor pungente
atingisse em cheio o meu couro cabeludo. — Ela vai
acabar com você, seu idiota. Achei que valesse mais que
isso!
Foquei mais uma vez no corpo imóvel de Samantha.
Um fino filete de sangue escorria de sua testa, onde havia
levado uma coronhada, pingando sobre a areia da praia.
Eu havia lhe trazido a este inferno, pensei.
Nós arquitetáramos um plano de fuga, assim que
percebemos não ser mais possível continuarmos às
escondidas. Eu possuía dinheiro suficiente para sustentar
a nós dois, mas ela havia insistido em tirar algo de
Marcel, a fim de levar para sua família em Wyoming.
Aquele fora nosso erro. Marcel dera falta do dinheiro
antes mesmo que estivéssemos fora do estado e nos armou
uma emboscada, apanhando-nos indefesos e desarmados.
Se fosse em outras circunstâncias, eu não hesitaria
em enfiar uma bala bem no meio de seu crânio. Ele era
odioso, deplorável e nojento. Mas eu estava em
desvantagem. Fui pego de surpresa, desarmado, estava
ferido e a mulher que eu amava se encontrava
inconsciente.
Aquela noite não terminaria bem.
— Você me decepcionou, Derek — disse ele, o
sarcasmo escorrendo pelos caninos feito o veneno de uma
cobra. — Um cara tão cheio de si, cometer a estupidez de
cair na tentação e deixar-se levar por uma vagabunda.
Estou entristecido, mas eu vou te dar mais uma chance. Eu
sei que você não teve culpa, companheiro. Tudo foi por
influência dela, não é mesmo? Aquela mulher é
manipuladora. Nós temos algo em comum, fomos iludidos
por ela e eu me compadeço por você.
Tentei controlar minha respiração acelerada,
conforme rolava para fitá-lo.
— Culpe a mim, Marcel. Ela não tem nada a ver com
isso.
— Tsc tsc, Derek, ouça só você! — ele balançou a
cabeça. — Está me assustando, homem. Vamos fazer
assim... eu cortarei o mal pela raiz, o que acha? Pouparei
o seu sangue e esquecerei o dinheiro que me roubaram.
Irei esquecer até mesmo o plano de fuga de vocês dois —
não precisei perguntar para saber o que ele queria com
aquilo. — Azael, traga-a.
— Não! — arrastei-me pelo chão, tentando me
erguer, mas uma dor aguda me atingiu o ombro e cessou
meus movimentos.
Despertando, Samantha murmurou meu nome. Seu
corpo foi sustentado pelos braços enormes do capanga de
Marcel e erguido do chão. Ouvir sua voz tão fraca e rouca
me deixava angustiado. Fazia um bom tempo que eu não
me sentia assim, e eu não gostava nem um pouco daquela
sensação.
— Porra, Marcel! — grunhi. — Solte-a. É a mim
quem você quer. Fui eu quem roubou o dinheiro.
— Isso é mentira! — Samantha se manifestou. — Eu
roubei. E eu dei fim no seu dinheiro de merda, Marcel.
Um violento tapa vibrou a sua face esquerda, fazendo
com que seu rosto bonito adquirisse um tom rubro. Me
odiei naquele momento por não poder fazer nada para
protegê-la.
— Eu tenho ciência disto, vagabunda! — Marcel
rugiu, os lábios bem próximos ao rosto de Samantha. Ao
se virar para mim, o sorriso diabólico estava presente em
sua boca novamente. — O que você acha da ideia de eu
matá-la agora, Derek? — ele puxou-a pelos cabelos.
Samantha gemeu, mas manteve-se firme. — Eu posso fazer
de forma lenta e agonizante... — ele desembainhou uma
faca de algum lugar em suas costas, colocando diante do
pescoço dela — ou eu posso ser piedoso e tornar isso
rápido.
Enquanto as palavras podres deslizavam da boca de
seu chefe, Azael compreendia a mensagem, sacando uma
arma do coldre em sua calça e apontando para Sam.
Marcel continuou:
— Vou permitir que você escolha, Derek. Seja
rápido.
Eu não sei ao certo quanto tempo a mente humana
custa para raciocinar em momentos difíceis, afinal, cada
um reage de uma determinada maneira. Mas o meu
cérebro estava em torpor naquele momento. Era como se
eu estivesse anestesiado e os pensamentos custassem a se
desenrolar.
Eu não iria devolver o dinheiro por dois motivos:
um, a grana já havia sido enviada para a família de
Samantha e, dois: eles nos matariam sem pensar duas
vezes, assim que o dinheiro estivesse em suas mãos.
Com certa dificuldade, sentei-me. Samantha me
olhava com um brilho conhecido nos olhos. Não havia
medo, apenas uma determinação e uma coragem que eu
não sabia de onde ela havia tirado. Nós dois estávamos
cientes do que aconteceria. Nós dois sabíamos que aquele
era o fim da linha.
Marcel colocou-a de pé. Admiração me envolveu ao
observar seus cabelos escuros e compridos se
esvoaçarem com a brisa gelada. Era madrugada e a lua, lá
do alto, derramava em sua pele macia uma luz prateada.
Samantha era linda.
Era minha.
E Marcel queria tirá-la de mim.
Coragem foi empurrada para cada zona do meu
cérebro, impulsionando o meu corpo em um avanço
certeiro na direção de Marcel. Assustado com o meu gesto
repentino, o homem deixou cair a faca. Não hesitei ao
puxá-lo pela gola da impecável camisa social e lhe dar
um soco, fazendo-o tombar na areia novamente.
— Desgraçado! — rugiu, alcançando a arma em suas
costas. Em um movimento rápido, consegui com que a
pistola voasse longe.
Agradeci aos anos de experiência árdua com a luta,
que me ajudaram a ser ágil, dando socos e mais socos em
Marcel até que eu o tive com o rosto totalmente sangrando
debaixo de mim. Prensei seu pescoço com as mãos. Seu
rosto começava a adquirir um tom arroxeado e ele lutava
por ar.
A vida dele pela sua. Eu já podia sentir o diabinho
sussurrando em meu ouvido. Incitando-me a ir mais firme.
Eu fui mais firme. Meus dedos enrolaram-se na carne
pegajosa com o suor que brotava e escorria. Dedos
apertaram minhas coxas; unhas curtas tentaram atravessar
o meu jeans; punhos fracos ansiavam ferir ainda mais o
meu rosto.
Mais firme.
Um urro de dor masculino ecoou pelo ar. Virei minha
cabeça a tempo de ver Azael ao chão, segurando sua coxa
onde um corte profundo empapava de sangue sua calça
escura. Ao lado dele, Samantha cambaleava com a faca de
Marcel em mãos.
Sorrimos um para o outro e ela gritou "Cuidado!" no
mesmo instante em que Marcel me pegava de surpresa e
direcionava-me um soco logo abaixo do queixo.
Caí com as costas na areia, lutando para me
reequilibrar. Outros golpes me foram desferidos, dos
quais maioria deles eu conseguia me defender. Me
livrando dele, rolei no chão e peguei uma das armas que
havia caído.
Apontei.
Engatilhei.
Respirações pesadas dominavam os movimentos
oscilantes do meu peito. Suor banhava a minha testa e
poeira cobria toda a minha roupa. Eu sabia como
empunhar uma arma. Havia crescido nas ruas escuras e
violentas de Detroit, lutava cada dia pela sobrevivência.
Com um pai bêbado e violento dentro de casa, eu tinha
que me defender. Nunca fizera uma vítima fatal, mas eu
estava disposto a fazer naquela noite.
— Fuja, Sam! — orientei apressadamente, meus
olhos ainda fixos em Marcel, calculando cada movimento.
— Eu darei um jeito neles.
— Eu não vou deixar você aqui! — ela balançou a
cabeça com veemência. — Estamos nessa, juntos.
— Me ouça, Samantha — insisti. — Corra!
— Não, Derek, eu não vou deixar você.
Marcel chamou minha atenção quando riu. Uma
risada feia e grotesca que fez o meu estômago se revirar.
Com a arma ainda preparada em minhas mãos, vi de
relance Samantha se apressar em empunhar a faca no
pescoço de Azael.
— Vocês dois são deprimentes — ele provocou. —
Acabe com isso logo de uma vez, homem. Mate-me e leve
a prostituta com você.
Ódio cru e letal me corroeu por dentro, contudo não
deixei transparecer. Samantha estava longe de ser uma
prostituta. Ele a havia iludido com um mundo cheio de
glamour e diamantes. Ela era apenas uma mulher inocente
que caíra em suas garras.
— O que foi? Não tem coragem? — outra risada. —
Eu sou Marcel Bloom. Meus homens irão atrás de vocês.
Eles os matarão, Derek. Portanto, acabe logo com isso.
Uma movimentação estranha seguiu suas palavras.
Direcionando meu olhar para o lado oposto, avistei os
faróis de outros automóveis evidenciando a chegada de
mais homens.
— Droga! — resmunguei, já me preparando. —
Corra para o carro, Samantha. Agora!
Alarmada, ela soltou Azael e correu em direção ao
SUV blindado que Marcel havia deixado estacionado
poucos metros dali.
Marcel continuava a sorrir tranquilamente ao me
observar segui-la. Eu ainda mantinha a arma apontada em
sua direção, garantindo que nenhum dos dois homens se
levantassem.
No momento em que eu entrei no carro e assumi o
volante, Azael se levantou, vindo em nossa direção. Girei
a chave já inserida na ignição e dei partida no carro, a
borracha rasgando o asfalto.
Tiros ecoaram atrás de nós e uma caçada insana no
meio da pista se iniciou. Os faróis emitiam uma luz clara e
cegante, atrapalhando a visão do que vinha logo atrás, mas
não o suficiente para me intimidar. Eu salvaria ao menos
ela.
— Eles estão vindo atrás de nós! — Samantha olhava
para trás, agora muito mais assustada.
— Mantenha-se abaixada — orientei. — Darei um
jeito de despistá-los.
Era madrugada e o tráfego de automóveis
praticamente não existia. O que impossibilitaria de nos
camuflarmos no meio da pista.
— Eles vão acabar conosco, Derek.
Olhei pelo retrovisor e havia dois carros atrás de
nós. Os tiros começaram a se tornar ainda mais altos à
medida que se aproximavam, raspando na lataria blindada
de Marcel.
Virei-me para ela.
— Você consegue dirigir? Consegue fazer isso?
— O que você vai fazer?
— Me diga, Sam, você consegue?
Ela balançou a cabeça em afirmativa.
Atentando para ainda manter a velocidade, permaneci
em meu lugar, manipulando os pedais do carro, enquanto
ela se curvava desconfortavelmente para assumir o
volante.
Peguei a arma e a preparei. Segundos depois eu
começava a atirar para fora, mirando um ponto logo atrás.
Os vidros dos outros automóveis provavelmente eram
blindados, portanto acertei nos pneus — nos dois
dianteiros. Um dos carros fez uma derrapagem brusca,
mas manteve-se a todo vapor.
Percebi que em um deslize eu havia reduzido a
velocidade, o que deu chance para o outro carro se
aproximar de nós. O motorista teve a infeliz ideia de
colocar o corpo para fora da janela e mirar em mim. Sem
pensar duas vezes, acertei-lhe um tiro.
Pneus entortaram, direção ziguezagueava e os dois
automóveis colidiram fortemente um com o outro bem
atrás de nós. Ambos, sem controle, começaram a pegar
fogo. Samantha gritou assustada, assim que a nuvem de
fumaça e calor se seguiram.
Assumi o controle do volante novamente e um sorriso
trêmulo despontou em meus lábios. A minha primeira
vontade foi de gritar. Extravasar até o limite. Bater no
peito e dizer àquele bastardo filho da puta que eu havia
vencido. Eu matei os seus homens e aquele inferno havia
acabado.
Eu ainda sorria quando alcancei a mão nervosa de
Samantha e beijei seus dedos trêmulos. Nós ainda
tínhamos uma segunda chance para sermos felizes.
Mas o meu sorriso não se manteve vivo por muito
tempo.
Bastou apenas um olhar pelo espelho retrovisor para
que eu conseguisse avistar um terceiro automóvel.
— Puta que pariu! — soquei o volante com força.
Eles não brincavam em serviço.
Havia, mais ou menos, dois caras dentro do veículo,
pelo que pude notar.
— Derek, eles vão nos matar! — ela voltou a se
desesperar, as lágrimas escorrendo por seu rosto. — Oh,
Deus, vamos morrer...
— Eu não vou permitir que eles façam nada com
você, ouviu bem? — passei uma mão em seus cabelos,
tentando acalmá-la, conforme manipulava o volante com a
outra, indo o mais rápido possível.
— Não há como escapar, Derek.
Realmente não havia como escapar. Parei
bruscamente ao olhar para o painel e perceber que o
combustível havia chegado ao fim.
Porra, era só o que faltava!
— O-o que houve? — ela indagou com voz trêmula.
Suspirei e recostei a testa no volante do carro,
tentando pensar em algo. Eu tinha que ser rápido. Forçar o
carro a ir mais alguns metros adiante não iria funcionar.
Eu teria que acabar com aquilo, ali. Naquele exato
momento.
Ergui a cabeça e me virei para ela.
— Escute bem, Sam — tomei seu rosto entre minhas
mãos. — Fique no carro. Os vidros são blindados. Não
saia! Eu darei um jeito neles e voltarei para você.
— Derek, o que você vai fazer?
— Acabar com eles.
Ela ficou ainda mais tensa.
— E se te ferirem?
— Eles não vão fazer nada comigo. Confie em mim.
— Derek...
— Você confia em mim, Sam? — insisti olhando bem
dentro dos seus olhos.
Relutantemente ela meneou a cabeça em afirmativa.
— Tenha cuidado — disse. — Eu amo você.
— Eu também te amo.
Dei-lhe um beijo rápido nos lábios e a deixei com a
faca, enquanto pegava a pistola. Eu estava ferido dos
golpes que Marcel me dera, porém ainda conseguia andar
e me manter de pé. As coisas teriam que dar certo ou
morreríamos os dois.
O outro veículo já havia parado a apenas alguns
metros de distância de mim. Observei atentamente quando
um dos homens saltou de lá. Em sua expressão facial
havia uma frieza que eu conhecia perfeitamente bem. Eu
sabia identificar a sede de morte no rosto de alguém. E
aqueles caras matavam por esporte.
— Entregue-se, Rushell — disse o homem, sem
delongas. — Aproveite enquanto o chefe ainda lhe quer
vivo.
— Eu prefiro morrer a ter que me submeter às ordens
de Marcel.
Ele riu, cuspindo no chão.
— Você está soando patético, Rushell. Tudo isso por
conta de uma vagabunda.
— A sua opinião pouco me importa — retruquei. —
Vamos começar o banho de sangue agora ou você está
esperando que eu chute este seu traseiro primeiro?
Sua expressão voltou a se fechar.
— Nós só queremos a garota. Nos deixe levá-la.
Fitei o rosto do homem à minha frente. A cor dos seus
olhos eu não conseguia identificar, pois estava escuro e
distante o suficiente para isso, mas notei que ele era
jovem. Mais ou menos a minha idade ou até alguns anos
mais novo. Seus cabelos eram loiros e bem alinhados.
Limpo e engomadinho demais para o meu gosto.
Firmei meus dedos na arma e preparei-me para usá-
la a qualquer momento. Eles estavam em maior número e
eu sabia que a probabilidade de virar uma peneira humana
era absurda, mas eu não deixaria que eles fizessem nada
contra Samantha. Aquilo era questão de honra.
— Para isso, você terá que passar por cima de mim
primeiro.
Ele fitou-me por um breve momento e a expressão de
diversão deu lugar à irritação.
— Eu avisei, Derek — sibilou. — Depois não
reclame.
O loiro deu ordens para que o outro homem saísse do
carro e avançasse em busca de Samantha e, assim, eu
ergui imediatamente a minha arma. Eu não sabia quanto de
munição ainda tinha naquela pistola, portanto os tiros
teriam que ser certeiros, em pontos fatais. Eu poderia
morrer a qualquer momento, mas eles não alcançariam
Samantha.
O som estrondoso do primeiro tiro ecoou no
momento em que acertei o homem no peito, impedindo seu
percurso até a minha mulher. A arma deslizou de sua mão.
Ele gemia de dor e xingava alto.
Aproximei-me do seu corpo ofegante e apanhei sua
pistola caída ao chão. Dando nele um chute certeiro,
evitei que se reerguesse.
— Eu nunca imaginei que você fosse ser tão fraco,
Carl — zombou o loiro, fitando o comparsa ao chão, sem
piedade alguma.
O tal cara — Carl — tentou se levantar mais uma
vez, seus olhos raivosos:
— Eu vou te mat... — o calei, disparando duas vezes
contra seu peito.
Mais uma vida que era levada embora pelas minhas
próprias mãos. Não houve compaixão, nem
arrependimento. Aquilo era guerra e eu já havia alcançado
o meu limite.
Foquei imediatamente no loiro a alguns metros de
distância e capturei o momento em que ele apontou sua
pistola em minha direção, ansiando me atingir.
Era assim que ele queria brincar? Pois
brincaríamos.
Mirei as duas armas no bastardo prepotente e
comecei a atirar. Um disparo após o outro. Literalmente
uma chuva de balas. O barulho era ensurdecedor, como
uma sinfonia em meio ao caos.
Ele escondeu-se atrás do veículo e começou a
disparar em minha direção. Eu não tinha mais noção de
tempo, não tinha mais noção de espaço. Eu só queria
atingi-lo. Queria matar todos eles e nos livrar daquele
inferno.
O homem arfou quando uma das minhas balas atingiu
o seu ombro. Permanecendo escondido atrás do veículo,
ele ainda tentava me acertar.
Filho da puta covarde.
Continuei com a minha missão, chegando cada vez
mais perto. A sede de sangue, mesclada ao desespero e
instinto de proteção saturando a minha mente. Para meu
azar, ouvi o clique indicando que as munições de uma das
armas em minhas mãos haviam acabado.
O loiro abriu um enorme sorriso e me surpreendeu ao
sair de trás do veículo, batendo palmas em uma falsa
congratulação.
— Impressionante — pronunciou com um riso
nervoso. — Você é um bastardo resistente, Rushell.
Eu respirava pesado ao observá-lo trocar o cartucho
de sua arma. No mesmo instante eu ergui a outra que
possuía, torcendo para que ainda estivesse carregada.
— Boa sorte para você, Derek. Um de nós sairá
morto daqui e espero que não seja eu.
E então, sem mais palavras, ele mirou sua arma em
minha direção. Segundos após, estava apertando o gatilho.
O som foi estrondoso. Ecoou alto. Rompeu forte. As
ondas sonoras pareciam se propagar no espaço ou era
apenas a minha mente embebida pela sede de sangue,
entorpecida pelo desejo cru de tirar a vida daquele
homem. A dor nos meus músculos não me abalou. O som
do tiro não me incomodou tanto assim. Mas houve algo
que feriu os meus ouvidos:
O grito.
Aquele grito agudo.
Aquele grito feminino.
Um grito que chamava o meu nome.
Parecia que tudo ocorria em câmera lenta quando me
virei e avistei Samantha ensanguentada ao chão. Ela
arfava e uma mancha enorme de sangue empapava seu
peito.
Ele havia mirado nela. Como eu não havia visto
quando ela saíra do carro?
Inferno!
— Samantha! — comecei a correr até ela e, antes
mesmo que eu lhe alcançasse, senti o impacto e algo
quente e duro perfurando o lado esquerdo das minhas
costas.
Caí de joelhos no asfalto frio, mas consegui me
arrastar a fim de chegar até Samantha. Eu tinha que salvá-
la.
— Você nunca desiste, não é? — ele gritou e,
segundos após, outro projétil perfurou a minha carne.
Urrei com a invasão, minha visão ficando embaçada,
minha mente ficando turva. Contudo, não parei até que
estivesse do lado dela.
Samantha arfava, com seus lindos olhos abaulados.
Aproximei minha mão do seu rosto frio e ela gritou de dor
ao arriscar um movimento em minha direção.
— Não se mexa — eu conseguia sussurrar. — Vai dar
tudo certo.
A quem eu queria enganar? Seu rosto já havia
perdido a cor. Seus olhos estavam sem brilho e ela mal
conseguia balbuciar uma palavra completa.
Dor invadia meu peito, infiltrando-se em minha carne
e rasgando a minha alma. Era pior do que qualquer coisa
que eu havia sentido antes. Aquele sentimento de perda.
Aquele sentimento de que o seu bem mais precioso está
escorregando entre seus dedos feito areia, dissipando-se
no espaço como fumaça. É algo que penetra em sua pele e
te faz parar por um segundo para se perguntar se aquilo
realmente é real.
Deus, como eu queria acordar.
Eu nunca fora do tipo que orava por seres superiores
nem que clamava-lhes a salvação; entretanto, eu estava
disposto a me prostrar aos pés de qualquer coisa que me
garantisse a vida de Samantha ilesa.
Todavia, aquilo não aconteceu. Eu não acordei.
Nenhum homem de vestimenta branca e auréola sobre a
cabeça ruiva surgiu diante de mim.
Ao contrário disto, eu vi o loiro se aproximar e
chutar minhas costelas com força.
— Idiota! — outro chute. — Tem ciência... — chute
— do quão burro... — chute — e estúpido... — chute —
você é?!
Ele começou a andar de um lado a outro,
visivelmente nervoso e totalmente descontrolado. Eu
buscava por ar e doía como o inferno toda vez que eu o
fazia. Cuspi uma mistura de saliva e sangue e contraí os
músculos esperando pelo pior.
— Era só me entregar a garota, mas não! Você quis
bancar o herói. Quis dar uma de Romeu apaixonado, e
agora terei que matar os dois! — bradou. Os pés
novamente bem próximos de nós. — Eu acho que já
terminei o meu trabalho com a vagabunda.
Voltei a olhar para Samantha e ela tremia. Eu não
queria acreditar que aquele seria o fim. Não daquela
forma. Eu fora fraco e aquele pensamento fazia com que
eu me sentisse ainda mais como um fodido.
Tentando controlar a onda de dor que me percorria,
fechei meus olhos, reconhecendo a fraqueza da minha
respiração.
Fui capaz de escutar seus passos. Ele chutou-me uma
última vez para garantir de que eu não me mexeria pelos
próximos minutos e afastou-se alguns metros de nós. Abri
um pouco minhas pálpebras trêmulas apenas para
observar o que acontecia. Sacando com o braço bom um
aparelho celular de seu paletó, o loiro discou algo e levou
o telefone ao ouvido.
— Marcel, aqui é o Simon — disse. — Eu já acabei
com ela, e o cara não vai durar por muito tempo, mas eu
posso tornar isso rápido se você quiser — um sorriso
diabólico surgiu em seu rosto. — Claro. Te ligo depois.
Ele desligou o celular e voltou em minha direção.
Senti o rasgo de escuridão tentando invadir a minha mente
e lutei contra ele.
— É uma pena que você se recuse a morrer, Rushell,
mas dessa vez eu garantirei que não haja mais volta —
dirigiu-se a mim, o sadismo dançando em cada letra
proferida. — Uma última palavra?
— Vejo você no inferno.
Ele deu uma risada zombeteira, sua cabeça loira
pendendo para trás. Voltando a olhar para mim, me
apontou a arma:
— Eu sou como a porra de um deus imortal, seu
fodido de merda.
Três.
Dois.
Bang!
PARTE I: INOCÊNCIA

“Todos erram um dia: por descuido, inocência ou maldade.”

— William Shakespeare.
1: Em Pele de Cordeiro

Dias atuais...

Faith
Eu estava sentada diante da mesa mais bem limpa e
organizada que já vira em meus vinte e dois anos de
idade.
Era daquela forma que as coisas funcionavam com o
meu irmão mais velho. A sua casa, que ficava em uma
área reservada no Upper East Side, possuía dois andares
e mais de oito quartos. E o mais engraçado em tudo aquilo
era que não havia tantos ocupantes na mansão. Apenas ele,
minha cunhada — Rachel — e meu sobrinho, Max.
Já lhe perguntara por diversas vezes o porquê de
tanto luxo, mas ele sempre dizia que dinheiro era para ser
utilizado, o qual nunca lhe faltava.
Cortei um pedaço da carne assada que Meredith, a
cozinheira da mansão, havia preparado e levei-o à boca,
saboreando o tempero excelente. Eu teria que me lembrar
de parabenizar Meredith mais tarde.
— Então, Faith — meu irmão, sentado em uma das
extremidades da mesa comprida, chamou minha atenção.
Seus olhos azuis fixos em meu rosto. — Como anda o
trabalho?
— Bem — respondi, limpando os lábios com o
guardanapo. — Teremos uma peça daqui a algumas
semanas baseada em O Morro dos Ventos Uivantes, e
estou me preparando para conseguir o papel principal.
— E qual a diferença em ter o papel principal ou
não, se Artes Cênicas não é sinônimo de futuro para
ninguém?
Suspirei, fingindo não me abalar.
Era sempre a mesma merda. Eu não sabia se Marcel
fazia aquele tipo de coisa para me magoar ou me irritar,
mas já havia aceitado a opção menos dolorosa que era o
fato de aquele ser somente o seu jeito de agir. Contudo,
algo me dizia que eu estava totalmente errada. Ele parecia
ter o prazer de me espezinhar, só porque eu não seguia
suas ordens.
Deitei o garfo sobre o prato e respirei fundo,
bebericando o suco de maçã e tentando relevar suas
provocações.
— O papel principal — expliquei — é um grande
peso no currículo de um ator. Se você obtém o lugar de
protagonista, isso significa que é capacitado o suficiente
para assumir a pressão e responsabilidade que ser um
possível profissional de renome implica.
— Hum... — ele fez um som de entediado. — Rachel
adora essas baboseiras. Vejo que vocês terão muito o que
conversar.
Direcionei meu olhar para a minha cunhada, sentada
de frente para mim, e lancei-lhe um sorriso ao qual ela me
retribuiu, desviando os olhos. Era engraçado como mesmo
ela sendo a mãe do meu único sobrinho, eu não sentia
conexão alguma. Era como se Rachel ocultasse algo,
escondida em sua própria bolha impenetrável que eram
seus pensamentos e aspirações.
Mas eu não a culpava. Marcel tinha a mania esquisita
de não permitir que sua mulher nem o seu filho saíssem de
casa. Aquilo era desgastante para qualquer um.
— Ela pode me acompanhar e assistir à uma das
peças que apresento — ofertei, analisando a reação da
minha cunhada. — Garanto que é muito mais divertido do
que pela TV.
— Rachel não precisa assistir à uma maldita peça de
teatro ao vivo quando temos uma televisão de inúmeras
polegadas em nossa sala de TV — ele pôs a mão sobre a
mesa e acariciou a da sua mulher. — Não é mesmo,
querida?
— Claro — Rachel sorriu com condescendência,
porém foi um sorriso que não alcançou os olhos. — Não
gosto de sair e você sabe disso, Faith. Agora, se me
derem licença, preciso descansar um pouco. Max está em
seu quarto com a babá. Ele adoraria vê-la.
— Pode deixar — assenti, abrindo um sorriso. —
Estou morrendo de saudade dele.
Rachel sorriu e pediu licença mais uma vez antes de
se afastar.
Depois que estávamos apenas nós dois na mesa,
Marcel voltou-se para mim:
— Minha irmã. Eu tenho um presente para você.
— Tem? — franzi o cenho, um pouco desconcertada.
— Mas não é o meu aniversário.
Ele soltou um abafado suspiro impaciente e voltou a
falar:
— Eu sei disto, mas quero presentear a minha irmã
mais nova. Que mal há?
— Nenhum — respondi, ainda não muito convicta.
Marcel não era do tipo de pessoa que presenteava os
outros sem um motivo aparente.
Sorrindo, ele apanhou uma caixa aveludada de uma
cadeira próxima à sua, que eu nem sequer havia reparado.
Abriu lentamente a tampa da caixa e retirou de dentro dela
uma corrente delicada com um pingente em formato de
borboleta e me entregou.
Era linda. Analisando mais de perto, pude perceber
que o pingente parecia ter uma pequena abertura entre as
duas asas, porém quando tentei mexer ali, Marcel
impediu-me.
— Não force o material, minha irmã. O objeto é
bastante delicado.
— Desculpe — eu disse, ainda analisando o
presente. Em seguida, abri um sorriso para ele. — Eu
adorei, obrigada...
— Marcel? — um terceiro ocupante adentrou o
recinto e, ao ouvir aquela voz, senti minha espinha
enrijecer automaticamente. Era incrível a forma como meu
corpo reagia negativamente em relação àquele homem.
— Estou almoçando — meu irmão respondeu,
ríspido.
— Preciso falar com você. É urgente... — o homem
se deteve ao me avistar na mesa. — Ora, ora, Faith! Que
bela surpresa vê-la por aqui.
— Aqui é a casa do meu irmão, Simon — respondi,
sem me dar ao trabalho de demonstrar simpatia. — Muito
me admira você ter acesso livre à ela.
— Eu e Marcel somos mais que simples
companheiros de trabalho, Faith, e você sabe muito bem
disso.
Permaneci calada, aguardando ele fazer algum
comentário em relação a nós dois, mas, por sorte, não
disse mais nada. Simon era esperto e ele sabia que não
era nem um pouco inteligente trazer à tona um assunto tão
delicado quanto nosso breve relacionamento de alguns
anos atrás, o qual eu lutava diariamente para esquecer dos
detalhes, contudo não obtinha muito sucesso.
As coisas que Simon fizera e dissera para mim
ficariam marcadas para sempre em minha memória,
atormentando-me até meu último suspiro. Sierra, minha
melhor e única amiga, já chegara a me perguntar o porquê
de eu ainda não ter contado nada a Marcel, mas além de
vergonhoso, de nada adiantaria. Na cabeça dele, Simon
era o homem perfeito para mim. O amigo digno de pôr
uma aliança no dedo de sua irmã mais nova. Até bravo
comigo ele ficara quando descobrira que eu havia
terminado com Simon. Agora eu tinha que aturar aquele
verme todas as vezes que planejava visitar Marcel.
A atenção que eu havia conseguido obter do meu
irmão se dissipou no momento em que Simon dissera ter
um assunto importante para tratar. Fui deixada sozinha na
mesa com a minha sobremesa, e logo após subir e brincar
um pouco com o meu sobrinho, saí sem me despedir.
Ao chegar em casa, notei a minha despensa vazia até
demais para uma mulher solteira e faminta como eu.
Então, percebi que já era a hora de eu dar uma passada no
supermercado; afinal, minhas séries e minhas guloseimas
desde muito tempo acabaram por se tornar minhas
melhores amigas nas noites de tédio.
Tirei o vestido de brim que eu havia posto somente
para evitar os comentários de Marcel em relação à minha
vestimenta e pus uma calça jeans com uma camiseta
branca de alças finas, que combinou perfeitamente com a
gargantilha que ganhara.
A viagem do meu prédio até o supermercado mais
próximo durava em torno de quinze a vinte e cinco
minutos de carro. Meu Volvo já era bem antigo e eu o
havia comprado de um senhor que se via atolado em
dívidas pela metade do preço que eu acharia em qualquer
outro lugar — fato que beneficiou ambos, já que na época
eu ainda estava na faculdade e precisava arcar com os
gastos que eu tinha estudando na NYU e morando de
aluguel em um pulgueiro no Brooklyn. Aqueles foram os
contras com os quais tive que lidar quando decidi sair de
casa e me tornar uma mulher independente.
Parei no estacionamento lotado do supermercado,
custando a encontrar uma vaga adequada para o meu
pobre carro, e parti direto para a sessão de laticínios. Pus
no meu carrinho manteiga, leite e um pedaço do queijo
que eu mais gostava. Na sessão de frios, não hesitei em
arrematar um pouco de presunto e steaks de frango
congelados. Eu não só gostava, como necessitava me
manter de alimentos industrializados ou em conserva, que
fossem fáceis de preparar, já que não tinha muito tempo
para cozinhar.
Parei na sessão de biscoitos e gemi de frustração ao
perceber que só havia um pacote de Cookies com gotas de
chocolate. Eu, geralmente, comprava dois ou mais.
Me contentando com o último pacote de biscoitos,
agachei-me para pegá-lo. No mesmo instante, uma outra
mão fez o mesmo.
Parei imediatamente.
Meus olhos examinaram os dedos masculinos na mão
grande, passaram pelo pulso, antebraço musculoso com
tatuagens que subiam desenhando os bíceps e perdi a voz
ao analisar o rosto dele, onde uma expressão divertida me
desafiava.
Eu já havia visto muitos caras bonitos antes — até
mesmo durante a minha adolescência paquerara com
alguns — mas ele tinha algo de diferente. Sua feição era
ao mesmo tempo máscula e suave. Não era aquela beleza
agressiva que eu estava acostumada a ver nos homens de
seu porte. Ele era... diferente, apenas.
O cara das tatuagens arqueou uma sobrancelha
quando me viu soltar o pacote de biscoitos, dando-me por
vencida. Senti coisas estranhas fazerem a minha pele
formigar.
— Desculpe — pronunciei, tentando me livrar do
embaraço. A situação se agravou no instante em que ele
sorriu. Era um sorriso bonito e genuíno, deixando à mostra
dentes brancos e com um alinhamento perfeito.
Aquilo foi a minha perdição.
— Sem problemas — ele estendeu o pacote de
biscoitos. — Eu acho que isso é seu.
— Bom, eu... — gaguejei. Enfiando as mãos nos
bolsos traseiros da minha calça, procurei a todo custo não
parecer como uma idiota. — Agradeço o seu gesto, mas
pode ficar com ele.
— Você sabe que rejeitar cookies com gotas de
chocolate é praticamente um pecado, certo? — ao ouvir
aquilo eu não consegui fazer nada além de soltar uma
risadinha que em outras circunstâncias eu consideraria
vergonhosa.
Fala sério, Faith!
— Bem... eu não quis dizer que não gosto. Mas é o
último pacote disponível e eu tenho um fechado em casa,
então, analisando a situação, acho que você tem mais
necessidade que eu no momento.
Ele sorriu e inclinou a cabeça, analisando-me por um
breve instante.
— A prática do altruísmo é uma virtude que pouca
gente possui, e os que a possuem dificilmente conseguem
manter — comentou. — Estou impressionado.
— Eu aprendi desde muito jovem a pensar nas
pessoas além de mim — respondi, um pouco constrangida.
— Então, é isso. Fique com os benditos biscoitos.
Algo como um leve encolher de ombros se destacou
em sua postura e de uma maneira esquisita julguei o gesto
como adorável.
— Já que você garante não ter problema com isso,
não irei recusar — falou. — Com licença.
E assim, da mesma forma como surgiu, ele
desapareceu.
Fiquei alguns minutos ali parada, tentando recuperar
minha coordenação motora e pôr minhas pernas para
funcionar. Da respiração eu já havia desistido.
Depois de pegar mais algumas coisas de que
precisava, fui direto para o caixa. Meus olhos vaguearam
por algumas vezes, distraidamente, à procura do tatuado
bonitão; contudo, não havia nem sinal dele.
É claro que não haveria. Um cara como aquele
estaria, no mínimo, com sua companheira fazendo
compras. Apesar de eu não ter notado nenhuma aliança em
seu dedo, nada impedia de ele ter uma namorada, certo?
Sem chances para você, Faith.
— Ei, você não vai andar, não? — o resmungo veio
de uma senhora atrás de mim. Ela me olhava impaciente e
visivelmente irritada.
— Desculpe — pedi antes de adiantar meu caminho e
passar as compras no caixa.
Ao sair do supermercado, fui direto para o
estacionamento e pus todas as sacolas pesadas no porta-
malas, relaxando meus ombros antes de assumir o banco
do motorista. Me apressei em ligar o carro e quando girei
a chave de ignição, o único barulho que ele fez foi um
clique irritante.
Tentei mais uma vez, para me certificar de que não
havia feito nada de errado, e na terceira tentativa desisti,
socando o volante e xingando baixinho.
— Ótimo! — ironizei, irritada. — Eu sabia que você
iria me deixar na mão um dia. Grande merda...
— Eu pensei que garotas bonitas nunca falassem
palavrões.
Pulei de susto ao ouvir aquela voz e, como a grande
idiota que eu era, bati com força minha cabeça no teto do
carro.
— Ouch! — meu rosto provavelmente parecia um
tomate devido à vergonha.
Será que eu não dou uma dentro perto desse cara?
— Você está bem? — ele franziu o cenho, ainda
agachado para me encarar através da janela do carro.
— Eu estou bem — ele se afastou para que eu
pudesse abrir a porta e sair. — Bom, e garotas como eu
não falam palavrões o tempo todo, somente quando o seu
carro resolve parar de funcionar no meio do
estacionamento de um supermercado.
Ele fez uma pausa, antes de falar:
— Eu posso te dar uma carona, se quiser.
Balancei a mão no ar, descartando aquela ideia.
— Não precisa, é sério. Eu moro perto, são apenas
alguns minutos andando.
— Mas você está cheia de sacolas pesadas —
argumentou. — E além disso, você cedeu um pacote de
cookies com gotas de chocolate para mim. Acho que o
mínimo que eu poderia fazer neste momento seria te
ajudar.
Fitei seu rosto por alguns instantes. Vários, talvez.
Sua barba estava por fazer e aquilo de uma forma estranha
me remeteu a guiar meus olhos para os seus lábios bonitos
que se curvavam em mais um sorriso encantador. Nos
olhos verdes havia um brilho que eu deduzi que poucas
mulheres conseguiam resistir.
Seria muito louco eu aceitar carona de um estranho?
Obviamente sim, mas eu estava com o meu celular
carregado e, além do mais, era dia, fim de semana e a
cidade estava bastante movimentada.
Libertando-me dos meus pensamentos, cedi,
ajudando-o a pôr minhas compras no porta-malas do seu
automóvel que estava a alguns metros dali.
O carro dele, diferente do meu Volvo 960 de segunda
mão que fedia a combustível e couro, era um belíssimo
Jeep com pintura preta e fosca e vidros fumê. Fiquei por
um momento parada diante do veículo sem saber o que
fazer até ele resolver abrir a porta do carona para mim.
Com um agradecimento tímido me sentei, pondo
minha bolsa sobre meu colo e aguardei ele assumir o
banco do motorista.
— Então — falou, enquanto ligava o motor —, para
onde iremos?
— O quê?
Ele sorriu.
— Onde você mora?
— Ah — sorri de volta, tentando deixar menos
constrangedora a minha confusão e passei o meu endereço
para ele que pôs o carro em movimento e pegou a estrada.
Eu estava bastante nervosa. Não apenas pelo fato de
estar dividindo um carro com um desconhecido, mas um
desconhecido como aquele.
Meu irmão, provavelmente, me mataria se soubesse.
Observei em silêncio a forma como manipulava o
volante com uma autoconfiança que eu só vira em Marcel.
Os cabelos castanhos e bem cortados e a barba rala não o
deixava nem um pouco parecido com o meu irmão, mas
ele era grande e... caramba, por que eu estava pensando
naquilo? Ele era só um cara que eu conhecera no
supermercado algumas horas atrás. Um cara gostoso que
tinha um sorriso lindo e um corpo que faria qualquer
celibatária salivar, mas continuava sendo um estranho e
nós, provavelmente, depois daquela carona nunca mais
nos veríamos.
— Clinton Hill me parece um bairro bom — ele
comentou enquanto fazia uma curva. — Suponho que você
não seja do tipo de garota que costuma sair muito.
— Está tão evidente assim?
— Mais ou menos — respondeu, e me perguntei se
aquilo era um bom sinal, quando ele acrescentou: —
Certos locais do Brooklyn são... tranquilos demais, por
assim dizer. Não creio que seja o melhor lugar para se
morar quando está em busca de diversão.
Mordi o lábio para reprimir um sorriso. Ele não era
o primeiro a me dizer aquilo.
— Nem tanto. Dá para passar o dia divertindo-se no
Brooklyn Bridge Park, ir à Coney Island durante o verão
e até assistir a uma partida de basquete no Barclay’s
Center.
Ele voltou a me encarar.
— Então você curte esporte.
— Eu adoro.
— Beisebol? — arriscou.
— O meu predileto.
— Isso é sensacional — ele disse. — Só não me diga
que você torce para o Yankees.
Sorri desafiadora.
— Você tem um belo senso de intuição.
Ele franziu o nariz, divertido.
— Bom, já era de se imaginar que você possuía ao
menos um defeito.
Não consegui conter a risada. Ele estava me
provocando.
— Você me parece ser um cara legal — torci o lábio,
resolvendo entrar no seu jogo. — Portanto, eu irei relevar
o fato de que você acabou de ofender o meu time de
beisebol preferido.
— Eu acho que tenho um ponto — ele me olhou por
alguns segundos, o que já estava me deixando um pouco
envergonhada, e voltou a falar: — Gostei de você, mas
pelo visto é um pouco tímida, não é?
Pus uma mecha de cabelo atrás da orelha para ganhar
tempo de formular uma resposta não tão vergonhosa,
entretanto nada vinha em minha mente. Desde quando eu
ficava assim diante de um cara? Porém, eu não podia ser
julgada, convenhamos. Ele era alto e forte demais para os
meus 1,68m liderarem sozinhos.
Aquilo era um tanto quanto intimidador.
— Não é nada disso, eu só... não sou muito de
conversar com estranhos — soltei.
Ele arqueou uma sobrancelha e me fitou, divertimento
dançando em seu olhar.
— Suponho que ainda seja um estranho pra você —
balancei a cabeça em afirmativa e ele sorriu ainda mais.
Eu estava gostando daquilo. — Ok, eu acho que depois
dessa, mereço uma chance de mudar isso. Você está com
pressa? Tem algo para fazer depois daqui?
Era sábado e o programa mais excitante que me
aguardava em casa era assistir aos episódios de Grey’s
Anatomy e devorar uma boa e velha fatia de pizza
gordurosa com algum pedaço de Brownie como
sobremesa.
Certo. Minha vida era realmente algo deprimente.
— Eu não tenho nada de muito interessante —
limitei-me a dizer.
— Ótimo — ele fez uma curva na próxima rua e,
antes que eu pudesse lhe perguntar mais algo, percebi que
estacionava em frente a um Cookie Shop.
— Acho que estou lhe devendo um cookie — ele
disse, sorrindo daquele jeito que eu já estava começando
a achar encantador.
Sorri de volta para ele e me apressei em pegar a
bolsa no meu colo e pôr no meu ombro, ao passo que ele
já dava a volta e abria a porta do Jeep para mim.
Agradeci o gesto e dei uma olhada na fachada do
estabelecimento que mais parecia uma filial menor e um
pouco menos feminina da Magnolia Bakery, com sua
fachada em tons claros e envidraçada, permitindo aos
clientes ter uma visão da movimentação exterior enquanto
se deliciava.
Ele pôs educadamente a mão em minhas costas e
seguimos em direção ao Cookie Shop. A porta de vidro
com um logotipo cor de rosa estampado foi aberta por ele
e eu passei primeiro, sentindo de imediato o cheiro bom
de biscoitos assando. Podem existir coisas boas no mundo
e aromas inimagináveis. Mas nada se compara ao cheiro
de biscoitos caseiros sendo assados.
Eu já estava salivando.
Ele se aproximou de uma mesa e eu o segui,
sentando-me quando uma cadeira foi arrastada para mim.
— Espero que você goste daqui — disse. — É
tranquilo, aconchegante e eles servem um dos melhores
cookies da região.
— Me parece muito bom — sorri.
Ele pegou um dos cardápios ovais e estendeu as
sobrancelhas, parecendo analisar as opções.
— E então, o que vai querer?
— Chocolate parece bom.
Consegui arrancar dele outro sorriso.
— Boa pedida.
Ele se levantou e foi até o balcão portando duas
comandas. Eu notei de relance ele conversar com a moça
do balcão. Ela corava e mexia várias vezes no cabelo —
gestos nítidos de alguém que estava flertando com um
cara. Eu não a julguei, afinal ele era bonito.
Um homem bonito e estranho! Aquele pensamento
ainda me atormentava, como se fosse uma ideia muito
estúpida eu ter aceitado tão facilmente estar ali com ele.
Mas que mal ele poderia fazer à mim, afinal? Era dia e
havia outras pessoas no estabelecimento... Merda, Faith!
Pare com isso.
Malditos anos os que vivi sob as asas de Marcel! Eu
já estava começando a agir de forma ridícula.
Minutos depois, ele voltou para a mesa com uma
bandeja e retirou de lá dois pratinhos com cookies
recheados. Ofereceu-me um e tomou outro para si. Havia
duas canecas fumegantes de chocolate quente ali também.
— Como um bom observador, notei que você não tem
problema algum com chocolate, então resolvi lhe trazer
um chocolate quente para acompanhar.
— Está ótimo, obrigada — agradeci e aproximei o
recipiente dos lábios para tomar um gole.
— Bom, garota bonita devoradora de chocolate, o
que eu preciso dizer sobre mim para não ser mais um
estranho pra você?
Ergui minha cabeça e dei de ombros sutilmente.
— O que você quiser me contar.
— Certo... — ele ponderou por alguns segundos. —
Eu tenho vinte e nove anos, torço para os Mets, não fumo,
mas bebo às vezes. Nasci em Detroit, no Michigan e me
mudei para Nova York aos dezessete anos de idade. Dos
dezoito aos vinte e quatro eu fui lutador, me especializei
em Ciências da Computação e hoje lido com informática.
Uau.
— Você trabalha com informática? — exclamei sem
conter minha surpresa. — Tipo, como um... hacker?
— O que foi? — ele parecia se divertir com a
situação. — Só por que eu não tenho cara de nerd, não
posso trabalhar com informática?
— Não é isso! Não me leve a mal, mas é que... sei lá!
Eu poderia imaginar qualquer coisa, menos isso.
— As aparências enganam — aquelas palavras
saíram arrastadas da boca dele. — E quanto a você?
Trabalha com o quê?
— Eu sou atriz — respondi, analisando sua reação.
Mas, diferente de Marcel, ele esboçou interesse, o que me
fez relaxar um pouco.
— Impressionante — falou. — E em que parte,
exatamente, você atua?
— Peças. Alguns musicais. Eu também faço trabalho
voluntário alguns dias da semana em clínicas infantis
especializadas no câncer.
— Muito bonito de sua parte, mas... revidando o seu
comentário, você não tem cara de atriz.
Eu franzi o cenho.
— Por que não?
— Você sabe... — inclinou o queixo em minha
direção. — Tímida demais.
Era a segunda vez que ele comentava aquilo, o que
não era verdade, pois eu não era tímida — não com as
outras pessoas. Todavia, havia algo nele que me deixava
desconcertada e eu não podia evitar.
Baixei o olhar, o que o fez rir. Merda!
— Eu não disse? — falou. — Mas não se preocupe.
Gosto disso também.
Bom. Deus.
— Hm, bem, você disse que não fuma, certo? —
gaguejei, tentando mudar de assunto.
— Mais ou menos — ele respondeu.
— Mais ou menos? — perguntei confusa.
— Sim. Digamos que... eu já fui fumante, bebi demais
e usei todas as porcarias prejudiciais que você possa
imaginar, mas hoje em dia eu tenho metas a serem
alcançadas e esses vícios me atrapalhariam de qualquer
maneira. Resolvi cortar.
— É uma decisão sensata — opinei, apoiando meus
cotovelos sobre a mesa, de mãos cruzadas. Curvei meus
lábios para cima de forma sutil. — Hacker, ex-lutador,
não fuma e mal bebe... — estreitei os olhos. —
Considerando que seja uma boa hora para devolver o seu
comentário de instantes atrás, eu gostaria de saber se
existe algum defeito que você possui, além de torcer para
os Mets.
Ele sorriu de lado e se inclinou em minha direção.
Sua mão parou na colher que mexia o chocolate na caneca
e ele murmurou:
— Eu mato pessoas.
Senti minhas orelhas esquentarem e entreabri os
lábios, tensa. Foi quando ele sorriu ainda mais — na
verdade ele gargalhou, com aqueles malditos dentes que
pareciam surreais de tão perfeitos expostos para mim.
— Minha nossa, você deveria ter visto a sua cara —
ele ainda ria. — Desculpe, mas é que você fica linda
quando se desconcerta e eu não pude evitar a
oportunidade.
Oh, uau!
Soltei um riso nervoso. Ele tinha senso de humor,
pelo menos, certo?
— Tudo bem — eu disse. — E obrigada pela parte
que me toca. Eu geralmente coro quando fico nervosa. E,
bom, eu começo a falar demais também.
— Sem problemas — percebi seu olhar descer até o
meu colo. Porém, para a minha surpresa, ele fitava a
minha gargantilha e não os meus seios. Mais um ponto
pra ele. — Pelo visto você gosta de borboletas, hein?
Ele acenou como queixo para a joia, depois para a
tatuagem pequena em meu pulso — a única que eu tinha e
que definitivamente não se comparava àquelas obras de
arte ornamentando sua pele bronzeada e malditamente
tentadora.
— Sim, eu gosto — estendi o pulso e passei
involuntariamente o dedo sobre o desenho colorido. —
Borboletas são bonitas e vibrantes e aparentam sempre
tão alegres. Verdadeiros exemplos de vida, se pararmos
para pensar. Elas nascem sendo bichos aprisionados por
suas limitações e se transformam em um belo inseto,
encontrando nessa transformação a oportunidade de serem
livres.
— Livres por pouco tempo — salientou. —
Borboletas não duram muito, você sabe. Algumas
possuem uma média de vida de, no máximo, um ano.
— Você é sempre assim, tão realista? — brinquei e
ele riu dando de ombros. — Você tem razão, mas todos
nós teremos que morrer um dia. O que determina se sua
existência vale a pena ou não, é a forma como você a
vivencia.
Ele ainda me encarava, de forma analisadora.
— Você não tem medo de morrer?
Suspirei.
— Eu tenho medo de ser esquecida. De não fazer a
diferença, de alguma forma. Como eu disse, tudo depende
da forma como você vivencia. A diferença em sua
passagem na Terra se faz quando você se torna
inesquecível. Essa é a única maneira de se tornar imortal.
— Faz sentido — ele piscou para mim. — Vejo que
tenho muito a aprender com você, garota bonita.
☆☆☆
Já era tarde quando o Jeep parou bem em frente ao
meu prédio.
— Entregue, senhorita — ele disse enquanto eu me
adiantava em sair do carro.
— Obrigada — agradeci, dando a volta com ele até o
porta-malas. — Foi muita gentileza sua ter me levado até
o Cookie Shop e se oferecido para me trazer até aqui.
— Não foi nada. Quer que eu ajude a levar as coisas
lá para cima?
— Não precisa. Eu consigo me virar — recusei. —
Obrigada de novo.
— Certo — ele me entregou a última sacola e ficou
ali, parado com as mãos nos bolsos dianteiros da calça,
observando meu rosto ficar ruborizado pela milésima vez
naquele dia. — Descobrimos tanta coisa um do outro, mas
você ainda não me disse o seu nome.
Era verdade. Me dei um chute por dentro com aquele
pensamento. Que desatenta eu fui.
— Faith Bloom — respondi com um sorriso. — E
você, quem é?
Por alguns segundos ele apenas me fitou. Seus olhos
num tom de verde escuros, sustentavam uma intensidade
que fazia minhas pernas fraquejarem.
— Foi um prazer conhecer você, Faith — ele me
estendeu uma mão, que eu segurei com os dedos gelados.
Sorriu de volta, os olhos ainda fixos em mim, e
respondeu: — Eu me chamo Derek. Derek Rushell.
2: O Bote

Derek

De todas as ações por nós cometidas, dentre elas


fraquezas, vícios e desejos que nos tornam vulneráveis,
ter confiança acaba por se fazer a mais perigosa delas.
Eu aprendi desde muito cedo a não confiar cem por
cento em ninguém. Aprendi que não se deve conceder
credibilidade nem sequer a si mesmo, pois, apesar de ser
uma virtude a ser valorizada, nós não sabemos ao certo
como lidar com a confiança.
E foi analisando os fatos que concluí que a confiança
foi o primeiro erro cometido por Faith. Sua ingenuidade,
minha porta de entrada para o bote.
Eu poderia tornar as coisas mais fáceis,
principalmente para mim, fazendo tudo do jeito menos
arriscado. Mas dizem que um bom caçador é aquele que
conhece verdadeiramente sua caça. E foi por este motivo
que eu decidi conhecê-la melhor. Como num jogo de
xadrez, eu movi peça por peça, já calculando em como
aquilo me beneficiaria no final.
Ela nunca imaginaria que alguém pudesse estar a
espionando do lado de fora do seu prédio. Ela nunca
pensou no fato de ter algo a mais na bebida que ingerira
mais cedo. Ela não imaginara nada disso. Claro que não,
ela confiava nas pessoas. Era falha como qualquer um de
nós.
Abrindo a pequena maleta de metal escura que tinha
em mãos, Holly mostrou-me as pequenas ferramentas
alinhadas lado a lado. Tirei a chave mestra guardada no
compartimento e a enfiei no bolso do meu casaco com
capuz. Recebi um sorriso sádico da loira ao meu lado, que
piscou para mim totalmente excitada com toda a situação.
Aquela mulher sabia o que fazia e, apesar de ser uma
vadia louca, eu gostava dela. Nós fazíamos uma boa
dupla, eu não podia negar.
Nos conhecemos em um bar sujo do Bronx, um pouco
mais de dez meses atrás. Ela puxara papo comigo
enquanto acendia um cigarro com seus dedos finos e unhas
pintadas de vermelho. Depois de horas de conversa sobre
o seu passado e sobre a forma como assassinara seu
padrasto estuprador, ela acendera mais um cigarro, fizera
alguma piada horrível sobre seus pulmões estarem
fodidos e me pediu que lhe pagasse uma bebida.
E foi ali, no meio de toda aquela merda, que algo
entre nós nasceu.
Não leve isso pelo lado bonito da coisa, pois eu não
sabia dizer ao certo se possuíamos um laço de amizade ou
que merda se caracterizava o nosso elo doentio —
parceria talvez fosse a palavra mais adequada.
Eu só tinha ciência de uma coisa a respeito de mim e
Holly: éramos quebrados, tínhamos almas quebradas e
feridas que cicatrizaram-se depois de anos apenas
conhecendo a dor.
Contei o meu plano à ela, que resolvera prontamente
me ajudar. Apenas por esporte, ela dizia, pois Holly tinha
ciência de que não ganharia nada com aquilo. Nem mesmo
uma boa trepada, pois eu não a via como uma possível
amante e não gostava de misturar as coisas. Confesso que
recorria a uma chupada de alguma prostituta ansiando por
atenção ou drogas ocasionalmente, mas nada de mais
ocorria. Sexo para mim era perda de tempo. Eu passei
meses da minha vida arquitetando o plano que eu julguei
ser um dos mais arriscados e não tinha um maior foco
além disso.
Foram também meses para que eu me recuperasse da
emboscada que quase me levara à morte. E quando
retornei, me senti como uma fênix. Uma maldita fênix com
uma sede incontrolável de sangue. Mais precisamente, o
sangue dos Bloom. Eu levaria a felicidade de Marcel, nem
que precisasse lançar a minha alma de merda ao inferno.
Eu levaria Faith. E nem ele, nem ninguém poderia me
impedir disso.
Chequei a arma no coldre da minha calça e apanhei o
frasco branco de poucos milímetros de diâmetro que
continha o que eu precisava.
Virei-me para Holly:
— Está tudo pronto?
— Tudo pronto, chefe.
— Até as câmeras do prédio?
— Elas foram as primeiras a serem destruídas. Basta
seguirmos com o plano.
Com um gesto de cabeça, saímos do carro. Deixei as
portas destrancadas para facilitar a fuga, ao passo que
Holly alongava os músculos magros. Seus compridos
cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo
apertado, balançando para lá e para cá no ritmo dos
quadris comprimidos por um par de calças de couro
justas.
Uma coisa boa de se morar nos bairros do Brooklyn
era que os prédios não passavam de uns poucos andares, o
que tornava o meu plano ainda mais fácil e mais rápido.
Dando uma estudada nos arredores da rua escura,
constatei que o local estava limpo. Sem testemunhas, da
forma que eu precisava. Entramos no prédio e subimos os
quatro lances de escadas que davam acesso ao
apartamento de Faith, já que o lugar parecia uma daquelas
construções antigas e não possuía elevadores.
O apartamento de Faith era pequeno, assim como
todos os outros naquele corredor escuro. Parei em frente à
sua porta e puxei a chave do meu bolso. Holly aguardou
ao meu lado, calada, enquanto eu abria a porta e lhe
oferecia espaço para que entrássemos em silêncio.
O local não parecia nada muito extraordinário.
Algumas peças de roupas espalhadas no sofá, como se ela
estivera cansada demais para sequer procurar o cesto de
roupa suja. As luzes não estavam todas apagadas e aquilo
não era nenhum mistério para mim.
Holly abriu mais um de seus sorrisos sádicos e
preparou sua faca presa em sua cintura. Fomos em
silêncio pelo corredor e paramos bem em frente à porta
do quarto de Faith.
— Vamos lá, baby — sussurrei para ela. — É hora
do show.
Triclorometano, mais popularmente conhecido como
Clorofórmio. Doses certas em um pano limpo.
Simples assim.
Aproximei-me da cama de solteiro, onde ela jazia
como um verdadeiro anjo. Faith poderia facilmente ser
confundida com tal, com seus sedosos cabelos loiros e
ondulados, pele clara e olhos azuis que cintilavam toda
vez que ela sorria.
Não que eu tivesse a visto sorrir por tantas vezes,
mas havia a observado por tempo suficiente para saber
que ela sorria com facilidade.
Chegando ainda mais perto da cama, a vi se remexer,
como desconfiei que fosse acontecer tendo em vista o
intervalo de tempo desde que ela ingerira o sonífero. Mas
eu era um cara preparado e não hesitei. O lenço com o
clorofórmio foi direto ao seu rosto e, segundos depois, o
produto já começava a agir como deveria.
Faith lutou por alguns segundos, abriu brandamente
os olhos e se debateu por alguns instantes, antes de fechar
as pálpebras de vez e desfalecer no colchão.
Não foi tão difícil assim, afinal.
Holly pegou o lenço com todas as outras pistas de
que estivemos ali, e eu segurei Faith no colo.
Seis horas, aproximadamente, era o tempo que
duraria para a substância passar o efeito. Era tempo
suficiente para eu atirá-la no carro e sair da cidade antes
que amanhecesse.
Pus Faith no banco traseiro do carro. Holly se sentou
com ela.
Uma vez no banco do motorista, dei partida,
distanciando-me cada vez mais do local que um dia fora o
lar de Faith Bloom.
— Derek, Derek, você é uma pessoa horrível —
murmurou Holly, arrastadamente.
Torci meus lábios em um pequeno sorriso torto e
passei a mão por meus cabelos curtos, mantendo a outra
mão sobre o volante. Fitei sua imagem no espelho à minha
frente e vi a vadia sorrir. Voltei a focar na estrada e imitei
o seu tom:
— Diga-me algo que eu ainda não sei, baby. Diga-me
algo que eu ainda não sei.
PARTE II: CATIVA

“Qualquer lugar onde alguém está contra a sua vontade é, para


este alguém, uma prisão.”
— Epiteto.
3: Mostrando as Garras

Faith

Escuridão.
Foi a primeira coisa que meu cérebro registrou no
instante em que eu abri os meus olhos.
Remexi-me da forma que foi possível sobre a
superfície em que eu me encontrava e senti imediatamente
a dormência que se alastrava pelas minhas mãos unidas.
Meu peito pulsava intensamente com as batidas do meu
coração descompassado, minha boca estava seca como se
houvesse algodão preenchendo-a por completo e senti a
minha língua colar à minha garganta, tamanha sede que eu
sentia.
Eu não sabia onde estava. Apenas que havia algo
macio abaixo das minhas costas. Meus ombros doíam com
as minhas mãos amarradas para o alto e os meus
tornozelos também estavam doloridos e atados.
Puxei minhas mãos com força, tentando — mais por
motivos de instinto — me livrar das malditas amarras,
então uma voz feminina estalou, paralisando-me
instantaneamente:
— Se eu fosse você não tentaria fazer isso.
Senti todo o sangue se esvair do meu sistema. Tentei
abrir e fechar os meus olhos mais uma vez e concluí que o
gesto era inútil, levando em conta o fato de haver algo os
tampando. Uma espécie de capuz, talvez, que cobria toda
a minha cabeça.
— O que está havendo? — minha voz saiu abafada.
— Onde estou?
— A única coisa que você deve saber é que está
viva, princesa — debochou a voz feminina. — Isso basta.
Eu não me lembrava de muita coisa. Apenas que
havia sentido muito sono na tarde anterior, deitara-me
para dormir e, quando acordei, já estava aqui. Será que
era algum pesadelo? Mas aquelas amarras eram firmes e
dolorosas demais para não serem reais.
Oh, meu Deus!
— Me solte! — comecei a me desesperar,
remexendo-me.
— Acalme-se, doce Faith. Ninguém vai lhe fazer mal
algum... ainda.
Paralisei.
Aquela voz. As ondas sonoras saídas de uma forma
tão cortante e suave, impregnaram em meus ouvidos e
pareciam flutuar no ar como minúsculas partículas
invisíveis.
Como ele podia ter uma voz tão tranquilizadora e
ao mesmo tempo tão letal?
— O-o que... — minha voz falhou. — O que está
acontecendo?
Não obtive resposta. Apenas ouvi passos vindo em
minha direção e a minha espinha se enrijeceu
imediatamente. Quando o capuz foi retirado do meu rosto,
minhas pupilas tremeluziram para que eu me adaptasse à
luz vinda da janela e meus olhos encontraram os seus.
Diferente do dia em que o conheci, ele estava sério.
A expressão gentil dando lugar a um olhar letal.
— Você... — sussurrei, apavorada. — Oh, meu
Deus...
— É um prazer rever você, doce Faith — ele sorriu
sem dar a mínima para o meu desespero e confusão,
ambos muito notáveis.
Puxei novamente as minhas mãos e voltei a me
desesperar.
— Me solte! — eu gritava. — Me tire daqui! Me
solte!
— Pare com isso, já! — ele latiu, me vendo me
debater presa àquela cama.
Mas eu não parei de me remexer e tentar me livrar
daquilo, mesmo com seus olhos assustadores sobre mim.
— Pelo visto vai ser uma dor na bunda lidar com ela
— a mulher disse. — Se você quiser eu posso...
— Não ouse encostar um dedo sequer em mim, sua
vadia! — rosnei, não reconhecendo o meu comportamento
tão agressivo. Mas eu não estava em condições de medir
os meus atos para com o próximo, convenhamos.
Mal tive tempo de respirar para o que veio em
seguida. Em um segundo eu estava perdida em meus
pensamentos; no outro, um tapa era desferido em meu
rosto. Ardeu. Odiei a cadela ainda mais e tive certeza que
a estapearia de volta se fosse em outra situação.
Percebi o maxilar do homem se tensionar, seu olhar
ficando ainda mais duro e uma respiração pesada deixou o
ambiente tenso. Segundos passaram até ele finalmente fitar
o rosto magro da loira esquisita e sibilar acidamente:
— Eu disse que podia bater nela?
A mulher pareceu surpreender-se um pouco com a
atitude dele.
— Derek, eu não estou entendendo, nós...
— Eu vou perguntar mais uma vez, Holly — ele
repetiu. — Eu disse que podia bater nela?
Ela ficou estática. Parecia irritada, mas ao mesmo
tempo com medo.
— Não.
— Exatamente. Eu não ordenei que batesse nela,
portanto você nunca mais faça algo cuja ordem eu não
decretei.
— Mas a cadela me chamou de vadia! —
argumentou.
— Você é uma vadia, querida — refutou calmamente.
— Agora nos deixe a sós.
— Derek...
— Dê o fora!
Ela fez cara feia, me olhando como se fosse capaz de
comer o meu fígado no almoço se tivesse oportunidade,
mas obedeceu a ordem.
Quando já estávamos a sós, ele veio até mim, seus
olhos verdes me analisando intensamente. Encolhi-me
quando ele chegou mais perto. Confusão me tomou no
instante em que ele começou a desatar o nó das minhas
mãos e depois dos pés. Mesmo livre, eu não conseguia me
mover. Seu olhar era algo hipnotizante. E ameaçador.
Terrivelmente ameaçador.
— Agora somos só você e eu, doce Faith — sua voz
era baixa e malditamente calma. — Se tentar fugir, a morte
será a sua única saída.
Com olhar predador, Derek se aproximou de mim.
Olhos faiscando com algo que me dizia que eu não iria
sair daquela tão facilmente.
Puxando uma cadeira de madeira que mantinha-se
prostrada ao lado da cama em que eu me encontrava, ele
se sentou diante de mim. Seus olhos em momento algum
desviaram dos meus.
— Você sabe quem eu sou?
Não respondi. Mantive-me quieta, apenas fitando seu
rosto e observando a barba rala que ainda estava ali. Ele
suspirou impaciente.
— Você não está colaborando em nada, doce Faith.
Perguntarei mais uma vez: você sabe quem diabos eu sou?
— Eu acho que sim — respondi a contragosto.
— Quem sou eu, Faith?
— Derek... Rushell — eu disse. — Ao menos foi o
que você me disse.
— Muito bem — ele inclinou a cabeça. — E você
sabe por que está aqui?
— Não, inferno! O que eu fiz para você? — por um
momento eu pensei em socá-lo, me levantar e correr, mas
ele estava muito perto.
Perto demais.
— Às vezes não é necessário cometer exatamente
algo, Faith — sua voz não se alterava em momento algum.
— Talvez nós cavamos nossa própria cova pelo inocente
fato de tomar decisões errados, estar no local errado... ou
até mesmo nascer na família errada.
Agora, sim, eu entendia tudo!
Já havia visto em noticiários e até em filmes a forma
como aqueles criminosos agiam. Eles ganhavam a
confiança da vítima, as sequestravam e depois exigiam
uma bolada como resgate. E quem melhor para se
sequestrar senão a irmã mais nova de um dos maiores
empresários de Nova York?
— Então é isso, não é? — eu disse. — Você quer o
dinheiro do meu irmão? Pois bem, deixe-me lhe dizer uma
coisa: eu lhe dou a merda do dinheiro, só me deixe ir
embora.
— Tão bonita, mas tão tola — replicou, sem mudar o
tom. — Eu não quero o dinheiro do seu irmão, Faith. Eu
definitivamente não quero nada que envolva a conta
bancária do filho da puta do seu irmão. O que eu quero é
bem mais que isso. Vale muito mais que isso. Eu quero o
sangue de vocês dois, você me entendeu agora?
Oh, merda.
Comecei a ficar ainda mais tensa. Afastei-me o
quanto pude dele, recostando-me no espaldar da cama de
solteiro. Meus olhos relanceando para os cantos do
quarto, em busca de algo que pudesse me livrar daquela
situação. Mas não havia nada.
Eu estava sozinha, perdida e havia um sádico dizendo
querer meu sangue, mantendo-me cativa.
— P-por quê? — minha voz saiu com um bom grau
de desespero. — Olha, se foi algo que eu disse ou fiz...
me desculpe, não foi a minha intenção.
— Você foi uma garota bastante educada, Faith. Não
se preocupe.
— Então é alguma rixa antiga? Vocês são inimigos ou
algo assim?
— Quase isso — ele suspirou. — Marcel me tirou
algo muito importante. E eu estou disposto a tirar algo de
importância dele também.
— Mas... eu não entendo — tentei me manter calma,
mas estava ficando bem difícil. — Desculpe. Seja lá o
que ele tenha feito. Eu não tenho culpa, não estou sabendo
de nada...
— É claro que não.
A sua calma já estava me irritando. O medo deu lugar
à fúria e eu senti vontade de xingá-lo dos piores palavrões
possíveis, mas era óbvio que eu faria aquilo somente em
pensamento. Não era burra a tal ponto.
— Isso não vai durar por muito tempo — avisei. —
Meu irmão sentirá a minha falta e ele... ele vai me
procurar. Vai mandar a polícia atrás de você.
— Oh, é mesmo? — ele caçoou. — Seu irmão não
arriscaria sua maldita bunda envolvendo a polícia nisso,
querida. Seu irmão é tão sujo quanto eu.
O quê? Eu não podia acreditar naquilo.
— O que quer dizer com isso?
— Marcel é um assassino, um contrabandista. O
dinheiro que ele faz crescer vem do tráfico de armas e
mulheres por todo o continente. O seu irmão não é nada
menos do que um criminoso.
Balancei a cabeça com veemência.
— Isso é mentira! Você não conhece o meu irmão.
Não sabe nada sobre ele.
— Sei bem mais do que você imagina.
Pausei por um instante. Ele estava tentando me
convencer de que Marcel era o verdadeiro bandido
naquela história? Quando ele quem me iludira, sequestrara
e me enfiara em um quarto?
— Você está tentando me convencer de que o meu
irmão é um criminoso?
— Não estou tentando nada, mas sinto lhe informar
que ele é um de primeira linha.
— Eu não acredito em você!
— É uma pena — ele ainda se mantinha tranquilo. —
Não te obrigarei a acreditar em mim, no entanto. Não
importa o que diga ou o que tente, você é minha agora.
— Pra isso você vai ter que me matar primeiro,
babaca — cuspi, furiosa.
Ele chegou até mim. Recuei.
Mais um passo. Recuei novamente.
Quando não havia mais espaço para me esquivar, sua
mão agarrou um punhado do meu cabelo, forçando-me a
fitar seus olhos intensos.
— Tola... — sua língua traçou um caminho curto e
arrepiante desde a base da minha nuca até a minha orelha.
— Eu vou fazer com você o que bem quiser, Faith. Irei
foder essa sua linda cabecinha. Você será minha, sua
mente será minha. Até a sua alma eu vou possuir. —
Minha respiração se acelerou quando ele recostou seus
lábios quentes e molhados bem próximos ao meu ouvido,
e voltou a murmurar com sua armadilha em forma de
ondas sonoras: — Depois eu irei matar você. Na frente
dele. Será olho por olho, dente por dente.
E assim, ele se levantou, me deixando sozinha no
quarto.
Ouvi apenas o clique da porta sendo travada e
percebi que os meus dias no inferno estavam apenas
começando.
4: Sem Rastros

Derek

Meus pés bateram no assoalho gasto do pequeno


apartamento velho, fazendo o barulho seco ecoar pelo
ambiente semiescuro. Me obriguei a cessar os passos,
ajeitando o boné de beisebol que havia usado para
complementar o meu disfarce e varri meu olhar pelo local.
Constatei que ali não era de todo ruim. Paredes pintadas
em tons pasteis, piso de madeira escura com móveis
básicos. Era bonito, até. Simples, mas não deixava de ser
bonito.
Caminhei alguns passos mais à frente e as luvas de
couro rangeram conforme eu alisava entre as fendas da
persiana da janela, avistando a parca movimentação do
outro lado da rua. Agora eu havia entendido o porquê de
Faith escolher justamente aquele lugar para morar. Era
tudo pequeno, quieto e discreto. Exatamente como ela.
Resolvendo adiantar o que fui fazer ali, aproximei-
me da simples mesa de centro, sobre a qual havia um
laptop. Com todo o cuidado, abri o aparelho e o reiniciei.
A facilidade com a qual eu consegui descobrir a senha
sem usar meus métodos experientes com a informática me
fez parar por alguns bons segundos e franzir a minha testa.
Fala sério! Shakespeare?
Sem mais delongas, acessei a única — aparentemente
— rede social que ela participava. Nada demais havia ali.
Algumas postagens desnecessárias, como por exemplo
uma tal de Sierra, com fotos em seu mural, fazendo um
biquinho estranho para a câmera. Qual o problema das
garotas em tirar esse tipo de fotos? A maioria das
imagens, eu notei, eram em poses onde seu decote ficava
em evidência. Sierra era a típica garota gostosa, mas
percebi, analisando seu perfil, que era apenas isso. Ela
não tinha nada a acrescentar, o que a tornava
desinteressante, ao menos para mim.
Me surpreendi ao notar que Faith mal tirava
fotografias e nas únicas que possuía, ela estava sorrindo
para a câmera. Sem poses extravagantes, sem excesso de
maquiagem. Apenas ela, sua maldita camiseta branca de
alças finas e os abundantes cachos loiros emoldurando o
rosto bonito.
Não parecia que ela tinha como melhor amiga alguém
como Sierra. As duas eram diferentes em tudo. E eu
percebia aquilo pelos gostos musicais, o amor que Faith
tinha pela literatura e o seu jeito educado de tratar todo
mundo e responder a todos os comentários em suas
postagens, maioria delas sobre as crianças que visitava.
Faith era como a personificação de tudo o que existia de
bom no mundo. Aquele famoso motivo pelo qual as
pessoas ainda tinham fé na humanidade.
Soltei um risinho baixo ao me dar conta do
trocadilho.
Talvez ela fosse a verdadeira fé da humanidade. Era
uma pena que eu iria destruir algo tão bonito.
Navegando um pouco mais pelo seu perfil, percebi
que havia algumas mensagens de um tal de Matthew e
decidi ler:
Matthew Kyle:
Olá, Faith. Eu não sei o que está havendo, mas eu
não te vejo desde aquela noite na boate, e você também
não foi ao ensaio hoje. Espero que tudo esteja correndo
bem.
Por favor, fala comigo.
Sinto sua falta.
18:27
Matthew Kyle:
Poxa, Faith, é sério. Eu sei que você nem visualizou
a primeira mensagem ainda e meio que soa ridículo eu
estar enviando uma segunda, mas estou preocupado com
o que possa ter acontecido. Me liga? Estarei esperando.
P.S: Espero que esteja tudo bem, Raio de Sol.
19:13
— Idiota do caralho.
Raio de Sol? Que tipo de babaca apelidava garotas
com “Raio de Sol”?
Eu já havia visto aquele cara por algumas vezes
durante o tempo em que estive vigiando Faith. Ele fazia
parte do seu pequeno círculo de amigos e era mais que
notável que estava seriamente caído por ela.
Que patético. Não era de se surpreender que ele
ainda estivesse preso na zona “Amigo do Peito”. E, se
dependesse de mim, assim permaneceria.
Apoiando o laptop sobre minhas pernas, eu preparei-
me para enviar uma mensagem de volta. Seria apenas um
recado, mas que serviria não só para cortar as asas
daquele babaca de uma vez por todas, como também
serviria para não alimentar mais os questionamentos sobre
o fato de Faith ter sumido sem deixar rastros.
Após digitar a mensagem, li o que havia escrito:
Faith Bloom:
Olá, Matthew. No momento, não creio que eu esteja
em condições de dizer em que pé anda a nossa relação.
Para falar a verdade, nós nunca possuímos uma,
realmente. Desculpe-me se eu estiver sendo rude com
você, mas eu só quero que você entenda de uma vez por
todas que sempre te enxerguei como um simples amigo e
estou certa de que assim será até o resto das nossas
vidas.
Você não acha que já é hora de finalmente procurar
alguém que goste verdadeiramente de você? Alguém que
não te coloque na “zona amiga” constantemente e
finalmente não precise lhe dar empurrões quando você
tentar avançar o sinal? Pense nisso, Matthew e seja
feliz.
Não se preocupe com o meu desaparecimento.
Precisei fazer uma viagem importante e não voltarei até
que tudo esteja resolvido. Desculpe por não ter avisado
antes, entretanto, achei melhor assim.
Fique bem.
P.S: Meu nome é Faith Bloom, e não Raio de Sol.
Enviar.
Aquilo seria interessante.
Saindo da rede social, procurei por outras contas e
consegui ter acesso ao seu e-mail. Mandei e-mails
desmarcando compromissos, maioria a respeito de peças
de teatro ou compras pela internet. Desliguei o
computador e, dando mais uma varrida pelo local, avistei
o telefone. A secretária eletrônica estava repleta. Apertei
em ouvir.
Primeira mensagem:
“Faith, oi... hã, aqui é o Matt...”
— Porra, Matthew, ninguém merece você, cara. —
resmunguei e apertei em “apagar”.
Parti para a segunda mensagem:
“Querida, é a Sierra... Onde diabos você se meteu
que não atende o celular nem responde as minhas
mensagens? A Ashley vai comer seu fígado no almoço
amanhã, venha para os ensaios ou ao menos nos dê um
sinal.”
Apagar.
“Olá, Srta. Faith, aqui é o Kevin, da livraria. Bom,
eu só liguei para avisar que a sua encomenda de...”
Apagar.
“Oi, Faith, é o Matt de novo. Desculpa te ligar
tantas vezes, mas já estou ficando desesperado. Por
favor, me lig...”
Apagar.
Apagar.
Apagar.
Depois de dar um fim em todas as mensagens da
secretária eletrônica, retirei os cabos do telefone e removi
a bateria de todos os outros aparelhos eletrônicos que
Faith possuía.
Encontrei a bolsa onde o celular de Faith estava
guardado e desmontei o aparelho, guardando-o no meu
bolso. Enfiei em uma bolsa maior os seus pertences mais
essenciais, como documentos, cartões de crédito, roupas e
produtos de higiene pessoal e saí, trancando
cuidadosamente o apartamento logo após.
— Ryan — eu disse ao telefone, assim que
acomodei-me em meu assento no Jeep. — Dê um jeito de
dar um fim no carro e pague a multa, se for preciso.
Estacionamento do Trader Joe’s no Cobble Hill. Dê o fora
assim que possível. Já resolvi tudo por aqui.
Ouvi a resposta do outro lado e agradeci ao meu
amigo antes de encerrar a chamada e dar a partida em
seguida.
5: Fogo e Pólvora

Faith

— Acorda! — despertei com algo sacolejando


fortemente o meu ombro. Sentei-me, ainda atordoada, e
deparei-me com Holly mirando seus olhos em mim. —
Hora de se alimentar, princesa.
Franzi o cenho diante da claridade que vinha da
pequena janela no alto da parede ao lado e fiz uma careta
ao sentir os meus músculos reclamarem. Não havia sido
uma boa ideia dormir naquela cama.
— Que horas são?
— Não importa — cuspiu a outra. — A única coisa
que precisa saber é que você deve comer agora.
Segurando-me para não empurrar fora todas as
merdas que pensei em dizer a ela naquele momento,
passei as mãos pelos meus cabelos e rosto, sentindo um
gosto ruim na boca e lamentando por não poder fazer uma
higiene decente. Eu não havia ido ao banheiro fazia um
dia.
— Eu só lhe fiz uma pergunta, Holly. Não precisa ser
tão ácida — ela me olhou de esguelha, torcendo o lábio,
mas permaneceu calada. — Onde está Derek?
— Eu não faço ideia — respondeu sem paciência, me
empurrando a bandeja. — Agora tome isso.
— O seu cara não lhe diz aonde vai? — ignorei sua
rispidez. — Minha nossa, isso deve ser uma situação
muito fodida, não? Ou deixe-me adivinhar: vocês não têm
nada sério. Acertei?
Holly dirigiu seu olhar a mim, notoriamente irritada.
— Não é da sua conta o que nós temos — rosnou.
Eu queria levantar daquela cama e socar a cara dela
somente para revidar o tapa do dia anterior, mas eu podia
jogar melhor com aquela oportunidade e não iria estragar
tudo por um simples impulso.
— Eu já disse que não precisa agir de forma tão rude
— falei. — A propósito, eu compreendo você e sei muito
bem o quanto esses caras podem ser cretinos às vezes. —
Ela não me olhava, fingindo manter-se compenetrada em
algo no lado oposto ao meu, mas eu sabia que ela era toda
ouvidos. — Você gosta dele, não é?
Parando o que estava fazendo, Holly ficou tensa.
Seus músculos estavam rígidos e, num relance, percebi
seus lábios cerrados.
— Você gosta dele e ele não dá a mínima para você
— concluí, tentando aparentar compaixão. — Você sabe o
que caras como Derek fazem com as mulheres, não sabe,
Holly? Eles nunca têm uma companheira fixa. Elas são
apenas objetos de foda, todas elas.
— Cale essa boca — virou-se para mim. — Você não
sabe nada sobre Derek. Você não o conhece como eu
conheço.
— E o que você sabe sobre ele?
Calada. Foi exatamente a forma como Holly ficou,
provavelmente sem palavras para responder aquilo.
Touché.
O babaca provavelmente a mantinha como uma
cadela de estimação. Era óbvio que ele compartilhava
com ela apenas o suficiente, apenas o que ele queria que
ela soubesse. Criminosos não confiavam em outras
pessoas, não importa quão próximas elas fossem deles.
— Sabe, Holly, existe uma lenda grega sobre um cão
de três cabeças que vigia os portões do inferno. Eu não
sei se você já ouviu falar, mas ele é como uma espécie de
guardião que impede as almas de saírem do Reino de
Hades, o deus do submundo. Seu nome é Cérbero — falei.
— E, analisando os fatos agora, eu poderia claramente
comparar nossa situação atual com a lenda de Cérbero,
você não acha? — pausei por um instante, analisando sua
expressão. — Eu não duvido nada de que a qualquer
momento, Derek apareça com uma coleira para pôr no seu
pescoço.
— Já chega! — senti que ela atingia o seu limite,
sustentando uma expressão enraivecida, levantando a mão
para mim e rumando em minha direção.
— Você não pode me bater — disparei, fazendo com
que ela estacasse no próximo passo. — Esqueceu das
ordens de Derek? Do seu dono?
Ela fervia de raiva, mas eu não me importei em
cutucar ainda mais fundo sua ferida. Eu sabia que Holly
não iria virar minha aliada tão facilmente, mas ao menos
fazer com que a merda explodisse para o lado de Derek eu
poderia tentar.
— Vê o que ele faz com você, Holly? Ele é um idiota
que não faz nada mais do que lhe dar ordens
constantemente, as quais você é obrigada a obedecer com
prontidão — continuei dizendo. — Ninguém merece
passar por isso.
Ela trocou de posição, parecendo desconfortável de
repente.
A verdade é uma merda que dói como o inferno.
— O que está querendo dizer?
— Estou dizendo que se você quisesse, poderia
facilmente inverter a situação. Fazer com que Derek
finalmente te respeite e te enxergue verdadeiramente,
entende? Os caras podem se tornar extremamente burros
quando usamos as artimanhas certas, e você poderia se
aproveitar facilmente de algumas para tê-lo comendo na
sua mão. Talvez sexo funcione. — Notei o rosto de Holly
ficar vermelho e não sabia se era de raiva ou por outro
motivo, mas arrisquei: — Ou nem isso vocês fazem?
— Foda-se o que você pensa e fodam-se os seus
conselhos, apenas cale a merda da boca! — ela voltou a
fazer cara feia. — Você tem sorte por eu não poder bater
em você, vadia. Agora pare com seja lá que merda você
está tentando fazer e coma de uma vez por todas.
Ela era osso duro, permiti-me admitir.
— Não estou com fome — menti.
— Derek deu ordens para que eu a alimentasse!
— Estou pouco me lixando para as ordens de Derek
— retruquei.
— Não torne as coisas ainda mais difíceis para
nenhum de nós, doce Faith — a voz já tão conhecida por
mim reverberou em meus ouvidos de uma forma que fazia
os pelos da minha nuca se arrepiarem. — Coma.
Virei-me para encarar Derek que acabava de adentrar
o quarto. Ele usava jeans, tênis e uma camisa preta. Um
boné dos Mets estava em sua cabeça, formando uma
sombra em seu rosto. Lembrei-me da tarde em que fomos
ao Cookie Shop e no quão legal ele aparentara,
implicando comigo a respeito do meu time de beisebol
preferido e lançando-me sorrisos frouxos. De uma forma
estranha aquilo me deixou melancólica.
— Já falei que não estou com fome — respondi
sisudamente.
— Coma enquanto eu ainda estou sendo piedoso de te
dar a chance de se alimentar.
Oh, certo. Grande homem.
— Devo lhe agradecer por isso? — ironizei.
— Não preciso da sua gratidão, meu doce.
Meu lábio se retorceu diante do apelido. Eu não
gostei daquele apelido. Poderia ser bonitinho e legal em
outras circunstâncias, mas eu não queria um idiota
criminoso me chamando assim.
Desviei meu olhar do dele ao perceber que estava
por tempo demais o observando.
— Saia, Holly — ordenou Derek.
— Qual o seu problema em sempre insistir em ficar
sozinho com ela? — reclamou a outra.
— Ciúme não combina muito com você, Holly.
Apenas saia.
Não ousei dirigir meu olhar a ele enquanto Holly saia
e batia a porta. Ele apanhou a bandeja com a comida e
empurrou em minha direção. Sentou-se na beirada da
cama e manteve os olhos fixos em mim:
— Coma.
— E por que diabos você acha que eu te obedeceria?
— encarei-o.
— Porque eu posso, a qualquer momento, enfiar uma
bala bem no meio do seu crânio?
Estremeci com a ameaça, porém não recuei.
— E por que você não aproveita e faz isso de uma
vez por todas?
Derek soltou um suspiro estressado e passou a mão
pelo rosto.
— Inferno, mulher! — ele agarrou os meus cabelos,
suas unhas curtas arranhando levemente a pele da minha
nuca. — Eu não sei se já te disse isso, mas eu não gosto
que testem a minha paciência.
— E eu não gosto quando você puxa os meus
cabelos! — grunhi.
Seus lábios se curvaram em um sorriso torto, e então
ele murmurou:
— Ninguém reclamou até agora.
Foda-se.
Em um gesto impulsivo, reuni o máximo de saliva
que pude e cuspi em sua cara. Derek ficou atônito por uns
bons segundos, como se não estivesse crendo no que eu
acabara de fazer. Em seguida, ele franziu o cenho e me
soltou, com fogo nos olhos.
— Cadela dos infernos! — praguejou, passando o
dorso da mão sobre a bochecha molhada. — Pelo visto
você não é tão doce quanto aparenta, não é, Raio de Sol?
— Só com quem eu acho que merece, seu cretino; e a
propósito, eu odeio este apelido.
Ele me observou calado antes de puxar o lábio
inferior entre os dentes — um gesto que eu acharia muito
sexy em outras circunstâncias — e para a minha surpresa,
sorriu. Foi um sorriso pequeno, contido, quase
imperceptível. O tipo de sorriso de quem não quer dar o
braço a torcer, mas já era tarde demais, eu havia captado
aquilo.
— Eu já imaginava — murmurou, aparentemente
mais calmo. — A sua maldita sorte é que eu não levanto a
mão para mulheres.
— Ao menos algum escrúpulo você tem — debochei
friamente.
— Claro que tenho... — disse. — Mas isso não quer
dizer que eu não vá permitir que Holly lhe faça uma
visitinha mais tarde.
Ele sorriu com a minha reação súbita de medo —
dessa vez foi o sorriso presunçoso que eu aprendi a odiar
— e se afastou. Holly tinha uma mão pesada demais para
uma garota. E embora fosse prazeroso tirá-la do sério, eu
não queria correr o risco de receber outra bofetada. Ou
quem sabe, algo pior. Derek voltou a apontar para a
bandeja repleta de pedaços de frutas, leite, café e algumas
torradas.
— É melhor comer.
E como sempre fazia, deixou-me sozinha no quarto,
trancando-me logo em seguida.
6: Que Comecem os Jogos

Derek

Estacionei o carro em um ponto não muito distante do


local e desci. A casa noturna, premeditadamente situada
em alguma rua suja do Bronx, não era de todo ruim.
Exceto pelo letreiro velho em neon — onde metade do
nome exótico mantinha-se apagada — e as paredes
descascadas repletas de pichações, o ambiente era
adequado para encher a cara com umas boas doses de
bebida ou chapar com as drogas que ali eram distribuídas.
No entanto, aquela boate pequena e escondida
fedendo a destilado e vômito era apenas um pretexto
muito bem esquematizado para ocultar a grande merda que
se mantinha por trás de tudo aquilo. O negócio grande
ocorria no subsolo: um dos pontos principais para
negociações de tráfico de drogas, venda de mulheres e
jogos de azar.
Era uma merda extremamente estressante lidar com
os malditos entorpecentes. Eu havia parado de usar drogas
pesadas um bom tempo atrás. Eu não era um viciado, mas
havia convivido com vários desde muito pequeno e tinha
ciência de até que ponto uma pessoa dependente era capaz
de chegar para conseguir manter o seu vício. Como pragas
rastejantes que entranham-se na sua carne, elas eram
silenciosas, destruíam aos poucos e ferravam com sua
vida sem um segundo sinal. Eram verdadeiros pestes, e
Marcel era o primeiro da lista no ranking de importação e
distribuição daquela merda por toda Nova York.
Empurrei a porta dupla de madeira, sentindo-me em
um filme de Velho Oeste. Percorri com passos lentos toda
a área do bar, até chegar ao estreito corredor escuro,
cortando a distância que me mantinha longe da entrada de
acesso ao subsolo. Um segurança alto, careca e
proporcionalmente robusto mantinha-se de pé, prostrado
como uma maldita estátua gigante, fitando-me de cima a
baixo.
— Documentação — foi sua única palavra.
Estendi-lhe prontamente a habilitação falsa que
guardava em minha carteira — eu tinha uma coleção delas
— e aguardei enquanto o cara analisava o pequeno
pedaço de papel revestido em plástico.
— Carter Harris? — perguntou, averiguando minha
foto mais uma vez. Erguendo a cabeça, ele encarou o meu
rosto.
— O próprio — confirmei.
Ele estreitou os olhos, provavelmente não comprando
completamente a minha merda. Eu não estava surpreso.
Aquele negócio era algo totalmente ilegal e,
provavelmente, dezenas de caras tentavam atravessar
aquelas portas com documentações falsas todas as noites.
Os seguranças eram todos adestrados para controlar com
maestria o fluxo de clientes.
— Tem certeza? — seu tom de voz era um misto de
ironia, desafio e incredulidade.
— Felizmente, sim — mantive-me calmo. — Pra
quem correu o risco de se chamar Leslie Sebastian muito
antes de nascer, é um nome legal, não acha?
— Leslie Sebastian? — ele franziu o cenho. —
Como o Billy Ocean?
— É, irmão, dá pra acreditar nisso? — afirmei. — A
minha mãe meio que era fã do cara.
Ele sacudiu a cabeça e deu uma risada.
É sempre tão fácil contornar a situação com esses
imbecis.
— Você é um homem de sorte, hein, Leslie — ele
quis ser engraçado, dando um soquinho no meu braço.
Tive que forçar um riso fora, tentando aparentar simpatia.
— E eu posso saber o que veio fazer aqui essa noite,
amigo?
— Eu preciso relaxar, se é que me entende —
respondi. — Nada melhor do que umas boas gramas do
melhor pó dos Estados Unidos e duas ou três garotas
gostosas para levar fora toda a tensão que adquirimos
somente pelo fato de sermos cidadãos da agitada Nova
York, não é mesmo?
Ele esbanjou uma expressão de quem compreendia
perfeitamente o que eu quisera dizer e inclinou um pouco
a cabeça para trás, rindo novamente.
— Duas ou três, hein? — brincou maliciosamente. —
Você é dos meus, camarada! — fazendo um aceno de
cabeça, ele deu tapinhas amistosos em meu ombro. —
Entra aí, Carter. Espero que tenha um bom momento.
— Obrigado — acenei de volta. — Com certeza, eu
terei.
☆☆☆
Desci as escadas de metal que davam acesso ao
subsolo pouco iluminado. Ali, sim, era o local onde tudo
rolava. Um amplo espaço repleto de sofás de couro
vermelho-escuro, cubículos privativos, Blues sendo
tocado ao vivo, decoração luxuosa e mesas de jogos.
Tudo do mais alto nível.
Lá onde eram distribuídas as bebidas mais caras, as
drogas mais fortes e as melhores garotas. Os
frequentadores daquele lugar até que poderiam ser
considerados filhos da puta de sorte. Entretanto, a grande
verdade por trás de toda a névoa luxuosa era que, os
idiotas perdiam, sem perceber, milhares de dólares
apenas para encherem a cara, jogarem algumas partidas de
carteado ou entrarem nas calcinhas de algumas putas bem
maquiadas.
A maioria das meninas, eu sabia, eram recrutadas
desde muito jovens e trazidas de outros países.
Contrabandeadas como toda a merda suja de Marcel, eram
nada menos que um negócio. Dei uma olhada no local e
avistei um corpo magro com a cabeça coberta por uma
peruca loira estilo Marilyn Monroe. Trabalhando suas
bronzeadas pernas alongadas, ela caminhou em minha
direção, ainda carregando uma bandeja em mãos.
Sentei-me de frente ao balcão e ela parou do meu
lado.
— O que vai querer essa noite, querido? —
questionou com voz melosa.
— Daniels — eu disse. — Duas doses.
— Trezentos dólares.
Arqueei uma sobrancelha, fitando seus olhos escuros.
— Tudo isso?
— Duas doses é muito... arriscado — respondeu. —
Isso pode nos causar problemas futuros, você sabe.
Dei uma rápida olhada de cima a baixo pelo seu
corpo. Sua roupa era tão apertada que eu podia ver os
seios marcando o decote, praticamente saltando para fora.
Ficava ainda mais evidente pelo fato de ela ser muito
magra.
— Concordo com você — falei, finalmente, puxando
da minha carteira três notas de cem e enfiando em seu
sutiã. Ela sorriu e serviu o meu uísque, curvando-se de
leve para sussurrar em meu ouvido sob a música alta:
— Estaremos no segundo piso. Quarto trezentos e um.
Endireitando-se, a mulher rumou em direção à uma
das mesas de jogos, onde um homem alto de cabelos
grisalhos relaxava confiantemente, compenetrado em sua
partida de Pôquer. Ele carregava um charuto entre os
dedos e sorriu, acariciando o braço da garota, assim que
se deu conta de sua presença. Ela mordeu o lábio e disse
algo mais a ele.
Com um aceno presunçoso, ele se levantou e seguiu a
garota que o puxava pela gravata.
Mirando meu olhar em uma puta qualquer ali perto,
fiz um aceno de cabeça. Em questão de segundos a garota
estava prostrando-se ao meu lado. Agarrei-a pela cintura
e terminei o meu uísque em um só gole, preparando-me
para me levantar. Eu sabia que havia seguranças nas
escadas que davam acesso ao andar superior — a área
dos quartos — e apesar de eles não serem tão eficientes
quanto aparentavam, eu não podia dar bandeira em chegar
lá em cima sozinho.
Não tive muita dificuldade para alcançar o corredor,
no qual se localizava o quarto em que a garota me
informara para onde levaria o cara. Parei na porta ao lado
e abri.
— Fique aqui — eu disse à loira que estava comigo,
conforme a empurrava lá dentro. Ela tinha grandes olhos
azuis claros sombreados por uma névoa de confusão, e
por um momento me lembrei de Faith. Da forma como ela
ficara quando me dera conta da minha presença pela
primeira vez naquele quarto, logo após o sequestro.
Forcei-me a sacudir a cabeça e tirar a imagem dela da
minha mente. Lembrar daquela cadela louca e petulante
era a última coisa que eu precisava no momento.
Mesmo sem entender nada, a garota não disse uma
palavra. Bati a porta e rumei em direção ao quarto que
realmente me interessava. Com o máximo cuidado,
preparei a minha arma e girei a maçaneta. Ao abrir a
porta, deparei-me com a cena da Srta. Marilyn Monroe
com os peitos no rosto do homem, enquanto cavalgava
sobre o seu pau — ambos em cima de uma poltrona — e
gemia simuladamente. O cara em seu êxtase sexual mal me
notou, e no instante em que a garota se deu conta de que eu
finalmente havia chegado, parou os movimentos, dando
um salto para trás. Sem esperar uma reação do cara, eu já
estava com a minha Glock 42 apontada para a base da sua
nuca.
O quarto transformou-se em um total silêncio.
Ninguém dizia nada e tampouco se mexia, exceto pela
garota que vestia-se cada vez mais rapidamente.
— Bom trabalho, baby — eu disse à ela. — Agora vá
para o quarto ao lado, pegue sua amiga e deem o fora.
Ela fez um aceno de cabeça e, ainda ajeitando sua
fantasia, apressou-se em sair do quarto.
Flagrei no exato momento em que o homem tateava
em busca de algo no móvel ao lado, que presumi ser uma
arma. Pressionei com mais força o cano da pistola em sua
cabeça.
— Não seria nada inteligente você tentar fazer isso
justamente agora — adverti. — Levante as mãos.
— Mas que porra está havendo aqui? — ele ainda
não estava sendo capaz de ver o meu rosto.
— Cale a boca e faça o que estou te mandando.
Ele levantou as mãos para o alto da cabeça,
começando a tremer. Atirei-lhe um lençol.
— Enrole-se nisso primeiro.
Ele o fez, de forma desajeitada. Em seguida, levou as
mãos à cabeça novamente.
— Ande em linha reta — apontei com a arma para
uma porta que eu sabia dar acesso à uma saída secreta. —
Abra aquela porta e saia por ela. Há uma escada de
incêndio ali e será por lá onde nós alcançaremos a área
externa. Eu estarei logo atrás de você, portanto não tente
gritar, muito menos correr. Eu sou mais esperto que você e
não seria nada legal se eu partisse esse seu crânio em
milhares de pedaços. Você me entendeu?
— S-sim... — ele engoliu em seco.
— Bom garoto. Agora mexa essa sua bunda feia para
fora daqui.
E assim, ele obedeceu, seguindo o caminho que ditei,
sempre em silêncio. Ao chegarmos do lado de fora
ordenei que ele parasse. Antes que o homem tivesse a
chance de se virar para mim, dei-lhe uma coronhada no
lado da sua cabeça, fazendo com que seu corpo caísse
desfalecido no chão em questão de segundos. A rua estava
escura e sem movimentação, portanto foi fácil arrastá-lo
até o Jeep e o empurrá-lo no porta-malas. Logo eu estava
pondo um capuz preto em seu rosto e amarrando suas
mãos para trás.
Parei o carro em frente a um galpão abandonado que
já fora ponto de transações de tráfico um dia. Eu sabia
onde se localizava a maioria daqueles lugares, pois
costumava andar muito por ali para treinar sozinho na
época em que ainda lutava. Eu conseguia ter um
desempenho muito melhor fazendo minhas merdas sem
auxílio.
Abri o porta-malas do carro e puxei o homem,
arrastando-o por todos os lances de escada até a sala
abandonada que já fora um antigo escritório. O local não
tinha nada mais que uma mesa antiga, cadeiras velhas e
uma janela de vidro quebrada, além de um banheiro
pequeno.
Ao lado da porta havia um interruptor que eu
pressionei imediatamente, fazendo com que a luz
amarelada e fraca derramasse no ambiente o suficiente
para clarear o lugar da devida forma.
Arrastei o corpo semi desfalecido do homem e o pus
sentado de forma desajeitada em uma das cadeiras de
metal que rangeu com o peso do seu corpo. Fui até o
pequeno banheiro sujo que havia ali e peguei um pouco de
água da torneira. Voltei para a sala e retirei o capuz de sua
cabeça antes de atirar toda a água em seu rosto. Ele
gemeu, despertando aos poucos e provavelmente sentindo
dor devido ao golpe que lhe dei.
— Deus, que diabos está acontec... — ele se calou no
instante em que ergueu a cabeça e seu olhar cruzou com o
meu. — Oh, merda... você?
Sorri ironicamente, arrastando uma cadeira para que
eu pudesse me sentar de frente para ele logo em seguida.
— Olá, Azael — saudei, fitando seus olhos escuros e
desesperados. — Sentiu a minha falta?
Marcel

A poltrona era coberta de couro legítimo. A mesa, de


um mogno escuro e tão bem polido, brilhava com o sol
que adentrava através das enormes janelas envidraçadas,
derramando sua leve claridade no escritório.
Pesadas cortinas em estilo vitoriano transmitiam ao
local uma aura suntuosamente clássica. Nas paredes, três
grandes quadros com moldura revestida a ouro
esbanjavam a imponência e o poder que cabiam somente
aos homens que ali eram retratados: Garrick, Albert e
Marcel. A hierarquia do Império Bloom.
A fumaça oscilou no ar, ao passo que um elegante e
altivo Marcel Bloom dava mais uma baforada em seu
charuto importado. Recostando-se no confortável assento,
ele passou as mãos pelos grossos fios dos seu bem-
aparados cabelos negros e relaxou. Viver como um
contrabandista nunca fora fácil, permitia-se admitir, mas
tinha lá os seus prós. O homem havia sido iniciado com
apenas quinze anos de idade — ainda era um moleque
virgem que mantinha para si as fantasias pervertidas com
atrizes pornográficas. Seu pai lhe dera sua primeira arma
aos dezessete anos e, ao completar dezoito, fizera sua
primeira vítima.
O negócio para o qual dedicara sua vida era muito
mais que um simples lance passageiro. Era um esquema
digno de orgulho, muito bem esquematizado, que havia
sido passado de geração para geração — e assim
continuaria sendo, quando, um dia, o seu pequeno Max
assumisse tudo.
Envolvia não somente o contrabando pesado de
armas e drogas pelo continente, mas também a imigração
ilegal de garotas pela fronteira do México.
As putas latinas eram as melhores, sem sombra de
dúvida, e não era tão difícil aliciá-las. A maioria vinha
para Nova York diante de uma proposta tentadora para
trabalhar na revista de moda que ele comandava. As que
tinham o perfil adequado exigido eram escolhidas e as
demais, enviadas para as diversas boates secretas que ele
possuía.
Suas putas de luxo eram mais que eficientes e mesmo
que grande maioria delas não ingressasse no ramo com
muito mais que seus quatorze anos de idade, aprendiam
muito rapidamente como executar seu trabalho.
Se ele tinha medo de ser pego? Claro que não. Para
aquilo havia os milhões de dólares envolvidos no jogo —
garantindo não só a sua colocação no primeiro lugar nos
negócios, como mantendo intacta a integridade do seu
nome e seu Império. Em meio à tudo aquilo, havia grandes
investimentos em subornos de policiais, execução de
testemunhas indesejáveis, compra de aliados e toda a
merda que ele precisasse dar um fim.
Com apenas trinta e quatro anos de idade, Marcel já
era como um deus do crime. E nem mesmo o Altíssimo
seria capaz de derrubá-lo, caso tentasse.
Batidas na porta foram ouvidas e após uma ordem
rápida do chefe, Simon adentrou o aposento,
respeitosamente, como deveria ser. Seus cabelos loiros
estavam bem penteados, o paletó de cor escura
impecavelmente limpo e a gravata de listras,
simetricamente alinhada. Marcel nunca havia
compreendido o motivo de sua irmã mais nova não querer
manter mais laços com Simon. O filho da puta era o cara
perfeito, exatamente como ele.
— Marcel — Simon cumprimentou. — Azael está lá
fora.
— E o que ele quer? — indagou o chefe,
sisudamente.
— Deseja falar com você. Disse ter um recado —
Simon pigarreou, como se estivesse buscando o tom de
voz adequado para não contrariar ainda mais o chefe. —
Eu sugiro que atenda.
Marcel revirou os olhos. Esperava que aquele filho
da puta tivesse realmente algo de importante para lhe
falar, pois não estava com paciência para muita coisa
naquele dia.
— Mande-o entrar.
Poucos minutos se passaram até, finalmente, Azael
cruzar a porta. Em seu rosto, uma expressão de pavor e
dor se via nítida. Ele estava muito pálido e suava frio.
Direcionando um olhar para a mão enfaixada do homem,
Marcel teve a comprovação de que algo não estava certo.
— Mas que porra é essa? — bradou. — Eu não te
pago para sujar o meu tapete de sangue, seu imbecil. Que
diabos aconteceu com você?
— Ele... senhor... — o homem balbuciava as
palavras entre um arquejo e outro. — Ele... está de volta.
— Quem está de volta? Que inferno você está
falando, homem?
— Rushell...
Todos os sentidos de Marcel ficaram em alerta com
aquela informação. Ele sentia a tensão se alastrar em
torno dos seus músculos, percorrendo silenciosamente
uma trilha vulcânica até a ponta dos seus dedos que
formigavam, ao passo que ele apertava os punhos
fechados.
— O que disse?
— Derek Rushell — Azael balbuciou novamente,
engolindo em seco. — Ele está vivo. Me armou uma
emboscada... porra, ele cortou o meu dedo! — o homem
pausou para tomar um hausto de respiração e direcionar
um olhar pesaroso para a mão, cujo dedo mínimo lhe
faltava. — Fez com que eu lhe trouxesse um recado.
Marcel coçou o queixo, tenso.
— Que recado?
— A garota... — gemeu o capanga. — Ele está com a
garota.
— Que garota, porra? — Marcel se levantou furioso
e, alcançando o outro em apenas dois passos, o
chacoalhou pelos ombros com força. — Diga-me, de que
garota você está falando?!
Azael tremeu ainda mais e engoliu um gemido de dor
antes de finalmente responder:
— A sua irmã, senhor... Ele tem a sua irmã.
7: Meu Passado, Minhas Marcas

Faith
Eu nunca fora muito fã da reclusão. Ainda que morar
sozinha tenha sido uma decisão unicamente minha,
momentos solitários geralmente me impeliam a recordar
com muita facilidade do quão vazia era a minha vida.
Eu só havia tido um único namorado sério em toda a
minha existência. Um namorado que deixara traumas
inolvidáveis e feridas abertas na alma, com as quais eu
tive que lidar sozinha em torno de um bom tempo. Eu era
uma pessoa de poucas relações, sem muitos amigos e
presa em um estágio deplorável de carência. Eu gostava
de mascarar aquilo como sendo autossuficiência, mas eu
sabia, no âmago do meu ser, que nada do que eu retratava
para mim mesma e para os demais era verdade.
Eu só queria alguém. Um alguém que não fosse tão
problemático quanto eu e que estivesse bem em conviver
com as minhas merdas.
Aproximadamente um ano atrás, eu tentara transar
com um colega da faculdade. Seu nome era Troy e ele
viera da Austrália para estudar música na NYU e morar
com sua avó. Troy tinha um sotaque interessante, voz
bonita e cabelos legais. Ele gostava das mesmas músicas
que eu e assistia às mesmas séries. Foi em uma festa na
casa de Sierra, quando as coisas começaram a esquentar
entre a gente e eu decidi que seria uma boa ideia levá-lo
para o meu apartamento. Nós nos conhecíamos havia mais
de um ano e sempre nos demos bem. Mas eu não havia
medido as consequências das minhas escolhas e sofri por
cada uma delas no instante em que chegamos em minha
casa. No instante em que ele tirou a minha roupa, e no
maldito instante em que ele se deparou com tudo aquilo
que eu sempre lutei para esconder.
Eu não o culpei; final, ninguém é obrigado a fazer
sexo com alguém como eu. Uma garota cheia de marcas
profundas por dentro e por fora. Eu não sabia o que havia
doído mais: se fora a forma como ele olhou para o meu
corpo — um olhar que me fazia sentir diminuta e feia —
ou relembrar da época em que eu fui nada menos do que a
vadia burra e submissa que permitia as merdas doentias
de um cara.
No momento em que Troy alegara estar sem
camisinhas, preparando-se para dar o fora da minha casa
como um fugitivo da polícia, eu apenas assenti, fingindo
engolir sua desculpa esfarrapada, ao passo que ele fingia
não ter visto nada. Ao menos ele não comentara nada a
respeito com ninguém. Ele não era esse tipo de cara.
Aquela foi a última vez que eu decidi ir para a cama
com alguém. Foi a última vez que eu decidi permitir que
alguém tocasse no meu corpo e enxergasse nada mais do
que aquilo que eu estava disposta a mostrar. E se eu
morresse sem mais uma única noite de sexo — coisa que
eu já estava imaginando que fosse acontecer em breve —
eu não me importava, considerando o fato de que homem
nenhum pudesse me ver nua.
Simon não havia me deixado apenas marcas
psicológicas. Ele deixara marcas no meu corpo. Como
uma penitência que eu era obrigada a pagar diariamente
por acreditar em suas palavras doces e venenosas.
— Vai ficar aí me olhando o tempo todo? — ataquei,
menos incomodada do que tentava aparentar. Eu não havia
tido uma noite muito boa, repleta de sonhos indesejáveis
que continha muito sangue, tiros e socos. Eu não estava
nada bem com a ideia de estar presa por dias, e algo se
retorcia em meu estômago somente em visualizar o corpo
alto e proporcionalmente musculoso do homem à minha
frente.
Derek cruzou os braços sobre o peito largo, piorando
a situação e eu me forcei a desviar os olhos da rigidez
bem marcada que se evidenciou em sua camisa clara,
irritada com a minha reação ridícula.
Céus, eu só podia ser mentalmente doente.
— Não gosta que te observem? — ele questionou,
sem ainda desviar os olhos dos meus. — Você é uma atriz,
afinal.
— Não gosto que você me observe — retruquei,
enfatizando a palavra.
Dei uma última garfada nos ovos mexidos do meu
café da manhã e mastiguei-os logo em seguida. Pus a
bandeja no chão enquanto engolia o restante do alimento e
me recostei no espaldar da cama. Meus cabelos
provavelmente estavam parecendo um ninho e passei as
mãos por eles. Não que eu me importasse em ficar bonita
diante daqueles dois idiotas, mas no mínimo uma boa
higiene eu gostaria de manter.
De repente, dúvidas pipocaram em meu cérebro. Por
quanto tempo eu ficaria presa, afinal? Eu precisaria de um
bom shampoo, absorventes internos e roupas limpas. Mas,
pensando bem, não seria necessário nada daquilo quando
eu estivesse morta.
Oh, Deus.
Olhei diretamente para Derek, conforme ele se
aproximava e apanhava a bandeja no chão.
— Agora você que está me observando — pontuou,
erguendo-se. — O que há?
— Por quanto tempo você pretende me manter aqui?
— perguntei, tentando conter a ponta de desespero e
melancolia que insistia atravessar a linha tênue do meu
autocontrole.
— Não interessa.
— Já que eu sou sua prisioneira, você não poderia ao
menos me manter a par do que provavelmente vai
acontecer comigo? — argumentei.
— Sim, claro que eu posso. Mas não vou — sorriu.
— Passar bem, Faith.
Imbecil!
Horas depois, o bastardo reapareceu no quarto.
Deixou uma bandeja em cima da minha cama e, como da
primeira vez, observou-me comer toda a comida, feito
uma criança que se recusa a se alimentar e necessita de
vista grossa da mãe.
Terminei a refeição e meus olhos se voltaram para a
porta no instante em que Holly adentrou o quarto e se
juntou a nós. Ela carregava uma bolsa aparentemente
pesada, a expressão de desagrado sempre presente.
— Obrigado, Holly, pode se retirar — Derek disse.
E como o bom cãozinho de guarda que era, assim ela
o fez. Senti uma certa compaixão pela mulher.
— Você sempre a tratou assim? — perguntei. —
Como seu animal de estimação?
Derek olhou-me com aquele ar sisudo e pose
intimidadora, e então me respondeu:
— Não é da sua conta como eu lido com os meus
assuntos.
— Seus assuntos? — soltei um ruído de escárnio.
Estava sendo uma idiota, mas não podia deixar de
debochar da situação. — Ouça a si mesmo. Você é o cara
mais louco e babaca que eu já conheci.
— E você é uma cadela extremamente irritante — era
a segunda vez que o filho da puta me chamava de cadela.
— Levante-se.
Encolhi-me em cima da cama no instante em que ele
veio em minha direção.
Merda, o que ele iria fazer? Eu havia extrapolado em
minhas perguntas, óbvio! Será que ele iria me bater ou
tentar algo pior?
Tentei lhe empurrar, conforme ele chegava até mim e
agarrava com força os meus braços. O pânico crescente se
instalou em meu corpo, fazendo com que todo o sangue do
meu sistema percorresse violentamente sua trilha, ao
passo que eu começava a me dar conta do que
possivelmente estava prestes a acontecer.
Grande. Fodida. Merda.
— Tire suas mãos de mim! — rosnei, sentindo um
misto de raiva, medo e desespero. Comecei a espernear,
tentar chutá-lo e arranhá-lo, mas ele não foi piedoso. Suas
mãos ainda estavam tão firmes em meus braços que eu já
estava começando a sentir dor.
— Eu não vou falar de novo, Faith. Levante-se!
Quando não o obedeci, ele puxou com mais força os
meus braços, ocasionando em um rasgo feio na alça do
meu pijama. Parte de um dos meus seios ficou nua e eu
retraí-me instantaneamente, sentindo-me exposta e
totalmente vulnerável.
As lágrimas começaram a forçar saída por meus
olhos, meu nariz ardeu e eu mordi o lábio. Estremeci ao
notar a fúria e impaciência estampada em seus olhos
verdes.
— Porra, inferno, você não colabora! — Derek
praguejou e rapidamente me pegou no colo, lançando-me
sobre o ombro como um maldito homem das cavernas.
Tentei me debater enquanto ele me levava para fora
do quarto, em direção ao corredor. Esmurrei-o, esperneei,
tentei mordê-lo e gritar, mas nada fazia efeito. O cretino
era como uma maldita montanha. Comecei a desejar que
Holly estivesse ali comigo em vez de Derek. Ela não
tentaria me violentar a força.
Entrando em mais um cômodo, o qual eu não
consegui enxergar direito devido ao meu pânico, ele me
pôs no chão. Só consegui sentir o chão frio. As lágrimas
ameaçavam descer pelo meu rosto. Eu estava começando
a me sentir nauseada.
— Oh, meu Deus, o que... — calei-me no momento
em que senti o jato frio da água lamber os meus cabelos.
O que diabos aquilo significava?
Permiti-me abrir completamente os meus olhos e me
dei conta: ele ainda estava vestido.
Oh, Deus, ele estava vestido. Muito obrigada.
Então, eu percebi que estava em um banheiro. Mais
precisamente debaixo de um chuveiro. A água estava fria,
mas fazia calor naquele dia, então não me importei muito
com aquilo.
— Tire a roupa — ordenou.
— O quê? — exclamei nervosamente. — Eu não vou
tirar a minha roupa pra você.
— Puta que pariu — com uma certa impaciência,
Derek curvou-se diante de mim e baixou a parte de baixo
do meu pijama em um único gesto. Contudo, ele parou os
movimentos no minuto seguinte.
Congelei junto com ele, sentindo um misto de
lembranças ruins atacarem a minha mente. Estremeci
quando dedos subiram por minha coxa esquerda e ele
traçou de leve uma das marcas suaves e esbranquiçadas
que me acompanharam havia tempos. Era estranho, mas eu
não me senti como no dia em que Troy, o garoto
australiano, me viu nua. O olhar de Derek era diferente.
Não continha repulsa ou pena, aquilo era bem mais
profundo. Uma conexão estranha, algo que eu captei e
nunca havia presenciado antes:
Empatia.
— Onde conseguiu isso? — foi um murmúrio. Seus
olhos ainda permaneciam focados em minha pele.
— Não é da sua conta — empurrei sua mão fora.
Minha voz estava rouca, minhas pernas tremiam e seu
olhar sobre o meu corpo não denunciava nenhuma
conotação sexual, mas eu estava ainda muito nervosa.
Sem mais uma palavra, ele se levantou e abriu uma
das gavetas do armário abaixo da pia. Tirou de lá um
sabonete ainda lacrado e, após retirar o sabonete da
embalagem, veio em minha direção.
— Não me toque — pedi, fazendo com que ele
parasse imediatamente.
Ele apenas me fitou. Eu sabia como ninguém que
estupradores sentiam ainda mais prazer com o desespero
de suas vítimas. Se ele quisesse me violar naquele
banheiro imediatamente, no estado em que eu me
encontrava, com certeza, ele faria. E eu não sabia se
poderia lidar com aquilo dali em diante.
Mas, para a minha surpresa, Derek apenas pôs o
sabonete no suporte ao meu lado e saiu do banheiro por
alguns minutos. Quando retornou, automaticamente me
cobri, afinal estava seminua na frente dele e já havia me
esquecido daquilo. Sem olhar para mim, ele jogou a bolsa
que Holly havia trazido. Analisando, superficialmente,
cogitei serem alguns de meus pertences e — santo Deus
— tinha roupas limpas ali também.
— Seja rápida — disse, ainda de costas. — Se você
demorar mais de dez minutos aqui dentro, eu virei atrás de
você, estando vestida ou não.
No instante em que Derek saiu do banheiro e bateu a
porta atrás de si, eu apanhei tudo o que precisava e
coloquei em um canto na pia.
Peguei um pouco do shampoo que cheirava a hortelã
e ensaboei os meus cabelos. Lavei o máximo que pude,
tanto o meu corpo quanto a minha cabeça, afinal eu não
sabia quando eu teria outra oportunidade de um banho
decente. Esperava que fosse logo.
Após sair do box e me vestir, peguei uma escova de
dentes que Derek havia deixado e abri o armário em busca
de algum tubo de pasta. Enquanto colocava um pouco de
pasta de dente sobre as cerdas da escova, inúmeros
pensamentos vaguearam pela minha cabeça.
Onde eu estava?
Será que era muito distante de Nova York?
Eles teriam um telefone por ali?
E se tivessem, em que lugares costumavam esconder?
Pensei em várias coisas. Pensei em tentar alcançar a
janela do alto, pensei em gritar por socorro e arriscar se
ouvida por algum vizinho. Cheguei até cogitar quebrar o
espelho acima da pia do banheiro e cortar a garganta de
Derek quando ele retornasse, mas aquele pensamento logo
se esvaiu, pois eu não teria coragem de fazer aquilo.
Deus, eu não tinha coragem de ferir uma barata.
Como sairia dali viva?
Eu estava lavando minha boca, quando a porta do
banheiro se abriu de repente, fazendo com que eu desse
um sobressalto.
Por sorte, eu já estava vestida. Os olhos de Derek
passearam brevemente pelo meu par de calças legging
pretas e camiseta de algodão vermelha.
Sem uma palavra, ele abriu mais a porta e se afastou
para o lado, dando espaço para que eu passasse. Eu fiz,
sem me dar ao trabalho de dirigir um olhar a ele.
Percebi que o local em que estávamos era, na
verdade, mais um quarto. Me questionei quantos quartos
havia naquela casa. Aquele era maior que o anterior e
tinha uma cama aparentemente mais confortável. Como o
outro, não possuía janelas baixas, mas a iluminação era
muito melhor também.
E tinha um banheiro.
— Você vai ficar aqui a partir de agora — decretou.
Eu não sabia se deveria agradecê-lo por aquilo,
portanto dei de ombros, afinal eu ainda era uma
prisioneira e não tinha, de fato, o que agradecer. Sentei-
me na cama, constatando que era realmente macia. Puxei o
travesseiro e o abracei contra meu corpo.
— Qual o tamanho dessa casa? — questionei. — E
onde nós estamos, exatamente?
— Boa tentativa — ironizou. — A única coisa que
você precisa saber é que essa casa é minha. Não roubei
de ninguém, se é o que está pensando.
— Você pode não ter roubado a casa, mas deve ter
roubado muitos bancos para conseguir se manter, não é?
Ou deixe-me adivinhar, o sequestro é seu crime predileto.
— Não, Faith, eu tenho um trabalho. E, acredite, ele
não envolve assassinato, muito menos sequestro de
pessoas — respondeu seriamente. — Eu não estava
mentindo quando disse que trabalhava com informática. E
se você quer saber, sim, eu ganho dinheiro com isso.
Muito dinheiro.
Fiquei calada. Eu não sabia se era por reconhecer
que ele não havia mentido para mim ou porque
simplesmente já estava perdendo a graça provocá-lo.
Derek recostou-se contra a porta fechada e cruzou os
braços. Nossos olhares duelaram por alguns instantes
antes de ele resolver voltar a falar:
— Você não vai mesmo me falar sobre as cicatrizes?
— Que diferença faria se eu falasse?
— Nenhuma, eu acho.
— Então não há motivos para tocarmos neste assunto.
Derek suspirou e desceu seu olhar até as minhas
pernas, que agora estavam cobertas, depois subiu
novamente para a minha face.
— Você tem mais delas nas costas também, não é? —
insistiu.
— Por favor, cale a boca — eu fechei meus olhos
com força, me abraçando aos meus joelhos. Raramente eu
agia daquela forma, como uma menina medrosa e
perturbada, mas eu não estava em um bom momento e
definitivamente não precisava que ele agravasse ainda
mais a minha situação.
— Você não deveria se envergonhar delas, Faith —
avisou. — Suas marcas são a confirmação de que você
travou batalhas no passado e venceu todas elas.
Deslizei as mãos para baixo e finalmente olhei para
ele.
— E como você sabe que eu venci?
— Você ainda está aqui — frisou. — Nenhum
guerreiro, por mais invencível que seja, sai de uma guerra
ileso. Mas se este guerreiro sobrevive à todas as batalhas,
essa é a prova de que ele é forte o suficiente para
conseguir triunfar sobre qualquer possível trauma.
Fazia sentido. Eu nunca havia parado para pensar
naquilo de tal maneira, mas talvez ele não fosse muito
diferente de mim. Derek parecia ser o tipo de cara
irredutível, invencível e totalmente fechado. Mas eu sabia
que, no fundo, ele era um alguém quebrado. E pessoas
quebradas tendem a se esconder por trás de suas
máscaras. Eu havia feito isso.
— Você já lutou também, Derek? — minha voz saiu
baixa. Era como se eu estivesse quase certa de que ele
não responderia.
Seu olhar manteve-se grudado no meu por um
milésimo de segundo a mais, então ele desviou os olhos e
me surpreendeu:
— Várias vezes.
E com isso, ele me deixou sozinha no quarto.
Uma coisa que eu percebi e me chamou a atenção:
Derek não havia trancado a porta dessa vez.
8: O (Anti) - Herói
Derek
Se existia algo que eu me obrigara desde muito
jovem a aceitar, era a ideia de eu não ser, nem de longe,
um cara bom. Eu não me considerava a porra de um herói,
muito menos o invejável príncipe encantado descrito nos
romances e contos de fadas. Todavia, você acredite ou
não, eu tinha os meus princípios. Princípios estes que
concediam o primeiro lugar na lista para a aversão
extrema à qualquer espécie de violência contra mulheres.
Bem... Faith seria uma exceção àquela regra. Não que eu
planejasse espancá-la ou coisa do tipo, mas eu teria que
tirar sua vida um dia; contudo, eu ainda mantinha uma boa
parte do meu lado humano acesa. Ou eu acreditava
resguardar, não sabia ao certo.
De uma forma estranha, ver aquelas cicatrizes no
corpo de Faith arrancara uma boa merda de mim. Não que
a garota fosse meu problema ou que eu devesse me
importar com tal conjuntura, mas eu ainda era capaz de me
lembrar do quão assustada ela parecera diante da simples
possibilidade de ser tocada por mim. Era mais que
evidente que marcas como aquelas foram causadas por um
homem — e só Deus sabe quais outros tipos de sujeiras
ele fora capaz de fazer com ela. Em contrapartida, havia o
fato de eu não dever me importar tanto com aquela merda;
afinal, não sobraria muito de Faith quando eu finalmente
decidisse qual seria sua hora certa de morrer.
Ajeitei a gravata coberta pelo paletó cor chumbo do
meu sofisticado conjunto de terno e ocupei uma das
poucas mesas que ali se viam desocupadas. O acolchoado
do assento em que eu me encontrava era macio, revestido
de um couro vermelho e aparentemente caro. Me
permitindo reclinar as costas contra o espaldar do mesmo,
passeei o meu olhar pela boate de iluminação parca.
O local, no qual eu já estivera anteriormente, era
dirigido por um bom grupo de idiotas que mantinham suas
bundas intactas em algum escritório de merda oculto no
subsolo. Marcel, provavelmente, já estaria enviando até
seus cachorros para me procurarem àquela altura e,
apesar do disfarce totalmente formal que eu havia optado
por aderir naquela noite, eu não poderia dar muita
bandeira no local. Mas eu tinha algo a fazer antes de dar o
próximo passo e não iria recuar.
Acenei quase imperceptivelmente para a garota de
cabelos castanhos-acobreados que, parada a um pouco
mais de dez metros de mim, observava-me com uma
ansiedade notória. Ela inspirou fundo, soltando
pesadamente o ar e, instantes depois, caminhou em minha
direção. Parou ao meu lado, aparentemente muito nervosa.
Conforme que ela me fitava, eu podia minuciar os
traços característicos e marcantes de sua nacionalidade
mexicana, como a pele olivada, cabelos escuros e olhos
quase pretos. Diferente do que eu fora capaz de ver na
outra noite, ela não trajava nenhuma fantasia de figuras
artísticas dos anos 50, mas um vestido longo de cor
vermelha e justo que deixava bem notória a sua falta de
peso.
Ainda em silêncio, ajeitei a minha posição no
estofado, dando espaço para que a garota tivesse um
melhor acesso. Ela sentou-se em meu colo, inclinando
sutilmente o tronco em minha direção.
— Tudo pronto? — questionou em um sussurrar.
Qualquer um que nos visse ali, naquela posição,
interpretaria a cena como uma das corriqueiras
exposições que eram acostumados a serem retratadas
naquele ambiente todas as noites.
— Quase pronto — informei. — Eu ainda estou
analisando qual seria a melhor forma de fazer isso. Você
acha que apenas subir e fingir ir para um dos quartos
resolveria?
— Eu creio que não — disse. — Há seguranças lá
em cima, muitos deles. O grupo só foi reforçado desde o
último acontecimento.
— Certo, já era de se imaginar — resmunguei. —
Então só nos resta tirar os seguranças de lá de cima.
Preciso que você vá até o banheiro feminino e ative o
alarme de incêndio. Eu agirei logo após.
— Mas... no banheiro? — seu tom de voz
demonstrava um grau elevado de ansiedade e uma pitada
de desconfiança. — Por que você não faz isso?
— Eu não posso entrar no banheiro feminino,
querida. Não me interprete mal, mas as mulheres fazem
um alarde muito maior quando coisas ocorrem. E eu quero
o caos. Necessito dele.
— Tudo bem — ela finalmente concordou. — Dê-me
o isqueiro.
Estendi o objeto e ela agarrou com uma mão nervosa.
— Acalme-se — eu disse, pacientemente. — Vai dar
tudo certo.
— Eu espero que sim.
Ela sorriu de leve e se levantou do meu colo,
desaparecendo logo em seguida no corredor que dava
acesso ao banheiro.
Passei meu olhar pelo local, fazendo uma inspeção
superficial e considerando o número aproximado de
seguranças, clientes e prostitutas. O prédio não tinha
muito mais que três andares além do subsolo, onde
rolavam as transações. Num andar ficavam os quartos; no
outro, provavelmente, se localizavam a sala de câmeras e
os quartos das prisioneiras; e por último, havia o terraço
que não possuía nada, na verdade, além de uma escada de
incêndio externa, interditada por questões que eu não
estava a fim de descobrir.
Mas o mais importante naquilo tudo era que a escada
dava acesso aos fundos da construção, fazendo com que
fosse um pouco difícil descobrirem o que estava se
passando uma vez que o caos estivesse sendo tomado na
entrada. Além disso, ele era completamente isolado e
ninguém se arriscaria subir quatro lances de escada para
se livrar de um incêndio pelo terraço. O caminho estava
livre, bastava pormos o nosso plano verdadeiramente em
ação.
Estiquei meu braço para visualizar as horas no meu
sofisticado Rolex Oyster, descobrindo já se passarem da
meia-noite. Instantes depois escutei o alarme soar forte
pela boate. Em questão de minutos o alvoroço se alastrou,
e eu não esperei a garota reaparecer para finalmente agir.
Rumei em direção às escadas na área que dava
acesso ao pavimento superior e dei sorte ao não encontrar
nenhum segurança por ali. A maioria, provavelmente, já
estava no andar de baixo tentando descobrir o que diabos
acontecia e evacuando o local.
Terminando de seguir o meu caminho, pus minha
arma de prontidão para quando fosse preciso realmente
usá-la. Eu sabia o local exato de onde ficavam as
meninas. A prostituta que me ajudara, cujo nome eu
descobrira ser Lena, havia me dito muita coisa; inclusive,
que algumas garotas eram mantidas presas em quartos
específicos como uma espécie de lista de espera para
finalmente serem “recrutadas”. Mas, embora soubesse
exatamente onde ficavam os quartos, eu não possuía as
chaves e sabia que eles não seriam idiotas o suficiente
para deixar a fechadura destrancada.
Esgueirei-me pelo corredor. O barulho dos gritos e
euforia lá de baixo ainda era nítido. Não demoraria muito
para os filhos da puta se darem conta de que não havia
incêndio algum, então eu teria que agir rápido.
Abri uma porta.
Nada.
Outra.
Nada.
A próxima porta foi aberta com um estrondo. Em
menos de um piscar, eu dava de cara com um par de armas
apontado em minha direção.
Silêncio.
Um estalo.
Tive que pensar rápido, e em um movimento preciso
meu pé direito voou, acertando o braço de um dos caras.
Ele caiu urrando de dor, e o outro cara atirou,
tentando me acertar. Alguns centímetros a menos de
distância e ele conseguiria me atingir. Parti para cima dele
e nos embolamos em uma luta, até que finalmente consegui
tirar pistola de seu poder.
O cara da mão machucada ergueu-se e tentou apanhar
novamente seu instrumento de ataque. Dei-lhe um tiro na
cabeça sem pensar muito e mirei no próximo. Sorte que
havia silenciadores nas armas e eu poderia matar os dois
sem fazer muito alarde.
— As chaves — pronunciei —, onde estão?
— Porra, cara, o q...
— Cala essa boca e me indique onde estão as chaves
do quarto das garotas!
— Eu não sei o que você está falando, fodi... oh! —
ele calou e cuspiu um bom monte de sangue no instante em
que lhe dei um soco.
— Eu estou falando sério — colei a arma na lateral
da sua cabeça. — Me diga onde estão as chaves ou eu vou
fazer os seus miolos voarem em milhares pedaços e tentar
descobrir o que quero por outros meios.
O homem engoliu em seco e, após puxar a gravata e
tomar um hausto de respiração, respondeu:
— Elas ficam no... no piso superior, na sala de
câmeras.
— Há seguranças por lá?
— Os únicos que cuidam de lá somos eu e o Robb...
— ele dirigiu um olhar rápido para o corpo do parceiro
caído no chão. — O cara que você acabou de matar.
— Espero que você não esteja mentindo para mim,
ou as coisas podem piorar consideravelmente caso eu
descubra que você está tentando ser mais esperto que eu
— sentenciei. — Me leve até lá.
— O-o quê?
— Está surdo? — pressionei ainda mais o cano da
arma contra sua pele que já começava a ficar pegajosa
com o suor. — Me leve até as malditas chaves.
Não esperei por respostas e o agarrei pelo colarinho.
Ele se moveu com certa dificuldade, andando pé ante pé
pelo corredor pouco iluminado do prédio. Naquele
momento eu tive uma oportunidade maior de analisar as
paredes daquele andar. Todas eram revestidas de um
papel de parede com estampa de traços semelhantes aos
dos artistas da era renascentista, misturados à mitologia
grega.
Na verdade, eram adaptações das obras mais
famosas, onde as mulheres apareciam nuas, ostentando
curvas e seios maiores que o normal, servindo, de várias
formas repugnantes, aos homens. Em muitas, até eram
retratadas pinturas eróticas de ninfas e anjos em posições
submissas. Uma verdadeira coleção de desenhos
repulsivos e machistas. Da Vinci provavelmente desejaria
morrer uma segunda vez se fosse capaz de presenciar algo
como aquilo.
Já estávamos a um passo de alcançar as escadas
quando, para sua infelicidade, o homem que eu mantinha à
minha frente girou nos calcanhares, seu cotovelo em
posição de ataque. Desviei do seu golpe e ele não hesitou
quando decidiu vir para cima de mim novamente, tentando
vergonhosamente travar uma luta que para ele já estava
perdida.
Eu poderia brincar com toda a adrenalina daquela
situação, mostrar àquele cara que ele estava a um passo
de finalizar a escavação da sua própria cova, mas eu tinha
coisas para fazer e não podia simplesmente ficar
brincando de luta no corredor de uma boate supostamente
em chamas; portanto, um soco no nariz e um tiro foram o
suficiente.
Deixei o corpo do cara ali, estirado aos pés da
escada e me apressei em subir os degraus que me
mantinham distante do último andar. Assim que pus os pés
no corredor, constatei que havia veracidade nas palavras
do tal segurança quando ele me dissera haver outros
homens ali. De fato, não havia. Passando por todas as
portas, que para mim eram insignificantes, parei em frente
à que realmente me interessava. Colada à madeira, havia
em letras garrafais numa placa de metal a seguinte
descrição: “SALA DE CÂMERAS”.
Abri a sala com facilidade, já que se encontrava
destrancada. Passei meu olhar pelo local pouco espaçoso,
até encontrar uma caixa de tampa envidraçada acoplada à
parede. Havia pequenas placas de identificação abaixo de
cada uma delas e eu removi a que sabia ser a do quarto
das prisioneiras.
Rumei apressadamente de volta para o corredor,
aproveitando para trocar o cartucho da minha arma e
direcionei-me para a porta a qual eu sabia ser a do quarto
das meninas.
Inseri a chave e girei.
No instante em que manipulei a maçaneta,
escancarando a porta, dei de cara com uma cena
deplorável. Um grupo de jovens em torno de seus vinte
anos de idade, notoriamente assustadas e trêmulas. Uma
delas já carregava uma cadeira na mão, mas soltou no
exato momento em que me viu. Duas delas tentaram
avançar em minha direção, no entanto eu estendi uma mão,
parando-as.
— Eu vim para ajudar — informei. — Mas, para que
tudo saia conforme planejado, vocês terão que colaborar
comigo.
— Como? — exclamou uma delas em espanhol. —
Por favor, nos tire daqui! O alarme de incêndio está
soando em todo lugar. Oh, Deus, nós vamos morrer. Não
queremos morrer!
Uma euforia se instalou no ambiente, fazendo com
que todas as mulheres murmurassem lamentações e
preces. Eu já ia dizer que nada de pior iria acontecer
quanto a isso, quando senti alguém tocar no meu braço.
Vire-me e dei de cara com Lena.
Ao seu lado havia aproximadamente meia dúzia de
garotas. Todas que ela, provavelmente, havia escoltado
para fugirem junto com as prisioneiras.
— Alguns seguranças já descobriram que é alarme
falso — disse quase desesperadamente. — Nós
precisamos tirá-las daqui, agora!
— Certo — virei-me para as garotas e falei no
idioma que elas compreendiam. — Saída de incêndio no
térreo. Há apenas uma escada, portanto vocês terão que
colaborar. Tirarei uma por uma daqui, mas teremos que
ser rápidos, ok?
As garotas ainda aparentavam estar muito
desconfiadas, mas logo após Lena interferir e garantir-
lhes que eu era de extrema confiança, seus olhos se
iluminaram e elas concordaram avidamente com um gesto
de cabeça.
— Venham comigo.
E assim, eu saí, dando cobertura enquanto Lena me
auxiliava apressando suas amigas. Chegamos ao piso
térreo e uma lufada de vento frio soprou em nossos rostos.
Ajeitei a escada de incêndio e a primeira garota desceu,
sendo acompanhada pela próxima e assim sucessivamente.
Quando todas as meninas já estavam lá embaixo do lado
de fora na rua, eu aguardei até que Lena o fizesse.
— É sua vez — eu disse, mas fui surpreendido
quando ela negou com um gesto de cabeça.
— Eu não posso — sussurrou.
— Como é? — questionei, confuso. — E eu posso
saber o porquê?
— A minha irmã mais nova... ela está lá dentro.
Puta merda!
— Como assim? Não estavam todas as prisioneiras
no quarto?
— Não, exatamente... — ela murmurou, seu rosto já
começando a se molhar de lágrimas. — As virgens ficam
em locais separados para serem... iniciadas.
Eu não precisei procurar por muito em sua expressão
dolorosa para saber do que se tratava aquilo.
Merda, filhos da puta!
— Ok, eu acho que compreendo tudo, mas você pode
me explicar por que diabos a sua irmã estava aqui o
tempo todo e você não me avisou nada?
— Porque eu não queria atrapalhar a fuga das
meninas, porque achei que fosse mais fácil conseguir fugir
com ela se eu mesma fosse atrás — ela começou a chorar.
— Oh, meu Deus...
— Certo. Eu vou resolver isso. Só peço que você se
acalme e me diga onde ela está.
— Eu acho que... no mesmo andar onde nós
estávamos. Eu não sei ao certo, deve ter algum cara lá
dentro com ela. Eles o chamam de deflorador. Oh, céus, a
minha irmãzinha, ela só tem treze anos.
— Tudo bem. Desça. Eu irei buscá-la.
— Eu não posso — ela agarrou o meu braço, como
se aquilo me fizesse compreender o tamanho de sua
necessidade. — Você não entende. Ela foi sequestrada
poucos dias após descobrirem que eu planejava fugir. Eu
aceitei a sua ajuda para salvar as meninas, mas eu tenho
que ficar. Não posso ir e deixá-la, senão morreremos nós
duas!
— Hey, se acalme — livrei o meu braço do seu
aperto, segurando nas suas mãos geladas de dedos finos.
— Eu vim para ajudar todas vocês, e não vou sair daqui
enquanto não estiverem todas salvas; portanto, trate de
descer e me esperar lá embaixo. Eu vou buscar a sua irmã
e a levarei até você — assegurei. — Como ela se chama?
— Nala — ela fungou. — Este é o seu nome.
Saquei meu telefone do meu bolso e disquei o
número de Ryan rapidamente.
— Ryan.
— Sim, D. — respondeu ele do outro lado.
— Eu preciso que você fique com as meninas aí
embaixo. Terei que permanecer mais alguns minutos aqui
em cima para resolver algo.
— Derek, que diabos... Isso é arriscado, porra!
— Eu sei disso, Ry, faça o que estou pedindo. Nos
veremos em breve.
— Você é um filho da puta louco e sabe disso, não é?
— sim, eu sabia. Sem mais uma palavra minha ele
suspirou e se rendeu. — Ok, eu estarei aqui. Tenha
cuidado.
Após encerrar a chamada, me virei para Lena e fitei
seus olhos assustados.
— Eu preciso que você desça. Meu amigo estará lá
embaixo e ele vai escoltar todas vocês em uma van. Eu
vou buscar a sua irmã e, quando todas estiverem sãs e
salvas, vocês serão enviadas em segurança para onde
nunca deveriam ter saído, ok?
— V-você promete? — ela estava tão trêmula, porra.
— Você promete que vai trazê-la viva?
— Eu prometo.
Ela assentiu e finalmente se virou para descer a
escada e se juntar às suas amigas.
Eu só esperava poder cumprir honrosamente com a
minha palavra. Senão seria a primeira vez que eu
quebraria uma promessa.
☆☆☆
Além dos quartos com numerações e um vermelho
vibrante nas portas, havia apenas um no final do corredor
cuja cor se diferenciava. Ele era de um roxo vivo e eu já
podia avistar luzes saindo pela fresta que separava a porta
do chão. Eu não possuía as chaves e correr até a sala de
câmeras novamente me faria perder muito tempo, então eu
teria que usar a força e arriscar enfrentar seja lá o que
estivesse lá dentro.
Sem mais delongas eu tomei impulso e me choquei
contra a porta. Quando ela finalmente se escancarou, meu
estômago por pouco não se revira.
O cheiro de urina era nítido. Papéis de paredes
eróticos, colagens de revistas pornográficas nas janelas
fechadas e nada menos do que poucos móveis. Na cama,
sobre os lençóis revirados, uma garota magra e de cabelos
escuros deitava embolada em posição fetal. Ela era tão
magra que eu conseguia ver nitidamente os gomos da sua
coluna através da pele fina.
— Nala — sussurrei. Após me certificar de que não
havia mais ninguém no quarto além de nós, aproximei-me
dela apenas o suficiente para poder avistá-la.
Ela ergueu os olhos e ao me ver chegar mais perto,
esquivou-se, provavelmente muito assustada.
— Tudo bem, eu não vou te machucar — assegurei.
— Estou aqui para ajudá-la.
— Demonio... — ela murmurava. — Pacco,
Demonio...
Eu não sabia ao certo a quem ela se referia, mas
provavelmente era um dos homens fodidos que Marcel
mantinha como funcionários.
— Está tudo bem, Nala, não vou permitir que lhe
machuquem. Você fala o meu idioma? Hablas inglés?
Ela fez que não com a cabeça e recuou um pouco
mais ao me ver.
— Ok, te levarei para fora daqui — continuei, em seu
idioma. — Tudo vai ficar bem.
Eu sabia que seria uma merda muito fodida lidar com
aquela situação dali em diante. Por Deus, ela só tinha
treze anos e havia sido brutalmente mantida em cativeiro e
estuprada. Marcel era um filho da puta nojento e iria
pagar caro.
Retirei meu paletó e cobri o seu corpo nu, dando-me
conta da enorme mancha de sangue misturada a urina no
interior de suas coxas. Eu já estava me preparando para
pegar a menina no colo, quando uma batida pesada na
parede deixou-me em alerta.
Preparei a minha arma no exato instante em que me
virava para dar de cara com um homem alto de cabelos
compridos e barriga proeminente. Seus olhos eram frios e
perfuravam, tais como pontas de um iceberg.
Eu senti a excitação da adrenalina percorrendo o meu
corpo e sorri por dentro. Ryan estava certo, eu era um
filho da puta muito louco.
— Que merda você está fazendo aqui? — ralhou o
homem, alternando seu olhar entre mim e a minha arma.
Pelo que pude perceber ele estava desarmado.
Malditos bandidos inexperientes.
— Pacco! — a menina murmurou com olhos
arregalados... — Demonio.
— Cale essa maldita boca, pequena vadia — rosnou
o homem, e em um gesto que em mim causou repulsa,
levou uma mão às calças apertando o saco. — Ou eu te
mostro mais uma vez o que o demônio aqui é capaz de
fazer. — Direcionando seu olhar para mim novamente ele
sibilou: — E quanto a você? Quem é?
— Eu sou o cara que vai arrancar as suas bolas — e
sem pensar duas vezes, avancei em sua direção, fazendo
com que meu punho acertasse em cheio o seu nariz.
O cara arregalou os olhos, levando a mão ao nariz
quebrado. Esboçando uma expressão de crua fúria, partiu
para cima de mim. Eu não lhe dei chances para me dar
mais do que um soco e atingi o seu estômago,
respectivamente o seu rosto, fazendo com que seu corpo
pesado tombasse no chão devido ao desequilíbrio
ocasionados pelos meus golpes.
— Seu filho da puta! — ele grunhiu com a mão no
nariz sangrento e tateou no chão em busca de algo. Quando
não encontrou nada que lhe servisse, ele se manteve de pé,
correndo até mim feito um touro. — Eu vou te...
Calei-lhe com outro soco e, desta vez, ele apenas
cambaleou para trás, mas permaneceu ereto.
Ele parecia zonzo e estava ainda mais feio com tanto
sangue no rosto, mas só em relembrar da menina
inofensiva que gemia de dor em cima daquela cama, algo
primitivo cresceu dentro de mim. Dificilmente eu me
permitia me descontrolar, dificilmente eu deixava que o
ódio sobrepusesse qualquer espécie de sentimento que eu
viesse a ter, mas coisas como aquelas me faziam lembrar
da minha mãe em cima de uma cama indefesa e dolorida
após uma sessão gratuita de pancadas que o meu pai
prestativamente se incumbia de lhe dar.
Puxei-o pelos cabelos ondulados e deixei seu rosto
bem próximo do meu, nossos olhares duelando
furiosamente. Eu já podia sentir o cheiro agridoce do seu
sangue que escorria até a camisa branca.
— É você o deflorador? — questionei. Não obtive
respostas, então eu usei a mão que ainda mantinha minha
arma para golpear novamente o seu estômago.
Ele se curvou e gemeu, cuspindo uma merda escura
que eu julguei ser bile e sangue.
— O quê? Eu acho que não estou compreendendo,
Pacco. É esse o seu nome, certo? Você é o maldito
deflorador?
— Eu não vou dizer nada a você, seu merda! — ele
respirava com dificuldade.
Eu não precisava de mais nenhuma confirmação para
me dar conta de quem ele realmente era. Ainda mantendo
poder sobre seus cabelos, eu choquei o seu rosto contra
um dos móveis ali perto. Ele urrou de dor e abriu bem os
olhos, como se a visão começasse a ficar turva.
— Quantas meninas já lhe pediram misericórdia,
Pacco? Quantas garotas você estuprou ao longo da sua
medíocre existência?
— Muitas delas — havia algo como zombaria em seu
tom de voz. — Várias, se quer saber, idiota, mas que
diabos isso tem a ver com você, afinal? Você pretende
usá-las de inspiração para quando finalmente Marcel lhe
encontrar e for a sua hora de morrer?
Eu dei uma risada de escárnio. Ele estava fodido,
mas tinha um senso de humor interessante.
— Eu vou matar o seu chefe antes mesmo que ele
tenha a chance de fazer um movimento muito grande em
minha direção — aproximei-me ainda mais. — Eu vou
acabar com a vida Marcel, irei destruir com toda a merda
do seu negócio, eu irei matar todos os seus homens, um
por um, até conseguir chegar até ele — pausei, analisando
os seus olhos escuros. — E eu vou começar por você.
Ele grunhiu algo antes de eu lançar o seu rosto
novamente contra o móvel. Sua mão tateou para trás,
golpeando a minha perna. Eu tive que usar da minha força
para lhe causar mais uma onda de dor.
— Antes de qualquer coisa, eu tenho algumas coisas
a lhe ensinar, Pacco — comecei. — Primeira lição da
noite: você não pode, em hipótese alguma, tocar em uma
garota sem o devido consentimento dela — e o seu rosto
beijou o tampo do móvel no instante seguinte. — Você não
pode, nem em sonho, usar da sua força contra uma mulher,
seja ela americana, estrangeira, heterossexual ou lésbica
— outro golpe. — Nada de tocar em menores de idade; —
golpe — e por último, mas não menos importante: você
não pode cometer a infelicidade de esquecer a sua arma;
afinal, nunca sabemos quão perigosos os nossos inimigos
podem ser, não é mesmo? — Assim que lhe dei o golpe
final, seu corpo cedeu para frente, deslizando para o chão.
Seu rosto estava uma merda bem feia, e eu até
poderia considerar que ele já estava morto, não fossem os
gemidos anasalados.
Puxei-o pela gola da camisa e o pus de pé. Virei-me
para a garota que ainda estava deitada sobre a cama e
questionei:
— Nala, você consegue se mover? Consegue andar
sozinha?
Ela gemeu ao tentar fazer um movimento muito
grande, mas assentiu.
— Certo, você é uma garota forte, eu estou certo
disso. Siga-me, e sejamos rápidos. Eu vou tirar você
daqui, ok?
Ela fez que sim com a cabeça. E quando levantou-se
da cama, pude ver mais nitidamente a mancha de sangue
nos lençóis. Tive que me conter para não torcer o pescoço
do filho da puta ali mesmo.
Com a menina em meu encalço, arrastei o homem
comigo e consegui alcançar o térreo facilmente. A
dificuldade maior seria em conseguir descer a escada de
incêndio com aquele peso morto comigo, mas eu
conseguiria, e apesar de a ideia de jogá-lo lá de cima
fosse tentadora, eu tinha planos melhores para o filho da
puta.
Orientei que a menina descesse a escada com
cuidado e, logo em seguida, consegui fazer meu caminho
até lá embaixo. Assim que pusemos nossos pés no solo,
Lena veio correndo em nossa direção.
— Nala, querida! — ela abraçou a irmã
imediatamente e, ao notar seu estado, chorou sem
reservas.
Ryan apareceu logo em seguida. Percebi que ele já
havia colocado todas as meninas dentro de sua van.
Apenas Lena, sua irmã e nós dois estávamos do lado de
fora.
— Que diabos você está fazendo com ele aqui,
Derek? — No meio de toda emoção quase ninguém se deu
conta do cara que eu carregava comigo; exceto Ryan,
claro.
Acho que havia algo que eu ainda não tinha citado e
que mudava completamente a minha teoria de confiança
zero em relação às outras pessoas. Eu confiava, sim, em
alguém, e isso se devia ao fato de ele ter salvado a minha
vida no momento mais difícil dela. Ryan e eu havíamos
nos conhecido desde exatos quatro anos atrás, logo após
eu ter sido desovado por Simon em um beco qualquer,
cujo local ao meu redor havia sido manipulado para que
acreditarem ter ocorrido ali uma tentativa de assalto.
Digamos que eu corrompi o cara em muitos aspectos.
Primeiramente, por ele ser um ex-policial e filho de boa
família, que virou, de certa forma, um criminoso no
instante em que resolveu acobertar as minhas merdas.
Ryan não gostava da ideia de vingança que eu mantinha
em mente, e já me dera diversos puxões de orelha a
respeito da minha situação com Faith, mas ele era um
amigo fiel, além do fato de eu lhe pagar uma boa bolada
que servia muito bem para sustentar alguns de seus
familiares e o seu modo de vida.
Apesar da nossa gritante diferença física — ele
possuía músculos muito mais magros que os meus e fora
agraciado com uma poderosa dose de melanina, a qual
proporcionara à sua pele um tom invejável de chocolate
— Ryan era como um irmão mais velho e superprotetor.
Um amigo de verdade que eu poderia contar para todas as
horas. Alguém que eu sabia que nem mesmo Holly seria.
— Relaxa, Ry, eu sei o que estou fazendo —
assegurei-lhe.
— Claro que sabe — murmurou, formando aquele
vinco na testa que evidenciava a sua constante
preocupação. — Só tome cuidado, irmão.
— Eu sempre tomo, não se preocupe — e sem mais
uma palavra, arrastei o homem até o porta-malas do meu
carro. Bati a porta logo em seguida. Quando retornei até
meu amigo, voltei a fitar-lhe. — Ryan, leve as garotas
para um hospital. Você sabe exatamente o que fazer. —
Me virei para Lena. — Está tudo em ordem. Vocês podem
confiar no Ry. Ele é um cara legal, e logo, logo todos os
trâmites para que vocês voltem para suas famílias serão
resolvidos. Espero que dê tudo certo a partir de agora.
— Obrigada — ela disse, visivelmente emocionada.
Acenei de volta, apenas. Eu não era muito bom com
esse lance de demonstrações de afeto e não fiz mais do
que retribuir um favor. Antes que eu me virasse, ela tocou
o meu braço:
— Você é um homem muito bom. É o nosso herói e
nunca serei capaz de agradecer o suficiente pelo que fez
por nós.
— Volte para a sua família e para o seu noivo, isso já
é o bastante para que eu me sinta satisfeito — eu disse,
relembrando-me de algo que ela me dissera sobre ter um
noivo a esperando no México. — E quanto a eu ser um
herói: não se equivoque, garota, eu posso ser muito mais
sujo que muitos vilões por aí.
E sem mais uma palavra, virei-me, seguindo em
direção ao Jeep e tomando o meu lugar no veículo.
Se ela soubesse que eu mantinha uma garota tão
jovem quanto ela em cárcere dentro da minha própria
casa, mudaria de ideia completamente.
Eu não era, nem de longe, a porra de um herói.
9: A Chance

Faith
Eu sempre me considerei uma boa garota.
Membro, desde muito jovem, de um mundo onde a
perfeição era o limite mínimo tolerável, eu procurei a
todo momento ser uma garota considerada perfeita aos
olhos de todos. Com muito custo empenhara-me em
representar a imagem da menina de ouro. A princesinha
protegida. A garota cujo futuro premeditadamente traçado
seria baseado em um bom relacionamento com um homem
do seu meio social e fosse a idealização de vida íntegra e
sublime que costumamos ver nas colunas sociais.
Eu seria uma boa esposa, uma boa dona de casa,
seria uma boa mãe.
Eu cuidaria dos meus filhos. As meninas, eu educaria
adequadamente e sempre estaria disposta a treiná-las —
como eu fora — ensinando-lhes a serem íntegras,
respeitáveis, fabulosas e doces.
Não como uma garota má.
Garotas boas, dizia o meu pai, não falavam
palavrões, não faziam tatuagens, não aderiam aos
piercings, nem tampouco se sentavam de pernas abertas.
Elas não permitiam que os bicos dos seus seios ficassem à
mostra — nem mesmo uma pequena marca em relevo sob
a camisa fina — e meninas boas, definitivamente, não se
masturbavam ou tinham acesso a pornografia.
Elas deveriam ser como um exército de Barbies
humanas: castas, higiênicas, não muito inteligentes e
prontas para estarem sempre bonitas, perfumadas e
arrumadas. Serem obedientes, respeitar, devotar e se
submeter aos seus homens, fazendo tudo aquilo que
estivesse ao seu alcance para agradá-los.
Eu cresci como uma garota boa. Cresci como uma
garota de aceitava todas as ordens e obrigações que me
eram impostas de bico calado, pois aquilo era o esperado
de mim. Era o que eu precisava para ser aprovada pelo
meu pai, pela sociedade e por Marcel. Mesmo que dentro
de mim algo sempre se rebelasse contra a ideia.
Mas nem tudo é como se imagina ou como se anseia.
Eu não soube ao certo se foi a morte do meu pai ou o
cansaço de sempre agir na linha, mas eu passei a não ser
mais uma garota boa, assim que me rebelei contra Simon e
o nosso relacionamento.
Eu não era uma garota boa perto de Derek, também.
Não só pelo fato de coisas estranhas ocorrerem em
meu interior contra a minha própria vontade sempre que
eu estava perto dele, mas também porque eu mentia e
enganava. Eu estava me comportando como uma vadia
dissimulada, e o pior de tudo é que eu não me arrependia.
Eu não me importava.
Àquela altura do campeonato eu estava na fase do
tudo ou nada, do matar ou morrer, do oito ou oitenta.
Aquilo não era um conto de fadas, muito menos uma
novela mexicana, onde a mocinha sofre durante toda a
trama e consegue alcançar a verdadeira felicidade no
final. Eu me transformara em uma prisioneira, uma
sobrevivente diária, uma marionete: peça principal em um
plano de vingança sujo e a qualquer momento eu poderia
ser fria e brutalmente assassinada.
Eu decidi que não queria morrer.
Eu decidi que iria me libertar.
Nem que para isso eu devesse fingir ser uma garota
boa.
Mas as garotas que optam por fingir aquilo que não
são tornam-se, no fundo, garotas más, certo?
Danem-se as teorias.
Eu estava havia exatos quarenta e dois minutos e
dezenove segundos sentada naquela cama, com meus pés
sobre o colchão e esperando o momento certo de atacar.
Derek havia me trazido um relógio recentemente e agora o
meu mais novo fiel companheiro descansava sobre o
criado mudo ao lado da cama, seus ponteiros trabalhando
a todo vapor dentro do aparelho redondo.
Não que eu e Derek estivéssemos nos falando com
muita frequência ou trocando mais palavras do que o
necessário, mas ele parecia satisfeito com o meu
comportamento submisso e me proporcionava algumas
ínfimas regalias. Eu não respondia mais rudemente às suas
perguntas, não retrucava os seus comentários e muito
menos o provocava. Eu deixava ele aguardar do lado de
fora do banheiro todas as vezes que ia tomar banho, eu
comia toda a comida que ele me trazia sem protesto algum
e ele já estava deixando a porta do quarto aberta por um
bom tempo. Holly continuava sendo a cretina de antes,
mas eu parei de tentar levá-la ao limite também. Eu tinha
que fazer aquilo.
Assim que os ponteiros do relógio bateram
exatamente às seis da noite, eu me levantei da cama. Eu
sabia que Derek não estaria ali naquele horário, pois
sempre saía de casa àquela hora e Holly parecia estar
vendo alguma merda qualquer na televisão no andar de
baixo. Ela subiria somente por volta das sete para levar o
meu jantar.
Meus pés cessaram os passos quando cheguei até a
grossa porta de madeira e girei a maçaneta. Abri
suavemente e ela rangeu, fazendo com que eu parasse e
soltasse de leve a respiração.
Sentindo-me mais segura para continuar o meu
caminho, eu terminei de escancarar a porta e pisei no
corredor, olhando para todos os lados.
Vazio.
Andei mais alguns passos, atendando para que o piso
de assoalho não rangesse, muito menos que eu derrubasse
ou me esbarrasse em algo e chamasse a atenção de Holly.
Ela, sem sombra de dúvida, me esganaria se descobrisse
que eu havia saído do quarto sem permissão.
Ali eu pude ter uma melhor noção do tamanho da
casa. O corredor, pelo menos, era enorme, com várias
portas fechadas e eu abri a mais próxima, torcendo para
que não estivesse trancada. Quando girei a maçaneta e
empurrei, suspirei aliviada. Mas para a minha decepção,
não havia nada de muito útil ali. Apenas uma cama com
colchão nu e móveis parecidos com os que tinham no meu.
Pouco provável encontrar algo ali.
Fechei a porta e fui para o próximo. Tal qual foi a
minha decepção quando não encontrei nada de
interessante ali também.
Já impaciente, me dei um momento para pensar
melhor. A casa era grande, mas apenas duas pessoas
moravam ali além de mim.
Derek era o dono daquele lugar, como havia me dito
antes, e geralmente os quartos nos finais dos corredores
eram os maiores. Então era bem provável que o quarto de
Derek fosse ali, no fim do corredor. Ou até mesmo o de
Holly, que provavelmente o compartilhava com o homem.
A ideia de Derek enroscando-se nos mesmos lençóis que
Holly enviou uma onda de náuseas por dentro de mim,
retorcendo o meu estômago em um nó desagradável.
Aquela era a última coisa na qual eu desejaria pensar.
Recompus-me e segui o meu caminho direto para o
quarto no fim do corredor. Girei a maçaneta, a ansiedade
já me tomando, mas assim que empurrei e a porta não
cedeu, eu quase gemi de frustração.
Era óbvio que o babaca não deixaria a porta do seu
quarto destrancada. Por que o faria?
Mas o que eu iria fazer, então?
Pensei rápido. Se ao menos eu possuísse a útil mania
de prender os meus cabelos com grampos ou encontrasse
algum outro objeto que me proporcionasse uma facilidade
maior naquele processo, com certeza, aquilo me ajudaria.
Mas merdas como essas aconteciam somente em
filmes e best-sellers do Dan Brown. Eu não era nem de
longe uma expert em fuga, muito menos alguém que já teve
como aprender a se livrar de situações difíceis um dia.
Mas eu decidi que eu seria uma garota má a partir
dali para lutar pela minha sobrevivência, certo?
Eu teria que encontrar um meio de resolver aquela
merda.
Lembrei-me do relógio sobre o móvel no meu quarto
e um surto de adrenalina me envolveu. Seria ele. Minha
única e mais útil opção. Corri de volta até o quarto e, com
uma certa ansiedade, lutei para tentar desmontar o
aparelho revestido no que me parecia ser aço.
Após, com muito custo, conseguir remover o ponteiro
maior, constatei que bem provavelmente ele serviria.
Disparei de volta para o quarto o qual eu julgara ser o de
Derek e ajustei a minha posição para ter um melhor
acesso à fechadura.
Inseri o ponteiro no miolo, tentando me concentrar ao
mesmo tempo em que mantinha a atenção dirigida a
qualquer movimento que se desse atrás de mim. Eu já
havia visto isso em filmes e séries antes, não seria tão
complicado assim, seria?
Um barulho se fez e eu congelei. Me virei e não tinha
ninguém atrás de mim. Provavelmente era Holly mexendo
em algo no andar de baixo.
Ótimo.
Continuei cutucando a fechadura com o objeto e
quando finalmente ouvi o clique indicando que eu havia
conseguido manipular o miolo, sorri para mim mesma e
empurrei a porta.
O seu quarto era masculino e muito prático. Possuía
móveis essenciais e, claro, era maior do que qualquer
outro quarto daquela casa. Sua cama parecia bem macia
também, mas eu segurei a minha vontade impulsiva de
experimentar aquele colchão e corri imediatamente meu
olhar pelo local, tentando me localizar e finalmente
decidir por onde começar.
Se eu encontrasse ao menos um computador ou um
telefone que pudesse facilitar a minha comunicação com
alguém, eu estaria muito bem.
Decidi ir nas gavetas de seu criado mudo e remexi
nas coisas sem cuidado algum, afinal eu tinha pressa. Ao
puxar a última gaveta, dei de cara com algo que me fez
sorrir para mim mesma. Não era um aparelho eletrônico,
muito menos uma arma — não uma convencional — mas a
tesoura comprida de ponta fina serviria para me ajudar em
algum momento.
Enfiei a tesoura no cós da minha calça e continuei
com minha busca.
Corri até o seu closet e deslizei a porta preta de
correr. Ternos, camisas polo, regatas, diversos jeans,
acessórios e sapatos, todos organizados e alinhados por
modelos e cores. Quase que rolei os olhos diante da cena.
Abri todas as gavetas. Nada.
Abri mais alguns compartimentos embutidos no
armário e já começava a sentir o suor brotando das raízes
dos meus cabelos e escorrendo até as minhas têmporas,
seios e pescoço. As minhas costas provavelmente estavam
úmidas também e soltei um suspiro de desapontamento,
relembrando que a qualquer momento Holly poderia estar
ali em cima e a primeira coisa que ela veria seria o quarto
de Derek com a porta aberta e todas as coisas remexidas.
Mas eu também não aceitava o fato de ter me
arriscado tanto para fazer da minha atitude uma tentativa
falha.
Portanto, eu fui ainda mais rápido, cavando entre as
peças de roupa, cabides, pares de sapatos masculinos,
luvas, caixas...
Parei.
Um suspiro ficou preso em minha garganta quando
minha mão tateou algo liso. Puxei em um único impulso e
o objeto veio comigo. Era uma caixa não muito grande,
mas também não muito pequena. Espaçosa o suficiente
para se armazenar objetos pessoais da garota que você
sequestrou e manteve como sua prisioneira por semanas.
E eu estava certa.
Quando abri a caixa, tive que torcer o nariz para
evitar tossir ou espirrar com o cheiro de mofo e resíduo
de poeira. Dentro dela havia alguns objetos que reconheci
de imediato serem meus. Como documentos, uma bandeira
pequena com o símbolo do Yankees, as chaves do meu
carro, alguns livros e... o meu celular.
Sim, o meu celular estava no fundo da caixa também!
Ergui-me rapidamente, saindo do maldito closet e
tentando a todo custo manusear o aparelho. Percebi que
ele estava leve demais e constatei que Derek havia
removido a bateria.
Cretino!
Voltei a debruçar-me sobre a caixa, tirando todos os
objetos do meu caminho de forma ávida, a fim de
encontrar a minha preciosa bateria.
— Por favor, por favor, por favor... — eu sussurrava,
conforme cavava mais e mais entre os objetos. — Isso!
Finalmente encontrei e, com isso, voltei para o
quarto, andando para lá e para cá, inserindo nervosamente
a bateria no celular.
Eu só esperava que ele não estivesse com defeito.
Meus dedos estavam trêmulos, minha respiração
irregular e o meu peito parecia armazenar uma espécie
maluca de triturador. Batendo forte a todo vapor.
— Respire, Faith... respire.
No momento em que pressionei o botão de ON e a
tela se acendeu, meu coração deu uma guinada ainda mais
brusca. Mordi o meu lábio, praticamente chorando de
tanta adrenalina e emoção, os fios de esperança se
revigorando dentro de mim.
Aquilo daria certo.
Tinha que dar certo.
Aguardei todo o processo de reinicio e quando a
minha área de trabalho finalmente ficou exposta para mim,
uma tela mais escura sobrepôs o meu papel de parede.
Meu sorriso morreu no mesmo instante em que li a
mensagem:
BATERIA FRACA. CONECTE O SEU
DISPOSITIVO À UM CARREGADOR.
— Inferno! — praguejei, correndo em direção à
caixa e caçando feito louca o carregador, mas para o meu
desespero, ele não estava lá. Como diabos ele não estava
lá?!
Eu, definitivamente, odiava Derek.
Olhando para a tela do meu celular, constatei já
serem quase dezenove horas e que a bateria só possuía
mais sete por cento de carga.
O que significava que eu teria que ser breve, seja lá
a decisão que fosse tomar.
Respirei fundo, pensando nas possibilidades. Uma
bateria com sete por cento, duraria em torno de cinco a
dez minutos. Tempo suficiente para ligar para alguém e
pedir socorro.
Mas quem?
A polícia, claro!
Disquei para o primeiro número que me veio à
mente. Quando a voz levemente abafada da mulher do
outro lado da linha adentrou os meus ouvidos, tive que me
segurar para não gritar.
— Emma Holt, Emergência. Qual a sua solicitação?
Oh, Deus!
— Ah, oi... Emma! — eu tremia, segurando o
aparelho com as duas mãos e mantendo-o colado ao meu
ouvido como se minha vida dependesse daquilo, e de fato
dependia. — Eu me chamo Faith Bloom, tenho vinte e
dois anos e fui sequestrada já faz alguns dias. Não faço
ideia de para onde me levaram, muito menos se sairei
viva daqui... — eu dizia rapidamente, quase sem pausa
entre uma palavra e outra. — Por favor, eu estou tão
assustada... a minha bateria está no fim, vocês precisam
ser rápidos e eu necessito muito de ajuda.
— Por favor, acalme-se. Onde a senhorita está?
— Eu já falei que eu não sei! — mordi o meu lábio
logo que essas palavras saíram da minha boca. Eu não
queria ser rude com alguém que estava ali para me
auxiliar, muito menos correr o risco de Holly ouvir a
minha voz alterada do andar de baixo. — Desculpe, mas...
eu não sei. Eu não estou podendo nem sequer acessar a
internet. Eu só posso lhe dizer que morava em Nova York,
no Brooklyn e eles me trouxeram para cá, eu estou presa
em uma casa há dias. Não faço a mínima ideia de onde se
trata. Eu temo pelo que poderá acontecer comigo, caso eu
permaneça por mais tempo...
— Compreendo, senhorita. Se acalme e mantenha-
se na linha. Você pode me informar o seu nome
completo?
— Faith — eu disse rapidamente. — Eu me chamo
Faith Elizabeth Bloom. Sou irmã de Marcel Bloom, ele é
um empresário muito reconhecido, talvez vocês consigam
entrar em contato com ele e avisar, ou... — calei-me. Eu
já estava começando a falar muita coisa desnecessária.
Teria que ser objetiva, não possuía muito tempo.
Arrisquei olhar para a tela do celular e vi que já
tinha perdido mais três por cento.
Céus...
— Faith Bloom? — a voz da mulher chamou a minha
atenção e voltei a pôr o celular no ouvido.
— Sim?
— Nós tentaremos ajudá-la. Aguarde um momento,
senhorita...
— Você não vai desligar, não é? — me desesperei.
— Claro que não. Só um instante — disse a moça. E
após silenciar o telefone, momento do qual foi regado à
ainda mais tensão e medo da minha parte em perder o
contato, ela retornou com uma voz mais séria. — Nós
iremos atrás de você, senhorita Faith, basta permanecer
na linha. Nós estamos rastreando o seu nu...
Um clique.
Dois cliques.
Silêncio.
Olhei para a tela do celular e ele havia desligado.
— Merda, não... — choraminguei.
Meus ombros caíram, como se eu não estivesse
suportando mais todo o peso daquela decepção e o brutal
rompimento do maldito fio de esperança. Apertei todos os
botões avidamente, mordi o lábio de forma desesperada.
Eu gemia, eu suplicava, eu chorava...
Nada.
A minha única esperança se foi.
Eu estava sozinha novamente.
E iria morrer...
— Mas que porra você está fazendo aqui?!
Oh, merda.
Me virei imediatamente e apertei o celular entre os
meus dedos trêmulos. Sentindo a intensidade do desespero
varrer todo o meu corpo. Meu coração batia forte, as
minhas mãos suavam e estavam pegajosas.
Meu cérebro entrou em um torpor momentâneo no
qual só me permitia pensar em uma única coisa:
Eu estava completa e irrevogavelmente fodida.
— Já chega dessa merda toda — sibilou Holly,
atirando a bandeja que tinha em mãos no chão e levando
uma mão ao coldre preso à calça. — Fodam-se as
autorizações de Derek. Eu vou ensinar você a obedecer
uma maldita ordem, vadia.
10: Em Maus Lençóis

Faith

Os olhos dela eram azuis. Ostentavam uma fúria viva,


enturvados como as águas densas de uma rara manhã
turbulenta no Mar do Caribe. No entanto, a única noção
que eu conseguia ter nitidamente no fundo daquele par de
íris azuladas, além do brilho frio e mortal que o mesmo
ostentava, era a fúria viva e crescente.
Eles estavam semelhantes a algo como gelo.
Intensos e letais.
O primitivo e o perigoso.
Engoli em seco. Uma onda de pavor se propagou em
torno da minha espinha dorsal e ainda com o celular morto
sob seu poder, minhas mãos tremeram. Vacilei, arriscando
um passo para trás, e Holly fez o mesmo, só que em minha
direção. O brilho dos seus olhos dançando com uma
perspectiva doentia de morte.
Um, dois, três, quatro.
Um, dois, três, quatro.
Eu podia escutar as batidas acentuadas do meu
coração. As palpitações frenéticas no fundo do meu peito.
Ela faria aquilo comigo, mesmo Derek dando ordens
para que não me tocasse? E por que diabos Derek não
queria que me tocassem, afinal?
Não importava nada daquilo. Ele não havia lhe dado
a merda da autorização e aquela cadela teria que
obedecer.
De forma orquestrada, arrisquei mais um passo para
trás. Minhas pernas tremiam, e eu sentia cada vez mais o
medo e a adrenalina impulsiva trabalhando teimosamente
sob a casca do meu corpo, como uma doença congênita.
Um, dois, três, quatro.
Um, dois três, quatro.
— Eu não me aproximaria se fosse você — minha
voz saiu baixa. Não muito rouca, nem muito sutil.
Controlada o suficiente para evitar que as vibrações das
minhas cordas vocais traíssem o meu tom de voz.
Ela riu. Sua fileira de dentes bonitos, mas levemente
amarelados, sustentando uma nítida posição de deboche.
— E eu posso saber por qual motivo eu não faria
isso?
— Derek, você sabe — apelei. — Creio que ele não
gostaria nem um pouco de saber que você encostou um
maldito dedo em mim sem o seu consentimento.
Seu sorriso desapareceu no mesmo instante. Suas
feições ainda mais tempestuosas.
— Esse é o problema, bebê. Derek não tem você
agora. Eu tenho.
— Mas ele... ele me alegou como sua. — Eu sabia
que aquela conversa era uma mentira patética do inferno,
mas qualquer coisa que fizesse com que aquela vadia
louca mantivesse uns bons metros de distância de mim,
enquanto eu conseguisse formular uma forma de sair
daquela situação viva, serviria. — Você sabe como ele é,
sabe sobre suas exigências. Então estou certa de que ele
não iria gostar nada que outra pessoa se interferisse em
seus planos.
— Dane-se! — rosnou. — Você acha que conhece
Derek o suficiente, mas não! Ele e eu somos como carne e
unha. Como o sujo e o imundo, o invertido e o torto. Será
que você consegue compreender isso?
A única coisa que eu conseguia compreender diante
das circunstâncias era o quanto aquela mulher conseguia
ser louca. O caos interior que me varria por dentro abria
fendas que se multiplicavam em um abismo dentro do meu
peito. Em torno da minha esperança.
Ter fé. O meu cérebro zunia.
Ter força. Elas rondavam sobre mim.
Sobrevivência era uma palavra forte naquele
momento.
Tão necessária...
Eu não podia formular qual fora a última vez em que
eu tive que realmente lutar para conseguir algo cuja minha
integridade física estivesse incluída no pacote. A minha
vida monótona sempre fora regada a ordens, controle e
proteção. A vida de boneca, o mundo falso e
aparentemente bonito diante dos olhos da sociedade e a
minha ilusória submissão que me obrigava a não agir
como uma escória vergonhosa para a minha família.
Eu nunca havia tirado sangue do corpo de ninguém
até então, mas eu teria que lidar com aquilo a partir dali.
Eu era a garota forte que a minha mãe queria que eu
fosse.
A sobrevivente.
Quem lutaria para sair daquele lugar viva.
Não hesitei em levar a mão até as minhas costas e
firmei os dedos no cabo da tesoura.
Respirei fundo.
Puxei para fora.
— Não se aproxime — ameacei.
Holly riu.
— Cretina estúpida — seu tom de voz expressava
nitidamente a extensa gama de deboche. — Mas confesso
que você tem um senso de humor interessante do caralho.
— Lamento muito por você pensar assim, cadela —
retruquei, engolindo em seco. — Mas eu não estou
blefando.
— Você acha mesmo que essa coisinha inofensiva na
sua mão irá me deter? — ela se aproximou mais alguns
passos, tentando me cercar de alguma forma. — Que tal
você aproveitar a oportunidade e partir para cima de mim
agora? — então ela me surpreendeu quando se inclinou e
pôs a sua arma no chão. Bem diante dos seus pés. — Eu
estou desarmada, Faith. Me atinja.
Mas que merda ela estava fazendo? Ela havia mesmo
me dado carta branca para atingi-la?
Deus. Claro que sim, ela sabia que eu provavelmente
não teria coragem de fazer algo como aquilo. A vadia
estava me testando.
Mas ela não precisava saber disso.
Não me dei chances para pensar muito, então em um
gesto rápido, eu avancei a todo vapor em sua direção.
Eu ouvi um silvo.
Um urro.
Um palavrão.
Em questão de segundos, o vermelho surgiu em minha
visão. Um corte pequeno no braço de Holly fazia com que
ela respirasse pesado, enquanto olhava para o pequeno
estrago que eu acabara de fazer.
Santa. Merda.
— Sua piranha dos infernos! — ralhou. — Você me
feriu. Você realmente me feriu!
E assim, ela apanhou a sua arma no chão. Quando
mirou em minha direção, a fúria era mais que nítida.
— Eu vou te dar mais uma chance, porque quando eu
te pegar não vou ser nada piedosa — um sorriso sádico.
— E eu acho melhor você começar a correr agora, Faith,
porque a coisa vai ficar feia.
O tempo parecia ter congelado. O medo cru
percorrendo como gelo sob as minhas veias. Nuvens
escuras e pesadas cobrindo a minha mente. Suor escorria
das minhas palmas e costas, tornando-as pegajosas.
Vibrações oscilavam e traíam o equilíbrio das minhas
pernas.
Soltei o celular.
Respirei fundo.
Então, eu fiz o que estava ao meu alcance.
Empurrei Holly e corri.
Corri desesperadamente quarto afora. Corri como se
eu dependesse daquilo para me manter viva, e de fato eu
dependia. Eu não queria morrer nas mãos de Holly. Eu
não queria morrer nas mãos de Derek!
Meus pés vacilaram quando cheguei ao fim do
corredor, meus joelhos tremiam e o meu coração batia
forte.
Estaquei no instante em que ouvi a voz melosa, rouca
e irônica de Holly. Ela estava se aproximando de mim, eu
podia sentir.
Era o fim.
Tão rápido...
Como fui tola! Eu poderia correr para o lado oposto,
mas para alcançar as escadas teria que passar por ela, e
apenas o pensamento daquela arma enorme e feia que ela
tinha em mãos apontada em minha direção já me deixava
doente.
Tentei empurrar a porta do quarto mais próximo de
mim, mas tive a infelicidade de me deparar justamente
com um dos aposentos que se encontravam trancados.
— Como você é entediante — zombou Holly. De
frente para ela, recuei o máximo que pude. Os olhos dela
estavam ainda mais brilhantes e o sorriso ainda maior.
Sorriso de tubarão. Embora fosse bonita, eu não conseguia
vê-la daquela forma naquele momento. Suas feições
estavam distorcidas e me perguntei se Derek tinha a noção
de que mantinha uma psicopata como parceira dentro de
casa. — Achei que fosse saborear um pouquinho mais da
excitação de caçar você.
— Eu tive pena — provoquei. — Você me parece
tão... fraca.
Os olhos dela se estreitaram.
— Eu vou mostrar a você quem é fraca aqui, vadia.
Ela ergueu a arma. Meu pulso se acelerou ainda mais
e eu me colei na parede atrás de mim.
Oh, Deus. Oh, Deus. Oh, Deus.
Pense, Faith. Pense!
Veja bem, momentos de tensão geralmente te fazem
agir de forma estúpida. Desde criança você é acostumado
a decorar o mantra de que nunca, jamais, deve pôr a sua
vida em risco. Não arriscar ficar fora de casa até tarde,
não andar sozinha em lugares vazios e escuros, não se
meter em confusão, muito menos beber até desmaiar e
correr o risco de ter a sua cabeça enfeitando as ferragens
distorcidas de um carro.
Você não faz nada disso, pois tem ciência do quão
ineptas e arriscadas são atitudes como essas. Atos que só
servem para lhe lançar direto para a morte.
No entanto, há raros momentos em sua vida que você
necessita realmente pô-la em risco. Há os momentos em
que você tem que realmente arriscar algo
consideravelmente grande por um algo muito maior.
Principalmente se você estiver com uma pistola preta e
feia que só já havia visto em filmes de Ação apontada em
sua direção.
Então eu arrisquei.
Como uma onda de loucura, eu avancei para cima de
Holly a todo vapor. Se eu iria morrer, pelo menos lutaria
pela minha vida por um pouco mais de tempo, certo?
Seus olhos se arregalaram com a surpresa do meu
gesto súbito, e então ela cambaleou para trás quando lhe
acertei o rosto com o meu punho.
Doeu, mas eu ignorei.
Ela enfureceu-se e veio para cima de mim. Eu me
defendi da forma que pude, desviando dos seus golpes. Eu
havia frequentado uma das academias perto do colégio
por algumas semanas durante a minha adolescência e eu
sabia algo sobre defesa pessoal, mas minhas escassas
técnicas não surtiam muito efeito com uma maldita ninja
vestindo saia bem diante de mim.
Aquela mulher era terrível e eu não iria durar por
muito tempo se continuasse naquele ritmo.
Quando caí ao chão e Holly veio por cima de mim,
dei-lhe um chute no estômago, fazendo-a largar a arma.
Me arrastei como pude pelo chão frio, tentando
alcançar a pistola, mas ela puxou com força os meus
cabelos e me arrastou. Em seguida, senti algo duro conta a
minha têmpora, assim que fui levada de encontro com o
que imaginei ser a parede.
Gemi de dor e minha visão ficou turva.
Holly fez de novo, e então eu gritei.
Deus, isso é horrível!
Ainda tateando pelo chão, encontrei as botas dela e
comecei a socar com punhos fechados, tentando atingi-la
de alguma maneira, mas eu me sentia muito fraca e zonza.
Holly deu um chute na minha barriga e eu me curvei
com a nova invasão de dor.
— Sua puta patética — ela urrou, dando outro chute
em mim. — Você acha que é mais esperta que eu, não é?
Mas você é apenas uma cretina fraca, impotente, pedindo
para morrer.
Ela soltou os meus cabelos e eu mantive no mesmo
lugar. Por mais que tentasse, não tinha forças para me
levantar.
— Eu poderia ter sido bondosa, Faith. Poderia ter
feito isso rápido. Mas você é muito teimosa.
Então ela apontou a arma para mim e engatilhou.
Eu apenas rezei para que Derek aparecesse. Eu rezei
para que alguém me salvasse, eu rezei para que fosse tudo
um sonho.
Mas não era.
Eu iria morrer.
Eu não conseguiria meu papel principal.
Eu não veria meus amigos novamente.
Aquele seria o fim.
Fechei os olhos com força e fiz um pedido. Não
implorei pela minha vida, pois eu sabia que aquilo seria
demais para alcançar àquela altura do campeonato, mas eu
pedi que os meus amigos ficassem bem. Que seus
corações fossem confortados quando se dessem conta do
que acontecera comigo ou, ao menos, que eles soubessem
um caminho menos doloroso para enfrentarem a perda.
Eu apenas rezei. A Deus. A quem quer que
comandasse o nosso destino.
Rezei para que tudo acabasse rápido e eu pudesse
reencontrar a minha mãe.
O som do disparo foi estrondoso. Parecia que toda a
casa estava indo abaixo e eu me surpreendi por ainda
poder registrar toda a sensação do percurso que fazia o
meu cérebro.
Segundos depois, a minha cabeça ainda processava
tudo.
Onde ela teria atirado? Será que me deixaria
sangrando até a morte?
E por que não senti nenhuma dor ou queimação nova?
Eu nunca havia levado um tiro antes, mas imaginava que
era assim que as vítimas se sentiam, não? Doloridas?
Ainda temerosa com a situação, arrisquei abrir meus
olhos.
Holly estava no topo da escada. Seus olhos
arregalados e a expressão era pura aflição e ódio.
— A polícia — grunhiu vindo em minha direção. —
Sua desgraçada, você chamou a polícia?
O quê? Eu ainda estava viva?
E a polícia estava aqui.
Oh, Deus. Como eu amo a tecnologia!
Holly soltou mais uma série de palavrões e apontou
um dedo para mim.
— Eu vou lá embaixo resolver isso. Você fique aqui.
Eu ainda não terminei.
No instante em que ela desceu as escadas, eu tentei
me mover e dar um jeito de sair dali antes que ela
voltasse. Eu tinha que encontrar os policiais e dizer onde
eu estava. Eu queria tanto ir embora daquele lugar.
Mas eu só conseguia gemer com meus músculos
doloridos e algumas lágrimas desceram por meu rosto. Eu
estivera prestes a morrer.
Eu não queria morrer. Não ali, daquela forma.
Eu tentei mais uma vez me mover, mas paralisei
quando ouvi um tiro e um urro de dor masculino.
Seriam os policiais? Holly teria atirado neles? Oh,
não, Deus. Por favor, não permita!
Mais tiros começaram a ecoar pela casa e eu gemi
ainda mais. Minha visão ainda estava enevoada e eu ainda
me sentia tonta. Tentei gritar. Tentei chamar por socorro,
mas um sono começou a querer entorpecer minha mente.
Fechei os olhos, cedendo um pouco.
Abri os olhos quando algo frio tocou minha face. Me
assustei com o contato e tentei me afastar o máximo que
pude, mas uma voz acalentadora me acalmou:
— Está tudo bem — ele disse. — Faith Bloom,
certo? Nós viemos ajudar você.
Consegui forçar meus olhos a enxergarem e vi um
homem. Ele estava agachado diante de mim e parecia
alguns anos mais velho que Marcel.
— Nós somos do departamento de polícia —
estendeu-me um distintivo. — Sou John Wallace. E estes
são Ernest e Charlie.
Observei os outros dois homens com uniformes de
policiais. Um deles tinha um ferimento de tiro no braço e
mantinha o membro contra o peito. O outro possuía
cabelos em tom de chocolate e bem cortados.
Eles eram da polícia. E vieram ao meu socorro.
Sorri um pouco e contive minha vontade de abraçar
aqueles três desconhecidos. Meus salvadores.
John se levantou. O homem do braço bom — Charlie,
eu acho — agachou-se e com um sorriso me pegou no
colo.
O mais velho liderou o caminho, e todos descemos as
escadas.
Eu queria dizer-lhes que conseguia andar, mas tive
medo de rolar escada abaixo com a minha cabeça ainda
oscilando, então deixei-me ser levada no colo.
Ao chegar no andar de baixo, eu arregalei os olhos
com a cena.
Holly resfolegava no chão. Em seu peito havia uma
ferida feia, um buraco de bala. Notando o meu
desconforto, o homem trocou de posição, irrompendo para
o frio da noite.
Eu sabia que ela era uma mulher ruim e quase me
matara, mas era um ser humano e era impossível não ter
compaixão. No entanto, eles a atingiram para me salvar,
então eu tinha apenas que me manter grata.
O homem me pôs no fundo da viatura, sentada ao
lado de Ernest, enquanto John sentava-se no banco do
motorista, ao lado de Charlie.
— Como se sente? — indagou John, pondo o carro
em movimento.
— Um pouco zonza — respondi. — Eu... bati a
cabeça.
— Compreendo. Foi uma tremenda sorte termos
encontrado você a tempo.
— Sim, eu agradeço. Presumo que tenham me
localizado graça à ligação que fiz hoje mais cedo, certo?
— Isso ajudou bastante — ele respondeu. — Mas nós
já estávamos à sua procura, querida.
Graças a Marcel, presumi. Meu irmão não havia se
esquecido de mim. Tive vontade de jogar aquilo na cara
de Derek se ele estivesse por perto.
Pensando bem, eu não o queria por perto. Aquilo
havia acabado.
— Isso me deixa feliz, obrigada.
— Não agradeça, senhorita Bloom. Apenas descanse
— John abriu um sorriso amigável. — Nós cuidaremos de
você.
11: Contratempos

Derek

Duas horas.
Duas malditas horas resistindo à uma sessão de
tortura.
Soltei um longo suspiro de enfado, me permitindo
reconhecer que o cara era bem mais resistente do que eu
havia imaginado. Levando em conta toda a sujeira que eu
já havia lhe causado — inclua nesse pacote cortes,
contusões e, no mínimo, duas costelas fraturadas —
juntamente com toda a merda de manipulação
perturbadora que eu também trabalhara em torno de sua
mente pervertida de fodedor de crianças, eu me animei ao
saber que teria um pouquinho mais de diversão no meu
caminho. Não que não me agradasse o fato de minhas
odiosas presas poderem colaborar de livre e espontânea
vontade, mas eu também não via um problema muito
grande em me esforçar em meus trabalhos. Eu era um
cara muito dedicado.
Os meus músculos já se viam parcialmente
doloridos. Toda a tensão se difundida como raízes em
várias regiões do meu corpo, e eu não contestaria se
pudesse me dar ao luxo de um decente banho. Por mais
que aguentasse pelo menos umas vinte horas pela frente
acordado, o cansaço já estava começando a reclamar em
torno de mim. Eu ainda não havia nem chegado aos trinta e
naquele momento me sentia como um velho.
A vida é uma grande vadia.
Arrastando as solas dos meus sapatos pelo chão de
linóleo escuro, eu tomei um tempo para respirar. Embora
aquela merda não me incomodasse tanto assim, o lugar
fedia a urina e óleo de motor. Era apenas mais um dos
cômodos escuros de antigas fábricas abandonadas que
serviam de refúgio para moradores de rua, usuários de
drogas ou putas que se achavam pudicas o suficiente para
curvarem-se diante de um pau em algum beco frio e
escuro.
Equipado com sacos de lixo repletos de resíduos
industriais, mesas velhas, pedaços de madeira ou barras
de ferro enferrujados, era o bastante para mim.
Confortável até demais para meu amigo Deflorador.
— Você sabe que está sendo um cara muito burro,
não é, Pacco? — murmurei, sentando-me na cadeira que
pus diante do seu corpo pendurado por uma corda presa
ao teto. Olhando daquele ângulo ele parecia como um
porco em exposição em algum frigorífico. Nojento.
Patético.
Engraçado, um pouco.
— Vá se... foder — balbuciou. As marcas arroxeadas
em seus braços suspensos deixavam sua carne com um
aspecto adoecido, e eu até poderia dizer que nós
estávamos fazendo uma interação demasiado interessante
durante o tempo que eu gastei mantendo-o preso naquela
merda em busca de informações, mas ele não colaborou
muito ao longo dos dias e aquele jogo estava ficando
cansativo. Ou quem sabe o cara já não estivesse
alimentando uma espécie de relação fodida de amizade
com o meu punho.
Levantei-me da cadeira, que rangeu no chão com o
meu movimento calculado. Abrindo um sorriso, eu me
dirigi até a mesa mais próxima e apanhei a faca especial
que havia separado. Ela era feita de aço, lâmina afiada
com relevos e dentes convexos nos dois gumes.
Aquilo faria uma merda muito dolorosa.
— Você está me fazendo perder a paciência, Pacco
— o meu tom de voz era inalterado e, pela expressão que
vi estampada em seu rosto, aquilo não o agradou muito. —
Um endereço. Eu só estou te pedindo um maldito
endereço.
— Eu já disse que não vou falar nada.
— Bom, isso é uma pena — passei novamente o
polegar coberto por minha luva preta sobre a lâmina da
faca. — Será que você precisa de um estímulo?
Adiantei mais alguns passos, aproximando-me de seu
corpo impotente e o cara gemeu feito uma puta acuada no
mesmo instante. Seus olhos esbugalhados, praticamente
saindo das órbitas.
— Merda, cara, que porra é essa?!
— Ora, não vá me dizer que você nunca viu uma faca
antes — gozei, sorrindo amplamente. Estendi mais uma
vez a lâmina. — Caramba, ela está bem afiada.
— Mas que inferno... eu não posso! Se eu contar, eles
irão me matar!
Arqueei uma sobrancelha.
— Bom, o risco é seu — forcei um suspiro. — Eu
tenho uma faca de quinze centímetros na palma da minha
mão. Você sabe o estrago que uma coisa como esta pode
causar? Levando em conta o fato de que você tem, em
média, apenas seis litros de sangue no corpo, um corte na
sua veia femoral faria você ter uma hemorragia bem feia e
sangrar feito um porco em questão de segundos. O que te
daria, aproximadamente, dois minutos de vida. Pode
parecer pouco, mas são cento e vinte segundos
cronometrados enquanto você agoniza em uma poça do
seu próprio sangue até a morte — senti sorriso alcançar
os meus lábios. — A anatomia humana pode ser
incrivelmente assustadora, não?
Ele guinchou algo em lamentação e, após um suspiro
trêmulo, forçou sua voz a sair novamente:
— Tá legal, tá legal... — engoliu em seco. — Eu
conto.
Abaixei a faca e voltei a ficar sério:
— Desembuche.
— Há um galpão abandonado, próximo à Austin
Street no Queens, número 1239. Era uma espécie de
garagem industrial e que hoje virou depósito de drogas.
Todo mês chegam vários caminhões com toneladas
daquela merda para serem armazenadas lá.
— E quanto às armas?
— As armas não vão para lá. Marcel não seria tão
idiota a ponto de dar tanta bandeira. Apesar de eles terem
cobertura de alguns tiras, ainda é muito arriscado.
Fazia sentido.
— E você não sabe onde elas ficam?
— Eu não sei — e ao notar o meu olhar duvidoso, ele
acrescentou: — Eu não estou mentindo. Marcel nunca nos
deixa nos envolver completamente em seus negócios. Eu
estou dizendo o que eu sei.
— Certo, e a segurança? — voltei a perguntar. —
Não minta para mim, eu quero números exatos.
Ele balançou a cabeça, parecendo pensativo.
— Uns três, no máximo.
Como tirar doce da boca de criança.
— Pelo visto, você não é tão fodão assim, hein,
Pacco — deixei escapar uma risada. — Onde estão as
suas bolas agora?
Me aproximei mais alguns passos dele. Estava nu e
seu pau flácido pendia entre as suas pernas como uma
prova vergonhosa da escória que ele era.
— O-o que você tá fazendo, cara? Eu disse a
verdade... Eu dei o maldito endereço.
— Eu sei, e fico grato pela informação. Espero que
você não esteja mentindo — ele se remexeu na corda
conforme eu me aproximava. Assisti aquilo com um
sorriso nos lábios. Merda, aquilo seria doloroso. — Não
me leve a mal, ok, amigo? Nada pessoal, mas eu não estou
no meu melhor dia, e preciso seriamente fazer algo.
— Porra, você é louco — ele se balançou, tentando
inutilmente se soltar. — Psicopata filho da puta!
— Uau, você me ofendeu agora — murmurei,
ignorando suas lamentações e fiz uma pausa. — Mas ao
menos eu sei em que circunstâncias devo manter o meu
pau dentro das minhas calças.
O corte foi rápido. Fácil. Ele gritou, eu observei.
Sangue jorrou e eu apenas dei alguns passos para trás.
Ele não duraria muito, então eu não precisava perder
mais tempo naquele lugar.
Limpando o sangue das minhas mãos, eu vesti o
capuz do meu casaco e saí direto para a rua fria e escura.
Mesmo dentro do carro, eu ainda podia ouvir os
gritos esganiçados e gemidos que ele dava.
Eu não disse? Exatamente como um porco.
☆☆☆
Encostei meu carro a alguns metros de distância do
galpão de fachada amarela, cujo canto superior se lia o
número 1239. O depósito para onde eram levadas as
drogas de Marcel não parecia exageradamente extenso,
mas não precisava ser muito inteligente para saber que ali
dentro havia milhares de dólares convertidos em
toneladas de cocaína. Por um momento eu desejei
internamente que Marcel estivesse ali quando parte
daquilo que ele lutou anos para construir fosse pelos ares.
Eu queria ver estampado em seus olhos o brilho do
desespero. Seria divertido. Bem mais divertido do que o
que eu vira nos olhos de Faith no dia em que a sequestrei.
Talvez fosse meio idiota eu dizer isso, mas tirando a
parte em que era excitante a sua petulância e resiliência,
eu não via muita diversão em mantê-la sob cárcere. Ela já
estava começando a ser bem... maleável, por assim dizer;
e apesar de já saber desde o começo qual era o seu jogo
com tudo aquilo, eu permiti lhe dar algumas regalias. Não
era pelo fato de eu gostar da garota, muito menos por estar
sentindo alguma espécie de empatia por ela, mas Faith
estava colaborando e eu não era um completo filho da
puta durante todo o momento, afinal de contas.
Desci do carro e me esgueirei atrás de um dos
caminhões. Aproximadamente dois caras conversavam e
fumavam do lado de fora.
Posicionei a minha arma e mirei. Na testa.
No instante em que o primeiro cara caiu, o seu amigo
ao lado já se preparava para puxar o rádio que mantinha
preso à calça. Não hesitei e disparei em seu peito.
Me aproximei mais. Da porta eu já podia ver
quantidade de caminhões estacionados lá dentro. No
mínimo, sete. Puro dinheiro em pó.
Sorri para mim mesmo.
Dando mais uma averiguada, constatei que o outro
segurança estava sentado em uma das cadeiras de
madeira, com um boné sobre os olhos e eu achei ter
escutado algo como um ronco.
Me aproximei sorrateiramente e fui direto em direção
às lonas escuras cobrindo algo que eu já sabia o que era.
Desatarraxei a tampa do galão. O odor da gasolina
preencheu o ambiente quando eu molhei toda a droga.
Me afastei e risquei o primeiro palito de fósforo.
Fogo lambeu a parte traseira do galpão e, em
seguida, vi o clarão. Com isso, todas as outras coisas
começaram a queimar junto e o caos estava feito. Meu
serviço estava acabado por aquela noite.
Fui direto para o carro e dei partida.
Foi quando o meu telefone tocou e eu não hesitei em
atender.
— Arraste a sua maldita bunda para casa. Agora! —
a voz de Ryan soou tensa.
— Eu posso saber que diabos está fazendo você agir
como uma cadela ciumenta que acaba de encontrar uma
marca de batom da camisa do seu homem?
Ele suspirou. Em seguida, voltou a falar com voz
mais controlada:
— Nós temos problemas, Derek.
Dei uma pausa. Eu ainda mantinha o olhar na direção,
mas meus sentidos ficaram em alerta.
— Esclareça melhor isso.
— Eu acho melhor você verificar com os seus
próprios olhos — ele murmurou. — Ao que tudo indica, a
sua pequena garota fez uma grande travessura.
Maldição.

Faith
Eu não sabia exatamente para onde Derek havia me
levado, mas aquele lugar, com certeza, não era Nova
York. E minhas desconfianças se comprovaram, assim que
avistei, pelo vidro da janela do carro, uma placa de
madeira gasta onde se lia Newburgh.
John Wallace e seus parceiros ainda mantinham-se
calados e eu apenas permaneci quieta. Por mais que eu
estivesse fora da casa de Derek agora, algo ainda
espezinhava minha mente. Primeiramente, os policiais não
haviam prestado socorro a Holly, e por mais que ela fosse
uma bandida que acabara de iniciar uma troca de tiros
com eles, ainda estava viva quando saímos do lugar. E,
bem, eu imaginei que houvesse ao menos uma espécie de
protocolo entre bons policiais que consistia em ao menos
prestarem socorro aos bandidos feridos, certo? Até
porque ela teria que ser presa, caso saísse daquela
história viva. Estremeci com o pensamento de que Holly
provavelmente estaria morta por minha culpa, mas tão
rápido quanto, tratei de jogar isso para o alto. Eu estava a
salvo agora e eu não queria mais que minha mente girasse
em torno disso.
Eu deveria estar pensando em como tudo seria a
partir dali. Era fato de que eu não havia sofrido um trauma
muito grande a ponto de precisar de um psicólogo, mas
era bem provável que o meu irmão insistisse naquilo
futuramente. Lembrando de Marcel, me remeteu a
relembrar que eu precisaria fazer uma ligação para ele o
quanto antes.
— Eu preciso fazer uma ligação.
Os dois homens sentados à frente se entreolharam
brevemente, antes de John me olhar pelo espelho do carro.
— E eu posso saber para quê?
A pele do meu rosto instintivamente se esticou com
aquele tom de voz, mas eu decidi ignorar.
— Eu preciso que o meu irmão saiba que estou bem.
Eu me sinto mais segura assim.
John foçou um sorriso.
— Você está segura conosco, querida.
— Eu sei, mas...
— Nós já estamos chegando — seu tom foi cortante.
— Agora descanse o máximo que puder, sim?
Eu me forcei a assentir e recostei minhas costas
contra o banco. O carro fez uma curva, entrando em uma
estrada deserta repleta de arbustos e grama e comecei a
estranhar ao perceber que já estávamos a, pelo menos, uns
quarenta minutos rodando, mas ainda não parecíamos
estar perto de algum lugar que significasse civilização.
Que merda era aquela?
— Para onde estamos indo? — questionei
— Para onde você deve ir — respondeu Charlie. Ele
parecia impaciente.
Quando o carro parou, em frente a uma construção
antiga de madeira parecendo uma cabana abandonada de
filme de terror, eu me forcei a não surtar.
Que diabos aquilo significava? A menos que as
delegacias em Newburgh fossem feitas de madeira
apodrecida e oca, aquele lugar definitivamente não era
para onde eu deveria ir.
Não tive tempo de dizer mais nada quando o homem
que estava ao meu lado agarrou o meu pescoço com força
e forçou-me para fora.
— Vamos lá, querida. Nós temos assuntos para
acertar.
Nem fodendo!
Comecei a me debater, chutar e arranhar. Mas eles
eram três e — porra — estavam me machucando. No
instante em que eu abri a boca para gritar, algo veio em
minha direção. Em seguida, o que eu via era preto.
12: Ligando os Pontos

Derek
O sangue ainda fresco enxovalhava o pequeno tapete
de entrada. No local onde deveria estar alojado todo o
conjunto de fechadura da porta, uma marca de bala
formava um buraco de poucos centímetros de diâmetro,
deixando o aço parcialmente completo.
Capturei a cápsula do projétil no chão e analisei em
silêncio.
— Eu ainda estou me perguntando o que diabos você
fez com o sistema de segurança que eu tanto me empenhei
em preparar para esse lugar — a voz de Ryan ainda era
aborrecida.
— Holly deve ter negligenciado sobre isso,
provavelmente — eu respondi, me lembrando pela
milésima vez do quão idiota eu fora em permitir que
alguém como Holly mantivesse guarda sobre a casa.
— Ah, claro. A vadia louca — ele bufou. — Aquela
cadela sempre me assustou, e eu sempre me perguntei
onde você estava com a maldita cabeça quando decidiu
acolhê-la justamente aqui.
— Você não é o único, acredite.
Eu ainda não podia crer que aquela merda estúpida
havia acontecido justamente comigo, que era sempre tão
cuidadoso. E o pior de tudo é que provavelmente poderia
ter sido evitada, afinal, a residência era localizada em um
lugar isolado o suficiente para impossibilitar que pessoas
tivessem fácil acesso à ela sem um possível chamado.
Não fora à toa que decidi comprar uma casa
localizada na parte mais escondida da cidade Newburgh.
Sendo inicialmente uma antiga moradia de veraneio
abandonada, eu a comprara por um preço bom em uma
localização até agradável, repleta de árvores que eram
constantemente cuidadas.
Eu mesmo cuidara de tudo. Demorei em torno de seis
meses para reparar a pintura descascada, escadas
deterioradas, móveis velhos e piso danificado. Foi
durante esses meses, também, que eu reforcei a segurança
das janelas, das portas e dos arredores. Eu sabia que Faith
gostava de lugares claros, então eu deixei a janela no alto,
mas espaçosa o suficiente para entrar luz. Em um
pensamento estranho, eu me dei conta de que estava
agindo como um maldito noivo em preparativos pré-
casamento. Só que no nosso caso — eu ri amargamente —
eu manteria a minha noiva presa e depois a assassinaria.
Doentio.
Olhei para o local onde o corpo de Holly estivera
antes que eu chegasse. Ela era uma boa amiga — ao
menos nos momentos em que lhe convinha. A mulher era
louca e já era de se imaginar que mais cedo ou mais tarde
algo como isso lhe aconteceria. Ryan havia feito um
belíssimo trabalho tirando parte da sujeira do lugar, assim
que teve oportunidade. Ele me disse que havia vindo até a
casa para realizar uma das verificações que sempre fazia
no sistema de alarme e acabou por encontrar a porta
arrombada, Holly estirada no chão exibindo um buraco de
bala no peito e a casa nesse caos. Ele entrou, deu um jeito
no corpo e fez o que pôde com o chão.
— Você está total e irrevogavelmente ferrado e tem
ciência disto, certo? — Ryan voltou a falar. — A garota
vai dar com a língua nos dentes, assim que encontrar o
primeiro que lhe oferecer ajuda.
— Talvez ela nem tenha a maldita chance de falar
alguma coisa — eu disse, e de uma forma estranha aquilo
me retorceu por dentro.
— O que você está querendo dizer com isso, cara?
— ele retrucou. — A menina destruiu a casa e acabou com
a sua amiga louca, depois fugiu sem rastro algum. Isso
depois de ter sido sequestrada e mantida em cárcere por
você. Você acha mesmo que ela perdoaria algo assim?
— Não foi ela.
— O quê?! — Ryan parecia incrédulo.
— Eu disse que não foi ela — repisei. — Há tiros
por toda parte, muita coisa quebrada. Faith não teria força
suficiente para isso. Sem contar que ela, provavelmente,
nunca tocou em uma arma.
— Ela é irmã de um bandido, Derek! — ele
exclamou como se aquilo fosse uma coisa muito óbvia e
eu ainda não houvesse me ligado. — Eu não duvido nada
que aquela garota não tenha tocado em uma coisa dessas
algum dia.
— Eu sei o que estou falando, Ryan. Não foi ela.
Ele suspirou e suspendeu as mãos.
— Ok, então, o que você acha que aconteceu? Ela fez
uma espécie de contato telepático com extras terrestres e
eles vieram até aqui e a levaram?
— Muito mais provável — ironizei, caminhando
mais alguns passos pelo local. No chão havia alguns
destroços de objetos quebrados, mas nada que
denunciasse explicitamente a visita de mais alguém. Havia
mais buracos de tiro na parede e outro no aparador ao
lado da porta. Sofás fora do lugar, cacos de vidro em
algumas partes e uma mancha enorme no chão, de sangue
com sabão. Essa era a versão Ryan de limpeza.
— Derek, o quão bem você conhece essa menina?
Sério, você apenas criou uma espécie de obsessão por
acabar com o irmão dela, a sequestra e agora me vem com
essa história de que não acredita que foi ela quem fez tudo
isso — ele fez um gesto com os braços indicando o caos
ao nosso redor —, quando ela era a única pessoa aqui
dentro, além de Holly que, por sinal, está morta. Já passou
pela sua cabeça que ela seja muito mais esperta do que
pensamos?
Sim, Faith era esperta e aquilo nunca fora um
segredo para mim.
Ele continuava tagarelando sem parar e eu me
obriguei a ignorá-lo, permanecendo com a minha busca.
Os tiros nas paredes eram poucos e o da porta fora
preciso. Coisa de quem já está acostumado a usar uma
arma, o que definitivamente não era o caso de Faith.
Poderia ter sido Holly, mas ela não teria motivos para
atirar na fechadura da porta, uma vez que possuía as
chaves.
— Sabe, isso é estranho — a voz de Ryan me tirou
dos pensamentos.
— O que é estranho?
— Toda essa sua situação com a garota.
— A garota tem nome — já estava ficando irritado
com sua insistência. — Acho que não seria muito
doloroso se você tentasse chamá-la de Faith.
Ele sorriu e deu de ombros.
— Um belo nome, a menina tem — rolei os olhos
diante da provocação. — Mas e aí, você a vigiou por
quanto tempo mesmo? Dez, doze meses?
— Um pouco mais de um ano — respondi, sem saber
ao certo onde ele queria chegar com aquilo.
Ele estreitou os olhos, pensativo, e se sentou no sofá,
apoiando os pés na mesa de centro parcialmente inteira.
— Isso é um bom tempo, não? — voltou a falar,
cruzando as mãos sobre o estômago. — Eu fico
imaginando as cenas: a garota indo até a manicure, ao
supermercado, ao trabalho e tudo mais, e você sempre
atrás como um namorado ciumento — ele arqueou a
sobrancelha. — Ou um namorado protetor. Aposto que
você já deve ter botado para correr uns dois ou três
assaltantes em potencial durante esse período, hein?
— Talvez — resmunguei, me negando a reconhecer
que eu realmente fizera aquilo algumas vezes.
Ryan voltou a sorrir e dessa vez seu sorriso se
transformou em uma gargalhada.
— Puta merda! Isso é quase um relacionamento.
Eu parei o que estava fazendo e me obriguei a olhar
para ele. O idiota me fitava com um sorriso fodido nos
lábios. Semicerrei meus olhos, tentando saber onde
diabos ele queria chegar com toda aquela conversa.
— Você está insinuando que eu estava buscando
nutrir uma espécie de relacionamento com a minha
prisioneira? — arqueei uma sobrancelha. — Sério, Ry, o
quão doente você acha que eu sou?
— O tipo de doente que não admite suas merdas —
ele disse. — Derek, eu acho que nós temos um grande
problema aqui.
— Não me diga.
— Eu não estou falando somente do sumiço da sua
garota e toda a bagunça — ele balançou a mão para
enfatizar o seu ponto. — Mas você já parou para pensar
que toda essa fixação por mantê-la por perto talvez não
tenha somente a ver com o seu irmão?
Era só o que me faltava.
Me virei para ele.
— Não, eu nunca parei para pensar nisso, Ryan. Até
porque eu estava com a minha mente ocupada o suficiente
com o fato de que eu precisava não perder a minha
maldita vida, principalmente no momento em que você me
encontrou apodrecendo aos pés de uma lata de lixo, quatro
anos atrás — pausei e respirei fundo. — Acho que este é
um motivo muito bom para eu querer fazer o que eu fiz,
não acha?
— Eu não estou dizendo que você não teve seus
motivos sanguinários para fazer isso, Derek —
argumentou. — Mas convenhamos que você fica diferente
quando fala dela. Você fica... eu não sei. Você
simplesmente muda.
Eu dei uma pausa, respirando fundo. Eu estava
cansado, meus músculos precisavam de um descanso, mas
não podia fazer muito sobre aquilo, pois tinha assuntos
para resolver. Assuntos estes que incluíam o sumiço de
Faith, a garota cuja morte eu mesmo planejara e esse
idiota ainda ousava encher a minha paciência com toda
essa conversa esquisita?
Eu não era paciente o suficiente para isso.
— Você faz péssimas deduções — foi a única
resposta que dei. — Agora cale essa boca, arraste este
seu traseiro feio até aqui e venha me ajudar.
Ele rolou os olhos e se levantou do sofá, vindo em
minha direção e começando a retirar algumas peças
quebradas do caminho. Voltei a fazer o que estava me
dedicando com tanto empenho, prometendo a mim mesmo
que da próxima vez em que eu fosse comprar uma casa,
ela teria menos objetos de vidro. Foi quando vi algo que
chamou a minha atenção: bem no chão, em meio aos
infinitos cacos transparentes, havia um celular. Era um
aparelho simples, de modelo antigo, de uns dez anos atrás,
provavelmente. Sem muitas funções, apenas para tirar
fotografias e fazer ligações. Bem conveniente.
— Isso é seu? — indaguei a Ryan e ele negou com
um gesto de cabeça.
Voltei a analisar o aparelho, dando-me conta também
de que não era um dos meus telefones, muito menos o de
Holly. O de Faith eu mesmo havia desmontado e sabia que
não era. Ergui a pequena tampa e dei uma averiguada
pelas funções — sem senha de bloqueio. Que ótimo.
Ao sondar pelas últimas ligações, não me deparei
com muitos contatos. Apenas um número de uma mulher.
Emma Holt.
Bom, bom. Grande coisa. Um nome nos leva a vários
destinos, e aquele, definitivamente, era um caminho
interessante.
Fiz um sinal com o dedo para que Ryan mantivesse
em silêncio e disquei. No segundo toque uma voz melosa
atendeu:
— Hey, baby, eu já estava com saudade — revirei
os olhos, mas permaneci em silêncio. A mulher aguardou
por resposta por mais um segundo e no momento em que
voltou a falar, parecia encolerizada: — John, você sabe
que eu odeio quando me deixa falando sozinha. É melhor
você parar agora com os seus joguinhos ou...
Encerrei a chamada.
Ryan ainda mantinha seus olhos em mim, curioso.
— E então?
— Pelo visto a última pessoa com a qual ele teve
contato por este celular foi uma tal de Emma. Deve ser
namorada do cara que, ao que tudo indica, chama-se John
— falei.
Agora eu só precisava descobrir que tipo de ligação
esse cara tinha com Faith e o seu sumiço. Voltando para a
lista de contatos do celular, eu corri pelos inúmeros
números desconhecidos e dei-me conta de que boa parte
das nomeações da Agenda vinha acompanhada por algum
cargo da polícia.
— Bom, isso já é alguma coisa, certo? — Ryan
comentou. — A notícia ruim é que John é um nome um
tanto quanto comum. Vai ser meio difícil encontrar esse
cara.
— Talvez sim, talvez não — falei enquanto ainda
analisava a agenda. — Eu só preciso ligar uma coisa à
outra, Ry. Há contatos policiais por aqui também, o que
pode ser uma grande pista... — em seguida, eu congelei.
— Ora, ora...
— Algo interessante?
Atirei o celular para ele.
— Veja com seus próprios olhos.
No momento em que Ryan segurou o celular e
visualizou a tela, ele soltou um assobio baixo.
— Marcel? Uau.
— Exatamente. Coincidência demais? — voltei a
andar pela sala, tentando pôr a minha mente para
funcionar. Eu precisava mais do que nunca ligar esses
pontos finais agora. — Marcel envolvido com a polícia,
tiros, Faith aparentemente resgatada. Não é uma charada
muito grande.
— E como você tem tanta certeza de que o cara é um
policial? — Ryan pôs em questionamento. — Por mais
que ele tenha contato com policiais, poderia ter sido, sei
lá, um assaltante.
— Eles entraram e levaram somente a garota, Ryan
— respondi, esperando que aquilo fosse mais que óbvio.
— Apesar do fato de que um policial experiente não faria
algo como isso, dessa forma, seja lá quem tenha estado
aqui, queria levar apenas garota. Eles simplesmente
apanharam Faith daqui e a levaram. O que me deixa muito,
muito irritado, pois eu não gosto que se metam nos meus
assuntos, muito menos que mexam no que é meu.
Ryan soltou um assobio baixo e passou a mão pela
cabeça quase rala.
— Faz sentido. Mas... pode ter sido apenas um dos
homens do irmão dela. Já passou pela sua cabeça isso?
— Sim, eu sei. E é por isso que nós vamos tentar
eliminar as possibilidades. Começando com o fator
polícia.
— O que você quer dizer com isso?
— Quero dizer que nós vamos nos certificar com a
própria polícia se eles sabiam que Faith estaria aqui.
Um som estranho saiu da garganta do meu amigo e ele
olhou para mim como se estivesse fitando um fugitivo de
um manicômio.
— Derek, você perdeu a sua mente?! — exclamou.
— Você sabe que estaria morto no instante em que pusesse
seus pés em uma delegacia, certo?
Sorri.
— Claro que eu sei. E é por isso que você vai me
ajudar.
— Como é que é?
— Exatamente, Ry. Você esteve por um tempo na
polícia. Acredito que tenha algum contato importante.
— Derek, eu não sei se você percebeu, mas eu não
sou mais um tira, meu amigo. Eu não posso apenas entrar
lá e buscar informações sem que as coisas se tornem
estranhas demais.
— Claro que não, mas você conhece policiais, certo?
Qual é o nome mesmo daquela morena bonita que você
não parava de falar sobre? Candice?
— Cadence — ele me corrigiu, ficando vermelho
instantaneamente como um colegial. Rolei os olhos. — E
eu não vou envolvê-la nisso. Ela é uma garota legal.
— Eu não disse que não era — repliquei. — Será
apenas um telefonema para a sua namorada. Nada de mais.
— Ela é uma amiga — me corrigiu. — E eu ainda
não tenho certeza se deveríamos.
Revirei os olhos novamente. Eu já estava começando
a ficar impaciente.
— Uma amiga com a qual você fez sexo por mais de
um ano. Enfim, eu não estou interessado em discutir sobre
a sua vida sexual. Eu quero um telefonema, não vai doer
nada. Ligue para a sua amiga e consiga saber se tivemos
uma ligação para a emergência com o nome de Faith
Elizabeth Bloom entre as dezoito e vinte e uma horas do
dia de hoje. Depois disso, eu saberei o que fazer.
— Você é um filho da puta — ele resmungou antes de
puxar o seu telefone do bolso.
Eu sorri.
— Eu só estou tentando te ajudar a conseguir um
encontro decente.
☆☆☆
Quarenta minutos e um convite para jantar depois,
Ryan desligou o telefone. Ele olhou para mim e deslizou o
celular de volta para o seu bolso.
— Bom, pelo visto a sua querida prisioneira fez uma
ligação que foi cortada em poucos minutos. Cadence me
informou que saiu uma viatura do local por volta das
dezenove horas. No entanto, os policiais ainda não
retornaram para a delegacia ou deram alguma sinalização
a respeito.
Merda!
— Eu não sei o quê, mas tem algo de muito, muito
errado nisso. Já era para eles terem aparecido por lá. Já
se passaram horas desde a ligação.
— Você tem razão — ele falou, voltando a se sentar
no sofá. — E então, o que você acha que seria melhor a se
fazer?
Voltei a caminhar pela sala enquanto pensava.
— Essa Emma, provavelmente, é a única que
conhece o tal John, ou seja, única pessoa com quem eu
posso contar. O que significa que ela vai ser a minha
passagem para chegar até o cara.
Ryan se inclinou, apoiando seus cotovelos nos
joelhos.
— O que diabos você está pensando em fazer,
Derek?
Ainda calado, peguei novamente o celular que havia
encontrado na sala e digitei uma mensagem curta e apertei
em “enviar”. Ryan me olhou com uma expressão
desconfiada.
— Eu marquei um encontro com a vadia amanhã cedo
no centro da cidade — respondi tranquilamente e analisei
a pequena fotografia da tal Emma no contato da agenda.
— Por que você está fazendo isso? — Ryan me
perguntou quando me sentei ao seu lado.
— Eles levaram algo que é meu, Ryan, e eu costumo
reivindicar as minhas coisas de volta — respondi
simples.
Ele bufou.
— Ela é só uma garota com uma mala de problemas,
e que mais cedo ou mais tarde irá foder com a sua vida.
— A minha vida já foi fodida há muito tempo, Ryan
— eu disse. — Esse idiota, seja lá quem for, atrapalhou
os planos do cara errado e agora ele vai pagar pela merda
que fez.
Ele balançou a cabeça e voltou a passar a mão pelos
cabelos.
— Merda! Eu me sinto como um velho falando com
você.
Eu dei uma risada.
— Mas você realmente está ficando velho, irmão.
☆☆☆
Caminhei do banheiro para o quarto e desenrolei a
toalha em meus quadris, deitando apenas de cueca sobre a
cama fria.
Peguei o celular de Faith, que eu havia encontrado
algumas horas atrás jogado ao chão do meu quarto, e
analisei a pequena fotografia na tela. Eu pusera a bateria
do celular para carregar havia alguns minutos, e no
momento em que a luz se acendeu tratei de me certificar se
ela realmente fizera uma ligação para a polícia por volta
das dezoito horas, confirmando o fato.
Dera-me conta de muitas outras coisas também.
Principalmente o fato de que o meu quarto estava
completamente revirado, minhas roupas remexidas,
gavetas fora do lugar e toda a bagunça que se pode
imaginar.
O que mais me surpreendeu foi a tesoura
ensanguentada no chão. Apesar da aparência frágil, Faith
era uma guerreira. Bem provável que tentara travar uma
luta com Holly em algum momento. Será que ela teria tido
a coragem de matar Holly, caso tentasse?
Sorri amargamente, voltando a analisar o plano de
fundo do celular. Eu gostava daquela foto em especial.
Faith parecia feliz, fazendo algo de que gostava, com
quem gostava. Ela costumava sorrir com frequência,
percebi isso durante o tempo em que estive a espreitando.
Ela não sorrira mais desde o dia em que a sequestrei. Eu
destruí isso. Eu havia destruído tanta coisa, e era bem
provável que eu estivesse destruído a própria Faith
também. Talvez ela nem estivesse mais viva àquela altura
do campeonato.
Atirei o celular em qualquer direção e passei a mão
pelo rosto, dobrando os meus braços atrás da minha
cabeça, logo em seguida, apoiando-os no travesseiro. Me
peguei levemente irritado com o curso dos meus
pensamentos.
Que merda estava acontecendo comigo?
Soltei um resmungo baixo e tratei de tentar descansar.
Eu precisava disso. Precisava das minhas forças
renovadas se quisesse encontrar o tal John ou seja lá quem
estivesse no meio daquilo tudo.
Mas, como um castigo ou uma maldição, as imagens
de Faith não saíam da minha cabeça, reprisando uma e
outra vez, como num filme: Faith com seus amigos, Faith
na formatura da faculdade, Faith com as crianças que
visitava, Faith abrindo um sorriso tímido e ficando
vermelha todas as vezes em que eu comentara algo que a
deixava desconcertada no dia em que finalmente nos
encontramos. E por último, os olhos assustados, raivosos
e decepcionados no momento em que tirei o maldito capuz
de sua cabeça. Ela não sorriu mais a partir dali. Por minha
culpa.
Abri os olhos e fitei o teto, suspirando
melancolicamente.
— Tarde demais para voltar atrás.
13: No Inferno Faz Frio

Faith

Minha cabeça pesava, pendendo para a frente como a


peça de um fantoche. Meus pulsos, amarrados para trás
entre nós de cordas grossas, se viam doloridos, assim
como os meus ombros. Inclinei de leve a minha cabeça de
lado e fitei a pintura repleta de mofo que cobria as
paredes do ambiente escuro. O local também fedia a algo
que eu não conseguia identificar. Um pedaço de madeira
grosso e velho incidia sobre a porta de mesmo material,
porém pútrido. Sua base apoiada transversalmente no
chão, como uma forma ridícula de evitar que esta fosse
aberta.
Água fria gotejava das pontas dos meus cabelos,
molhando a minha camiseta de tecido fino. Meus dentes
trincaram com a onda súbita de arrepios que varriam a
minha pele e eu senti uma pontada em meu couro cabeludo
quando mãos nada cuidadosas seguraram com força o meu
cabelo e, mais uma vez, a minha cabeça ia de encontro ao
terrível tonel cheio de água com gelo.
Por favor, Deus, faça isso parar.
— Você é uma cadela difícil de lidar, Faith Bloom —
disse John, sua voz fria e distante. O homem que horas
atrás me tratara tão bem, proporcionando-me segurança,
agora se apresentava como um verdadeiro monstro. — Eu
queria que você colaborasse, mas a sua resistência está
ficando muito cansativa. Quem sabe um pouco de estímulo
não ajude?
Fechei meus olhos, prendi a respiração e lutei
arduamente para manter o controle.
Apenas segure. Segure o máximo que puder.
Comecei a fazer a contagem. Ele me deixava em
torno de dez segundos debaixo d’água, e eu descobri
poder suportar cerca de trinta. Eu comecei a trabalhar
melhor isso na terceira vez em que ele fez. A única coisa
que ainda incomodava e tornava-se quase insuportável era
o frio. Eu tinha medo de morrer de hipotermia antes que
alguém descobrisse que eu estava naquele lugar.
Deus, e se não descobrissem?
Não entre em pânico, Faith. Não agora. Não aqui.
Eu já havia contado quinze segundos e ele ainda me
empurrava para debaixo d’água.
Dezesseis.
Dezessete.
Dezoito.
Minha barriga roncou. Além de sentir frio, eu sentia
fome. A coisa boa era que o sono eu perdera havia
tempos. Eu me manteria alerta por mais um bom tempo.
Não seria nada bom eu dormir ali.
Vinte e nove.
Trinta.
Trinta e um.
Oh, meu Deus! Tempo demais. Não entre em pânico.
Só não entre em pânico!
Quarenta e seis.
Quarenta e sete.
Eu já não aguentava mais. Aquilo era insuportável.
Meus pulmões queimavam, o meu corpo tremia, expirei na
água, mas aquilo foi ainda pior, pois eu precisei inspirar
novamente. Então eu inspirei e foi então que engoli a água.
O líquido grosso invadindo as minhas vias.
John puxou a minha cabeça para fora novamente.
Uma onda de tosse irrompeu de dentro de mim em uma
tentativa involuntária do meu corpo de tentar expelir o
liquido que atravessava os meus canais respiratórios.
— Por favor... — implorei, ainda resfolegando. —
Me deixe em paz...
Eu não tinha mais forças. Eu não queria mais lutar.
Eu não conseguia mais pensar. Não conseguia mais ter fé.
Deus, eu queria tanto que aquilo acabasse.
John riu debochadamente.
— Você quer que isso pare, Faith? — perguntou. —
Então me diga, querida. Diga onde está o pen drive.
— Eu não sei — gemi. — Já disse que não sei de
nad...
— Você está mentindo, porra! — ele estapeou o meu
rosto com força. Rolei e caí sobre o chão sujo e frio. —
Diga-me onde está o maldito pen drive!
— Não sei do que você está falando — eu já estava
me sentindo como um maldito gravador. Mas eu não podia
fazer muito além daquilo. Eu realmente não sabia. — Eu
juro!
Soltei pesadas respirações, ainda tentando recobrar
as forças dos meus pulmões e passei a língua sobre o meu
lábio. Senti imediatamente o sabor ferroso do sangue em
minha boca. Ele havia partido o meu lábio quando me
bateu.
Desgraçado!
— Já chega! — o homem rosnou, indo em direção a
uma bolsa no chão. — Se você não quer colaborar, eu
acho que devo tentar algo que a faça realmente se lembrar
de quem é que está no comando aqui.
Então, eu o vi pegar uma tesoura e vir em minha
direção.
Não!
Instintivamente eu me afastei, arrastando-me pelo
chão. Mas logo parei, pois meus ombros doeram quando
caí sobre o meu braço torcido para trás.
— Você tem cabelos muito bonitos, baby — ele
sorriu de forma sádica, agarrando os meus cabelos e me
arrastando de volta. — Vamos ver como você fica sem
eles.
14: A Busca

Derek

— É a garota do Mustang rosa? — Ryan questionou.


Um vinco suave se formando entre as suas sobrancelhas
escuras.
— Exatamente — eu disse.
O sol estava agradavelmente suave naquela manhã.
Com o Jeep estacionado em um ponto qualquer, nós
fitávamos o veículo rosa bebê que, parado a alguns metros
de distância, acomodava uma loira de cabelos escorridos
passando gloss labial sobre a boca. Retirei meus óculos
de sol do porta-luvas e pus o acessório em meu rosto,
apoiando o antebraço na janela do veículo.
— Belo carro — gracejou meu amigo, arrancando de
mim uma risada baixa. — Eu não vejo um desses desde
que eu tinha dezessete anos e fugia no carro do meu
padrasto a fim de ir até a casa de Natalie Robinson para
beber cerveja e fumar maconha.
— A garota dos piercings?
— A própria — ele abriu um sorriso malicioso. —
Ela tinha vinte e dois anos, seus peitos eram enormes e,
caramba, ela sabia direitinho como fazer um boq...
— Para com essa merda! — o cortei. — Eu não
quero saber os detalhes sobre suas aventuras sexuais. Isso
é nojento pra caramba.
— Eu só estou contando uma das poucas coisas
legais que aconteceram na minha adolescência de merda
— ele protestou com um encolher de ombros. — Nunca é
fácil ter uma vida decente quando se cresce em Treme,
meu amigo. Você sabe: drogas e tudo o mais. Eu acho que
foi mais por isso que decidi ser policial, sabe? Eu queria
mudar aquilo.
Suspirei, pois eu o compreendia.
— É, eu sei. Deve ter sido uma fase bem difícil —
relembrei que ele me dissera algo do tipo certa vez.
Ryan já havia passado por muitas merdas ao longo da
vida — não tantas merdas quanto eu, mas sua bagagem era
bem pesada pra um cara de trinta e cinco anos de idade.
Ryan havia crescido em um dos bairros mais antigos
e violentos de Nova Orleans. Com apenas treze anos de
idade, ele presenciara seu irmão mais velho ser
assassinado com um tiro de bala perdida na cabeça. As
belas e harmoniosas histórias alimentadas pela cultura do
Rock e Jazz do velho Treme não compensavam o
excessivo índice de violência.
Poderia ser considerado estranho o fato de Ryan ter
aberto mão de algo que tanto gostava para viver como um
policial afastado e ganhando uma mixaria como professor,
mas eu compreendia o seu lado. Ele me dissera uma vez
que vira grávidas e crianças sendo assassinadas sem
piedade alguma por policiais. Policiais estes que
deveriam proteger a população e não sujar as suas ruas de
sangue a troco de um bocado de dólares.
A ganância pelo dinheiro era como um maldito
câncer na sociedade, alastrando a sua imundície ilícita
feito trepadeiras em um muro. Pessoas matavam e
morriam diariamente por causa do dinheiro. Tudo por
conta de malditos pedaços de papel impresso.
A semelhança entre mim e Ryan era que ele nunca
fora um bastardo cego que fazia tudo por dinheiro. Ele
tinha escrúpulos, decidindo por deixar de vez a profissão.
A grande ironia é que ele acabou virando cúmplice de um
sequestrador e possível assassino de loiras bonitas e
indefesas. Ou o assassino de uma bonita loira indefesa,
em particular.
Foda-se, eu resolveria aquela merda mais tarde.
Agora eu precisava encontrar Faith.
Guiei minha atenção para o carro cor de rosa a
alguns metros de distância e dei-me conta de que a garota
agora ajeitava seus seios fartos na t-shirt de cor clara e
ridiculamente apertada, totalmente alheia à nossa
inspeção.
— Pelo visto ela não vai sair daquela merda de carro
tão cedo — Ryan resmungou. — Nós não vamos abordá-la
no veículo, não é?
Me virei para ele.
— Você tem alguma coisa contra essa ideia?
Ele ficou tenso.
— Derek, nós estamos em uma área movimentada. Se
a garota resolver gritar e dizer que somos assaltantes ou
estupradores, nós estaremos ferrados.
— Você é assaltante ou estuprador? — questionei.
— Você sabe que não.
Sorri.
— Então não há o que temer — abri a porta, saindo
do carro. — Veja e aprenda.
Ele resmungou algo, mas não hesitou em me seguir.
Seguimos em direção ao veículo nada discreto e eu
parei na porta do passageiro. Puxei a maçaneta e deslizei
para o banco ao lado da garota sem uma palavra sequer.
Ryan fez o mesmo movimento no banco de trás e, antes
que a loira tivesse a chance de dizer alguma coisa, eu
estava removendo as chaves da ignição e travando todas
as portas.
Retirei a arma da minha calça, pondo-a sobre minha
coxa. A mulher arregalou os olhos e entreabriu os lábios,
alternando seu olhar entre mim e a ameaçadora pistola sob
meu poder.
— Você grita, a arma dispara — ameacei
tranquilamente. — Acho que seria um grande desperdício
manchar de sangue estes seus belos seios, não é?
— Oh, meu Deus — merda, ela tinha uma voz
realmente irritante. — O que está acontecendo?
— Emma Holt? — fui direto ao ponto, ignorando sua
pergunta. Ela alternou seu olhar entre mim e Ryan, ainda
receosa ou apenas decidindo se era uma boa ou má ideia
me dizer a verdade. Depois afirmou com um aceno fraco
de cabeça. — Nós viemos até aqui para falar sobre seu
amigo, John — eu disse. — E não adianta negar nada, nós
já sabemos de tudo.
— John? John Wallace? — ela arregalou os olhos
ainda mais — O-o que houve com ele?
— É exatamente o que nós desejamos saber, querida.
— Eu não sei o que está havendo. Não sei do que
vocês estão falando. John que mandou vocês aqui? Foi
uma armadilha?
— Não exatamente — respondi. — Ao que tudo
indica, o seu namorado invadiu a minha casa ontem e
levou algo que eu quero muito de volta. E agora eu estou
em busca de informações para chegar até o cara.
Ira relampeou em seus olhos claros e ela ergueu o
queixo, desafiando-me.
— E por que diabos eu ajudaria você?
— Porque eu tenho uma pistola 9mm apontada para a
sua barriga neste exato momento — recostei o cano da
arma em seu quadril e ela gemeu em apreensão. — Então,
isso vai funcionar do jeito mais fácil ou do mais difícil?
— Merda! — ela grunhiu. — Okay, nós podemos
conversar... como pessoas civilizadas, não é? — ela abriu
um sorriso amarelo. — Você não precisa fazer isso. É
óbvio que você não quer atirar em mim e, bom... você
pode conseguir muito mais se eu estiver viva — agora seu
sorriso se transformou em algo sedutor e senti a sua mão
apertar a minha coxa.
Mas que merda era aquela?
— Bela tentativa, mas acho que você terá que fazer
um pouquinho mais do que apenas mostrar os seus peitos
ou o seu sorriso de piranha se quiser que isso realmente
funcione — falei. — E a propósito, não questione a minha
vontade de atirar em você agora, querida, porque eu não
estou com muita paciência. Onde estávamos mesmo?
— Nós estávamos na parte em que ela fala sobre
John Wallace sem tentar bancar a espertinha — Ryan se
manifestou no banco de trás.
A mulher olhou para Ryan por um momento,
fuzilando-o com o olhar e logo em seguida voltou a me
fitar.
— E-eu não sei onde ele está — ela gaguejou,
tentando não se mover. — Eu não sei nem onde ele mora.
Nós saímos algumas vezes, o conheci por meio de um
amigo. Eles precisavam de ajuda em algo e eu aceitei
ajudar.
— Em quê?
— John estava à procura de uma garota
desaparecida. Eu trabalho no call center da Emergência e
alguns funcionários de lá foram orientados a relatar à John
sobre qualquer ligação que aparecesse de uma tal garota.
— Qual era o nome dessa garota?
— Faith Elizabeth Bloom — ela disse. — Este era o
seu nome.
— Porra, eu sabia — praguejei. — Continue.
— Bom... então houve essa ligação ontem. Essa moça
entrou em contato conosco e, por coincidência, a ligação
acabou caindo no meu ramal. Eu passei as informações
para John e ele disse que resolveria a partir dali. Eu não
sei de mais nada, eu juro. Eu fiz na melhor das intenções,
por favor, não me mate.
— Eu não vou matar você, querida — ela suspirou
aliviada. — Mas com uma condição.
Sua expressão congelou novamente.
— Que condição?
— Me leve até John.
— Impossível — ela balançou a cabeça
freneticamente. — Eu não sei nem onde ele mora.
— Bom, é uma pena. Foi bom conhecer você —
engatilhei a arma então ela gritou:
— Espera!
— Ainda estou ouvindo.
— Eu não tenho o endereço dele, mas eu conheço
Ernest. Esse meu amigo que também é amigo do John. Eu
posso lhe dar o endereço dele.
Sorri.
— Boa garota — falei. — Vamos lá, anote o
endereço.
☆☆☆
Meia hora depois, eu estava estacionando em frente à
casa de tijolos vermelhos cujo endereço Emma havia me
dado. O local não parecia com a casa de um policial
corrupto: com uma pequena cerca branca e árvores ao
redor, estava mais para a casa da minha avó.
— Você não podia ter tentado ser mais sutil? — Ryan
reclamou pela milésima vez. — Caramba, Derek, ela era
só uma garota.
— Você e o seu coração mole — rolei os olhos. —
Ela era a vadia de um policial corrupto, Ryan. Não estou
realmente muito interessado em ser sutil com vadias de
policiais. Na verdade, eu não tenho paciência para ser
sutil com vadia alguma.
Subimos os poucos degraus que nos separava da
porta de entrada e eu toquei a campainha.
Não tardou muito para um cara de aproximadamente
quarenta anos de idade atender a porta e nos fitar com
olhos desconfiados.
— Ernest Owen?
Em um primeiro instante, ele apenas manteve-se
calado. No momento seguinte, eu senti a porta vindo em
minha direção e criei barreira, mantendo-a aberta antes
que ele tivesse a chance de fechá-la por completo.
— Não tão rápido, companheiro — eu disse,
empurrando a porta de volta.
Ele soltou um grunhido e, desistindo de lutar, afastou-
se da porta. Nós entramos na casa e antes mesmo que ele
fizesse um movimento para apanhar uma arma, meu
antebraço estava em seu pescoço, suas costas na parede
com um baque surdo e seus olhos esbugalhados fitando a
mim.
— Eu não vou gastar muita saliva porque
definitivamente não tenho muito tempo pra essa merda,
mas espero que você seja um bom ouvinte e saiba
colaborar — a minha voz saiu cortante. — Onde está John
Wallace?
Os olhos dele ficaram ainda maiores.
— O-que você quer?
— Quero de volta o que é meu — respondi. — Onde
está o maldito do John Wallace?
— Ele... ele está fora — ele disse. — Tem assuntos
para resolver. Eu não sei de mais nada.
— Será mesmo que você não sabe? — puxei a arma e
apontei para a lateral da sua cabeça. — Cinco segundos.
Vou começar a fazer a contagem e espero que você
colabore, pois eu não costumo ser muito paciente.
Ele respirou fundo, mas permaneceu calado. Era
assim que ele queria jogar? Nós jogaríamos.
— Um.
Ele ainda continuava mudo.
— Dois.
— Merda, cara. Eu não sei do que você está falando!
— Três.
— Sai da minha casa agora, idiota, ou você estará
encrencado por invadir a residência de um policial.
Eu fiz uma pausa em minha contagem, realmente
achando divertido toda aquela merda.
— Eu realmente estou me mijando de medo, Ernest
— murmurei. — Quatro.
— Droga!
Ele respirou fundo, mas ainda mantinha-se resoluto
em permanecer calado. Pressionei ainda mais o cano da
arma contra sua têmpora e preparei o gatilho.
— Papai, o que está havendo? — uma terceira voz no
ambiente me fez parar a contagem.
Olhei para o lado e avistei um menino de
aproximadamente cinco anos de idade nos fitando com os
olhos grandes e curiosos.
— Andrew, saia daqui! — disse Ernest. — Volte
para o seu quarto, sim?
O menino sacudiu a cabeça, mas ainda permanecia
olhando para nós. Para mim.
Me virei para Ernest.
— Você quer mesmo que eu estoure os seus miolos na
frente do seu filho? — murmurei.
Ele sacudiu a cabeça freneticamente.
— Você não faria isso.
— Quer apostar?
Ele engoliu em seco.
— Abaixe a arma e nós conversaremos — disse. —
Por favor.
Eu relutei por uns bons segundos, mas fiz. Eu não
sabia exatamente por que fiz aquela merda, mas tinha uma
criança na sala, afinal de contas.
— Andrew, vá para o seu quarto — ele voltou a se
dirigir ao menino. — Depois nós conversaremos.
— Você vai matar a gente? — o menino perguntou,
fitando diretamente a mim.
— Ai, merda — gemeu Ryan em algum lugar da sala.
— Eu sabia que isso não era uma boa ideia.
Eu não tinha muito jeito com crianças. Para falar a
verdade, eu não fui uma criança normal, então eu não
podia dizer que conhecia exatamente uma, porque
tecnicamente eu não fora.
Mas eu não gostava de mentir para pessoas inocentes.
Então eu não mentiria para ele. Eu não iria matá-lo, mas
não podia dizer o mesmo a respeito de seu pai.
— Eu acho que você deveria escutar o seu pai,
Andrew — falei. — Nós só estamos conversando — me
virei para o homem. — Não é mesmo, Ernest?
— S-sim — ele murmurou. — Apenas conversando,
filho. Volte para o seu quarto.
O menino assentiu e saiu da sala correndo.
Voltei para o homem e apontei novamente a arma.
— E então? Vai me dizer onde está seu amigo ou o
quê?
— O que você quer com John?
— Eu quero a garota que ele levou de mim — eu
disse. — Eu ainda não sei o porquê dessa merda, mas eu
tenho planos para ela, Ernest, e isso não inclui nenhum
filho da puta invadindo a minha casa e a tirando de lá.
— Pouco provável ela estar viva a essa altura do
campeonato — ele riu sem humor. — Me desculpe, mas
John não costuma ser muito piedoso.
Aquilo me enfureceu ainda mais. Dei um soco em
Ernest e ele caiu direto no sofá, levando a mão ao nariz
que sangrava.
— É bom que ela esteja viva e ilesa, porque eu
também não costumo ser muito piedoso — falei. — E não
vou responder pelos meus atos se eu descobrir que seu
amigo encostou um maldito dedo sequer nela.
Ele passou a mão sobre o vermelho em seu rosto e
voltou a me fitar.
— John e os caras têm negócios para resolver com o
irmão dela. Eu posso até te dizer onde ela está, mas isso
não quer dizer que você sairá de lá vivo.
Agora foi a minha vez de soltar uma risada seca.
— Que engraçado, eu também tenho assuntos para
resolver com o irmão dela. Me parece que Marcel tem
muitas inimizades, não é?
Ele abriu um sorriso e se ajeitou no sofá.
— Interesses iguais, pensamentos iguais — falou. —
Que tal uma parceria? Eu levo você até John, nós
resolvemos isso numa boa, como amigos. Quem sabe você
possa até dar um estímulo para que a garota finalmente
colabore com os caras?
Esse era o motivo por eu não confiar em policiais.
Escória fodida do caralho.
— O que eles querem com ela, exatamente? — fingi
analisar a proposta.
— Negócios — disse. — Sabe como é.
Já chega. Eu não iria aturar muito daquela merda.
Apontei a arma para ele novamente.
— Que tal eu partir a sua cabeça em vários pedaços
e depois ir atrás do enxerido filho da puta e enfiar uma
bala bem no meio do seu crânio também? — eu fui direto.
— Eu não faço parcerias. Odeio gente idiota que se acha
esperta o suficiente, mas acaba fodendo com a merda toda
por qualquer bolo de dinheiro. Faço minhas coisas
sozinho e estou muito bem assim — falei. — E então, vai
me dizer onde estão John Wallace e a garota?
Ele engoliu em seco.
— Você tem certeza de que não quer repensar sobre
isso? Se eu disser onde eles estão, você vai atrás da
garota, sem ao menos saber se ela está viva. Você vai
morrer assim que chegar lá e, se sair vivo dessa, estará
encrencado, amigo. Eu sou um policial, John também. Nós
te colocaremos atrás das grades na primeira oportunidade
que tivermos.
Bom, eu acho que ele ainda não estava
compreendendo todo o negócio da coisa. Me aproximei
dele e lhe desferi uma coronhada no nariz.
— Merda, isso dói!
— Eu fiz uma pergunta — rosnei. — E eu
sinceramente gostaria de que você me respondesse ao
invés de tentar bancar o esperto para cima de mim! Onde
está John Wallace e a garota?
Ele ainda respirava pesado, tentando recobrar sua
respiração.
— Ok, eu vou te dar o endereço.
Eu soltei uma risada seca.
— Não tão fácil — falei. — Você vai me levar até lá.
— O quê?
— Exatamente o que ouviu. Você não está lidando
com nenhum idiota, companheiro — segurei-o pela gola
da camisa e me virei para Ryan. — Ryan, fique aqui com
o garoto, o idiota vai me levar até o cara.
— O-que vocês vão fazer? — agora ele parecia
realmente preocupado. — O meu filho não tem nada a ver
com isso, cara.
— Eu preciso de uma garantira, Ernest — eu disse.
— E se algo acontecer comigo, você já sabe o que
acontece com o seu moleque, certo?
Ele tremia. Perfeito.
Procurei por um par de algemas ali perto e apanhei.
Algemei os braços do cara para trás e o joguei no sofá.
Me aproximei de Ryan e murmurei:
— Você fica com o garoto, enquanto eu vou atrás da
Faith. Assim que estiver tudo certo, você dá o fora.
— O que eu vou fazer com uma criança, Derek?
— Eu sei lá — falei. — Joga vídeo game com ele,
faz biscoitos ou inventa alguma outra merda. Eu vou levar
o idiota comigo.
Ryan balançou a cabeça.
— E se alguma coisa acontecer? É para matar o
menino mesmo?
— Você teria coragem de fazer isso? — perguntei.
Ele grunhiu algo, como se apenas aquele pensamento
fosse extremamente doloroso.
— Inferno, não!
— Foi o que pensei — eu ri. — Relaxa, Ryan, isso
só foi um susto. Não sou tão maluco assim.
Ele suspirou aliviado e eu voltei a segurar Ernest
pela gola da camisa.
— Vamos lá, Super Pai. Vamos dar uma volta.
15: A Luz

Faith

Ele martelava em meu interior uma e outra vez,


numa velocidade excessivamente dolorosa. Dor
derramava chispas quentes em torno dos meus músculos,
minha carne e ossos reclamavam com a posição
incômoda em que eu me encontrava. Meus ombros
doíam, a minha boca também, e os meus pulsos
provavelmente ficariam avermelhados no dia seguinte.
Fechei os olhos e tentei pensar em outra coisa. Algo
menos... doloroso. Algo que anestesiasse a agonia
profunda que queimava entre as minhas pernas. A
violação insana no meu corpo que, ao passo que ele me
fazia acreditar ser certo, me parecia tão malditamente
errado.
Não poderia haver nada certo onde existia dor. Eu
odiava aquela parte do nosso relacionamento. Odiava
com todas as minhas forças. Mas que forças? Eu
pensava, sorrindo amargamente dentro de mim. Eu era
nada mais que uma prisioneira em sua cama. No
entanto, era daquele modo que as coisas tinham que ser,
certo? Ele me amava e eu o amava de volta. Não amava?
Ao menos eu achava que o fazia, afinal, ele fora o único
namorado que eu tive e o único que Marcel me permitia
ter. Mas o que eu sabia de amor, afinal, com apenas
dezenove anos de idade?
Um grito de dor se misturou aos seus ruídos
grotescos e os sons de sua estocadas quando ele cravou
as unhas em meus quadris.
Sentia meu estômago revirar, estava seca, com
vontade de chorar, mas eu sabia o que aconteceria se eu
chorasse ali. Ele costumava me punir sempre que eu
resistia. Ele dizia que seria divertido, mas eu não via
nada de divertido naquilo. Eu definitivamente não
queria ter mais daquelas marcas no meu corpo.
— Porra, eu vou gozar! — ele rugiu, metendo ainda
mais forte e eu mordi o lábio para evitar gritar de dor.
Empolgado, ele finalmente liberou seu viscoso
líquido no preservativo e desabou em cima de mim. Meu
corpo mole e dolorido sendo amassado pelo seu, sobre o
colchão. Ele não era muito musculoso, mas era muito
mais pesado que eu. Aquilo me sufocava.
Eu precisava vomitar.
Ele saiu de cima de mim, seguindo em silêncio para
o banheiro. Quando voltou, carregava uma toalha úmida
e a passou entre as minhas pernas e meus quadris
repletos de marcas das suas unhas. Ele havia arrancado
um pouco de sangue ali. No começo eram apenas marcas
sutis, mas agora as lesões subiram para um nível onde
as marcas permaneciam no meu corpo por um bom
tempo.
Olhei-o com um misto de confusão, medo e raiva.
Por que ele agia comigo daquela forma depois da
maneira que acabara de me tratar?
Ele removeu as algemas na cabeceira e, em seguida,
tirou a mordaça da minha boca. O olhei com repulsa. Eu
não aguentaria mais daquilo por muito tempo. Eu já não
sabia mais se o amava. Eu definitivamente não o amava.
— Você me parece cansada, baby — disse ele
acariciando o meu rosto. Instintivamente eu virei a
minha cabeça, afastando-me, assim que ele tentou tocar
a minha bochecha.
Seus olhos brilharam irritados para depois
tornarem-se frios. Em seguida, ele abriu um sorriso para
mim e se inclinou, plantando um beijo nos meus lábios.
— Eu... eu não quero mais. Eu não acho que... — eu
comecei a falar, mas seu olhar me fez calar.
— O que você não quer mais, Faith? — sua mão
agarrou o meu queixo com força e eu me encolhi. —
Você quer me dizer algo?
— E-eu estou sentindo dores — falei em um
sussurro.
Ele sorriu e voltou a acariciar o meu rosto.
— Não se preocupe com isso, querida — sussurrou.
— Você se acostumará com o tempo.
Acordei em um sobressalto, sentindo uma mão
grande, áspera e pegajosa passeando pela minha coxa.
Afastei-me imediatamente e encarei o homem estranho que
olhava-me de uma forma que fazia meu estômago se
revirar.
— Olá, docinho — ele ronronou. — Eu achei que
fosse precisar de ajuda para finalmente acordar você.
— Fique longe de mim! — apesar de o meu corpo
estar fraco e meu cérebro perturbado devido ao sonho
horrível que tive, eu estava ciente o suficiente para manter
aquele cara afastado.
— Você se dá conta do quão frágil é? — ele riu. —
Se eu quiser foder você, eu farei, querida. E nem você,
nem ninguém irá me impedir.
Me afastei ainda mais, recostando as minhas costas
contra a parede. Ele me lançou um olhar sádico e ergueu a
mão para tocar os fios repicados do meu cabelo que iam
até os ombros agora. Meus cabelos. Mordi o lábio para
evitar chorar.
— Você está horrível — zombou. Em seguida, desceu
sua mão para o meu seio e apertou.
— Morra! — rosnei novamente, desvencilhando-me
do seu toque.
Ele agarrou meu pescoço com força, mantendo-me
bem perto do seu rosto. Seu hálito fedia a cigarro e era
extremamente repugnante.
— Não me provoque, cadela do caralho. Sua vida
está nas minhas mãos, e se você me irritar muito, a coisa
vai ficar feia.
Ele ergueu a mão novamente e, mais uma vez, eu me
afastei. Ira congelou em seus olhos, seu rosto ficando
distorcido e sem uma palavra, ele me puxou pelos cabelos
curtos, encarando-me frente a frente.
Com a outra mão ele desafivelava o seu cinto,
enquanto me fitava com fome. Eu me impulsionei para
trás, tentando me desvencilhar, mas ele era bem mais forte
do que eu e eu estava fraca, dolorida e atada. Sua mão
voltou a passear pelo meu seio, sua boca bem próxima à
minha, então ele pôs a língua para fora e lambeu a minha
bochecha. Bile fez sua passagem até a minha garganta.
Respirei fundo, tentando me afastar, mas sempre que eu
fazia, meu couro cabeludo doía.
— Você está bem ferrada, mas aposto que tem uma
boceta doce — ele riu, enviando sua mão áspera e
indesejável até o meio das minhas pernas. Tentei apertar
minhas coxas juntas, evitando que ele tivesse fácil acesso,
mas com um tapa ele forçou-me mais aberta.
Eu ainda tentava desatar o nó dos meus pulsos. Eu
havia lutado por um bom tempo para finalmente conseguir
desamarrar as cordas. O cansaço acabou vencendo e eu
cochilei por alguns minutos. Não queria tê-lo feito. Eu não
teria sonhado com Simon, muito menos teria dado brecha
para este homem me tocar.
Outra mão deslizou para a minha barriga, levantando
a minha blusa e deixando um pouco de pele exposta.
Ele infiltrou um dedo no cós dos meus jeans, alisando
o botão da minha roupa. Seus olhos ainda em mim.
Merda, eu estava a um fio de vomitar.
Só faltava um pouco mais. As cordas já estavam
frouxas.
No momento em que ele enfiou a mão por dentro da
minha calça, eu ergui meu pé e lhe chutei no peito.
Ele urrou e depois veio para cima de mim. Meu olhar
varreu pelo local e eu avistei o pedaço de madeira
escorado na porta.
Era pesado, mas se eu conseguisse liberar meus
pulsos...
Finalmente os nós se afrouxaram por completo,
deixando meus pulsos livres, e eu me arrastei pelo chão
em direção à porta. Uma mão agarrou meu tornozelo e eu
chutei. Arrastei-me até a porta. Novamente, ele tentou
tatear pela minha pele. Puxei os meus pés firmes até que
eu estivesse em pé e apoiada contra a parede. Peguei o
pedaço de madeira pesado, com certa dificuldade, mas
ainda muito ciente do que eu pretendia fazer com ele.
O homem não hesitou em vir em minha direção, então
eu respirei fundo e levantei a madeira na minha mão com
toda a força que reuni e lancei a peça em direção à sua
perna.
Ele gritou. Um grito que veio do fundo da garganta.
Merda, aquilo atrairia mais pessoas!
Eu tinha que fazê-lo se calar, mas como? Então eu fiz
de novo, e de novo, até que ele estivesse caído no chão,
apenas sua respiração pesada e gemidos esganiçados
ecoando.
Me agachei e tateei pelos seus bolsos em busca de
um telefone, qualquer coisa. Uma arma. Eu havia achado
uma arma.
Então eu peguei a pistola. Ela era pesada, e eu não
fazia ideia de como usar, mas eles não precisavam saber.
Antes mesmo que eu pudesse fazer mais alguma
coisa, a porta se abriu e um outro homem entrou por ela.
Eu não sabia quem ele era, mas muitos caras estiveram
por aqui desde que John havia me trazido.
O homem passou seu olhar pelo companheiro caído
ao chão e, em seguida, fitou a mim. Ele não parecia muito
feliz com aquilo. Apontei-lhe a arma, sabendo que talvez
aquele fosse o último movimento que eu fazia em vida.
Mas eu iria morrer de qualquer forma se continuasse ali,
eu não era ingênua. Então eu levaria algum daqueles
idiotas comigo.
— Puta! — vociferou o homem. — Você vai pagar
por... — um barulho de tiros e coisas quebrando cessou
suas palavras. O homem se virou rapidamente, levando a
mão ao coldre de sua calça. — Mas que... — ele não teve
tempo de concluir sua frase quando a porta do quarto
voltou a se abrir em um único impulso, e Derek surgia
dela.
Sua presença imponentemente grande, gritando força,
perigo e ira, ocupava praticamente todo o espaço da
porta. Eu não precisava nem mencionar que ele era
extremamente ameaçador. Ele tinha algo que te arrepiava
e intimidava ao mesmo tempo. Algo que repelia e atraía,
te tornando irracional. O tipo de cara que dizia “não se
aproxime” com apenas um olhar. Eu não sabia se todas as
pessoas se sentiam assim quando estavam perto dele, mas
me perguntei, naquele instante, por que eu não havia
enxergado aquilo no primeiro momento em que nos
conhecemos. Talvez ele fosse como um lobo em pele de
cordeiro. Ou um maldito camaleão revestido numa pele de
camuflagem.
Antes que o homem tivesse mais alguma chance de
fazer seu movimento, uma rajada de balas perfurava o seu
corpo, fazendo-o cair sangrando ao meu lado.
Eu estava assustada. O cara da perna quebrada ainda
gritava no chão, então Derek se aproximou e lhe deu um
tiro em seu peito, calando-o no mesmo instante.
Quando o silêncio tomou conta do ambiente, Derek
veio até mim e agachou-se ao meu lado. Eu sentia tanta
vontade de chorar. Uma gama imensa de sentimentos e
sensações que me varreram por dentro naquele momento a
ponto de me sufocar.
— Faith... — ele parecia tenso ao analisar o meu
estado. — Merda.
Será que eu estava tão ferrada assim? Com certeza eu
estava.
— Eu... — eu tentava dizer, mas o bolo na minha
garganta tornava aquilo bem difícil.
— Está tudo bem agora. Eu vou tirar você daqui.
Aquilo me deixou bem mais contente do que deveria.
Parecia estranho, mas eu me senti protegida perto dele.
Como se nada nem ninguém pudesse me atacar caso
tentasse. Derek se preparou para me pôr de pé, foi quando
vi um homem surgir na porta. John cambaleava e o seu
rosto estava totalmente ensanguentado. Assim que ergueu
a mão, apontando a arma para Derek, eu congelei. Ele iria
atirar em suas costas?
Oh, não!
Derek, percebendo meu olhar, conseguiu se virar, nos
rolando no chão a tempo de o tiro atingir a parede ao seu
lado. John tentou atirar novamente e eu não sei como fiz
aquilo, mas parti para cima dele a tempo de atingir seu
corpo, empurrando-o com força.
Sua arma voou, mas eu não havia conseguido
derrubá-lo.
Enraivecido, ele veio até mim me deu um chute no
estômago. Foi quando eu escutei o grito:
— Você não toca nela, porra! — Derek levantou-se
irado e deu um soco em John. O outro revidou e um
barulho de urros e golpes preencheram os meus ouvidos.
Depois disso, tudo passou como um borrão. Eu só
conseguia ouvir o barulho de murros e rugidos de dor.
Sangue manchava suas roupas, suor grudava em suas
peles. Eu queria tanto fazer algo.
Eu tinha uma arma na mão, afinal.
Então eu apontei para eles. Eu poderia tentar atirar
em John, mas havia uma grande chance de eu atingir Derek
também. E mesmo se eu não o atingisse, eu poderia atirar
em John para matar. Eu nunca havia matado ninguém em
toda a minha vida e realmente não sabia se queria
experimentar a sensação.
Derek rolou para longe de John e eu percebi que foi
para apanhar novamente a sua arma, que a essa altura
havia caído ao chão.
Ele atirou, mas o outro rolou no chão. Os tiros que se
seguiram não o atingiram também. John não se defendia,
ele apenas desviava. Só então eu percebi o que ele estava
fazendo. Ele estava se arrastando para fora. No instante
seguinte, ele saiu correndo. O barulho que escutei em
seguida foi de motor sendo ligado e pneus arranhando o
solo.
Derek correu para fora, mas já era tarde. Ao retornar
para o quarto, ele estava respirando pesadamente. Em seu
rosto havia alguns hematomas, um corte no supercílio. Eu
me odiava por admitir aquilo, mas mesmo assim o
desgraçado conseguia ser irresistivelmente bonito.
Ele recostou-se contra a parede e continuou me
fitando com sua arma na mão. Só então, quando o silêncio
reinou no quarto, eu me dei conta de algo: Derek não
estava ali para me salvar, exatamente. Ele apenas me
queria de volta. Não por um bom motivo, mas porque me
queria morta.
Um grosso nó se formou em minha garganta, e eu
respirei fundo para evitar chorar feito uma menina idiota.
Embora eu estivesse agindo como uma idiota desde o
primeiro momento em que o conheci, convenhamos.
Como eu poderia ser tão tola a ponto de me sentir
protegida diante do homem que deixara explícito com
todas as letras que iria me matar? Que iria tomar a minha
vida por conta de um acerto de contas ridículo, cuja
existência eu nem estivera ciente? Eu era uma merda
solitária e já deveria ter me acostumado com aquilo.
Eu não tinha aliados, eu não tinha pessoas em quem
confiar. Eu não tinha nada.
A raiva se apossou de mim. Ergui a arma em minha
mão, apontando-a em sua direção. Se ele achava que
aquela merda iria terminar fácil, estava muito enganado.
Eu não iria morrer. Não nas mãos de John e muito menos
nas mãos de Derek.
— Você sabe como usar isso? — ele perguntou, ainda
sem se mover.
— Nunca é tarde para aprender — respondi,
firmando a arma na minha mão.
Ele sorriu de lado.
— Eu não acho que seria um bom negócio matar o
cara que está tentando salvar a sua vida.
— Salvar a minha vida agora para me matar depois
não é um bom negócio também — tentei conter os
tremores insistentes que me faziam vacilar. — Me diz por
que você veio até aqui, Derek. Queria me matar
pessoalmente?
— Eu vim ajudar você — ele voltou a dizer, me
surpreendendo ao arrastar as costas pela parede e se
sentar no chão, descansando a arma ao seu lado.
— Eu não confio em você — repliquei.
— Eu não tiro a sua razão — ele estava tão tranquilo
e aquela atitude realmente me irritava pra caramba. Eu
queria o idiota que me ameaçava de volta. O babaca que
dizia coisas horríveis. Seria mais fácil quando eu
disparasse. — Você está fazendo isso errado — aquilo me
tirou de meus pensamentos. — Você deve segurá-la com
os dedos médio e anelar, nunca o mínimo ou o polegar.
Faça força a ponto de sua mão começar a tremer um pouco
e depois relaxe, não completamente. Esse é o ponto certo
de tensão entre sua mão e a arma. Se você for destra, a
mão esquerda tem que dar apoio à direita e não o
contrário. Aconselho que deixe os polegares alinhados
para ter mais precisão.
— Que merda você está fazendo? — eu perguntei,
irritada.
— Estou tornando as coisas mais fáceis para você,
doce Faith — ele disse. — O tal John fugiu e eu dei um
jeito nos outros caras. O único que pode abrir a maldita
boca está preso no meu porta-malas. Sem testemunhas, o
carro possui gasolina suficiente; você pode fugir e chamar
por ajuda. Então, qual vai ser? Vai me matar aqui mesmo?
— Você está duvidando de que eu realmente faça
isso?
Ele sorriu.
— Não, eu não estou.
— Acho bom, pois eu posso muito bem atirar, Derek.
Me diz o que diabos você veio fazer aqui!
— Eu já disse. Vim levar você embora dessa merda.
Aquele idiota merecia uma surra ainda maior por ter
tocado em você.
Certo. Talvez ele realmente estivesse ali para me
salvar, não é? Talvez ele não fosse tão babaca quanto
aparentava.
— Para onde você está me pretendendo me levar? —
perguntei, preparando-me para abaixar a arma.
— Você vai me dar um tiro se eu disser a verdade?
— Depende muito de qual for a resposta.
Ele suspirou, então finalmente respondeu:
— Para a minha casa.
Filho da mãe!
Eu sabia. Eu sabia que ele estaria ali para me levar
de volta. Eu não queria mais ser a prisioneira de ninguém.
Eu não queria mais passar por toda aquela merda. Eu
simplesmente havia cansado.
— Eu cansei dessa merda toda!
Então eu voltei a apontar a arma e atirei.
— Porra! — Derek praguejou, rolando no chão.
— Oh, meu Deus! — a pistola deslizou de minha mão
e eu levei esta última à a boca, finalmente dando-me conta
do que eu havia feito. — Eu atirei em você!
Merda! Aquilo me felicitou e me assustou ao mesmo
tempo. Eu nunca havia atirado em alguém. E se eu o
tivesse matado?
— É! Você atirou, cadela dos infernos — ele
resmungou, furioso.
Espere aí, ele estava me chamando de cadela de
novo?
— Eu vou chutar as suas malditas bolas se você me
chamar de cadela outra vez, idiota — rosnei de volta.
— Ótimo. Por que você não aproveita e atira nelas
também?! — devolveu, aparentemente ainda bravo. —
Inferno, mulher, eu estou tentando te ajudar!
Certo, eu acho que havia extrapolado. Por mais
babaca e doentio que ele fosse, ele salvou a minha vida.
Gemi em frustração. Eu simplesmente não conseguia
compreender Derek!
Eu me arrastei até ele, e foi assim que consegui ter
uma melhor visão da mancha de sangue em sua perna.
Parecia ter pegado de raspão. Menos mal.
— Desculpe — eu disse. — Droga, você me irritou,
me desculpe.
— Me lembre de nunca contrariar você quando
estiver na TPM — ele resmungou. — Você é louca.
Tentei conter uma risada, mas não consegui. Eu
comecei a rir. Então, segundos depois, eu estava
chorando.
Droga de emotividade!
— Foi tão horrível — eu funguei. — Deus, foi tão
horrível.
— Está tudo bem agora — ele murmurou. Eu não sei
em que momento aquilo aconteceu, mas quando dei por
mim, eu estava desesperadamente agarrada à camisa de
Derek, chorando feito uma criança, enquanto ele afagava
as minhas costas. Não parecia mais tão bravo assim. —
Eu vou levar você daqui.
Enrijeci.
— Eu quero ir para casa, Derek. Por favor, me leve
para minha casa. Eu não suporto mais isso.
Ele fez uma pausa, ainda me abraçando. Por tempo
demais, devo ressaltar, mas de uma forma estranha aquilo
não me incomodou. Foi bem agradável, até.
Merda, eu me odiava por achar agradável!
— Nós precisamos conversar, Faith — ele
murmurou. — Nós só vamos conversar, eu prometo.
Me obriguei a assentir e me afastei.
— Você consegue andar? — perguntei ao analisar a
mancha que havia feito em sua perna.
— Consigo — respondeu. — Eu tive sorte por você
ter uma péssima pontaria. O tiro pegou de raspão.
Mordi o lábio, um pouco arrependida pelo que tinha
feito. Um pouco, apenas. Ele mereceu aquilo por ter me
mantido presa durante todos aqueles dias.
Cambaleei ao tentar me levantar, mas ele me
auxiliou, então irrompemos para fora da cabana. Meus pés
vacilavam a cada passo que eu dava. Havia homens
mortos no chão e muito sangue ao redor.
— Foi... — pigarreei quando minha voz falhou. —
Foi você quem fez tudo isso?
— Sim, eu matei todos eles — ele confessou aquilo
com tanta naturalidade que uma camada de gelo subiu pela
minha espinha. — Não olhe desse jeito para eles, Faith.
São bandidos. Torturadores.
Assenti e me obriguei a desviar o olhar.
Finalmente chegamos até o Jeep e ele abriu a porta
do passageiro para mim. Subi no carro e ele se acomodou
ao meu lado logo em seguida.
— Você vai conseguir dirigir com sua perna assim?
— questionei apreensiva.
Ele voltou a me fitar e arqueou uma sobrancelha.
— Arrependida?
Semicerrei meus olhos, me forçando a não olhar mais
para ele. Eu estava apenas preocupada e o bastardo
insistia em tentar me lembrar que fiz besteira. Escutei um
suspiro e Derek se inclinou até o banco traseiro, puxando
algo de lá.
— Eu estou bem, acredite — falou, aparentemente
sentido. Em seguida, me estendeu um moletom preto. —
Vista isso. As suas roupas estão molhadas.
— Obrigada — eu disse, vestindo o casaco e
sentindo o cheiro do seu perfume. Uma mistura de madeira
e canela. Gostei daquilo.
O motor ganhou vida e eu aproveitei o silêncio
dentro do veículo para recostar minha cabeça contra o
vidro da janela. Soltei um suspiro.
Eu só esperava que aquele inferno tivesse realmente
acabado.
16: O Primeiro Toque

Faith

O trajeto de retorno não foi, nem de longe, da forma


que eu pensei. Derek não me levou para sua casa em
primeiro lugar, mas parou em frente a um local deserto, o
qual eu definitivamente não sabia onde era. Ele saiu do
carro. Em seguida, o vi abrir o porta-malas. Só então eu
me dei conta de que ele não estava mentindo quando
dissera ter um cara no porta-malas do seu carro.
Realmente havia um. E um cara que eu conhecia.
— Ei, o que você está fazendo com ele aqui? — eu
perguntei, tratando de sair do carro também.
— O nosso amigo aqui me deu uma forcinha para te
encontrar — ele respondeu, puxando o homem pelo
colarinho. Ele estava com as mãos algemadas e alguma
coisa na boca o amordaçando. Parecia uma camisa. Eu
não sabia ao certo.
— Foi ele quem me tirou da sua casa e me levou até
aquela cabana nojenta — revelei. — Junto com John e
outro cara.
A expressão de Derek mudou de séria para séria e
irritada. Ele guiou seus olhos para o outro homem e eu
senti quando este se encolheu.
— Ora, Ernest, você não havia me mantido a par
deste pequeno detalhe.
Ernest gemeu e balançou a cabeça freneticamente,
como se quisesse dizer algo ou simplesmente negar, mas
ele estava amordaçado e aquilo seria meio difícil.
Derek voltou a me encarar e então abriu um sorriso.
Aquele sorriso diabólico que eu havia aprendido a temer
e odiar, mas, naquele momento, eu sentia que algo
realmente interessante estava por vir.
— Ele machucou você? — questionou.
Mantive-me calada e pensativa por alguns segundos,
me relembrando da forma brusca a qual fui tirada daquele
carro e assenti. Derek voltou a ficar sério, empurrando
Ernest até que ele estivesse frente a frente comigo.
— Ele te machucou muito?
— Não — fui sincera.
— Oh, então ele te machucou um pouco, mas
machucou.
— Sim — continuei.
Derek voltou a sorrir.
— Você gostaria de... revidar?
— O quê? — meu sangue gelou. Ele estava me
propondo torturar aquele homem? — Eu... eu não sei. Eu
não acho que teria coragem de torturá-lo.
— Então me diga algo que você gostaria muito de
fazer com esse idiota agora.
Era sério aquilo? Ele estava me encorajando a me
vingar do bastardo que me sequestrou? Doce menino
Jesus, eu odiava ver pessoas feridas, mas confesso que a
ideia foi tentadoramente doce. Eu abri um sorriso, não
reconhecendo a minha atitude. Talvez aquelas semanas de
convivência com Derek e Holly me fizeram ficar um
pouquinho sádica.
— Estou pensando seriamente no quão agradável
seria se eu esmagasse o saco dele — falei, mais
empolgada do que deveria. — Ou se eu simplesmente
quebrasse o seu nariz.
Ernest arregalou os olhos, tentando se afastar, mas
Derek não permitiu.
— Você é boazinha demais, mas eu gostei da ideia —
ele sorriu. — Então? Você está pronta?
Oh, eu estava. Eu realmente estava muito pronta para
aquilo.
Quando assenti, Derek forçou as pernas de Ernest
mais abertas. O homem grunhiu algo, mas eu estava pouco
me lixando para o que ele dizia. O meu braço ainda doía
por conta dos apertões que eu havia levado e o idiota me
dera um golpe na cabeça. Ele merecia aquilo.
Respirei fundo e me preparei. Em seguida, meu
joelho foi de encontro ao meio das suas pernas.
Ele gritou, curvando-se.
— Nós ainda não terminamos — Derek falou,
mantendo-o ereto. — Agora o nariz, doce Faith. Vamos lá,
nos mostre o que você sabe.
Eu me preparei. Me lembrando que aquilo era
fodidamente errado, mas então eu me lembrei do tonel de
água com gelo. Dos meus cabelos. Do homem nojento me
tocando. De toda a merda que eu havia passado e por mais
que o idiota não tivesse colaborado cem por cento, ele
poderia ter evitado tudo aquilo, mas, mesmo assim, não o
fez. Por que eu deveria ter piedade por ele agora? Com
esse pensamento, acertei o meu punho com força em seu
nariz. Doeu. Doeu pra caramba, mas foi extremamente
prazeroso. Ele voltou a se encolher e eu aproveitei para
lhe socar só mais uma vez, me lembrando que eu havia
ficado sem comida todo aquele tempo e ele merecia um
outro soco só pelo fato.
Derek finalmente soltou o homem e ele caiu no chão,
dobrando-se em posição fetal. Sua respiração estava
acelerada e o rosto sangrava. Removendo a mordaça da
boca de Ernest, ele o arrastou para perto de uma moita de
ervas daninhas e o manteve lá. Voltando para o carro,
abriu a porta e apoiou o antebraço nela.
— Se sente melhor? — perguntou.
Eu não queria admitir aquilo. Merda, eu seria como
ele se confessasse que havia gostado? Mas de qualquer
forma, eu senti como se estivesse tirado um peso das
minhas costas. Tentei prender meus lábios para evitar
sorrir, mas senti a pontada de dor e o maldito sorriso
acabou saindo. Derek provavelmente percebeu a minha
reação e seus lábios se curvaram de leve no momento em
que ele sorriu de volta.
Éramos dois doentes.
— Acabamos por hoje. Entra no carro — ele disse.
— M-mas... o que nós vamos fazer com ele? —
perguntei, apontando para o homem deitado na grama.
Ele deu de ombros e me fitou despreocupadamente,
como se estivesse deixando um monte de roupas velhas no
meio da estrada, em vez de um homem vivo.
— Eu vou ligar para um hospital ou qualquer merda,
e eles o acharão em breve — falou. — Eu só não mato o
idiota agora porque ele tem um filho pequeno para criar.
— Minha nossa... — ironizei — eu me sinto muito
tocada com o quão grande é o seu coração.
Ele voltou a me olhar em silêncio e arqueou a
sobrancelha.
— Falou a garota que acabou de empurrar o joelho
entre as pernas de um cara algemado e ainda quebrou o
seu nariz.
— Eu tive motivos para fazer isso, ok?
— Eu também teria motivos para matar ele, caso o
fizesse — disse. — O bastardo tocou em você.
Aquilo me calou. Senti o calor subir pelas minhas
bochechas e se Derek percebeu, ele não demonstrou.
Parando de me encarar, ele puxou um celular do porta-
luvas e digitou um número qualquer. Após falar com o que
eu imaginei ser a emergência de um hospital, ele desligou
e digitou um outro número.
— Ryan, já estou com Faith. Saia daí imediatamente
e me encontre no endereço que eu te passar. Eu vou te
buscar. — Uma pausa. — Ok.
☆☆☆
O silêncio ainda reinava no instante em que paramos
em frente a uma lanchonete e um homem afro-americano
que eu nunca havia visto na vida abriu a porta traseira do
carro, acomodando-se no banco de trás.
— Caramba, vocês demoraram — disse ele. —
Embora eu não tenha do que reclamar, pois achei o
Andrew um garoto adorável. Nós jogamos vídeo game e
escutamos Miley Cyrus a tarde inteira. Ele acabou
dormindo como um anjo.
— Miley quem? — Derek questionou, confuso.
— Miley Cyrus — repetiu. — Por Deus, Derek, você
nunca assistiu Hannah Montana?
— Não, por quê? Eu deveria?
O outro balançou a cabeça e soltou um suspiro que
demonstrava certa frustração.
— Eu acho que você deveria tentar ser menos idiota
e começar a fazer coisas que pessoas normais fazem. Tipo
assistir séries de TV e escutar canções que realmente
tocam na alma. Não esse Heavy Metal barulhento, repleto
de letras demoníacas.
Derek rolou os olhos.
— As músicas que eu escuto não são demoníacas, e
me desculpe se eu não tenho tempo para perder com
cantoras adolescentes e seus malditos dramas amorosos.
— Aquela situação era bem divertida. Eu tentei segurar
uma risada, mas não consegui. Quando dei por mim,
Derek estava me olhando, o brilho maroto surgindo em
seus olhos verdes. — Do que você está rindo, hein? Por
acaso você concorda com ele? Aposto que você foi do
tipo de garota que escutava Avril Lavigne, deitada em sua
cama cor de rosa, enquanto chorava pela última decepção
amorosa com a cara afundada em um pote de sorvete.
Estreitei meus olhos para ele, decidida a revidar o
seu comentário idiota.
— Um: eu não tive “decepções amorosas” porque era
preciso, no mínimo, eu ter tido um namorado decente na
minha adolescência para isso — retruquei, fazendo aspas
com os dedos. — Dois: a minha cor favorita é azul e, três:
embora eu não tenha nada contra a Avril Lavigne e suas
músicas, prefiro escutar Bee Gees, Oasis ou U2. Rock que
toca na alma, não esse seu Heavy Metal barulhento,
repleto de letras demoníacas.
Eu me preparei para o momento em que ele fosse
retrucar ou demonstrar irritação, mas seu sorriso se
alargou ainda mais e ele passou a língua sobre o lábio
inferior. Foi um gesto inocente, ao menos para ele, porque
aquilo causou efeitos totalmente contrários em mim. Santo
inferno.
— Eu gostei dela — seu amigo quebrou o silêncio,
abrindo-me um sorriso grande. Ele tinha dentes bonitos e
parecia ser muito alegre também. Tão diferente de Derek.
— Não me leve a mal, Derek, mas você está um lixo. O
que diabos aconteceu com você?
— Eu levei uns socos, Faith me deu um tiro na coxa.
Nada de mais, sabe?
O desconhecido arregalou os olhos e sua expressão
mudou de preocupada para divertida, então ele irrompeu
em uma gargalhada.
— Um tiro? Caramba, eu definitivamente gostei
muito dela — ele ainda ria quando voltou a olhar para
mim. — E a propósito... olá, menina Faith. Provavelmente
você não me conhece, mas seja bem-vinda de volta.
— Obrigada... — falei, abrindo-lhe um sorriso em
retorno e tentando me lembrar o seu nome. Foi quando
Derek veio ao meu socorro:
— Ryan — ele disse. — Ele é um amigo.
— Seu melhor e único amigo — ressaltou o outro.
— Meu melhor e único amigo que, por sinal, é um
grande babaca sentimental — revidou, mas eu vi algo
como um pequeno sorriso alcançar os seus lábios. Eu
gostava quando ele sorria, pois era um momento raro.
Acabei sorrindo com eles.
O resto do caminho foi um pouco tenso para mim. Eu
não iria mentir e dizer que fiquei totalmente feliz no
momento em que ele estacionou o carro em frente à
fachada bonita, porém peculiar da casa. Eu realmente não
estava muito feliz em estar de volta ali.
Naquele momento, eu pude analisar melhor o lugar.
Ao nosso redor era repleto de árvores bem podadas e uma
belíssima Rododendro enfeitava o lado de fora. Plátanos
com suas folhas amareladas dando uma áurea de lar
normal e aconchegante ao lugar. Era noite e não estava tão
perceptível assim, mas era impossível não notar a sua
beleza. Eu já imaginava como as coisas seriam no Outono:
as folhas alaranjadas cobrindo o chão, a vastidão de
aromas e cores. Daria até para colocar uma mesa na
pequena varanda com a finalidade de tomar um chá ou ler
um livro protegidos do vento da estação. Sacudi a cabeça,
reconhecendo que aquele era um pensamento
extremamente estúpido pelo simples fato de a casa ser de
Derek e pessoas como Derek não liam livros na varanda
apreciando a brisa do outono. Pessoas como Derek eram...
selvagens demais para isso.
A porta da frente se abriu no momento em que Derek
destrancou e percebi que a fechadura havia sido
recentemente trocada, assim como a decoração da casa,
que agora não possuía muito além do sofá, algumas
poltronas e um tapete grande.
— Vamos lá pra cima — ele falou. — Depois nós
conversaremos.
Assenti e fui guiada até o andar superior. Enrijeci ao
avistar o quarto que eu havia usado, mas antes que eu
tivesse um outro ataque e tentasse lhe apontar uma arma
novamente, Derek me guiou até o seu próprio quarto.
Passei os olhos pelo local e percebi que ele havia
arrumado toda a bagunça que eu fizera. Bastou um olhar
para perceber que ele sabia sobre o que eu estava
pensando. Ele não disse nada, embora.
Apontando com o queixo na direção do banheiro, ele
me guiou até lá. Eu segui seus comandos, calada. Percebi
que o banheiro era bem maior do que o “meu” e possuía
uma banheira também. Ele ligou a torneira da banheira.
Quando ficou cheia o suficiente, ele abriu um pote de sais
de banho e jogou um pouco nela.
Sem uma palavra, eu fitava a imensa banheira,
sentindo que realmente precisava de um banho. Nunca
senti tanta vontade disso em toda a minha vida.
— Você pode tomar banho agora. Eu vou cuidar dos
seus ferimentos depois.
— Obrigada — eu disse, finalmente olhando para
ele.
Uma eternidade pareceu se passar enquanto ele me
observava em silêncio até que, em uma atitude que me
surpreendeu, ele ergueu a sua mão e tocou a ferida no meu
lábio. Gemi com seu toque e Derek se afastou um pouco
de mim, ainda observando-me atentamente. Os arranhões e
hematomas que adquiri não haviam sido tratados, mas eu
sabia que seriam futuramente. Era meio estranho ele
cuidando de mim, mas eu não podia recusar. Estava no
meu limite.
Ele deu um suspiro e voltou a subir a mão, tocando-
me mais uma vez. Minha respiração se acelerou com a
leve dor repentina em minha pele sensível e algo a mais
que eu ainda não conseguia definir. Baixei os olhos e me
arrependi ao me deparar com os músculos rígidos
evidentes em seu peito grande, assim como os seus braços
e coxas. Me perguntei por um momento se ele tinha tempo
para malhar ou algo do tipo, pois apesar de ele passar a
maior parte do dia fora, não dava nenhum indício que
ocupava esse tempo em uma academia. Bom, mas ele
dissera ter sido lutador no passado. Talvez tenha sido
isso.
Sua mão escorreu para meu queixo e ele ergueu a
minha cabeça lentamente, meio relutante e,
instintivamente, quase recuei quando ele tocou a minha
face. Ela provavelmente estava horrível e inchada, pois
estava dolorida.
Quando Derek passou o polegar por minha bochecha,
tive uma vontade repentina de chorar. Seu dedo desceu um
pouco mais e tocou o meu lábio inferior, mas com cuidado
suficiente para não machucar o corte.
Seus olhos não se desviaram dos meus em nenhum
momento.
— O que eles fizeram com você, Faith? — um
sussurro.
Não foi exatamente uma pergunta. Saiu mais como se
ele estivesse conversando consigo mesmo. Eu não disse
uma palavra, no entanto. Quebrando o contato, ele deu a
volta, indo em direção à beirada da banheira e testou a
temperatura da água. Instantes depois, estava me fitando.
— Tire a roupa.
Estaquei de imediato. Mas diferente da outra vez em
que criei problemas para tomar banho, ele não demonstrou
irritação. Apenas suspirou e refez a frase:
— Você precisa se lavar, Faith.
Sem mais uma única palavra, sua mão desceu até a
bainha do casaco que eu usava e ele continuou me
olhando, pedindo uma permissão silenciosa. Eu deveria
ter negado. Deveria tê-lo mandado ir embora e me
deixado em paz. Mas eu simplesmente ergui meus braços,
sem saber ao certo por que estava fazendo aquilo. Talvez
porque eu não quisesse ficar sozinha. Talvez porque o seu
toque, tão suave, me confortava de alguma maneira.
Derek tirou o casaco e, em seguida, a minha blusa.
Agachou para abrir os botões da minha calça, descendo
pelas minhas pernas. Apenas de calcinha e sutiã diante
dele, eu me encolhi. Ele se virou para atirar minhas
roupas no chão e eu aproveitei a deixa para me enfiar na
banheira, ainda com minha lingerie. Praticamente gemi de
alívio ao sentir a água agradavelmente morna lamber a
minha carne.
Um tempo depois, senti seu movimento em minha
direção. Com um frasco de shampoo, ele veio até mim e
derramou um pouco do produto em sua mão. Foi somente
ao sentir seu toque nas mechas do meu cabelo, que eu
voltei a me lembrar que meus longos cachos loiros se
foram. Eles haviam os cortado até os ombros. Mordi o
lábio para evitar chorar, mas dessa vez eu não consegui
segurar. Abracei os meus joelhos e comecei a soluçar.
Derek começou a ensaboar os meus cabelos e eu resisti a
vontade de me afastar. Eu não queria que me vissem
assim.
— Eu costumava lavar os cabelos da minha mãe
quando era pequeno — comentou, do nada. Eu olhei para
ele de canto de olho e ele não parecia estar zombando ou
algo do tipo. Era realmente uma lembrança. — Sempre
que ela não tinha forças o suficiente para fazer por si
mesma.
— E quando isso acontecia? — eu perguntei, minha
voz rouca.
Ele não falou nada de imediato. Imaginei que talvez
tivesse tocando em um assunto extremamente doloroso,
mas então Derek respondeu:
— Quando o meu pai não tinha paciência para
segurar as suas próprias merdas.
Aquilo me fez sentir compaixão por ele, e eu quase
podia imaginar a cena: um menino pequeno e indefeso
cuidando da própria mãe talvez tão indefesa quanto ele.
Eu não tive uma infância muito diferente da dele. Embora
eu imaginasse que os nossos mundos fossem
completamente opostos quando éramos pequenos, Derek
passou por muita coisa parecida com o que eu passei.
Percebendo que eu não ia dizer mais nada, ele não
insistiu. Se levantou e apenas se afastou. Eu imaginei que
ele tivesse me deixado para tomar o meu banho sozinha,
mas me surpreendi quando percebi que ele retornava,
dando-me conta também de que Derek carregava uma
tesoura.
— O que você vai fazer? — questionei.
— Não me questione, Faith, apenas pare de chorar.
Eu não conseguia parar de chorar, mas eu tentei. Eu
não confiava nele. Não para lhe dar as costas depois de
ter lhe dado um tiro.
No entanto, ele estava tão... diferente naquela noite
que eu apenas tentei fingir que estava tudo bem. Que ele
não era o maior idiota da face da Terra e que eu não
estava marcada para morrer. Eu apenas voltei a me virar e
apoiei as costas contra a borda da maldita banheira.
Senti suas mãos nos meus cabelos e momentos depois
o objeto prateado brilhou. Ele estava cortando os meus
cabelos. Instintivamente, tentei me levantar, mas ele impôs
força nos meus ombros e eu tive que voltar à posição
inicial.
— Eu sei o que estou fazendo. Confie em mim ao
menos uma vez.
Eu não sabia se estava preparada para confiar nele,
mas eu permiti. Eu permiti que ele fizesse seja lá o que
ele pretendia fazer. Seu toque era quase doloroso. As
lembranças eram dolorosas. Tudo me doía.
Voltei a fungar e senti Derek suspirando atrás de mim.
Eu não sabia se era de irritação ou qualquer outra coisa
parecida, mas quando ouvi sua voz, percebi que não era
esse o caso.
— Eu não gosto de ver você chorar, pare com isso.
Me obriguei a parar com os pequenos soluços. Após
um tempo, senti Derek passar a água nas minhas costas
para tirar o resíduo de cabelos e se afastou.
Mas diferente da primeira vez em que o fez, ele não
retornou.
Me enfiei ainda mais na água, tentando não pensar no
fato do quão mais fácil seria se eu finalmente morresse
afogada naquela banheira. Mas eu não lutei para chegar
até ali e morrer de forma tão estúpida. Então eu apenas
terminei o meu banho e me enrolei em um roupão limpo
que encontrei pendurado.
Quando saí do banheiro, Derek estava no quarto.
— Se sente melhor?
— Ainda estou dolorida, se é o que quer saber.
— Você vai ficar bem — garantiu. — Agora vire-se.
Eu não entendi de imediato o porquê daquilo, mas
percebi, no instante seguinte, que ele queria que eu me
virasse em direção ao espelho na porta aberta do seu
armário. Eu vi meu reflexo no espelho e me controlei para
não voltar a chorar — coisa da qual já estava virando uma
espécie de vício naquela noite. Não de tristeza ou perda,
afinal o cabelo cresceria novamente, mas o que eu vi me
deixou ainda mais confusa. Ele havia consertado o corte.
Meus cabelos agora iam um pouco abaixo do queixo, mas
ao menos estavam alinhados. Aquele pequeno gesto me
fez odiá-lo menos, e odiá-lo menos era algo que eu não
podia deixar que acontecesse. Não mesmo.
Derek apareceu na minha frente, passou a mão pelos
meus cabelos e sorriu.
— Você está bonita.
Abracei o meu corpo, sentindo-me estranha.
— Você não precisa mentir pra mim só para fazer eu
me sentir melhor, Derek.
O sorriso dele desapareceu no mesmo instante.
— Eu nunca menti pra você, Faith.
— Claro! — aquilo me irritou. Ironia escorria das
minhas palavras. — Eu acho que contar um monte de
coisas bonitas e legais para uma garota que você encontra
no supermercado quando você é um idiota assassino que
está tentando sequestrá-la não consta como mentira pra
você, não é?
— Eu não menti quando disse todas aquelas coisas
sobre mim. Omiti, claro, o fato de que planejava fazer o
que fiz, mas eu não menti em nenhum momento.
Obriguei-me a ficar calada. Até mesmo no momento
em que ele dissera que assassinava pessoas, por incrível
que pareça, ele não havia mentido. Nem tampouco negado.
Me perguntei se os sorrisos e os toques gentis também
foram falsos. Com certeza eram. Todos eles.
— Quão bonita você acha que eu estou? — perguntei,
me chutando internamente logo em seguida. Eu não
deveria ter dito aquilo. Que idiota.
Ele sorriu e voltou a passar a mão no meu cabelo. Eu
praticamente inclinei a cabeça em direção ao seu toque.
Aquilo era perigoso. Perigoso demais.
— Bonita do tipo que me faria te convidar para o
baile de formatura da escola.
Agora foi a minha vez de sorrir. Ele era tão confuso
às vezes.
— Aposto que a garota que você convidou não era
nem de longe parecida comigo — falei, imaginando que
ele realmente tivesse muitas meninas caindo aos seus pés
durante a adolescência. Ele parecia ser esse tipo de cara.
— Não — ele disse, ainda sorrindo um pouco. — Eu
nunca as convidei, porque elas nunca me interessaram o
suficiente.
Senti minhas bochechas queimarem outra vez. Mas
que diabos! Ele era bom em me fazer corar. Ele era bom
em me fazer sentir coisas estranhas. Eu definitivamente o
odiava por isso.
— Vem, eu vou tratar do seu corte — timing
perfeito! Pensei, suspirando aliviada por finalmente
estarmos mudando de assunto.
Mas eu não deveria ser tão ingênua a tal ponto.
Talvez aquela decisão tenha sido um dos meus maiores
erros naquela noite. Percebi isso no momento em que me
sentei na cama e Derek se agachou à minha frente. Seu
rosto estava muito próximo do meu, o seu peito muito
perto também. Tudo muito próximo, tudo muito quente.
Estremeci quando seu dedo tocou novamente o meu lábio
— havia um algodão com alguma coisa ensopada nele. Em
seguida, ele passou uma espécie de pomada e abaixou a
mão.
— Você tem mais algum corte ou ferimento?
— Não — neguei. — Apenas a dor nos pulsos e nas
costelas, por conta do golpe que levei.
Ele trincou os dentes, provavelmente incomodado.
Em seguida, inclinou a cabeça para verificar as marcas
avermelhadas em meu pulso.
— Eu vou te dar um analgésico. Você vai ficar
melhor.
Naquele momento eu queria apenas tomar um
remédio e dormir. Dormir até que todo aquele inferno
fosse esquecido. O rosto de Derek ainda estava muito
próximo do meu e eu voltei a me lembrar dos cortes que
ele também possuía. Agindo irracionalmente pela vez das
quais eu havia perdido as contas naquela noite, eu ergui a
minha mão e toquei a sua sobrancelha. Por incrível que
pareça, ele permitiu. Seus olhos não saiam do meu rosto e
eu percebi que ele possuía um tom curioso de verde
escuro, com pintinhas douradas. Eu não sabia definir ao
certo a cor deles, mas por mais clichê que fosse aquela
observação, seus olhos eram os mais lindos que eu já
havia visto.
— Você também está ferido — eu disse.
— Um pouco — respondeu como se já estivesse
passado por aquilo diversas vezes e realmente não fosse
nada.
— Você quer que eu cuide disso pra você? —
perguntei.
Mais um sorriso surgiu em seus lábios. Eu podia
contar quantas vezes ele havia feito aquilo na mesma
noite, mas eu gostaria de perder as malditas contas. Eu
gostaria de ter mais daquilo sempre que fosse possível.
— Você me dá um tiro e depois se oferece para
cuidar de mim — brincou. — Estou impressionado.
Não deixei de sorrir de volta.
— Talvez eu queira me redimir.
Por um instante muito longo ele apenas me encarou
em silêncio. Então eu senti, em algum momento, sua mão
subir pela minha panturrilha. Foi uma carícia pequena que
não deveria disparar a corrente de ondas elétricas pelo
meu corpo. Fazia tanto tempo que eu não tinha um contato
assim com alguém. Não um contato íntimo entre homem e
mulher, mas uma carícia por menor que fosse. Um toque.
Algo que me fizesse sentir que eu estava segura. A última
vez em que isso aconteceu, a minha mãe ainda estava
viva.
Derek recostou sua testa na minha e sua mão subiu um
pouco mais, apertando o meu joelho. Eu fechei os meus
olhos, sentido sua respiração quente fazendo minha pele
arrepiar, ansiando que ele chegasse nem que fosse um
pouco mais perto. Eu não sabia exatamente o que eu
queria, mas definitivamente eu não queria ele tão longe. E
então ele deslocou um pouco mais o seu rosto. Sua barba
rala arranhava de leve a pele do meu pescoço, conforme
ele enterrava o seu nariz na curva entre aquele ponto e o
meu ombro. Eu havia acabado de tomar banho e
provavelmente o único cheiro proveniente seria o de sais
de banho, mas era como se ele sentisse algo a mais. Um
cheiro só meu, talvez? Eu não sabia se ele conseguia
sentir aquilo, mas mesmo estando suado, sujo e sangrando,
ele tinha um cheiro que era somente dele. Ele cheirava
bem. Tão malditamente bem.
Eu não deveria ter percebido aquilo. Eu não deveria
ter gostado daquilo. Eu não deveria ter fechado ainda
mais os meus olhos enquanto ele escorregava seus lábios
agora pelo meu pescoço, mandíbula e para o canto da
minha boca. Eu deveria afastá-lo. Eu não deveria estar
levando a mão até seu pescoço e definitivamente não
deveria acariciar os cabelos curtos em sua nuca. Mas algo
que eu não deveria realmente ter feito foi abrir os olhos.
Aquilo foi a minha perdição.
Eu já havia visto Derek bravo, Derek sarcástico e até
mesmo o Derek preocupado. Mas jamais eu havia visto
aquilo antes. E de uma forma ou de outra aquilo me
assustou como o inferno. Era como se ele quisesse que eu
o lesse apenas com um olhar. Mas eu estava enganada, não
estava? Eu ainda era sua possível vítima e ele um
assassino em potencial. Sua mão subiu para a minha coxa
agora, mas parou ali. Eu estava nua por baixo do roupão e
de certa forma eu percebi que ele estava respeitando os
limites. Para ser sincera, eu não sabia nem que tínhamos
um limite até aquele momento. Realmente não deveria
haver a necessidade de um, afinal, nós não deveríamos
estar fazendo aquilo. Parecia ser algo muito inocente, mas
era perigoso, eu sentia. Talvez ele sentisse também,
porque ele não aproximou um milímetro a mais sequer.
Ele apenas suspirou quando minha palma trocou de
posição para alisar sua barba rala. Ele também tocou o
meu rosto, desenhando de leve com o polegar o contorno
do meu lábio inferior e aquilo foi estranhamente doce. Foi
confuso. Foi bom. Foi necessário. Será que seria muito
perigoso se eu me aproximasse apenas um pouco mais?
Respirei fundo, preparando a minha mente para
realmente funcionar e agir coerentemente, mas não foi
necessário, pois a conexão se quebrou quando um
pigarreio fora escutado no quarto. Nos viramos para
encarar Ryan que aparecia com uma bandeja nas mãos.
— Vocês... hã... eu... err — ele gaguejou. — Eu
deveria ter batido antes?
— Huh... não, você pode entrar a hora que quiser —
eu disse sentindo-me nervosa de repente. Derek se afastou
e se levantou, deixando-me com um sentimento ridículo de
vazio. — O quarto não é meu.
— Bom, eu imaginei que você estivesse com fome e
preparei uma sopa — Ryan voltou a dizer.
— Obrigada — respondi. — Eu só... só preciso
vestir uma roupa e... — olhei do homem para Derek,
crendo que eles haviam entendido a mensagem, pois
Derek logo se adiantou:
— Claro. Nós vamos aguardar lá embaixo — ele
voltou a me olhar. — Você pode comer na sala de jantar,
se quiser.
— Eu já me acostumei a fazer as minhas refeições no
quarto — respondi. — Eu já vou descer.
— Ok. Demore o tempo que precisar. Estaremos no
andar de baixo.
Ryan pôs a bandeja no móvel ao lado da cama e
voltou para a porta. Derek ainda me olhava daquela forma
estranha e antes que mais algo embaraçoso se desse entre
nós, ele me deixou.
17: Problemas Ocultos

Derek

— O que foi aquilo? — Ryan me questionou. Ele


encontrava-se empoleirado em uma das poltronas escuras
da sala, enquanto eu ocupava um lugar no sofá. Já se
passaram alguns minutos desde que descemos e eu estava
agradecendo internamente ao silêncio que reinou no
momento em que alcançamos o andar inferior. No entanto,
eu já desconfiava que o bastardo não iria deixar passar
seja lá o que diabos ele tenha presenciado no meu quarto.
Eu ainda não sabia nomear aquilo.
— Não sei do que você está falando — respondi,
soando o mais tranquilo que pude.
Percebendo minha resposta evasiva, Ryan semicerrou
os olhos e inclinou a cabeça.
— Sério, Derek? — era como se ele estivesse me
perguntando se eu seria cara de pau a tal ponto. Bom,
dane-se. Eu realmente era.
Eu não disse uma palavra, persistindo com a ideia de
não ir por aquele rumo e finalmente Ryan pareceu ter se
tocado, pois espelhou a minha atitude. Apesar de ser meio
inconveniente às vezes, ele sabia exatamente quando não
tratar sobre determinados assuntos, e aquele,
definitivamente, não era um tema que eu queria abordar
com demais pessoas. Contudo, por mais que eu fosse um
cara reservado, o verdadeiro motivo para todo o meu
retraimento era porque eu não tinha uma resposta decente
para a maldita pergunta. Eu não tinha respostas para
muitas perguntas as quais eu mesmo me fazia naquele
exato momento. Que diabos! Eu sentia que a minha cabeça
estava prestes a explodir. Apenas o fato de Faith ocupar
grande parte daqueles malditos pensamentos me deixava
com uma vontade imensa de ter o meu teimoso cérebro
rendido a um profundo descanso. Eu não podia nem
sequer me permitir a continuar naquele rumo, refém das
ideias fodidas que permeavam a minha mente, pois, por
mais que a garota fosse doce, sexy e completamente
diferente de Marcel, Faith ainda tinha e sempre teria
escorrendo em suas veias o sangue do homem que tirou a
vida da minha namorada e de quebra quase me assassina.
Faith era roubada. Uma roubada das grandes.
— Deixa pra lá — Ryan resmungou, tratando de
mudar completamente de assunto: — O que você pretende
fazer agora? Digo, com toda essa confusão, as coisas
mudaram, e muito.
— Eu não faço a menor ideia — exprimi minha
sinceridade, passando as mãos sobre o rosto.
Pela primeira vez em anos, eu me via sem saber o
que diabos fazer. Eu sempre tivera meus planos
organizados; minhas metas a serem alcançadas,
conquistadas com maestria; e eu conseguia facilmente me
livrar de enrascadas e aniquilar os mais sérios problemas.
Desde que Samantha se fora, eu aprendi a lidar com as
minhas merdas sozinho, a tomar decisões que
beneficiariam somente a mim, sem me preocupar muito
com as demais pessoas. Mas isso mudou drasticamente,
percebi, desde que Faith entrou em minha vida. Desde que
eu a forcei a entrar nela, para ser mais exato. A garota era
como uma maldita bomba relógio prestes a explodir a
qualquer momento e me fazia agir irracionalmente a cada
segundo. Eu queria matá-la e protegê-la. Eu queria
arrancar o seu pescoço por ser tão ingênua em torno das
outras pessoas e, no momento seguinte, eu queria colocá-
la em uma redoma de prata e não permitir que ninguém se
aproximasse. Eu queria destruí-la, esganá-la e curvá-la.
Mas eu também queria tê-la debaixo de mim, ou por cima
— eu não me importava de fato com a posição, desde que
eu pudesse garantir que ela estaria gemendo o meu nome.
Eu gostava da forma como meu nome soava quando saía
de sua boca e — porra — eu também tinha uma grande
desconfiança de que estava ficando louco. Era a única
explicação aceitável.
— Você sabe que aqueles caras, seja lá o que
estiverem planejando, não irão desistir tão fácil, não é?
— Ryan me despertou dos pensamentos mais que insanos
e eu me forcei a prestar atenção no que ele dizia. — Pelo
que entendi, você matou boa parte dos seus homens, tirou
a garota de lá e ainda por cima deixou um deles fugir. Isso
complica as coisas, Derek. Isso muda completamente o
rumo de toda essa história.
— Sim, Ryan, eu sei — falei. — Mas convenhamos
que por mais que as coisas estejam mudadas agora, eu não
posso tomar nenhuma providência antes de descobrir o
que diabos está acontecendo aqui.
— Eu concordo com você — disse ele. — Só não a
deixe desamparada em uma situação como essas, Derek.
O irmão é um bastardo e, pelo que ouvi você contar, ela
mal consegue suportar o peso de uma pistola.
Eu quase sorri, relembrando da cena de Faith
apontando a maldita arma para mim, mesmo sem fazer
ideia de como usá-la. Ela era uma garota corajosa e eu
gostava daquilo nela.
— Eu sou um homem e não um moleque covarde —
garanti. — Você pode achar que eu sou um assassino,
doente mental e insensível; afinal, eu posso ser tudo isso
mesmo, mas a última coisa que eu faria nesse momento
seria deixar Faith desamparada.
Ele ia abrir a boca para expressar sua opinião, mas
parou imediatamente virando a cabeça na direção das
escadas. Avistamos Faith descer lentamente e uma
sensação estranha de ódio se apoderou de mim. Ela mal
conseguia dar um passo à frente sem fazer uma careta de
dor. Aqueles filhos da puta realmente extrapolaram e por
um momento eu desejei que ainda estivessem vivos,
apenas para ter o prazer de matá-los uma outra vez.
Percebi também que ela usava o moletom que eu
havia lhe oferecido. Ele praticamente engolia todo o seu
corpo, caindo até as coxas cobertas por um par de calças
legging pretas, e mesmo assim ela conseguia ser quente
como o inferno. Porra, eu era doente por achar a garota
sexy apenas pelo fato de ela estar usando o meu maldito
moletom? Eu não sabia, mas eu também não era nenhum
cego e mesmo com aquele lábio cortado, a pele pálida e
os cabelos curtos ela conseguia ser gostosa.
Ryan se ergueu da poltrona em que estava e ofereceu
um sorriso para Faith, cedendo-lhe o assento. Ela sorriu
levemente de volta e sentou-se diante de mim. Nossos
olhares duelaram por alguns instantes até ela finalmente
resolver falar:
— Bom, em primeiro lugar, o jantar estava ótimo.
Muito obrigada — ela olhou para Ryan e, em seguida, me
encarou. — E eu também gostaria muito de saber o porquê
de estarmos aqui.
— Eu compreendo que você passou por maus
bocados nessa casa e que este seja o último lugar no qual
você desejaria estar, Faith — eu disse —, mas eu preciso
realmente que você colabore e nos deixe a par a respeito
de tudo o que aconteceu naquele local.
— Pra que isso agora? — Indagou-me. Senti uma
leve alteração em seu tom de voz. — Por que não me
deixa ir para casa, Derek? Já não basta tudo pelo que tive
que passar?
— Acalme-se, Faith. Nós precisamos, antes de tudo,
conversar.
Aquilo pareceu enfurecê-la ainda mais.
— Me acalmar? Eu quase fui assassinada e você
pede para que eu me acalme? Eu posso ter achado
aceitável essa ideia de vir para cá antes, mas agora eu me
dei conta de que a única coisa que eu quero realmente é
deitar numa cama e dormir tranquilamente sem o medo de
que a qualquer momento alguém vá invadir o meu quarto e
meter uma bala na minha testa porque decidiu que esse era
o momento certo de eu morrer — despejou. — Eu não
entendo essa sua insistência em me manter aqui, mas faz
semanas que eu venho pagando por pecados que eu nem
sequer cometi, Derek; se ainda não percebeu, deixe-me
lhe deixar ciente de que você está acabando com a porra
da minha vida.
Ok, essa merda doeu. Não deveria, no entanto doeu.
Eu estava tentando ajudá-la e era dessa forma que ela
interpretava a minha atitude? Como uma forma de mantê-
la naquele lugar para finalizar o que eu havia começado?
Ela ainda estava muito magoada com o que eu fiz, eu
compreendia, mas já era para Faith ter se dado conta que
toda a situação havia mudado e eu só estava fazendo
aquilo para protegê-la. Por mais que eu não devesse e
não compreendesse a necessidade disso.
— E tudo isso vai piorar caso você não colabore —
fitei-a sério.
Faith apenas me olhou por extensos segundos,
completamente calada. Era mais que evidente que o
momento embaraçosamente estranho de um tempo atrás
havia morrido. Voltamos para o ponto inicial e era melhor
assim. Eu pensava melhor quando não tinha as mãos
macias de Faith tocando o meu rosto. Nem quando eu
sentia o seu maldito cheiro. Eu não deveria ficar tão
obcecado por conta do seu cheiro.
— O que você está querendo dizer com isso? — ela
perguntou.
— Estou querendo dizer que você foi presa e
torturada por homens muito perigosos, Faith. Homens da
polícia que, a propósito, estão envolvidos com o seu
irmão. E se você não me disser o que está havendo, eu não
poderei te ajudar.
— Você quer me ajudar? — ela parecia incrédula. —
E eu posso saber o porquê?
— Isso não vem ao caso agora — falei. — Apenas
me responda: o que aqueles homens queriam?
— Eu... eu não sei.
Olhei para Ryan e depois voltei a fitar Faith, tentando
descobrir se ela estava blefando, mas a sinceridade
estampada no seu olhar me comprovou que realmente
estava sendo sincera. O que era um mal sinal, tendo em
vista que o único que poderia desembuchar além da
própria Faith era o tal John Wallace que fugiu sem deixar
sinal... e, bem, Ernest que ostentava um nariz quebrado em
algum pronto-socorro. Sinceramente, não estava muito a
fim de invadir um hospital para interrogar um cara. Nós
precisávamos trabalhar aquilo com as armas que
possuíamos, e assim seria.
— Tem certeza? — insisti. — Você não se lembra de
nada que tenha feito ou comentado a respeito do seu
irmão?
— Não, caramba. Se você ainda não percebeu, eu
sou meio que um alvo fácil para atrair maníacos com sede
de sangue que me sequestram a troco de nada.
— Certo — Ryan manifestou-se. — Isso não está
ajudando. Bom, nós poderíamos começar pelo jeito fácil,
ok? Diga-nos como foi que tudo aconteceu, Faith. Desde o
momento em que te encontraram até momento em que te
levaram.
Ela encolheu-se um pouco, talvez temerosa a respeito
de uma possível reação negativa minha quando
confessasse que anarquizou setenta por centro do meu
armário, mas logo respondeu o que já sabíamos:
— Eu consegui invadir o quarto de Derek e encontrei
o meu celular onde ele havia escondido — disse. —
Liguei para a polícia e pedi por ajuda, foi quando meu
celular descarregou e eu dei de cara com Holly que
acabou aparecendo na hora e me ameaçou. Ela estava
prestes a me matar no momento em que eles chegaram.
Merda, Holly iria matá-la?
— Certo. E depois, o que eles fizeram?
— Eu não sei ao certo, porque não vi, mas presumo
que Holly tentou trocar tiros com eles e acabou perdendo
— respirou fundo. — Em seguida, eles vieram até mim e
disseram que iriam cuidar de mim, que iriam me levar
para casa e que eu estava protegida. Mas quando percebi,
já era tarde demais e eles estavam me levando para
aquela casa suja. Bom... o resto vocês sabem — ela
mordeu o lábio e baixou a cabeça.
— Você não lembra de nada que eles tenham dito? —
continuei por Ryan. — Algo que indicasse o real motivo
de terem levado você justamente para aquele local?
Ela enrugou o cenho, como se tentasse puxar da
memória.
— Não... eu... — pausou. — Espere... eles disseram
algo.
— E o que foi?
— Eles me perguntavam o tempo todo a respeito de
um tal pen drive. Queriam que eu confessasse tudo, que
dissesse onde estava, mas eu não sabia — ela apertou os
olhos com força, provavelmente relembrando a cena. —
Deus, eu não sei de nada.
— Então é isso... — murmurou Ryan. — Eles estão
em busca de um maldito pen drive que, por algum motivo
louco, acham estar sob o domínio da Faith. Essa merda
ainda está muito confusa.
— Sim, está. — virei-me para Faith. — Você
realmente não sabe de pen drive algum? Pense, Faith.
Algum objeto que você tenha comprado, achado ou até
mesmo ganhado de presente?
Ela manteve-se inerte por alguns instantes. Seus
dedos estavam brancos e notei quando, ainda com a
respiração tensa, ela deslizou a mão para o pescoço e
tocou a delicada gargantilha que mantinha presa ali.
— O único presente que eu ganhei ultimamente foi
essa correntinha do meu irmão. E ela não me parece
exatamente como um...
— Como é? — Ryan exclamou, interrompendo a sua
frase. — Você ganhou essa gargantilha do seu irmão?
Faith anuiu, nervosa, e Ryan se virou para mim.
— Você está pensando no mesmo que eu?
Sim, provavelmente eu estava. Eu já sabia que aquele
cretino do Marcel estava envolvido naquilo, mas não
imaginava que ele fosse incluir Faith na história de
propósito. E algo me dizia que aquela merda era um
problema dos grandes.
— Faith, será que nós poderíamos avaliar a
gargantilha? — Ryan questionou.
Mesmo sem entender nada, ela lutou para remover a
joia de seu pescoço e estendeu a Ryan. Ele analisou a
peça, onde havia um pingente em formato de borboleta.
Depois de mais alguns minutos quebrando a cabeça, ele
finalmente abriu as pequenas asas e o que encontramos
não nos deixou menos surpresos.
Bem no corpo do objeto havia um minúsculo
dispositivo USB.
Faith arregalou os olhos, surpresa ao concretizar que
realmente tinha algo ali.
— Eu não sei se fico feliz ou apreensivo por termos
descoberto esta merda — Ryan disse, entregando-me o
objeto, seus músculos tensos.
— Qual o problema? — Faith questionou, sua voz
vacilava um pouco. — É só um aparelho eletrônico,
afinal, certo?
— O real problema está no que pode conter dentro
dele, querida — Ryan murmurou.
— Bom, se é um problema ou não, nós iremos saber
em breve — resmunguei. — Vamos descobrir de uma vez
por todas o que há nessa maldita coisa.
Faith

Eu sentia os meus músculos enrijecidos. Cada fibra


do meu corpo parecia carregar o peso da tensão. Observei
calada enquanto Derek se retirava da sala. Ele retornou,
momentos depois, portando um laptop. Ryan prostrou-se
ao seu lado, conforme aguardávamos o início de todo o
processo.
Várias perguntas ocupavam a minha mente. Marcel
realmente tivera a infeliz ideia de me dar um pen drive
embutido naquele pingente? Derek, de fato, desejava me
ajudar? E se ele estivesse sendo sincero quanto ao que
havia dito, por que estava fazendo aquilo? Era mais que
evidente que Derek não gostava de mim, principalmente
tendo em vista de quem eu era irmã, e eu não era uma
espécie de obrigação para que ele visse a necessidade de
me manter protegida.
Eu não estava tentando contestar o fato, e talvez ele
tenha compreendido mal a minha pequena explosão de
alguns minutos atrás, mas eu havia passado por muita
coisa naquela noite e realmente atingira o meu limite. Sem
contar no fato de que eu não havia parado de pensar no
quase beijo — ou seja lá que diabos tenha sido aquilo —
que quase havia acontecido lá em cima entre nós dois, e
isso me deixava... insegura, fora da minha zona de
conforto e extremamente preocupada. Nutrir sentimentos
pelo cara que você ainda não sabe se é aliado ou inimigo
é realmente um negócio muito, muito ruim.
Horas pareciam ter passado até que, finalmente,
Derek ergueu a cabeça e encarou diretamente a mim.
— Consegui localizar os arquivos — ele disse,
aparentemente tão tenso quanto nós, mas procurando ao
máximo manter-se controlado. — Mas as pastas estão
todas protegidas com senha.
— Merda! — Ryan praguejou. — Quanto tempo para
você conseguir resolver isso?
— Eu não sei. Minutos, horas. Tudo depende do tipo
de programa que foi usado.
Ryan voltou a resmungar algo, e Derek retornou a sua
atenção para o que estava fazendo. Eu aproveitei o
momento de silêncio e pura concentração para me levantar
da poltrona e perambular de um lado a outro, roendo a
unha do meu dedão. Eu estava aflita pra caramba. Após
um tempo, senti que tinha alguém se aproximando e avistei
Ryan do meu lado.
— Nervosa? — perguntou.
— Você nem imagina o quanto — respondi. — Muita
informação para digerir. Sinto que minha cabeça está
prestes a explodir — baixei um pouco mais o meu tom de
voz. — Você acha que ele realmente vai conseguir fazer
isso?
Parecendo compreender o que eu estava
questionando, Ryan relanceou um olhar para Derek.
Quando voltou a me fitar, um sorriso coroava seu rosto.
— Ele é um dos melhores nesse ramo — garantiu. —
Acredite em mim, Derek já fez coisas grandes para
pessoas importantes. Para ele, invadir um monte de pastas
protegidas por senha é como fazer pipoca de micro-ondas.
Balancei a cabeça indicando que havia
compreendido e forcei um sorriso, me perguntando
internamente se havia algo que Derek não conseguia fazer
bem. Inferno, aquilo me fez pensar em diversas coisas que
ele provavelmente fazia muito bem, todas elas impróprias
para serem expressas em palavras.
Ryan sugeriu que voltássemos a nos acomodar no
sofá e, após um momento que mais pareceram horas,
Derek ergueu a cabeça para nos encarar.
— Finalmente consegui — sua expressão não era das
melhores.
— E então? — perguntei, ansiosa.
Ele permaneceu em silêncio por míseros minutos.
Voltou a digitar algo no teclado do laptop e, em seguida,
ergueu novamente o rosto.
— Essa merda é bem mais séria do que eu
imaginava.
— O que você descobriu? — perguntei, já
apreensiva.
Ele ainda estava sério e eu sabia que aquilo não era
um bom sinal. Não mesmo.
— São muitos arquivos, Faith. Imagens, vídeos,
dossiês. Muita coisa mesmo.
— Eu ainda não sei se entendi — falei. — O que há,
exatamente, nestes arquivos?
— Ao que tudo indica, são provas do envolvimento
do setor da Narcóticos, bem como a polícia da fronteira e
alguns outros órgãos, com o contrabando de armas e
drogas — informou. — O que significa que os caras estão
envolvidos com o tráfico e exportação de todo o material.
Possivelmente eles estão facilitando as coisas com o
aliciamento de mulheres também.
— O quê? — exclamei, indignada diante de toda
aquela loucura. — Eu não estou acreditando nisso. Como
Marcel teve coragem de me colocar nessa roubada?
Apoiei meus cotovelos em minhas coxas e descansei
a cabeça entre as mãos. Era surreal imaginar que existisse
alguém doentio a ponto de atirar a própria irmã na mira
dos leões. Aquele não podia ser o homem que
praticamente me criou e me amou desde pequena. Não
podia.
— Deixa eu ver se entendi — Ryan se manifestou,
parecendo ler os meus pensamentos. — Marcel deu de
presente um pen drive, o qual compromete completamente
um grupo de policiais corruptos, para a sua irmã mais
nova? É isso mesmo?
— Sim — Derek falou, nos oferecendo o laptop. —
Se vocês quiserem, podem ver, aqui está. Nos arquivos
não constam somente gravações das transações de Marcel
com estes homens, mas também ameaças, fichas criminais
de alguns, até mesmo fotografias de familiares e dados
pessoais. Marcel tem um acervo de provas que poderia
foder com boa parte da polícia de Nova York e, ao que
tudo indica, John Wallace é o cabeça nisso tudo.
— Isso ainda não faz muito sentido — minha voz
beirava o desespero. — Por que meu irmão faria isso?
Por que ele se exporia dessa maneira em gravações que o
comprometem também?
— Bom, acho que foi uma forma de se proteger. Uma
garantia de que os caras não iriam abrir o bico a respeito
das transações ou simplesmente tentar armar uma
emboscada para ele quando já estivessem com o dinheiro
em mãos. Caso ele fosse acusado de algo, não teria nada
perder, então a única garantia de vingança ou, até mesmo,
de que ele conseguiria se safar, seria jogando os caras no
mesmo buraco em que havia caído. Não dá para confiar
em outros criminosos quando se é um criminoso, Faith.
Direcionei minha atenção para o computador em meu
colo e dei Play em um dos inúmeros vídeos que tinham
ali. Ele não era muito longo, mas mostrava uma conversa
aparentemente muito calorosa entre Marcel e John
Wallace, este último exigindo uma bolada de dinheiro que
o meu irmão não estava disposto a lhe dar. O vídeo
terminava com John aceitando a proposta inicial de
Marcel, prometendo entrar em contato futuramente para
uma outra possível transação.
Em outro vídeo, eu conseguia ver claramente o rosto
de um desconhecido de pele levemente escura, recebendo
propina do meu irmão. Em seu inglês arranhado — um
sotaque que tudo indicava ser latino-americano — ele
informava que na próxima semana haveria mais oito
meninas novas para ingressarem nas boates. Bastou mais
alguns minutos assistindo ao vídeo para eu ter a
comprovação de que meu irmão era nada menos que um
bastardo criminoso e repulsivo.
Marcel aliciava adolescentes para se prostituírem.
Ele enganava meninas inocentes e esperançosas com
propostas tentadoras, quando, na verdade, só queria usá-
las para fazer dinheiro.
Bile escalou seu caminho para minha garganta. Agora
eu havia entendido tudo. O porquê de ele não querer que
eu forçasse as asas do pingente, o motivo por ele ter me
dado um presente sem nem sequer estarmos comemorando
uma data especial. E eu, como uma idiota, imaginando que
ele o tinha feito porque se lembrou de mim. Quando na
verdade ele estava fazendo apenas para beneficiar a si
mesmo. Marcel nunca dera ponto sem nó, e já era para eu
ter aprendido desde o começo.
O quão patética eu era por pensar que o meu irmão
me amava? Muito, provavelmente.
— Essa foi uma jogada extremamente arriscada, mas
eu compreendo, de certa forma, sua atitude; afinal, John
Wallace e os caras estão nas mãos de Marcel agora —
Ryan falou. — Mas eu ainda não entendo o porquê de ele
fazer algo desse gênero com a própria irmã. Isso é um
jogo muito baixo.
— Porque ele queria esconder os arquivos em um
local onde os caras não encontrassem, é óbvio —
declarou Derek. — Na casa dele ou em qualquer outro
lugar que o pertencesse daria muita bandeira, então ele
resolveu entregar à Faith, irmã que quase ninguém tinha
ciência de que ele possuía. Mas imagino que Marcel não
tenha pensado no fato de que se os caras realmente
descobrissem onde os arquivos se viam escondidos,
estaria tudo perdido, pois eles iriam atrás,
independentemente de onde fosse o esconderijo. Muita
presunção, talvez, mas isso apenas prova que ele é um
cérebro de porco idiota. Eu quero esganá-lo.
Eu queria esganar Marcel também. Um nó se formou
em minha garganta. Respirei fundo, tentando encontrar ar
suficiente. Deus, eu não estava acreditando que o inferno
havia começado outra vez.
Eu me forcei a fechar a tela do computador e entregá-
lo de volta a Derek. Eu tinha medo de não aguentar mais
daquilo por muito tempo.
— O que a gente vai fazer agora? — Ryan
questionou. — O jogo mudou, a polícia está envolvida e
não vai ser muito seguro esconder Faith aqui, muito menos
enviá-la de volta ao seu apartamento. Eu até desconfio
que o tal John já esteja lá apenas aguardando.
Realmente não era nada seguro ficar ali e eu não
tinha ideia do que seria seguro para mim. Imaginei como
seria a minha vida a partir dali. Eu fugiria de bandidos
perigosos até ser encontrada e morta? Meu irmão me
ajudaria? Não, eu não podia confiar em Marcel depois do
que ele havia feito. Mas eu podia confiar em Derek, no
entanto? Parecia ser errado, mas eu sentia-me muito mais
segura quando estava com Derek do que no período em
que estive sob os cuidados de Marcel. Grande ironia.
— Só resta uma coisa a se fazer — Derek libertou-
me de meus pensamentos e eu me esforcei para prestar
atenção no que ele dizia. — Não há muitos caminhos a
serem seguidos nesse momento, isso é fato. A única
solução é tirarmos Faith do estado.
— O quê? — arregalei os olhos.
— Isso mesmo que você ouviu — retrucou, firme. —
Eu vou te tirar de Nova York e te enviar para longe, até
que eu saiba exatamente o que fazer. Os caras sabem onde
nos escondemos e é bem arriscado ficarmos aqui por mais
tempo. Eles virão atrás do pen drive e, certamente, de nós
também.
— E por que não entregamos o pen drive a eles e
acabamos com esse inferno de uma vez?
— Nós já sabemos o seu conteúdo, Faith. Nos
transformamos em testemunhas, que serão assassinadas na
primeira oportunidade que os idiotas tiverem de o fazer.
— E se nós entregássemos os bandidos à polícia? —
continuei. Deveria haver um jeito. — Poderíamos pedir
auxílio a eles.
Derek suspirou, sacudindo a cabeça em seguida.
— Faith, a polícia sequestrou e torturou você. Você
acha mesmo que esses filhos da puta são confiáveis? Não.
Nós ainda não temos uma certeza da quantidade de
homens que estão envolvidos nessa, então a opção mais
plausível no momento é fugir de Nova York. Fim de papo.
Eu fiquei calada. Realmente eu não sabia em quem
confiar naquele momento. E o mais irônico naquilo tudo
era que justamente o cara que me sequestrara e jurara me
matar era o único que podia me ajudar.
Merda, o que eu fiz para a minha vida se
transformar nesse drama maldito?!
— Vocês podem se organizar e viajar o quanto antes.
Eu vou tentar resolver as coisas por aqui — Ryan disse.
— Você não vai com a gente? — indaguei. — Você
também viu os vídeos e tudo o mais. É perigoso!
Ele fez um aceno com a mão, como se descartando a
possibilidade.
— Eu tive acesso aos arquivos, mas o tal John
Wallace não viu a minha cara ainda. Ele nem sequer sabe
que eu existo. Duvido muito que a garota do call center ou
até mesmo o babaca do Ernest dê com a língua nos dentes,
principalmente depois do susto que levou a respeito do
filho. — Por pouco eu não perguntei o que diabos o filho
de Ernest fazia envolvido naquela confusão, mas recordei-
me de que eles haviam dito algo sobre dar um susto no
homem usando o menino como estratégia. Eu não gostei
nada daquilo, claro, mas já estava muito cansada no
momento para discutir com Derek. — Vou aproveitar este
tempo aqui para tentar descobrir algumas informações e
manter vocês informados sobre novidades que surgirem.
— Certo, obrigada — sorri em agradecimento. Não
somente Derek, mas Ryan estava sendo tão bom para mim,
arriscando sua própria pele em prol da segurança de
outras pessoas. Desde pequena eu convivi com gente
egoísta o suficiente para pensar no próprio nariz, apenas.
Meu irmão era uma prova mais que viva disso. — E como
nós faremos funcionar o tal plano de fuga?
— Eu vou cuidar de tudo, não se preocupe — Derek
me assegurou e por um momento eu imaginei ver aquele
brilho diferente em seu olhar que havia visto quanto
estávamos juntos no andar de cima. — Por hoje, você tem
apenas que procurar descansar, pôr a sua cabeça sobre um
travesseiro macio e dormir tranquilamente. Eu não vou
tentar atirar em você no meio da noite, eu juro.
Ele sorriu um pouco e meu coração disparou. Merda!
Por que ele tinha que dizer essas coisas? Era evidente
que aquilo era uma forma esquisita de pedir uma trégua
entre nós. Eu queria tanto quanto ele dar um descanso em
toda essa montanha russa que eram os meus sentimentos
quando se tratava dele. Eu não estava no meu melhor
momento, obviamente, e talvez a vontade repentina de me
jogar nos braços de Derek e implorar ao menos por um
abraço com certeza era efeito do meu estado de choque.
Era isso, não podia ser outra coisa.
— Oh, eu já ia me esquecendo — Ryan voltou a falar
e eu quase o beijo por isso. Eu meio que ainda estava sem
palavras para retornar o comentário de Derek. — Como
todos nós já nos demos conta, seria meio arriscado vocês
dormirem mais uma noite nesse lugar. Eu tenho um trailer
a alguns quilômetros daqui, ele não é muito confortável,
mas é o suficiente para uma noite, então acho que vai
servir. Creio que vocês já estariam de viagem amanhã
cedo, certo?
— Amanhã? — questionei.
— Exatamente — Derek falou, fitando-me. — O
quanto antes dermos o fora, melhor. Arrume o máximo de
coisas que conseguir, Faith, mas apenas o essencial, afinal
nós não podemos deixar pistas. Não voltaremos mais para
este lugar depois que estiver tudo resolvido, então sugiro
que seja cuidadosa com o que for deixar aqui.
Assenti, abraçando o meu corpo, ainda sentindo
dificuldade para respirar. Ryan disse mais alguma coisa
que não compreendi e se afastou, sacando o seu celular do
bolso. Aproveitei a oportunidade de que estávamos a sós
e me aproximei de Derek, indagando:
— Por que está fazendo isso? — abordei, ignorando
as batidas frenéticas do meu coração. — Por que está me
ajudando?
— Eu estou ajudando a mim também, Faith — ele
disse, sério. — Não se esqueça que John virá atrás de nós
dois.
— Eu sei, mas convenhamos que você tem
capacidade de se defender de uma possível retaliação.
Você poderia simplesmente me jogar para fora daqui,
deixar que eu me virasse e proteger a si mesmo — falei.
— Mas você decidiu me proteger. Eu posso saber o real
motivo?
Ele desviou os olhos, seu maxilar tenso e postura
ainda rígida. Era bem provável que ele estava
incomodado em confessar seja lá qual foi o real motivo,
mas eu não estava indo mudar de ideia a respeito da
minha pergunta. Ainda me interessava, e muito, saber qual
era realmente a dele.
— Você me ajudou — finalmente confessou, voltando
a olhar para mim. — Na cabana, você poderia ter fugido
enquanto eu lutava com John, poderia ter atirado em nós
dois ou deixado que ele me matasse, mas você me ajudou.
Você ficou até o fim, mesmo sabendo que era sua
oportunidade de se livrar de nós dois e embora você tenha
se revoltado contra mim em algum momento, você salvou
a minha vida, Faith. Você demonstrou lealdade e eu
respeito você por isso. Acho que está na hora de retribuir.
Certo, caramba. Eu esperava algo, mas
definitivamente não era algo como aquilo. Ao menos ele
estava parecendo sincero, o que me acalmou mais.
Cruzei os braços, ainda o encarando.
— Então é isso? Eu sou tipo o Ryan pra você agora?
Ele riu, como se a ideia fosse extremamente ridícula
e balançou a cabeça em negativa.
— Não mesmo, babe. Você é muito mais bonita que
ele. E tem uma língua bem mais afiada também — falou.
— Embora eu tenha certeza que ainda vou conseguir lidar
com essa sua maldita língua em algum momento.
Estreitei os meus olhos.
— E eu posso saber o que você faria com a minha
maldita língua afiada?
Silêncio. Ele estava me encarando de um jeito que
fazia minha pele formigar. Talvez eu não devesse ter
perguntado aquilo, no fim das contas.
— Você não gostaria de saber — sua voz era rouca e
algo estranho aconteceu comigo quando meu cérebro
registrou o tom. Mas antes que eu tivesse tempo de tentar
compreender o real significado daquelas palavras, Derek
se despediu com um aceno breve de cabeça e saiu da sala,
deixando-me sozinha, com a mente girando.
Suspirei mais uma vez, sentindo-me dez anos mais
velha, de repente. Lá estava eu, prestes a viajar para outro
estado com o cara que queria me matar semanas atrás,
contando apenas com ele para me proteger. O quão fodida
eu estava? Eu não sabia. Só esperava que não fosse muito.
Eu não sabia se suportaria mais daquilo ao longo dos
meus dias.
PARTE III: CUMPLICIDADE

“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se


vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses,
não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a
injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta."
— 1 Coríntios 13:4-7
18: Mudança de Planos

Faith

Eu não podia definir com exatidão como se


encontrava o dia naquela manhã, porque não prestei
atenção em nada além do medo que me assolava, o receio
de que a qualquer momento algum bandido portando um
distintivo falso e uma arma de fogo fosse invadir o quarto
e me arrancar de lá.
Derek havia se acomodado no sofá da sala, assim que
Ryan nos colocara no bendito trailer, o que não era nem
dez metros de distância de mim. Apesar do medo
crescente e o frio na barriga, nada daquilo tinha a ver com
ele. Ele era a única garantia de que eu estava segura
naquele lugar. Talvez este fato tenha contribuído para as
aproximadas três ou quatro horas de sono que tive.
Outro fato que também quase não me deixara pregar o
olho foi a luta que travei internamente sobre o
questionamento de como seria a minha vida a partir dali.
Eu iria me mudar para outro estado, quando nunca havia
saído de Nova York. Teria uma vida totalmente nova,
repleta de mudanças e sempre aquela sombra de
desconfiança e medo me acompanhariam para onde quer
que eu fosse. Eu sabia que a manobra seria um tanto
quanto arriscada, afinal não tínhamos a ajuda nem sequer
da polícia, além de Ryan que se oferecera.
Além disso, havia também o meu irmão. Eu gostaria
muito de saber se àquela altura do campeonato Marcel
havia descoberto onde eu estava. Eu tinha minhas dúvidas
de que ele realmente tinha ciência e não havia dado a
mínima, até porque um cara que tem a coragem de
comprometer a segurança e a vida da própria irmã, com
certeza não é confiável.
Remexi-me sobre a cama, incomodada com a dor que
me assolou repentinamente. Eu ainda estava dolorida em
algumas partes do corpo. Apesar do fato de Derek ter me
medicado na noite anterior, provavelmente o efeito do
analgésico já havia passado. Levantei da cama e segui em
direção ao pequeno banheiro localizado na sala,
percebendo que Derek não estava lá. Escovei os meus
dentes, analisando a minha aparência no espelho. Eu
estava um trapo. Com olheiras, o lábio ainda um pouco
inchado e pálida demais. Aquilo me deixou aflita, pois eu
não queria sair e dar de cara com Derek exibindo aquela
aparência. Dei tapinhas nas minhas bochechas, tentando
aparentar mais corada e, após lavar o rosto e pentear
como pude os meus cabelos curtos, segui em direção à
cozinha. Encontrei Derek recostado contra a pia, seus
cabelos estavam levemente molhados e o cheiro do
sabonete de limão recendia no ambiente.
Me sentei, recostando-me no espaldar da pequena
cadeira de metal que havia de frente à mesa. Percebi que
ele estava me observando.
— Bom dia — eu disse, nervosa. Ele não respondeu,
não com palavras, mas abriu um pequeno sorriso de lado.
Levando a caneca que segurava à boca, ele continuou me
olhando. — Eu já disse o quanto me incomoda você me
encarando desse jeito?
Ele pareceu surpreso com a minha observação e só
então sacudiu a cabeça de leve, como se para lançar fora
pensamentos indesejados.
— Você tem medo que eu leia a sua alma ou algo do
tipo? — perguntou.
— Não, exatamente — disse de volta. — Você me
assusta quando fica muito quieto.
Ele não proferiu palavra alguma por um instante
consideravelmente longo, levando em conta a minha
ansiedade. Em seguida, voltou a sorrir de lado.
— Eu tive uma noite de sono ruim. Me desculpe.
Uau, Ok. Derek pedindo desculpas era realmente algo
muito, muito estranho.
— Se isso te faz se sentir melhor, eu também tive uma
noite péssima — falei. — Acho que não dá para dormir
bem, sabendo que tem um monte de policiais criminosos
querendo a minha cabeça e, de quebra, descobrir que o
meu irmão é um bastardo egoísta e sem coração que me
envolveu em um de seus esquemas corruptos.
Eu confesso que esperei por um “Eu te avisei” ou
“Você foi muito idiota por não ter enxergado desde o
começo”, mas assumindo mais uma vez a missão de me
surpreender, Derek apenas pôs a caneca em cima da pia e
sentou na cadeira de frente à minha. Senti sua mão segurar
suavemente o meu pulso, seu polegar alisando a leve
marca avermelhada para cima e para baixo. Seus olhos,
no entanto, não saiam dos meus.
— Eu não vou perguntar como você está ou dizer que
você vai ficar bem, porque eu não sou nenhum idiota,
muito menos hipócrita para fazer comentários desse tipo,
mas eu queria que você soubesse que não vale a pena
ficar assim por alguém como ele, Faith. Eu sei como
ninguém o quão egoísta, calculista e frio Marcel pode ser.
Ele só pensa em dinheiro, poder e ele não gosta de
ninguém. Sinceramente, é bem melhor para você se manter
afastada. O seu irmão não é um homem bom e eu tenho
certeza de que ele nunca será.
Senti de repente um aperto quase doloroso em meu
peito. Por mais que fosse verdade tudo aquilo que ele
dizia, era extremamente angustiante reconhecê-lo.
— Eu sei, mas é que... — minha voz falhou. Respirei
fundo. — Ele era tudo o que eu tinha de apoio. Eu não
acredito que ele teve coragem de fazer isso comigo. Ele
sempre cuidou tanto de mim.
Senti as lágrimas salgadas escorrerem pelo meu
rosto.
Droga, sua idiota, você está chorando!
— Não chore — Derek enxugou uma das lágrimas
que caíram. — Não por ele.
— Desculpe. Eu ainda estou muito abalada com toda
essa mudança. Eu só preciso de um pouco de tempo para
digerir isso, sabe?
— Sei — falou. — Vamos fazer o seguinte: você
tenta ser menos chorona e eu tento ser menos... como você
diz mesmo?
— Babaca? Idiota? Cretino?
Ele sorriu.
— Puta merda, são tantos adjetivos carinhosos que eu
fico na dúvida sobre qual deles é o mais adorável.
— Desculpe — repeti, prendendo um riso. — Eu vou
tentar ser menos chorona, enquanto você tenta ser menos
idiota. Acho que vai funcionar.
— Vamos fazer com que isso funcione — ele deu
tapinhas encorajadores na minha mão. — E se saber disso
te deixa melhor, agora você pode contar comigo e com o
Ryan sempre que precisar. Eu sei que você ainda não
confia em mim, eu não te culpo por isso, mas nós seremos
um trio agora. Temos que nos unir se quisermos que isso
dê certo.
— Uau, eu fui promovida de prisioneira a parceira
do crime? — brinquei. — Eu não sei se fico feliz ou
preocupada.
Ele piscou.
— Você se acostuma.
Derek se afastou de mim e voltou a recostar suas
costas contra a cadeira. Aproveitei o momento para me
servir com um pouco de café e comer alguns biscoitos.
Muitas perguntas me perseguiram enquanto eu me
alimentava e tinha o olhar minucioso de Derek sobre mim.
Caramba, ele estava fazendo aquilo de novo! E aquilo
era... perturbador. Porque eu não conseguia pensar, eu não
conseguia agir, eu não conseguia nem sequer respirar
corretamente.
— O que ele fez para você? — me arrependi
imediatamente quando concluí aquela frase, mas eu estava
nervosa o suficiente para voltar atrás. — Digo, o que de
tão ruim ele cometeu a ponto de você querer se vingar
com sangue?
Ele ficou calado por um longo momento e eu imaginei
que não queria tocar no assunto, mas então me
surpreendeu quando limpou a garganta e finalmente
murmurou:
— Há quatro anos eu me apaixonei pela mulher
errada — seu olhar caiu. — Essa mulher era ninguém
menos que a amante de Marcel, apenas mais uma das
inúmeras vítimas que ele colecionava. Nós engatamos em
um relacionamento proibido que, com o tempo, foi ficando
perigoso. Certa vez, planejamos fugir, levando conosco
algum dinheiro que, por sinal, era do seu irmão. Marcel
acabou descobrindo e nos armou uma emboscada. Eu
levei vários tiros e perdi a consciência. Ryan me
encontrou praticamente morto algum tempo depois.
Ele suspirou e percebi seu olhar distante. Como se
estivesse relembrando todo o acontecimento.
— Ela também era apaixonada por você, presumo.
— Sim — ele afirmou.
— E mesmo assim continuou com o meu irmão? —
perguntei.
— Como eu disse para você antes, Faith, Marcel é
um homem muito perigoso. Ela teve medo, obviamente.
Medo de enfrentar.
— Eu enfrentaria — falei. — Se eu fosse apaixonada
por alguém a ponto de trair uma outra pessoa para estar
com ela, eu enfrentaria qualquer coisa para que esse amor
desse certo.
E era verdade. Talvez eu não fosse ninguém para
julgar um alguém que eu nem sequer conhecia,
principalmente jamais tendo vivenciado algo semelhante,
mas eu havia convivido com Derek por semanas. Eu sabia
quão fechado, ferido e amargurado ele era. Ele era como
um muro de concreto, indestrutível e impenetrável. E
alguém que tivesse a sorte de receber amor de um cara
como ele, com certeza deveria ter impulso suficiente para
valorizar algo desse tipo. E com certeza, manter um
relacionamento duplo por determinado tempo não era uma
boa forma de fazer com que desse certo.
— Nem todo mundo pensa igual, Faith — ele voltou
a falar. Era óbvio, a julgar por seu olhar, que talvez nem
ele mesmo acreditasse no que estava dizendo. Mas por
que ele não queria enxergar a possível realidade? Por
medo? Por culpa, talvez? Eu não sabia. No entanto,
gostaria muito. — As coisas são muito diferentes quando
postas na prática. Você nunca esteve envolvida em um
relacionamento abusivo, não sabe o que é sofrer ameaças
e ter que conviver com isso.
Ele havia dito aquilo mesmo?
— Você não sabe nada sobre mim — disparei. —
Sinceramente, Derek, você realmente não sabe nada sobre
mim, se julga o que eu passei.
Sem uma palavra, ele me encarava. Eu não sabia se a
minha reação havia o surpreendido ou assustado, mas ele
nunca ficava assustado com nada, então presumi que a
primeira opção era a mais válida.
— Por que diz isso? — o brilho nos seus olhos agora
era altamente perscrutador. — Por acaso você já esteve
em um relacionamento assim antes, Faith? Tem a ver com
suas marcas?
— Eu não quero falar sobre isso — remexi-me
incomodada.
— Eu te contei sobre meu passado. Achei que você
estivesse disposta a se abrir comigo também.
Suspirei. A sua expressão continuava séria, mas ele
não estava irritado ou nada do tipo. Ele parecia apenas...
preocupado.
— Não é isso. Só que...
— Faith — ele me interrompeu, voltando a pegar a
minha mão. — Eu quero que haja confiança entre nós.
Lembra do que eu te disse sobre sermos apenas nós
agora? Eu não estava mentindo quando falei que iria
proteger você, mas eu gostaria, de verdade, que você
confiasse em mim.
Seu olhar era sincero, seu toque era gentil. Eu decidi,
naquele momento, que Derek merecia um pouco mais do
que provavelmente havia recebido durante toda sua vida.
Ele não tinha amigos, não tinha relacionamentos —
até onde eu sabia — e, aparentemente, estava bem com
isso. Muito provável que jamais sentira a necessidade de
compartilhar seu passado com alguém, no entanto lá
estava eu: ouvindo do cara que era para eu supostamente
odiar sobre a única e maior tragédia amorosa de sua vida.
No entanto, quando ele pedia para que eu confiasse nele
de volta, eu travava. Mas eu não tinha culpa. Talvez eu
não fosse tão forte quanto Derek, e relembrar a minha fase
com Simon era algo que me embrulhava o estômago e
apavorava.
Contudo, eu tinha que confiar nele. Ele me pediu isso
e eu sabia que aquilo era o certo a se fazer. Confiança.
— Eu tinha dezoito anos quando o conheci —
despejei, começando a me sentir incrivelmente mais leve.
— No começo, ele se mostrou tudo aquilo eu precisava,
sabe? Gentil, atencioso, tão cavalheiro e dizia coisas tão
bonitas. Ele era amigo do meu irmão e parceiro nos
negócios. Eu achei, por um momento, que eu pudesse
confiar nele, que ele finalmente fosse o cara perfeito, o
cara que Marcel me deixaria namorar. Realmente foi da
forma que eu imaginei. Depois de um tempo de flertes,
Marcel permitiu que eu namorasse Simon e ele...
— Espere aí — ele me interrompeu. — Você disse
Simon? Simon Walker?
— Sim, você também o conhece?
Eu confesso que o que eu vi nos olhos de Derek
quase me fizeram correr daquela cozinha. Foram poucas
as vezes que eu o vi assim. Aquilo era realmente
assustador.
— Faith, Simon foi o cara que me atirou pelas costas
há quatro anos.
Oh, meu Deus.
Eu não sabia nem o que dizer a respeito daquilo, mas
não pela surpresa de descobrir que Simon era um bandido
nojento, mas por saber que ele esteve a um passo de
assassinar Derek.
— Cretino desgraçado! Eu o odeio tanto... — grunhi.
— Eu também, acredite — sua voz, contradizendo
suas palavras, era o mais calma possível. Ameaçador. —
Ele batia em você?
— Ele era... violento em alguns momentos.
Me encolhi. Eu não podia dizer pra ele que Simon
era violento apenas na cama. Eu ainda me lembrava de
suas palavras dizendo que eu era uma vadia e que ninguém
acreditaria em uma vadia que adorava joguinhos
pervertidos. Acontece que eu nunca gostei, ele sempre me
forçou àquilo.
— Em que momentos? — encorajou-me.
— Ele... ele... — minha garganta travou, quando
relembrei das cenas. Eu não podia. Aquele era o meu
limite. — Me desculpe. Eu não consigo.
— Tudo bem — falou. — Você não é obrigada a me
contar se não puder. Quem sabe futuramente?
Sorri fraco, agradecendo-lhe em silêncio por não
insistir.
— Eu sinto muito — eu disse. — A respeito do meu
irmão e do cretino do Simon. Eu realmente sinto muito.
— Eu sei — murmurou. — Eu não deveria ter te
envolvido nisso, Faith. Foi uma idiotice sem tamanho.
— Eu acho que já me vinguei de você — brinquei,
arqueando uma sobrancelha para ele. Então eu me lembrei
de que ele não havia me dito qual fim teve a sua
namorada. Será que ela ainda estava viva? — E o que
houve com a mulher? Qual era o seu nome mesmo?
— Samantha — respondeu. — Ela também foi
baleada e não resistiu.
— Meu Deus, isso é terrível — levei a mão à boca.
— Marcel é uma pessoa terrível.
— Foi por isso que eu disse que você não deve se
sentir mal por ele. O desgraçado do seu irmão não merece
o seu sofrimento.
Assenti e respirei fundo. Aquilo era bem mais difícil
de digerir. Percebi a tristeza em seu olhar e aquilo me
comprimiu o peito. Ele havia se apaixonado no passado e
era bem provável que ainda fosse. Será mesmo que quatro
anos depois ele ainda nutria sentimentos por ela?
— Você a amava muito, não é? — perguntei, me
sentindo uma masoquista por ter perguntado algo como
aquilo, pois, definitivamente, eu não queria saber. Ainda
era estranho ver alguém como Derek amando. O que
consequentemente me fez imaginar que ele jamais sentiria
aquilo de novo por alguém.
Ele não levantou o olhar para me encarar em nenhum
momento. Apenas trocou de posição e começou a
contornar a borda de um dos copos com o dedo.
Finalmente respondeu:
— Ainda amo.
Silêncio.
Eu sabia que não deveria ter perguntado. Eu me senti
patética e ridícula por não conseguir achar palavras para
tornar aquilo menos... estranho. Por que eu estava tão
incomodada?
— E depois disso você não pensou em se relacionar
com mais ninguém?
— Eu não sou o tipo de cara que faz sexo por fazer, e
isso seria o máximo que eu poderia oferecer a alguém no
momento. Não acho que sirva para relacionamentos —
respondeu. — Não sou o melhor tipo de príncipe
encantado, se é que me entende.
Sorri. Realmente ele não se encaixava nisso.
— Você é esquisito pra caramba — falei, arrancando
dele um sorriso. — Mas eu acho que te entendo. Eu não
creio que esteja preparada para um relacionamento
também. Embora tenha esperança de que um dia eu vá
encontrar um cara legal que me queira e me trate bem.
— Acredite, ele seria um cara de sorte — disse. —
Eu espero que você encontre esse alguém, de verdade.
Você é bonita e inteligente demais para terminar como eu.
— Não diga isso — repreendi, sentindo uma pontada
de tristeza deslizar sob mim. — Você é um cara legal
também, Derek, apesar dos erros que cometeu. Ainda dá
tempo de se redimir, encontrar uma garota que goste de
você e que queira construir uma família. Quem sabe vocês
tenham filhos?
Ele deu uma risada amarga e me encarou como se eu
fosse ingênua o suficiente para não enxergar a dura
realidade.
— Eu não tenho mais solução, babe. Se eu não
estiver morto daqui a alguns anos, com certeza estarei
preso — proferiu. — Eu não vou ser mentiroso e dizer
que não quero mais a cabeça do seu irmão e do idiota que
disparou em mim e te machucou, porque eu estaria
mentindo pra você se dissesse isso. Mas eu também sei
que no momento em que estiver feito, eu estarei acabado.
Não há esperanças para mim, mas pra você, sim.
Um aperto estranho comprimiu o meu peito e eu senti
um terrível desconforto, a minha respiração dificultada.
Por que suas palavras me doeram tanto? Talvez por que
tenha sido uma das coisas mais sinceras que Derek já
havia me dito. Ele sabia que o seu único destino seria a
cadeia ou a morte — o que não era muito diferente,
levando em conta todos os crimes que ele cometeu — mas
aquilo era muito... triste. E angustiante, porque eu sabia
que ao menos que um milagre acontecesse, ninguém
poderia evitar.
Pigarreei, sentindo uma vontade imensa de mudar de
assunto.
— Eu... eu queria saber como vai ser a viagem e tudo
mais. Eu acho que já está na hora de nós adiantarmos isso,
não é?
— Sim — acho que ele também queria mudar de
assunto, porque não relutou em responder. — Agora que
as coisas entre nós estão parcialmente resolvidas, eu
queria começar a pôr o nosso plano em ação.
— Nós temos um plano?
— Sim, claro que nós temos. Não podemos
simplesmente dar o fora sem organizar algumas coisinhas
antes.
— Do que você está falando?
Ele não respondeu de imediato, mas se levantou da
cadeira, desaparecendo na sala. Quando retornou, trazia
uma caixa consigo.
— Ryan conseguiu, ainda essa manhã, umas coisas
das quais nós iremos precisar — ele abriu a caixa,
arrastando-a em minha direção.
— O que isso significa? — questionei, fuçando o
interior da caixa. O que encontrei ali quase me fez cair
para trás. Havia muitas coisas, muitas mesmo. Inclusive
uma habilitação e outros documentos com a minha foto.
Mas, espere aí, aquele nome não era o meu. — Oh, meu
Deus...
Derek sorriu e cruzou os braços.
— Bom, doce Faith, a partir de hoje você será
Melanie Ryder. Vinte e quatro anos, nascida em vinte e
sete de março, no estado de Oklahoma. Morou com a avó
até os dezoito anos de idade e mudou-se para Chicago
para tentar estudar. Teve que trancar a faculdade de
Administração por problemas financeiros e começou a
fazer trabalhos como garçonete, foi quando conheceu o
cara dos seus sonhos, há aproximadamente dois anos.
Vocês se casaram, conseguiram dinheiro suficiente para
comprar uma casa na Califórnia em Scout Lake que, por
sinal, é o local para o qual estaremos viajando ainda hoje.
Voltei a encarar Derek, de olhos arregalados.
— Califórnia? Melanie? Casada? Deus, eu posso
saber ao menos quem é o meu marido? Ou eu sou uma
pobre viúva?
Ele puxou a caixa de minhas mãos. Tirou algo de lá e
empurrou em minha direção novamente. Eram mais
documentos, mas eles possuíam a foto de Derek.
Então meu cérebro processou tudo e eu quase tive
uma maldita síncope.
— Você é casada com Grant Ryder. Ex-fuzileiro,
trinta anos, nascido no Colorado. Se mudou aos vinte e
seis anos para Chicago, com uma proposta de trabalho
como mecânico e se apaixonou perdidamente pela morena
de olhos azuis e língua afiada. Que no caso, seria você.
— Morena? Mas eu não sou morena?
— Você vai ser a partir de hoje.
— O quê? — não, não, não. Aquilo já era demais.
Ele queria que eu pintasse os meus cabelos? — Derek, eu
não acho que seja uma boa ideia. E se eu ficar estranha de
cabelos escuros?
— Bobagem, você é bonita — falou. — E nós somos
fugitivos, Faith, não podemos dar bandeira. Seria bom se
você tingisse os seus cabelos. Eu vou deixar os meus
crescerem um pouco mais.
— Certo — eu ainda estava tentando digerir a
informação, mas se era preciso ficar morena para salvar a
minha vida, eu faria. — Mas por que nós temos que ser
um casal?
— Um homem e uma mulher morando sozinhos em
uma mesma casa sem ter algum tipo de relação afetiva
seria meio estranho em uma cidade como Scout Lake. Sem
contar que se fôssemos, sei lá, irmãos, isso daria brecha
para que outras pessoas tentassem se aproximar com o
intuito de iniciar um possível relacionamento conosco.
Laços afetivos são perigosos nestes casos, então é melhor
não arriscar — em seguida, abriu um sorrisinho. — Mas
não se preocupe. Não é como se eu fosse exigir que você
transe comigo ou algo do tipo. A gente só vai fingir para
os vizinhos.
Engoli em seco. Que bom que nós não precisávamos
fazer sexo. Não é?
— Certo, entendi, mas por que nós temos que ser um
casal sem formação? Eu ralei muito naquela maldita
universidade para conseguir um diploma.
— É mais seguro — respondeu. — Sem faculdade,
menos informação para dar, o que consequentemente
geram menos perguntas desnecessárias. Temos que ser
como pessoas comuns, mas temos que evitar ao máximo as
perguntas.
— Ok — eu disse. — Algo a mais que eu precise
saber?
— Por ora, creio que não. Ainda não falei com você
a respeito da casa, mas Ryan tinha uma tia que morava em
Scout Lake e faleceu pouco tempo atrás. Puseram a casa à
venda e eu dei um jeito de negociar com ele. Ela é isolada
o suficiente e perfeita para um casal de recém casados
com problemas financeiros. Será para lá que nós iremos.
— Tudo bem — murmurei.
— E tem mais uma coisa — ele continuou, e por mais
incrível que parecesse essa afirmação, eu não estava
preparada para o que veio a seguir: — Aqui está a sua
aliança.
Senti um frio na barriga ao vê-lo estender a joia. Ela
parecia simples, de ouro com algumas pedrinhas em torno,
mas eu nunca imaginei que no dia em que colocariam uma
aliança no meu dedo seria em um plano louco de fuga.
Derek ainda estendia o anel para mim. Eu arqueei a
sobrancelha.
— Sem ao menos um convite para jantar antes?
Ele imitou o meu gesto e depois sorriu.
— É bom saber que você ainda mantém o bom humor
mesmo estando na mira de assassinos.
Oh, droga, por que ele tinha que me lembrar disso?
Filho da puta malvado.
— Eu te odeio — resmunguei.
— Eu sei — ele ainda sorria. — Agora, se me der
licença... — Sem mais uma palavra, ele puxou a minha
mão e deslizou o objeto frio no meu dedo. Eu, no entanto,
sentia-me muito quente.
— Agora você é oficialmente minha, doce Faith.
Havia um tom de brincadeira na sua voz, mas o efeito
que aquilo causou em mim foi muito real. Real demais.
Droga! Eu precisava mais que nunca do maldito
banho.
19: A Jogada Perfeita

Faith
Os olhos grandes e azuis da mulher no reflexo do
espelho era, provavelmente, a única coisa que denunciava
quem eu realmente era. Eu havia acabado de finalizar o
processo de tingir os meus cabelos — que agora eram
castanhos, quase pretos. Foi até interessante, pois serviu
para realçar os meus olhos. Eu me senti mais bonita com a
mudança, afinal sempre me considerei muito branca e os
cabelos loiros extremamente claros deixavam-me com um
aspecto ainda mais pálido, sem contar no fato de que eu
parecia mais como uma adolescente de colegial do que
uma mulher de vinte e dois anos. Eu definitivamente
parecia mais velha agora.
Eu ainda não havia saído do banheiro. Não sabia
exatamente se estava pronta para aquilo, mas nós iríamos
viajar em pouquíssimos instantes e eu realmente deveria
me adiantar. Irrompi para fora do banheiro e dei de cara
com Derek sentado no puído sofá da sala, de cabeça baixa
e cotovelos apoiados nas coxas. Pigarreei para chamar a
sua atenção e no momento em que ele ergueu a cabeça,
notei a estupefação estampada em seus olhos. Nervosismo
me abateu diante do olhar analisador de Derek. Voltei a
limpar a minha voz que notei estar trêmula:
— Eu fiquei diferente, eu sei — eu disse, forçando
um sorriso estranhamente nervoso. — Espero que não
tenha ficado algo bizarro.
— Você está sexy — bom, eu não esperava algo
como aquilo. Apenas o fato de ouvir estas três palavras
fez coisas retorceram-se em meu ventre.
— Bom, eu acho que isso foi um elogio — retruquei
e ele sorriu.
— Sim, embora eu não tivesse do que reclamar
quando você estava loira. Eu acho que você ficou quente
nesse visual. E, já que eu tenho que me passar por um cara
casado e desempregado, eu creio que mereço ao menos
uma esposa gostosa, certo?
Fiquei sem reação. Merda, ele estava realmente
dizendo que me achava quente? Ninguém nunca havia me
chamado de gostosa antes. Eu sempre me considerei
normal e apesar meus seios serem um pouco maiores do
que os da maioria das garotas que conhecia, eles não eram
uma espécie de atrativos em mim. Não quando você é
praticamente uma antissocial, maníaca em séries e cheia
de cicatrizes no corpo. Mas Derek me achava — uau! —
quente. Mordi o lábio para evitar sorrir feito uma idiota,
porque era isso o que eu era. Uma grande idiota.
— Bom, você está quente também — expressei,
empolgada. Era apenas para ser uma forma de descontrair,
mas eu não sei se ele levou aquilo na brincadeira, pois o
sorriso torto que me lançou de volta definitivamente me
dizia o contrário. Eu e minha maldita língua. — Quero
dizer, você está... bom assim.
Seu sorriso se converteu em um riso travesso e eu
mordi dentro qualquer frase que meu cérebro infeliz tenha
tentado elaborar. Por que eu ficava parecendo uma
adolescente estúpida sempre que ele era legal comigo?
Era bem mais fácil lidar com o Derek idiota que me
lançava palavrões. O Derek encantador me deixava
desconcertada. E como se a minha situação já não
estivesse pior, ele salientou:
— Eu sei que sou sexy, doce Faith. Não precisa ficar
vermelha por reconhecer isso.
Certo, a minha cota de bochechas coradas já havia
alcançado o seu limite por aquele dia. Eu teria que
enfrentar uma viagem com Derek por sei lá quantas horas
e, se continuássemos naquele rumo, eu chegaria na
Califórnia com o rosto pegando fogo, enquanto ele não
pararia de rir da minha reação. Ele adorava me provocar,
o bastardo.
Como se prevendo a minha extrema necessidade de
atenuar o momento constrangedor, Ryan apareceu na porta
após dar duas batidas leves, se anunciando. Nos viramos
para encará-lo.
— Espero que tenham tido uma boa noite de sono,
pois a viagem será longa — disse ele. — Eu já enchi o
Jeep de gasolina suficiente para algumas boas horas e tem
alguma comida lá, também. Imagino que dê apenas para
um lanche, então vocês terão que se virar para comer na
estrada.
Droga, de carro? Eu imaginei que fôssemos de avião.
Mas não era seguro, levando em conta o fato de que
éramos fugitivos e provavelmente um aeroporto seria um
dos primeiros lugares onde nos procurariam.
Sem problemas, Faith. Não é como se você fosse
surtar estando ao lado de Derek por, o quê... seis, sete
horas, aproximadamente? Eu conseguiria viajar com ele
por seis horas sem problema algum.
— Quanto tempo, mais ou menos vai durar essa
viagem? — perguntei.
— Dois dias — respondeu Ryan.
Puta merda, dois dias?! Dois dias em um carro com
Derek. Deus, eu esperava não mata-lo até lá.
— Tudo bem — falei, tentando não demonstrar o
quanto aquilo me inquietava. — Nós já podemos ir?
— Claro — Derek disse. — Você pôs tudo o que
precisava na mala? Não está esquecendo de nada?
— Não é como se eu tivesse muita coisa para levar
— respondi. — Está tudo comigo.
— Bom, então eu só tenho que desejar boa viagem —
disse Ryan. — Eu ligo para manter vocês a par das
novidades.
— Ok — Derek falou. — Valeu por tudo.
— Não há de quê. E a propósito, você ficou muito
sexy com essa cor de cabelo, menina Faith. Eu adorei.
Não deixei de sorrir.
— Obrigada, Ryan.
— Bom — Derek pigarreou um pouco forçado
demais, seu semblante sério. — Eu acho que nós temos
que ir, não é?
Assenti e fui guiada pelos dois homens até o Jeep.
Pusemos nossas malas no porta-malas e eu aproveitei para
colocar o casaco que Derek havia me emprestado no
banco da frente. Eu sentiria frio futuramente. Não
pretendia devolvê-lo tão cedo.
Quando já estávamos ambos no carro, ele ligou o
motor e, logo após, uma música dos X-Ambassadors
penetrou em meus ouvidos. Bom, ao menos um bom gosto
musical eu podia reconhecer que o homem possuía.
Ele pôs um par de óculos de sol e se virou para me
encarar.
— Pronta para viajar dois dias ao meu lado, doce
Faith?
— Se você não me irritar até chegarmos lá, é bem
provável que eu pense duas vezes antes de te dar outro
tiro.
Ele deu uma risada.
— Se você tivesse uma boa pontaria, até que eu me
sentiria ameaçado.
E sem mais uma palavra, ele pôs o carro em
movimento. Eu vi a forma como ele ficava bem com
aqueles óculos escuros e me dei conta de que matá-lo não
seria o meu maior desafio naquela viagem. Nem de longe.
☆☆☆
Dizer que uma viagem de incontáveis quilômetros do
estado de Nova York até a Califórnia ao lado de Derek
era algo entediante, seria uma grande e descarada mentira.
Ele não era muito de se abrir e contar coisas sobre o seu
passado, óbvio, mas era irritantemente sarcástico o
suficiente para se tornar engraçado. Eu consegui descobrir
— com um pouco de persistência maligna que me fez
adquirir o apelido nada carinhoso de Pequena Cadela
Insistente — que ele gostava de escutar bandas de heavy
metal e hard rock, tal como Kiss, Metallica, Aerosmith e
Red Hot Chili Peppers. Ele também havia confessado em
algum momento que detestava comida japonesa, reality
shows e não tinha paciência para garotas sem cérebro. Seu
sabor favorito de sorvete era creme e a sobremesa
predileta, cookies com gotas de chocolate — eu tentei
descobrir se ele estava zoando com a minha cara nessa
parte, mas percebi no mesmo instante que estava sendo
seriamente sincero.
Contudo, o seu lado "legal" e "gentil" se limitava a
isso, claro, sendo sobreposto pelo lado bastardo dos
infernos que ficou durante um longo momento contestando
o fato de eu ter sido basicamente uma fã dos Backstreet
Boys na adolescência e crer veemente na teoria de que o
Michael Jackson ainda estava vivo. Qual era o problema
em eu acreditar que Michael Jackson não havia morrido,
de fato? Eu ainda não havia perdido a esperança de um
dia poder assistir a um show seu.
— Você nunca parou para pensar que talvez ele tenha
realmente morrido e virado um zumbi, cavado o solo com
as próprias mãos para finalmente voltar ao mundo
exterior? — zombou, ainda dirigindo. — Exatamente
como vimos no videoclipe de Thriller, sabe? Com vermes
saindo dos seus olhos, muita sujeira e sangue pútrido
escorrendo da...
— Ugh, Deus, você é tão nojento! — o cortei fazendo
uma careta ao imaginar a cena. Ele deu uma risada,
satisfeito com a reação que ocasionou em mim e balançou
a cabeça.
— Fala sério, Faith, você realmente crê nessa
merda? — sem aguardar por uma resposta minha, voltou a
fitar a estrada, dividindo sua atenção entre ambos. —
Esse é o problema da juventude do século XXI. Estes
programas de televisão estúpidos, juntamente com a
internet e a mídia parasita alienam as pessoas, fazendo o
trabalho de convencê-los a acreditar nessas baboseiras
sem noção que eles montam, apenas para ganhar dinheiro.
— Você fala como o meu avô falaria — resmunguei
com um revirar de olhos. — Parece um velho de setenta
anos.
— Eu sou experiente — salientou, naquele tom
presunçoso que tanto me irritava, mas eu já estava
começando a me acostumar, pois fazia parte dele. — E eu
só aceito ser comparado com o seu avô de setenta anos,
caso ele não tenha sido fã de boybands como Backstreet
Boys ou 'N Sync em algum momento de sua vida, porque
isso, no mínimo, comprometeria seriamente a minha
masculinidade.
Relanceei um olhar em sua direção e percebi que ele
estava com uma expressão zombeteira. Óbvio que estava
fazendo aquilo para me irritar — mais um lado de Derek
que eu ainda não sabia como lidar muito bem. De
qualquer forma, o Derek descontraído e implicante, era
mais interessante do que o Derek sombrio e sanguinário.
— Tente admitir ao menos uma vez, Derek — eu
voltei a argumentar —, os caras eram realmente bons.
— Não, eles não eram bons, Faith. Existe uma grande
diferença entre você ser bom em algo e em você fazer
aquilo que agrada a maioria para seguir um estilo que
virou moda. Você pode não ser bom, mas por fazer aquilo
que a massa considera fascinante, acaba se tornando um
astro.
— Oh, então você acha que eu só ouvia Backstreet
Boys porque era uma adolescente influenciada pela
epidemia musical da minha época?
— Eu não quis dizer isso — ele falou. — Talvez
tenha a ver com o fato de eles terem possuído uma versão
menos talentosa do Leonardo Di Caprio como vocalista.
Eu não sei o porquê dessa coisa toda, mas as garotas
parecem ter problemas sérios de libido quando o assunto
é “caras loiros com olhos claros”. Apenas aceite, babe.
Você tem um péssimo gosto musical.
— Bom, dane-se a sua opinião sobre o meu gosto
musical, pois eu realmente não me importo — mentirosa.
— Agora, pare de me chamar de babe, ok?
Eu admito que estava parecendo uma adolescente
fazendo birra, o que era estranho, pois drama em excesso
não era muito o meu forte, mas em se tratando de Derek,
eu ficava automaticamente com os nervos à flor da pele. O
homem realmente sabia me tirar do sério quando queria.
— Por que? — ele questionou, dirigindo-me um
olhar. — Você não gosta?
Oh, eu gostava. Eu gostava muito, mas não estava
disposta a ser complacente com ele. O idiota fazia de tudo
para me ver fora do sério.
— Talvez eu odeie.
— Ou talvez você prefira que eu te chame de Raio de
Sol, não é?
— Eu não gosto muito desse apelido também —
franzi o cenho, encabulada. — Aliás, apenas uma pessoa
me chama assim. Como você descobriu?
Ele deu de ombros.
— É uma longa história, você não gostaria de saber.
— Derek! — adverti.
— O quê?
— O que diabos você fez com o Matt?
— Matt? Matthew Kyle? — pronunciou de forma
serena. Em seguida ele bufou em desdém. — Ele é um
babaca. Você deveria me agradecer por eu finalmente ter
te livrado daquilo.
Olhei-o perplexa. Oh, meu Deus! Será que...?
— Você... você matou o Matt?
— O quê? — exclamou como se eu tivesse ficado
louca. — Não, eu não matei o idiota do seu namoradinho,
mas isso não o torna menos babaca.
Ok, menos mal. Suspirei aliviada.
— Caramba, você me assustou.
— Qual o problema se eu tivesse o matado? — ele
voltou a me fitar, aparentemente bastante interessado. —
Por acaso você se importa tanto assim com ele?
— É claro que eu me importo, seu babaca idiota. Ele
é meu amigo.
— Bom, ele não me parece muito com alguém que
queira ser apenas um amigo para você, e talvez ele não
seja tão importante assim também, não é? Afinal, eu
aposto que você não o chama de babaca ou idiota a cada
maldito segundo do dia!
Ótimo, nós já estávamos brigando. Que belo
progresso, Faith!
Obriguei-me a me calar. Ele parecia seriamente
irritado com aquela conversa e por um momento eu não
compreendi muito bem qual era realmente a sua. Será que
Derek havia ficado chateado por eu defender Matt? E se
fosse, por que diabos ele se importava com isso, afinal?
Não era como se Matthew fosse uma ameaça para ele, no
fim de contas.
— Ok, talvez eu tenha exagerado com você, me
desculpe — eu disse, sentindo-me ridícula. — Você não é
um babaca idiota, também. Quero dizer, não o tempo
todo... — só na maioria das vezes, pensei, mas neguei-me
a pronunciar.
Eu estava verdadeiramente arrependida, pois apesar
da nossa calorosa discussão, Derek conseguia manter um
diálogo agradável e maduro durante a maioria do tempo.
Sem contar que aquela era uma boa forma de aproveitar
para conhecê-lo melhor. Eu não gostaria de perder a
oportunidade, pois eu não imaginava que ele fosse
despejar tão facilmente qualquer coisa valiosa sobre seu
passado, caso eu simplesmente perguntasse. O que havia
acontecido naquela manhã talvez tenha sido apenas uma
exceção. A sua forma de descarregar um peso depois de
tantos anos guardando para si todas aquelas informações.
— Isso não importa, realmente — desconsiderou. —
Pois mesmo se eu fosse o grande babaca idiota que você
adora tachar constantemente, eu não estaria desistindo de
te chamar de babe pelos malditos próximos dias que
estivermos juntos. Acho que é um ótimo apelido para
manter as aparências, não é, babe?
Rolei os olhos, considerando seriamente mandá-lo ir
à merda.
☆☆☆
Nós já estávamos a aproximadamente dez horas na
estrada, e eu realmente estava com muita vontade de fazer
xixi. Por sorte não sentia sono, mas já havíamos comido
todo o estoque de comida que Ryan fornecera, o que se
resumia em Hot Pockets recheados com presunto e
cheddar, batatas Pringles e algumas garrafas de água. Eu
sentia falta de comida em meu estômago, precisava
seriamente me alimentar.
— Nós não podemos parar em algum lugar para
comer? — choraminguei dramaticamente. — Eu sinto
como se houvesse um buraco gigante se abrindo no meu
estômago, Derek.
— Jesus Cristo, pra onde é que vai tanta comida? —
resmungou ele, fazendo com que eu semicerrasse meus
olhos. Troquei de posição para encará-lo.
— Eu comi já faz umas quatro horas, estou faminta.
Além do mais, eu preciso ir ao banheiro também.
— Certo, já entendi — murmurou. — A gente vai
parar na próxima lanchonete que encontrarmos para comer
algo e ir ao banheiro, está bem?
— Está ótimo, obrigada! — sorri, realmente muito
empolgada com o fato. Como uma adolescente impulsiva,
avancei no banco para dar um beijo em sua bochecha.
Senti Derek ficar rígido. Ele pigarreou, inquieto e eu
voltei à minha posição inicial. Pela primeira vez eu via
Derek desconcertado com algo, e aquilo era... fofo? Não,
não. Talvez fosse adorável. Adorável ainda não era a
palavra adequada para definir, mas eu sentia-me
estranhamente excitada depois de tudo.
Contudo, a minha euforia durou apenas por alguns
minutos, pois no instante em que Derek estacionou o carro
próximo a inúmeros outros automóveis repletos de
adesivos de caveiras e motocicletas gigantes e potentes —
que nem mesmo se eu vendesse o meu fígado e rins para o
Mercado Negro conseguiria comprar uma igual —
imaginei que a única coisa comestível que servissem ali,
provavelmente estaria cru e dentro de uma tanga para
strippers. Era bem provável que a minha entrada naquele
lugar nem fosse permitida, tendo em vista a cara de pateta
que certamente eu estava exibindo.
— Que diabos de lugar é esse? — perguntei,
atravessando cuidadosamente a porta baixa do local e
sentindo o cheiro forte da fumaça de cigarro dando boas-
vindas às minhas narinas, bem como o hard rock que
tocava alto o suficiente para que meus ouvidos coçassem
e minhas palavras quase não fossem ouvidas.
— Um lugar onde há banheiro e comida — tão
amável... — O mais próximo, além desse, seria a mais ou
menos quatro horas de viagem.
— Você já veio aqui antes? — questionei. — Digo,
você sabe no que estamos nos metendo, não é?
— Claro que sei, babe. E eu já estive em lugares bem
piores que esse aqui, acredite.
Como se aquilo fosse aliviar a tensão crua se
espalhando em torno dos meus músculos.
Derek cutucou meu ombro com o seu e fez um gesto
de cabeça em direção à uma mesa vazia, a única no local:
— Vamos lá. Toda essa demora está me deixando
com fome também.
Caminhei com ele, observando as pessoas que se
mantinham sentadas de frente ao balcão e às mesas. Fosse
bebendo, jogando ou... bem, enfiando a língua na garganta
um do outro. Algumas garotas passeavam seminuas pelo
local com bandejas nas mãos, como se não fosse nada de
mais ostentarem meio palmo de saia cobrindo suas
bundas.
— Eu estou realmente com muito medo desses caras
— praticamente sussurrei para Derek. — Eles são
assustadores.
Olhei na direção dos caras que mais se pareciam
motoqueiros selvagens do que qualquer outra coisa. Era
óbvio que eu provavelmente estava sendo bem
preconceituosa a respeito, mas eles me amedrontavam de
uma forma que me faziam ter vontade de sair correndo.
Mas Derek estava lá comigo, me lembrei. Ninguém
tocaria em mim enquanto ele estivesse por perto.
— Basta não encará-los. Se algum deles vier falar
com você, não ignore, mas também não dê muita brecha.
Eu vou estar com você e, para todos os efeitos, nós somos
um casal. Duvido que se aproximem enquanto eu estiver
por perto.
— Enquanto?
— Sim, babe, eu vou estar por perto durante todo o
maldito tempo, exceto quando você estiver no banheiro —
ele sorriu maliciosamente. — A não ser que você queira
que eu te faça companhia.
— Ha Ha, muito engraçado — ironizei, mas no fundo
considerando o quão interessante seria se ele me
acompanhasse.
Menina má, menina muito má! Não pense nessas
coisas.
Ele sacudiu a cabeça, ainda sorrindo um pouco e
apoiou os braços sobre o tampo da mesa, quando
questionou:
— E por falar nisso, o que você acha de ir até o
banheiro enquanto eu faço os pedidos?
— Você pode me levar até a porta? — perguntei,
nervosa o suficiente para não demonstrar um pingo
malícia em meu tom de voz. Eu realmente queria que ele
me acompanhasse e reconhecia estar me sentindo como
uma menina medrosa em seu primeiro dia de aula. Mas
Derek foi muito paciente em relação a isso, me seguindo
em direção ao único, e provavelmente sujo, toalete que
tinha por ali.
— Tem certeza de que não quer que eu entre com
você? — perguntou Derek com aquele sorriso de cretino
nos lábios. — Você sabe que a probabilidade de haver o
zumbi do Michael Jackson aí dentro é gritante, não é?
Rolei os olhos.
— Dependendo da quantidade de maconha que eu
fumar, talvez eu tenha a sorte de testemunhá-lo fazendo o
moonwalker — repliquei, empurrando-o pelos ombros
para que se afastasse da porta. — Mas eu não uso drogas,
portanto não corro esse risco. Dê o fora, Derek.
Ele ainda sorria sutilmente no momento em que
agradeci brevemente a sua ajuda em me acompanhar,
infiltrando-me logo em seguida no banheiro e batendo a
porta. Quando saí de lá, minutos depois, demorei um
pouco para encontrar a nossa mesa em meio à tanta
fumaça e pessoas. Devia ser aquele fato que me fazia não
ser muito fã de aglomerações. Era ainda mais difícil
considerando a minha pressa e, no mínimo, a meia dúzia
de pares de olhos curiosos e famintos direcionados à mim.
Finalmente consegui me reorientar. Encontrei Derek
sentado com as costas apoiadas na cadeira de uma das
mesas, mas quase parei os meus passos ao avistar a cena:
Derek de braços cruzados, portando-se casualmente,
enquanto, três caras mal encarados o cercavam.
Um deles parecia estar em torno de seus vinte e
poucos anos, possuía uma cabeleira castanha, tatuagens e
era muito magro para a sua altura. O outro, era um pouco
mais baixo e usava uma bandana preta com estampa de
caveiras. O que mais me assustou foi o último. O homem
que encarava Derek imitando sua pose. A expressão
estampada em seu rosto não era nada amigável. Ele era
parrudo, de barba e cabelos compridos. Vestia uma
jaqueta de couro sem mangas.
Que diabos aquilo significava?
Chupando uma respiração, tomei um ímpeto de
coragem, caminhando em direção à mesa. Ombros retos,
postura ereta e um sorriso que escondia o nervosismo que
eu sentia no momento. Cada passo que eu dava, mais
nítidas suas vozes ficavam. Estremeci com o tom usado
pelo barbudo.
— Ei, amigo, nós estamos tentando fazer isso do jeito
fácil — disse ele. — Mas você não quer colaborar.
— Uma pena, não? — Derek respondeu e eu podia
jurar que ele estava debochando. — No entanto, eu não
tenho o interesse de sair daqui tão cedo. Não enquanto a
minha garota não estiver perfeitamente acomodada e
alimentada.
O quê? Ele estava me incluindo naquela? Santo Deus,
eu não queria ter que chegar à Califórnia com um maldito
olho roxo ou dentes faltando. Eu prezava o suficiente da
minha vida para arriscar aquilo.
— Ei, rapazes — exclamei quando os alcancei.
Tentei soar natural e simpática. — O que está havendo
aqui?
— Você é a garota dele? — perguntou o homem
barbudo.
Eu juro que por um momento cogitei em contar toda a
verdade sobre a nossa situação e sair correndo dali feito
uma desequilibrada mental. No entanto, senti o braço de
Derek roçar meu pulso e me lembrei de que ele estava em
uma enrascada, que precisava mais do que nunca do meu
apoio, afinal eu também estava incluída naquela.
— Sim, eu sou — falei, abrindo outro de meus falsos
sorrisos encantadores. — Algum problema?
Ele não respondeu de imediato. Coçou a barba de
meses — na qual eu não me surpreenderia se encontrasse
um ninho de ratos lá dentro — e varreu-me de cima a
baixo. Seu olhar era predatório, aproveitando a situação
para demorar-se um pouquinho mais na região do meu
busto.
— O problema, boneca, é que o seu cara ocupou a
última mesa vazia do bar — ele falou, referindo-se a
Derek. — E nós queremos muito beber acomodados nela.
Ele havia mesmo me chamado de boneca?
— Oh, entendi. Vocês querem a mesa — forcei
novamente o sorriso. Porra, eu estava parecendo um
maldito banner de propaganda publicitária de marca de
pasta de dente! — Então se esse é o problema, eu acho
que nós podemos...
— Não, nós não podemos — Derek me interrompeu,
segurando o meu pulso firmemente. — E você, sente aí.
Ok, sinal vermelho. Se existia algo mais ameaçador
do que um grupo de homens grandes e aterrorizantes nos
intimidando, era Derek contrariado. Então eu engoli seja
lá o que estivesse prestes a vir como protesto e me sentei.
Lancei-lhe um olhar, questionando silenciosamente se ele
havia ficado louco, mas o idiota apenas entortou
despreocupadamente o canto de uma das sobrancelhas
para cima, como se realmente não se importasse em ter
sua bunda chutada a qualquer momento.
— Derek — sussurrei entredentes. — O que diabos
você está fazendo?
— Você estava com fome, certo? Portanto não
sairemos daqui até que você esteja alimentada — ele
disse. Voltando a fitar a trupe de mal encarados diante de
nós, disse: — Ei, caras, agora que o show de vocês
acabou, será que podem nos dar licença?
Algo como um rugido esganiçado saiu da garganta do
homem quando ele riu, sendo seguido por seus amigos.
— Nem fodendo, idiota! — bom, bom, alguém estava
irritado. Encolhi-me automaticamente na cadeira. Eu temia
o fato de haver a possibilidade de Derek se levantar, pois
eu sabia o que acontecia quando ele estava bravo, mas
também era inteligente o suficiente para me dar conta de
que estávamos em minoria, sem contar no fato de que e eu
não poderia nem sequer se considerada uma lutadora em
potencial. — Você está na nossa área e aqui as coisas
costumam acontecer do nosso jeito — continuou o
barbudo. — E nós queremos beber nessa mesa.
— Grande coisa — Derek bufou, ainda muito
tranquilo para a situação em que nos encontrávamos. O
homem era realmente louco. — Por que você não pega a
sua maldita caneca de cerveja e apoia ela nos peitos da
sua namorada? — Que diabos ele pensava que estava
fazendo? — Eles são enormes e eu te garanto que não
estou fazendo muito esforço para receber uma boa visão
do decote.
Prendi meus lábios entre os dentes e procurei uma
forma de controlar a tremedeira de minhas mãos e pernas.
Eu tinha medo até de respirar. Parecia que qualquer
movimento que eu fizesse iria ocasionar em uma explosão
em algum ponto daquele bar — o que talvez fosse uma
reação ridícula de alguém que não se sentia confortável
perto de homens maus. Bem, exceto Derek, mas Derek era
um caso à parte e eu preferia não envolve-lo nessa lista.
Com os olhos ainda saturados de um brilho que
demonstrava fúria, Barbudo deu um passo à frente, seus
punhos cerrados. Só após esse movimento eu pude lançar
um olhar examinador para a garota loira que, até então,
via-se escondida atrás dele. Ela era pequena,
aproximadamente 1,60m de altura, pele bronzeada, roupas
curtas e muito justas e — santo inferno — seus seios eram
realmente enormes.
— Você está ferrado! — rosnou o barbudo, se
aproximando mais um passo.
— E você está bêbado — Derek retrucou. — Eu
consigo sentir daqui o bafo desagradável desse seu hálito
podre. Não tente nada idiota pra cima de mim, porque
você não duraria nem dois minutos nesse estado.
Embora fosse frustrante concordar com Derek, eu
podia dizer que ele tinha razão. Analisando mais
atentamente, pude perceber que o homem não conseguia
proferir uma palavra completa sem retardar o processo,
seu corpo transpirava com odor semelhante a cerveja —
ou era apenas a sujeira impregnada em seu corpo. Eu não
saberia.
As palavras pareceram terem lhe atingido em cheio,
mas ele não recuou, avançando para Derek. No entanto um
dos seus amigos o segurou pelo braço e o deteve. Eu não
estava em uma posição muito favorável na mesa, mas tive
nitidamente a percepção dos fatos quando a garota loira
de seios fartos — que eu imaginei ser a namorada do tal
barbudo — olhava com profunda admiração para Derek, o
cara que acabou de criticar o seu decote.
Que descarada!
— Que tal se nós... fizéssemos um jogo? — sugeriu
ela. — Como uma espécie de disputa.
— E o que nós apostaríamos, baby? — questionou o
cara.
— Ora essa, a mesa — sorriu. — Ou vocês poderiam
tornar isso mais divertido.
O homem abriu um sorriso de volta. Algo como um
gesto de cumplicidade entre os dois se elevou, fazendo-
me questionar a mim mesma o que diabos aquilo
significava.
— Bom, eu acho que isso seria interessante — o
barbudo voltou a falar. — Nós podemos jogar uma partida
de bilhar. Se você ganhar, fica com a mesa. De quebra eu
lhe ofereço a minha doce Shelby.
Mas que diabos...?!
— E eu posso saber quem é Shelby? — Derek
questionou, aparentemente tão confuso quanto eu.
Mordi o lábio apreensiva. Eu só esperava que ele
estivesse falando de sua moto.
— Eu sou Shelby — respondeu a loira, abrindo outro
de seus sorrisos de piranha. O qual eu tive vontade de
arrancar do seu rosto com as minhas próprias unhas.
Derek fitou o grupo, sério. Em seguida, irrompeu em
uma gargalhada.
— Você está me oferecendo a sua garota em um jogo?
É isso mesmo?
— Relaxa, cara — disse o outro. — Nós não temos
problemas em dividir.
Os olhos de Derek focaram no corpo avantajado da
garota à nossa frente e eu me perguntei se ele estava
pensando em concordar com toda aquela merda. Ele não
podia compactuar com aquilo. Os caras eram loucos ou
aquela mulher provavelmente tinha alguma doença grave
na região genital. Não era possível que as pessoas
saíssem oferecendo suas parceiras para outros caras como
se elas fossem objetos.
Derek se manteve calado por extensos segundos,
como se estivesse analisando a proposta. Eu julguei ser
apenas uma estratégia sua para quando ele realmente fosse
mandar os caras irem à merda e nos arrastar para fora
daquele lugar. Eu nem sabia se sentia fome mais. No
entanto, os meus nervos emaranharam-se em rebuliço
quando ele finalmente decidiu falar, deixando-me ainda
pior:
— E se você ganhar? O que leva em troca?
O homem riu de lado, coçando novamente o queixo.
— A mesa, claro — em seguida, ele lançou-me um
olhar que gritava "sujeira" em letras garrafais. Meu
coração palpitou de medo. — E a sua garota.
Oh, Deus. Ele era realmente muito louco. Entretanto
era óbvio que Derek não iria fazer algo como aquilo,
certo? Derek não era um imbecil irresponsável. Ele não
gostava de mim, mas demonstrou se importar ao menos um
pouco comigo. Isso já era o suficiente para ele não insistir
naquela ideia estúpida. Não é?
— Fechado — decretou, se levantando. — Uma
partida, nada mais.
— O quê? — pasmei. — Que diabos você pensa que
está fazendo?
— Eu estou tentando fazer com que esses imbecis nos
deixem em paz.
— Me oferecendo como se eu fosse uma mercadoria?
— ralhei. — Você é um grande imbecil, Derek.
— É Grant — ele arrastou de volta. — E não se
preocupe, pois eu sei o que estou fazendo, ok?
— É claro que sabe — bufei ironicamente. — Você é
um babaca egoísta que parece estar fora do juízo. É bom
que você vença essa maldita aposta, porque eu não vou
deixar aquele imbecil me tocar. E ainda vou torcer para
que ele enfie um taco daqueles exatamente no meio da
sua...
— Melanie, querida, me escuta — Derek me
interrompeu, segurando em meus ombros e sacudindo-me
um pouco, o suficiente para que eu o encarasse em
silêncio. Em seguida, relanceou um olhar na direção dos
caras. Me empurrou suavemente, até um ponto onde
apenas eu o escutaria, e sussurrou: — Eu nunca faria nada
que pusesse sua integridade em risco de propósito, Faith,
você sabe. Por mais que você não creia, eu sei o que estou
fazendo aqui e, acredite, essa é a solução mais fácil de
sairmos desse lugar sem causar uma guerra. — Ele
suspirou e subiu a mão para segurar o meu rosto. Ele
estava tão perto e, bem diferente do homem barbudo a
alguns metros de nós, seu cheiro era bom e o seu hálito
exalava o aroma da goma de canela que ele havia
mascado momentos atrás. — Já disse para você confiar
em mim, Faith, só não torne isso ainda mais difícil. Sente
sua bunda bonita em algum lugar perto da mesa de bilhar e
finja ser uma garota doce que está se divertindo com tudo
isso, ok?
Assenti freneticamente. Ele se afastou de mim.
Seguindo em direção à mesa de sinuca, Derek apanhou um
dos tacos. Eu estava nervosa, admito, mas não com tanto
medo como antes. Eu sabia que ele não iria fazer nada
para que eu saísse ferida. Eu não deveria me sentir assim,
mas eu me sentia.
O jogo começou e eu me obriguei a acompanhar
calada por motivos óbvios, onde incluía no fato de eu não
fazer a menor ideia de como se jogava bilhar. No entanto,
Derek parecia saber fazer aquilo muito bem.
Pobre garota inocente, você ainda não percebeu que
ele é exemplar em tudo? Zuniu o meu subconsciente.
Bem, não tudo, eu pensei; afinal, eu ainda não havia
experimentados outras... performances de Derek. No
entanto, eu imaginava que ele deveria ser ainda melhor
nas demais situações.
Engoli uma risada, mesmo diante de toda a confusão,
e balancei a cabeça.
Caramba, eu era uma safada.
Voltando a focar no jogo, relaxei um pouco mais ao
perceber que Derek estava vencendo quase todas as
jogadas. Bom, ao menos era isso o que aparentava no
marcador do pequeno quadro na parede. Foi quando eu
também vi a tal Shelby recostada contra a mesa grande e
escura com centro revestido em feltro, seus peitos
praticamente saltando para fora.
A excitação nos seus olhos era quase palpável. Pude
notar que estavam direcionados à Derek. Foi naquele
momento que eu repensei sobre os fatos e considerei se
seria realmente uma boa ideia ele vencer. A verdade é que
aquela situação era uma maldita faca de dois gumes, pois
se ele perdesse, eu teria que ser atirada nos braços do tal
idiota barbudo e enfrentar seja lá o que ele estivesse
programando para mim. No entanto, se Derek vencesse...
ele teria que reivindicar sua "recompensa" que, no caso,
seria a maldita Shelby. Eu não sabia se estava preparada
para aquilo. Éramos para ser um casal, não é? Eu não
suportaria ser traída, mesmo que fosse de mentirinha.
O restante do jogo eu passei roendo as minhas unhas,
dissecando Shelby apenas com um olhar torto e temendo o
que estaria por vir depois de tudo aquilo. Por sorte — ou
falta dela — o placar final indicava explicitamente a
vitória de Derek. O que não foi muito difícil, sejamos
realistas, pois o outro cara não estava praticamente
suportando manter o seu próprio corpo de pé.
Dando tapinhas nas costas do meu companheiro de
mentirinha, ele e o parabenizou, mas deixando bem claro
que ele só havia perdido pois estava muito bêbado. Bom,
eu não podia contestar aquele fato.
Shelby foi a próxima a se aproximar de Derek. Antes
mesmo que eu pudesse chegar mais perto dele, ela
enganchou o seu braço no dele, passando a outra mão pelo
peito do cara que tecnicamente pertencia a mim.
Cadela.
— Eu acho que está na hora de você pegar seu
prêmio, não é, meu bem? — ronronou.
Algo se retorceu em meu ventre quando ele pôs a
mão sobre a dela. Oh, Deus! Mais um pouco daquilo e eu
iria seriamente vomitar.
— Valeu, mas não — respondeu ele. — Eu só queria
a mesa.
O quê?
— Como é que é? — Shelby parecia furiosa.
— Eu disse que não — decretou ele novamente, se
livrando do aperto da loira.
A garota ainda o fitava, totalmente pasma, quando
Derek caminhou em minha direção. No entanto, o tal
barbudo — que àquela altura eu ainda não sabia como se
chamava — o interrompeu.
— Ei, cara, qual é o seu problema? Você é gay?
Derek não respondeu de imediato e eu percebi que
era porque ele estava se controlando para não rir. De fato,
a pergunta era no mínimo ridícula, mas vindo daquele
pedaço de homem à nossa frente eu não me surpreendi
muito.
— Não, eu não sou gay — ele disse.
— Então o quê? — retrucou. — Você não acha a
minha Shelby atraente o suficiente?
Santo Deus, será que seria pedir demais querer ter
um jantar e um restante de viagem em paz? Eu já estava
completamente esgotada de tudo aquilo. Não estava muito
disposta a continuar com aquela merda.
— Ele não é gay, nem tampouco está interessado na
sua namorada — explodi. — Por Deus, ele já venceu o
maldito jogo e está abrindo mão de um dos prêmios. Será
que vocês podem nos deixar em paz de uma vez por
todas?
— Isso é uma idiotice — ralhou Shelby, a
inconformada. — Se querem mesmo saber, vocês nem se
parecem como um casal de verdade.
— Você tem razão, baby — concordou o barbudo,
fazendo-me engolir em seco de nervosismo no momento
seguinte: — Eu acho que vocês estão mentindo para não
terem que lidar conosco. Ninguém até hoje rejeitou a
minha Shelby e isso é destratar a minha garota.
Quão doente uma pessoa chegava a ser a ponto de
se enfurecer porque um outro cara se recusou a foder a
sua companheira? Que gente maluca.
— Eu não me importo pra o que vocês pensam, se
querem saber — Derek pronunciou. — Eu amo a minha
garota, ela me ama, e nós não dividimos. Simples assim.
Caramba, ele era um ótimo em contar mentiras,
pensei.
Finalmente ele se aproximou de mim, puxando-me
pelo braço. Eu senti seu toque quente em minha pele e
imediatamente o meu corpo reconheceu a sensação de
segurança. Ele encarou o meu rosto. Seus olhos estavam
tão intensos nos meus que em outras circunstâncias eu me
derreteria só por ouvir aquelas palavras. Palavras estas
que eu tinha ciência de serem totalmente falsas, apenas
para despistar a desconfiança do barbudo e de sua
namorada.
— Você não concorda, babe? — sua voz era tão
suave e tão quente, invadindo os meus ouvidos e
causando-me múltiplas sensações. Por que ele não falava
comigo daquele jeito sempre? Eu tinha certeza de que
jamais cogitaria xingá-lo novamente, caso ele usasse
apenas aquele tom de voz.
Alguém pigarreou impaciente e eu me lembrei de
imediato o porquê de ele estar agindo daquela forma. Ele
queria iludir, claro, e o bastardo era tão bom que por um
momento eu fui pega pela armadilha.
Voltando a me lembrar que ele havia me feito uma
pergunta, obriguei-me a concordar, sacudindo a cabeça
para cima e para baixo, feito um robô maldito.
Barbudo riu.
— Vocês são patéticos — debochou. — Eu ainda não
acredito em nada do que disseram até agora e, a menos
que me provem o contrário, eu irei julgar que estão
tentando nos fazer de idiotas com essa história, o que me
deixa muito bravo. Vocês não gostariam nada de me ver
bravo.
Merda!
— O que você quer que a gente faça? — questionei.
— Que transemos feito coelhos na sua frente para
provarmos um ponto?
Diferente do que imaginei, o homem olhou-me com
interesse, parecendo realmente cogitar aquilo. Eu e minha
maldita língua!
— Apesar de a cena ser tentadoramente excitante,
vocês não precisam chegar a este ponto, caso não queiram
— disse ele. — Apenas prove que vocês não estão
tentando nos fazer de idiotas.
Busquei auxílio em Derek, virando-me para encará-
lo. Por mínimos segundos eu senti a mescla de relutância,
tensão e ponderação em seu semblante duro. Ele soltou um
suspiro longo e como um cara que pensava rápido, deixou
de encarar o barbudo para trocar o seu corpo de posição,
apenas alguns centímetros, ficando frente a frente comigo.
Suas mãos deslizaram pela minha cintura, detendo-se
no topo dos meus quadris e eu podia sentir seus dedos
roçarem de leve a pele nua quase na altura do meu cóccix.
Suguei uma respiração tentando controlar a sensação
precoce de frio na barriga, mesclado à algo mais que
desceu pela minha espinha. Seus olhos se fixaram nos
meus, intensos, calorosos e vivos demais para que eu
sequer cogitasse desviar o olhar. Então ele se aproximou
um pouco mais de mim, nossas respirações muito
próximas. Instantaneamente, eu me dei conta do quão
aguçados se viam os meus sentidos. Meus seios roçando
em seu peito, sua respiração controlada, o barulho da
minha pulsação frenética. Era como se apenas um mísero
toque dos seus dedos sobre o tecido da minha roupa fosse
suficiente para enviar uma descarga pelo meu corpo. Cada
poro se alterando em um arrepio gostoso, e — puta
merda! — ele mal havia me tocado!
O que aconteceria caso ele... doce menino Jesus!
Meus pensamentos se esvaíram no instante em que Derek
chegou seu rosto ainda mais perto e roçou seus lábios em
meu pescoço. Sua pele se friccionou contra a minha,
apenas o suficiente para manter-me acesa.
Dedos fortes e habilidosos escovaram um dos meus
braços, subindo gradativamente e incitando em mim um
calafrio, até alcançar e minha nuca e agarrar um punhado
do meu cabelo escuro e curto. Algo pulsou lá em baixo,
bolhas invisíveis se contorciam em meu ventre. Meu
coração bateu forte, rápido e descompassadamente;
minhas mãos suaram e eu me senti como uma adolescente
virgem do Ensino Médio de novo. No momento em que o
toque dos seus lábios macios deslocou-se para a minha
orelha, senti como se todo o meu ser estivesse
transformando-se em uma chama viva.
— Por favor, não chute as minhas bolas por isso —
ele sussurrou.
Eu já estava prestes perguntar por que diabos eu o
chutaria, quando senti sua mão apertar um pouco mais
forte a minha nuca e de repente senti-me muito necessitada
daquilo.
Contudo não pude exigir absolutamente nada naquele
momento, muito menos no seguinte; pois, assumindo a
missão de oficialmente destruir todos os meus neurônios,
Derek me fez perder qualquer palavra quando, de repente,
os seus lábios reivindicaram os meus.
20: Bonnie & Clyde

Faith
Eu conseguia sentir nitidamente o sabor levemente
adocicado que provinha de sua boca. Os movimentos
lânguidos de seus lábios cálidos, casados com as
deslocações ousadas de suas mãos e língua, possuíam o
efeito de me embevecer, como a mais poderosa bebida
destilada, deixando-me seriamente trêmula, arfante e
desnorteada. Soltei um gemido abafado no momento em
que sua língua se atreveu a acariciar de leve o meu lábio
inferior e jurei a mim mesma que aquilo era efeito do
pequeno corte que eu ainda possuía.
Era mais do que evidente que havíamos nos infiltrado
em uma zona extremamente perigosa, visto que nossas
ações, naquele momento, não eram as mais integramente
corretas. Nos beijávamos descaradamente dentro de um
bar barra pesada, fornecendo gratuitamente um belo show
a algum grupo de idiotas que se achavam espertos o
suficiente para encherem a paciência com desconfianças
fundamentadas apenas por suas mentes afogadas em
álcool. Algo dentro da minha cabeça — uma parte que
ainda não havia ficado insana — zunia uma e outra vez
para que eu cessasse com o beijo e, consequentemente,
encerrasse os movimentos habilidosos de suas mãos sobre
meu corpo, pescoço e cabelos. Para que eu desse um fim
àquele jogo de uma vez por todas. No entanto, eu me
sentia tão... bem. Eu sentia-me necessitada, ardente e
totalmente apertada. Em diversas partes do meu corpo —
inclusive em alguma região localizada em meus seios.
Sua mão apertou a minha cintura com ainda mais
firmeza e a maldita língua resoluta voltou a tocar a minha.
Incitando, sugando, tomando o último resquício de
equilíbrio mental que eu ainda possuía e — puta merda!
— ele era bom naquilo também.
Eu já estava começando a ficar irritada, porque o
homem parecia ser perfeito em tudo. Até mesmo, pensei,
anatomicamente, ao dar-me conta do poderoso inchaço em
suas calças, cutucando o meu estômago quando ele me
apertou mais duro.
Oh, Deus, seria muito eu pedir um pouco mais de
oxigênio? Com certeza não, mas para isso eu teria que
desgrudar dos lábios de Derek e eu definitivamente não
estava interessada em me arriscar a perder o contato.
De olhos fechados, pernas bambas e respiração
entrecortada, eu sentia que o meu corpo havia ido às
chamas em questão de segundos. Minhas mãos agarraram
seus braços musculosos e eu segurei com força a camisa
escura que moldava em seu corpo como uma segunda
pele, conforme as suas desciam lentamente, um roçar
quase doloroso, indo de encontro à minha bunda. Ele
aproveitou o momento para encaixar adequadamente meu
traseiro em seus dedos. Senti novamente o latejar
desconcertante entre as minhas pernas. Minha calcinha
estava totalmente molhada, eu sentia, e isso só porque o
homem havia me dado um beijo! Merda, aquilo era surreal
e vergonhoso. Derek, provavelmente, me acharia ridícula
se descobrisse.
Ele se afastou apenas alguns milímetros, como se
para recobrar a sua respiração e por uma fração de
segundos captei Derek me encarando. Meu olhar manteve-
se fixo no seu, sua mão voltou a deslizar para o meu
pescoço, reativando cada terminação nervosa. Para meu
deleite, seus lábios encontraram os meus de novo.
O céu. Eu havia reencontrado o céu.
Uma sensação estranha se acumulou na base da minha
espinha, meus dedos dos pés se enrolaram e eu estiquei as
minhas pernas para tentar nivelar as nossas alturas e, de
alguma forma, ter um pouco mais daquilo que ele estava
me dando. Agarrei os seus cabelos curtos e Derek grunhiu,
mordiscou e chupou o canto do lábio que não estava
machucado. Eu sentia que havia derretido, áreas do meu
corpo pulsavam enlouquecidamente e minhas pálpebras
estavam pesadas. Então, tão surpreendentemente como
aquilo havia se iniciado, ele finalmente encerrou o beijo e
se afastou. Dessa vez não retornou e eu senti um vazio
quase pungente. Eu queria que ele me preenchesse. Duro.
Forte. Rápido. Inferno! No que eu estava pensando? Eu
não conseguia pensar, para ser mais exata.
— Uau! Isso foi... quente — murmurou Shelby em
algum lugar ali perto. Seu tom visivelmente ofegante. Eu
poderia agir como uma cadela possessiva e sorrir
vitoriosa para ela, mas eu não estava conseguindo respirar
muito bem, então desisti.
— Espero que não tenham ficado dúvidas dessa vez
— Derek sibilou com voz rouca e aparentemente irritada,
puxando-me pela mão no instante seguinte. Então ele
murmurou um “babacas” e se virou, seguindo em direção
à mesa.
Minhas pernas ainda tremiam, o meu corpo ainda
ardia e os meus lábios formigavam, ansiando por mais
daquilo que haviam experimentado momentos atrás. Ele,
no entanto, estava estranho. Bem mais estranho do que de
costume. Postura rígida, sério e não me olhava, o que me
incomodou consideravelmente.
— Por que... — pigarreei ao sentir minha voz rouca e
refiz a frase: — Por que você fez aquilo?
Derek ergueu os olhos e me dirigiu um olhar — o
primeiro desde que havíamos nos beijado:
— Ao que se refere?
— Você sabe do que estou falando! — eu estava
ficando irritada por sua insistência em fingir que não
sabia. — O beijo!
Ele não respondeu de imediato. Apenas me encarou
enigmaticamente antes de dar de ombros e limpar a
garganta.
— Eles estavam desconfiando — disse, de forma
plácida. — Foi para manter as aparências.
Oh, claro. Apenas para manter as malditas
aparências.
— Eu acho que você conseguiu — respondi bem
mais enfezada do que queria. — O que você iria fazer,
caso tivesse perdido o jogo?
Derek voltou a me olhar ainda sério e suspirou como
se fosse um esforço muito grande me dar aquela resposta.
Era em momentos como aqueles que eu sentia vontade de
socar a sua cara. Ele não podia ficar menos... estranho
depois do que havia ocorrido? Afinal de contas foi ele
quem me beijou, eu não havia pedido por aquilo, embora
tivesse apreciado, e muito. Parecendo desistir de lutar
contra a minha insistência, ele segurou na barra da sua
camisa e levantou o tecido de leve, apenas alguns
centímetros, mas o suficiente para que eu pudesse focar no
pedaço do “V” evidente acima do cós da sua calça. Notei
que ele havia feito aquilo para me mostrar a arma.
Ah, claro, ele não saía sem a maldita arma.
— Relaxa, babe, eu sempre tenho um plano B. Nunca
te ofereceria para outro cara — decretou.
— Claro que não — rebati. — Até porque eu tenho
que concordar, em primeiro lugar, para que isso venha a
acontecer, certo?
— Você tem razão — disse. — Mas, mesmo que você
quisesse, eu jamais permitiria.
Oh, uau. Eu acho que estava com fome novamente.
— Nós poderíamos... comer agora? — sugeri,
procurando desesperadamente mudar de assunto.
— Claro. Eu vou fazer os pedidos.
Com um aceno de mão, Derek chamou uma das
garçonetes seminuas que veio ao nosso encontro em
questão de segundos. Após fazermos os nossos pedidos,
ela se afastou, me deixando com a terrível necessidade de
preencher o silêncio que havia se instalado em nossa mesa
e esquecer do beijo abrasador que acabávamos de ter e
ainda fazia partes do meu cérebro não funcionarem de
forma correta.
— Você havia me dito que já esteve em lugares
piores que esse aqui — eu comecei. — Para quais
lugares, além de Nova York e Michigan, você já viajou?
— Seattle — falou. — Fiquei algumas semanas por
lá.
— E como são as pessoas de lá?
— Não muito calorosas, se é o que quer saber.
Ponderei sobre aquelas palavras. Antes mesmo que o
filtro do meu cérebro pudesse funcionar, eu repliquei:
— Não é como se você fosse a pessoa mais calorosa
do mundo também, não é?
Uma risadinha escapuliu da minha garganta, conforme
a expressão dele tornava-se aquela coisa maldita que ele
sempre fazia quando estava pensando sacanagens. Mas
como eu sabia quando ele pensava em sacanagem? Droga,
eu não deveria ter ciência disso, não é? Eu sou uma
cadela louca.
— Por que diz isso, doce Faith? — seu tom frio de
momentos atrás havia morrido completamente. Engoli em
seco, preparando-me para o que estava por vir: — Por
acaso você deseja experimentar o meu lado quente?
Puta merda! Ele estava querendo me provocar, óbvio.
Mas eu não iria mais recuar como fazia todas as vezes que
ele insinuava coisas daquele tipo. Eu tive a língua daquele
bastado provocador dentro da minha boca — duas vezes!
— e eu sabia que por mais que ele insistisse em se manter
frio, suas... apalpadas não haviam sido apenas para
manter as aparências. Não mesmo!
Inclinando-me de leve sobre a mesa, fiquei frente a
frente com ele. Estávamos tão próximos que eu podia
jurar que as pontas de nossos narizes praticamente se
roçariam.
— E se eu quiser? — rebati, tão desafiadora quanto.
Eu já estava começando a ficar de saco cheio de todo
aquele seu joguinho de provocações, apenas para me
deixar vermelha e, no fim das contas, se regozijar da
minha estúpida e incontrolável reação como um
verdadeiro cretino.
Mas, diferente do que acontecia comigo quando era
pega de surpresa, ele apenas sorriu. É claro que ele
sorriu, o bastardo. Parecia que ele gostava quando eu o
provocava. Aquilo já estava começando a se transformar
em um jogo incrivelmente perigoso e eu sabia que no fim
das contas um de nós dois iria se queimar. Provavelmente
o lado mais fraco.
— Bom, então teríamos um sério problema aqui —
sua voz era baixa, rouca e mesmo sob o barulho quase
ensurdecedor da música que tocava, ele conseguiu causar
o efeito desejado em mim.
Antes que eu pudesse dizer mais algo, a garçonete
voltou com os nossos pedidos. Foquei em devorar o meu
grande e gorduroso hambúrguer, para tentar não pensar
muito em Derek, em suas palavras e... em seu beijo. Que
beijo foi aquele? Eu ainda não sabia definir, mas apesar
do fato de ter pouca experiência, eu tive a comprovação
de que Derek possuía a capacidade de enlouquecer até a
mais habilidosa das prostitutas.

☆☆☆
Era tarde e, por sorte, nós já estávamos na metade do
caminho. Contudo, não dava para dormir naquele carro.
Além de aquela opção ser dolorosamente desconfortável,
estava frio o suficiente para necessitarmos de algo quente
para nos enrolarmos.
Estacionamos em frente a um motel de aparência
velha e deteriorada. A fachada, que julguei ter sido clara
em seus dias melhores, era de um branco amarelado, com
portas de madeira envelhecida. O cheiro forte de
eucalipto, logo que adentramos a pequena recepção, deu-
me a impressão de que eu estaria em maus lençóis caso
sofresse de algum problema respiratório.
Uma velha senhora ostentando uma verruga
amarronzada no nariz e rosto enrugado pela idade já
avançada nos atendeu. No começo eu cogitei exigir por
um quarto com duas camas, mas não havia muitas opções
ali, além do fato de que era para eu e Derek nos
passarmos por um casal apaixonado. Dormir em quartos
separados não seria uma boa forma de provar aquilo aos
demais.
— Eu tenho apenas um quarto vago — ela disse de
má vontade. — Venham comigo.
Seguindo as suas ordens, nós subimos com ela em
direção ao estreito corredor de luz parca. Ela parou em
frente à porta do quarto que julguei ser o único vazio dali
e retirou de seu avental um molho de chaves. Abriu a
porta, afastando-se um pouco para que entrássemos antes
dela.
— O quarto é um dos maiores que temos aqui. Possui
cama de casal, banheiro e uma janela que pode ser aberta.
Logo vocês poderão se acomodar melhor assim que eu
trocar as roupas de cama — falou. — E não fiquem muito
tempo no banheiro, a encanação é antiga. Também tomem
cuidado com a descarga, o sanitário está entupido e às
vezes a água transborda.
Ugh.
— Hum, ok, eu acho que nós conseguiremos resolver
isso — falei.
— Certo — resmungou a velha de volta. Em seguida,
retirou um bolo de lençóis dobrados de dentro de um
armário embutido de madeira, colocando sobre a cama.
Ela voltou a falar enquanto arrumava a roupa de cama no
colchão: — Não façam muito barulho, nem sujem os
lençóis, caso as coisas esquentem aqui dentro — que
diabos era aquilo?
Alternei meu olhar entre a velha e Derek, que
carregava uma expressão debochada.
— Hm... eu acho que não entendi muito bem — voltei
a murmurar, tentando ter certeza de que ela não havia dito
o que eu pensei que dissera.
— Eu disse para não fazerem barulho — repetiu. —
Têm mais pessoas dormindo nos quartos ao lado.
Oh, caramba! Ela estava insinuando que nós...? Eu
abri e fechei a boca. Abri novamente, para finalmente
esclarecer as coisas com aquela velha malcriada, quando
Derek foi mais rápido que eu:
— Você ouviu as recomendações, não é, querida? —
por que eu tinha a leve impressão de que ele estava
aprontando algo? — Nada de barulho à noite. — Em
seguida, ele encarou a velha novamente. — Ela costuma
gemer bem alto às vezes, principalmente quando eu pego
pesado. Mas eu sempre tapo a sua boca quando
necessário.
Eu juro que demorei uma fração de segundos para
identificar o motivo de ele estar fazendo este maldito
comentário. Inferno, eu queria mata-lo e rir ao mesmo
tempo, pois a expressão estarrecida da mulher foi
sensacional.
— Não seja um hipócrita — retruquei. — Você
costuma fazer bem mais barulho que eu. Às vezes eu tenho
a impressão de estar transando como uma máquina de
costura antiga — me aproximei da mulher eu sussurrei. —
Às vezes ele uiva. Como um lobo, sabe? É assustador,
mas é sexy.
Os olhos da mulher se arregalaram ainda mais. Ela
pigarreou, totalmente desconcertada.
— Jesus Cristo — murmurou. — De qualquer forma,
isso não é da minha conta. Eu acho que já dei todas as
coordenadas, não é? Tenham uma boa noite.
Ela nos deu uma última olhada antes de se virar e
sair, batendo a porta atrás de si.
— Pelo visto a prima de Matusalém não é tão dura
quanto parece — Derek comentou.
Não deixei de dar uma risada.
— Ela me assustou, mas foi divertido — eu disse, me
virando e batendo meu braço no móvel ao lado,
apanhando um pouco de sujeira escura que eu realmente
não sabia o que era. — Deus, será que todo lugar nessa
cidade é assim? — resmunguei. — Isso cheira mal.
— Não toque nisso — ele falou. — Podem haver
germes de todos os tipos por aqui. Sabe Deus o que os
antigos hóspedes andaram fazendo em cima dessas coisas.
— Você realmente não está ajudando, Derek!
— Não complique as coisas, Faith — disse ele. —
Esse lugar ao menos tem um banheiro e uma cama. Não é
como se fôssemos ficar aqui por toda a vida. Nós
chegaremos em Scout Lake em breve.
— Assim espero — murmurei. Eu estava exausta.
Havia passado por coisas suficientes naquele dia, e
precisava seriamente repor as minhas energias. Olhei para
a cama que não aparentava ser muito confortável, mas
calculando o quão agradável seria quando eu finalmente
me deitasse nela e apagasse. Mas então, um pensamento
me veio à mente: só havia uma cama no quarto. — Ei,
você vai dormir no chão?
Derek trocou de posição para me encarar
diretamente. Sua expressão era algo como se ele não
estivesse acreditando que eu houvesse considerado aquela
possibilidade.
— Por que eu dormiria no chão com uma cama de
casal imensa neste quarto?
Remexi-me, desconfortável.
— Bom, eu achei que... — suspirei. — Você não está
pensando em dormir comigo, não é? Porque, sério, Derek,
eu não vou dividir uma cama com você.
— Então durma no chão.
Eu senti minha boca se entreabrir em surpresa. O
idiota havia mesmo me dito aquilo? Não que eu fosse
morrer ou algo do tipo, se dormisse naquele chão duro,
mas onde havia ido parar o seu cavalheirismo? Derek,
provavelmente, não o possuía.
— Pois bem, eu posso muito bem dormir no maldito
chão, seu ogro idiota! — despejei, caminhando em
direção ao móvel de madeira de onde eu havia visto a
senhora retirar as roupas de cama. Eu conseguiria achar
algo macio o suficiente para dormir em cima.
— Eu achei que nós já tivéssemos superado a fase
dos apelidos carinhosos, doce Faith.
— E eu achei que você tivesse prometido que pararia
de agir feito um babaca — continuei, sem dirigir-lhe o
olhar, ainda mantendo minha atenção no armário dos
lençóis. Droga! Era alto e eu não alcançava!
— Você quer ajuda?
— Não, obrigada!
Ele suspirou e balançou a cabeça. Notei, de relance
ele levar as mãos aos quadris, encarando-me com uma
expressão de desagrado, como se buscando paciência
para lidar com a situação.
— Você está sendo infantil, Faith. Eu não agi como
um babaca.
Ok, eu estava agindo infantilmente, mas ele havia me
irritado. Para ser mais sincera, não bastava muito para
Derek me irritar. Percebendo que eu não iria dizer alguma
coisa tão em breve, ele prosseguiu:
— Não proibi você de dormir na cama comigo,
proibi?
Finalmente eu me virei e o encarei de frente. Eu
sentia minhas bochechas esquentarem. Aquilo era tão
constrangedor.
— Não, mas é que... eu nunca dormi numa mesma
cama que um cara, e isso meio que soa estranho.
— Você nunca dormiu com um cara antes? E eu estou
me referindo a apenas... dormir — neguei com um gesto
de cabeça. Derek lançou-me um olhar compreensivo,
porém curioso. — Quantos namorados você teve, Faith?
Droga! Tinha como aquilo ficar pior? Eu não queria
ter que me expor daquela forma para ele. Fazia eu me
sentir muito... inexperiente. O que eu realmente era.
— Hum... eu... eu só tive um — respondi. — O
Simon, você sabe.
Tocar no nome de Simon fez Derek ficar rígido.
Cerrou o maxilar e notei a suavidade com a qual ele agiu
comigo ir embora completamente.
— Eu não me surpreendo — murmurou
desdenhosamente. — O cara não parece ser capaz nem
sequer de fazer uma mulher atingir o orgasmo, duvido
muito que se dê ao trabalho de dormir com ela.
Suas palavras me fizeram — por mais que eu tenha
tentado evitar — comparar Derek com meu ex-namorado.
Como seria dormir com ele? Aquilo significava que ele
não era do tipo que fodia e chutava seu traseiro para fora
de sua cama depois? Céus, ele havia acertado, mesmo que
inconscientemente, quanto a Simon não saber fazer uma
mulher atingir um orgasmo, o que me fez imaginar que
Derek provavelmente conseguiria e não uma única vez.
Calor. Eu sentia calor. Oh, droga, má ideia. Então
para deixar menos embaraçosa aquela situação, eu decidi
levar a conversa para um outro rumo. Pigarrei, falando a
primeira coisa que me veio à mente e que servia para
fazê-lo esquecer aquilo.
— Vamos decidir assim: você fica com o lado
direito, ok? Eu costumo dormir melhor do esquerdo.
Um sorrisinho surgiu em seu lábio e ele fez aquela
coisa malditamente sexy de passar a língua sobre o lábio
inferior. Eu quase me derreti.
Quase.
— Tudo bem — concordou. — E para provar que eu
não sou nenhum ogro idiota, eu deixo você tomar banho
primeiro. Ao que tudo indica, eles têm água quente aqui.
— Obrigada! — murmurei, verdadeiramente grata.
Logo em seguida ajeitei minhas coisas, pronta para me
infiltrar no banheiro.
Ao fechar a pequena porta sanfonada atrás de mim,
constatei que o local não era de todo limpo, mas razoável
o suficiente para tomar banho aquela noite. Da forma que
pude, me lavei e tratei de vestir o par de roupas que havia
separado. Eu não queria ter que vestir um jeans para
dormir, mas com Derek ao meu lado seria a opção mais
viável.
Após sair do banho, encontrei Derek sentado sobre o
colchão, segurando seu iPhone e digitando algo.
— Eles não possuem sinal aqui — falou. — Pelo
visto só vou poder ligar pra Ryan quando chegarmos lá.
— Não se preocupe com isso. Ryan sabe se virar e
notícias ruins correm. Não é isso o que dizem?
— Pois é, talvez você esteja certa — replicou. — Eu
estou cansado, acho melhor tomar o meu banho e me
deitar em seguida.
— Ok — concordei, observando-o se levantar e
trancar-se dentro do banheiro.
Durante todo o maldito momento foi praticamente
impossível não projetar imagens de Derek se despindo e
se ensaboando em minha mente. Como ele deveria ser nu?
Inferno, eu estava tendo pensamentos de uma virgem
adolescente. Que diabos havia acontecido comigo e com a
minha maldita libido — que por sinal eu praticamente
nunca tivera e havia acordado em tempo recorde?
Deitei na cama e infiltrei-me sob os lençóis. Deitada
feito uma múmia, eu rezei para que já estivesse dormindo
quando ele saísse. No entanto, eu ainda estava bem
acordada quando Derek irrompeu da porta do banheiro,
vestindo apenas uma cueca e... o que era aquilo? As suas
tatuagens, agora eu podia ver, se estendiam desde seus
bíceps até o peito.
Algumas eu não conseguia enxergar corretamente,
diante da escuridão, mas pude notar o quanto suas pernas
eram magníficas, seu torso muito bem construído. Tudo
nele gritava pecado. Me perguntei se em algum momento
alguma garota havia lambido aqueles mamilos. Eu o faria,
se tivesse a oportunidade.
Sua grande cadela tarada! Gritou meu
subconsciente. Bom, me desculpe, mas eu não estava
morta.
— Você... — pigarrei. — Você não vai se deitar
assim, não é?
— Assim como?
— Seminu.
Ele arqueou uma sobrancelha, aproximando-se um
pouco mais, sem se importar por estar ostentando tudo...
aquilo. Mas quem se importaria com um corpo daqueles,
convenhamos?
— Eu estou nu? — indagou.
— Hum... não exatamente. — gaguejei.
— Então não há problema em eu me deitar assim — e
com isso, ele se infiltrou debaixo dos lençóis, bem ao meu
lado.
Me remexi em minha posição, sentindo-me de repente
muito incomodada e engoli em seco umas três vezes antes
de me dar conta de que eu não estava respirando. Merda,
ele cheirava tão bem. E seus braços e seus malditos
mamilos estavam tão próximos agora. Talvez se eu
chegasse um pouco mais perto...
— Faith, você está bem? — ele questionou.
— Eu... eu estou ótima. Por que?
— Você me parece... sem ar.
— Eu estou legal — forcei-me a pigarrear de novo.
Virei de costas em sua direção e percebi quando, em
algum momento, o meu traseiro tocou em algo... duro. Ele
estava excitado? Caramba!
Senti a respiração de Derek se alterar.
— E você? — questionei, um pouco envaidecida por
saber que não era somente ele que causava efeitos em
mim. — Está se sentindo bem?
— Eu estou ótimo — falou, tentando aparentar
normalidade.
Ele se afastou de mim e eu sorri na penumbra do
quarto.
— Boa noite, Derek.
— Boa noite — foi a única coisa que ele resmungou
de volta. Bom, o nosso menino não estava em uma
situação muito diferente da minha, mas foi ele quem
decidiu assim, e eu estava irritada o suficiente por me ver
em uma situação na qual eu não podia resolver.
Que morresse com uma crise maldita de bolas roxas.
☆☆☆
Nós não perdemos muito tempo assim que
acordamos. Tínhamos que chegar em Scout Lake no dia
seguinte pela manhã, e embora eu houvesse passado
praticamente toda a noite em claro, pensando na bagunça
que havia se tornado a minha vida, eu levantei cedo, assim
como Derek.
— O carro está ficando sem gasolina — ele disse. Já
estávamos na estrada havia algum tempo. — Tem um
posto de gasolina a alguns quilômetros daqui. Vou dar uma
parada.
— Ótimo. Eu realmente preciso esticar as minhas
pernas.
Derek dirigiu por mais algumas horas até
encontrarmos o tal posto de gasolina e estacionarmos.
Saímos do veículo e logo fomos saudados pelo sol de
provavelmente mais de trinta graus que fazia naquele dia.
— Eu vou tentar ligar pra Ryan novamente — ele
disse, alcançando o seu celular. — Você fica aqui com o
carro?
— Claro — respondi.
Ele se afastou e eu pus o automóvel para abastecer.
Em seguida, caminhei em direção à pequena loja ali perto,
onde vendiam algumas revistas e mantimentos. Aquele
ponto da Califórnia já era estupidamente quente. Eu sentia
o suor começando a brotar e escorrer para dentro da
minha camiseta fina. Lembrei de que não tínhamos mais
água no carro e não seria nada saudável arriscarmos ficar
sem água por mais um dia. Quão arriscado seria se eu
desse apenas uma passada na conveniência para comprar
algo para bebermos?
Virei-me para avistar Derek com o telefone na
orelha, falando com alguém — provavelmente Ryan. Fiz
um aceno para ele, embora não tenha tido certeza de que
ele viu, e segui rumo à conveniência.
Ao atravessar a porta de vidro, fui direto para a
sessão dos freezers. Apanhei uma garrafa grande de água
e algumas latas de refrigerante e coloquei dentro da cesta.
Fui em direção à sessão de petiscos e peguei um pacote
grande de Doritos. Foi quando uma voz me fez paralisar.
— Olá, boneca... — o tom usado era totalmente
repugnante.
Virei-me e dei de cara com os caras que havia visto
no bar na noite anterior. Eles não pareciam bêbados dessa
vez, mas continuavam aparentando serem os maiores
babacas. E para completar, eles estavam... estranhos.
Eufóricos demais. Olhei para o lado de fora, através do
vidro, e não avistei suas motos.
Tem como isso piorar?
— E aí — eu disse, fitando-os. — Que coincidência,
não?
— Talvez seja o destino — refutou o barbudo. Seus
amigos começaram a rir, como se aquilo fosse uma piada
engraçada.
Controlei meus impulsos de revirar os olhos e tratei
de tentar passar por eles, apenas para me livrar daqueles
idiotas. Eles me deixavam desconfortável e aquilo não era
nada bom. No entanto, o barbudo segurou o meu braço.
— Com pressa? — questionou.
— Sim, eu preciso ir — respondi, tentando puxar
meu braço de volta, mas seu aperto não diminuiu.
Droga!
— Não precisa ser tão apressada, boneca. Nós
queremos apenas conversar.
— Onde está a sua namorada, hein? — rosnei. — Por
que você não aproveita o momento para encher o saco
dela?
— A Shelby? — ele riu. — Ela é uma vadia e não
estamos mais juntos. Eu prefiro você.
Foda-se!
Eu ia puxar o meu braço novamente, quando observei
Derek entrar no estabelecimento. Graças a Deus! Sua
expressão não era das melhores, também. O barbudo me
soltou imediatamente e lançou um olhar para os seus
amigos.
— Foi bom ver você de novo, boneca — disse.
Dirigindo um olhar para Derek, ele se afastou em silêncio,
seus amigos em seu encalço.
— O que os idiotas queriam? — perguntou ele, sério.
— Nada de mais — respondi, mas percebendo que
sua expressão não era apenas pela presença dos caras.
Oh, Deus, será que havia acontecido algo com Ryan? — O
que aconteceu? Ryan deu alguma notícia?
— Tudo na mesma — respondeu com um gesto de
cabeça. Em seguida, levou as mãos aos quadris e suspirou
irritado. — Por que você não ficou no carro, como eu
mandei?
— Eu precisava comprar algo para bebermos e
comermos, Derek — expliquei. — Não acredito que você
está irritado só porque eu me afastei por alguns minutos.
— Não por você ter se afastado, mas por não ter me
avisado nada sobre isso.
— Eu avisei! — bom, ao menos eu havia tentado.
Derek olhou-me como se eu fosse uma adolescente
irresponsável e ele um adulto prestes a me dar uma
bronca. Eu não gostava quando ele agia como se eu fosse
uma menina idiota. Eu era uma mulher. Será que não iria
perceber isso nunca?
— O pneu do carro está furado, Faith — falou. — E
tudo isso porque você não pôde tomar conta dele por
alguns minutos.
— O quê? — me indignei. — A culpa não é minha se
você não sabe dirigir e acaba furando o pneu por isso.
— Eu não estou falando disso — pronunciou. —
Alguém sabotou os pneus.
— Como assim? Você está falando sério?
— Sim, eu estou — disse ele.
Ai, droga!
— Nós temos um estepe, não temos?
— Sim, no entanto, apenas um — disse. — E eles
furaram os quatro.
Porra!
— Merda, isso é ruim, muito ruim. Você tem ideia de
quem tenha feito?
— Eu tenho uma suspeita — ele lançou um olhar na
direção dos motoqueiros, que conversavam
enigmaticamente no caixa da conveniência, alternando
seus olhares para nós em alguns momentos.
Óbvio.
— Eu vou acabar com aqueles idiotas.
— Derek, nem tudo se resolve no cano de uma arma
carregada — falei. — Nós estamos em um local público.
Há testemunhas aqui e isso causa... sujeira!
Ele revirou os olhos, voltando a me encarrar de
forma cética.
— Faith, o quão idiota você acha que eu sou? —
resmungou. — Senti-me imensamente ofendido agora.
Cruzei os braços, agora irritada.
— Ok, Chuck Norris, qual é a sua ideia para que
possamos ir embora daqui sem derramamento de sangue?
Ele estreitou os olhos perante minha ironia, mas logo
desistiu de retrucar. O seu cérebro, provavelmente, já
processando todo um esquema. Ele me assustava às vezes
quando fazia isso.
— Relaxa — me assegurou, abrindo aquele sorriso.
— Eu tenho um plano.
Claro! Ele sempre tinha.
☆☆☆
Minha mão pousou com força na lateral do rosto de
Derek e sua cabeça girou para o lado.
— Porra, vadia! — vociferou ele, agarrando os meus
braços com firmeza suficiente para não machucar-me, mas
para que alarmasse quem estivesse à nossa volta.
— Me solte, seu imbecil! — grunhi demonstrando
raiva. — Eu odeio você!
— Foda-se! — replicou. — Eu sou o seu marido e
você vai ter que aprender a não jogar comigo!
— O que está havendo aqui? — era a voz do
motoqueiro que se aproximava.
Ótimo!
Fiz cara de quem estava incomodada e sentindo dor,
com a mão do meu suposto marido agarrada em meu
braço, e girei minha cabeça para encará-lo. Derek fez o
mesmo.
— Não é nada com o que você deva se preocupar —
Derek falou. — Apenas uma discussão calorosa entre um
casal.
— Ou uma crise de ciúmes idiota — eu resmunguei
— Sério, Grant, eu não aguento mais as suas
desconfianças ridículas!
— E eu não aguento mais ver você agindo como uma
vadia diante do meu próprio nariz!
Meus olhos se expandiram. Ele estava ameaçador
naquela posição de uns tantos centímetros maior que eu.
Calculei se havia a necessidade de golpeá-lo uma outra
vez, mas me lembrei que o tapa que eu havia dado fora
forte o suficiente para tornar o nosso teatro convincente.
— Hey, cara, nunca te ensinaram que não se deve
tocar dessa forma em uma mulher? — disse o barbudo. —
Você está encrencado.
— Minha garota, meu assunto — Derek vociferou. —
Cai fora!
O homem coçou a barba, encarando Derek de olhos
semicerrados e postura altiva. Eu sabia que ele estava
mordendo a isca direitinho. Só esperava que a droga do
plano desse realmente certo até o fim, ou estaríamos
fritos.
— Que tal se você deixasse ela resolver essa coisa?
— sugeriu. — Se quiser, ela irá com você. Caso
contrário, solte seu maldito braço.
Derek arqueou uma das sobrancelhas, ainda muito
desafiador.
— É óbvio que ela vai escolher a mim —
engambelou-se. — Não é mesmo, querida?
Seus olhos pousaram em mim. Eu engoli em seco,
forçando os meus músculos a tremerem, como se eu
estivesse nervosa. Realmente eu estava, e aquilo meio que
ajudou.
— Bem, eu... não! — disse finalmente. — Solte-me,
Grant. Acabou!
— Como assim, acabou? — ele fingiu irritação. —
Você não está falando sério, está, babe?
— É óbvio que estou — falei. — Fique aqui com o
seu maldito ciúme, eu estou indo embora.
— Você não tem como ir — provocou. — Não há
carona disponível, e o carro é meu.
Arregalei os olhos e entreabri os lábios, simulando
estar no mínimo ressentida. Antes mesmo que eu dissesse
algo, o barbudo se manifestava novamente.
— Ei, boneca, não se preocupe com isso. Estamos de
camionete hoje. Eu posso te dar uma carona.
— Você pode? — pisquei docemente. — De
verdade?
— Claro! Eu jamais deixaria uma beleza dessas
desamparada — puxando-me para si, ele deslocou um
braço pesado para a minha cintura. Plantou um beijo na
lateral do meu rosto e por um fio eu não o empurro.
— Então é isso, Mel? — Derek voltou a falar. —
Você vai embora com... eles?
— Sim! — fui firme. — Estou sem carona, afinal,
não é? Dê o fora, Grant. Eu não quero nunca mais ter que
olhar na sua cara.
— Whoa! — zombaram os homens compartilhando
risadinhas.
— Babe, você não pode... porra, babe, vamos
conversar! — ele gaguejou. Uau, Derek era bom naquilo.
— Eu já disse que não — disparei, aproximando-me
mais do homem que me segurava. — Acabou, Grant.
Apenas aceite.
Derek soltou um suspiro pesado e fingindo estar
derrotado e furioso, lançou-nos um palavrão, antes de se
virar e irromper para o lado de fora do local, pisando
duro.
Era agora o momento de agir.
— Vamos lá, baby... — sibilou o barbudo com voz de
predador. — Não se preocupe com ele. Nós cuidaremos
de você.
— Hum... espere! — o detive antes que me puxasse.
— Para onde nós vamos, exatamente?
— Para onde você quiser ir — respondeu. — Isso
lhe soa agradável?
— Muito — respondi com um sorriso tímido.
Aproveitei para passar os dedos em seu pescoço. Eu
sabia que os caras gostavam daquilo. — Só há um
probleminha.
— E qual é?
— O idiota do meu... bem, o Grant, ele não me
alimentou durante todo o maldito dia — fiz biquinho. —
Estou faminta.
Ele sorriu.
— Bom, o que você deseja, boneca? Nós podemos
resolver o seu problema.
Mordi o lábio, fingindo estar pensativa.
— Que tal se vocês me comprassem umas batatas e
cerveja? — aproximei-me dele, contendo o repudio em
torno daquele gesto e sussurrei: — Álcool me dá tesão.
Ele soltou um grunhido que demonstrava o quanto
aquelas palavras haviam o agradado. Senti seu braço
apertar ainda mais em torno da minha cintura.
— Pelo visto você é uma menina selvagem, hein? —
murmurou. — Quem diria.
Lambi meu lábio inferior e sorri para ele, voltando a
murmurar feito uma maldita gata manhosa:
— Não leve isso a mal, mas eu estou com muita raiva
e a fim de descontar toda essa frustração em algo que
realmente valha a pena — em seguida, deixei o meu tom
de voz o mais sexy possível: — E adivinha? Sentir raiva
também me deixa com muito tesão.
Ele engoliu em seco e senti-o afoito.
— Certo, certo, vamos ser rápidos com isso. Novato,
leve a garota para a caminhonete. Eu vou comprar algo
para comermos e, em seguida, seguiremos viagem. Há
muita bebida no carro, docinho. Nós vamos nos divertir
bastante, eu garanto.
— Assim espero — olhei na direção do rapaz que
aparentava ter mais ou menos a minha idade. Possuía
cabelo loiro escuro e usava um colete. No entanto, o seu
não era repleto de emblemas, como o dos outros homens.
— Mas... eu preciso mesmo ir com ele? Você poderia me
dar as chaves do carro e eu aguardaria por lá.
— Nem pensar — retrucou o barbudo. — Aquele
imbecil do seu ex ainda pode estar lá fora. Eu não confio
em deixá-la sozinha em torno dele.
Pisquei, fingindo deslumbramento.
— Oh, isso foi doce — comentei. — obrigada...
hm...?
— Tiger — ele completou e eu contive uma careta.
Que tipo de mulher batizava seus bebês com nomes desse
tipo? — Leonel “Tiger” Dawson.
— Uau, isso soa sexy — comentei, dando uma
risadinha.
— Os caras me apelidaram assim, logo que entrei
para o clube — falou orgulhosamente. — Eu sou
insaciável como um tigre, baby.
Puta que pariu. Onde Derek havia me metido?
Soltei outro de meus falsos sorrisos doces, fingindo
ter me agradado com sua pequena demonstração de
orgulho e aproveitei a deixa para finalmente me afastar
dele.
— Certo, Tiger. Eu espero você na caminhonete, ok?
Esperei ele assentir e dei uma piscadela. Virando-me
em direção à porta, tratei de rebolar os meus quadris com
a maior grau de indecência que eu conseguia, conforme
caminhava. O garoto, no entanto, me seguia. Droga, eu
tinha que me livrar dele!
Evitei relancear um olhar ao meu redor procurando
por Derek. Eu sabia que ele estaria por perto, assim como
combinamos.
— Escuta... qual o seu nome mesmo?
— Denny — respondeu o rapaz. Ele parecia ansioso.
— Eu me chamo Denny.
— Ok, Denny, você não precisa ficar comigo por
todo o tempo, se não quiser. Eu não vou mexer em nada.
Juro.
— Eu não posso — ele negou veemente. — Eu recebi
ordens do Prez para cuidar de você, e é isso o que vou
fazer.
— Quem é Prez?
— O Tiger é o Prez. O presidente do clube, sabe? —
ele abriu um sorriso.
— Oh, e você é amigo dele ou parente?
— Nah, eu sou apenas um prospecto — balancei a
cabeça, seja lá o que aquilo significava. — Estou em
treinamento, mas em breve farei parte do clube. Como
todos os outros, terei a minha própria Harley e poderei
adicionar patches em meu colete.
— Hm... legal — murmurei, observando-o retirar as
chaves de algum lugar do seu bolso e inserir no carro para
abrir a porta. — Imagino que você não vê a hora para que
isso aconteça, não é?
— Sim, claro — disse. — Eu estou muito ansioso.
Sorri para ele, procurando demonstrar simpatia. O
garoto parecia legal e por um momento o meu lado
“manteiga derretida” sentiu piedade pelo que eu estava
prestes a fazer. Mas, durante o pouco tempo em que
convivi com Derek, eu aprendi a ser um pouco mais
egoísta e pensar em mim primeiro. E naquele momento, eu
vinha em primeiro lugar. E Derek também.
Desde quando Derek havia se transformado em uma
prioridade?
Observei, quieta, enquanto Denny abria a porta da
velha caminhonete, fazendo um gesto com a mão para que
eu subisse primeiro. Permaneci em minha posição,
procurando retardar aquele momento.
— Hum... Denny, eu realmente gostaria de ficar um
pouco mais aqui fora. Está fazendo tanto calor — ele
concordou com um gesto de cabeça. De repente, abri meus
olhos o máximo que consegui e apontei para um ponto no
chão. — Oh, meu Deus, o que é aquilo!?
— O que.... Ow... Isso dói! — Denny guinchou no
momento em que bati a porta do carro em seu nariz. Ele
veio em minha direção, eu dei uma joelhada em suas
bolas, e antes que ele pudesse ter um próximo movimento,
Derek aparecia por trás, puxando-o pela gola da camisa e
lhe dando um soco.
O garoto caiu no chão. Por um momento senti pena.
— Me desculpe, Denny — falei, roubando-lhe a
chave da caminhonete. — Não é nada pessoal, ok?
E assim, entrei no carro, ao passo que Derek
apanhava as nossas poucas coisas que já estavam
escondidas em algum ponto perto do carro e a colocava
no fundo da caminhonete.
Nesse momento, os motoqueiros já haviam se dado
conta de que algo estava errado e corriam em nossa
direção, prontos para nos atacar. Ocupei o banco do
motorista e Derek entrou do meu lado, batendo a porta ao
seu lado.
Dei partida, cantando pneu e observando pelo
retrovisor os homens se distanciarem ainda mais atrás de
nós, conforme o carro tomava velocidade.
— Puta que pariu! — gritei eufórica. — Nós
roubamos um carro, porra, caralho!
Eu não sabia de onde havia vindo tanto palavrão, mas
eu me sentia... excitada!
Derek riu ao meu lado, divertindo-se com a minha
reação.
— Pelo visto você nunca roubou um carro antes, não
é?
— E você já? — questionei, ainda muito eufórica.
Seu sorriso morreu um pouco. Ele desviou o olhar.
— Determinadas situações exigem certas atitudes. E,
sim, eu já roubei um carro antes, se é o que quer saber.
Mordi o lábio e sorri amplamente.
— Minha nossa, eu me sinto tão... criminosa!
Uma risada escapuliu dos meus lábios e apertei o
botão do rádio do carro. As batidas contagiantes do
cowntry de Dolly Parton começaram a tocar.
— Sim, você foi uma ótima criminosa hoje, babe —
ele me elogiou. — Fez um ótimo trabalho, principalmente
na hora do tapa. Estou com a bochecha queimando até
agora.
— Me desculpe pelo tapa — desculpei-me, um
pouco preocupada com o grau de força que havia usado.
— E obrigada pelo elogio, eu fui uma das melhores da
minha turma na faculdade de Artes Cênicas.
— Eu não tenho dúvida disso — ele sorriu e eu
imaginei ver uma pontada de orgulho brilhando em seus
olhos verdes.
— E então, para onde vamos agora? — perguntei.
— Scout Lake fica a alguns quilômetros daqui.
Teremos que parar em algum lugar para dormir e seguir
viagem amanhã pela manhã — disse ele.
Foi quando uma ideia me veio à cabeça.
— A gente não precisa necessariamente nos hospedar
em um outro motel sujo com velhas enxeridas, não é?
— Talvez não... mas onde você sugere que fiquemos?
Sorri, animada.
— Você já dormiu sob a luz da lua?
21: Boas Garotas Preferem os Caras
Maus.

Faith
Já era noite quando decidimos que seria seguro o
suficiente estacionar a caminhonete em um determinado
ponto da estrada. O local era extremamente deserto. A lua
estava cheia naquela noite, o céu limpo o suficiente para
nos fornecer a esplendorosa visão das estrelas que
cintilavam no alto, como pequenos diamantes incrustados
em um fino tecido escuro.
Busquei o olhar de Derek, ainda dentro do
compartimento pouco iluminado. Notei que ele não
correspondia ao meu gesto, encarando o horizonte em
silêncio. Sua cabeça estava apoiada contra o encosto de
couro gasto do banco do carro. Ousei me aproximar
apenas mais alguns centímetros de seu corpo e perguntei:
— No que está pensando? — foi praticamente um
sussurro. Como se o meu próprio cérebro estivesse
lutando contra a ideia de tirá-lo daquele torpor. Ele ficava
bonito assim, bem mais bonito do que de costume.
Finalmente, aparentando ter afugentado seja lá quais
fossem os pensamentos que viesse a estar tendo, Derek
voltou a me fitar. Por uma razão, talvez inexplicável, o
meu coração se acelerou no mesmo instante, golpeando
freneticamente contra o meu peito.
— Eu estava pensando sobre como seria tudo isso,
caso jamais tivéssemos nos conhecido. Ou se eu não
houvesse a sequestrado e iniciado toda essa confusão.
Suspirei. Confesso que, por inúmeras vezes ao longo
do tempo em que passamos juntos, culpei Derek por todo
o inferno pelo qual havia sido obrigada a passar. Contudo,
depois de repensar sobre nossa atual conjuntura, cheguei à
conclusão que, querendo ou não, Derek acabou sendo a
minha salvação em meio a todo aquele caos. Ele havia me
salvado de homens cruéis. Por mais que fosse confuso
admitir, sem ele eu estaria perdida.
— Provavelmente eu estaria morta — declarei. —
Pelas mãos de John.
Derek sorriu fracamente, voltando a recostar a
cabeça contra o banco. Naquela posição, com aquele
sorriso pequeno nos lábios, ele não aparentava um cara de
vinte e tantos anos, rude na maior parte do tempo e que
torturava e assassinava pessoas. Derek parecia... jovem,
até. Bonito. Muito bonito.
— Querendo ou não, eu acabei fazendo o certo.
— Sim, você foi o meu herói — brinquei, dando um
empurrão de leve em seu ombro com o meu. Arranquei
dele um outro sorriso.
— Pra quem era considerado o temido vilão da
história, até que eu me dei bem — brincou. — Virei herói
e ainda fugi com a donzela.
— Menos, ok? — resmunguei. — Você não é nenhum
príncipe.
— As garotas não curtem os príncipes, babe — deu
de ombros. — Elas sonham durante toda a vida em se
casar com príncipes encantados que aparecem em seus
cavalos brancos, mas são nos pervertidos que elas
procuram prazer de verdade.
Uau. Em que momento a nossa conversa sobre
artimanhas do destino havia se ampliado para aquele
rumo? Minhas bochechas começaram a esquentar, claro —
principalmente quando reconheci que o que ele dizia era a
mais pura verdade. Os pervertidos talvez fossem bem
melhores. Não que eu já houvesse tido experiência com
algum pervertido que valesse a pena — Simon eu
considerava um doente mental — mas eu imaginava. E
bastou aquele pensamento para que coisas se acendessem
dentro e fora de mim.
— Você pode até ter razão — dei de ombros. Eu não
iria dar o braço a torcer tão facilmente. — Mas talvez eu
ainda prefira os príncipes.
— Ou — ele sorriu — talvez você ainda não tenha
experimentado um pervertido.
Rolei os olhos.
— Você se garante muito, não é? — desdenhei. —
Que tal se você convertesse toda essa sua potência sexual
em energia mental e me ajudasse a bolar um plano para
que possamos ter uma noite decente nesse carro?
— Não foi você quem inventou de dormir “sob a luz
da lua”? — retrucou fazendo aspas com os dedos. —
Então se vira.
Eu definitivamente preferia os príncipes!
— Ótimo. Eu estou indo para fora. Está realmente
quente hoje, e eu adoraria se pudéssemos sair de dentro
dessa lata velha.
— Claro, princesa, você é quem manda — provocou
ele, tratando de abrir sua porta. No entanto ainda
permaneceu sentado. — Aliás, você já acampou antes?
Enruguei o cenho.
— Por que a pergunta?
— Bom, porque é praticamente o que vamos fazer
agora. Só que com a desvantagem de não haver barraca.
— Eu realmente não me importo. É nossa última
noite na estrada, roubamos um carro e estamos fugindo da
polícia e de um grupo maluco de motoqueiros sem noção.
Dormir ao ar livre seria o menor dos meus problemas
essa noite — decretei, abrindo um sorriso em seguida. —
Além do mais, os caras disseram algo sobre ter bebida no
carro... — abaixei-me para apanhar uma caixa que meu pé
já cutucara havia um bom tempo, mas não tivera a
oportunidade de checar o que era.
Realmente, havia uma caixa de cervejas lacradas.
Acabei encontrando de brinde um saquinho com algo que
julguei ser maconha.
Caramba.
— Eu acho que nós merecemos um pouco de
diversão depois de tudo pelo que passamos hoje, não é
mesmo? — empolgação me varreu quando abri a caixa.
Peguei uma das garrafas de cerveja e levei à boca
para arrancar a tampa, como eu já havia visto em muitos
filmes, no entanto, o resultado não foi como o esperado.
— Aw! Calamba! — gritei ao perceber que havia
mordido a minha língua.
— Mas que diabos você fez? — Derek resmungou
arrancando a garrafa da minha mão, abrindo da mesma
forma que tentei, porém com maestria. — Você está
sangrando?
— Não, eu não extou xangranfo. Não xe preocupe
— respondi, ainda com dificuldade.
Derek prendeu o riso.
— É dessa forma que você diz querer se divertir?
— Cale exa maldita boca — apanhei a cerveja de
sua mão e tomei um gole da bebida, percebendo que a dor
na língua começava a diminuir. — Ela não está gelada,
mas serve. Você não vai beber?
— Você quer me embebedar?
— Talvez — respondi. — Eu juro que não tento
desenhar um pênis de batom em sua testa, caso você
desmaie em algum momento.
E lançando para ele um sorriso, eu capturei o que
havia sobrado das cervejas, abrindo a porta do carro e
saindo.
— Traga a maconha e providencie algum cobertor —
gritei, já do lado de fora. — Eu estarei na carroceria.
☆☆☆
— Uau, eu estou vendo estrelas — comentei,
bebendo um gole de cerveja e me rendendo a uma
gargalhada no momento seguinte. Sem querer, a bebida
acabou pulverizando para frente, atingindo o meu rosto e
roupa. — Droga, eu estou toda molhada!
E por algum motivo que a minha mente bêbada julgou
divertida, caí na gargalhada novamente.
Derek resmungou algo e levou sua garrafa à boca. Eu
não sabia quantas garrafas havíamos bebido, mas Derek
provavelmente já havia ingerido tanto álcool quanto eu,
contudo ele não parecia nada... tonto. Eu, no entanto, via
tudo girando.
— Eu poderia até dizer que isso tem a ver com o fato
de você estar deitada, olhando para o céu — comentou
ele. — Mas como eu acompanhei todo o seu desempenho
ao longo das últimas duas horas, é bem provável que isso
seja apenas o efeito da cerveja.
Bufei.
— Não me venha com esse papo, ok? — falei. — Eu
me sinto muito bem.
— Tem certeza? — indagou, me encarando. Mas ao
invés do que eu imaginei que fosse encontrar em seus
olhos quando o observasse, ele parecia preocupado,
apenas. — Eu acho que essa seria a hora certa de parar.
— Ah, Derek, não seja um chato — resmunguei. —
Você, provavelmente, já bebeu mais do que eu, no entanto
não parece pretender parar. Direitos iguais, baby.
De uma forma inexplicável, aquilo me soou
engraçado também. Caí na risada novamente.
Pelo visto, eu estava muito divertida naquela noite.
— Bom, já que quer assim... — Ele deu de ombros e
bateu sua garrafa na minha em um brinde. Ele era tão
confuso às vezes.
O silêncio se instalou ao nosso redor. Apenas o
barulho dos insetos que faziam morada por aquelas
redondezas era ouvido. Eu não sentia medo, apesar de
estar escuro e distante de qualquer lugar que indicasse
vida na Terra, mas eu gostei daquela calmaria. Me fazia
refletir e pensar em coisas que não devia. Mas que eram
inevitáveis de serem pensadas, no entanto.
— Conte-me um segredo — pedi.
Derek parou o processo de levar a garrafa até a boca
e me fitou. Ele estava com as costas recostadas contra a
cabine da caminhonete, um joelho flexionado para cima,
enquanto a outra perna esticava-se casualmente sobre o
cobertor estendido, que havíamos encontrado em algum
lugar no fundo do carro.
Eu, no entanto, estava deitada sobre outra parte do
cobertor, minha cabeça muito próxima de sua coxa direita.
— Que espécie de segredo você quer saber? — sua
voz era serena, com seu natural tom de rouquidão.
— Um segredo que mais ninguém saiba.
— Se eu te contar, não vai ser mais um segredo —
devolveu, voltando a beber da garrafa.
Bufei como uma menina contrariada e reformulei o
meu pedido.
— Ok. Então conte-me algo que poucas pessoas
sabem. Algo que eu ainda não sei.
Ele permaneceu em silêncio. Por um momento me
senti invasiva demais por exigir algo daquele tipo, pois
ninguém era obrigado a compartilhar seus segredos com
quem não queria. No entanto, ele estreitou os olhos,
começando a sorrir de forma maliciosa. Os lábios finos e
altamente beijáveis estenderam-se lindamente.
— Eu tenho um piercing — Oh, uau. Eu não esperava
por aquela. — Na cabeça do meu pau.
— O quê?!
Engasguei. Tossi. Pigarreei.
Então, em questão de segundos, eu me vi com o
cotovelo apoiado no chão. Virei de lado para encará-lo.
— Você tem... você realmente tem um piercing... lá?
— Sim, eu tenho — confirmou. — É um apadravya.
Já ouviu falar?
— Hum... já, claro — gaguejei. — Isso é tão... —
sexy! — estranho.
Ele deu de ombros.
— As garotas gostam. Dizem que é bom para
estimular o ponto G. — falou. — Você sabe o que isso
significa, não é?
— É claro que eu sei o que é um ponto G! — tentei
soar como uma mulher experiente e muito bem resolvida
sexualmente. No entanto, eu não era. Então a minha
tentativa de mascarar a verdade foi provavelmente um
fiasco, quando ele voltou a sorrir, ainda me encarando
com olhos avaliativos.
— Tem certeza? — provocou. — Você está corando
feito uma virgem agora.
Eu estava?
Bom, eu não podia ter certeza, mas o meu rosto
queimava.
— Eu não sou uma virgem — defendi-me, acho que
mais pelo motivo de tentar provar a mim mesma do que
para ele que eu realmente não era.
Derek ficou sério. Seja lá que pensamento estivesse
se passando por sua cabeça naquele momento, não era
algo que em todo lhe agradava.
— Muitas das vezes, ter feito sexo não significa
nada, Faith.
Engoli em seco.
— O que você quer dizer com isso?
— Eu quero dizer que você pode ter feito sexo sua
vida toda, com vários caras, mas pode nunca ter tido um
orgasmo, por exemplo.
Será que ele estava dizendo que eu tinha cara de
quem nunca havia gozado? Céus, será que eu estava sendo
tão óbvia assim?
— Bem, eu... — gaguejei, sem palavras.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Está vendo? Você corou e ficou nervosa. Isso é um
sinal.
— Sinal de quê?
— De que eu estou certo. As pessoas tendem a se
esquivar e sentirem-se desconfortáveis diante de situações
onde exigem que elas exponham uma realidade íntima que
não lhe é satisfatória ou considerada normal para a
maioria. É natural do ser humano, Faith. Tão natural
quanto uma mulher não conseguir atingir o orgasmo se não
houver recebido estímulo suficiente.
Permaneci em silêncio. Não era como se ele
estivesse me acusando. Muito pelo contrário, Derek
estava me absolvendo de uma possível penalidade
psicológica por eu não ter experimentado antes o
verdadeiro prazer de estar com um cara.
Aquilo foi doce. Foi ainda mais doce pelo fato de ele
não ter se dado conta do que estava fazendo.
— Obrigada, mas eu tenho ciência de que isso pode
ser... normal, até demais — murmurei. — Só não me sinto
confortável falando sobre isso com alguém.
— Se ainda não percebeu, eu sou o único amigo que
você tem agora — disse. — Temos que começar a nos
acostumar com isso, não é?
— Talvez — respondi. — Mas não é como se
fôssemos começar a fazer festa do pijama, comer sorvete
e falar sobre desilusões amorosas.
Ele soltou uma risada que me fez rir também.
Voltamos a encarar o céu. Eu me sentei e voltei a procurar
por mais uma cerveja, mas não havia mais nenhuma
garrafa lacrada. Todas vazias.
— Droga, bebemos tudo — reclamei. Eu queria mais
uma.
— Uma hora teria que acabar — ele ria da minha
expressão. — Eu acho que já chega por hoje.
É, talvez.
Acho que havia extrapolado os limites. No entanto
aquele fora o primeiro dia em que decidi fazer algo
considerado errado. Eu queria ter tido ao menos um dia na
minha vida para fazer coisas que nunca havia feito antes.
Para chutar o balde, como Sierra costumava dizer, e ser
verdadeiramente livre. Passei a minha existência toda sob
uma redoma de prata, sendo protegida e tratada como uma
boneca intocável, e no que deu? Namorei um idiota sádico
que não conseguia me fazer gozar nenhuma maldita vez em
que esteve comigo, nunca havia ido sequer a um parque de
diversões e era uma idiota boba que acreditava na
conversa fiada de caras bonitos que me abordavam no
supermercado. Não que não tenha valido a pena este
último item, mas acho que dá para ter uma ideia de como
a minha vida foi uma droga.
Voltei para a posição em que estava minutos atrás.
Foi quando vi o saquinho de maconha ali perto. Eu nunca
havia fumado aquilo e não tinha o menor interesse em
ficar chapada, mas a curiosidade falou mais alto. Se eu
desse apenas uma tragada? Era o meu dia de chutar o
balde, afinal, certo?
— Você já usou isso alguma vez? — Derek
questionou, percebendo que eu já estava com o saquinho
na mão, já apanhando um dos cigarros montados dali de
dentro. Era esquisito. Comprido e fino, e tinha um formato
feio.
As pessoas poderiam tentar fazer cigarros de
maconha um pouco mais bonitos.
Ficando de joelhos diante de Derek, eu mordi o lábio
ansiosa. Será que ele me repreenderia por querer fazer
aquilo?
— Não — eu disse. — E você?
— Eu já usei até cocaína, Faith — respondeu como
se não fosse nada demais, enquanto eu julgava ser a maior
aventura suja da minha vida. — E isso não é legal para
alguém como você — finalizou, puxando o cigarro da
minha mão.
— Por que não? — perguntei. — É só uma tragada.
Eu nunca fiz isso antes.
Ele bufou. Parecia irritado quando voltou a falar:
— Você já fez alguma coisa considerada imoral
alguma vez? E ter roubado a caminhonete hoje não conta.
— Bom, eu... — engoli em seco, tentando cavar em
minha mente algum momento em que eu tenha feito algo
considerado errado. — Eu comecei a ingerir bebida
alcoólica antes dos vinte e um.
— Uau, isso é realmente surpreendente — debochou.
— Sua adolescência deve ter sido uma grande merda.
Estreitei os olhos e tomei o cigarro de maconha de
sua mão.
— Foda-se, você — rosnei, caçando o isqueiro que
Derek retirara de seu bolso havia algumas horas e
descansava ali perto.
Acendi o cigarro, levei aos lábios e dei uma tragada,
sem saber ao certo o que fazer em seguida. Decidi engolir.
Não bastou muito tempo para que eu sentisse como se os
meus pulmões houvessem se transformado em um
reservatório de fumaça. Então, a onda de tosse veio, antes
mesmo que eu pudesse evitar. — Oh, porra...isso é...
horrível!
Como alguém conseguia fumar aquela merda?
Derek balançou a cabeça.
— Você não está acostumada, é normal acontecer
isso logo de primeira. Tente puxar e não prender a fumaça.
Vai ficar mais fácil nas próximas tragadas e o efeito será
melhor.
Então eu fiz novamente, da forma que ele me indicou.
Dessa vez foi menos estranho. Ainda não era bom, mas ao
menos eu consegui lutar contra a onda de tosse.
Senti meu corpo relaxar. Minha cabeça parecia leve,
assim como todo o resto de mim.
Daquilo eu gostei.
Sentindo-me ousada, eu me aproximei ainda mais de
Derek e soprei a fumaça em seu rosto, excitação me
varrendo por inteiro. Seus olhos se fixaram em meus
lábios entreabertos. Em seguida, subiram para encarar os
meus olhos. Notei, de repente, que estávamos muito perto
um do outro.
Puxando o cigarro de minha mão, Derek me
surpreendeu quando o levou aos lábios. Em seguida,
tragou com maestria, imitando o meu gesto de soprar a
fumaça em meu rosto. Droga, aquilo era sexy! A forma
como seus olhos semicerrados me encarava, a boca
expelindo a fumaça de uma forma que o deixava com uma
cara de perigosamente sexy. Ficamos nos encarando por
um momento que julguei ser uma eternidade, até ele
resolver avançar um pouco mais e morder o meu lábio
inferior.
Não foi doloroso. Foi leve, suave. Apenas a pontada
de seus dentes cravados docemente na carne macia do
meu lábio.
Ele puxou e depois soltou. Minhas pálpebras
pesaram. Quando avançou novamente, sua língua irrompeu
para fora, a ponta provocadora alisando sobre o local
para suavizar aquele gesto. Eu não soube em que momento
permiti que isso acontecesse, mas quando dei por mim,
uma de suas mãos estava subindo pelas minhas costas, à
medida que a outra alisava para cima e para baixo a pele
do meu braço.
— Você está arrepiada — ele sussurrou.
— Eu... devo estar com frio — menti, arfante.
— Mas você está quente — apontou. —
Incrivelmente quente.
E como se não houvessem problemas a enfrentar,
inimigos com os quais nos preocupar, muito menos
diferenças entre nós para abordar, ele simplesmente me
beijou.
Não foi como o beijo da noite anterior. Foi mais
suave, lento, sensual. Ele jogava com as mãos no meu
corpo, dentes e língua provocando minha boca e lábios.
Senti a pressão de suas mãos nas costas das minhas coxas.
Em seguida, eu estava sendo puxada para o seu colo,
sentada de frente para ele. Sua boca abandonou-me por
um momento, como se para recobrar a respiração e senti
sua testa se apoiar na minha.
Ele estava incrivelmente quente também.
— Isso também foi para manter as aparências? —
arfei.
Ele sorriu. Voltou a sugar o meu lábio, envolvendo
minha língua com a sua, me fazendo derreter contra seu
corpo duro.
— Não — murmurou, com os lábios ainda grudados
nos meus. — Esse foi porque eu quis.
E então, tão incrivelmente como havia acontecido no
momento anterior, eu estava o beijando outra vez. Eu
sentia o meu peito subindo e descendo, minhas mãos
arranhando suas costas, pescoço e couro cabeludo. Seus
braços apertaram a minha cintura, indo de encontro ao
meu traseiro. Eu arfava, vibrava e gemia.
Sua boca desceu pelo meu pescoço, mordiscando e
chupando a pele com avidez. Um toque quente e ao mesmo
tempo áspero pressionava contra as minhas costas, ao
passo que ele deslizava os lábios para o meu colo em
carícias ousadas. Quando dei por mim, eu estava
murmurando seu nome, sentada sobre a ereção mais que
evidente de Derek, pronta para explodir.
— Oh, Deus, eu... — não consegui terminar a frase
quando ele voltou a engolir meus gemidos com mais um
beijo de molhar a calcinha. Para ser mais exata, tudo o
que ele estava se propondo a fazer me deixava úmida.
— O que você sente? — perguntou quando se
afastou, ainda alisando de leve a pele do meu braço.
Arrepios varreram em volta de mim. — Diga-me, Faith.
— Eu me sinto bem — respondi, incapaz de formular
uma resposta muito inteligente. — Me sinto fodidamente
bem.
— Isso pode ficar ainda melhor, babe — murmurou,
soltando um grunhido de satisfação entre os meus lábios.
Ele inverteu nossas posições e me pôs de costas no
cobertor, dando-me um beijo longo. Ele pressionava e
tomava meus lábios com euforia, mas conseguia ser
delicado em alguns momentos. Conseguia ser cuidadoso
com o seu peso sobre mim ou com a forma com a qual eu
era mantida sobre aquele cobertor fino.
— Agora me responda com sinceridade, Faith —
voltou a se afastar alguns centímetros. — Algum homem já
fez você gozar?
Droga, Derek, você tinha mesmo que fazer essa
pergunta?!
— Hm... não.
— Ótimo — pelo seu tom de voz, aquilo havia o
agradado. — Eu gosto de saber que serei o primeiro.
Ele seria?
Sim, ele seria.
Oh, Céus, obrigada!
Quando sua boca tomou a minha novamente, eu já
estava hipersensível e excitada. Abracei seus quadris com
as minhas pernas e apertei-me nele, buscando um pouco
de fricção para aplacar a pressão entre as minhas coxas,
ao passo que minha mão descia para apalpar o volume
poderoso na parte frontal de suas calças.
Ele estava incrivelmente duro. Eu sabia que talvez
estivesse agindo como uma devassa, mas pouco me
importava. Eu não possuía vasta experiência com o
assunto, tendo em vista o pouco conhecimento que obtive
com o sexo, mas com Derek tudo era diferente. Eu
confiava nele, por mais que algo no meu interior dissesse
para não fazer aquilo. Derek não era nada parecido com
os outros homens que conhecia, e naquele momento eu
queria ter um pouco de diversão. Eu estava bêbada,
chapada e talvez me arrependesse no dia seguinte, mas o
meu corpo não parecia seguir os meus comandos
cerebrais. Ele o queria. Verdadeiramente. E aquilo já era
o suficiente.
— Faith, babe, se acalme — ele sussurrou. Retirando
gentilmente a minha mão da sua calça, levantou os meus
braços acima da minha cabeça. — Você não quer que isso
termine rápido demais, não é?
Fiz que não com a cabeça, mas ainda dividida entre o
sentimento de não querer esperar muito por aquilo
também.
— Então acalme-se — pediu, deslizando de leve os
lábios pelo meu pescoço, subindo até a base da minha
orelha. — Você verá que isso vai ser bem mais prazeroso
se fizermos tudo com calma.
Outra rajada de calor irrompeu para o meio das
minhas pernas. Me contorci e empinei o meu peito para
cima, ansiando por ao menos um toque.
Mas Derek era malvado — bem mais malvado do
que eu julguei — e, ao invés de me tocar da forma que eu
tanto ansiava, ele apenas deslizou uma mão até a bainha
da minha camiseta. Subiu devagar o tecido, como se
estivesse planejando estender aquela doce tortura ainda
mais. Expôs lentamente a pele quente da minha barriga,
pouco a pouco. Conforme ele subia a minha blusa, eu
sentia os meus mamilos intumescerem-se, formigando
perante o contato com o tecido do meu sutiã.
Cada terminação nervosa do meu corpo estava sendo
ativada apenas com aquele mísero contato. Nem mesmo
um terço do que eu tinha certeza de que ele seria capaz de
me proporcionar. Derek começou a beijar meu pescoço
novamente, deslizando seus lábios para trilhar beijos por
meu colo e barriga. Aquele gesto me fez saltar e
estremecer. Ele voltou a me encarar com olhar
indagatório.
— Está tudo bem? — perguntou.
Assenti freneticamente e puxei sua cabeça para o
ponto anterior, voltando a me deleitar com a sensação dos
lábios de Derek sobre minha pele. Ele foi subindo
novamente, repetindo a trilha de beijos desde o meu
ventre até as minhas costelas. Levantou o restante da
minha blusa e expôs o meu sutiã.
Um dedo roçou apenas um pouco sob o tecido da
peça. Em seguida, ele abaixou as taças do sutiã. Meus
seios saltaram para fora, o vento fazendo toda a minha
pele se arrepiar.
— Você tem peitos maravilhosos, Faith — elogiou
enquanto passava um dos polegares pelo bico de um dos
seios e amaciava o outro com a mão forte, intercalando
movimentos ásperos com suaves. — Eu estou me
perguntando o que você me deixaria fazer com eles.
Oh, Céus, eu estava me desintegrando. Ele precisava
mesmo perguntar aquilo?
— Faça o que quiser — gaguejei.
— Não me dê carta branca, babe — riu
maliciosamente, aproximando-se ainda mais. — Eu tenho
vontade de fazer muitas coisas com eles e muitas delas te
deixariam perplexa.
— Faça o que quiser — repeti quase desesperada. —
Só não demore tanto.
— Isso quer dizer que eu posso sugá-los? — seu
dedo tocou novamente o mamilo e eu estremeci. Eu nunca
imaginei que um ponto tão pequenino houvesse tanto
poder em proporcionar prazer. — Apertá-los? —
continuou, unindo os dois globos juntos, amaciando a
carne com sua mão áspera, porém habilidosa. Não era
assim quando Simon me tocava. Nunca foi assim quando
Simon me tocou. Mas Derek conseguia me deixar molhada
apenas com um mísero toque. — Ou mordê-los? — Ele
arranhou os dentes de leve sobre a pele e aquilo quase me
descontrola. Contorci-me debaixo dele, incapaz de
formular uma resposta verbal. Parecendo ter
compreendido o que eu realmente queria, ele abaixou a
cabeça, até que sua boca estivesse capturando um dos
meus seios.
Ele começou vagaroso, apenas o toque de sua língua
sobre aquele bico rígido, mas em seguida começou a
sugar. Ele chupava e mordiscava, acariciava e apertava,
me deixando cada vez mais no limite.
— Derek... — eu gemia, inquieta e arfante.
Ele elevou a cabeça e sorriu.
— Você gosta disso, não é? — sussurrou, sugando
provocativamente a pele acima do meu seio. Ele prendeu
o meu mamilo duro entre o polegar e indicador e o torceu
de leve, enviando uma onda de prazer por todo o meu
corpo. — Dessa forma?
— Hm... sim — gemi, ansiando por mais.
— Eu gosto quando você geme enquanto mantenho a
minha boca e os meus dedos em seu mamilo, doce Faith
— murmurou com voz rouca. — O que me faz imaginar
que tipo de som você faria quando eu estivesse com a
minha língua deslizando entre os lábios de sua boceta.
Puta merda!
Eram inacreditáveis as sensações que Derek
conseguia provocar em meu corpo. Ainda absorvendo
suas palavras, senti ele escorregar para baixo. Em questão
de segundos, suas mãos estavam nos meus pés, removendo
as sapatilhas que eu usava. Em seguida, ele levou os
dedos até o cós da minha calça, abrindo os botões do
jeans e descendo o material pelas minhas pernas. Assim
que ele retirou a peça e jogou-a de lado, senti seus dedos
roçarem de leve em minha panturrilha, junção dos joelhos
e coxas. Eu não me sentia envergonhada pelas marcas que
possuía. Ele já havia me visto com menos roupa que
aquilo e, sinceramente, a julgar pelo olhar de Derek, não
eram exatamente as marcas que estavam chamando sua
atenção naquele instante.
Derek curvou seu corpo para baixo. Sua boca voltou
a encontrar a minha pele, plantando beijos pelo osso do
meu quadril e na borda da minha calcinha, bem próximo
de onde eu o queria. Seus dedos se infiltraram nas laterais
da peça bem menos sexy do que eu desejei que fosse para
aquele momento e desceram o tecido pelas minhas pernas.
Afastando as minhas coxas ele beijou o interior de cada
uma delas, cada vez mais perto. Gemi quando um dedo
roçou a minha entrada, inspecionando o local.
— Você está incrivelmente molhada — observou. —
E tão quente... — ele enfiou um dedo em mim e eu me
contorci.
— Você quer mais disso, Faith? — ele mexia seu
dedo para dentro e para fora numa lentidão torturante. —
Quer mais dos meus dedos em sua pequena boceta? —
passou a língua em minha virilha. O polegar se aventurou
a manipular suavemente o meu clitóris. — Já imaginou o
quão maravilhoso seria ter o meu pau sendo sugado
furiosamente por ela?
Céus, por que ele insistia em dizer aquelas coisas?
Eram as palavras mais sujas e eróticas que eu já havia
ouvido em toda a minha vida. Eu estava praticamente
pingando.
— Responda, Faith — provocou ele ao se dar conta
do meu estado. — Diga-me.
— Porra, sim... — rosnei impaciente. — Por favor,
Derek... me lambe.
Vento quente soprou contra a minha pele quando ele
sorriu, deliciando-se com o meu pedido. Ele abaixou a
cabeça. Girei a minha própria em agonia, conforme meu
corpo reagia ao efeito da carne macia de sua língua quente
varrendo a minha intimidade.
Senti que estava fazendo uma viagem ao espaço.
Gotículas de suor se formando nas raízes dos meus
cabelos, meu corpo febril, onde chamas pareciam crepitar
em minhas entranhas.
Derek trabalhava de forma lenta, ainda provocante.
Sua língua em movimentos vagarosos, ora para cima e
para baixo, ora em movimentos circulares. O ritmo me
deixava cada vez mais na borda.
— Oh, Deus, sim, sim, sim... — eu agarrei os seus
cabelos curtos, lançando os meus quadris em uma dança
desconexa. Meus gemidos engasgados, palavras
aleatórias, minha boca seca e entreaberta. A respiração
entrecortada.
E como se eu já não estivesse louca o suficiente, ele
começou a fazer algo com os lábios, como se estivesse
beijando-me... lá em baixo.
Aquilo foi extremamente excitante, seus lábios me
chupando como se eu realmente fosse digna de ser
saboreada. Quando percebeu que eu já estava quase lá,
ele parou com os movimentos. Passou preguiçosamente a
língua em meu clitóris, ao passo que um dedo voltava a se
infiltrar em mim. Estremeci enquanto ele me fodia com
sua língua e os dedos.
Eu estava tão incrivelmente na borda...
— Derek, eu acho que... oh! — gritei e me agarrei a
seja lá o que estivesse ao meu redor. Seu dedo se curvou
em meu interior e ele começou a movimentar a ponta para
cima, como se estivesse buscando por algo. Gemi e
depois gritei mais alto, sem me envergonhar pelo barulho
que estava fazendo. Meu corpo era pura brasa, minha voz
não parecia me pertencer e minhas atitudes não condiziam
com o tipo de pessoa que eu havia sido treinada desde
pequena para ser. Mas que se fodessem os rótulos. Que se
fodesse tudo. Naquele momento, eu só me arrependia de
não ter conhecido a língua deste homem antes.
Ele conseguia fazer maravilhas com ela.
E mesmo eu julgando ser impossível, em algum
momento as sensações devastadoras em meu corpo foram
se elevando. Cada pedaço de pele experimentando o calor
violento que tudo aquilo me proporcionava. E foi assim,
entre toda a loucura desenfreada daquele momento, que eu
gozei. Foi letárgico, foi intenso, foi incrível. Eu sentia
como se houvesse alcançado o céu e descido em questão
de segundos, meu corpo fragmentando-se em milhares de
pedacinhos. Eu já havia me masturbado antes e conhecia o
que era ter um orgasmo sozinha, mas com Derek nada foi
como eu imaginei que seria.
Fechei meus olhos, sentindo os tremores
abandonarem lentamente o meu corpo. Quando me
recuperei por inteiro, admirei o sorriso que ele deu.
Ainda grogue, levantei o meu rosto e tentei abaixar a
minha blusa, mas sua mão me deteve.
— Fique assim — exigiu, com um sorriso
preguiçoso. — Eu gosto de olhar para eles.
— Você é um cafajeste depravado — acusei.
— Você gosta — replicou. Realmente, eu adorava.
— E então?
— Você quer que eu te dê uma nota? — sorri
languidamente. Ainda muito grogue e apreciando o sorriso
presunçoso que ele ainda ostentava. Óbvio que ele não
esperava por uma nota, pois ele sabia exatamente que
havia feito o seu trabalho muito bem feito. — Eu descobri
algo que você poderia fazer com a língua mais
constantemente, em vez de usá-la para encher a minha
paciência.
— Isso é alguma desculpa para ter a minha língua
entre suas pernas sempre que quiser?
— Talvez — murmurei, virando de lado. Foi quando
percebi que ele ainda estava duro. Incrivelmente duro.
Estendi minha mão e a passei por cima do seu
membro ameaçando explodir a calça. Ele segurou meu
pulso, detendo-me.
— Melhor não, Faith.
— Por que? — questionei. — Eu só vou retribuir.
— Eu sei o que você quer, mas em hipótese alguma
eu terei a sua boca bêbada em volta do meu pau.
Semicerrei os olhos, sentindo-me ofendida.
— Ei, eu posso não ter experiência e estar bêbada,
mas acho que tenho capacidade de ao menos fazer um
boquete decente.
Ele balançou a cabeça e riu.
— Eu não tenho dúvida disso, babe — falou. — Mas
eu não quero que você tenha motivos para pensar que me
aproveitei do fato de você estar bêbada. Eu não sou esse
tipo de cara.
— Eu sei que não é — retruquei. — Além disso,
você está bêbado e enfiou a cabeça entre as minhas
pernas. Não é como se regras não houvessem sido
quebradas aqui.
— Sim, mas.... — ele se interrompeu quando lhe
empurrei pelos ombros.
Derek gaguejou algo, tentando argumentar, mas
desistiu no momento em que eu levei um dedo à sua boca.
Desci a mão até seu cinto e desafivelei, depois baixei o
zíper.
— Eu ainda não tenho certeza se essa é uma boa
ideia — tentou protestar.
— Que tal você decidir isso depois que eu terminar?
— lambi meu lábio inferior, me deliciando em
antecipação com a perspectiva de tê-lo em minha boca. —
Apenas relaxe, baby. Eu juro que não vou morder.
22: Caras Maus Preferem as Más
Garotas

Derek
Eu sempre me considerei uma pessoa centrada.
Alguém que agia por meios racionais e não permitia que
assuntos triviais lhe roubassem a atenção. Óbvio que toda
a minha vida não se resumiu apenas em bases lógicas e
ações cem por cento cronometradas, afinal, diferente do
que muitos presumiam, eu era um ser humano, e seres
humanos erravam. Mas o que me diferenciava de ao
menos noventa por cento dos demais cidadãos que se
achavam muito espertos e poderosos em seus carros do
ano e mulheres bonitas empaladas em seus paus, era que
eu buscava me empenhar ao máximo em tudo o que fazia.
Exatamente para que as chances de erro fossem mínimas.
Ações inconscientes ou decisões onde o meu pau falava
mais alto que meu cérebro, praticamente eram
inexistentes. Bem, isso até Faith aparecer. Até ela me
fazer cometer erros fodidos e aparentemente irreversíveis,
e até ela desandar as coisas. Inferno! Eu queria beijá-la e
matá-la. Fazê-la gozar, até que a garota não fosse mais
capaz de lembrar nem sequer do próprio nome e, no
momento seguinte, surrar a sua bunda bonita e puni-la.
Mas eu estava impossibilitado de pensar coerentemente
naquele momento. Pelo menos enquanto eu mantivesse
aquela garota sexy, corajosa e louca, insistindo para
chupar o meu pau. E ela estava bêbada, voltei a me
lembrar. Tão bêbada quanto eu...
Que Deus me ajudasse, mas Faith era,
provavelmente, o erro mais certo que eu já havia
cometido em toda a minha vida.
O vento soprava uma corrente fresca e bem-vinda,
bagunçando os seus cabelos agora escuros, deixando-os
desgrenhados em uma posição extremamente quente. Seus
seios pálidos com mamilos rosados ainda estavam
descobertos, oscilando conforme ela respirava cada vez
mais pesado. Eram bonitos. Macios. Não enormes e
desproporcionais, mas eram grandes o suficiente para que
eu conseguisse amaciá-los da forma que nos conviesse.
Ela gostava de um toque sujo, e — porra! — o fato de a
garota ser tão corajosa era quente. Bem mais quente do
que ela era capaz de imaginar. Eu consegui ficar ainda
mais duro apenas ao me lembrar da sensação de tê-la em
minha boca.
— Não que eu já tenha visto muitos paus ao longo da
minha existência, mas você é bem grande... — ela
observou após tragar em seco. Suas bochechas estavam
coradas, lábios úmidos e olhos intensos e ansiosos,
perfurando cada parte do meu corpo. — Bem maior do
que eu imaginei.
Senti o canto do meu lábio curvar-se em um pequeno
sorriso convencido. Era divertido e fascinante vê-la
daquele jeito. Sua mão macia, quente e tão fodidamente
pequena acariciava o meu membro com interesse, as
pontas dos seus dedos mal se tocando, enquanto ela
punhetava-me em movimentos lentos e torturantes. Seus
olhos se fixaram nas duas pequenas esferas prateadas que
atravessavam a glande do meu pênis.
— Ainda dá tempo de desistir — falei. — Caso você
sinta-se desconfort... porra! — grunhi quando sua boca
envolveu o meu membro, apenas a cabeça. Em seguida,
Faith deslizou os lábios para baixo e para cima. Pondo a
língua para fora, serpenteou em movimentos curtos,
lambendo o pré-sêmen que já escorria da ponta.
Quando ergueu a cabeça, apenas um pouco, percebi
que ela me fitava com olhar divertido e provocante. Eu
jamais imaginaria que Faith pudesse ser tão quente,
participativa e principalmente malvada. Todavia uma
parte de mim — a parte masoquista — se agraciava com
aquela sensação.
— Eu já disse que você fica bem melhor de boca
fechada, Derek Rushell? — ela praticamente ronronou. —
Ou se for para abri-la, que seja apenas para gemer o meu
nome.
Inferno! Que porra ela pensava que estava fazendo?
Ela queria me arruinar.
Seria mais fácil se a maldita não tivesse uma boca
tão boa.
— Porra... — soltei mais uma série de palavrões, ao
passo que Faith voltava a me chupar.
De início, sua boca deslizou lentamente. A língua
varreu o meu membro, como se estivesse sondando a
minha reação ou ao menos procurando tempo para saber o
que fazer depois. Aquilo me levou a imaginar que ela era
a porra de uma boa aluna, porque a garota conseguia me
deixar cada vez mais duro, apenas captando os sons que
eu fazia.
— Isso, babe, mais fundo. Leve-me mais fundo... —
e ela atendeu ao meu pedido. Chupando meu pau com
avidez, dedicando-se em executar aquele ato com
maestria. Eu sentia-o praticamente ir em sua garganta
enquanto ela forçava cada vez mais. No entanto, conforme
ia chegando ao seu limite, Faith retrocedia. Ela usava os
lábios, língua e mãos, que agora acariciavam as minhas
bolas, exercendo pressão suficiente para me deixar em
ponto de bala.
— Hm... eu estou excitada de novo! — gemeu ela,
voltando a me acariciar.
— Porra, mulher! — grunhi ao vê-la lançando-me um
olhar necessitado. Ela tinha noção do quão gostosa ficava
me fitando daquele jeito? — Toque a si mesma. Eu quero
ver você gozar enquanto me chupa.
Faith atendeu ao meu pedido. Ela levou uma mão até
o meio de suas pernas e começou a tocar a si mesma.
Ainda me chupando avidamente, Faith ia cada vez mais
fundo. Realmente mais fundo.
Puta merda.
Eu não sabia o que havia feito para merecer aquilo,
mas seja lá o que fosse, eu sentia-me como a porra de um
abençoado.
Seus dedos iam rápido em suas dobras certamente
úmidas. Ela gemia, ainda deslizando o meu pau em sua
boca, sem pudor ou receio algum sobre o que estava
fazendo. Aproveitei o momento para segurar em seus
cabelos e a fiz ir mais fundo — ao menos até onde eu
percebi que ela suportava — acariciando as mechas
escuras.
Os gemidos e espasmos de Faith no instante em que
ela atingiu o orgasmo foram o suficiente para que eu
mesmo alcançasse o meu limite. O jato pulverizou para
frente, indo direto para boca dela. Tentei puxar sua cabeça
— não queria obrigá-la a beber o meu esperma, embora
achasse aquilo sexy — mas ela não permitiu.
Ela engoliu. Tudo.
Caralho.
Por um momento, o qual eu não soube exatamente
quanto se passou, eu fitei o céu em silêncio para recobrar
as minhas forças. Ela se arrastou para cima, desabando
bem perto de mim. Olhei para o lado e a visão de seu
peito subindo e descendo fez eu me sentir um pervertido
de primeira, mas meio que era impossível não notar.
— Você poderia ao menos tentar disfarçar —
murmurou, ajeitando sua blusa e sutiã para esconder a
visão.
— Você teve a minha boca e mãos sobre eles por um
bom tempo hoje. Não venha com esse papo agora — puxei
Faith para mim e fiz com que ela descansasse sua cabeça
em meu ombro.
Por que diabos eu estava fazendo aquilo?
Ela sorriu timidamente. Percebi que suas bochechas
coravam.
— Eu não machuquei você, machuquei? — sua
insegurança era algo adorável, principalmente após ter
presenciado seu comportamento de minutos atrás. — Eu
não tenho muita experiência com isso.
— Não, você foi perfeita — eu disse.
Ela crispou o a testa, mas um pequeno sorriso
orgulhoso estava em seus lábios.
— Perfeita como?
— Perfeita do tipo “melhor boquete de toda a minha
vida”.
Seu sorriso se ampliou ainda mais. Ela esticou a
cabeça para plantar um beijo rápido no canto da minha
boca e voltou para a posição anterior, pousando uma mão
sobre o meu peito.
— Hm... você tem um coração — disse, sentindo as
batidas descompassadas. Sua voz denotava diversão e um
pingo de cansaço. Eu também estava exausto. — Quem
diria.
— Eu acho que sim — repliquei com um sorriso
pequeno. — Mas não conta pra ninguém.
Ela riu e ficou em silêncio por alguns minutos.
— Derek?
— Sim?
— Nós vamos nos arrepender disso amanhã, não é?
— Com certeza — respondi. — Mas estamos
bêbados, você sabe. Sempre há uma desculpa.
Ela voltou a rir, mas permaneceu calada, ainda
acomodada contra a curva do meu ombro e pescoço.
Percebi, em algum momento, que eu acariciava suas
costas.
Depois de um tempo, Faith acabou dormindo em
meus braços. Eu não deveria achar aquilo bom. No
entanto, foi bem melhor do que gostaria de admitir.
A verdade era clara: eu estava completa e
irrevogavelmente fodido.
23: Bem-Vindos à Scout Lake

Faith
Gritos. Eles se infiltravam em meus ouvidos e rugiam
dentro da minha cabeça, socando as paredes como um
punho atingindo a superfície maciça de um saco de
pancadas.
Dor espetava em torno do meu cérebro, como
inúmeras agulhas afiadas perfurando o órgão.
Mais gritos.
Guitarras.
Bateria.
Alguém dizia coisas como possuir nove vidas, olhos
de gato e ter retornado do luto. O único luto que eu
lamentava era o dos meus neurônios. Parecia que as
malditas coisas estavam em chamas.
Foi naquele momento que eu me arrependi
amargamente pela quantidade de álcool que havia
ingerido na noite anterior.
— Uh... merda... — gemi. — Que porcaria é essa?
— AC/DC — uma voz conhecida anunciou ao meu
lado.
Como se um botão de Play houvesse sido
pressionado, no mesmo instante eu despertei. Senti que
meu corpo sacolejava de leve. Estava sentada em algo
macio e minhas pernas parcialmente nuas recebiam o
vento da janela que vinha ao lado.
Em um gesto reflexivo, levei as mãos até minhas
coxas, só para me dar conta de que eu não vestia nada
além de uma calcinha e uma camisa masculina tão grande
que em mim parecia um vestido.
— Onde estão minhas roupas? — saltei.
— Sua blusa estava fedendo a cerveja e o restante
delas ficou na carroceria da caminhonete — Derek
respondeu, ainda dirigindo. Sua voz era calma sob a
música rascante tocando dentro do carro.
No momento em que ele me olhou, senti seus olhos
varrerem meu corpo e uma quentura cobriu o meu rosto.
Imagens da noite anterior chuviscavam nitidamente
em minha cabeça: a bebida, a maconha, as provocações e
os beijos.
Deus, nosso sexo!
Não que tivéssemos feito sexo, exatamente, mas o
que fizemos não deixou de ser sexo.
E foi bom.
Eu repetiria quantas vezes fossem possíveis. No
entanto, eu não era nenhuma idiota e assumi que seria o
mais sensato não tocar no assunto; afinal, eu ainda não
sabia qual seria a reação de Derek diante de tudo o que
havia acontecido.
Ele parecia neutro. Será que havia se arrependido?
Será que me achava uma boba inexperiente? Ou pior, será
que eu realmente havia lhe agradado? Eu sabia que ele
era... muito, diante do que eu havia recebido ao longo da
minha vida. Mas eu não sabia ao certo se eu havia sido o
suficiente para ele. Apesar de ter dito que o meu oral foi o
melhor que recebera em todos os tempos, ele estava
bêbado. Convenhamos que medir o grau de um boquete
quando se tem umas boas doses de cerveja atuando em seu
sistema não é a melhor escolha.
— Bem, eu não posso chegar à Scout Lake vestida
assim, você sabe — falei. — Estou apenas em minha
calcinha e sua camisa.
— Eu sabia que você iria dizer isso, mas não quis te
acordar tentando pôr mais roupas em você. Então separei
algumas peças e pus aos seus pés.
Olhei para onde ele havia me dito que estavam
minhas coisas e apanhei as duas peças de roupa: um short
azul claro e camiseta.
— E meu sutiã? — indaguei.
— Você não precisa de um — respondeu,
relanceando um olhar sugestivo em direção aos meus
seios.
Dei de ombros, relevando seja lá o que ele tenha
tentado insinuar com aquilo, e retirei a camisa. Senti
Derek se remexer em seu assento, provavelmente afetado
diante do meu ato, mas foda-se. Ele já havia me visto nua
na noite anterior. Não era como se segredos estivessem
sendo revelados agora.
Depois de vestir a blusa, pus o short e passei as mãos
por meus cabelos, tentando domá-los de alguma forma.
Era meio difícil conseguir realizar aquela proeza, tendo
em vista que eles estavam bem mais curtos e indomáveis.
— Minha cabeça parece que vai explodir! — gemi.
Ele deslizou uma mão do volante para abaixar o som
do carro. Pisquei algumas vezes, encantada com a sua
solidariedade.
— Obrigada — murmurei. — Quanto tempo até
chegarmos na cidade?
— Menos de duas horas — Derek respondeu. — Em
breve nós estaremos lá.
— Ótimo... — falei, recostando a cabeça no encosto
do banco.
Eu precisava realmente descansar e repensar na
minha vida. Já havia passado por muitas emoções ao
longo daqueles dois dias.
☆☆☆

A primeira convicção que tive ao atingirmos a área


comercial localizada no centro de Scout Lake era que eu,
de fato, estava em uma típica cidade pequena da
Califórnia — ao menos em uma idêntica às que eu via nos
noticiários.
As diversas lojas de roupas, pequenos comércios de
mantimentos, aura litorânea e pessoas munidas apenas de
chinelos e shorts jeans debaixo do sol de mais ou menos
trinta graus, era confortante e te fazia querer sair do carro
apenas para se juntar à eles.
Aconchegante era a palavra mais apropriada para
definir aquele local. Em toda a minha vida eu havia
vivido na grande e agitada Nova York, alheia à tudo o que
dissesse respeito aos demais lugares, exceto o que via
pela televisão ou em matérias de jornais e revistas.
Confesso que nunca foi um desejo meu viver em uma
cidade pequena, mas digamos que eu e Scout Lake
tivemos uma afinidade quase que instantânea.
Já a casa em que iríamos morar, era localizada em
uma parte escondida da cidade. Parecia mais uma casa de
fazenda, com sua entrada vasta e um enorme portão de
madeira que parecia ficar aberto durante toda a parte do
tempo; árvores com flores coloridas ornamentavam ao
redor. O dia estava realmente delicioso e, apesar do calor
para mim incomum, consegui me sentir bem confortável.
— Uau — suspirei ao sair do carro, admirando a
fachada rústica e antiga, porém bem conservada.
— Essa casa foi construída por volta do século XIX,
pelos bisavós de Ryan. Grande parte da família viveu aqui
por um bom tempo, mas depois da morte da tia ninguém
mais quis ficar no local.
— Nada de fantasmas de antepassados, eu presumo,
certo?
Derek rolou os olhos.
— Não, Faith. O único que você deve temer ao longo
desses dias será o seu tesão por mim — e com uma
piscadela, ele apanhou nossas malas, assumindo o
caminho.
Rolei os olhos.
— Certo, Sr. Irresistível.
No momento em que adentramos a casa, minha
admiração pelo lugar apenas se intensificou. Havia
móveis básicos e muito bem conservados, papeis de
parede em tons claros e era bastante espaçosa. Muito mais
espaçosa do que imaginei.
— A casa tem ao menos três quartos no segundo
andar, despensa na cozinha e um porão — Derek
informou. — Tem lareira também.
Avistei a grande lareira em um determinado ponto da
sala e me peguei sorrindo. Seria legal ficar ali em dias
frios, lendo um livro ou tomando chocolate quente.
— Uau! — murmurei novamente. — Estou
impressionada. Essa casa é enorme, Derek, deve ter
custado uma grana.
— Como eu disse, a casa é velha e os antigos donos
queriam se livrar dela. Fique tranquila quanto a isso, Faith
— desconversou. — Você não quer tomar um banho e
descansar enquanto eu arrumo as coisas?
Neguei com um gesto de cabeça e Derek sinalizou
para que eu seguisse com ele em direção a um corredor.
Apesar de estar morrendo de vontade de tomar um banho
e descansar, eu queria saber como realmente era tudo ali,
então o segui.
A cozinha era enorme e me surpreendeu ainda mais
quando vi o balcão de madeira envernizada com
banquetas ao redor. Havia aparelhagens modernas e uma
pia grande com algo que imaginei ser uma torneira com
aquecedor. Aquelas coisas, com certeza, haviam sido
instaladas muito recentemente.
Começamos a ajeitar o básico, pois percebi que
alguém fizera uma faxina pesada havia pouco tempo.
Após, aproximadamente, duas horas de limpeza,
conseguimos deixar o local consideravelmente
apresentável.
— Há bastante espaço aqui — soltei mais um de
meus suspiros de exaltação, ainda admirando a grande
cozinha.
— Você tem razão — ele concordou. — A casa é
realmente grande. Ryan me falou que eles até possuíam
uma garagem que eu posso usar como oficina.
Arqueei uma sobrancelha, virando-me em sua
direção.
— Você sabe mexer em carros também?
— Quem consegue desmontar e montar um Rifle
Sniper em menos de três minutos, consegue lidar com o
pneu de um carro também.
Me sentindo relaxada, encarei seus dois olhos
verdes.
— Você está tentando me impressionar? — gracejei.
Os lábios de Derek se curvaram em um meio sorriso.
Ele caminhou em minha direção, como um lobo prestes a
atacar. Que me atacasse! — o lado pervertido pensou,
enquanto o meu lado sensato se lamentava por cada
terminação nervosa que se acendia naquele momento.
Estremeci quando ele chegou mais perto. Meu corpo
traidor já começava a reconhecer a proximidade do seu
toque. Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da minha
orelha. Em seguida, segurou a ponta do meu queixo.
No momento em que Derek abriu a boca para dizer
algo, o barulho da campainha o interrompeu. Congelei e
notei Derek ficar tenso também. Ele pôs a mão no cós de
sua calça, pronto para puxar a arma a qualquer momento.
— Fique aqui — sussurrou. — Eu vou ver quem é.
Eu assenti e esperei ele sair da cozinha, com a
companhia apenas dos inúmeros pensamentos que
divagavam na minha cabeça — e nenhum deles era bom.
Será que já haviam descoberto o nosso esconderijo,
quando mal chegamos à cidade? E se alguém nos seguiu
durante todo o momento e não nos demos conta?
Oh, Deus!
Senti a tensão se intensificar e corri meus olhos pelo
local, meu instinto de sobrevivência já em busca de uma
arma. Mas estaquei no mesmo instante, quando uma voz
desconhecida chamou a minha atenção:
— Oi, eu sou o Gabe! — disse o menino parado na
porta da cozinha. Ele me encarava com olhos brilhantes.
Mas que diabos...?
— Hum... olá, Gabe, eu...
— Minha nossa, você é bonita! — me interrompeu,
ainda muito animado. — Quer ser minha namorada?
— Tarde demais, cara — Derek resmungou, surgindo
na porta. Prostrando-se ao meu lado, ele enlaçou o braço
em minha cintura.
Eu olhei para ele, em busca de uma explicação sobre
o que diabos significava aquilo, quando uma terceira voz
se propagou no ambiente:
— Oh, Gabe, será que você nunca tomará jeito,
garoto? — disse a mulher em repreenda. Mas ela tinha
uma voz doce demais para impor qualquer espécie de
instinto de obediência em alguém. — Me desculpem por
isso. Ele não está acostumado com pessoas novas e é
muito hiperativo. Espero que compreendam.
— Claro... — Derek respondeu a contragosto.
Tentando deixar a situação menos constrangedora, eu
resolvi intervir:
— Sem problemas!
— Oh, eu fico feliz que não tenhamos lhes causado
má impressão! — sorriu ela, tão animada quanto o garoto
que julguei ser seu filho. — Eu sou Darla Blanchard, a
propósito. Sou casada com Phillip e moramos na casa ao
lado — e encarando Derek, ela acrescentou: — E este é
seu esposo, presumo.
— Sim, eu sou — ele respondeu por mim. Seu tom
visivelmente seco.
Dei-lhe uma discreta cotovelada, implorando em
silêncio para que ele não fosse grosso com nossos novos
vizinhos, mas o bastardo simplesmente deu de ombros.
Revirei os olhos internamente. Homens.
— É um prazer conhecê-la, Darla — murmurei, me
desvencilhando de Derek e rumando em sua direção.
Notei que ela carregava uma cesta aparentemente pesada
nos braços. — Eu sou Melanie, e este é Grant. Ele é um
pouco... sério demais.
A mulher riu docemente e voltou a fitar meu suposto
marido.
— Eu compreendo perfeitamente. Tenho uma filha
que é exatamente desta forma — falou. — Mas eu não vim
até aqui falar sobre isso. Na verdade, eu vi que a casa de
Roxanne havia sido ocupada e decidi trazer algumas
maçãs aos novos proprietários, além de desejar-lhes
boas-vindas. Roxanne era uma mulher adorável e espero
que possamos nos dar bem também.
— Foi muita gentileza sua! — agradeci, tomando de
suas mãos a cesta com as maçãs. Em Nova York as
pessoas não costumavam ser tão receptivas.
— Eu teria trazido mais, se Gabe não tivesse comido
a maioria — ela deu uma risadinha. — Crianças, sabe
como é. Vocês têm filhos?
— Não, nós acabamos de nos casar — respondi,
colocando a cesta sobre o balcão. — E você, quantos
teve?
— Três. Dois meninos e uma menina.
— Oh, uma menina? — interroguei, realmente
interessada. Ela parecia ser uma boa mulher.
— Sim, seu nome é Layla e ela está na escola agora.
Minha menina é uma garota adorável. Um pouco retraída,
mas adorável.
— Isso é bom — sorri. — Espero poder conhecer os
seus outros filhos futuramente.
— Você conhecerá, querida. Não se preocupe.
Derek pediu licença e se retirou da cozinha, Gabe em
seu encalço. Pensei em fazer um café ou qualquer outra
coisa para oferecer à nossa primeira visita, mas quando
olhei na despensa e percebi que não havia mantimento
algum, lembrei-me que teríamos que fazer compras em
breve.
Desculpei-me por não poder oferecer nada à Darla
naquele momento e ela disse para eu não me preocupar.
Começamos a conversar e eu fui descobrindo aos
poucos mais algumas coisas sobre sua vida. Como por
exemplo, que o seu filho mais velho tinha quase a minha
idade. Interessada, pensei em perguntar um pouco mais
sobre seus filhos, mas fui interrompida quando escutei o
barulho da campainha na sala novamente.
Se continuássemos naquele ritmo, teríamos que
começar a distribuir senhas para as visitas a qualquer
momento.
Pedi licença à Darla e me dirigi à sala. Antes mesmo
que eu pudesse alcançar a porta, Derek já abria,
encarando nossa nova visita com uma cara não muito
amigável. Prostrei-me ao seu lado, forçando um sorriso
em meu rosto.
O cara parado em nossa varanda era extremamente...
uau! Ele tinha uma pele levemente queimada pelo famoso
sol californiano, cabelos claros, olhos verdes e estava
sem camisa, expondo músculos dignos de orgulho.
Pensando bem, ele não era tão “uau” quanto Derek,
muito menos fazia coisas latejarem lá embaixo, da forma
que acontecia quando eu via Derek sem camisa, mas eu
não pude deixar de notar que o cara era um bom pacote.
— Pois não? — eu disse, ainda mantendo o sorriso
de boa anfitriã.
Ele sorriu, demonstrando uma fileira branca de
dentes, e abriu a boca para falar, mas foi interrompido:
— Oh, aí está você! — Darla falou animadamente
atrás de nós. E como se tivesse toda a intimidade do
mundo para fazer aquilo, ela passou por nós e abraçou o
rapaz de lado, plantando um beijo em sua bochecha. —
Meus queridos, quero que conheçam Chad. O meu filho
mais velho.
24: Boa Vizinhança

Derek

Admito que eu não era um cara muito fácil de lidar.


Eu possuía a capacidade de assumir quantas facetas
fossem necessárias, mentia com a mesma facilidade com a
qual bebia um copo de água e eu tinha experiência com
luta corporal e manuseio de mais de trinta e cinco tipos
diferentes de armas — dentre elas de fogo, corte ou
arremesso — mas se havia algo com as quais eu não sabia
como lidar muito bem, eram as pessoas. Não pessoas
como eu, destruídas e cicatrizadas, mas o tipo de modelo
de comerciais de margarina: casais sorridentes com seus
filhos saudáveis e bochechudos.
No momento em que eu abrira a porta para a mulher
sorridente, pensei que houvesse me transformado em
vítima de uma maldita pegadinha. Fiquei
momentaneamente sem saber o que fazer, afinal aquele
tipo de coisa me deixava desconfortável ao extremo. Era
esquisita a situação, porém inevitável. Eu sabia que por
mais que tentasse, não iria me livrar daquela tão
facilmente.
Mas, por mais que a vizinha faladeira fosse irritante,
e o menino, um doloroso pé no saco, o que mais me
incomodou foi o cara. O idiota de cabelos loiros que mais
parecia um projeto de modelo da Calvin Klein, com seus
jeans de cós baixos e tronco sem camisa. Por que diabos o
babaca não estava usando uma camisa?
— Olá, Chad — Faith cumprimentou o cara seminu.
Ela parecia levemente nervosa. — Eu sou Melanie, sua
nova vizinha. E este é Grant.
— O esposo dela — acrescentei, estendendo uma
mão para que ele apertasse.
O garoto não parecia ter muito mais que seus vinte
anos. Era alto e sorria, mas o sorriso não durou muito
quando senti que havia exagerado um pouco no aperto.
Puxando sua mão de volta, enfiou no bolso do seu jeans.
— Eu soube que tínhamos novos vizinhos, e como
minha mãe havia vindo até aqui para cumprimentá-los,
resolvi fazer o mesmo — disse. — Sejam bem-vindos à
Scout Lake. Roxanne era uma ótima mulher, ainda
sentimos falta dela. Espero que vocês se adaptem aqui.
— Nós também esperamos nos adaptar rápido. Já
estamos adorando a cidade, obrigada — Faith respondeu.
— Você gostaria de entrar? Nós não temos nada para
oferecer ainda, acabamos de chegar.
— Eu agradeço, mas, infelizmente, tenho pressa —
ele respondeu.
— Sim, é verdade — Darla apoiou. — Eu e Phill
estamos comemorando aniversário de casamento hoje, e
Chad ficou de me auxiliar com os preparativos. Não é,
querido?
O garoto encolheu os ombros, provavelmente
acanhado, mas sorriu.
— Bem, sim — ele disse. — Ela... meio que me
obrigou a cozinhar, então eu fiquei encarregado de
preparar o jantar.
Darla deu um tapa carinhoso no braço de seu filho.
— Meu Chad é um menino de ouro — Darla elogiou
novamente. Mais um pouco daquilo e eu iria vomitar. —
Sortuda será a moça que tiver a chance de se casar com
ele.
— Pare com isso, mãe — ele rolou os olhos,
vermelho. — Ás vezes ela me trata como uma criança.
— Talvez porque você seja uma — três pares de
olhos se voltaram em minha direção. Porra, eu havia dito
aquilo em voz alta? — Quero dizer, você ainda é muito
jovem. É normal que as mães ajam assim.
— Eu tenho vinte e um — Chad informou, como se eu
realmente estivesse interessado em saber a sua idade. —
Bem, agora eu preciso ir. Tenho um jantar para preparar.
Darla assentiu e sorriu, virando-se em nossa direção
em seguida:
— E por falar nisso, por que vocês não aproveitam
para jantar na minha casa essa noite? — sugeriu. — Phill
e os meninos adorariam conhecê-los melhor.
Faith mordeu o lábio e se virou para me encarar,
como se pedindo a minha opinião, e de imediato eu soube
o que ela queria. Ela queria ir.
— Certo, nós apareceremos por lá, se possível —
falei.
— Oh, que ótimo. Eu vou lhes dar as coordenadas e
espero vocês por lá, ok?
— Ok — respondi, lutando para que aquele jantar
não fosse um grande fiasco.
☆☆☆
O jantar seria às oito. Assim que o relógio marcou
sete e meia, Faith já estava arrumada. Ela não era cheia de
não me toques, tampouco era acostumada a usar
maquiagem e toda essa merda. Faith era bem simples, até,
para uma garota da sua idade.
— Você acha que eu deveria usar algo menos justo?
— questionou ela, fazendo-me relancear um olhar para
sua calça.
A sua bunda e coxas ficavam extremamente boas de
apertar naquele jeans. Estava um espetáculo.
Segurei em seu rosto e plantei um beijo rápido em
seus lábios.
— Você está linda.
Ela sorriu.
— Espero que você não queira que eu retribua esse
elogio em favores sexuais.
Imagens de sua boca macia envolvendo o meu pau
chuviscaram em minha mente. Como o fodido pervertido
que eu provavelmente era, imaginei que aquela ideia não
fosse tão ruim assim, afinal.
— A gente tem mesmo que ir a este jantar estúpido?
Ela rolou os olhos.
— Não começa.
E se virando, ela saiu pela porta.
Percebi que sua bunda era ainda melhor de apertar
naquele ângulo.
A mulher seria a minha destruição.
☆☆☆
A casa dos Blanchard era realmente ao lado da
nossa. Com sua fachada branca e um pequeno jardim com
cerca baixa na frente, parecia mais com uma casa de
bonecas.
No momento em que tocamos a campainha, uma
menina de aproximadamente doze ou treze anos, com
longas tranças louras, nos atendeu. Ela era magra e
carregava uma expressão sisuda que fez eu me dar conta
no mesmo instante de que se tratava da filha que Darla
havia mencionado.
— Você deve ser Layla — Faith era toda sorrisos. —
Nós somos os Ryder, seus vizinhos. Sua mãe nos convidou
para o jantar.
— Claro — disse a menina ainda séria e se afastou.
Adentramos a casa e o cheiro de algo assando era
inconfundível. No momento em que apareceu na sala,
usando um avental, Darla sorriu amplamente.
— Oh, vocês chegaram. Sejam bem-vindos! — disse.
— O resto do pessoal já está na sala de jantar. Entrem.
Passamos por um corredor comprido e adentramos o
que imaginei ser a sala de jantar. Aproximadamente cinco
pessoas estavam sentadas em torno da mesa, conversando
ou rindo animadamente. No momento em que nos viram,
todos pararam o que estavam fazendo para nos
cumprimentar.
Darla se disponibilizou a nos apresentar o restante de
sua família e vizinhos. Phillip Blanchard era um homem
de quase cinquenta anos, ex-policial aposentado e
atualmente ocupava o seu tempo com pescaria. Joshua
McMiller era professor de Literatura, não disse a sua
idade, mas julguei que ele estivesse em torno dos
quarenta. Usava um suéter de losangos, óculos de lentes
grossas e redondas. Ele também falava pouco, mas não
parecia ser má pessoa. Sylvia era a sua esposa, uma
mulher uns bons anos mais jovem que ele, e grávida do
primeiro filho do casal.
A última a nos ser apresentada foi Ada Beaumont.
Mestiça de franceses e americanos, ela tinha um cabelo
escuro e olhos muito azuis e intensos. Era uma mulher
bonita, por volta dos seus trinta anos. Ela não tirou os
olhos de mim, o que consequentemente fez com que Faith
não tirasse os olhos de nós dois.
Momentos depois, Chad apareceu na sala com uma
travessa com algo que Darla nos informou ser cordeiro
assado. Felizmente, o garoto estava usando uma camisa
desta vez.
— Então quer dizer que vocês se casaram
recentemente — Ada se manifestou, passando o dedo
sobre a borda de sua taça de vinho. O jantar se iniciara
havia uns bons quarenta minutos, e ela passara a maior
parte do tempo tentando puxar conversa comigo ou se
infiltrar nos assuntos em que eu estava incluído.
Finalmente ela pareceu ter encontrado uma brecha.
— Sim, nós já namorávamos há um tempo e
decidimos nos casar — respondi. — Foi tudo bem rápido.
— Interessante — sorriu, alternando seu olhar entre
mim e Faith. — E como se conheceram?
— Num supermercado — Faith disse, ao mesmo
tempo em que eu dizia: — Numa apresentação de O
Quebra Nozes.
Percebi que ela ficou branca como papel e começar a
gaguejar. Faith era péssima em mentir, e essa merda
ficaria feia, caso ela resolvesse inventar algo.
— Na verdade, a primeira vez em que a vi foi em
uma apresentação de teatro, mas resolvi tomar coragem
para falar com ela em um supermercado — contornei a
situação, mascarando o fato de que Faith era uma das
atrizes do espetáculo naquela noite.
Eu ainda me lembrava como se fosse ontem a
primeira vez em que a vi. Reconhecer aquilo era
assustador pra caralho.
— Hum... um homem apaixonado que corre atrás do
seu objetivo — Ada murmurou. — Gostei disso, Grant.
Faith pigarreou e senti ela se controlar para não
perder a compostura.
— E quanto a você? — ela questionou, encarando
Ada. — Não é casada?
— Eu, casada? — ela riu. — Querida, eu já fui
casada uma vez, e só tenho a dizer que não desejo isso
para ninguém.
— Bem, se houver amor, respeito e companheirismo
eu acho que vale a pena — Faith refutou. — Veja Darla e
Phill, por exemplo. São casados há anos e ainda assim
estão aqui.
O sorriso da outra desapareceu. Ela voltou a beber
do seu vinho.
— Darla e Phillip tiveram sorte — seu olhar era
afiado. — Isso não significa que todos terão.
Percebi que Faith se enrijeceu ao meu lado, e dei
graças aos céus quando Darla interveio, com seu jeito
inconfundível:
— Ada, querida, se você não teve sorte no amor, não
tente lançar sua praga para cima outros, está bem? — em
seguida, encarou Faith: — Eu tenho certeza de que vocês
dois serão muito felizes, meu bem. Casamento não é um
mar de rosas, mas tem lá as suas recompensas.
— Obrigada — Faith respondeu, desviando o olhar.
Felizmente, para apaziguar a situação, Phillip
começou a falar sobre pesca e seus assuntos prediletos.
Em algum momento da conversa todos já estavam falando
sobre profissões.
— Se não me falha a memória, você me disse que já
foi garçonete, Melanie — Darla disse à Faith.
— Sim — ela confirmou, forçando um sorriso para
disfarçar o nervosismo.
— Chad trabalha em um bar bastante famoso em
Scout Lake — a mulher sorriu. — Você não gostaria de
tentar uma vaga? Acho que eles estão contratando.
— Bom, eu não sei... — ela alternou seu olhar entre
mim e Darla — ainda não pensei sobre isso.
— Você vai precisar de um emprego, se quiserem se
manter aqui — Ada sugeriu. — Seria uma boa ideia tentar.
— Eu vou pensar nisso, obrigada — Faith respondeu.
Eu percebi que ela estava desconfortável, mas não pude
fazer nada para amenizar a situação.
Ao final do jantar, eu comemorei internamente por
poder sair daquela mesa e da mira dos olhares maliciosos
de Ada. As mulheres rumaram para a cozinha — inclusive
Faith, que foi arrastada por Darla — enquanto Phill me
chamava para ver sua coleção de varas de pesca. Eu não
estava nem um pouco interessado naquela merda, mas por
Faith e pelas aparências eu assenti, seguindo o cara.
Phill seguiu no corredor, entrando em uma sala. Nela
havia uma TV, um sofá e um tapete felpudo. Na parede
havia vários suportes exibindo um acervo de varas de
pesca, além de medalhas e troféus.
Eu nem sequer sabia que havia premiação para
isso.
— Este eu ganhei no estado da Pensilvânia — disse
ele. — Eu tinha uns trinta e cinco anos na época.
Eu murmurei algo, apenas para que ele soubesse que
mantinha atenção na conversa, mas a verdade era que eu
queria dar o fora dali o quanto antes. Aproveitei o
momento em que Phill se disponibilizou a polir seus
troféus e me dirigi a um canto na sala, onde tinha uma
pequena janela, me permitindo tomar um pouco de ar.
— Ele sempre faz isso — ouvi uma voz feminina ao
meu lado. — É bem chato no começo, mas com o tempo
você se acostuma.
— Como? — me virei para encarar Ada. Ela estava
perto. Muito perto, porra, e seus peitos praticamente
davam “olá” para mim dentro daquela blusa apertada.
A mulher era um convite descarado para o sexo.
Decidi que seria melhor me afastar, antes que aquela
merda se complicasse. No entanto, ela segurou em meu
braço, impedindo-me de dar qualquer passo.
— Eu estou falando do Phill e seus assuntos sobre
pesca — voltou a dizer. — Com o tempo você se
acostuma.
— Eu não tenho nada contra pesca, e o Phill é um
cara legal — respondi seco.
— Claro que é — ela prendeu uma risada ao morder
o lábio. — Mas eu vejo como você está entediado, e isso
não interfere em ele ser um cara legal ou não, acredite em
mim. A sua mulher está na cozinha agora, insistindo para
ajudar Chad a secar os pratos. Quer conversar enquanto
ela não termina?
— Já estamos conversando, senhorita — tentei me
desvencilhar mais uma vez, mas a vadia não permitiu.
Porra, eu estava começando a ficar irritado.
— Por favor, me chame de Ada. E nós podemos
tentar isso de uma forma diferente. Sem o Phill por perto
falando sobre peixes e anzóis. Tem um sofá ali perto e...
— Eu acho que já está na hora de irmos — uma
segunda voz interrompeu a de Ada. No momento em que
virei meu rosto, consegui ter nitidamente a visão de Faith.
Seus olhos azuis estavam penetrantes, mas ela conseguiu
disfarçar bem. — Estou morrendo de sono, querido.
Vamos para a cama?
E antes mesmo que eu pudesse responder, ela já
vinha em minha direção e plantava um beijo em meus
lábios. Sua mão agarrou possessivamente o meu braço e
ela se virou para encarar Ada.
— Foi muito bom conhecer vocês, mas nós temos que
ir agora.
— Claro — Ada concordou com um sorriso. —
Espero vê-los em breve.
— Você verá — o tom de Faith era seco, mas tentou
soar educada.
— Fica para a próxima aquela nossa conversa, Grant
— que vagabunda do caralho. — Com licença.
Depois que a mulher se afastou, Faith se virou para
me encarar imediatamente.
— Que conversa?
— Depois eu explico — respondi. — Vamos dar o
fora daqui?
Ela assentiu, ainda me olhando desconfiada, mas
decidiu não insistir. Nos despedimos de todos, inclusive
de Chad que deu apenas um abraço frouxo em Faith e
outro aperto de mão em mim. No momento em que
passamos pela porta, direto para o lado de fora, eu senti
como se estivesse saindo de um presídio. Por mais legais
que fossem aquelas pessoas, eu ainda precisava me
adaptar à normalidade.
— Até que foi interessante — comentei no momento
em que adentramos a casa. Faith parecia inquieta. Ela
estava... indiferente.
— Sim — ela disse. — Você, pelo jeito, fez
amizades rápido, não é?
— Phill é um pé no saco na maior parte do tempo,
mas até que eu achei o cara legal.
— Eu não estou falando do Phill — disse, se virando
para me encarar. — Estou me referindo à vadia que estava
praticamente saltando os peitos na sua cara.
Ok. Eu fui bem ingênuo em considerar que ela
esqueceria aquilo.
Respirei fundo.
— Eu não estava fazendo nada. Ela que veio para
cima de mim.
— Bem típico, mas de toda forma você não se
afastou, não é? Nem sequer se afastou, enquanto ela dava
em cima de você descaradamente.
— Eu não fiz porque não pegaria nada bem fazer uma
cena por algo tão idiota, Faith. Aliás, com você também
não foi diferente. Fiquei sabendo que você estava na
cozinha secando pratos com o tal Chad.
— Eu só estava ajudando a Darla com a bagunça,
idiota. E eu não estava me esfregando no Chad, porque ao
contrário de você, eu estou verdadeiramente dentro nessa
merda de relação falsa. Eu sei quais são os limites!
O quê? Ela estava me acusando de não estar
cumprindo com a porra do plano que eu criei?
— Bom, que se foda, pois mesmo se estivesse, pouco
me importaria — explodi. — Eu não tenho o direito de me
importar se você se esfrega ou não no filho perfeito da
vizinha, mas tampouco você tem o direito de ficar brava
comigo por eu conversar com uma mulher. O que temos
aqui é falso, Faith. Puramente falso.
Silêncio.
Ela entreabriu os lábios e depois os apertou juntos,
sem palavras. Eu queria que ela se calasse, e ela
realmente se calou, mas no momento em que seus olhos
me encararam com frieza e seu lábio inferior tremeu, eu
percebi que havia falado merda.
Porra, caralho.
— Eu não quis dizer isso, Faith. Não quis soar como
soou, eu só...
— Eu vou subir — sua voz era ainda mais fria. —
Boa noite, Derek.
— Faith, escuta... — tentei segurar seu braço, mas
ela puxou de volta.
— Boa noite, Derek — repetiu. E com isso, ela subiu
as escadas.
Passei as mãos pelo meu cabelo e respirei fundo.
Desde quando eu me importava com o que alguém
pensava? Desde quando eu me importava com o que Faith
pensava?
Eu estava com raiva quando disse aquilo, óbvio — o
que me fez me sentir como um adolescente idiota que só
faz besteira. Fiquei na sala por algum tempo, tentando
repensar em toda aquela merda. No momento em que
finalmente joguei a toalha, eu decidi subir as escadas.
Faith já estaria dormindo àquela hora?
Girei a maçaneta de um dos quartos que havíamos
separado e abri a porta. Percebi que ela havia retirado as
minhas malas de lá. Ótimo! Ela estava realmente decidida
na ideia de dormirmos em quartos separados. Eu não via
mal algum naquilo, uma vez que não tinha motivos para
dormirmos juntos. No entanto, algo lá no fundo me
incomodou.
Me aproximei da cama e encontrei Faith deitada, de
costas para mim, usando apenas uma das minhas camisas.
Ela havia pegado o maldito hábito e eu agradeci
internamente por isso.
— Babe, me desculpe — eu disse, infiltrando-me
debaixo do cobertor e colando meu peito em suas costas.
— Eu sei que você está acordada, Faith. Então apenas
pare de me ignorar.
— Vá se foder — ela murmurou. — Eu quero dormir.
Certo. A mulher era como uma maldita bomba
relógio.
— Desculpe — repeti.
— Eu já ouvi isso, idiota. Agora me deixe dormir.
Esperei para ver se ela finalmente iria se virar, mas
isso não aconteceu, então eu soltei um suspiro impaciente.
— Faith, pare com essa merda e olhe para mim —
forcei-a a se virar, mas ela ainda relutou. Quando viu que
não tinha mais como lutar, ela finalmente girou seu corpo,
movendo-se em minha direção.
— Não foi minha intenção magoar você — falei.
— Eu não estou magoada.
— Está chateada.
— Sinceramente, por que você está se preocupando
tanto com isso, Derek? — questionou. — Afinal de
contas, nada disso é real, não é mesmo?
Porra. Por que toda mulher tem um instinto de
vingança do caralho?
— Isso não é verdade — falei. — Não leve em conta
o que eu disse. Eu fui um idiota.
— Sim, você foi.
— Mas você também é muito ciumenta.
Ela franziu a testa.
— Eu não estava com ciúme de você! — rosnou,
tentando se desvencilhar, mas eu voltei a me apertar
contra ela e, desta vez, tomei de assalto a sua boca.
— E uma péssima mentirosa também — murmurei
contra seus lábios, descendo em seguida pelo seu pescoço
e clavícula.
— Eu odeio você — ela gemeu, se remexendo
inquieta debaixo de mim, mas já afastando as pernas para
que eu me acomodasse melhor entre elas.
— Eu sei — repliquei, roçando meus dentes no
lóbulo de sua orelha.
Faith podia estar com raiva de mim. Podia estar me
odiando e me chamando de palavrões terríveis, mas o seu
corpo não mentia. Ele sabia o que queria e, naquele
momento, ele queria a mim. Ele já conhecia o meu toque e
a resposta era quase automática.
— E eu odeio o que você me faz sentir — ofegou,
conforme eu chupava a pele fina do seu pescoço.
Puxei a camisa para cima, expondo os seus seios
macios. Eu havia ficado obcecado por aqueles peitos.
— Derek... — ela se remexeu, ao passo que eu
envolvia um dos mamilos em minha boca e dava atenção
ao outro com a minha mão.
Minha boca desceu pelas suas costelas e estômago.
Ela ficou ainda mais irrequieta. Foi quando aproximei os
lábios de onde eu tanto queria.
Faith fervia. Uma parte da minha cabeça me dizia que
nós não poderíamos ir muito longe naquele jogo, mas ao
menos desfrutar um pouco do maldito fruto eu me
permitiria. Era como um vício. Como uma droga potente
que te destrói aos poucos. Se você faz a primeira vez, não
vê motivos para não fazer uma segunda ou terceira.
E Faith havia se transformado em meu mais novo
vício. Eu estava me jogando do precipício e tinha ciência
do fato. Só me restava torcer para que houvesse algo lá
embaixo que amortecesse a queda.
— Pare de resmungar e apenas relaxe — eu
murmurei contra sua calcinha. — Estou tentando me
redimir aqui.
Ela gemeu em aprovação. Senti seus quadris
avançarem em direção à minha boca.
— Espero que você faça um bom trabalho — rebateu,
nem um pouco sentida por estar agindo como uma cadela
sexy e gananciosa.
E, masoquista ou não, aquela ideia me excitava.
Como eu havia dito... ela seria a minha destruição.
25: Up in Flames

Faith
Estreitas faixas de luz penetravam entre as fendas
entreabertas na cortina da janela. Era possível discernir,
vindo lá de fora, o barulho intrigante que os pássaros
faziam. Girei meu corpo até estar deitada de costas no
colchão e fitei o teto antigo. Um dos pequenos adornos do
singelo lustre pendia em seu local, balançando em
movimentos curtos, conforme eu tentava sair do torpor que
abraçava boa parte do meu corpo.
Nas nuvens. Era como eu me sentia. Meus músculos
estavam relaxados, o meu corpo ainda era ciente das
sensações que havia experimentado na noite anterior.
Derek havia me feito receber dois orgasmos, sem contar
no fato de que o senti novamente em minha boca... e eu
queria mais. Muito mais. Droga! Não havíamos feito sexo
ainda e eu me sentia como uma maldita ninfomaníaca.
Aquele pensamento me levou a imaginar o porquê de
não termos feito sexo ainda. Será que era cedo demais?
Eu estava mergulhando de cabeça naquilo — seja lá que
diabos de relação fodida nós tínhamos — e não era como
se não sentíssemos atração um pelo outro. Toda vez que
ele me tocava, era como se eu estivesse prestes a entrar
em combustão. Era bom. Era certo. Era tão fodidamente
certo.
— Ele vai me deixar louca — murmurei para as
paredes, aproveitando o fato de que eu estava sozinha no
quarto.
Eu não sabia se Derek havia ficado comigo durante
toda a noite ou apenas até o momento em que eu adormeci,
mas, de qualquer forma, o seu lado na cama estava frio.
Saí da cama e caminhei em direção ao banheiro.
Escovei os meus dentes e lavei o meu rosto. Quando olhei
mais atentamente para o meu reflexo no espelho, quase
salto com o que vi.
Havia marcas. Mordidas rosadas na pele acima do
meu seio esquerdo e um chupão no meu pescoço.
— Filho da puta — murmurei, tentando cobrir o
estrago que Derek havia feito com um pouco de
maquiagem. Eu não podia permitir que as pessoas me
vissem assim. Iriam pensar o quê? Que nós éramos como
dois animais? E isso por que nem havíamos fodido ainda.
Ainda. Essa palavra fez algo vibrar em meu baixo
ventre. Tratei de me livrar o quanto antes da ideia
distorcida que minha mente orquestrou. Eu tinha que
descer, tomar o meu café e procurar por Chad. Achei
interessante a proposta de emprego de Darla e
provavelmente fosse legal eu ter algo com o que ocupar o
meu tempo até não termos notícias de Nova York.
Desci as escadas e encontrei Derek na cozinha. Ele
havia preparado o café da manhã, sinal de que havia ido
até o centro e feito compras.
— Bom dia — falei, notando que ele acabava de
encerrar uma chamada.
— Bom dia — respondeu. — Ryan mandou
lembranças.
— Eu teria gostado de falar com ele — sorri. —
Quero ter a oportunidade da próxima vez.
— Você tem um sono pesado demais — pontuou. —
Além disso, eu não achei que fosse uma boa escolha te
acordar.
Isso significava que ele havia dormido comigo toda a
maldita noite? Bom, de toda forma, ele estava com os
cabelos úmidos e cheirava a sabonete — que significava
que, provavelmente, havia tomado banho em outro quarto;
afinal, não vi vestígios de banho no meu banheiro.
— E então, você teve notícias de Nova York? Como
andam as coisas por lá?
— John Wallace parece estar sendo procurado pelo
FBI por corrupção, suborno, dentre outras merdas. Me
parece que Marcel reforçou a aliança com o cara, mas eu
ainda não tenho ciência ao certo sobre quais os seus
motivos para isso. Nem mesmo se ele sabe sobre John ter
tentado te matar.
— Ok, eu entendo, mas espere... se o FBI está à
procura de John, isso significa que nós, muito
possivelmente, tenhamos apoio. E com isso, teríamos que
voltar? — perguntei, bem menos animada do que deveria.
— Ainda não é seguro — respondeu. — Eles podem
estar investigando, mas por trás disso, deve haver algum
informante de John. Dar as caras por agora é a pior das
decisões. Vamos esperar a poeira baixar e ver no que vai
dar.
— Está bem — uma boa parte de mim se via contente
por não podermos voltar para Nova York ainda. Havia um
tempo desde que eu não tinha uma vida considerada
normal. E pela primeira vez eu estava vivenciando aquilo.
Em um casamento falso com um assassino que me
sequestrou e resolveu me ajudar. Mas, mesmo assim,
parecia uma vida normal.
Comecei a me servir de um pouco do café e Derek
sentou diante de mim, fazendo o mesmo. Percebi que ele
me encarava com um meio sorriso.
— O que foi agora?
— Nada — disse ele. — Você tem planos pra hoje?
Eu estava pensando em abrir a garagem e ver o que
conseguimos aproveitar dela.
— Você precisa de ajuda? — perguntei. — Bom,
porque eu pensei que pudesse ir até o bar em que Chad
trabalha e tentar aquela vaga que Darla mencionou.
Senti o corpo de Derek se tensionar. Desgosto
estampado em seu rosto.
— Faith, se foi por causa do que Ada disse, você
sabe que não precisa trabalhar, não é? Fui eu quem
inventou esse plano em primeiro lugar e jamais te deixaria
desamparada. Mesmo se não fosse esse o caso, eu tenho
condições de sustentar nós dois.
— Derek, eu entendo a sua boa vontade, mas além do
fato de eu querer ser útil de alguma forma e não achar
muito certo ser sustentada por você, seria estranho nós
ficarmos aqui, mantendo uma casa deste tamanho e sem
trabalhar.
— Eu já disse que vou abrir a maldita oficina. Para
todos os efeitos, estamos lucrando ou temos economias.
— Derek... — gemi. — Por favor, não complique
isso pra mim. Eu preciso trabalhar, fazer algo, ou vou
enlouquecer.
Ele rolou os olhos.
— Eu não vou lhe propor cuidar da casa e da
cozinha, porque eu acho que você chutaria as minhas
bolas por isso.
— Com certeza.
— Certo — ele se deu por vencido. — Eu vou levar
você até esse tal bar e aproveitarei para ver como são as
coisas por lá.
— Derek, é um bar, como qualquer outro.
— Você quase teve um ataque de pânico no último
bar em que nós fomos — ele retrucou. — Então eu vou
ver como tudo funciona por lá.
— Bem, o Chad vai estar lá também — falei, lutando
para que ele não surtasse.
Ele não surtou. Um bom sinal, certo?
Mas ele exalou pesadamente e me encarou sério.
— Ok. Eu vou ter uma conversinha com o Chad
também, para me certificar de que você esteja segura.
— Conversinha? O que diabos você quis dizer com
isso?
Ele sorriu de lado.
— Eu só vou conversar com o garoto, doce Faith —
falou. — Não se preocupe.
E se levantando, ele contornou o balcão. Se inclinou,
aproximando-se de mim, sua boca a milímetros do meu
ouvido e murmurou:
— A marca do chupão que deixei em seu pescoço
ainda é bem visível. Não tente esconder isso, muito menos
se envergonhe. Para todos os efeitos, eu sou seu homem.
E como se não houvesse deixado os meus miolos
fervendo, ele se afastou, saindo da cozinha.
Meu homem? Bom, aquilo não lhe dava o direito de
me marcar. Pensei, tocando o local onde estava a marca.
Pensando bem... contanto que não estivessem
visíveis, ele poderia continuar com aquilo. Era bom.
Estupidamente bom.
☆☆☆
Eu não sabia ao certo onde o bar era localizado,
afinal estava na cidade fazia um pouco mais de um dia,
mas tive ciência de que era distante de onde morávamos.
Aproximadamente uma hora de carro, o que descartaria
qualquer possibilidade de irmos a pé. O Dark Horse tinha
um aspecto rústico, portas de madeira e um pequeno hall
escuro que dava acesso ao salão principal. Ainda era dia
e o bar não estava funcionando, mas pude perceber um
pequeno palco no centro da parede, o balcão ia de um
lado a outro. Nas paredes, cabeças de animais
empalhados que em outro momento eu julgaria
assustadores, mas havia passado por tanta coisa ao longo
das últimas semanas, que eu tinha minhas dúvidas de que
algo realmente fosse capaz de me abalar de verdade.
Chad havia me dito que muitos motoqueiros e
universitários frequentavam o local. Imaginei que fosse
por isso que, apesar de ter uma aura tão antiga e peculiar,
havia um pouco do moderno ali também. Como as
banquetas de madeira envernizada, mesas vermelhas,
pequenos sofás em alguns lugares e uma aparentemente de
última geração aparelhagem de jogos de luz que julguei
ficarem incríveis à noite. Uma mistura muito louca e
esquisita, mas que deixava o ambiente com uma energia
bastante acolhedora.
Chad me lançou um sorriso tímido e gesticulou para
que eu o seguisse até o balcão. Depois de muito insistir e
argumentar, eu consegui com que Derek parasse de ir
adiante com a ideia de impedir que Chad me
acompanhasse sozinho até o bar. Ele não dissera nada
sobre a parte de ambos terem uma conversa, mas eu torcia
para que ele realmente não inventasse de fazer aquilo.
Seria assustador. Ele conseguia deixar qualquer um se
borrando em suas calças quando queria.
Chad se aproximou de uma porta atrás do balcão e
deu leves batidas na madeira fechada. Quando esta se
abriu, uma mulher de pele escura e muito bonita surgiu do
limiar. Sua uma expressão aparentava cansaço, mas aquilo
não interferia nem um pouco em sua beleza.
— Melanie, esta é Sandra — Chad me apresentou a
mulher. Ela abriu um sorriso simpático. — A minha chefe
e gerente do bar.
— Olá, Sandra — cumprimentei de volta, estendendo
uma mão que ela apertou gentilmente.
— Chad havia me falado sobre você mais cedo —
disse ela. — Então quer dizer que você está em busca de
um emprego?
— Sim. Na verdade, eu cheguei recentemente na
cidade e preciso me estabilizar urgentemente.
Ela sorriu novamente. Em seguida, pediu para que a
seguíssemos até seu escritório.
Eu esperava ter boas notícias a partir dali.
☆☆☆
Saí de lá com uma sensação boa. Sandra dissera para
eu ir no próximo fim de semana, que seria dali a poucos
dias. Eu começaria como uma espécie de estagiária e
depois, caso passasse na fase de teste, o emprego seria
meu.
— Você realmente gostou? — Chad me perguntou.
— Eu adorei — não era algo que eu estava
acostumada a fazer, mas eu não morreria por isso. — Vai
ser bom pra eu me adaptar melhor à cidade e aos
habitantes.
— Alguns desses caras que aparecem por aqui são
barra pesada — ele me alertou. — Mas não tenha medo.
Eu estarei aqui.
Um sorriso alcançou novamente os meus lábios. Ele
era adorável.
— Obrigada, Chad.
Ele encolheu os ombros, aparentemente
desconcertado, e limpou a garganta.
— Eu acho que é melhor nós irmos, não é? Não há
muito o que se fazer por aqui até o dia de você iniciar no
trabalho. Por sorte, a minha próxima escala é no fim de
semana também. Você não vai estar sozinha nessa.
Aquela ideia me agradou, então eu sorri novamente
para ele, enquanto caminhávamos.
☆☆☆
O restante da semana foi bem menos estranho do que
eu imaginei que seria. As coisas não estavam menos
confusas, no entanto. Derek não havia voltado para o meu
quarto depois daquela noite, e eu não pedi para que ele
voltasse. A verdade em tudo aquilo era que éramos dois
orgulhosos e nenhum dos dois se dava ao trabalho de dar
o braço a torcer.
O meu turno no Dark Horse começaria no próximo
fim de semana à noite. Assim que as coisas seriam. Eu
trabalharia alguns dias da semana no bar para cobrir
algum funcionário faltoso ou sob licença e ganharia minha
remuneração diariamente. Era bom, pois eu teria dinheiro
constantemente e não precisaria depender de Derek em
tudo. Bastardo confuso.
Eu estava, além de ansiosa, intrigada. Derek passara
toda a maldita semana remexendo na oficina. Ele havia
dado um jeito de conseguir uma outra caminhonete com
Phill e estava desmontando a caminhonete que havíamos
roubado. Não era seguro sair com aquela coisa por aí,
realmente.
Ele também havia montado esconderijos tanto na
garagem, quanto no porão da casa. Eu sabia que ele estava
escondendo armas ali, só não sabia que ele havia trazido
todas aquelas coisas conosco. De uma forma estranha,
aquilo me confortou, mas eu ainda um pouco receosa.
Apesar de tudo, eram armas.
Era sábado. O dia em que eu finalmente iria começar
no trabalho. Ajeitei as minhas chaves e o meu celular —
um novo, pois o antigo Derek descartara, para evitar
possíveis rastreamentos — em meu bolso e me preparei
para sair. Quando cheguei no andar de baixo, ele estava
de pé na sala. Vestindo uma camisa cinza, jaqueta de
couro, seu jeans habitual e botas. Ele caminhou
tranquilamente até a porta e a abriu.
Arqueei uma sobrancelha.
— Para onde você pensa que vai?
— Você vai ficar aí plantada? — retrucou, sem se
importar em responder a minha pergunta. — Vai se
atrasar.
Ele realmente iria me levar?
Certo. Aquilo era estranho, pois já fazia uns bons
dias que ele só falava o básico comigo. Sempre se
esquivando quando eu chegava perto, como se eu portasse
alguma doença contagiosa. E agora ele inventava de me
acompanhar até o trabalho? Eu precisaria de um manual
para compreendê-lo.
Assenti e saí pela porta. Ele me acompanhou
momentos após.
Chegamos no bar e notei que ele já estava
basicamente cheio. Derek ocupou uma das mesas e se
acomodou de forma que pudesse ter uma visão mais ampla
do local — e de mim.
Ele estava disposto a me vigiar, mas, apesar de ter
me irritado um pouco, eu me senti mais segura com aquilo.
Avistei Chad que sorriu enquanto andava em minha
direção, mas se retraiu um pouco ao avistar Derek.
— Ele vai ficar aqui toda a noite? — perguntou,
enviando um discreto olhar na direção do meu suposto
marido.
— Creio que sim — olhei para trás e avistei Derek
nos encarando intensamente. Ele tinha uma arma consigo,
eu sabia, então apenas fingi que nada daquilo realmente
estava acontecendo.
Sem perceber a situação, Chad sorriu de volta e deu
de ombros, me guiando para apanhar o meu uniforme —
um avental. Meus cabelos estavam escovados e amarrados
em um pequeno rabo de cabalo. Eu vestia um jeans e
camisa com mangas e tênis. Simples e confortável.
Comecei a trabalhar. O movimento ficou rapidamente
intenso depois de um tempo e eu esperei que não piorasse.
Derek não ficava na minha zona de atendimento. Sua mesa
era de Chad, o que consequentemente me fazia estremecer
toda vez que Chad se aproximava e perguntava se ele
queria algo. Ele não estava bebendo, não nada alcoólico,
mas estava atento a tudo. Seus olhos percorriam o local
como uma presa em busca de uma possível ameaça.
Já eram quase duas da manhã e meus pés estavam me
matando. Eu parei, recostando-me no balcão para dar um
pouco de descanso aos meus pés e percebi que todo o bar
ficou mais silencioso naquele instante. Muita gente estava
tensa, inquieta e dava atenção à um ponto específico na
direção da porta.
Curiosa, guiei meu olhar para onde tanto encaravam,
e foi quando eu os vi. Eles vestiam preto — a maioria
couro — e exalavam uma aura puramente masculina e
ameaçadora. Eram grandes, intimidantes e pareciam ter
ciência daquilo. Imediatamente eu me dei conta do que se
tratava.
Motoqueiros.
Ok, Faith, não surta.
Olhei para o colete de um deles e comprovei que o
nome do clube não era o mesmo clube de motoqueiros dos
quais havíamos roubado a caminhonete. Menos mal.
Entretanto, percebi que as coisas poderiam piorar quando
eles acomodaram-se em uma das mesas que eu atendia.
Certo. O destino adorava me pregar uma peça.
Caminhei com passos vacilantes em sua direção, mas
com um sorriso no rosto.
— Boa noite, rapazes — cumprimentei, assim como
Bethan, uma das garçonetes mais antigas, havia me
orientado que fizesse. — O que desejam?
— Cerveja para todos — falou um dos caras. Ele
tinha um cabelo escuro que ia até a altura dos ombros.
Pele morena e olhos negros como a noite. Seus músculos
eram muito bem construídos e se tensionavam facilmente
sempre que ele fazia um movimento com os braços sobre
a mesa. O homem era extremamente sexy, e eu me
perguntei por um momento o que havia acontecido com a
genética das pessoas daquela cidade.
— Certo. Aguardem só um momento — terminei de
anotar em meu bloquinho e forcei um sorriso antes de me
retirar.
Tomei um tempo para respirar, conforme passava a
um dos barmen os pedidos.
— Você acha que consegue dar conta? — questionou-
me Bethan, parada ao meu lado. Ela era alta, o que fazia
com que eu elevasse o meu rosto um pouco para fitá-la. —
Aqueles caras são meio difíceis de lidar, mas não irão
machucar você ou fazer algo estúpido. Basta manter-se
neutra.
— Está tudo sob controle — dei um sorriso para
tranquiliza-la. — Eu consigo dar conta deles. Obrigada.
Ela sorriu de volta.
— Certo, vou voltar ao trabalho. Boa sorte.
Murmurei um "obrigada" e esperei ela se afastar
antes de pegar a bandeja com as bebidas dos caras.
Quando voltei com as cervejas, percebi que eles estavam
rindo de alguma piada que um deles dizia. Havia, pelo
menos, cinco na mesa. Eu podia dizer que todos eles eram
assustadores. Distribuí todas as cervejas em cima da mesa
e me virei para me afastar, no entanto, uma mão tatuada
agarrou o meu braço. Fui forçada a me virar.
— Espere, boneca. Você ainda não nos disse o seu
nome — falou. — Você é nova aqui?
— Sim.
— E você conhece as regras?
— Regras? — mas que diabos o babaca estava
falando?
— Sim, as regras. Ao menos um de nós aqui nessa
mesa já fodeu com uma garçonete gostosa desse bar. E
adivinhe só: você é gostosa.
Ele riu da própria piada e eu fiquei ali, calculando o
quanto de problemas eu conseguiria se partisse a maldita
bandeja no meio da sua cara.
— Eu sou casada, desculpe — repliquei, tentando
puxar meu braço de volta, mas ele não me deu folga.
— Eu não vejo problemas nisso — falou. — Knife e
Shade não fodem as casadas, mas desde que haja
consentimento, eu realmente não me importo, baby.
Imediatamente senti nojo do imbecil. Estava
começando a ficar seriamente irritada.
— Não vai rolar! — tentei me virar e me livrar de
seu aperto, mas parei no momento em que avistei Derek
vindo em nossa direção.
Porra! Era só o que faltava.
— Solte ela, Shark — disse o moreno. Ele possuía
uma espécie de remendo escrito "presidente" em seu
colete. Sinal de que ele era o líder do grupo.
No entanto, o outro cara apenas sorriu, apertando
ainda mais seus dedos em meu braço. Ele era estranho.
Cheio de tatuagens e uma cabeça raspada. Bizarro era a
palavra que o definia melhor.
— Ele disse para soltá-la, Shark — rosnou um
barbudo, sentado ao lado do presidente. Diferente do
barbudo do outro bar, ele não era fora de forma, nem
tampouco fedia a cerveja barata. Sua barba era bem
aparada, olhos intensos e verdes. — Você é a porra de
algum idiota?
Shark finalmente me soltou. Dei um passo para trás.
Eu ia abrir a minha boca para agradecer aos homens
que intervieram, quando Derek apareceu atrás de mim. Ele
estava tenso. Parecia furioso também.
Meu homem. Certo. Ele poderia se considerar como
algo do tipo naquele momento.
— Algum problema aqui? — sua voz era calma, mas
eu sabia que por dentro pensamentos assassinos
permeavam sua cabeça.
— Problema nenhum, irmão — falou o moreno. —
Nós já resolvemos tudo.
— Claro que resolveram — ele retrucou, ironia
nítida. Virando-se para mim, ele me segurou pelo braço.
— Vamos dar o fora aqui.
— O quê? — engasguei quando percebi que Chad
estava se aproximando, logo atrás vinha Sandra. Porra.
Aquilo era algum jogo para testar os meus nervos?
— Posso saber o que está acontecendo aqui, rapazes?
— Sandra perguntou, cruzando os braços como uma
professora irritada diante de sua turma travessa.
— Você vem comigo — Derek me disse, ignorando
completamente a minha chefe. — Eu falei que esse lugar
não era pra você.
— Eu não sei se você percebeu — falou o tatuado,
que há pouco estava grudado em meu braço —, mas eu
tenho a impressão de que ela não quer ir.
— Oh, o seu cérebro funciona agora? — Derek
zombou.
— Ele funciona, e muito, cara — refutou. — E eu
estou neste exato momento pensando na boceta dessa
vadia agarrada em meu pau.
Ele se ergueu de onde estava para encarar Derek
frente a frente. Foi tudo muito rápido. Em um momento, eu
estava ansiando afundar a cara do tatuado com o meu
punho. No outro, eu estava sendo arrastada para trás, o
corpo pesado de Derek cobrindo boa parte da visão do
que estava à minha frente e uma pistola apontada para a
cabeça do homem. A música parou. Tudo ficou silencioso.
A energia tensa pairando sobre nossas cabeças.
— Caramba, ele tem uma arma... — Chad murmurou
perplexo e eu quase gemi de frustração.
Havíamos destruído o disfarce em menos de dois
dias.
— Você é durão, hein? — sorriu o moreno. Ele era
louco? Ele não parecia ter medo de Derek, e Derek não
parecia estar blefando dessa vez. Ele era bom naquilo,
mas eu tive medo de que o outro cara fosse bom também.
— Ninguém mata um dos nossos irmãos e sai ileso,
amigo.
— Eu sei que não — ele sorriu. — Mas sejamos
realistas e vamos admitir que não vai sobrar muito da
metade de vocês quando isso estiver acabado.
Engoli em seco. Aquilo era como um maldito campo
minado e no momento eu tive medo até de respirar.
Em meio à confusão, eu não havia percebido que o
barbudo mantinha uma arma apontada para a cabeça de
Derek também. Deus, eu queria que um buraco se abrisse
e me engolisse naquele momento. Seria menos doloroso.
— Abaixe a arma, Shade — o presidente falou. —
Ele é esperto e não vai atirar.
— Você está certo disso? — Derek provocou. Eu já
havia visto ele fazer aquele jogo fodido com a
mentalidade das pessoas. Ele já tentara me amedrontar
daquela forma e havia conseguido, mas eu percebi que
aqueles homens eram diferentes de mim. Bem diferentes.
— Eu adoraria estourar os miolos desse bastardo imbecil.
Eu pensei que o homem fosse recuar, ou ao menos
puxar uma outra arma, então nós faríamos uma festinha de
confetes com projéteis reais. No entanto ele apenas sorriu.
Ele. Porra. Sorriu.
— Ela é sua garota? — perguntou, apontando com o
queixo em minha direção. Um arquear de sobrancelha,
como se perguntando "o que você acha?" foi a única
resposta que Derek lhe ofereceu. O outro pareceu captar a
mensagem, contudo. — Abaixe a arma, Shade. Shark é um
bastardo sem noção. Até mesmo eu sinto vontade de partir
a cabeça dele às vezes. — Ele enviou um olhar sinistro
para o tal Shark e era impressão minha ou o cara havia se
retraído? — Quem sabe eu não faça isso qualquer dia
desses?
O tal Shade abaixou a arma e voltou a se sentar,
guardando a pistola lentamente de volta.
— Está tudo na devida paz, amigo — disse o
presidente. — Eu também não deixaria a minha garota
sozinha por aí se ela fosse tão gostosa quanto a sua.
Derek fez um som de desaprovação e o cara balançou
a cabeça. Nos ignorando completamente no momento
seguinte.
— Bethan, me traga mais uma cerveja, baby. A minha
não está mais gelada.
Derek voltou a guardar sua arma, dando a Chad um
olhar de "você conta isso a mais alguém e eu te mato".
Então, seu olhar furioso se voltou para mim.
— Pra fora — ele disse. — Agora.
— Como é? — disparei. — Que merda está
acontecendo com você?
Ele não respondeu. Em vez disso, agarrou o meu
braço e me arrastou para fora. Senti o vento beijar minha
pele quando alcançamos o lado de fora do bar.
— Você não vai ficar aqui — ele rosnou. — Eu fui
obrigado a puxar uma arma para um cara, porra! Na frente
do nosso vizinho.
— Eu não mandei você fazer isso. Estava
conseguindo me sair muito bem, se quer saber.
Ele parou e me fitou como se estivesse incrédulo de
que eu realmente havia tido coragem de dizer-lhe algo
como aquilo.
— Entra no carro — foi sua palavra.
— Não, porra. Não é assim que funciona!
— Do meu jeito sempre funciona. Eu estou irritado,
Faith. Muito. Então se você tiver um pingo de juízo nessa
sua cabeça, vai entrar na porra desse carro agora.
— Foda-se! Eu não vou obedecer suas ordens
enquanto você estiver gritando como um louco.
— Eu não estou gritando.
Era verdade. Eu estava gritando. Como uma cadela
histérica. E já havia atraído a atenção de um bom número
de gente. Eu ainda estava fervendo de raiva quando entrei
no carro. Ele me deixou com meus pensamentos por todo
o caminho, sempre calado. Eu julguei que ele estivesse
tão furioso quanto eu.
No momento em que ele estacionou na garagem, eu
bati a porta do carro atrás de mim, sem me dar ao trabalho
de lhe dirigir um olhar. Me enrolei com as chaves da porta
de casa por alguns segundos antes de irromper para dentro
e subir para o quarto. O meu quarto. O quarto no qual
aquele bastardo idiota não fazia questão de dormir, e que
assim permanecesse. Mas diferente do que desejei que ele
fizesse, ele veio atrás de mim e, antes mesmo que eu
pudesse bater a porta na sua cara e me trancar lá dentro,
sua mão tornou a minha tentativa falha.
— Que merda você pensa que está fazendo? —
rosnei furiosa. — Tire sua maldita bunda daqui, Derek, ou
eu juro que...
— O quê? — desafiou ele, dando um passo em minha
direção.
Lambi meus lábios, incapaz de formular uma resposta
para sua pergunta. Ele estava ficando cada vez mais
próximo. Aquilo era perturbador.
— Você pretende me amarrar na cabeceira da cama e
me torturar ou algo do tipo? — ele estava zombando de
mim. Bastardo idiota. Como ele ainda tinha coragem de
zombar de mim, quando eu estava prestes a arrancar suas
malditas bolas?
— Saia do meu quarto! — gritei. — Dê o fora,
Derek.
— Você tem certeza que quer que eu saia? — mais
um passo. — Eu não acho que você esteja sendo de todo
sincera.
— Que tipo de jogo você pensa que está fazendo? —
eu disparei. — Você me sequestra, depois me salva, foge
comigo para proteger a minha bunda e depois você muda
completamente. Você começa a me provocar e dizer
coisas que me perturbam, você me dá orgasmos e do nada
você muda novamente. Você fica distante e agora você
puxa a arma pra um grupo de motoqueiros apenas para me
proteger, porra. Quer me enlouquecer?
Eu estava gritando. Inferno, eu estava agindo
histericamente, e eu percebi que talvez ele tivesse
conseguido. Talvez ele houvesse realmente me deixado
completamente louca.
— Eu estava dando um tempo. Tentando fazer com
que minha cabeça voltasse ao normal. Eu não consigo
pensar coerentemente com você por perto.
Que diabos ele queria dizer com aquilo?
— Bom, eu não sei muito o que dizer sobre isso, mas
espero que você tenha conseguido — cuspi com raiva.
Ele não respondeu de imediato. Seus olhos ainda
eram intensos, ele ainda estava com raiva. Que bom, pois
eu também estava.
— Você tem que seguir as regras, Faith — ele falou,
desviando completamente do meu comentário. — Eu falei
pra você que aquele lugar não era bom, porque eu sabia
exatamente o que diabos iríamos encontrar por lá. Então
você não me escuta e fode com tudo.
— Agora a culpa é minha? Mais uma vez eu repito,
idiota: eu não pedi para você me salvar — cuspi de volta.
— Não tente me controlar, Derek. Eu posso concordar e
conviver com muitas de suas atitudes, mas eu não sou uma
de suas vadias.
— Em primeiro lugar: eu não estou tentando
controlar você. Estou tentando fazer com que você não
haja estupidamente a cada maldito minuto e ferre com
tudo. E, segundo: eu não tenho vadias.
— Oh, claro que não tem — debochei. — Eu me
esqueci que você é o grande homem quebrado, pertencente
à uma vadia só.
Ok. Eu admito que cutuquei profundamente em sua
ferida e admito que não me arrependi cem por cento por
ter feito aquilo. Foi golpe baixo, claro, mas eu queria
tanto magoá-lo.
Aquilo estava me sufocando em níveis alarmantes. Eu
queria chorar, também. De raiva. Raiva de mim. Raiva
dele. De raiva dela. Sempre ela.
Todo aquele inferno havia se iniciado apenas por
causa dela.
Talvez eu estivesse agindo como um monstro egoísta
e insensível, pensando daquela maneira sobre alguém que
havia morrido de forma tão fria e brutal — e pelas mãos
do meu irmão, diga-se de passagem — mas eu era
humana. Já estava no meu limite.
— Você não deveria ter dito isso — seus olhos eram
frios e intensos.
Eu queria aquilo, certo? Mas por que eu sentia
minhas pernas tremerem tanto? Eu dei um passo para trás,
ele deu outro para frente, seguindo-me até que eu
estivesse encurralada contra a parede. Eu não tinha saída.
— O que você vai fazer? — perguntei, tentando
disfarçar os tremores em minha voz. — Me bater?
Seu lábio torceu de um lado. Foi por um milésimo de
segundos, e logo depois eu imaginei estar vendo coisas.
Não era possível que isso estivesse acontecendo, não é?
Ele não estava sorrindo em um momento tão tenso como
aquele.
— Bem que você merece — falou. — Você precisa
aprender a se comportar, Faith. Como uma boa garota.
— Não tente agir comigo como se eu fosse uma
adolescente estúpida, Derek — retruquei. — Isso não vai
funcionar.
— Costuma funcionar sempre que eu enfio a minha
língua entre as suas pernas...
Filho da puta.
Antes mesmo que ele chegasse mais perto, minha mão
ia de encontro a sua cara. Deve ter doído, porque minha
palma queimou como o inferno.
— Porra! — ele praguejou. A fúria que vi em seus
olhos me deixou temerosa. Recuei com medo de sua
reação, mas antes mesmo que eu desse meu próximo
movimento, ele me puxava pelo braço e batia sua boca
contra a minha.
Não foi suave. Não foi gentil. Era como se ele
estivesse querendo me punir de alguma maneira. Infligir
dor e ao mesmo tempo prazer. Ou apenas fazer com que eu
me desintegrasse. Talvez fosse isso.
Eu mordi seu lábio com força, sentindo o sabor
ferroso de seu sangue em minha língua, e de uma forma
doentia aquilo me excitou. Eu sentia meus mamilos duros
contra o tecido da minha camisa.
— Porra! — reclamou.
— Tente ser menos idiota, caso queira que eu pare de
te ferir! — falei.
— Talvez eu devesse tentar manter a minha mente em
torno das lembranças de Samantha — revidou. — Ela não
me deixava com a cabeça e o corpo tão fodidos, como
você faz!
Ele estava dizendo aquilo para me magoar. E
magoou, de certa forma.
Eu queria socá-lo. Fazê-lo sangrar. Eu queria agredi-
lo de todas as maneiras possíveis.
Eu queria beijá-lo.
Eu era louca. Louca e masoquista.
— Ela está morta, Derek. Será que você não
percebe? — minha voz falhou, mas eu estava além do meu
limite para me importar. Ele não respondeu. — Por que
você não aproveita essa sua fixação por sua namorada
morta e não derrama a sua merda em cima dela? Era assim
que você agia quando ela te irritava?
— Não! — Derek veio até mim, e eu não precisei
com exatidão aquilo, mas sua mão veio para o meu braço,
agarrando meus pulsos. Ele me virou de costas e bateu a
minha frente contra a parede, seu peito muito próximo de
mim. — Ela dificilmente me irritava, coisa que você faz
com bastante frequência. Mas quando isso acontecia, nós
costumávamos foder — sua barba rala arranhava atrás da
minha orelha, enviando arrepios até as pontas dos meus
pés. — Nós fodíamos duro, Faith. Era intenso.
— Desgraçado — rosnei. — Vá se foder.
— Foder você seria bem mais interessante.
Então eu senti apenas o meu corpo sendo virado
bruscamente de frente para ele e sua mão deslizando do
meu pulso para ir de encontro ao botão da minha calça
jeans. Sua boca colou na minha, tomando o pouco de
energia que eu ainda possuía. Ele beijava meu pescoço,
meu colo e meus ombros, para subir para a minha boca
novamente.
— Eu ainda estou com vontade de matar você —
murmurei, chutando as minhas calças no chão e correndo
minhas mãos desesperadamente pelos seus ombros para
retirar sua jaqueta e em seguida a camisa. Por que ele
tinha que ser tão... apetitoso? Era muito mais difícil
daquela forma.
— Eu sei. Também quero te esganar — ele mordeu
minha clavícula. — Eu quero apertar o seu lindo pescoço
até que toda essa raiva passe — ergueu uma das minhas
pernas e minha calcinha encharcada friccionou-se contra a
sua coxa, deixando-me muito ciente do quão necessitada
eu estava. Era vergonhoso, doloroso e extasiante. — Mas
eu quero te foder, também. Muito.
Oh, sim. Eu gostei de como aquilo soou.
Gemi, me afastando o suficiente para conseguir
ajudá-lo a remover suas calças e cueca. Ele retirou
rapidamente o resto da minha roupa e então estávamos nus
em cima da cama, quentes, necessitados e furiosos. Eu
conseguia perceber isso pela forma como ele trabalhava
todo o seu caminho para me infligir tortura. Era agoniante
a forma como ele ia lentamente, lambendo os pontos
certos, para depois recuar na melhor parte. Eu era
sensível na região dos seios — Derek sabia disso — e ele
não tocava nos meus mamilos. Não da forma que eu
queria. Ele beijava e mordiscava os pontos ao redor, mas
não fazia a maldita coisa que eu queria que ele fizesse.
Eu me contorcia, recebendo os beijos que ele dava
em todo o meu corpo, querendo um pouco mais daquilo.
Querendo muito mais daquilo que ele estava me
oferecendo. Levei minhas mãos aos meus seios,
manipulando meus mamilos, mas então ele apanhou
minhas duas mãos e as pôs unidas acima da minha cabeça.
Eu queria socá-lo.
— Baby — eu ronronei. Desde quando eu
ronronava? — Não me torture tanto.
Um sorriso diabólico brilhou em seu rosto.
— Você quer isso? — ele provocou, roçando a
cabeça do seu pau em minha entrada. Ele mergulhou
apenas a ponta e depois recuou.
Eu não respondi. Eu me contorci debaixo dele,
arqueando os meus quadris, tentando encontrar o ponto
exato para ter o que eu tanto queria. O que eu tanto
precisava.
— Responda, Faith. O que você quer?
— Foda-se — arfei. — Não é como se você não
soubesse.
Ele riu e aproximou os lábios do meu estômago.
— Você tem razão, babe. Eu sei exatamente do que
você precisa — provocou, beijando a pele logo acima,
abocanhando um dos meus mamilos dessa vez. — Mas
você foi uma má menina, Faith. E eu costumo punir as más
meninas.
— Bom, eu acho que você já me infligiu tortura o
suficiente...
Seus olhos se estreitaram e um sorriso satisfeito
surgiu em seus lábios, fazendo com que eu mordesse
instintivamente o meu.
— Vamos lá, Derek — implorei. — Me foda.
E com isso, ele me fodeu.
Me fodeu dura, rápida e asperamente. Ele não foi
gentil, ele não foi piedoso, mas eu também não queria que
ele fosse. Eu queria mais dele. Eu queria mais daquela
coisa intensa, quente e eletrizante que apenas ele me
fornecia. Eu sentia seu piercing raspar nos locais certos,
enquanto seu enorme pau fazia seu caminho em meu
interior, minhas paredes internas se contraindo com cada
arremetida, sugando o que podia.
Minhas unhas cravaram em suas costas e em sua
bunda, trazendo seu corpo ainda mais perto do meu.
Arrancando sangue de sua pele sem que eu me
arrependesse nem um pouco daquilo.
— Mais rápido — pedi, quase em desespero. —
Baby, faça isso mais rápido.
E ele atendeu ao meu pedido. Derek meteu cada vez
mais rápido, ao passo que se inclinava para beijar a
minha boca. E eu o recebi de muito bom grado. Eu gostava
de beijá-lo. Eu gostava da sensação de sua língua se
enrolando na minha, ou quando seus dentes mordiscavam
de leve, os barulhos que ele fazia.
Ele ainda deslizava para dentro e fora de mim, seus
olhos agora estavam nos meus, suas arremetidas eram
profundas. Um roçar do seu peito no meu fez-me bem
ciente do suor que brotava e escorria. Meu corpo estava
febril, o prazer se elevando com cada toque. Um som
agudo saiu de minha garganta e eu perdi a linha de
raciocínio. Foi quando minha agonia se elevou e eu senti a
sensação se acumulando, transformando-se em uma onda e
chegando cada vez mais perto. Naquele momento, eu só
conseguia focar no seu pau entrando fundo em mim, sendo
empurrado uma e outra vez para o meu interior, causando-
me sensações nunca antes vividas.
Suas mãos agarraram os meus quadris, os dedos
grandes apertando firmemente a carne. Doeria no dia
seguinte, mas seria bom. Seria uma prova de que eu
realmente havia experimentado aquilo.
Ele trocou de posição, erguendo o tronco e segurando
minhas coxas abertas, de forma que ele tivesse mais
facilidade para me foder livremente.
E ele fez isso. O lindo e intenso homem entre as
minhas pernas fez exatamente isso. Ele me fodeu ainda
mais duro. Eu só tinha forças para me contorcer com cada
estocada e gemer o seu nome como uma vadia louca.
— Ah, Deus, eu estou tão quente...
Eu não conseguia me segurar, por mais que tentasse,
era tão intenso e eu sentia-me tão sensível e no limite...
Percebendo o quão perto de chegar ao clímax eu
estava, Derek diminuiu a velocidade. Arfei quando minhas
costas bateram na cama. Ele me puxou pelos cabelos e
minha cabeça se inclinou para trás. Ele se inclinou e
passou a língua sobre a pele do meu pescoço, sugando o
meu suor.
Seu pau deslizou lentamente para fora, até a ponta. Eu
protestei.
— Por favor... — gemi.
— O quê? — ele empurrou novamente. Senti meus
olhos rolarem para trás, os sons de satisfação se
misturando com seus grunhidos. — É isso o que você
quer, Faith? Que eu me enterre até o fundo em você?
Eu não tive tempo de responder quando ele recuou
novamente e depois bateu de volta. Mordi meu lábio com
força, minha coluna formando um arco.
Eu estava muito além de qualquer pensamento
racional. A luxúria tomando conta de todos os meus
sentidos. Derek pressionou sua testa na minha e voltou a
me tomar, seu ritmo constante e lento. Inclinei minha
cabeça, buscando a sua boca e ele me deu o que eu queria
quando me beijou duramente.
Eu suspirei de contentamento enquanto ele me
agraciava. Sua boca caiu até o meu seio e ele mamou o
pico duro do meu mamilo esquerdo. Em seguida, ele
repetiu o processo com o outro. Derek estava além de
qualquer coisa também. Ele estava esfomeado, intenso,
selvagem e entregue.
Senti que tudo iria se desintegrar no momento em que
ele escorregou uma mão até entre as minhas pernas e
começou a acariciar o meu clitóris. Minha boceta agarrou
o seu pau e o meu mundo se transformou em um completo
agrupamento de flashes coloridos.
Os dedos massageavam em círculos o ponto principal
do meu prazer, seu pênis escorregava para dentro e para
fora de mim, batendo tão fundo que eu conseguia senti-lo
em meu útero.
Minhas unhas voltaram a marcar suas costas, meus
dedos dos pés enrolaram-se. Me estiquei quando senti que
era o meu fim. O delicioso fim.
Acabei gozando intensamente. Derek encontrou sua
liberação segundos depois e rolou ao meu lado.
Eu fiquei ali, parada, tentando recobrar a minha
respiração e encontrar palavras para descrever o que foi
aquilo.
Só então, me lembrei de algo que rapidamente me
tirou do torpor: não havíamos usado proteção alguma.
— Droga, Derek, você não se protegeu.
— Merda — ele resmungou. — Eu tenho uma caixa
dessas coisas no meu quarto, mas estava impaciente o
suficiente para ir buscar.
— Você tinha camisinhas? — ergui meu tronco,
apoiando-me com o cotovelo sobre o colchão e estreitei
os olhos para ele. — Me diga o porquê de você ter
camisinhas em seu quarto, se combinamos de não foder
ninguém enquanto estivéssemos aqui?
Ele sorriu, me puxando até que eu estivesse com a
cabeça deitada em seu peito.
— Eu sou um cara prevenido — e presunçoso,
pensei. Ele sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais
tarde. Sinal de que ele não estava sendo tão imune a mim
como queria demonstrar.
— Claro — resmunguei. — Sua sorte é que eu não
estou em meu período fértil, mas ainda temos um outro
problema...
— Eu sei. Não se preocupe com isso, eu nunca
transei sem camisinha antes e estou há quatro anos sem
fazer sexo.
Arregalei os meus olhos.
— Você não faz sexo há quatro anos?
— Isso é um problema pra você? — ele sorriu,
divertindo-se. — Eu acho que a julgar pelos seus gritos,
ainda estou em forma.
Rolei os olhos. Maldito presunçoso. De qualquer
forma, ele não estava mentindo. O maldito sabia muito
bem fazer aquilo.
Ignorando suas provocações e um pouco mais
tranquila, me aconcheguei ainda mais em seu peito.
Aquilo era bom. Eu nunca tivera algo como aquilo com
Simon. Eu nem mesmo sentia prazer em estar com Simon.
Mas com ele era diferente.
Derek envolveu o braço em minha cintura, alisando
as minhas costas. Eu estava com as pálpebras pesadas.
Não demoraria muito para eu dormir ali.
— Você me assusta — ele sussurrou de repente.
Demorei uns bons segundos para registrar aquilo.
— Isso é algo ruim? — murmurei de volta.
— Eu não sei — confessou. Sua mão ainda alisava as
minhas costas, meus olhos ainda estavam fechados, mas eu
ainda estava muito ciente de cada movimento seu. — Você
desperta o melhor e o pior de mim. Isso é preocupante.
Eu fazia aquilo? Bem, não era diferente comigo,
pensei.
— Se isso te conforta, você costuma fazer eu me
sentir da mesma forma.
Senti que ele sorriu. Se inclinou em minha direção,
puxando a minha perna, até que ela estivesse entrelaçada
com a sua. Sua mão passeava sobre a minha coxa nua.
Ele gostava de me tocar. Ele gostava de manter suas
mãos sobre mim, e isso fazia eu me sentir como a garota
mais sexy e bonita da face da Terra. Eu era quebrada,
talvez não tanto quanto ele, mas eu era quebrada. Eu tinha
meus fantasmas e aprendi a expulsá-los. Eu aprendi a
conviver com as más lembranças, sozinha, até então. Mas
agora eu tinha Derek. Eu sabia que não poderia fantasiar
coisas, mas, naquele momento, eu sabia que tinha Derek.
E Derek tinha a mim.
Nós éramos como duas peças quebradas, de formas
totalmente distintas, mas que se encaixavam perfeitamente
entre si. Louco ou não, aquilo fazia todo o sentido para
mim.
Talvez fizesse para ele também.
26: Armas e Rosas
Derek
Havia uma perna bonita, de pele macia, entrelaçada à
minha. O cheiro característico de sabonete exalava de
muito perto, à medida que os cabelos de Faith — ainda
levemente úmidos — espalhavam-se sobre meu ombro.
Eu sentia o meu braço dormente, mas não estava
dando tanta importância, assim, ao fato. Eu não me
importava em ter uma garota com metade do seu corpo
pesando sobre o meu. Eu não me importava com o toque
de suas unhas arranhando o meu peito. Eu não me importei
nem sequer com o fato de que ela havia me despertado do
sono e estava acordada às, provavelmente, duas horas da
madrugada, fazendo nada mais do que passar sua mão
pequena sobre mim, como se eu fosse uma espécie de
objeto histórico exposto para ser apreciado.
Inclinei o meu queixo para baixo, nivelando meu
olhar com o seu rosto. Observei silenciosamente Faith
contornar, de modo distraído, uma das minhas tatuagens no
peito. Ela tinha aquele vinco suave entre as sobrancelhas,
os lábios rosados e inchados levemente entreabertos e sua
respiração era tranquila. A calmaria de seu estado durou
por pouquíssimo tempo — ao menos até ela perceber que
eu havia acordado. Ela parou o que fazia e me abriu um
sorriso tímido, seus olhos azuis ainda muito brilhantes.
— Eu não queria acordar você. Me desculpe — após
um momento de hesitação, ela remexeu-se contra mim,
provavelmente pretendendo se afastar. No entanto o meu
braço ao redor da sua cintura não permitiu que seus
movimentos não se limitassem àquilo. Não afrouxei o
aperto porque não havia chance do caralho de eu tirá-la
daquela posição tão cedo.
— Não há problema algum nisso — a tranquilizei. —
Mas eu acho que ter uma boa noite de sono seria muito
mais interessante do que ficar me observando.
Faith sorriu timidamente, puxando o lençol sobre o
peito.
— Eu não estava conseguindo dormir — revelou. —
E você é bom de observar.
Sorri de volta, apreciando a forma em como ela
ficava mais bonita depois do sexo. Algo que alternava
entre o selvagem e o tímido. O sensual e o virginal. Ela
estava feliz, e eu me senti bem ao constatar que havia
contribuído para seu estado de espírito.
Pouco tempo se passou até a testa de Faith se
encrespar novamente. Sua cabeça se ergueu, de modo que
ela pudesse ter mais facilidade para me encarar mais
diretamente.
— Quem é Martha? — perguntou, mudando
totalmente o rumo da conversa. Sua mão se estendeu
novamente, arrastando-se sobre o meu peito e parou no
ponto onde descansava uma tatuagem pequena com a tal
palavra escrita em letras cursivas.
— Esse é o nome da minha mãe — respondi.
Faith pareceu surpresa com a forma em como eu
respondi tão facilmente àquela pergunta.
— Você nunca me falou sobre a sua família antes —
disse ela. — Você tem algum parente vivo?
— Não que eu saiba — falei. — Mas não faria muita
diferença, caso eles estivessem.
— Você não tem ninguém?
Ali estava um ponto que me incomodava trazer à
tona. Eu não gostava de relembrar sobre o meu passado,
principalmente a parte que envolvia a minha família. Eu
não tinha nada de bom para recordar deles, salvo a minha
mãe — única pessoa que merecia ter uma vida melhor
diante de toda a merda que fomos obrigados a passar, no
entanto, não havia tido a mesma sorte que eu.
— Eu não preciso disso, Faith.
— Como não, Derek? Todos precisam. ​
— Não eu — reafirmei. — Aprendi a lidar com as
minhas merdas sozinho, a viver sozinho. E tem sido assim
por muito tempo.
Imaginei que ela fosse se fechar e se afastar, mas ela
apenas voltou a sorrir, passando a palma macia sobre a
minha barba rala.
— Você tem a mim agora.
Estendi a mão e passei os dedos sobre sua face. Ela
não tinha uma pele de porcelana, cabelos sempre sedosos
e alinhados ou era o modelo padronizado de garotas
gostosas que se via em revistas e televisão, mas ela era
perfeita pra mim. Mesmo desbocada, louca e disposta a
me tirar do sério quando decidia. Mesmo sendo teimosa,
insistente e curiosa. Nada daquilo sobrepujava o fato de
ela ser linda quando corava, ser sexy quando se irritava e
ser malditamente receptiva na cama. Eu gostava da forma
como seus quadris ondulavam, sempre que ela estava
impaciente para encontrar liberação ou como seus
gemidos preenchiam os meus ouvidos como uma droga
afrodisíaca em meu sistema sanguíneo. Ela não seguia
rótulos, ela não era influenciável. Ela era apenas ela.
Apenas Faith. Minha Faith.
Ela também me tinha.
Rolei na cama para me manter apoiado sobre ela. Um
braço de cada lado do seu corpo e senti sua respiração se
acelerar, o peito subindo e descendo.
Puxei para baixo o lençol que cobria seus seios e
passei um dedo suavemente sobre um mamilo, me
deliciando com o quão fácil ela era de se estimular.
— Você tem um cheiro bom — abordei, esfregando
sutilmente meu nariz na curva do seu pescoço. — E seu
gosto é ainda melhor.
Ela riu, se contorcendo debaixo de mim.
— Você sabe que se dissesse coisas desse tipo para
todas as garotas, elas cairiam aos montes em sua cama,
não é?
— Sem dúvida, sim — falei, contornando seu lábio
inferior com a ponta do meu polegar. — Mas eu não quero
outras garotas em minha cama.
Seu sorriso desapareceu e senti a tensão sexual se
estabelecer no ambiente. Havíamos acabado de fazer sexo
fazia algumas horas, e eu já estava duro apenas com a
perspectiva de ter meu pau enterrado dentro de seu calor
molhado outra vez.
Ela era como uma compilação do caralho entre tudo
o que havia no inferno e no paraíso.
— Se eu te contar uma coisa, você não vai rir de
mim? — perguntou.
Levantei uma sobrancelha, percebendo o rubro voltar
às suas bochechas.
— Você já confessou ser fã dos Backstreet Boys —
repliquei. — Acho que consigo não me surpreender agora.
Seus olhos rolaram e um leve tapa foi depositado em
meu ombro, conforme ela mordia o lábio para não rir.
— Não é isso, é que... eu acho que estou viciada.
Franzi o cenho.
— Em quê?
Suas bochechas coraram novamente e por um
momento eu tive vontade de dizer todas as coisas que eu
planejava fazer com ela naquela cama, só para ter o
prazer de vê-la corar ainda mais. Ela ficava vermelha
muito facilmente, principalmente quando eu falava
sacanagens em seu ouvido. Um misto de excitação com
acanhamento. Era magnífico.
— Em sexo, Derek — praticamente sussurrou. — Eu
nunca me senti tão... necessitada.
Segurei-me para não rir de sua confissão, pondo
minha língua para fora e contornando a costura do seu
lábio. Um suspiro baixo escapou entre eles, o que me fez
acomodar-me ainda melhor entre as suas pernas. Segurei a
ponta do seu queixo.
— Não há mal algum nisso, Faith — murmurei. —
Acredite em mim.
Ela sacudiu a cabeça:
— É estranho. Eu não me sentia assim com... você
sabe. Eu nunca me senti assim com ninguém antes.
— Você está me comparando com o seu ex-
namorado, péssimo fodedor de merda?
— Não é isso — ela bufou. — Eu só estou um pouco
admirada por estar vivenciando algo que julguei ser
impossível experimentar um dia.
Concordei. Realmente deveria ser horrível ter
passado por tudo o que ela passou e, provavelmente, ter
aceitado tudo calada. Eu iria matar Simon, aquilo era
certo. Mas ele iria pagar caro por cada sofrimento que a
havia feito passar.
— O que ele fazia com você? — interpelei. — Seja
sincera, Faith. Eu não estou aqui para te julgar.
Em um primeiro momento, ela manteve-se calada,
provavelmente buscando as palavras adequadas para
dizer aquilo, ou simplesmente porque estava apenas
ponderando se seria uma boa ideia ou não, confessar o
ocorrido.
— Ele era meio... excêntrico — disse.
— Excêntrico em que sentido?
Ela respirou fundo e lambeu os lábios, antes de
voltar a falar:
— Simon gosta desses lances de sado — soltou. —
Ele gostava de me amarrar à cama e fazer... coisas.
Senti a raiva se construindo dentro de mim. Idiota do
caralho.
— Ele machucava você — concluí. Ela assentiu
fracamente. — E você chegou a gostar disso alguma vez?
— Claro que não! — estremeceu. — Ele sempre
arrancava sangue de alguma parte do meu corpo. Se não
fosse com seus chicotes, era com as facas. Ele gostava de
me cortar enquanto... enquanto me penetrava — ela
encolheu os ombros. — No começo eu estava
deslumbrada. Ele não aparentava ser assim, e era o único
cara que o meu irmão permitia se aproximar de mim,
então eu me deixei levar. Ele foi paciente quando soube
que eu era virgem. Ele fez de tudo para que a minha
primeira vez fosse considerada perfeita. Eu não gozei,
mas não foi tão doloroso como eu pensei que seria. Mas
depois de um tempo ele veio com essa conversa de que
queria diversificar. Que iria me apresentar algo que eu
iria gostar. Mas eu não gostei.
Esta última declaração saiu em um sussurro.
— Você não procurou por ajuda?
Ela negou com um gesto de cabeça.
— E por que você não o fez? Por que não contou a
alguém?
— Ele costumava gravar vídeos — confessou. —
Vídeos nossos. Ele me ameaçava e dizia que iria mostrar
ao meu irmão o quão vagabunda eu era e coisas desse
tipo. É óbvio que ele estava blefando quanto àquilo, pois
eram vídeos comprovando que ele era um estuprador de
merda, e Simon não seria tão idiota a ponto de se arriscar
a tanto. Mas eu era muito jovem na época, Derek. Não
tinha a percepção que tenho hoje. Eu nem sequer sabia o
significado de estupro.
— Como você lidou com isso depois que decidiu dar
um basta?
— Eu me retraí — respondeu. — Não fiquei
traumatizada, por incrível que pareça. Eu tinha medo de
Simon, claro, e por isso decidi não denunciá-lo à polícia,
nem contar ao meu irmão, principalmente pelo fato de ser
pouco provável Marcel enxergar a minha relação com
Simon como abusiva. Mas eu sabia que existiam caras
legais lá fora. Caras legais que me fariam ter um orgasmo
e não agiriam como idiotas. Mas por mais que eu tivesse
essa ciência, eu preferi não arriscar. Preferi ficar sozinha.
Eu havia confiado muito em Simon e deu no que deu. Mas
aí eu conheci um cara na faculdade... Troy era seu nome.
Ele parecia legal e gostava das mesmas coisas que eu. Ele
parecia diferente até mesmo de Simon.
— E o que aconteceu? — insisti.
— Nós começamos a flertar. Eu concluí que ele era
realmente diferente do meu ex e que ele estava a fim de
mim, também, então eu me vi decidida a ir para a cama
com ele. Mas na hora H, não foi como eu imaginei que
seria.
— Por que não? — perguntei, passando a mão sobre
sua mandíbula. Ela estava tensa.
— Ele viu minhas cicatrizes — ela riu sem humor. —
É realmente meio... desestimulante tudo isso. Eu não criei
caso. Deixei que ele fosse embora.
— Não, não é — eu falei. Como alguém desiste de
comer uma garota por causa de fodidas marcas? — E se
você quer mesmo saber, ele é um idiota — continuei. — E
um brocha.
Ela deu uma risadinha. Suspirando, tocou meu rosto.
— Eu estou bem com isso, Derek. Você não precisa
dizer coisas legais para fazer eu me sentir melhor.
— Você sabe que eu não sou esse tipo de cara —
beijei atrás da sua orelha, e desci uma trilha em sua pele,
até que meus lábios estivessem colados ao seu ouvido. —
Você é a garota mais gostosa que já esteve na minha cama,
Faith Bloom. E não foram poucas.
Ela riu ainda mais, enlaçando meu pescoço com seus
braços.
— Bom, então estamos empatados, por que você foi
o cara mais quente que já esteve na minha também.
— Claro que fui — sorri presunçosamente. Eu
adorava provoca-la. Espalhei suas pernas abertas e beijei
o canto do seu lábio. Eu queria transar com ela. Como eu
nunca quis nada em muito tempo. — Você ainda está
sentindo-se... necessitada? — questionei, imitando seu
tom.
Ela afirmou com um gesto de cabeça e mordeu o
lábio no momento em que desci meus dedos para a sua
pequena e deliciosa boceta.
— Isso é ótimo — falei, assaltando seu pescoço
agora. — Eu acho que podemos deixar a conversa de lado
e partir para a parte mais interessante, não? Afinal de
contas eu tenho uma ninfomaníaca para saciar.
Ela gemeu em resposta e eu fiquei ainda mais duro.
Aquela noite seria longa.
☆☆☆
O sol queimava o suficiente para não se tornar
incômodo naquela manhã. A pele dos meus ombros e
braços recebiam os raios solares, descobertos por conta
da camiseta sem mangas que eu usava. No momento em
que Faith apareceu, eu já havia terminado de abastecer
boa parte do fundo da caminhonete com o que
precisaríamos.
— O que você está fazendo? — ela indagou,
ocupando espaço ao meu lado.
— Preparando a caminhonete — respondi. — Nós
vamos sair.
Ela franziu a testa e cruzou os braços, desconfiada.
— Sair para onde?
— Logo você saberá — respondi. — Vem comigo.
Segui em direção à casa e subi as escadas. Faith me
acompanhou todo o caminho. Adentrando o quarto, fui até
o meu armário e tirei de lá uma caixa.
Entreguei-lhe.
— Abra — encorajei. Ela aproximou a caixa do
ouvido e sacudiu primeiro. Desistindo de tentar adivinhar,
ela lambeu os lábios ansiosamente e rasgou o material.
Seus olhos se arregalaram no mesmo instante em que
a caixa foi totalmente aberta.
— Oh, meu Deus, isso é...
— Uma Beretta — completei. — Bonita, não? Ela é
leve, menor e mais fácil de carregar. Vai se ajustar
perfeitamente à sua mão.
Faith olhou para mim como se um chifre houvesse
nascido em minha testa.
— O que eu vou fazer com isso?
— Usar — disse eu, como se a resposta fosse óbvia.
— Ela é sua agora.
Engasgando uma respiração, Faith voltou a olhar para
a arma.
— Deus, por que você não me deu bombons ou
flores, como os caras normais fazem?
Levantei as sobrancelhas.
— Eu pareço um cara normal pra você?
— Pra ser sincera, não — respondeu, dando-se por
vencida.
— Exatamente, babe — sorri. — Eu vi o quão
irritada você ficou ontem por eu tê-la defendido dos
caras. Se você não quiser que coisas desse tipo aconteçam
novamente, tem que saber se defender de verdade. Ter
uma arma e saber usar essa coisa nos momentos em que
houver necessidade.
Um sorriso travesso surgiu em seus lábios.
— Até quando você me irritar?
— Você sabe que não seria uma boa ideia atirar em
mim — repliquei. — Agora mexa essa bunda bonita para
fora. Eu vou te ensinar a usar essa belezinha.
Ela se levantou. A perplexidade de momentos antes
dera lugar à excitação.
— Isso vai ser divertido.
☆☆☆
Após aproximadamente quarenta minutos dirigindo,
estacionei a caminhonete em uma zona deserta, a qual eu
já havia escolhido de antemão para que pudéssemos fazer
aquilo. O local era próximo ao principal rio de Scout
Lake, e apenas alguns metros de distância da margem
existia uma pequena passagem que dava acesso à um
território aberto e deserto. Perfeito para fazer o que eu
planejava.
Segurei o enorme saco de feno, e Faith me ajudou,
carregando o alvo improvisado que eu havia feito.
Passamos pela margem do rio, o barulho da cachoeira
muito intenso, e atravessamos as diversas árvores que nos
separavam do terreno. O cheiro característico de flores
invadiu minhas narinas. Percebi que o mesmo acontecia
com Faith, quando um brilho deslumbrado atingiu sua
face.
— Há roseiras aqui! — ela exclamou admirada. —
Mora alguém por perto?
— Não — respondi. — Mas é bem provável que
algum morador insista em cultivar flores. Não me admira
muito. A terra daqui parece boa.
— É lindo! — Faith caminhou até uma das roseiras
do local e apanhou uma flor com cuidado para não ferir
seus dedos. — Você é realmente louco. Quem mais me
levaria para aprender a atirar em meio às rosas?
— Quem mais lhe ensinaria a atirar? — retruquei.
Ela apenas rolou os olhos em resposta. — Agora, venha
aqui.
Faith obedeceu meu chamado. Tomei de sua mão o
alvo. Finquei a madeira no solo, testando para me
certificar de que estava firme, e pus o saco de feno ao
lado.
— Vamos lá — chamei sua atenção. — Nós vamos
fazer isso com o saco de feno primeiro. Depois
treinaremos com o alvo, ok?
Assentindo, ela pegou a arma que eu havia lhe dado.
— Primeiramente, você precisa saber os detalhes
básicos em relação ao manuseio. É necessário que você
sempre se certifique de que a arma esteja carregada.
Nunca deixe a trava de segurança desarmada se não
houver necessidade. Se você apontar uma arma para
alguém, esteja certa de que tem coragem suficiente para
atingir aquela pessoa. Estamos falando de sobrevivência,
Faith. Às vezes, decisões difíceis precisam ser tomadas...
e rapidamente. Você me entendeu?
Ela lambeu os lábios ressecados e assentiu.
Continuei:
— Bom, o básico você já sabe. Esta arma é
específica para tiros a curta distância. Eu posso te ensinar
a usar um revólver ou pistola de calibre maior
futuramente, mas por ora, trabalharemos com uma de
calibre pequeno — falei. — Antes de tudo, você precisa
verificar se ela está carregada. Basta soltar o cilindro
para fazer com que ele gire para o lado. Após feito isso,
você verifica se todas as câmaras do cilindro estão
munidas.
Ela fez conforme orientado. Em seguida, seus olhos
estavam voltados em minha direção.
— Estão todos vazios — franziu o cenho.
— Eu sei disso, quero que você a recarregue.
Rugas se formaram em sua testa. Faith mordeu o
lábio, e eu percebi a hesitação crescente.
— É insegurança isso que estou vendo impresso em
seu rosto? — provoquei. — Vamos lá, boneca. Você tem
uma arma na mão e está prestes a usá-la. Você acha
mesmo que seu oponente vai acreditar que você tem
capacidade de se defender, se está insegura quanto a isso?
— É claro que estou! Eu não sei usar essa coisa —
defendeu-se. — E não me chame de boneca.
— Da última vez que você segurou uma dessas, fez
um ótimo trabalho na minha perna. Então pare de agir
como uma garotinha e vá em frente.
Captei perfeitamente o momento em que seus olhos
brilharam com fúria, seu rosto ficando vermelho diante da
minha provocação.
— Onde estão as munições? — questionou, decidida.
— Vamos acabar logo com isso.
Sorrindo, puxei as balas do meu bolso e lhes
entreguei o suficiente para carregar todos os tambores.
Faith preencheu um por um com dedos trêmulos, mas
muito corajosa. Lhe ensinei todo o restante do processo e,
em questão de minutos, ela estava com a arma pronta para
uso.
— Próximo passo — continuei: — Aponte o cano
para baixo e mantenha a trava de segurança ainda no lugar
enquanto você ajusta sua posição. Seus pés devem estar
abertos na largura dos ombros. O pé esquerdo, um passo à
frente do direito. Fique com o corpo reto, mas levemente
curvado para frente, mantendo o equilíbrio. O cotovelo do
seu braço direito deve estar quase completamente reto.
Flexione o cotovelo do braço esquerdo. Não muito... o
suficiente para manter o ajuste — ela fez exatamente como
orientado. Caminhei em sua direção, dando os últimos
ajustes no que faltava: — Mão esquerda dando apoio à
direita. Assim... Polegares alinhados e aperto firme.
Depois de ensinar à ela todos os últimos detalhes, eu
solicitei que desarmasse a trava de segurança.
E então, Faith deu o primeiro disparo.
Suas mãos tremeram. Seu corpo foi impulsionado
para trás. O tiro atingiu alguns centímetros de distância do
alvo marcado no saco de feno. Faith estava prestes a
baixar os braços, quando eu a impedi:
— Não faça isso. Continue na posição. Você errou o
alvo dessa vez, mas quero que se concentre e tente acertar
na próxima. Não sairemos daqui até você conseguir.
Ela suspirou, percebi que me xingou em pensamento.
No instante seguinte, se preparou para o próximo disparo.
Foi melhor dessa vez, mas não o suficiente; portanto,
orientei que ela fizesse o mesmo processo novamente.
Ficamos aproximadamente duas horas entre
descarregar arma, carregar novamente, treinar posição e
atirar. Faith era fácil de aprender e não demorou muito
para que ela estivesse com uma pontaria muito boa para
uma iniciante.
— Eu estou morta e praticamente surda — ela gemeu,
parando na margem do rio e descansando a arma e todos
os equipamentos que trazíamos conosco no chão. — Você
é o pior professor que alguém poderia ter.
— Me lembrarei de providenciar equipamentos de
proteção da próxima vez — eu disse. — E pare de
reclamar, eu não peguei tão pesado com você.
— Diga isso para as minhas mãos — resmungou.
— Você tem ótimas mãos — puxei-a pelos pulsos, até
que ela estava entre meus braços. Tentando manter a cara
emburrada, Faith virou o rosto para o lado, mas não
tardou para que ela estivesse se aconchegando ainda mais
entre meus braços. Ela era boa de tocar.
— Eu confesso que foi divertido — sorriu, ficando
na ponta dos pés para me dar um beijo rápido. Havia uma
flor enterrada na dobra da sua orelha, a qual ela havia
colocado em seu cabelo em algum momento. De uma
forma ridícula eu consegui achar aquilo bonito.
Seus braços vieram para o redor do meu pescoço, o
peito rente ao meu. Eu não tive a oportunidade de
assimilar o que veio a seguir: em um único impulso, suas
pernas estavam cruzadas em meus quadris, seu peso me
puxando para frente. Acabei me desequilibrando e, com
isso, ambos caímos no rio.
No momento em que imergirmos por completo, eu
empurrei minhas pernas para baixo, tentando impulsionar
o meu corpo a subir à superfície, enquanto minha mão
corria para seu corpo e eu tentava manter Faith segura.
Contudo, eu não pude fazê-lo a tempo, notando que ela
deslizava facilmente de mim, desaparecendo logo em
seguida.
Baques frenéticos socavam dentro do meu peito
quando voltei para a superfície. Meus olhos varriam os
quatro lados freneticamente, ansiando encontrar Faith em
algum lugar, mas não havia sinal dela.
Porra!
— Faith? — chamei. — Faith!
Eu já estava prestes a me afundar na água novamente,
quando senti algo puxar a minha perna e cabelos escuros e
curtos despontando debaixo d’água.
Ela sorria. Na verdade ela ria da minha cara.
— Você estava me procurando? — questionou, ainda
rindo.
— Não faça isso nunca mais, porra — ignorei sua
pergunta.
— Você é sempre mal humorado assim? — seu
sorriso não havia se desfeito.
— Sim. E essa merda não teve graça nenhuma.
— Não seja um chato, Derek — disse, revirando os
olhos. — Onde está o seu senso de humor?
Não respondi sua pergunta, ainda muito irritado. Ela
riu, espirrando água em meu rosto. Tentei não cair em seu
jogo quando sua mão escorregou pela minha face. Eu
ainda estava irritado com o que ela havia acabado de
fazer. Por um momento achei que ela tivesse realmente
ido, porra, e era tudo uma brincadeira idiota. Faith insistiu
em seu toque, descendo os dedos para o meu pescoço. Um
suspiro escapou de seus lábios quando sua boca tocou a
minha. Seus peitos roçavam no meu, os mamilos túrgidos
de Faith provocando-me uma tremenda ereção. Aquilo foi
o suficiente para toda a minha irritação ser substituída por
algo ainda maior.
— Eu quero você — ela murmurou, me provocando
com o roçar de nossas bocas.
— Você já me tem — respondi, correndo meu braço
ao redor de sua cintura.
— Não — balançou a cabeça. — Eu quero você
aqui.
Avançando novamente, ela me beijou mais duro. Eu
degustei o máximo que consegui dos seus lábios macios.
Escorri minha mão para a sua bunda, puxando sua perna e
forçando-as abertas ao redor dos meus quadris.
— Seja específica — provoquei. — O que você quer
de mim, exatamente?
Ela gemeu frustrada e apertou seus tornozelos
cruzados, criando fricção de seu núcleo ainda coberto.
Meu pau ameaçava saltar das minhas calças. Inferno! Eu
estava duro como uma rocha e precisava aliviar aquela
pressão maldita o quanto antes.
— Você sabe — respondeu. — Eu quero tudo.
Ela já possuía muito de mim, pensei pesarosamente,
mas procurei ignorar meus conflitos internos para puxar
seu lábio inferior e chupá-lo, soltando em um pop. Um
braço permaneceu em sua cintura, ao passo que o outro
subia. Agarrei os seus cabelos, puxando para o lado e
inclinei seu pescoço, deixando a pele alva totalmente
exposta para mim. O chupão que eu havia deixado nela na
outra noite já tinha desaparecido. Eu precisaria marcá-la
novamente.
Ela era minha. Meu lado “homem das cavernas”
rugiu, enquanto o lado racional me dizia para não seguir
por aquele rumo. No entanto, o meu pau ditava o seu
próprio caminho. E ele, naquele instante, estava disposto
a se enterrar naquela mulher, independentemente do que
era certo ou errado em tudo aquilo. Meu corpo a queria.
Tudo em mim a queria.
Minha boca correu toda a extensão do seu pescoço
macio, arrancando gemidos, estimulando, sugando, tendo
tudo o que eu podia da sua pele. Eu nunca me cansava de
ter minha boca e mãos sobre ela.
— Você precisa começar a usar anticoncepcionais —
àquela altura, eu já abria o zíper da minha calça e
libertava o meu pau.
— Eu vou fazer isso, não se preocupe — ela lambeu
os lábios e senti seus dedos envolverem o meu membro.
Para cima e para baixo, para cima e para baixo.
Porra, ela era boa em aprender as coisas.
Soltei-a por um instante e lutei contra o botão de sua
calça jeans. Ela baixou a perna e deslizou a peça junto
com a calcinha para baixo com um pouco de dificuldade.
Voltou a erguer as pernas em seguida.
Apertando-a ainda mais contra mim, passei meus
dedos em sua entrada, enfiando somente as pontas e
retirando.
— Mova-os — ela implorou quase que
desesperadamente. — Por favor, apenas os mova.
Ignorando sua súplica, eu corri minha boca sobre sua
garganta, descendo ainda mais e suguei o gosto salgado do
seu suor que escorria junto com a água entre seus seios.
— Você está se tornando uma pequena gatinha
autoritária — murmurei. — Agora vai ser do meu jeito,
babe. Eu irei levar todo o meu tempo com você. Depois
disso irei fodê-la. Em quantas posições forem possíveis.
Voltei a cutucar sua abertura com meus dedos e sua
mão pequena aumentou a pressão ao redor do meu
membro, firmando seu toque na carne.
Ok, ela queria jogar.
Ela remexia os quadris, ansiosa, e apesar de adorar
torturá-la, eu decidi não estender muito o seu sofrimento
— teríamos tempo para aquilo depois. Enfiando dois
dedos dentro dela, senti no momento em que seus suspiros
se tornaram mais intensos. Ela era tão apertada. Ela
também era quente como uma fornalha e era boa. Ela era
muito boa.
Eu recuei e fui mais fundo dessa vez, meus dedos
deslizando lentamente, estimulando cada terminação
nervosa, raspando apertadamente a suas paredes que se
comprimiam ao redor de mim.
— Tão... bom... — ela suspirou.
— Eu adoro a forma como seus gemidos ecoam em
meus ouvidos, doce Faith — inclinei minha cabeça e a
minha boca se fechou sobre o seu mamilo coberto pela
camiseta fina. Subi os lábios, beijei e chupei a pele
abaixo de sua garganta, minha língua traçando um caminho
curto até a base da sua orelha. — Faça isso de novo,
babe. Grite o meu nome enquanto meus dedos estão dentro
você.
— Dê-me mais... — desafiou, mordendo o lábio.
Porra, ela estava me provocando.
Diminuí a pressão, mostrando a ela quem realmente
estava no controle. Faith moveu ainda mais suas ancas,
buscando mais contato. Sorri diabolicamente.
— Então grite meu nome — insisti.
— Faça-me gritar — foi a única resposta em troca.
Eu precisava fodê-la. Eu precisava daquilo, mas não
seria uma boa ideia fazer o que eu queria fazer com ela
dentro do rio. Num único gesto eu removi meus dedos de
dentro dela. Soltei-a e engoli seu protesto de confusão e
desapontamento com um beijo, conforme a puxava para
fora da água.
Tirei minha camisa e a estendi sobre a grama.
— Ajoelhe-se e fique de costas para mim — ordenei.
Mesmo curiosa, Faith obedeceu.
Ajoelhando-me atrás dela, puxei sua camiseta para
cima e, em seguida, removi o sutiã. Minha palma foi
direito para suas costas, espalmada sobre a pele e subindo
em um movimento lento, dando-me a oportunidade de
tocar as diminutas marcas de corte que haviam ali. As
marcas de um passado doloroso que ela fazia questão de
esquecer. Um passado que ela iria esquecer
completamente, se dependesse de mim.
— Agora se incline — minha voz saiu rouca. Faith
pareceu não compreender muito bem o que eu queria, mas
não resistiu quando coloquei as mãos sobre seus ombros,
forçando gentilmente o seu tronco a se dobrar para frente.
Sem muitas opções, ela apoiou as mãos no solo, seus
joelhos tendo o mesmo destino.
Naquela posição, sua boceta e bunda ficavam
deliciosamente expostas. Ela brilhava, rosada, melada e
certamente quente. Tão fodidamente quente. Aquilo tudo
era meu. Eu senti uma necessidade imensa de marcá-la.
Em todos os lugares.
Um tapa foi desferido na bochecha esquerda de seu
traseiro. Ela deu um gritinho e seus joelhos vacilaram,
mas senti a sua excitação se aumentar.
Minhas mãos amaciaram a carne, amenizando a
ardência em sua pele. Sem aviso prévio, ela recebeu outro
tapa, no lado direito. Desta vez, Faith apenas gemeu.
Segurei os dois globos de sua bunda, agora corados,
e apertei. Não o suficiente para machucar, mas foi firme.
Eu faria loucuras com aquela bunda em algum momento.
Mas aquilo não era sobre mim, era sobre ela; então eu
tratei de expurgar as imagens que meu cérebro estava
formando sobre meu pau enterrado naquele ponto e rocei
o polegar em sua vulva avermelhada.
Inclinando-me para a frente, posicionei-me de modo
que meu rosto ficasse à altura da sua fenda. Minha língua
rompeu para fora, relaxando em sua carne. Tracei com
vontade o caminho de toda a extensão de sua vagina
molhada.
Ela estremeceu de imediato, empurrando-se para
mim.
Meus dedos também entraram no jogo e eu continuei
trabalhando nela. Ora meus lábios fechavam-se sobre o
centro, ora minha língua serpenteava ao redor. Meus
dedos também estimulavam o feixe de nervos em seu
clitóris sensível. Não demorou muito para que Faith
estivesse esfregando-se por vontade própria na minha
cara. Ela estava prestes a gozar, mas não seria tão fácil
assim.
Puxei minha cabeça e ela gemeu em protesto.
Minha mão foi novamente aos seus quadris,
apertando a carne, conforme a outra ajustava meu pau em
sua entrada.
— Eu estou prestes a comer você sem piedade, babe
— avisei. — Me diga, o quão dentro disto você está?
— Você ainda pergunta? — ela replicou. — Eu disse
que quero tudo, Derek, então vá em frente e me foda.
Sentindo um sorriso se arrastar por meus lábios,
rocei a cabeça contra sua entrada, misturando os sucos de
excitação que escorriam de ambos os pontos. Bastou uma
respiração profunda para que, no momento seguinte, eu
estivesse enterrado até o fundo — ao menos o quão fundo
eu conseguia ir sem machucá-la. Retirei-me lentamente e
fiz de novo, sentindo os membros de Faith vacilarem,
testando o quão ajustável ela conseguia ser, ao passo que
sua carne se abria e fechava com cada avanço e
retrocesso.
Corri a mão por suas costas, tendo total ciência do
contraste entre a sua pele macia e meus dedos calejados.
Eu roçava de leve a sua pele com a minha mão, e o meu
pênis raspava em seu interior, saindo e entrando macio,
numa lentidão quase dolorosa.
Agarrei os seus cabelos e enrolei entre os meus
dedos. Sua cabeça inclinou-se para trás e eu me curvei
para a frente. Passei minha língua, seguindo caminho até
atrás da sua orelha. Mordendo o lóbulo, raspando a barba.
Ainda provocando-a o máximo que eu conseguia.
E então, eu puxei e empurrei mais fundo. Ela
resfolegou.
— Grite — ordenei contra seu ouvido.
Faith gemeu em resposta. Um gemido contido e
entrecortado. Mordeu o lábio com força e fechou os olhos
em êxtase, mas não emitiu nenhum som a mais sequer.
Maldita.
E então, em um deslizar e empurrar, eu fiz de novo.
Minha pélvis bateu contra sua bunda. Minha mão correu
por seu corpo e encontrou o seu seio pesado.
Amassei o peito e rolei um mamilo duro entre os
dedos.
— Grite — desta vez, minha língua traçou caminho
por sua nuca, meus lábios descendo um pouco mais,
sugando a umidade do seu suor mesclado com a água. —
Vamos lá, babe. Eu quero ouvir você gritando o meu
nome.
— Talvez você não esteja se esforçando o bastante
— um sorriso de desafio nasceu em seus lábios. Eu sentia
ela se segurando para não explodir, para não dar o braço a
torcer e finalmente se entregar.
Por mais irritante que parecesse ser, eu gostava
daquilo nela. Eu gostava de tê-la testando os meus limites
e me provocando, apenas para me desafiar a fazer o que
ela queria. Eu não deveria estar tão afetado assim por
conta de uma boceta, mas o meu tesão era tanto que
chegava a me corroer por dentro, sugando a minha força
de vontade e cobrindo o lado racional do meu cérebro
com uma manta escura.
Que se foda a minha sensatez.
Puxei meu pau e empurrei, Faith choramingou em
resposta. Fiz de novo, e de novo, até que o único som,
além dos pássaros e a água da cachoeira, era o dos nossos
corpos se unindo, sua bunda macia recebendo os impactos
dos meus movimentos. Ela tremia com cada impulso que
eu dava, e eu rugia em êxtase, bebendo em profundos
goles a visão de seu corpo curvado na minha frente, suas
costas arqueadas, seus quadris rebolando e sua bunda
chocando-se contra minha região pélvica.
A cena era altamente erótica. Eu estava a ponto de
gozar apenas em visualizar aquilo. Ela era sexy como o
inferno. Seu corpo era moldado para mim, e eu continuei
investindo. Avançando e recuando cada vez mais rápido.
Sentindo sua vagina moer meu pau com as estocadas
profundas que eu dava.
— Oh, Derek! — ela finalmente gritou — Sim! Sim!
Sim!
Suor brotava de suas costas, os sons não eram mais
contidos. Fogo apertava as minhas entranhas. Eu bati mais
forte, mais rápido, mais profundo.
— Porra!
O seu orgasmo veio rapidamente, intenso e
duradouro. Seu corpo convulsionou debaixo do meu, sua
garganta emitindo sons desconexos e palavrões aleatórios.
Ela ainda estremecia sob mim quando minha liberação
veio logo em seguida. Jorrei o meu esperma em jatos
poderosos.
Saí de dentro dela e Faith desabou no chão, rolando e
deitando de costas.
Com respiração arfante, apoiei minha testa em seu
peito.
— Isso foi... incrível — disse ela.
— Da próxima vez... — ofeguei — eu quero que
você grite o meu maldito nome enquanto eu te fodo.
Ela sorriu travessa.
— Eu já disse que você não manda em mim... — ela
me provocou. — As minhas roupas se foram. Acho que
sobrou apenas a minha blusa.
Não deixei de sorrir com o fato. Meus dedos
desceram por seu estômago, indo mais abaixo, até o local
onde eu estive enterrado momentos atrás.
— É bom você ir se acostumando — eu disse,
observando-a se remexer contra os meus dedos
preguiçosamente. — Nós não vamos precisar muito de
roupas a partir de agora.
— Você vai ser a minha perdição — ela riu e depois
passou os dedos entre os fios molhados do meu cabelo.
— E você, minha redenção — inclinando-me em sua
direção, beijei a ponta do seu nariz.
Ela puxou minha cabeça, apoiando minha testa na
sua. Prendeu o leve rasgar de lábio emocionado,
emoldurando meu rosto com suas mãos, nivelando nossos
lábios e me dando um beijo.
— Você fala coisas muito bonitas quando está
descontraído, Derek Rushell.
Ergui minha cabeça e encarei seus olhos azuis e
muito brilhantes, os lábios ainda ostentando o vermelho
natural, resultado das mordidas e chupadas que eu dera.
Suspirei, ainda em silêncio.
Esse era o grande problema na coisa toda: Derek
Rushell não costumava ser descontraído.
E Derek Rushell não falava coisas bonitas.
27: Roleta-Russa

Marcel

Era harmonioso o ruído triste que circulava pelo


ambiente. Notas suaves estruturavam a simbólica
composição tocada ao piano — Marcha Fúnebre, de
Chopin.
Marcel adorava tal movimento da Sonata, em
especial. Era dramático Sombrio. Lúgubre e emocionante.
Como se apenas o soar da morte fosse estímulo suficiente
para que ele conseguisse segurar seus demônios. E por
mais que naquele momento se fizesse necessário, talvez
não fosse tão ruim assim, ocultar quem verdadeiramente
era.
Houvera um dia e que Marcel acreditara ser digno de
redenção; merecedor de um bom lugar no céu e gozador
de paz eterna. Este dia aconteceu já fazia tanto tempo que
ele lembrava-se vagamente de ainda possuir mãos de um
menino e falhas entre os dentes dianteiros.
Ele não era um homem bom, nunca dissera ser, e
acreditava que seus princípios limitavam-se àquilo que
realmente lhe convinha. Todavia, ele não se arrependia
nem um pouco de todas as coisas que fizera ao longo dos
anos. Muito pelo contrário. A fraqueza lhe atraía. Era
sempre mais fácil quebrar os fracos. Girar a tortura
nebulosa em torno de suas mentes e aumentar o seu
próprio poder. Sugar os últimos resquícios de força
daqueles que ele considerava ameaças. E dava certo.
Marcel era invencível.
Uma polegada de uísque ocupava o copo sobre a
mesa. O líquido de cor âmbar, aparentava ser apenas mais
uma das decorações da imensa sala de estar. Sofás de
couro, quadros importados e o vidro nas imensas janelas
de peças caras também denunciavam a suntuosidade do
local. Seu reino. Seu antro. Ali ninguém o perturbaria. Ali
ele era o rei e o criador de regras.
Marcel tomou uma respiração ao sentir a pontada lhe
atingir o crânio. Homem, ele precisava de um tempo para
si mesmo. Por mais que grande parte dos seus negócios
estivesse sob controle, as coisas não estavam sendo fáceis
ultimamente. Não enquanto sua irmã ainda se encontrasse
desaparecida sob o domínio do bastardo que ele deveria
ter aniquilado quatro anos atrás.
Pensar em Derek fez-lhe libertar quase que
inconscientemente o parco controle de emoções que
possuía até aquele momento. A falsa calma foi substituída
por raiva crua. Rushell era um bastardo sortudo, mas não
teria o mesmo destino quando Marcel, finalmente, pusesse
suas mãos nele. Ele o faria pagar. E dessa vez teria o
prazer de fazê-lo por conta própria, para que não
houvessem erros. Ele não admitia falhas.
E ele também não admitia traidores.
A densidade do ar carregado no ambiente pareceu se
elevar quando ele virou seu rosto para observar o homem
que, acomodado silenciosamente em uma das poltronas,
observava a figura magra e morena sentada na
extremidade oposta. Ela lia uma revista qualquer, fazendo
nada mais do que atuar como uma esposa de verdade
deveria. Era a personificação dos sonhos de qualquer
homem: linda, escultural, maleável e obediente. Tão
diferente de Faith.
— Ela é magnífica, não? — apontou Marcel,
chamando a atenção de John que finalmente pareceu tirar
os olhos da mulher e lhe dirigiu a devida atenção.
Pigarreando, o homem endireitou a postura.
— Como?
— Minha esposa — esclareceu. Um presunçoso
sorriso repuxou seus lábios. — Ela não é realmente
exuberante?
O outro pigarreou novamente, o desconforto ainda
muito evidente.
— Bom, sim. Ela é muito bonita. Você é um homem
de sorte.
Os olhos azuis de Marcel relancearam para a figura
de sua esposa aparentemente alheia às inspeções de John
e, no mesmo instante, algo como posse crua lhe atacou.
Ele era possessivo. Ele gostava de estar no controle, de
ser o dono da última palavra e ter tudo sob o seu
comando. E por mais que fosse excitante a situação, ele
não estava disposto a ser complacente com um homem
degustando com os olhos a sua mulher.
Ele a possuía.
Ela era sua para o que fora destinada a ser.
— Rachel, querida?
Após uma breve pausa e uma curta respiração, a
mulher parou de folhear sua revista e, finalmente, se
limitou a olhar para cima. As grandes bolas verdes
encontraram o gelo azul de Marcel e o peito do homem se
encheu de vaidade. Tão bonita. Ela era sua. Apenas sua.
— Sim? — respondeu Rachel. Sua voz era suave.
— Venha aqui.
Sem conseguir disfarçar a desconfiança, ela se
levantou do sofá e manteve suas pernas eretas, pausando
apenas para passar as mãos sobre a saia do escuro vestido
tubinho. Era um legítimo Chanel que moldava
adequadamente cada traço e cada curva. Os cabelos soltos
caíam como ondas escuras sobre seus ombros magros.
Suas pernas, ambos os homens notaram, apesar de não
serem tão compridas com as de uma modelo de passarela,
eram delicadas, elegantes e torneadas. Morenas e limpas.
Com passos lentos Rachel caminhou até Marcel. Suas
mãos suavam e tremiam, mas ela tratou de disfarçar muito
bem. Anos de convivência com aquele homem lhe
ensinaram alguns bons truques para lidar com ele.
— John lhe achou atraente — disse Marcel,
estudando suas feições. — Isso lhe agrada?
Os olhos da mulher relancearam de seu marido ao
homem que nunca havia visto em um momento anterior
àquele dia. Ele é louco, pensou, o temor sendo substituído
pela desconfiança de aquilo ser apenas um teste. Ele
fizera muito isso com ela ao longo dos anos.
Então, procurando não fazer nenhuma besteira, ela
pigarreou e puxou de algum lugar a confiança que
precisava para não sair correndo daquele lugar e sumir
para sempre com seu filho.
— Elogios sempre são bem-vindos — respondeu
vacilante.
O rosto de Marcel permaneceu indecifrável.
— Você gosta de ser elogiada? — insistiu. — Gosta
de ser observada como se fosse uma peça de museu?
Ela engoliu em seco.
— Sim... eu acho.
Ele sorriu. Os dentes brancos e bonitos lhe dando a
impressão de que um tubarão estava prestes a devorá-la.
Foi então que a realidade lhe bateu: ela havia dado a
resposta errada.
— Então ajoelhe-se — a voz de Marcel saiu cortante
e autoritária — e chupe o meu pau.
Espanto permeou as feições de Rachel. Nuvem
esbranquiçada lhe cobriu a pele do rosto, conforme ela
apertava suas mãos geladas para evitar que tremessem
ainda mais.
— Bom, eu não acho que... — John começou,
ansiando intervir, mas o olhar que Marcel enviou ao
homem lhe fez paralisar.
— Você não gostaria de ter um show particular? —
questionou sarcástico. — Você olha para a minha mulher
como se quisesse fodê-la, Wallace. E agora você diz que
realmente não se interessa em vê-la fazer um delicioso
boquete?
— Homem, você é louco — apontou o outro.
— Você acha? — seus olhos eram frios. Virando-se
para a mulher, ele ordenou: — De joelhos, Rachel. Agora.
Engolindo em seco, ela forçou suas pernas a
dobrarem-se até que seus joelhos estivessem tocando o
tapete no chão. Ela sabia que seria muito pior recusar. Ela
simplesmente não podia dizer não a ele. Não enquanto seu
filho estivesse sob seu poder.
Satisfeito, Marcel desfez-se dos fechos de sua calça
e puxou seu membro semiereto para fora. A mulher apenas
segurou-o e o estimulou, já sabendo de cor todo o
processo. Ele já havia lhe obrigado a compactuar com
aquela tortura um tanto considerado de vezes. Aquele era
o preço que pagava por ter uma aliança em seu dedo e
Bloom em seu nome. Por permitir que sua prole possuísse
o sangue daquele homem correndo nas veias. Ela nunca
seria livre. Max jamais seria um homem bom.
Quando estava duro o suficiente, ela lançou fora seus
pensamentos e desceu a boca pelo comprimento do pênis
de Marcel. Todo o processo era quase automático. Não
havia mais segredos, não havia jogos. Ela sabia
exatamente de como ele gostava. E ela odiava tudo aquilo.
Tanto quanto o odiava.
— Isso, querida — ele grunhiu em satisfação. — Eu
quero que você nunca se esqueça de que esse é o único
pau que você chupará... E que eu sou seu homem —
olhando para John ameaçadoramente, ele concluiu: — Seu
único homem.
Ele segurou nos cabelos da mulher e forçou-lhe mais
abaixo. Ânsia lhe bateu quando a glande rosada se alojou
em sua garganta. Ela respirou fundo, relaxando os
músculos e o tomou mais profundo. As mãos também
trabalhando em conjunto com sua língua e lábios.
Não tardou muito para que Rachel percebesse a
tensão se estabelecendo no corpo de seu marido, sua
respiração sôfrega e os toques mais bruscos. No momento
seguinte, o jorro quente de seu esperma estava
derramando em sua garganta.
Ela engoliu, calada. Não tinha outra opção.
Afastando a cabeça da região íntima do homem que
havia posto uma aliança em seu dedo, Rachel limpou
discretamente os lábios rosados e inchados. O cheiro
almiscarado de seu sexo ainda permanecia em algum
lugar. Novamente, a ânsia de vômito lhe atingiu em cheio.
Ela não podia ficar ali por muito mais tempo ou iria
despejar fora de seu estômago todo alimento que havia
ingerido naquele dia.
Contudo, Rachel percebeu que ainda não era hora de
se afastar quando uma mão possessiva passeou por seu
rosto e dedos grandes fecharam-se ao redor do fino
pescoço. O olhar de luxúria e posse havia dado lugar à
algo muito mais sombrio. Era ódio, com instinto de
punição. Ele queria puni-la? O que ela havia feito?
— Eu ainda não tive o suficiente de você — decretou
ele, fazendo com que sua espinha congelasse. Não de
antecipação, mas, sim, de pânico. — Agora seja uma boa
garota e nos deixe tratar de negócios a sós, sim?
Ela forçou-se a assentir, as lágrimas transbordantes
lhe queimando os olhos. Quando se levantou, derrotada e
humilhada, a única coisa em que pensava era em lavar sua
boca com sabão.
Deus, ela o odiava. Assim como odiava a sua vida.
☆☆☆
Marcel aguardou a porta da sala bater suavemente e
ajeitou sua vestimenta, virando-se para encarar John que
disfarçava muito bem o desconforto e espanto
relacionados à toda a situação.
Bastardo idiota. Era a sua vez de ser punido por
tomar decisões erradas.
— Diga-me o que você sabe sobre Derek Rushell —
Marcel foi direto ao ponto. Como se não houvesse
obrigado sua mulher a lhe fazer sexo oral minutos arás.
— Eu... — gaguejou o outro. — Eu não sei muito
sobre ele.
Marcel deu de ombros.
— Então diga o que sabe.
Respirando fundo e tentando puxar as respostas
adequadas, John continuou:
— Eu sei que ele tem um amigo. Afro-americano, ex-
policial e atual professor. Eu puxei a sua ficha nos
arquivos da polícia, alguns dias atrás, e descobri essas
informações. Não sei muito mais a respeito.
— Onde esse cara mora?
— Eu não sei, realmente — John respondeu. — Mas
eu tenho um contato que pode me fazer chegar até ele.
— Oh, você tem? — Marcel arqueou uma
sobrancelha. — Conte-me mais sobre isso.
Então John contou. Sobre Emma — a garota do call
center. Contou sobre a abordagem dos dois homens e
todas as ameaças. Emma não sabia muito a respeito de
Derek e seu amigo, mas ela poderia ser bastante útil para
que eles conseguissem armar um plano adequado para
chegar até o cara. Charlie também poderia ajudar, caso
não estivesse com uma crise fodida de pânico. O homem
tinha medo de que algo acontecesse ao seu filho. Idiota
fraco.
— Interessante — Marcel falou. — Sabe, John, eu
fico pensando sobre todas as coisas que vêm acontecendo,
e sobre os nossos propósitos. Você gostaria de machucar
Derek, não é?
— Oh, sim — confirmou o homem. — Você não sabe
o quanto.
— Posso saber o porquê? — insistiu. — Como vocês
se conheceram mesmo?
— Eu já lhe disse. Por alguma razão, ele descobriu
sobre nossa relação e veio até mim e meus homens,
procurar saber mais sobre você. Nos ameaçou e tentou
nos assassinar quando não cooperamos. Foi quando eu
fugi — o outro não hesitou em responder. O bastardo
estava ficando bom em mentir.
Marcel fez uma pausa, tomando uma respiração para
conseguir manter-se calmo.
— E você o feriu.
— Sim.
— Assim como você machucou minha irmã.
Os olhos de John tornaram-se grandes, a respiração
ficando mais descontrolada.
— Marcel, eu...
— Responda-me — cortou —, por que você foi atrás
da minha irmã? E por que a machucou?
— E-eu achei que nós tivéssemos um acordo —
disparou, sem ao menos tentar negar o fato. Ele sabia que
não teria chances, caso mentisse. — E você gravou
vídeos, porra! Eu precisava dos arquivos. Entenda o meu
lado.
Marcel sacudiu a cabeça, como se estivesse
decepcionado.
— Você é uma escória, John — rosnou. — Eu até
poderia perdoá-lo por ser estupido em tentar encontrar o
maldito pen drive, mas ferir a minha irmã já é demais, não
acha?
— Marcel...
— Meu sangue, John — continuou ele, ignorando os
lamentos do outro. — Você derramou a porra do meu
sangue!
Se levantando, Marcel deu um passo orquestrado
para a frente. Gelo percorreu seu caminho pela espinha de
John Wallace. Ele não estava com sua arma, pois os
seguranças de Marcel haviam recolhido tudo que fosse
considerado sinônimo de perigo para o chefe, assim que
ele pôs os pés na mansão. Droga, ele havia caído em uma
maldita cilada!
O homem se preparou para qualquer agressão física
quando Marcel deu mais um passo à frente, mas em vez de
seguir seu caminho até ele, Marcel caminhou em direção à
um móvel no canto da sala e abriu uma das gavetas.
Apanhou de lá algo e, quando virou-se para encarar John,
ele notou que haviam três revólveres em suas mãos.
Porra!
— Escolha uma das armas — sem suspense. Sem
delongas. Afiado, como uma lâmina.
John chupou uma respiração. Confusão dançando
tango dentro de sua cabeça.
— O que diabos...?
— Eu não vou matar você com as minhas próprias
mãos — esclareceu Marcel. — Te darei a chance de
sobreviver e tirar sua bunda dos meus negócios de uma
vez por todas, mas para isso você terá que escolher uma
das armas e tentar a sorte.
— Como assim? O que diabos você está fazendo,
homem?
— Você já brincou de roleta-russa alguma vez, John?
— voltou a abordar. — Vou fazer de um jeito um pouco
diferente desta vez. Apenas uma dessas armas está
carregada. Você escolhe uma delas e atira contra a sua
própria cabeça. Se seus miolos não se estourarem em
milhares de pedaços, eu deixo você sair dessa história
vivo — uma pausa. — Mas, caso você não tenha tanta
sorte assim, será uma punição até piedosa para alguém
que trai Marcel Bloom. Rápida e indolor o suficiente em
comparação ao que eu planejei fazer com você. E,
acredite em mim, em nenhuma das opções você sairia
vivo.
John ainda olhava perplexo para o homem à sua
frente. Ele realmente fora tão idiota a ponto de permitir
que Marcel lhe jogasse naquela emboscada? Ele não iria
matar a si mesmo. Não havia chances no inferno de que
ele o fizesse.
— Marcel, eu não a matei! — argumentou. — Eu não
iria matá-la, tampouco. Iria libertá-la, assim que estivesse
com o pen drive em mãos. Aquele cara que a levou
merece muito mais a morte do que eu. Eu posso ajudá-lo a
encontrar o bastardo.
— A arma, John — Marcel vociferou, ignorando os
lamentos do homem.
— Marcel, por favor, eu...
— Será que eu mesmo terei que escolher a porra do
revólver para atirar contra você? — sua voz demonstrava
claramente a impaciência e a decisão implacável. Ele não
voltaria atrás. — Eu tenho a porra de uma intuição boa,
então eu não arriscaria confiar nos meus instintos.
— Tudo bem — respondeu John.
Com dedos trêmulos, caminhou até a mesa de centro
onde Marcel havia acabado de depositar as três armas e,
tomando um gole de respiração, escolheu uma. John deu
um último olhar ao seu algoz quando depositou o cano da
arma contra própria têmpora.
— Como vou saber que todas as armas não estão
carregadas?
Marcel deu de ombros.
— Eu não estaria perdendo o meu tempo com você se
a intenção fosse mentir a respeito de lhe atirar, John.
Ele respirou fundo.
— Certo. E se eu sair vivo dessa, você me deixa ir?
— questionou. — Dê-me sua palavra.
— Eu estou dando a minha palavra — respondeu o
outro. — Agora vá em frente e terminemos de uma vez por
todas com isso.
John engoliu em seco. Ele até cogitou na ideia de
atirar contra Marcel, mas caso a arma estivesse
descarregada, seria o seu fim quando o homem se desse
conta de que ele planejara contra sua vida. Por outro lado,
mas não menos complicado, estava o fato de que se a
arma estivesse carregada e atingisse Marcel, seus homens
não permitiriam que ele saísse daquela casa vivo. Assim,
como a palavra de Marcel, atirar contra a própria cabeça
era a sua chance com maior probabilidade de se salvar.
John respirou fundo mais uma vez.
Fechou os olhos.
Pressionando firmemente o cano do revólver contra a
pele suada de sua têmpora, ele contou até três e apertou.
Silêncio.
Nem um som.
Nem um estalo.
O filho da puta estava tendo um dia de sorte.
Suor de alívio lhe brotou na testa, conforme a risada
debochada de Marcel ecoava na sala.
— Você é mesmo um frouxo! — caçoou. — Todos os
tambores dessas armas estão descarregados, idiota. Não
acredito que quase molha suas calças por conta disto.
Incredulidade, misturada a irritação e alívio
remanescente atingiram John em cheio. Ele havia mesmo
se submetido àquilo?
— Você me assustou, porra... — murmurou,
permitindo que uma risada também lhe escapasse. — Não
faça isso nunca mais.
— Eu não farei — replicou o outro, ainda rindo. —
Não será preciso.
Olhando nos olhos de Marcel, John sentiu sua risada
morrer. Algo ainda não estava certo.
— O que quis dizer com isso?
— Sabe, John, eu estava mentindo quando disse que
não iria te matar com as minhas próprias mãos —
respondeu Marcel. — Claro que, tudo depende do ponto
de vista.
Confusão choveu em seus olhos. Os pelos de sua
nuca se arrepiaram em alerta.
Inferno, o que diabos havia com aquele homem?
— O-o que quis dizer com isso?
Um sorriso diabólico lhe surgiu na face. Dando mais
um passo à frente, Marcel observou as rugas na testa de
John, bebendo da imagem de pânico.
— Eu envenenei o seu uísque.
— O quê? Como...
— Esta droga realmente demora um tempo para fazer
efeito — explicou. — Mas quando ela resolve atuar em
seu sistema, o resultado é catastrófico, meu amigo.
Mais um passo à frente.
— Em primeiro momento, você sente a temperatura
do seu corpo oscilar — Marcel ditou aquela reação
observando o pânico nos olhos de John, enquanto via ele
se sentar no sofá com o corpo trêmulo. — Suor brota em
seu corpo, como se você estivesse queimando em febre. A
garganta seca e aperta, e tudo o que você pensa no
momento é em como vai fazer essa agonia parar — ele
pausou observando os efeitos do veneno atuar. — E sabe
o mais fascinante nisso tudo, John? A agonia nunca para.
Ela se torna mais intensa a cada segundo, a cada batida do
seu coração agora fraco. Um coração que, por sinal, irá
enfraquecer gradativamente. Ou, caso você tenha sorte,
poderá sofrer uma parada cardíaca a qualquer momento.
Eu acho que a segunda opção seria bem mais interessante.
— Filho da... — John não conseguiu concluir a frase
quando algo alcançou sua traqueia, impedindo-o de
respirar corretamente.
Chupando uma respiração intensa, ele levou suas
mãos até a gravata, afrouxando-a.
Nada.
Seus dedos apertaram a pele ao redor do pescoço.
Vermelho misturado ao branco onde a pressão era
exercida. O sangue já não parecia circular na velocidade
adequada. O coração já não parecia saber qual a sua
função dentro do seu peito.
Ar.
Oxigênio.
Vida.
Seco. Ele sentia o ar seco e espesso. Cada vez mais
grosso, afundando em seus canais respiratórios e
impossibilitando que ele lutasse por sua vida.
Já sem forças, o homem deixou o corpo amolecer
sobre o imenso sofá, contorcendo-se em uma agonia
incessante.
Com as notas ainda pulsando em seus ouvidos,
Marcel assistiu o corpo já desfalecido do seu ex-
companheiro de crime deslizar do sofá ao chão. Olhos
vítreos o encarava. Frios, tal como o seu coração
petrificado, e mortos como a canção que no fundo ainda
entoava.
Não havia fundo musical melhor para aquele
momento.
Deixando mais um sorriso lhe coroar o rosto, ele
ajeitou o seu cabelo para trás, escovando com os dedos.
Ele subiria para seu quarto e procuraria por Rachel
para transar até o cansaço, e aliviar toda a tensão pela
qual estava sendo obrigado a passar durante as últimas
semanas.
Ainda olhando para o corpo já sem vida de John, ele
suspirou satisfeito ao reconhecer que aquele seria um
problema a menos com o qual se preocupar.
Estava feito.
John Wallace havia sido eliminado.
Agora só faltava Derek.
28: Feliz Aniversário

Faith
E assim, numa vida onde eu, por muitas vezes, me
pegava questionando ser realidade ou não, os dias se
passaram. Oito semanas, para ser mais exata. Parecia que
a cada dia, eu e Derek nos aproximávamos um pouco
mais.
Não éramos como um casal de namorados
apaixonados; afinal, nunca acreditei que Derek pudesse
sequer um dia assumir tal perfil, mas nós estávamos indo
bem. O sexo era incrível, a nossa convivência havia
melhorado consideravelmente e, com o passar dos dias,
conhecíamos melhor cada detalhe um do outro. Ele até
havia confessado já me perseguir antes do sequestro.
Fiquei abismada com sua confissão, ao reconhecer que ele
realmente estivera presente no dia em que apresentei O
Quebra Nozes, dentre outras datas memoráveis, mas um
sentimento estranho de que eu era importante para Derek
de alguma forma, me preencheu.
Eu sabia que era idiota pensar assim, tendo em vista
que na época ele só queria me prejudicar, mas, pensando
bem, no momento presente eu não tinha tanta convicção de
que ele realmente me machucaria. Ele era como um animal
selvagem ferido. Um animal onde a dor da perda havia
nublado qualquer resquício de humanidade que possuía.
Mas eu tive certeza, diante dos seus olhos me encarando
com adoração, de que Derek nunca me machucaria por
livre e espontânea vontade.
Este era um fato que por mais que me aliviasse,
também me fazia estremecer. E se Derek me machucasse
um dia? Não fisicamente, claro, mas e se ele quebrasse o
meu coração por alguma razão que talvez nem ele tivesse
controle a respeito? Eu sabia que a nossa situação não era
nada boa. Por mais que estivéssemos vivendo como um
casal comum, eu ainda era a irmã do cara cuja cabeça ele
queria boiando numa tigela com sangue. Além disso,
Derek amava outra pessoa: Samantha. Seu primeiro e
único amor. O que aconteceria quando Derek finalmente
cumprisse com sua promessa de vingança? Como eu
reagiria convivendo com o homem que tirou a vida do
meu irmão? E o mais importante: será que Derek, depois
de finalmente ter se vingado de todos, decidiria viver ao
meu lado? Eu não sabia. Algo me dizia que aquele seria o
fim da linha. No momento em que Marcel e todas as outras
possíveis ameaças estivessem sido eliminadas, Derek
seguiria seu caminho solitário, levando consigo apenas as
lembranças boas do que vivemos juntos. Eu, no entanto,
provavelmente voltaria para a minha vida monótona e
certinha. Mas eu não seria a mesma Faith. Eu sabia que
não havia possibilidades de eu ser a mesma garota de
meses atrás, que fora sequestrada pelo cara mais incrível
que já havia conhecido. Derek havia quebrado barreiras e
me proporcionado descobrir quem eu realmente era.
No treinamento de disparo, eu estava um pouco
melhor. Não era uma profissional, mas aprendi o
suficiente para me defender, caso fosse necessário. Eu não
havia voltado ao bar depois da confusão com os
motoqueiros, mas não senti falta do local, por incrível que
pareça. A nossa proximidade com os vizinhos limitava-se
a algumas ocasionais visitas ao longo das semanas. Chad
não havia tentado se aproximar de nós depois de Derek
praticamente o ameaçar, mas meu suposto marido até que
estava se comportando como um esposo e vizinho comum.
Eu gostei daquilo.
No sexo, as coisas não poderiam estar melhores.
Derek era insaciável e extremamente incrível. Eu sempre
chegava ao orgasmo toda vez que transávamos, sem contar
no fato de que aprendi posições que jamais havia
imaginado existir. Todavia, tudo seguia seu rumo nos
limites permitidos, é claro, pois não podíamos correr o
risco de envolver muito sentimentalismo ou, até mesmo,
uma criança em toda essa confusão. No fim da minha
terceira semana em Scout Lake, Darla havia me lavado à
uma farmácia logo após conversarmos a respeito do
controle de natalidade. Ela ficara surpresa por eu, sendo
tecnicamente uma mulher casada sem intenção de ter
filhos, não ter pensado nisso antes. Usei a desculpa de que
remédios contraceptivos me incomodaram muito no
passado. Ela engoliu a minha mentira, o que me aliviou.
De pé na pequena oficina improvisada, eu observava
os músculos do meu esposo de mentirinha se flexionarem
a cada movimento e bebia da visão de suas costas largas
de frente para mim. Por algum motivo, Gabe — filho mais
novo de Darla — não tirava os olhos de Derek, muito
atento a cada movimento que ele fazia, como se estivesse
disposto a aprender tudo.
— Vocês querem uma limonada? — perguntei
aproximando-me dos dois.
Gabe se virou para me encarar.
— Eu quero limonada! Tem um gosto bom.
Sorri e despejei um pouco do suco no copo sobre a
bandeja, entregando-lhe logo após.
— Obrigada, sra. Ryder. Você é muito bondosa e
bonita — eu já havia perdido as contas de quantas vezes
Gabe havia me chamado de bonita. Ele seria um bom
galanteador quando crescesse.
— Obrigada, Gabe. Você é um rapaz muito bonito
também.
Ele sorriu, parecendo satisfeito com o meu elogio e
voltou a se virar.
— Uau, isso é o máximo — Gabe gritou eufórico,
correndo para mexer em alguma coisa que havia visto.
Quando percebi, o menino apontava para uma pistola ao
lado da caixa de ferramentas.
— Merda! — Derek resmungou.
— Merda! Merda! Merda! — gabe repetiu,
aparentemente feliz por finalmente estar falando um
palavrão fora dos ouvidos dos pais. — O senhor tem uma
arma!
— Não toque nisso — Derek o repreendeu. — Deus,
esse garoto é terrível.
— Ele é somente um menino curioso — eu defendi.
— Você deveria cuidar melhor das suas coisas.
— Eu posso tocá-la um dia? — Gabe perguntou,
referindo-se à pistola.
— Talvez, quando você já estiver na faculdade e for
capaz de andar com os próprios pés — Derek respondeu.
Gabe olhou para baixo, até o fim de suas pernas.
— Mas eu já ando com meus próprios pés.
— Você já está na faculdade?
O menino franziu o cenho e balançou a cabeça.
— Não... mas quando eu estiver, você deixa?
— Que seja — Derek respondeu de má vontade.
— Irado! — gabe exclamou, excitado. — O meu pai
vai adorar saber que o senhor me permitirá segurar sua
arma, Sr. Ryder!
— O quê? — Derek exclamou. — Eu não disse isso,
porra... quero dizer, eu não disse isso, garoto.
— O senhor disse.
— Não, eu não disse!
— Disse, sim, porra! — replicou o menino, sem
conter a euforia.
Derek respirou fundo.
— O seu pai sabe que você anda falando palavrões?
— Não, mas o senhor fala muitos palavrões. Eu não
posso, também?
— Se você quiser perder a língua, sim.
— Grant! — repreendi, usando o nome falso, afinal
Gabe havia se mostrado um menino esperto o suficiente
para não deixar passar o fato, caso eu chamasse Derek por
seu verdadeiro nome.
Derek se virou para me encarar e torceu o lábio em
desagrado:
— É por isso que eu nunca vou ter filhos.
Senti uma pontada estranha no peito com aquela
declaração. Era normal ele não querer ter filhos, afinal, eu
mesma, no momento, não pensava em ter. Mas apenas o
pensamento de que Derek talvez não imaginasse de forma
alguma um futuro construindo uma família com alguém, me
entristecia. Por mais que fosse ridículo e impossível, eu já
havia fantasiado um futuro com ele por um bom par de
vezes.
— Gabe, por que você não senta e toma o seu
refresco? — sugeri. — Você poderia fazer isso?
Gabe fez uma cara triste, mas não protestou.
— Tudo bem.
Sacudi a cabeça, sorrindo, e caminhei até Derek.
— Eu vou precisar da caminhonete para ir no centro
da cidade hoje. Você acha que poderia liberá-la para mim
agora?
— Claro, mas — seu cenho se enrugou — eu posso
saber o que você vai fazer lá?
— Eu vou comprar umas coisas — respondi. —
Coisas de garota. Você não gostaria de saber.
A verdade era que naquele dia, Derek estava fazendo
trinta anos. Eu soube disso porque fucei os seus
documentos originais sem que ele se desse conta. Era
estranho ele não mencionar comigo uma data tão
simbólica, e eu ainda não sabia o que faríamos para
comemorar, mas eu não estava decidida a passar em
branco. Queria comprar ao menos algo que o deixasse
feliz.
Ele assentiu.
— Ok, você espera eu fazer os últimos reparos?
— Claro — sorri, empolgada.
☆☆☆
Ao atravessar os portões que me separavam do lado
externo, observei de relance no momento em que Chad
saía de sua casa.
— Melanie! — ele gritou e eu desacelerei. — Você
está indo até o centro?
— Sim, eu estou — sorri meio sem jeito. Era
estranho tê-lo falando comigo depois do momento
constrangedor pelo qual passamos no outro dia.
— Eu posso pegar uma carona?
Ainda relutante, assenti.
Ele abriu a porta do passageiro e sentou-se ao meu
lado. Após um momento de silêncio, ele raspou a
garganta.
— Eu... quero te pedir desculpas — falou. — Por ter
evitado você e o seu marido.
Uau, então nós realmente tocaríamos naquele ponto.
— Tudo bem, Chad. A culpa não é sua. Der... —
corrigi-me — Grant estava tentando me proteger, apenas.
Ele encolheu os ombros.
— Bom, aquele tipo de coisa no bar acontece mais
vezes do que o considerado normal, acredite, e embora eu
jamais tenha imaginado que Grant fosse esse tipo de cara,
compreendi o seu lado. Eu faria o mesmo em seu lugar.
Sorri.
— Que bom. Fico feliz que você não tenha
comentado com ninguém. Pode ser um pouco complicado
para os outros entenderem.
— Ele me ameaçou, praticamente — Chad refrescou,
soltando uma risada baixa. — Não é como se eu houvesse
tido uma escolha.
Culpa me bateu. Mordi o interior da minha bochecha,
procurando uma forma de amenizar a tensão da situação.
— Ele só sente ciúme — salientei. — Não se
preocupe com isso.
— Ciúme de mim? — ele parecia surpreso.
— Também — fui sincera. Não havia motivos para
eu mentir, na altura do campeonato.
Chad deu outra risada. Mas essa foi diferente, quase
como se ele estivesse debochando. Uma risada que
deixou-me momentaneamente confusa.
— O que foi?
— Você está dizendo que seu marido sente ciúme de
mim.
— E qual o problema? — eu não queria que ele
estivesse a fim de mim, mas senti-me ofendida pela forma
como ele falou. Como se eu não fosse digna de despertar
ciúme em alguém.
— Digamos que... você não faz o meu tipo.
— Oh, não? — certo, alguns caras preferiam
mulheres mais altas ou mais magras, e, convenhamos,
apesar de não me achar feia, eu não era um bom exemplo
de beleza. Era no máximo normal. — Huh, isso é bom, eu
acho. Grant não vai precisar cortar nenhuma parte do seu
corpo.
Eu ri com aquela brincadeira. Ele, no entanto, ficou
tenso. Era provável que ele sentisse que o meu suposto
marido fosse capaz de fazer aquilo. Bom, ele realmente
era.
— Não se preocupe, ok? — reforcei. — Está tudo
tranquilo agora, e eu realmente estou feliz em saber que
você deseja se reaproximar. Eu não gostaria de me afastar
de vocês. É muito bom ter sua mãe como amiga. Ela é
incrível.
— Sim, ela é — ele sorriu, provavelmente
compartilhando do mesmo sentimento que o meu. Uma
sombra escura passou pelo seu rosto no momento seguinte,
como se ele estivesse recordando de algo que o afligisse.
— Está tudo bem, Chad? — perguntei.
Ele sacudiu a cabeça em afirmativa.
— Sim, está tudo ótimo. Você poderia me deixar
aqui?
Guiei meu olhar para o lado de fora da janela e me
dei conta de que já havíamos chegado. Eu mesma tinha
dirigido todo o caminho e mal havia percebido que já
tínhamos adentrado o centro da cidade.
— Claro — sorri amigavelmente e estendi-lhe uma
mão. — Amigos?
Chad ficou parado por um tempo consideravelmente
longo e notei um pequeno sorriso surgir em seus lábios
também. Ele ergueu a mão de volta e apertou a minha.
— Amigos.
No momento em que Chad saiu, senti como se
houvesse tirado um peso muito grande da consciência. Eu
não gostei do comportamento de Derek em relação ao
nosso vizinho, mas o medo de que as desconfianças
aumentassem a respeito de nós dois me atingiram com
muito mais força. Eu não queria que o nosso faz-de-conta
acabasse, e faria o que fosse possível para ainda mantê-lo
intacto.
☆☆☆
As lojas em Scout Lake eram estrategicamente
divididas em zonas. Havia as do ramo alimentício, as que
tratavam de produtos de higiene e beleza, havia as
farmácias, lojas de roupas... e por último encontrei o local
reservado para o funcionamento das lojas de objetos
pessoais e decoração. Havia uma livraria ali perto
também, como se fazendo contraste com os demais
estabelecimentos cujos grupos ela não se encaixava.
Decidi seguir em direção à livraria. Derek gostava
de ler, aquilo era certo, e talvez eu achasse algo legal para
ele. No entanto, eu não tinha tanta convicção de que ele
teria tempo para dedicar à leitura. Mesmo assim, percorri
as estreitas ilhas, onde prateleiras com títulos nos mais
variados gêneros ostentavam a gama de sentimentos
convertidos em papel.
Puxei um livro qualquer da prateleira, dando-me
conta de que eu havia ido parar no setor de Chick-lit e
observei a capa do livro, cujo título lia-se "A Herdeira –
Nem Todo Conto de Fadas Precisa Ser Perfeito". Eu nunca
havia ouvido falar daquele livro antes, e achei o título
desnecessariamente longo demais, mas o que me
interessou, apesar de tudo, foi o fato de que ele havia sido
escrito por uma autora brasileira. Eu nunca havia lido
nada de um autor brasileiro antes e decidi que seria uma
boa forma de ampliar meus horizontes arriscando.
Pus o livro debaixo do braço e segui rumo à ilha de
suspense. Encontrei alguns títulos bastante conceituados,
como Stephen King e Agatha Christie, e até mesmo pensei
em comprar algum daqueles para Derek, mas mudei de
ideia ao me lembrar de seu excêntrico apreço pelo
sadismo. Ele já tinha uma mente psicótica o suficiente
para ler Stephen King.
Suspirando, decidi que um livro talvez não fosse o
melhor presente para dar a Derek. Eu queria algo que ele
guardasse para toda a vida. Simples e simbólico. Eu só
não sabia o quê.
Caminhei para a fila do caixa, a fim de pagar o livro
que havia adquirido, quando uma voz conhecida — a voz
da última pessoa que eu desejava encontrar em um dia
daqueles — chamou minha atenção.
— Melanie! — ela gritou. — Como está?
Respirando fundo, virei-me para encarar ninguém
menos que Ada Beaumont. A vadia dos peitos invejáveis.
— Ada, querida, que coincidência! — cumprimentei-
a com o mesmo sorriso falso estampado na cara. — Eu
estou ótima. E você, como vai?
— Bem, obrigada — ela continuou sorrindo e notei
seu pescoço se esticar algumas vezes, enquanto seus olhos
percorriam ao redor. — Onde está Grant?
Oh, ela era bem direta.
— Grant está em casa — respondi. — Cuidando dos
afazeres, enquanto eu faço compras. Ele é um marido
excelente.
Ok, eu estava mentindo um pouco — talvez muito —
mas foda-se. Eu não iria dar detalhes da minha vida para
aquela vadia, e muito menos iria permitir que ela
encontrasse motivos para voltar a alfinetar o meu suposto
casamento.
— Você realmente tem muita sorte em tê-lo, não é?
— ela apontou falsamente maravilhada.
— Com certeza, sim — aproximei-me mais dela,
como se para contar um segredo. — Já me peguei muitas
vezes agradecendo ao Destino por ter me presenteado com
alguém como Grant. Inclusive, tê-lo em minha cama todas
as noites já é um sonho consumado.
Seus olhos brilharam instantaneamente, a mão
subindo para arrumar o cabelo impecavelmente escovado.
— Oh, eu imagino — gaguejou. — Quero dizer...
bom, deve ser realmente o máximo. Não que eu me
interesse em experimentar o seu marido! — ela gesticulou,
como se estivesse descartando aquela possibilidade. —
Ele não faz muito o meu tipo. Você me compreende, não é,
Melanie?
— Não se preocupe com isso, eu compreendo
perfeitamente — respondi de forma cínica.
— Fico feliz — ela trocou de posição, apertando um
exemplar de Calendar Girl sobre os peitos e desceu o
olhar para a região onde eu mantinha aninhado o meu
próprio livro entre o corpo e o antebraço. — Qual livro
você comprou?
— Kama Sutra — menti, sem vacilar. Não dando-lhe
sequer a chance de ver a capa. — Grant adora variar. Ele
é insaciável.
Boquiaberta, Ada não exprimiu uma única palavra. A
pele do seu rosto ficou vermelha como um tomate, o rubor
descendo por seu pescoço. O embaraço era evidente.
Bom, ela não parecia tão embaraçada assim quando
inventou de dar em cima de um cara supostamente casado,
debaixo da porra do meu nariz.
— Agora eu preciso ir — falei, sem realmente
esperar que ela me respondesse. — Foi bom rever você,
querida.
Despedindo-me com um gesto, caminhei em direção
ao caixa, que já se encontrava vazio, e paguei o livro que
havia adquirido. Ada ainda estava parada quando me
virei. Abri o sorriso mais falso que consegui e caminhei
em direção à saída, rebolando a minha bunda como uma
verdadeira cadela vingativa.
Bom, era realmente isso o que eu era. Não havia
motivos para negar.
☆☆☆
Ao sair da livraria, levei algum tempo passeando
pelas calçadas medianas ao longo da avenida principal do
centro de Scout Lake. Eu ainda não havia comprado o
presente de Derek e continuava no escuro a respeito do
que levar para ele.
Foi quando, parando em frente à uma joalheria,
encontrei algo. Não era o presente mais adequado para se
dar a alguém como Derek, mas notei, ao pôr os olhos no
belo pingente que brilhava e pendia na joia, que aquele
era perfeito.
Simples e simbólico. Exatamente como eu imaginei.
Quando voltei para casa, já era praticamente quatro
da tarde. Me questionei se Derek ficaria desconfiado por
eu ter demorado tanto tempo. De toda forma, eu poderia
inventar a desculpa de que passei tempo demais na
livraria tentando encontrar um livro que me interessasse.
Ao entrar em casa, fui saudada pelo cheiro
maravilhoso e familiar de temperos locais, e constatei, no
momento em que pus os pés na cozinha, que Derek estava
preparando o nosso jantar. Era véspera de fim de semana,
seu aniversário, e ele estava gastando seu tempo
preparando o jantar.
Ele me surpreendia cada dia mais.
— O que isso significa? — arqueei uma sobrancelha,
referindo-me à panela com algo muito cheiroso
borbulhando dentro. Pude notar que era alguma espécie de
molho.
— Nosso jantar — ele devolveu meu olhar.
Eu não queria que ele pensasse que eu havia ficado
brava ou, até mesmo, estar tendo uma crise de ingratidão
diante do seu gesto, mas eu também não queria jantar em
casa aquela noite. Eu havia feito planos para o aniversário
de Derek, e eu o levaria. Ele compactuando com aquela
decisão ou não.
— Sinto muito dizer isso pra você, baby, mas nós não
vamos comer em casa esta noite.
— Não?
Cruzei os braços, sem querer acreditar que ele
realmente iria fingir que nada estava acontecendo. Era o
seu aniversário!
— Você não está se esquecendo de nada? —
perguntei.
— Eu estou? — seu rosto adquiriu a mesma
expressão indecifrável que ele assumia toda vez que
queria esconder certas emoções, mas eu já o conhecia o
suficiente para não cair mais naquilo.
— Derek, eu sei perfeitamente o que você está
tentando fazer, então apenas pare, ok?
Ele soltou um suspiro derrotado e passou as mãos
pelo cabelo.
— Certo, a única pessoa que sabe disso além de mim
é Ryan. Como diabos você descobriu?
— Da forma mais óbvia — respondi. — Mexendo
nas suas coisas.
Após a confissão, eu dei alguns passos para frente,
até que o alcançasse, e estiquei-me um pouco, nivelando a
altura de nossas bocas e o beijei.
Foi um beijo rápido e singelo. Quando me afastei,
seus olhos estavam brilhando.
— Feliz aniversário.
Ele sorriu fracamente e senti suas mãos deslizarem
para a minha cintura, o dedão se infiltrando por baixo da
minha blusa, fazendo-me ter pequenos arrepios.
— Me desculpe por... — pus um dedo em seus
lábios, calando-o.
— Não fala nada, ok? Eu sei que você vai pedir
desculpas por não ter mencionado que hoje era o seu
aniversário, mas eu te entendo perfeitamente. Não há mal
algum em tentar esquecer o passado, Derek,
principalmente se você sofreu tanto nele. Mas eu sou o seu
presente agora, e você é o meu. Portanto, eu acho que
seria justo curtirmos o presente juntos, você não
concorda?
— É, eu acho que sim — ele concordou, sorrindo
mais amplamente dessa vez.
— Eu gostaria muito se fizéssemos algo interessante
hoje.
— E o que você tem em mente? — perguntou.
Encolhi os ombros.
— Poderíamos ir ao parque, por exemplo. Eu nunca
fui ao parque de diversões. Creio que seria ótimo para
aliviar a tensão dos últimos dias.
Ele inclinou a cabeça.
— No parque? Eu nunca fui a um parque de
diversões, também.
— Bom, então seremos os primeiros um do outro.
Não havia malícia no meu comentário, mas óbvio que
Derek interpretaria aquilo de uma forma diferente.
Ele segurou o meu rosto, puxando-me até que
ficássemos o mais próximo que conseguíamos um do outro
sem nos beijar.
— Independentemente de quem tenha feito seja lá o
que for com você antes de mim, eu sempre vou me
considerar o seu primeiro.
Fiquei por um momento parada, esperando que ele
dissesse que desejava ser o último, mas é óbvio que
aquele tipo de coisa só acontecia nos livros e filmes de
Romance. Aquela era nossa realidade. E a minha
realidade e de Derek consistia em contarmos apenas com
o presente. Sem passado e sem um futuro.
Então eu foquei no presente e joguei os pensamentos
tristes para o alto. Aquela noite seria para nós dois,
especialmente para ele.
Pela primeira vez, desde que nos conhecemos,
teríamos um encontro de verdade, e o torcer inexplicável
no meu estômago fazia eu me sentir como uma adolescente
boba outra vez.
Uma adolescente boba e completamente
apaixonada.

☆☆☆

A barra do vestido vermelho de saia godê que eu


usava oscilava com o vento limpo e controlado da área
externa quando saímos do carro. Derek, que até então
havia feito pouco contato físico comigo, trancou todas as
portas e segurou a minha mão. Ele liderou os passos,
conforme caminhávamos em direção à entrada do único
parque de diversões da cidade.
Eu estava nervosa. Derek, por incrível que pareça,
não demonstrava nenhum tipo de desconforto, mas eu era
capaz de sentir sua mão gelada contra a minha palma e o
aperto mais firme que o normal. Nenhum dos dois disse
uma única palavra enquanto atravessávamos o amplo
espaço das grades abertas que nos separavam da área
interna do parque. No momento em que pus os meus pés
no local, uma onda de excitação percorreu o meu corpo.
Eu estava envolta por várias barracas de guloseimas,
jogos e os mais variados brinquedos, os quais eu só havia
visto por meio de revistas e televisão. Era estranho e
incomum alguém que cresceu em uma cidade como Nova
York nunca ter visitado um parque de diversões antes, mas
com a vida que eu tive desde pequena, este fato não era
uma coisa muito difícil de se compreender.
Ansiosa, puxei Derek pela mão e nos infiltrei na
multidão de pessoas, em sua maioria crianças
acompanhadas de seus pais. Era tudo muito alegre, bonito
e colorido. Eu conseguia nitidamente captar a emoção de
quem se arriscava no looping ou na montanha-russa. Duas
crianças correndo com ursos de pelúcia esbarraram nas
pernas de Derek e se afastaram, correndo como se nada
houvesse acontecido. Ele ficou por um pequeno momento
olhando na direção das crianças, mas logo voltou a me
encarar.
— Qual dos brinquedos você acha que nós
poderíamos experimentar primeiro? — perguntei,
apertando firmemente sua mão.
Sua testa se encrespou, formando um vinco sutil.
Notei o quão desajeitado ele havia ficado com a minha
pergunta.
— Eu não acho que tenha alguma coisa nesse lugar
que suporte o meu peso e tamanho.
Mordi o lábio reprimindo a risada que ameaçava
escapar. Realmente, ele era grande demais para caber na
maioria dos brinquedos daquele lugar. Sua enorme
estatura era um contraste gritante em comparação às
crianças de aproximadamente um metro e meio de altura,
divertindo-se em completa euforia.
— A gente poderia ir na roda-gigante! — sugeri. —
Eu acho que você não corre o risco de cair de lá de cima.
— Você acha que eu tenho medo de roda-gigante? —
ele perguntou.
Sorri para provocá-lo.
— Você não tem?
Ele rolou os olhos.
— Não, eu não tenho. Vamos nessa.
Ainda de mãos dadas, nós seguimos em direção a
imensa fila para a roda-gigante. Era estranha aquela
situação, uma vez que a maioria dos visitantes eram
crianças, mas eu consegui localizar alguns escassos casais
ali também. Com o pensamento de que eu e Derek éramos
um casal fazendo coisas normais que um casal faria,
borboletas alçaram voo dentro do meu estômago. Eu me
fiz bem ciente do toque de sua mão que agora era quente,
porém mantinha-se firme, como se para evitar de que eu
me desgrudasse dele em algum momento.
Após comprarmos nossas fichas de entrada, subimos
no brinquedo e colocamos as travas de segurança.
Suspirei em euforia.
O brinquedo ganhou movimento. Estiquei meu
pescoço para ampliar minha linha de visão. A imagem
dali de cima era magnífica. Eu conseguia ver as luzes e as
pessoas se distanciando cada vez mais, conforme
subíamos.
Cruzei meus dedos com o de Derek, não contendo o
sorriso deslumbrado que se tatuava em meu rosto.
— Isso é incrível!
— Incrível — ele repetiu. Quando dei por mim, ele
me observava atentamente, torcendo levemente os lábios
em um sorriso contido. Sem uma única palavra, Derek
virou a cabeça para me acompanhar no ato de admirar as
luzes e minúsculas pessoas que agora ficavam mais
próximas, ao passo que a roda-gigante dava sua volta
completa.
Estávamos no topo novamente, quando eu me lembrei
de algo: o presente. Não havia melhor momento que
aquele para finalmente mostrar a ele o que eu lhe
comprara.
Soltei minha mão da de Derek e a infiltrei no bolso
do meu vestido.
— Eu já ia me esquecendo — falei, apanhando o
presente.
Estendi a pulseira onde pendiam os pingentes de
tacos de basebol e cookies, e ele me encarou sério.
Flashes de emoção dançando por sua íris.
A insegurança me atacou. Droga! Eu sabia que aquela
era uma má ideia.
— Eu sei que é um pouco infantil e feminino demais,
mas...
— Faith.
— ...você não precisa usar, se não quiser. Eu nunca te
vi usando pulseiras, e eu meio que talvez tenha feito uma
grande burrada em ter comprado justamente isso pra
você...
— Faith.
— Eu fui uma idiota! Eu poderia ter comprado uma
camisa do seu time preferido ou lhe presenteado com um
ingresso pra fazermos algum programa legal, e
justamente... — me calei quando ele avançou e me beijou.
Foi apenas por alguns segundos, seus lábios pressionados
nos meus e o calor irradiou entre nós.
— Eu adorei — ele riu do meu estado ofegante. —
Foi o presente mais bonito que já recebi. Mesmo que seja
uma pulseira infantil ou feminina, vou guardar comigo pra
sempre, ok?
Assenti, ainda atordoada. A realidade de que ele
havia gostado caiu sobre mim. Meu coração derreteu um
pouco mais por ele ao ouvir aquelas palavras. Ele
conseguia ser doce sem ao menos perceber.
— Eu fico feliz que você tenha gostado — respondi.
Ele sorriu fracamente. Em seguida, ele enfiou a mão
em seu bolso, puxando algo de lá também. Confusão me
bateu ao analisar o seu olhar sobre mim.
— Eu também tenho algo para te dar.
— Tem? — gaguejei, surpresa. — Mas o aniversário
é seu. Isso não é justo.
— Claro que é justo — ele disse. — O aniversário é
meu, mas eu gostaria de te dar um presente. Há mal algum
nisso?
Eu sacudi a cabeça, vacilante. Eu não sabia o que
responder, muito menos como agir, então permiti que ele
estendesse a mão e me oferecesse seja lá que tipo de
presente ele tinha para mim.
Mas quando Derek finalmente me mostrou o pequeno
anel que brilhava sob a luz da lua cheia e as lâmpadas do
local, eu tive que me apoiar firmemente no braço do
banco de ferro para evitar que eu caísse feito uma fruta
dali de cima.
— Ai, meu Deus...
— Calma, eu não vou pedir você em casamento, nem
nada do tipo — ele riu sem abaixar a mão. — Não precisa
se assustar, ok?
Oh, claro, sim. Nada de casamento. Eu precisava de
um pouco mais de ar.
— Mas você tem uma aliança. O que isso significa?
— Era da minha mãe.
Compaixão preencheu meu peito, me pegando de
surpresa. Por mais que garantisse não ter família, muito
menos necessitar dela, Derek ainda guardava consigo algo
que o fazia lembrar de sua mãe. Se eu já não houvesse me
dado conta daquilo antes, aquele seria um ótimo momento
para reconhecer que Derek tinha um grande coração.
— É linda — eu falei.
— Sim, é — ele concordou, analisando tristemente a
joia. — E ela é sua agora.
Perplexidade me atingiu em cheio, socando seu punho
em meu estômago que se contorceu em nervosismo no
mesmo instante. Eu sentia meu coração bater fortemente
dentro do meu peito.
— O quê? Não, você não pode me dar isso, Derek.
Eu simplesmente não posso aceitar...
— Faith, me escuta — ele me cortou. — Eu não sei
quanto tempo teremos. Eu não sei quanto tempo eu terei.
Caso algo aconteça comigo e eu não puder te dizer tudo o
que sinto vontade de dizer e ainda não tive coragem, eu
quero que você fique com ela e saiba que essa aliança é
de extrema importância pra mim. É o único bem
sentimental que eu ainda possuo. Eu não vejo ninguém
melhor do que você para cuidar dela.
Senti as lágrimas se construindo em minhas vias
lacrimais. O chumbo assentou-se em meu peito.
Eu não gostei daquela conversa.
— Por que você está falando disso? Por que está
falando sobre o nosso tempo como se ele fosse limitado
ou como se você tivesse certeza de que tudo isso pode
acabar a qualquer momento? Não seja cruel comigo agora,
ok? — respirei fundo e segurei o máximo que pude as
lágrimas que ameaçavam sair, mas houve uma teimosa que
deslizou pelo meu rosto. Eu não queria chorar, não
naquele dia, muito menos naquele momento, mas o que ele
disse me magoou. Reconhecer que ele poderia estar certo
me magoava. Eu não queria que aquilo acabasse. Eu não
queria ficar longe dele.
— Eu estou sendo realista, Faith.
— Foda-se tudo isso, Derek. Não vai acontecer nada!
Ele sorriu tristemente, mas não replicou. Apenas
segurou meu rosto com as duas mãos, passando o polegar
sobre o ponto úmido, secando as lágrimas.
Recostou sua testa na minha.
— Você promete que vai cuidar dela pra mim?
Sacudi a cabeça freneticamente em negativa, eu não
queria prometer aquilo a ele. Porque seria uma promessa
inútil, afinal de contas eu tinha fé de que tudo iria dar
certo.
— Faith, por favor... — ele insistiu. — Você pode
não estar interpretando isso da forma que eu gostaria, mas
é muito importante pra mim que você aceite o meu
presente e me prometa.
Forçando uma afirmativa, eu me esforcei para
colocar um sorriso no rosto. Não podia ficar triste e
estragar o nosso passeio.
— Eu prometo — assenti. — Mas não vai acontecer
nada. Eu sei disso. Vai ficar tudo bem.
A verdade era que eu não queria acreditar que a
probabilidade de um possível fim era ainda maior do que
a de tudo dar certo. Que o percentual de chances que eu e
Derek tínhamos de ficar juntos no final de toda aquela
confusão era mínimo. Eu não queria acreditar em nada
daquilo, então eu me infiltrei na minha própria bolha
fantasiosa e forcei-me a sorrir, ilusoriamente protegida.
Ele puxou a minha mão delicadamente e envolveu
meu anelar com a aliança. Senti meu coração aquecido,
em contraste com o frio do metal. Logo após, ele estendeu
o braço para que eu pusesse a pulseira em seu pulso
ornamentado apenas pelo relógio de ouro. Ficou algo
desigual: um cara que empunhava armas de fogo dos mais
variados tipos, utilizando algo tão delicado. Mas ele não
pareceu se importar. Muito pelo contrário, Derek alisou a
peça e sorriu.
Sem uma única palavra, ele ergueu a mão e escovou a
minha bochecha com as costas dos dedos e se afastou.
Meu corpo protestou com a falta de contato, mas percebi
que ele havia feito aquilo porque o nosso pequeno passeio
de roda-gigante havia acabado.
Saímos do brinquedo, Derek liderando os passos
com as mãos nos bolsos de sua calça, e eu alisando meus
braços por conta do frio. Eu havia esquecido de trazer um
casaco comigo.
— Eu acho que tenho um casaco no carro, você
precisa dele agora? — perguntou, notando meu estado.
— Não. Eu quero me divertir com você, e não quero
perder nenhum momento.
Ele assentiu, sorrindo, e depois me puxou,
envolvendo seu braço ao redor dos meus ombros. O calor
de seu corpo irradiou para o meu. Senti-me bastante
confortável com aquele gesto.
— Você está com fome? — ele perguntou.
Antes mesmo que eu assentisse, meu estômago
respondeu por mim, roncando vergonhosamente. Derek
deu uma risada e eu não pude me conter também. Nós não
havíamos nem sequer terminado de preparar o jantar
devido à minha ideia de comermos fora de casa.
— Eu acho que tem um pequeno monstro dentro da
sua barriga — ele brincou, puxando-me em direção à uma
das barracas de pipoca. — Venha, eu vou te alimentar.
Nós ficamos por aproximadamente mais duas horas
no parque de diversões, experimentando o máximo de
brinquedos que conseguíamos, comendo pipoca,
cachorros-quentes e doces. Também fomos até as barracas
de jogos, daqueles onde você tem que resgatar brindes
com um gancho mecânico e Derek conseguiu arrematar um
enorme macaco de pelugem marrom e caramelo para mim.
Em todo o momento ele foi atencioso e extrovertido,
da sua maneira, claro.
Derek parecia até mesmo relaxado. Era muito fácil
cair um pouquinho mais por ele a cada momento. Eu tinha
que me atentar, pois estava deslizando sem proteção
alguma numa rampa sinuosa no escuro, e não sabia ao
certo onde chegaria. Eu não podia me permitir ter
sentimentos por Derek. Não àquela altura do campeonato.
No momento em que decidimos que já era um bom
momento para irmos embora, seguimos em direção ao
estacionamento. Uma vez no interior do carro, eu joguei o
urso sobre o painel e me aproximei para lhe dar um beijo.
Era preocupante também o fato de eu sentir a necessidade
de beijá-lo e tocá-lo muito constantemente. Ele retribuiu
meus gestos, passando as mãos sobre os meus braços, me
aquecendo, mas logo se afastou.
— O que houve? — eu perguntei.
— Você sabe que nós não vamos conseguir parar se
continuarmos por este caminho, não é?
Droga, era verdade! Não que não tivéssemos feito
sexo em lugares piores que aquele, mas era o
estacionamento de um parque de diversões. Havia
crianças ao redor. Além do fato de que era o aniversário
de Derek, e nós havíamos ido para nos divertir, não para
praticar sexo explícito.
— Desculpe — murmurei, ainda tentada a rasgar sua
roupa e montá-lo ali mesmo.
Ele sorriu e estendeu a mão para alisar o meu cabelo.
— Não peça — se aproximando, Derek roçou os
lábios contra a minha orelha. Sua respiração quente
soprou arrepios por toda a minha pele sensível. — Você
sabe que, se dependesse de mim, você já estaria nua, não
é?
Meu núcleo se apertou com aquela confissão. De
repente, eu não sentia mais frio.
— Bom, sim, você não é nada discreto quanto a isso
— tentei controlar o tom rouco em minha voz.
Derek voltou a sorrir e passou a língua sobre os
lábios, me tentando.
— Não há motivos para eu ser — retrucou, se
afastando no momento seguinte. — Preparada?
— Pro quê? — eu ainda estava atordoada.
— Para a próxima parada — ele respondeu, sorrindo
enigmaticamente. — Essa noite está longe de acabar,
babe.
29: Quando os Demônios Amam

Faith

De todas as coisas que eu gostava de fazer na minha


época como residente de Nova York, estar com os meus
amigos acabava por ser a minha predileta. Eu curtia sair
para comprar livros e CDs ou assistir às peças de teatro
na Broadway. Eu fazia trabalho voluntário sempre que
podia, e, às vezes, nós nos arriscávamos em terminar a
noite em algum bar karaokê, cantando Hard Rock até
praticamente estourar os pulmões.
Era bom, reconfortante e simples. Momentos
memoráveis que não voltariam mais.
No entanto, naquele momento, eu estava sendo capaz
de sentir tudo aquilo novamente. A excitação de estar
aproveitando o melhor que a vida tinha para nos oferecer.
Eu sentia-me jovem, livre, realizada e feliz. Eu nunca
havia tido um encontro decente, e eu gostei da ideia de
Derek ser o primeiro cara com o qual eu estava fazendo
aquele tipo de coisa.
Eu me acostumei a pensar muito sobre nossa situação
ao longo das últimas semanas e eu sabia que, por mais que
não devesse, Derek era diferente. Eu não sabia definir,
entretanto, mas seria uma grande mentira negar que ele
não era nada parecido com qualquer outro cara que já
tenha entrado em minha vida. Ele era uma mistura de herói
e vilão, o certo e o errado, o bom e o ruim. Ele era a
sujeira, e ao mesmo tempo você percebia certa pureza
permeada em seus olhos ou raros sorrisos. Você conseguia
ver algo de bonito neles.
Ele era indecifrável, indescritível e incomparável.
Derek era Derek, em sua forma mais simples e ao mesmo
tempo tão complexa.
Luzes amareladas me saudaram no momento em que
pus os pés no interior do bar para o qual Derek havia me
levado. Bem diferente das boates desagradáveis e
luxuosas para as quais Sierra me arrastava, aquele bar era
simples e organizado, deixando-me imediatamente
deslumbrada. No topo do estabelecimento lia-se Joodie’s
Pub em um letreiro retangular, antigo e enferrujado. O
local tinha uma música Country tocando e boa parte da
decoração resumia-se a madeira e couro. Era bastante
rústico e peculiar, e me fez sentir-me em casa.
Derek me guiou até uma mesa, andando como se
fosse o rei do lugar. Me peguei perplexa, questionando em
um tom que apenas ele fosse capaz de ouvir:
— Por que eu tenho a leve impressão de que você já
esteve aqui antes?
Ele sorriu e se sentou de frente para mim no cubículo
vermelho.
— Bem, eu não estive — esclareceu. — Na semana
passada, eu havia ido até a cidade para comprar umas
coisas, e acabei a encontrando Joodie, a cozinheira e dona
do local, com seu caminhão atolado na estrada. A ajudei
com o carro e, com isso, ela me convidou para visitar o
seu bar em retribuição. Achei a proposta boa, e como eu
sei que você não gosta de aglomeração e muito menos
pessoas amedrontadoras, assumi que este seria o melhor
lugar para terminarmos a noite sem nos preocuparmos
com alguma possível confusão.
— Eu adorei — eu fui sincera.
Ele voltou a sorrir e, antes mesmo que eu fizesse
mais alguma pergunta, uma mulher morena e roliça, se
aproximou de nós. Ela carregava uma touca no cabelo e
seu avental colorido combinava com o vestido em
estampa de flores vermelhas.
— Bom, bom. Eu sabia que você viria a qualquer
momento, mas não sabia que demoraria tanto a aparecer!
— ela era toda sorrisos, fitando Derek com olhos
calorosos. Gostei dela instantaneamente.
— Eu estava esperando o momento certo — ele
replicou. Era impressionante a forma como ele conseguia
ser tão simpático em torno das outras pessoas quando
queria.
Eu não sabia se era apenas fachada ou se ele
realmente queria ser agradável com aquela senhora, mas
Derek sempre foi verdadeiro comigo — tirando a
primeira vez em que nos vimos — e aquilo bastava.
Ainda sorrindo calorosamente, a mulher dirigiu seu
olhar em minha direção.
— E esta beleza, deve ser a sua namorada?
— Esposa — a forma como ele falou aquilo aqueceu
algo dentro de mim. Eu gostava da ideia de ser sua
esposa. Bem mais do que deveria.
— Melanie — apresentei-me, estendendo uma mão.
— Eu sou Joodie — ela apertou minha mão de volta.
— E a propósito, você é linda, querida. Formam um belo
casal.
— Obrigada — agradeci, meio desconcertada.
Se Joodie havia percebido meu desconforto, não
demonstrou.
— Você nem imagina o quanto eu fico grata pelo
favor que seu marido me fez na semana passada. Você já
deve saber que, para uma mulher velha como eu, é muito
difícil conseguir ajuda no meio da estrada.
— Imagino — falei, segurando a mão de Derek com
orgulho. Ele podia ser muita coisa, menos egoísta.
E assim, Joodie se encarregou de ela mesma nos
atender, preparando-se para anotar os nossos pedidos.
Nós havíamos comido bastante no parque, então eu
resolvi beber uma cerveja. Derek me acompanhou.
Quando Joodie se afastou, voltei minha atenção para
ele.
— Bem, você julgou que eu iria gostar daqui, e eu
realmente gostei. O bar é agradável e Joodie é muito
simpática. Você me conhece até melhor do que o meu
próprio irmão.
Ele abriu um sorriso triste e esticou a mão para tocar
a minha em apoio.
— O seu irmão não se preocupa com ninguém além
dele, mas não pense que isso é culpa sua, porque não é.
Balancei a cabeça, indicando que havia
compreendido.
— Eu sei, me desculpe — eu disse. — Marcel não
me merece.
— Não mesmo — ele alisou o dorso da minha mão.
— Você é boa demais para esse mundo, Faith. Para o
nosso mundo, eu digo.
— Você ainda não se deu conta de que o seu mundo é
o meu mundo agora também, não é? — falei. — E eu
posso não ter nascido para isso, mas eu consigo me
adaptar muito bem às novas mudanças, Derek.
Ele abriu mais um de seus sorrisos bonitos, mas não
conseguiu completar a frase que pretendia quando,
segundos após, Joodie reapareceu. Distribuindo nossos
pedidos sobre a mesa, ela nos desejou um bom momento e
deu meia volta, sumindo de vista. Derek estendeu a mão
com a cerveja e chocou de leve sua garrafa contra a
minha. Ele tomou um gole da bebida e eu fiz o mesmo.
Guiando meu olhar ao redor, eu pude analisar mais
detalhadamente cada traço do local. O bar não era muito
grande, e também não estava muito cheio. Casais e grupos
de amigos espalhavam-se pelas mesas e pela pista. A
música tocando era desconhecida, mas animada. Foi então
que eu percebi que a canção não vinha de caixas de som
comuns, mas sim de um aparelho de Jukebox empoleirado
no canto.
— Oh, meu Deus, faz tanto tempo que não vejo uma
dessas! — gritei, animada.
Derek seguiu meu olhar e encrespou a testa.
— Você não tinha nem nascido quando essa coisa foi
criada.
— Pare de falar besteiras — eu disse. — Eu não sou
nenhuma criança, e você sabe muito bem disso.
Um sorriso malicioso saltou para sua boca e, antes
que ele soltasse algum comentário de duplo sentido, eu me
levantei da mesa, puxando o seu braço. Derek me olhou
confuso, sem mover um músculo.
— Vamos dançar!
— O quê?
— Dançar — dei ênfase, como se ele possuísse
algum tipo de deficiência auditiva. — Vamos lá, Derek,
pare de agir como um velho.
— Eu não me importo em ter você me chamando de
velho. Tecnicamente é isso o que eu sou agora.
Rolei os olhos.
— Por favor? — pedi. — Baby, faça isso por mim.
Ele desviou o olhar e assumiu a carranca mal
humorada, como se tentando se manter firme diante do
meu pedido. Entretanto, eu aprendi algumas fraquezas de
Derek ao longo do tempo — que eram bem poucas,
acredite — e fazer cara de filhote pidão era uma delas.
— Uma música e nada mais — decretou, se
levantando.
Sorrindo por finalmente ter saído vitoriosa, eu o
puxei pelo pescoço, mantendo o contato visual enquanto
nos levava para o meio da pista. Me afastei dele e
caminhei até a máquina de Jukebox, inserindo uma moeda
nela. Havia diversos títulos ali, mas decidi escolher uma
antiga que a minha mãe sempre adorou. Heroes, de David
Bowie.
A música começou a tocar e eu voltei a puxar Derek
para mim. Várias pessoas olhavam para nós, inclusive
mulheres, mas eu não estava interessada em quem quer
que estivesse ao nosso redor. Eu só tinha olhos para ele e
para o quão bonito ele ficava debaixo daquela luz fraca.
Derek ficou travado no começo, mas foi se soltando
logo em seguida. Seus movimentos eram lentos,
acompanhando os meus. Suas mãos escorregaram para
cada lado da minha cintura e sua testa repousou contra a
minha. Eu senti a felicidade me inundar, bem como
inomináveis outros sentimentos que eu sabia não serem
mais possíveis segurar. Eu não queria mais prender
aquilo. Eu gostava muito dele para esconder, e por um
momento acreditei que tudo aquilo fosse capaz de me
sufocar.
Abri a minha boca para finalmente dizer à ele, mas
então eu me calei. Eu estava confusa, e aquele não era um
bom momento para falar besteiras. Não mesmo. Eu não
queria estragar o que estava sendo tão maravilhoso.
Em um gesto suave, Derek se afastou de mim e me
girou. Posicionado atrás de mim, ele me abraçou pela
cintura, conforme nos balançava com cada embalo da
canção.
— Eu gosto dessa música — confessou. Eu sentia o
sorriso em seu rosto apenas pelo tom de sua voz.
— Eu estou começando a acreditar que você é
realmente um velho.
— Eu acho que você consegue lidar com isso — ele
devolveu.
Não consegui segurar o sorriso.
— Se isso te anima, eu tenho tara por velhos tatuados
e mal-humorados que escutam heavy metal — flertei.
— Talvez eu tenha uma certa tara por atrizes bonitas
e impertinentes que escutam Backstreet Boys — ele
devolveu.
— Bom, eu acho que fomos moldados um pro outro,
não é?
Senti a sua respiração quente dançar contra a minha
nuca, mas sua resposta não veio. Não da forma que eu
imaginei.
Sua voz saiu baixa e rouca quando, tão sutil quanto o
seu toque, ele começou a cantar. A voz baixa contra o meu
ouvido, como se fosse algo que somente nós dois
estivéssemos autorizados a compartilhar. E eu gostei do
fato de que ele não queria incluir mais nada, nem ninguém,
em nossa pequena interação:
“Eu, eu serei o rei. E você, você será a rainha.”
Senti um sorriso crescer em meu rosto. A sensação de
tê-lo cantando para mim me fazia voltar aos quinze anos,
na época em que eu ainda suspirava por garotos bonitos
na porta da escola.
[...]

“E você, você poderá ser má. E eu, eu vou beber o


tempo todo. Porque nós somos amantes, e isso é um fato.
Sim, somos amantes, e isso é o que é.”

[...]

“Embora nada vá nos manter juntos


Nós poderíamos enganar o tempo, apenas por um
dia
Nós poderíamos ser heróis, para todo o sempre
O que você diz?”

[...]

Podemos ser heróis.


Podemos ser heróis.
Podemos ser heróis.
Apenas por um dia.
Podemos ser heróis.

Um nó estranho ficou preso na minha garganta. Os


pensamentos batendo como uma bola dentro da minha
cabeça e se dissolvendo em torno do meu cérebro. A
música parecia ter sido feita para nós dois, e eu odiava
pensar naquilo. No nosso tempo limitado. Todavia, lá
estava eu, fazendo tudo outra vez.
Ele compartilhava dos meus demônios, também — eu
sabia que ele fazia. Principalmente quando seus braços
apertaram em torno da minha cintura e um beijo foi
plantado na minha nuca.
Um sorriso triste escapou dos meus lábios e eu
recostei minha cabeça contra o ombro dele, envolvendo
ainda mais seus braços ao redor de mim. Eu não tinha
muito com o que me apegar, então me apeguei àquilo.
Éramos como dois soldados em busca de apoio e
proteção. Possuíamos um ao outro, claro, e eu me agarrei
à ideia de que aquilo bastava. Ou ao menos eu acreditava
que bastasse — pelo menos até encontrarmos uma
solução. E eu esperava que nós realmente encontrássemos
uma. Em breve.
☆☆☆
Ficamos por mais algum tempo no bar. No final da
noite, Joodie trouxera um pequeno bolo para a nossa
mesa, e embora Derek tenha ficado desconcertado diante
do gesto, agradeceu à mulher com um sorriso amistoso.
Quando chegamos em casa, estávamos excitados e
felizes. Fazia tempo que eu não me sentia assim. Foi
realmente maravilhoso estar com Derek, livre que
qualquer preocupação que se atrevesse a nos atormentar.
Já no quarto que compartilhávamos, estremeci
quando Derek arrastou suas mãos por meus braços. Senti
o cheiro de sua colônia masculina misturado ao odor
único que seu corpo possuía. Era extasiante, praticamente
um afrodisíaco.
— Obrigado — disse ele, olhando nos meus olhos.
Era meio confuso tudo aquilo, afinal Derek não era o
tipo de cara que agradecia ou pedia por favor.
— Pelo quê?
— Por tudo — respondeu. — Eu nunca tive uma festa
de aniversário antes. O máximo que fiz de comemoração
foi uma noite regada à bebida e putas, que eu nem sequer
sabia o nome, quando ainda participava no clube de luta.
Recostei minha bochecha em seu peito e o abracei.
— Eu faria qualquer coisa só para te ver feliz.
Derek puxou meus braços, forçando-me a me afastar
e olhar novamente para ele.
— Eu fico feliz só em saber que você está aqui por
mim.
Segurando meu rosto entre as mãos, ele me beijou
lentamente. Ainda sem desgrudar seus lábios dos meus,
caminhou para trás, me puxando em direção à cama.
Suspirei quando Derek separou nossos lábios e se
inclinou até que estivesse sentado sobre o colchão. Suas
mãos foram para as minhas coxas nuas, uma de cada lado,
trazendo uma onda de arrepios por todo o meu corpo
enquanto acariciava. Em seguida, sua boca foi para a
minha barriga, beijando e sugando a pele sob o tecido do
vestido.
Me forçando a virar de costas para ele, Derek passou
a mão por baixo do meu vestido e puxou a minha calcinha
para baixo. Ergui os pés, um de cada vez, para me livrar
da pequena peça e permaneci de costas, conforme ele
erguia a saia do vestido e tocava e beijava as minhas
coxas e meu traseiro. Tudo nele, apesar de costumar ser
áspero, me fazia estremecer com a suavidade mesclada
em cada gesto.
Em seguida, ele se levantou e puxou o zíper do
traseiro do meu vestido. Baixando a peça, ele beijou os
meus ombros e os massageou. Deixei minha cabeça cair
para trás, absorvendo ao máximo cada sensação. Eu
estava usando apenas a sandália de salto baixo, quando
ele voltou a se agachar para tirar uma por uma dos meus
pés.
Derek me virou de frente para ele novamente. Sua
boca voltou a beijar a minha barriga agora nua,
aumentando ainda mais a minha excitação.
— Você é linda — disse em reverência. Eu estava
entre as suas pernas e ele trabalhava todo seu caminho
pelo meu corpo, me deixando a ponto de implorar. — Às
vezes eu me pergunto o que um cara como eu, tão ferrado,
fez para merecer uma garota como você.
— Você me sequestrou, eu não tive escolha — sorri e
observei a forma como seus lábios curvavam-se para
cima, imitando o meu gesto. Cedendo à minha vontade,
ergui a mão para lhe tocar ali.
Seus olhos se fecharam e ele soltou um pequeno
suspiro.
— Eu amo a forma como você me toca — disse.
— E eu amo a forma como você corresponde ao meu
toque — repliquei.
Suas mãos voltaram a trabalhar pelo meu corpo,
escorrendo até as costas das minhas coxas, os dedos
abraçando a carne e as pontas praticamente roçando onde
eu tanto o queria.
— Eu amo o quão bonita você fica quando está
excitada — sua voz era rouca.
— Eu amo o quão sexy você fica sem camisa.
— Eu amo seus beijos.
— Eu amo o seu sorriso.
— Eu amo quando você sorri só pra mim.
Suspirei.
Eu amo você.
A frase pesou docemente na ponta da minha língua,
mas não saiu. Eu não sabia se era o melhor momento para
dizer aquilo, então eu fiz a única coisa que me distraía de
toda aquela confusão na minha mente: eu inclinei a cabeça
e o beijei. Beijei com tudo o que eu tinha, derramando
tudo o que eu sentia. Talvez ele não percebesse. Era
provável que ele não me amasse de volta, mas eu não
queria pensar naquilo. A realidade do que eu sentia por
ele me batendo em cheio já era o bastante.
Eu amava Derek.
Eu me apaixonei pelo cara que quase destruiu a
minha vida. O cara cuja própria vida havia sido destruída
graças ao meu irmão.
Sem tirar seus lábios dos meus, Derek deitou-se na
cama, me puxando com ele. Minhas pernas se abriram
automaticamente e o meu centro se umidificou ainda mais
ao roçar no tecido de sua calça jeans.
Por que ele ainda não estava nu?
— Livre-se dessas coisas — eu gemi, abrindo
desesperadamente cada botão de sua camisa.
Puxando minhas mãos, ele inverteu nossas posições,
ficando por cima de mim, enquanto ele mesmo terminava
de arrancar a camisa. Seus músculos cobertos pela pele
bronzeada e apetitosamente desenhada com símbolos, que
nem se eu passasse mil anos estudando conseguiria
distinguir todos, flexionaram-se quando ele plantou as
duas mãos no colchão, uma de cada lado da minha cabeça.
Voltando a baixar a cabeça, ele depositou um beijo
rápido nos meus lábios antes de descer sua boca até o meu
pescoço. Respiração quente dançava sobre a pele sensível
do meu pescoço, a barba pinicando de leve. Ele continuou
a distribuir curtos beijos enquanto seguia uma trilha
descendente por todo o meu corpo, mas ignorando
propositalmente meus seios.
Alcançando o topo do meu umbigo, Derek serpenteou
lentamente sua língua ali, fazendo coisas se remexerem em
meu estômago e um nó se formar em meu baixo ventre. Os
beijos continuaram momentos depois, seu nariz roçando
contra a minha região íntima, captando o cheiro da minha
excitação.
E então, ele me lambeu.
Sem muitos jogos, sem muitas provocações. Eu
estava a ponto de explodir, e sabia que com ele não era
diferente. As mãos de Derek voltaram a passear por todo
o meu corpo, enquanto sua boca aliviava a pressão
dolorosamente doce entre as minhas pernas. Minhas
entranhas se retorciam em uma agonia inquietante e eu me
sentia como uma verdadeira poça lá embaixo.
Exercendo uma parca pressão em meu clitóris, ele
lambeu e sugou delicadamente o ponto, fazendo meus
olhos e quadris rolarem em conjunto. Uma mão grande
apalpou a carne macia do meu seio, o polegar raspando no
mamilo duro e já dolorido. A outra patinou sobre minha
pele quente, até que dois dedos encontrassem minha
entrada e mergulhavam-se ali. Eu gemi, agarrando os
lençóis da cama, tentando me apegar a algo que segurasse
por mais algum momento aquela sensação.
Inferno de homem quente.
Mordi meu lábio inferior, a ponto de sentir o gosto do
sangue revestindo minha língua, e então sua mão estava
ali, desprendendo meu lábio de entre meus dentes.
Ele ainda me chupava quando enfiou dois dedos
úmidos dentro da minha boca. Eu poderia achar aquilo
nojento alguns anos atrás, mas em se tratando de Derek,
tudo o que ele fazia sobre sexo me deixava a ponto de
explodir.
Minha língua serpenteou automaticamente sobre a
ponta do seu dedo — da mesma forma como eu fazia com
seu pau quando o tinha sob o meu poder — e em seguida
os meus lábios molhados se fecharam sobre eles. Senti o
meu gosto levemente picante em seus dedos. Minha
respiração tensa se intensificou, principalmente quando
ele soltou uma espécie de gemido e abocanhou ainda mais
a minha vagina.
— Puta merda, Derek! — minha voz saiu estranha,
devido à respiração dificultada.
Agarrei os seus cabelos com uma mão e pressionei
ainda mais a sua palma contra o meu peito com a outra.
Ele voltou a amassar o meu seio e eu voltei a rolar os
quadris, percebendo quão trêmulas estavam as minhas
pernas.
Àquela altura, minha visão estava embaçada, minha
voz não parecia mais me pertencer e todo o meu corpo
sentia-se necessitado por cada toque dele.
Quando a liberação veio, foi como se minha mente
bloqueasse qualquer outro pensamento, senão a sensação
extasiante que ele estava me provocando. Demorei alguns
segundos para recobrar a minha respiração e me apoiei
em meus cotovelos, observando ele se levantar da cama e
abrir cinto e calças. Baixando a peça junto à cueca, ele se
livrou dos sapatos e meias e subiu na cama comigo. Ele
estava ajoelhado, seu pau a centímetros de distância da
minha bochecha e senti novamente o ponto entre minhas
pernas latejar apenas com aquela visão.
Estendi a mão e o segurei. Seu pau glorioso em
comprimento e espessura estava quente contra a minha
palma, e eu senti minha boca salivar. A maioria das
mulheres, inclusive Sierra havia me confessado isso,
sentiam repulsa no ato do sexo oral. Em até certo ponto eu
as compreendia, mas Derek era tão bonito, grande e
limpo. Seu pau tinha um formato agradável aos olhos, e a
cabeça rosada em formato de cogumelo parecia inchada e
orgulhosa, as veias logo abaixo saltadas, traçando seu
caminho sinuoso ao longo da extensão. Era realmente algo
bom de se admirar. Algo que eu gostaria de deixar
exposto, não fosse o meu ciúme e o reconhecimento de
quão constrangedora aquela situação seria.
Não é como se eu fosse imprimir um pôster gigante
do tipo “vejam como o pau do meu suposto marido é
incrível” e sair distribuindo para quem quisesse ver.
— Você é perfeito, baby — arrastei a voz, do jeito
que eu sabia que ele gostava. Derek não era um homem de
muita paciência para enrolações ou gestos suaves demais,
mas ele gostava dos sons que eu fazia. Ele gostava das
minhas provocações. Eu até podia jurar que ele ficava
excitado todas as vezes que eu o desafiava.
— Você gosta disso? — ele atiçou. — Gosta do que
vê?
— Sim — eu praticamente engasguei com a visão e a
antecipação de tê-lo no interior da minha boca.
— Então tome-o — ordenou acariciando os meus
cabelos. — Eu quero sentir seus doces lábios macios
enrolarem-se no meu pau, querida.
Ele não precisava pedir duas vezes.
Com o ponto entre minhas coxas fervendo de
necessidade, eu movi minha cabeça e o levei em minha
boca. Minha língua dançou em torno da sua ponta, tocando
o metal frio do apadravya e o gemido que ele soltou me
fez ter certeza de que ele realmente apreciava aquilo.
— Porra, você é incrível, doce Faith. Você sabe
disso, não é? Você sabe que tem a melhor boca e a melhor
boceta? Que eu fico louco quando me leva fundo?
Aquilo foi o suficiente para que eu deslizasse minha
boca sobre seu eixo mais profundamente. Minhas mãos
acariciavam suas bolas pesadas e minha língua revestia a
pele da cabeça do seu pênis, seu gosto levemente salgado
envolvendo-a.
Troquei de posição e arranhei as suas coxas com as
minhas unhas. Quando dei por mim, eu também estava
gemendo. Os sons doces que minha garganta produzia
fazendo com que sua mão apertasse ainda mais em torno
dos meus cabelos.
Foi então que eu percebi que ele estava perto. Perto
demais.
Não esperei ele gozar. Eu queria que, quando ele
fizesse isso, fosse dentro de mim.
Empurrando-o até que ele estivesse deitado de costas
sobre a cama, eu segurei o seu eixo e o ajeitei em minha
entrada. Bastou segundos para que eu estivesse totalmente
empalada nele. Preenchida por completo. Centímetro por
centímetro, sentindo seu órgão me esticando ao ponto de
eu sentir-me suficientemente cheia.
— Tão foda de apertada... — ele gemeu quando me
movi. — Quente e apertada.
Parando por um momento, eu deixei escapar um
suspiro. Meus olhos semicerrados absorveram sua
imagem. Ele era lindo. Tudo nele era lindo. Era isso que
acontecia quando se amava alguém? Aquela pessoa
passava a ser o centro do seu mundo e todos os defeitos
desapareciam? Não, eu não era boba e sabia que Derek
possuía muitos defeitos. A diferença é que eu aprendi a
amá-los também.
Segurando meus quadris, Derek os movimentou
lentamente, mas permitindo que eu ditasse meu próprio
ritmo. Apoiei minhas mãos em seu peito e me movi sobre
ele. Os nossos sons ecoando no quarto.
Inclinando-me, tive fácil acesso para que minha boca
fosse direto para a sua, sua língua adentrando o espaço
entre meus lábios e tomando minha respiração.
Suas mãos estavam em todos os lugares, acariciando,
apertando, amaciando. Deixando marcas sutis que
desapareceriam nos próximos dias, mas que eu adorava.
Ainda dentro de mim, Derek se recostou contra a
cabeceira. Naquela posição eu continuava montada nele,
mas era mais fácil para ele ter acesso aos meus seios. Ele
começou a beijar e acariciar ambos os mamilos. Senti o
orgasmo começando a se construir dentro de mim.
— Isso, amor. Monte em mim, sugue todo o meu pau
para dentro de você — ofegante, ele apoiou sua testa na
minha, ainda me incentivando a encontrar a minha
liberação. Seus olhos estavam fixos nos meus e eu
balancei contra ele, minha vagina moendo seu pau e eu já
era capaz de sentir as cócegas doces na base da minha
espinha.
E foi então que tudo aconteceu.
Eu percebi, em certo momento, que aquilo não era
apenas uma foda. Poderia ter começado como uma, mas se
transformou em algo sutil e doce quando Derek envolveu
o meu rosto com as mãos e me puxou para mais um beijo.
Meus movimentos ficaram mais lentos e ele desceu uma
mão por minhas costas suadas, colando seu peito no meu.
Eu sentia seu coração potente batendo fortemente contra o
meu peito, a pele quente se tensionando com o meu toque.
Sua boca estava mais suave; os movimentos da língua
mais lentos, e as mãos desciam e subiam pelo meu corpo
com uma leveza que me fez suspirar.
E então, ele voltou a beijar o meu pescoço. A língua
subiu e varreu a trilha de suor que eu sabia que descia
daquele ponto até a base da minha orelha. Ele mordeu o
lóbulo e eu gemi preguiçosamente, bêbada diante da
intensidade de tudo aquilo.
— Eu acho que te amo.
Eu demorei alguns segundos para recobrar minha
respiração e os meus movimentos quando ele sussurrou
aquilo contra o meu ouvido. Eu fiquei tensa, a garganta
seca e minha língua colava no céu da minha boca.
Eu não conseguia formular nada decente para dizer à
ele naquele momento. Ele pareceu se dar conta do meu
choque quando sorriu como se nada houvesse acontecido
e puxou o meu pescoço, batendo sua boca na minha.
Estrelas.
Eu jurava poder ver estrelas, arco-íris e anjos
cantando em torno da minha cabeça. Eu jurava que mesmo
sem uma única palavra, ele repetia uma e outra vez com
cada gesto que fazia:
Eu acho que te amo.
Eu acho que te amo.
Eu acho que te amo.
Pedaços de luzes voaram atrás dos meus olhos
quando eu gozei. Eu sentia o grito silencioso sair da minha
garganta, os suspiros sendo engolidos por seus lábios
ainda colados nos meus. A névoa na minha mente era o
indicativo de que eu realmente estava ali. Eu não estava
sonhando ou ficando louca. Bem, loucura, talvez fosse
algo a se considerar, uma vez que eu ouvi algo como “eu
te amo” saindo da boca de Derek.
Ele poderia já ter provado que não era nenhum tipo
de monstro insensível, e ele conseguia ser bastante doce
quando queria, mas aquilo não era possível, era? Ele me
amar?
Eu não tive tempo de raciocinar muito quando ele
separou sua boca da minha, apenas para me deitar na
cama, e voltou a investir entre as minhas pernas. A carne
robusta me preencheu ainda mais fundo, buscando seu
caminho por meio do meu núcleo molhado, e que Deus me
ajudasse, eu adorava aquilo. A forma como ele movia
seus quadris, como rugia quase que primitivamente, as
pontadas sutis quando seu pau atingia um ponto sensível
dentro de mim.
A pele de suas costas se esticava, o suor escorria e
eu cravei minhas unhas ali. Eu cravei os meus dentes em
seu lábio inferior, também, e forcei a língua na junção de
seus lábios, até que ele estava me devorando, me
comendo de tantas maneiras que o meu cérebro girava,
girava e nunca conseguia focar em outra coisa além dele.
Ele estava me consumindo, me sugando. Eu percebi,
naquele momento que ele também preenchia tudo que
havia dentro de mim. Literal e figurativamente.
Voltei a sentir a doce agonia de mais um orgasmo se
aproximando e me agarrei aos seus bíceps.
— Oh, Derek, eu estou tão perto — gemi. — Eu
preciso que vá mais rápido.
— Porra — ele grunhiu. — Eu quero que isso seja
suave... mas você não colabora.
— Não precisa ser suave — falei, cravando os
dentes em seu queixo e apertando seu pau com minhas
paredes internas. — Eu sou sua, Derek, apenas faça
comigo o que sente vontade.
Suas costas se curvaram quando ele se preparou para
arremeter mais fundo e mais rápido. Ele estava selvagem,
mas ele também estava sendo doce. Ele beijava
lentamente cada ponto do meu pescoço, ombros e rosto.
Meus olhos se fecharam, meu corpo amoleceu, e
dentro da minha mente a frase que ele havia dito minutos
antes ainda ecoava.
Ele havia mesmo dito que me amava? Eu senti a
emoção se construir dentro do meu peito, ao passo que
meu corpo ascendeu e, em questão de segundos, desceu
como pluma, tudo se desintegrando, partindo, zunindo. Ele
veio comigo. Foi intenso, foi incrível e — por mais brega
que aquilo soasse — foi mágico. Eu sabia que jamais
esqueceria aquela noite enquanto fosse capaz de manter
minha mente sã.
Derek ainda estava arfante quando deixou sua testa
cair sobre o meu peito. O silêncio liderou por alguns
instantes antes de ele voltar a erguer a cabeça e me olhar
nos olhos. Confesso que eu estava com medo de sua
reação depois do que ele havia dito. Poderia ter sido
apenas por conta da nuvem sexual pairando ao nosso
redor?
Insegurança era uma merda muito fodida com a qual
lidar.
— Você realmente quis dizer o que disse? — soltei
antes mesmo que pudesse segurar minhas dúvidas.
Seus lábios torceram-se de forma sutil e, a julgar
pelo seu olhar, ele sabia que mais cedo ou mais tarde eu
faria aquela pergunta.
— Alguma vez eu já menti pra você?
Me encolhi diante da insinuação de que eu duvidava
de sua palavra. Eu não queria que ele achasse que eu o
acusava de ser mentiroso, mas eu estava confusa. O
maldito havia me pegado de surpresa.
— Não — respondi com voz baixa.
Ele escovou meus cabelos com os dedos, afastando
algumas mechas da testa molhada.
— Bom, então não há motivos para que eu minta pra
você agora.
Então, sem mais uma palavra, ele se levantou e
desapareceu no banheiro. Ouvi o barulho da água correr e
mil pensamentos saltaram na minha cabeça. Eu estava
feliz e flutuante apenas por reconhecer que Derek havia
dito que me amava, mas e Samantha? Era possível ele
amar nós duas? Bom, ele havia dito que achava que me
amava. Aquilo não era uma declaração concreta. Não para
mim.
Quando voltou para o quarto, ele ainda estava nu.
Deitando atrás de mim, Derek me puxou contra seu corpo.
Os músculos se tensionaram quando eu me contorci,
livrando-me de seu aperto até que estivesse deitada de
frente para ele. Minha perna foi para cima da sua e, ao
perceber que minha intenção era apenas trocar de posição,
ele voltou a abraçar a minha cintura, aparentemente mais
aliviado.
— Você poderia me dizer aquilo de novo? — eu pedi
num fio de voz, mas controlando o tom. Eu já parecia uma
criança assustada e insegura, não queria aparentar
desesperada.
Ele percebeu o meu nervosismo e acariciou o meu
rosto, seu gesto doce me fazendo soltar um pequeno
gemido.
— Eu não sou muito bom com essas coisas, mas
estou tentando seriamente melhorar, ok?
Assenti fracamente, indicando que o compreendia.
Ele suspirou e então me puxou ainda mais para si,
plantando um beijo carinhoso na ponta do meu nariz.
— Eu te amo, Faith Bloom — disse ele. Pequenas
rugas no canto dos olhos me saudaram quando um lindo
sorriso genuíno brotou em seu rosto. — Eu te amo com
toda a minha alma podre e sombria.
Senti como se meu coração estivesse saindo pela
boca. Derek Rushell, o cara desalmado e fodedor de
vidas, estava se declarando pra mim.
Oh, meu Deus.
— Você é o cara mais lindo e fofo que eu já conheci!
— disparei, emocionada.
Ele revirou os olhos, mas parecia se divertir.
— Porra, não. Eu não sou assim — Derek ainda
sorria quando proferiu aquilo. — Mas acho que é isso o
que acontece quando os demônios amam, não é?
Não consegui conter as lágrimas. Ele me amava.
Porra, eu estava sufocando.
Voltando a me abraçar, Derek fechou os olhos. Ainda
imersa no silêncio e nas emoções, eu notei que não tinha
dito a ele que também o amava. Não era exatamente uma
regra, mas eu sentia o mesmo, e não havia motivos para
esconder aquilo, não é? Eu queria que ele soubesse o que
eu sentia. Eu queria desesperadamente que ele soubesse
que não importa o que acontecesse, eu sempre estaria ali
para ele, assim como eu sabia que ele estaria para mim.
— Derek?
Ele abriu os olhos e me encarou em silêncio.
— Eu... eu também te amo — derramei.
E então o sorriso estava lá novamente. A mão subiu
para escovar os meus cabelos, as pontas roçando a pele
do meu pescoço.
— Eu sei, babe — sussurrou. — Eu sempre soube
disso.
PARTE IV: ACERTO DE CONTAS

“A vingança agrada a todos os corações ofendidos; (...) uns


preferem-na cruel, outros generosa.”
— Pierre Marivaux.
30: Inferno no Paraíso

Derek
Minha mãe sempre me dizia que por trás de toda dor
e sofrimento, havia uma saída para a desopressão. Que
além de toda mágoa reprimida e palavras duras
derramadas, havia o conforto, como uma mão quente que
te acaricia no âmago e leva embora toda consternação.
Ela me dizia que havia um bom lugar depois da
passagem, e que era para lá onde as boas pessoas iam.
Esse lugar era bonito, dourado e limpo. Anjos cantavam
ao redor e apenas os privilegiados se encontravam com o
Pai.
Minha mãe era católica. Ela usava como uma forma
de conforto, diante de toda a merda que passávamos, suas
teorias sobre sua religião. Mas o que ela não tinha nem
sequer ciência era que eu, mesmo sendo apenas um
adolescente, já sabia que o paraíso não era o meu destino.
Meu caminho era muito mais duro, escuro e sinuoso do
que qualquer garoto da minha idade estava destinado e
preparado a enfrentar.
Mas eu estive.
Eu fui até o fim.
Eu engoli toda a desgraça e sofrimento que me
atingiram com punhos de ferro, e então, como se eu fosse
algum tipo de merecedor de merda que encontra um
bilhete premiado, ela apareceu. Ela fez coisas com o meu
psicológico e com meu corpo. Ela abraçou a minha alma e
escavou, de alguma maldita forma, um caminho longo até
meu coração. Quando dei por mim, toda a coisa estava
acontecendo.
Eu não conseguia manter minhas mãos longe dela, eu
não conseguia me desgarrar da ideia de sentir seu cheiro a
cada maldito minuto e eu sorria como um idiota caído.
Faith Bloom foi a minha destruição e reconstrução,
tudo de uma só vez. Eu encontrei a minha passagem para o
inferno e para o paraíso em uma única pessoa.
Naquele momento, eu já era capaz de acreditar estar
realmente apto a conhecer o paraíso. Não havia ouro,
anjos cantando, muito menos uma divindade onipresente
em torno da minha quebrada essência, mas havia
felicidade, carinho e paixão. Ela me amava, e eu já
percebera aquilo havia algum tempo. Eu só ainda não
entendia o porquê. Quer dizer, que mulher em seu juízo
perfeito se apaixona por um cara como eu? Eu era ferrado
de diversas maneiras e não tinha nada de bom para
oferecer a ela. Mas a garota encontrou algo de bom em
mim. Ela cavou fundo e, no pouco que encontrou, ela se
apegou.
Faith não era egoísta, nem gananciosa. Ela era
altruísta e se contentava com o pouco que eu dava.
Todavia, coisas estranhas estavam acontecendo comigo. E
a mais estranha delas era que a cada dia eu queria ser
mais. Apenas por ela. Apenas para ela. Tudo em minha
porra de vida a partir de então era somente em prol dela.
Eu não podia dizer que não estava arrependido de ter
sequestrado Faith, mas a coisa boa em tudo aquilo é que
se eu não tivesse feito, ela não teria entrado em minha
vida. Ela não teria lançado sua doce essência em cima de
mim, e o mais importante: ela não teria se apaixonado por
mim. Foram dias de uma paz que eu jamais havia sido
capaz de sentir. Confesso que, por um momento, Faith me
fez esquecer planos de vingança, minha ex-namorada
morta e toda essa teoria mais que concreta de que
estávamos na mira de um bandido e provavelmente da
polícia. Eu poderia até mesmo esquecer de Marcel por
Faith, se fosse em outras circunstâncias, mas ela também
podia ser cruel. E três meses pode ser tempo suficiente
para que a cadela te prove isso.
Eu tive três meses para conhecer Faith como se
estivéssemos juntos por uma vida.
Eu tive três meses para devotar e amar a garota que
um dia eu planejei matar.
E eu tive três meses para manter minha felicidade
livre, antes que toda a merda fosse lançada para cima de
mim, e um tufão passasse sobre o nosso castelo de vidro,
derrubando fragmento por fragmento.
Nada é perfeito, por que a minha vida seria?
Naquela noite, eu tive um sonho. Quando despertei,
uma mão pequena repousava em meu ombro, a pele fina e
branca de Faith contrastando com a minha escura. Um
olhar preocupado cobria seu lindo rosto.
— Derek, você está bem? — ela parecia assustada.
— Eu estou bem — assegurei, puxando-a pra mim.
— Apenas um sonho ruim.
— Você sonhou com ele outra vez?
“Ele” era o meu pai. Não foi a primeira vez que tive
aquele tipo de sonho desde que passei a dormir com Faith
— sonhos estes que mais se adequavam a surtos de
lembranças do meu passado — e ela sempre estava lá por
mim quando eu acordava. Eu contei a ela, em algum
momento, sobre os meus pais e sobre a vida que tive. Não
havia motivos para esconder aquilo dela, e se ela estava
realmente disposta a se juntar com um cara tão complexo
como eu, teria que fazer isso sabendo em que merda
estava se metendo.
— Sim — respondi. Para suavizar o momento, sorri
para ela, passando a acariciar o seu braço. — Mas não se
preocupe. Está tudo bem, eu juro.
Faith sorriu e beijou o canto da minha boca.
— Você sabe que pode contar comigo, caso precise
conversar, não é?
— Eu sei — ela ainda sorria quando repousou a
cabeça contra o meu peito. — Ei?
— O quê? — ela voltou a me encarar.
— Eu te amo.
Faith respirou mais pesadamente. Senti suas
bochechas corarem. O tecido de sua camisola roçou
contra meu peito, os seios inchados sob o pano fino
praticamente me convidando a tocá-los, mas eu ignorei.
— Eu também te amo — ela se inclinou e plantou
mais um beijo em meus lábios.
Naquela noite, depois de manter Faith em meus
braços, eu consegui dormir mais tranquilamente. Na
manhã seguinte, assim que levantamos e tomamos nosso
café, algo estranho ocorreu quando eu me prontifiquei a
verificar o meu celular, como sempre fazia. Percebi que
havia oito chamadas de Ryan, todas efetuadas durante a
madrugada. Eu não sabia como não tinha me dado conta
do meu celular tocando, mas depois do meu sonho, ambos
dormirmos feito pedra. Era compreensível.
— O que foi? — ela perguntou ao notar meu
semblante preocupado.
— Ryan — respondi. — Há várias ligações dele.
— Será que aconteceu algo?
— Eu não sei — falei. — Ele não costuma me ligar
tão cedo. É bem provável que alguma merda tenha
realmente acontecido.
— Bom, então ligue de volta. Talvez seja importante.
Assenti e deslizei o dedo sobre a tela do aparelho,
mas parei o que estava fazendo quando percebi que havia
uma mensagem no correio de voz. Decidi saber qual era a
mensagem primeiro e cliquei em ouvir:
— Derek — a voz de Ryan era ofegante e ansiosa. —
John Wallace está morto. Provavelmente foi Marcel
quem o fez. No entanto, eles descobriram sobre mim
também. Eu não sei como essa merda aconteceu, mas
estou caindo fora antes que tudo piore. É bem provável
que você não ouça falar de mim por um bom tempo. Eu
entrarei em contato, assim que possível. Espero que
entenda, Derek. Eles estão vindo atrás de mim. Aconteça
o que acontecer, quero que saiba que eu te amo, irmão.
E assim, a mensagem foi encerrada.
Faith me olhou assustada. Eu queria correr até ela e
confortá-la, mas eu precisava saber o que diabos estava
acontecendo com Ryan, então eu liguei para o seu número.
Para minha surpresa e alívio, ele atendeu no terceiro
toque. No entanto, apenas sua respiração branda soou do
outro lado da linha.
— Ry — eu chamei. — Onde você está? Que diabos
de conversa foi aquela?
Silêncio.
— Ryan, responda, porra. Você está me irritando.
Mais silêncio, então, uma risada.
Uma fodida risada que não era a do meu melhor
amigo.
— Olá, Rushell — a voz de Simon saiu lenta,
debochada e cheia de veneno. — Eu acho que te
encontrei.
Faith

Os músculos de Derek estavam tensos. Eu sentia a


apreensão crua sendo refletida em cada gesto que ele
fazia. Eu não sabia o que diabos Ryan havia lhe dito para
deixá-lo daquela forma, ou sequer se o próprio Ryan quem
havia atendido o telefone, mas seja lá o que estivesse
acontecendo, era algo extremamente preocupante.
Como se apenas aguardando o momento certo para
dar o ar da graça, a angústia mesclada à inquietude
também se alastrou em torno de mim, fazendo-me sentir
nitidamente cada parte do seu peso sobre a minha carne
tensa. Será que Marcel havia nos encontrado? Será que
Ryan estava bem? Ou pior, será que a polícia finalmente
havia rastreado a nossa localização? Eu não queria pensar
naquilo. Durante os quase três meses em que passamos em
Scout Lake, eu lutei arduamente para não ocupar minha
mente com todos aqueles problemas, mas a realidade uma
hora ou outra iria cobrar sua presença. Pelo jeito, ela
chegou bem mais rápido do que eu estava preparada.
— Derek, o que está havendo? — cortei o silêncio.
Caminhando para mais perto dele, toquei levemente o seu
braço.
Eu não obtive uma resposta verbal, no entanto. Ele
apenas praguejou algo em um rosnado indecifrável e, após
ouvir mais algo que seu interlocutor dizia, afastou o
celular da orelha.
Eu estava prestes a exigir uma segunda vez que ele
me esclarecesse sobre o que estava acontecendo, quando
o telefone tocou e uma videoconferência foi solicitada.
Derek não hesitou quando aceitou a chamada, e o
chão se dissolveu abaixo dos meus pés. Do outro lado da
câmera, eu via Simon. Seus cabelos loiros eram os
mesmos. O corpo elegante, de porte mediano e coluna
ereta. Ele poderia ser considerado um homem bonito, mas
aquilo não suavizava o fato de ele ter uma alma podre.
— Olá, Derek — a voz cínica do meu ex-namorado
ecoou no ambiente silencioso. Pelo que eu podia ver, ele
estava em um lugar escuro. As paredes ao fundo pareciam
sujas e com pinturas indecifráveis. — Quanto tempo,
não?
Derek cerrou o maxilar, mas não deixou transparecer
muito mais que isso.
— Onde ele está? — foi a primeira coisa que saiu de
seus lábios.
Simon riu.
— Ora, Derek, você passa tanto tempo sem me ver
e, quando finalmente isso acontece, não me dá nem ao
menos uma saudação adequada?
— Onde. Caralho. Ele. Está?! — Derek assobiou.
Simon ficou em silêncio por um momento. Ele estava
tão cínico, nojento e desafiador. Óbvio que ele não
deixaria transparecer qualquer resquício de insegurança
estando a quilômetros de distância. Ele era um maldito
covarde.
— Ele está aqui comigo, não se preocupe — Simon
respondeu tranquilamente. Ao girar a câmera, nos deu a
visão de um Ryan quase inconsciente recostado contra a
parede.
Seu rosto era praticamente irreconhecível, coberto
por grandes hematomas. O inchaço estava intenso. A única
prova de que ainda estava vivo, era pelo subir e descer
fraco de seu peito.
— Oh, meu Deus! — levei as mãos à boca, chocada.
— Ora, ora, como eu não pude perceber sua
presença antes, Faith? — debochou Simon, guiando seu
olhar em minha direção. — Divertindo-se muito em seu
novo esconderijo? Ou seria cativeiro?
— Vá para o inferno! — gritei, me abstendo de lhe
oferecer sequer mais uma única palavra. Eu me recusava a
responder-lhe qualquer tipo de pergunta e lhe dar o
gostinho de ter ciência sobre o quanto me perturbava. Mas
o ódio e a repulsa que sentia por ele, eu não era capaz de
esconder, no entanto. Eu o odiava. Odiava o suficiente
para desejar que ele morresse.
— Afiada como uma lâmina — Simon parecia tão
confiante quando gargalhou alto, provavelmente
divertindo-se de toda a situação. — Eu adoraria
continuar interagindo com você, querida, mas o assunto
que tenho para tratar é com o cretino que te levou
embora — ele voltou sua atenção para Derek. — Como
você se sente, sabendo que todos os seus planos estão
prestes a ir por água abaixo?
— Não tão ruim quanto você vai se sentir quando eu
enfiar uma pistola dentro da sua boca suja do caralho e a
disparar até que sua cabeça não faça mais parte do seu
corpo — Derek respondeu.
Eu notei o vislumbre de algo como receio e ódio
sombreando os olhos de Simon, antes que ele vestisse a
máscara de babaca cínico novamente.
— Você é engraçado, sabe, Rushell? Você sabia que
a sua cabeça está valendo mais de dez mil dólares? A
polícia está atrás de você, meu amigo, e a recompensa é
das grandes. John Wallace morreu, mas não sem antes
deixar algumas coisas mais fáceis pra Marcel. A maioria
dos seus crimes estão sendo descobertos. Mais cedo ou
mais tarde, você vai ser preso.
— Eu não me importo.
— Não mesmo? — Simon sibilou. — Você pode
fingir que realmente não se importa, mas não podemos
negar que as coisas ficariam feias, caso você fosse pego
pela polícia. Eu não quero que isso aconteça, no
entanto. Marcel quer ser o único a arrancar sua cabeça,
Derek. Nós estamos fazendo o possível para te encontrar
antes que a polícia o faça.
— Pare de conversa fiada, Simon, e diga-me o que
diabos você quer!
Um pequeno sorriso retorceu os lábios finos de
Simon. Sua expressão não ocultava o quanto ele aprovava
o fato de Derek finalmente ter chegado àquele ponto. O
olhar duro não escondia toda a excitação que ele
provavelmente estava sentindo naquele momento, também,
ao nos perturbar. Eu sabia que o meu irmão era o cabeça
naquilo tudo, mas Simon era o que fazia o serviço sujo. Eu
desconfiava de que ele fosse ainda pior que o meu irmão.
Vários segundos se passaram em um silêncio sepulcral,
até que a cabeça do loiro do outro lado da tela se
inclinou.
— Eu quero ela.
— O quê? — me exaltei. Eu sabia que ele se referia
à mim. Não havia dúvidas. Simon, de fato, era louco.
Derek riu sem humor.
— Além de covarde, você é idiota também? — ele
falou. — O que te faz achar que eu compactuaria com uma
porcaria dessas?
— Eu ter o seu amigo sob a mira de uma arma é
uma razão muito boa, não acha? — Derek não
respondeu. Simon continuou: — Bom, a escolha é sua. Se
você se recusa a colaborar, eu acho que talvez o seu
amigo possa me ajudar, não é?
E assim, Simon pegou Ryan pela nuca, mantendo sua
cabeça ereta, o rosto na direção da câmera.
— Onde ele está? — a pergunta era para Ryan, mas
seus olhos não saíam da câmera.
O outro apenas tossiu, cuspindo um pouco de sangue.
Eu desconfiava de que mesmo se ele quisesse contar, não
conseguiria. Ele parecia realmente mal.
— Diga-me onde o bastardo está! — um soco foi
desferido no rosto de Ryan e eu trinquei os dentes, furiosa
tanto com Simon quanto com o reconhecimento de que eu
estava impotente em relação àquilo.
— Pare com essa merda, seu covarde filho da puta
— Derek rosnou. — Ele não sabe de nada. Deixe-o ir
embora! É comigo que você tem que se acertar, então pare
de se esconder atrás de câmeras malditas e resolva isso
comigo.
A cabeça de Simon caiu para trás quando ele deu uma
risada zombeteira.
— Ora, não me faça rir — ele ficou sério. — Por
que será que eu não acredito em nada do que você diz?
Esse idiota sabe de coisas que são do meu interesse, e
será por meio dele que eu chegarei até você.
— Você não vai conseguir nada! Escute bem o que
estou te dizendo, imbecil. Ponha mais um dedo maldito
nele e eu acabo com você.
Simon soltou outra risada debochada.
— Você se preocupa tanto assim com o seu amigo?
— desafiou. — Então diga-me, Rushell. Diga-me onde
diabos você se meteu e nos dê a garota. Ele não
precisará pagar por isso.
— Não! — Ryan resfolegou. Sua voz era fraca. —
Não... não revele nada a ele.
— Uau, você está tentando proteger o seu amigo?
— Simon torceu o lábio. — Que doce de sua parte, mas
será que ele protegeria você também?
Ryan não respondeu. Simon voltou a olhar para a
câmera.
— Ele foi muito bem treinado. É uma pena que eu
tenha que tomar tais medidas, Derek. Sinceramente, não
era a minha intenção fazer isso, mas vocês não me
deram muitas opções. — Enquanto falava, ele puxava
algo de suas costas. Não consegui decifrar exatamente o
que era, até visualizar o brilho do metal da faca bem
polida sob o seu poder.
Oh, meu Deus!
— Para não dizer que sou um homem cruel e sem
coração, lhes darei mais uma chance — decretou. Seus
olhos ainda vidrados em nossa direção. — Onde diabos
vocês se meteram?
— Vá se foder — Derek sibilou de volta. — Eu já
falei para você deixar de ser covarde e procurar resolver
isso comigo, Simon. Vamos lá, eu viajo para Nova York
hoje mesmo, se for para matar você.
— Me matar? — ele debochou. — Eu acho que
você precisaria de muito mais do que uma ameaça para
conseguir me matar. Como eu disse na última vez em que
nos vimos, eu sou como um deus. — E então, logo em
seguida, ele levantou a faca. — Dê adeus ao seu amigo,
Derek.
— Não, porra, não! — Derek grasnou.
Simon não ouviu. Bile rastejou até minha garganta
quando ele repousou a borda afiada do objeto de metal
sobre a pele fina da garganta de Ryan.
— Simon, pare com isso! — eu gritei. — Pare com
isso, seu sádico miserável!
Ele riu, ignorando o meu lamento. Percebi que já era
tarde demais quando sua mão se moveu e ele começou a
passar lentamente a lâmina da faca sobre o pescoço de
Ryan.
Não consegui conter o horror diante da cena e deixei
que as lágrimas escorressem por meu rosto.
— Pare, seu covarde! Pare! — eu ouvi minha voz em
algum lugar, soando alta o suficiente para alertar quem
estivesse a uns bons metros de distância, mas não
importava o que eu dissesse, Simon não pararia. E ele, de
fato, não parou.
Deus, eu não podia acreditar que estava
vivenciando algo como aquilo. Eu queria vomitar.
Derek, por sua vez, parecia em outra dimensão. Seus
lábios cerrados não deixavam transparecer qualquer tipo
de emoção, mas eu o conhecia muito bem para me dar
conta do que estava se passando em seu interior. As mãos
firmemente grudadas ao celular, as veias do pescoço
saltadas e o suor descendo por sua testa. Eu via vários
tons de vermelho se alastrarem por seu rosto, o rubro
cobrindo também os seus olhos.
Ele assistiu tudo calado, atordoado e impotente. Nós
sabíamos que mesmo se revelássemos a Simon onde
estávamos, ele mataria Ryan de um jeito ou de outro. O
triste fim de Ryan fora traçado desde que o maldito do
meu ex pusera as mãos sobre ele. Simon era um doente
mental e o seu prazer era causar sofrimento. Ele não tinha
sentimentos, assim como não tinha palavra.
Sangue escorria pelo chão aparentemente sujo. Um
baque abafado fora ouvido no instante em que o corpo
mole de Ryan caiu para o lado. Simon soltou um longo
suspiro e passou os dedos sujos de sangue sobre os fios
loiros dos seus cabelos, alinhando-os para trás.
— Você vê? — sua voz era repleta de excitação,
como se ele tivesse acabado de participar de uma
maratona de algum jogo e vencido. — Já são duas vidas
importantes que eu tiro de você, Derek. E, em breve, eu
vou caçar você e irei matá-lo — sua cabeça se curvou —
na frente dela.
Aquela ameaça pareceu suscitar algum efeito em
Derek que, finalmente, acordou de seu torpor, encarando
Simon do outro lado com fúria.
— Eu. Vou. Matar. Você — pontuou o homem que eu
amava. — Eu vou torturar você, seu fodido. Não importa
onde você se esconda, Simon. Eu vou te encontrar.
Simon sorriu e puxou tranquilamente um lenço do
bolso do seu paletó. Em seguida, ele passou a lâmina com
o sangue de Ryan sobre o tecido imaculado.
— Venha, Derek — incitou. — Eu estou te
esperando.
E assim, ele cortou a chamada.
Derek ainda segurava o telefone celular quando,
segundos após o fim da chamada, eu me aproximei alguns
passos. Ele ficou estático por um tempo antes de perceber
que eu estava me derramando em lágrimas.
Eu aprendi a ser uma garota forte, mas ver Ryan ser
assassinado de forma tão doentia e brutal mexeu com o
meu psicológico. E eu sabia que Derek, mesmo não tendo
chorado como eu, estava seriamente abalado. Ele estava
calado e tenso. Eu sentia o ódio o consumindo.
Cortei a distância que nos separava e o abracei
apertado. Ele demorou alguns segundos para soltar o
celular e enrolar seus braços em volta de mim também.
— Por quê!? — eu solucei, ainda indignada com
tamanha crueldade e injustiça. — Me diga, Derek, por
quê!?
— Ele é doente — sua voz era rouca. — Simon
sobrevive da dor, se alimenta da fraqueza. Essa é a única
arma que ele tem, no entanto.
— Mas por que com o Ry? Ele era tão bom.
— Ele quer me atingir. Tudo o que ele fez até agora
foi para me atingir — disse ele. — Mas essa merda acaba
agora.
Me afastei e o encarei.
— O que você está querendo dizer com isso, Derek?
— Está na hora de voltar, Faith. Está na hora acabar
de uma vez por todas com tudo isso.
E com a vida do seu irmão. Ele não deixou aquilo
explícito, mas eu sabia muito bem o seu significado.
31: A Volta

Derek
Os olhos dela ainda estavam avermelhados e
inchados, devido ao choro de momentos atrás, quando
adentramos a caminhonete com tudo o que possuíamos de
mais essencial e abandonamos Scout Lake na madrugada.
Não era surpresa alguma o reconhecimento de que
Marcel ainda nos procurava, portanto, apesar de não
duvidar da lealdade de Ryan em nenhum momento, eu não
queria arriscar o fato de que talvez ele realmente tivesse
ciência sobre nossa atual localização.
Todavia, apesar da objetividade impressa na ideia de
que permanecer em Scout Lake enquanto Marcel estivesse
vivo era bastante arriscado, não fora somente aquele fato
que fez com que eu tomasse tal decisão. Eu estava bravo,
bem mais bravo do que já estivera por um bom tempo, e
grande parte daquilo se ocasionava ao me relembrar do
que havia acontecido com Ryan.
Apenas a ideia de pensar nele causava-me um ódio
mortal. Fazia com que a sede de sangue e vingança,
naturalmente, me consumissem. Eu não era o tipo de cara
que se apegava às pessoas, mas as poucas que
conseguiram encontrar seu caminho até o meu coração,
tinham realmente um grande significado. Ryan era uma
delas. Ele era o meu melhor amigo, praticamente irmão. E
Simon tirou a sua vida na minha frente. Tudo por conta de
sua vingança e gostos sádicos.
Mas aquilo acabaria. Eu mataria Simon, nem que eu
morresse depois, mas eu o mataria.
Chegamos em Nova York num sábado. Nos
hospedamos em um hotel barato e distante de onde Faith
costumava ficar. Era mais seguro que nos mantivéssemos
longe de seu círculo de amigos e possíveis homens de
Marcel à espreita. Aquilo geraria consequências que nós,
provavelmente, ainda não estávamos preparados para
enfrentar.
— Eu me sinto tão cansada — ela falou, atirando
suas malas aos pés da cama quando adentramos o quarto.
— É como se fossem anos desde que eu estive aqui pela
última vez.
Removi minha jaqueta e estirei os meus músculos.
Uma viagem de dois dias não era nada fácil,
principalmente com toda a tensão da situação empurrando
seu peso sobre nossos ombros.
— Eu também — respondi. — Muita coisa aconteceu
desde então. Isso é normal.
Faith balançou a cabeça e forçou um sorriso em
minha direção, que saiu cheio de tristeza. Ela também
estava apreensiva, eu percebia claramente, mas não era
para menos. As coisas entre nós estavam tensas, nosso
futuro estava incerto. Era como se houvesse uma bomba
atômica a um fio de explodir a qualquer momento, e nós
não tivéssemos nem sequer um meio de fazer com que
aquilo parasse.
— Você gostaria de tomar um banho comigo? — ela
perguntou, encolhendo os ombros.
— Claro — eu respondi. A ajudei a remover seu
casaco. Meus dedos descansaram sobre seus ombros e eu
massageei os seus músculos antes de puxar para fora de
seu corpo a blusa.
Ela se encaminhou para o banheiro e terminou de se
despir. Eu fiz o mesmo e adentrei o box, fechando a porta
de vidro logo em seguida.
A água extremamente quente caía sobre nós,
molhando aos poucos cada polegada dos nossos corpos. O
vapor subia, a névoa se dissipando e as gotículas de água
condensada embaçando o vidro.
Aquele momento, desde que fomos obrigados a
assistir a cena repugnante de Ryan sendo assassinado, era
o primeiro que tirávamos para realmente relaxar. E ela
parecia necessitar tanto quanto eu de um descanso
decente.
Eu a ajudei a se ensaboar. Em seguida, despejei um
pouco de shampoo em minha mão, massageando seus
cabelos. Ela retribuiu minha ação de semelhante forma e,
quando dei por mim, Faith estava chorando novamente.
Ela estava abalada e eu não a culpava por isso. Eu já
havia visto e feito coisas realmente piores do que Simon
fizera com Ryan, mas, de toda forma, ele era meu amigo.
Pensar no modo como tudo aconteceu doía de maneira
intensa.
— O que vamos fazer, Derek? — ela perguntou, suas
lágrimas sendo lavadas pela água do chuveiro.
— Eu vou matar Simon — eu respondi com
sinceridade. — Em seguida, matarei o seu irmão.
Ela levantou os olhos para me encarar.
— E... e eu? — sua expressão era tristonha.
— Você será livre para escolher o que quiser.
Ela engoliu em seco.
— E se eu quiser você?
Passei as mãos sobre seus braços e em seguida a
puxei para mim, colando seu peito nu contra o meu. Ela
era tão pequena, parecia tão indefesa em meus braços. Eu
amava aquilo nela. A forma como ela parecia minúscula,
mas por dentro tinha uma força e uma coragem que eu não
poderia expressar em medidas.
— Você terá a mim.
Ela sorriu fracamente, me abraçando ainda mais
apertado.
— Você promete?
Sorri de volta.
— Eu prometo.
Faith ficou na ponta dos pés e me beijou. Sua mão
escorreu sobre o meu peito e desceu para a minha cintura,
descansando lá.
— Eu não quero perder você, Derek — murmurou
contra meu peito. — Me prometa que vai ter cuidado. Me
prometa que você vai voltar pra mim depois que todo esse
inferno acabar.
— Eu prometo — beijei o topo de sua cabeça. —
Isso é tudo o que eu mais quero.
☆☆☆
Já era a quinta noite que passávamos em Nova York.
E já era a terceira vez que eu tinha aquele sonho. Mas em
vez de sonhar com meu pai ou com a morte da minha mãe,
eu sonhei com Ryan. Seu corpo ensanguentado, gritos de
agonia, a respiração entrecortada e depois o silêncio. Eu
sonhei com a risada sádica de Simon e os murmúrios
dolorosos de Faith. Então eu estava sonhando com uma
criança. Um bebê loiro, bonito e indefeso. Um fruto meu e
de Faith. Felicidade me inundou naquele momento, mas
durou por pouco tempo quando Simon arrancou meu filho
dos meus braços e ergueu a faca que usou para matar
Ryan, a um passo de feri-lo.
Despertei sentindo o suor escorrer por minha testa.
Estava frio naquela época do ano e aquilo me intrigou.
Faith dormia ao meu lado. Seu semblante, que costumava
ser tranquilo, sendo substituído pela expressão de
apreensão. Provavelmente ela também estava imersa em
um sonho ruim.
Fosse o que fosse, eu não queria perturbá-la.
Levantei da cama a passos lentos e fui até a janela do
quarto. Puxei parte da cortina para o lado e espreitei, da
minha posição, o lado de fora. A rua parecia tranquila, a
neve de dezembro começando a cair, cobrindo
parcialmente os telhados das casas.
O Natal nunca foi uma época do ano fácil para mim.
Eu era um cara solitário e pessoas solitárias não se
sentiam muito bem em uma época do ano onde todos se
juntavam aos seus familiares e amigos para celebrar um
momento especial. Pensar nisso me fez imaginar se Faith
também não sentia falta da vida que tinha antes de me
conhecer. Eu a privei de muitas coisas, principalmente a
tornei tão solitária quanto eu. E mesmo assim, ela
escolheu a mim.
Imerso em meus pensamentos, por pouco não capto o
momento em que uma figura escura se moveu detrás dos
galhos de uma árvore no estacionamento do outro lado da
rua. Aquele tipo de movimento em uma noite vazia e
gelada era, além de inconsequente, peculiar. Eu não era
idiota de dizer que ele, seja lá quem fosse, estava apenas
passando o tempo. Percebi que trajava preto, e o casaco
grosso não me permitia identificar muito bem seus traços.
Bem vestido o suficiente para não ser um morador de rua
e pequeno demais para ser um homem.
Então, como se um botão de alerta houvesse sido
acionado, todos os meus instintos de autopreservação
rugiram, ditando para que eu verificasse o quanto antes o
que estava acontecendo.
Se fosse algum capanga de Marcel, ele morreria. Em
seguida, eu tomaria o mais rápido possível as
providências adequadas para tirar Faith de seu caminho.
Eu iria matar os homens que ferraram com a minha vida,
mas eu não meteria Faith em mais confusão do que ela já
havia se metido.
Soltando o tecido da cortina, retornei para o quarto.
Corri as mãos por todo o assento na pequena poltrona e
puxei as calças e camisa que havia deixado ali mais cedo,
vestindo-as imediatamente. De baixo do travesseiro, eu
apanhei minha Glock. Apesar de já ter feito aquilo antes
de dormir, testei mais uma vez o cartucho, certificando-me
de que estava carregado. Pus a arma no cós da minha
calça e me inclinei sobre a cama, sacolejando o ombro de
Faith até que ela despertasse.
— O quê? O que está havendo? — ela murmurou,
atordoada e alarmada.
— Fique com isso — orientei, colocando a Beretta
que havia lhe dado de presente em sua mão. — Você já
sabe muito bem como usá-la, não é? Portanto fique atenta
e use apenas se necessário.
— Derek, o que está acontecendo? Aonde você vai?
— Tem alguém lá embaixo. Pode ser qualquer
pessoa, mas é bem provável que seja algum dos homens
do seu irmão nos vigiando. Se isso realmente está
acontecendo, é sinal de que ele está de olho em nossos
passos. Eu quero que você fique aqui e não abra a porta
para ninguém além de mim, ok?
— Ok — ela assentiu e, antes que eu me virasse,
chamou. — Derek? — olhei para ela. — Tenha cuidado.
— Não se preocupe, babe — sorri, tranquilizando-a.
— Eu não vou demorar.
E assim, peguei um casaco de moletom e o vesti.
Puxei o capuz até que cobrisse minha cabeça e desci de
elevador os quase dez andares até o piso térreo. Uma vez
do lado de fora do hotel, consegui perceber que a figura
ainda permanecia ali, porém escondia-se atrás de um
carro preto estacionado.
Pus-me a caminhar o mais lenta e silenciosamente
possível, percebendo que ele não se dava conta da minha
presença — e se desse, era um ótimo ator. Continuei
minha caminhada pelas finas árvores cobertas de neve. O
cascalho rangeu no momento em que estive a um passo de
lhe atacar. Percebendo que havia mais alguém por perto, a
figura tentou se virar, mas eu fui mais rápido quando
empurrei suas costas. Seu peito bateu contra o capô do
carro, roubando seu ar e equilíbrio.
— Não se mova! — sibilei, torcendo seus braços
para trás. Fui capaz de captar um doce ruído abafado
quando ela gemeu.
Porra, era uma mulher?!
— Por favor, não me machuque — ela implorou. —
Eu juro que não estou aqui para lhe fazer mal, eu só
quero...
— Mamãe, é você? — uma voz infantil se sobrepôs à
da mulher. Pude perceber que vinha de dentro do carro.
Havia uma criança metida nisso também? Que porra
era aquela?
Eu já estava começando a pensar na possibilidade de
ter cometido um terrível engano, quando ela voltou a falar
e, ao ouvir mais detalhadamente a sua voz, algo acendeu
dentro de mim:
— Está tudo bem, querido. Permaneça no carro, ok?
— uma pausa, e então um murmúrio de concordância
vindo da criança dentro do veículo. Um momento após,
ela voltou a se dirigir a mim: — Eu posso explicar. Sou
uma pessoa de bem, não estou aqui para fazer nenhum mal
a você. Por favor, me solte!
Meus ouvidos assimilaram o timbre de sua voz, a
forma como as palavras saíam de sua boca. Então, tudo
pareceu cair sobre a minha cabeça, comprimindo o meu
cérebro e deixando-me um tanto atordoado.
Eu dei um passo para trás imediatamente, como se
apenas o simples contato de nossas peles queimasse algo
profundo em mim. Eu começava a lutar para pôr minha
mente em ordem, mas então ela se virou e tudo voltou a
desmoronar. Olhos verdes, grandes e expressivos me
encaravam cheios de medo, confusão e... calor?
Não, porra, eu estava tão obcecado que era muito
provável que estivesse ficando louco. Certo?
— Não me machuque — ela voltou a implorar. — Eu
não tenho nem sequer como me defender, caso você
assuma que sou uma ameaça. Acredite em mim. Eu estou
aqui para ajudar.
Faith

Estava frio. O clima deixava as partes descobertas


do meu corpo adormecidas e geladas. Eu lamentei, por um
momento, o fato de não estarmos em um local melhor. Em
outras circunstâncias, nós poderíamos ao menos nos
hospedar em um hotel onde houvesse um aquecedor
decente — ou um que funcionasse.
Esfreguei minhas mãos uma na outra e mordi o meu
lábio, percebendo pela terceira vez que aquele ato estava
deixando a pele macia a ponto de sangrar. Mas não era
para menos. Eu estava muito nervosa e apreensiva.
Bastava o mínimo ruído do lado de fora para que eu
ficasse em alerta e todos os meus nervos se partissem em
frangalhos.
Eu senti vontade, pela vez das quais havia perdido as
contas, de espreitar pela janela para ver se conseguia
observar Derek, mas o medo de encontrar o pior me
impediu. Eu não conseguia me mover e eu tinha certeza
que a arma enfiada na parte traseira do cós de minha calça
de moletom estava começando a queimar.
Malditos nervos!
Cansada de ficar ali, impotente, decidi ignorar os
meus temores e caminhei ainda descalça até a janela.
Afastei a cortina do meu campo de visão, frustrando-me
de imediato ao reparar que não havia sequer um
movimento do lado de fora.
O que diabos havia acontecido com Derek?
Medo me assolou com força, e eu procurei não entrar
em pânico. Me virei abruptamente ao escutar o ruído da
porta.
A maçaneta girou, então a porta se escancarou.
Eu não sabia o que esperar no momento em que
Derek retornasse, mas definitivamente, encontrar a minha
cunhada com meu sobrinho nos braços não teria nem
sequer se passado pela minha cabeça.
Seus cabelos escuros estavam escondidos em uma
touca de lã, a roupa de frio grossa impedia-me de detalhar
muito bem quem era, mas os grandes olhos verdes não me
deixavam em dúvida. De fato, Rachel estava aqui
conosco, e ela trouxera Max.
— O que diabos está acontecendo? — eu exigi um
esclarecimento. — Rachel, o que você faz aqui?
Ela abriu e boca e fechou novamente. Então abriu
mais uma vez, foi quando Max, sem nem sequer aguardar
um pronunciamento de sua mãe, gritou eufórico:
— Tia Faith! — ele se contorceu até se libertar do
colo de sua mãe e, uma vez de pé no chão, correu em
minha direção.
— Max — eu me agachei e envolvi meus braços ao
seu redor, abraçando o seu pequeno corpo empacotado.
Me afastei e avaliei-o. — Você está bem? Está ferido?
Ele franziu o cenho.
— Por que eu estaria ferido? — ele era um menino
pequeno, mas era bastante esperto para sua idade.
Balancei a cabeça.
— Esqueça, querido — respondi. Em seguida, ergui
minha cabeça para encarar sua mãe. — O que está
havendo, Rachel? Alguém pode me explicar?
— Ela estava nos vigiando — Derek respondeu em
um tom severo. — Sabe-se lá quem a enviou até aqui.
— Ninguém me enviou a lugar algum — ela
protestou. — Eu fugi! Eu fugi de Marcel e trouxe Max
comigo. Ninguém, além de vocês, sabe onde eu estou.
Derek bufou.
— E você quer que nós acreditemos nisso?
Rachel parecia desesperada quando alternou seu
olhar nervosamente entre mim e Derek.
— Por favor, Faith — ela implorou. — Eu... eu não
sei muito bem até onde você sabe sobre o seu irmão, mas
Marcel não é um homem bom, e ele iria me matar mais
cedo ou mais tarde. Eu não suporto mais viver naquela
casa.
Suspirei, compreendendo o que ela queria dizer.
Talvez boa parte do motivo de eu ter ido embora de casa
fosse Marcel e sua obsessão por controle. Ele era
extremamente sufocante.
— Eu conheço a fama do meu irmão o suficiente para
acreditar em você, Rachel — falei. — Mas algo que eu
ainda não compreendi muito bem foi o fato de você ter
vindo nos procurar, assim, do nada.
Ela encolheu os ombros.
— Bem, não foi dessa forma. Eu não tinha mais a
quem recorrer, até mesmo a polícia não é de todo segura
em uma situação como essas. Vocês são a minha única
opção agora.
— Certo, mas isso ainda não prova que você está
falando a verdade — Derek continuou impassível.
Eu sabia que ele estava desconfiado e irritado com a
presença de Rachel, não era para menos, mas algo além
disso o perturbava. Eu só não conseguia identificar o quê
ainda.
— Vocês acham mesmo que eu arriscaria a segurança
e a vida do meu filho, apenas para armar uma emboscada
pra vocês? — ela replicou. — Marcel não sabe onde eu
estou, acreditem. Mas eu não tenho tanta certeza de que
isso continue assim por muito tempo. Pelo que o conheço,
ele deve estar furioso a essa altura. É por isso que eu digo
que preciso, o quanto antes, obter ajuda.
Derek bufou irritado novamente. Seu olhar caiu na
direção do meu sobrinho, que a essa altura já havia se
enroscado em meus braços e adormecido.
— Como você conseguiu nos localizar, então? —
Derek voltou a perguntar. — Você tem nos seguido há
quanto tempo?
— Eu... — ela começou a gaguejar, nervosa. — Eu
os encontrei por acaso. Eu tinha fugido de casa com Max
há alguns dias, ainda de madrugada. Acabei vendo vocês
em algum ponto da cidade, e então decidi segui-los. De
início imaginei que você e Faith ainda mantivessem uma
relação de sequestrador e prisioneira, mas eu percebi que
as coisas mudaram pela forma como vocês agiam um com
o outro, então assumi que independentemente dos seus
planos, você nos ajudaria.
Fazia sentido tudo o que ela dissera até agora. Rachel
era o tipo de mulher silenciosa e obediente, mas eu sabia
que ela tinha ciência de muita coisa relacionada ao meu
irmão. Eu só não sabia que ela teria a coragem de ir
contra ele, e ainda por cima tirar Max de dentro daquela
casa. O garoto era como um tesouro para Marcel.
— Então... já que reconheceu Derek, isso significa
que você já sabe de tudo? — perguntei. — Sobre quem é
Derek, sobre a minha situação e toda a confusão a respeito
de vingança?
Ela engoliu em seco e notei algo como nervosismo
em seus olhos claros.
— Sim, Faith, eu sei — respondeu. — Só... só não
me pergunte como eu descobri. Estou tão cansada de lidar
com tudo isso.
Me perguntei se ela tinha ciência de que “tudo
aquilo” havia apenas começado. Se ela já estava cansada
de lidar com os problemas a respeito de Marcel ainda
naquela fase de nossa transação, eu não sabia se Rachel
conseguiria manter-se firme até o fim.
— Certo — Derek se intrometeu. — Você disse que
nos viu nos locomovendo pela cidade já faz alguns dias.
Por que demorou tanto para nos procurar?
— Eu queria ter a certeza de que não estava me
metendo em um campo arriscado — ela se explicou. —
Eu os observei por algum tempo, mas foi de forma
totalmente inocente. Eu juro.
— E quanto tempo faz que você fugiu de casa? — eu
senti pena de Rachel por um momento. Ela parecia
bastante desconfortável diante do interrogatório de Derek,
mas eu não o julgava pelo ato. Eu também gostaria de
obter o máximo de respostas possíveis se aquilo nos
ajudasse a ter certeza de que ela realmente não estava ali
como uma possível ameaça.
— Alguns dias, eu já disse.
— Quantos? — ele insistiu severamente.
Ela suspirou, derrotada, e então respondeu:
— Faz uma semana.
— Uma semana? — arregalei os olhos. — Para onde
você foi depois que fugiu de casa, Rachel? — perguntei.
— Está muito frio lá fora para você ter ficado em seu
carro durante esse tempo todo.
Ela encolheu os ombros e baixou o olhar.
— Bom, o carro não é tão ruim quando não se tem
muitas medidas a tomar. O dinheiro que eu tenho não é
muito, e eu precisava economizar o máximo possível, para
utilizá-lo com eventuais necessidades extremas — um
suspiro pesaroso. — Eu sou uma mãe horrível, eu sei.
— Não, Rachel, não pense assim — acomodei Max
na cama e o cobri antes de caminhar na direção da minha
cunhada e lhe dar um abraço de conforto.
Os olhos de Derek não saíram de nossa direção em
nenhum momento.
— Já está amanhecendo — ele falou. — No nosso
quarto não dá para acomodar todo mundo. Sugiro que
você providencie há algum quarto vago aqui no hotel e se
instale nele, até que resolvamos a respeito do que fazer.
Rachel se afastou de mim. Só então ela pareceu
perceber a cama de casal no quarto modesto, onde seu
filho descansava. Ela cravou seu olhar por alguns
segundos sobre os lençóis emaranhados e depois varreu
por nossas figuras que minutos atrás viam-se seminuas.
Sua ficha pareceu finalmente cair.
— Oh... — murmurou. — Eu não imaginei que
vocês... hm... quero dizer, eu não quero atrapalhar nada.
Me desculpem.
— Não é questão de atrapalhar, Rachel. Mas acho
que você e o Max ficariam muito mais confortáveis em um
quarto somente pra vocês — eu disse.
— Claro — Derek concordou. — Afinal de contas,
isso aqui é um quarto de hotel. Não um trailer de
acampamento.
O seu tom de voz me chamou a atenção e eu voltei a
encará-lo. Minha cunhada encolheu os ombros e uma
espécie de clima estranho se estabeleceu entre os dois.
Finalmente Rachel pigarreou, assentindo.
— Claro, claro. Você tem toda razão — ela disse. —
Eu trouxe algumas coisas comigo. Gostaria apenas de ir
até o carro buscá-las, antes de fazer o check-in.
— Oh, bem, eu acho que Derek poderia ajudá-la a
buscar suas coisas, não é? — perguntei encarando Derek.
Ele ainda estava com a aura sisuda e, pelo seu tom de
voz quando respondeu, eu pude julgar que não havia
gostado muito da minha sugestão.
— Aguarde um momento — ele disse a Rachel. Em
seguida, me puxou até o banheiro do quarto.
— O que há? — perguntei.
— Você acha que deveríamos confiar nela? — ele
questionou.
— Sinceramente? Eu ainda não sei — respondi. —
Mas o meu sobrinho está com ela, Derek. Se tem alguém
nesse mundo que eu me preocupe mais, além de você, é
aquele menino. Eu acho que não seria tão ruim assim
darmos uma chance a ela se tomarmos os devidos
cuidados.
— Ok — ele concluiu e se inclinou, roçando seus
lábios nos meus. Um som de garganta raspando foi
ouvido, nos viramos para encarar Rachel que sorria
fracamente.
— Nós podemos ir agora?
— Claro — Derek respondeu, checando a sua arma e
apanhando as chaves. — Me siga.
32: Segredos Revelados

Derek

O barulho das solas de suas botas sobre o piso liso


ecoava pelo ambiente estreito enquanto fazíamos o nosso
caminho silenciosamente até o elevador. Uma vez dentro
do cubículo metalizado, apertei o botão para o piso térreo
e mantive-me o mais distante possível, porém atento.
A mulher recostou-se contra a parede e me dirigiu um
olhar nervoso, conforme seu sorriso vacilava algumas
vezes, o semblante perturbado. Ela era tão... familiar. Era
a única coisa que eu me permitia pensar naquele momento.
Eu tinha receio de ruminar de forma mais detalhada sobre
sua semelhança com o meu passado e obter respostas que
eu não me via preparado para encarar.
— Você deve estar me considerando um empecilho,
não é? — ela começou a falar, e por pouco eu não bufo de
irritação. Para ser sincero, eu preferiria que ela
mantivesse sua boca fechada. Não estava em um bom
momento, principalmente para bater papo com a mulher
do cara que eu pretendia matar.
— Tenho motivos para pensar dessa forma? —
rebati, a encarando de cima a baixo e avaliando cada
movimento seu. Ela era pequena e eu já havia lhe
revistado antes de levá-la para o quarto, mas eu ainda não
confiava nela.
— Sinceramente? Sim — respondeu. — Eu acho
natural, até. Você não me conhece e não sabe muito sobre
mim. O mais normal seria me considerar alguém que só
atrapalharia, ou até mesmo uma ameaça. Todavia, eu
garanto que você não precisa se preocupar. Eu sei muito
sobre Marcel e sobre seus negócios. Eu poderia ajudar
imensamente.
— Eu espero que você realmente colabore — eu
falei. — Caso contrário, não temos motivos para mantê-la
por perto.
Ela mordeu o interior da bochecha e depois sorriu,
balançando a cabeça como se já esperasse aquela
resposta de mim. Merda! Eu não conseguia parar de olhar
para ela. Não pelo fato de ela ser bonita, atraente ou
qualquer outra coisa do tipo, mas ela era tão... não! Eu me
recusava a ir por aquele caminho. Já estava ficando louco.
Era isso.
Nós finalmente chegamos até o piso térreo e saímos
do elevador, caminhando em passos rápidos até o local
onde seu carro estava estacionado. Nem uma palavra foi
proferida enquanto ela abria o porta-malas do SUV preto
e tirava de lá duas malas pequenas e provavelmente de
grife. Uma vez dentro do hotel novamente, caminhamos até
a recepção, que já funcionava. Ela fez o check-in sem
muitos problemas, encontrando, para sua sorte, um quarto
vago em meu andar.
Assim que adentramos o quarto muito semelhante ao
quarto em que eu e Faith estávamos hospedados, eu
coloquei ambas as malas no chão e a encarei.
— Obrigada — ela disse sem me olhar nos olhos.
Eu conseguia me dar conta do nervosismo que não
havia ido embora desde que a peguei no flagra algumas
horas atrás. Ela mexia as mãos e trocava de posição
constantemente, bastante irrequieta.
— Não precisa me agradecer — falei, ainda sério.
Eu estava procurando mais algum indício de que eu não
era um louco perturbado. — Como você conheceu
Marcel? E por que viveu todo esse tempo com ele, se não
se sente bem com isso?
Ela engoliu em seco e voltou a retorcer os dedos
finos com unhas bem tratadas.
— Eu... eu tinha um filho para cuidar e proteger.
Tudo o que fiz até agora foi por ele. — Permaneci em
silêncio. Eu não tinha nada de útil para dizer, porque,
obviamente, eu não era a melhor pessoa para compreender
os dilemas que mães e pais passavam diariamente pelas
suas crianças. — E quanto a você e Faith?
Voltei minha atenção para ela, calibrando minhas
emoções o máximo que podia para evitar que ela
obtivesse muito de mim. Eu não gostei da forma como ela
trouxe Faith para a nossa conversa. Era como se houvesse
algo além da simples curiosidade. Finalmente, encarando-
a fixamente, perguntei:
— O que tem isso?
— Você a ama? — ela parecia ansiosa pela resposta.
— Isso deveria lhe interessar?
Seus olhos se expandiram. Percebi o sutil movimento
de sua garganta delicada quando ela engoliu em seco.
— Bom, não, mas... eu só estou perguntando porque é
meio difícil imaginar um homem como você se
apaixonando por alguém.
Ótimo. Nós havíamos chegado ao ponto.
— Um homem como eu? — abordei. — Você me
conhece tão bem assim, para julgar até o que eu posso ou
não sentir?
— Por favor, não me leve a mal, foi só uma opinião
pessoal — defendeu-se, recuando alguns passos. — No
entanto, você tem toda razão. Eu não o conheço o
suficiente, me desculpe.
— Será que não conhece mesmo? — insisti. — Algo
me diz que você me conhece bem mais do que tenta
aparentar, Rachel.
Ela voltou a engolir em seco, os olhos arredondados
me encarando com melancolia e culpa. Foi então que a
realidade me bateu. Foi então que a nitidez de tudo aquilo
me açoitou como um chicote.
Samantha.
Eu não medi meus impulsos para o que veio a seguir.
Em um segundo, eu fitava a mulher que passei quatro anos
acreditando estar morta; no seguinte, eu sacava a minha
arma e apontava para a sua cabeça.
Assustada, ela recuou o quanto pôde, até ter suas
costas coladas contra a parede.
— Onde ele está? — sibilei. Calor espesso irradiava
por cada pedaço do meu corpo, o sentimento de ódio me
consumindo até que eu não era capaz de ver muito além do
corpo diminuto da vadia mentirosa à minha frente.
— Eu não estou entendendo — ela tremeu. — Por
favor, eu não sei do que você está falando.
— Marcel — lati. — Onde diabos ele está? Vocês
estão mancomunados?
— D-do que você está falando?
— Você sabe muito bem do que estou falando, Rachel
— senti meu lábio torcer em pura ironia. Como ela
conseguia ser tão cínica? — Ou seria mais apropriado te
chamar de Samantha?
Suas mãos, alisando o tecido de seu grosso casaco,
estavam trêmulas. Os grandes olhos verdes me encaravam
com choque, medo e vergonha. Era realmente ela. Não
havia como negar.
— Derek, eu posso explicar...
— Explicar? — cortei. — Por que diabos você não
tentou se explicar lá embaixo, quando eu te peguei nos
vigiando como um maldito perseguidor? — ela não
respondeu, então eu continuei: — Por quanto mais tempo
você iria fingir, Samantha? Por quanto tempo mais você
iria agir como se nada houvesse acontecido? Porra, eu
pensei que pudesse estar enganado, que fosse apenas uma
confusão devido à pressão constante na minha mente, mas
é realmente você. Você apenas mudou um pouco os
cabelos, a cor dos olhos, agora usa roupas e joias caras,
mas era você o tempo todo! Sempre foi!
A visão que eu tinha do seu rosto era como uma
réplica de cera da mulher que um dia eu amei. Ela estava
branca como papel, e seus olhos claros começavam a
marejar. Ela entreabriu os lábios após um suspiro fraco, e
então pronunciou a única frase que eu achei que ela não
tivesse a cara de pau para me dizer:
— Eu sinto muito.
Soltei um ruído que mais se assemelhava a um gesto
de deboche e incredulidade. Eu passei malditos quatro
anos acreditando que ela estava morta. Eu sequestrei e
quase matei uma garota inocente apenas para vingar a sua
suposta morte. Agora ela aparecia como a esposa troféu
do filho da puta que quase tira a minha vida, fingindo ser
uma outra pessoa, e a única coisa que tinha para me dizer
era “Eu sinto muito”?
— Você não está falando sério, está? — ironizei,
puxando o cano da arma de sua testa e tomando mais
espaço no quarto. — Isso é tudo, Samantha, Rachel, ou sei
lá quem diabos você é?
— Sou eu, Derek! — ela correu em minha direção,
mas eu dei um passo para trás, evitando seu toque. Ela
parou imediatamente e encolheu os ombros. — Esse nome
foi apenas uma identidade que Marcel me forçou a usar
para não levantar pistas sobre quem eu era, mas sempre
fui eu! Por favor, acredite em mim, eu nunca deixei de
pensar em você nem um minuto sequer. Eu queria que
fosse diferente, eu queria que...
— Chega! — ralhei. — Pare de tentar me convencer
de que você é apenas uma vítima, porque você está tão
errada quanto ele! Ele te bateu, e ele te humilhou. Por
Deus, Samantha, ele deu ordens para que te
assassinassem, e você ainda tem coragem de receber uma
aliança daquele filho da puta?! Eu nunca imaginei que
você fosse ir tão baixo.
Ela balançou a cabeça freneticamente diante de
minha acusação. Eu podia ver a dor refletida em seus
olhos, mas eu estava com tanto ódio naquele momento que
não pensei em mais nada além de lhe ferir da maneira que
podia e despejar tudo o que estava entalado na minha
garganta.
— Você também mudou, não é?! — devolveu. — O
meu Derek não agiria assim comigo. Ele não me trataria
da forma como você está me tratando agora.
— Talvez eu não seja o mesmo cara que foi idiota o
suficiente para se apaixonar por você, mas eu não mudei.
Se o fiz, talvez tenha sido para melhor. Graças à Faith —
falei. — E acostume-se com isso. É exatamente dessa
forma que eu trato quem se alia aos meus inimigos.
Seus lábios tremeram. Ela tomou uma profunda
inspiração, passando as mãos sobre os cabelos compridos
e escuros.
— Você não sabe o que está dizendo, Derek. Eu
realmente errei, mas eu vejo que estive ainda mais errada
por acreditar todo esse tempo que você me salvaria.
Alimentando uma fantasia boba de que o meu cavaleiro
negro apareceria para me salvar. O cara para o qual eu
dei tudo de mim no passado. Mas eu fui uma idiota, não é?
Por ter pensado que...
— Por ter pensado o quê? — cuspi. — Que eu iria
voltar pra você feito um animal de estimação depois que
descobrisse que você estava viva? Que eu iria cair
novamente em sua armadilha fodida e embarcar na doce
ilusão de que nós fomos feitos um para o outro? Era isso o
que você me fez acreditar, não foi, Samantha? Na época
em que você apenas me usou pra ser livrar de Marcel? Ou
você o fez apenas para me fazer de idiota?
Ela balançou a cabeça com raiva.
— Me desculpe se eu tinha um filho para proteger!
— explodiu. — Você não sabe de nada, então não tente
jogar toda a culpa para cima de mim, porque se eu fiz o
que fiz foi para não morrer junto com o meu bebê!
Bom, certo, aquilo significava que o garoto já existia
na época? Eu tive vontade de perguntar a sua idade, mas
eu estava nervoso o suficiente para estender mais aquilo.
Portanto, fui direto ao ponto.
— O garoto — eu disse. — Ele é meu?
Ela voltou a fazer aquela coisa de torcer os dedos
nervosamente, e então ergueu o queixo, tentando
transparecer uma autoconfiança que eu sabia que ela não
tinha. Outra mudança que eu havia percebido em
Samantha. A mulher que eu conheci, anos atrás, não era
tão fraca como ela. Rachel era, definitivamente, uma outra
pessoa.
— Faria alguma diferença se ele fosse?
— Eu não estou com tempo para joguinhos, Samantha
— ignorei sua tentativa de fugir do assunto. — Apenas me
responda.
Novamente, as lágrimas retornaram aos seus olhos.
Ela baixou a cabeça em seguida, como se estivesse com
medo da minha reação ao finalmente me confessar aquilo.
Os segundos no relógio pareciam ainda mais lentos,
totalmente desiguais com as batidas do meu coração
desestabilizado. Eu não sabia o que esperar, e eu não
sabia se realmente gostaria que sua resposta fosse sim. Se
aquele menino fosse meu, toda aquela história teria que
tomar um rumo diferente. E eu, definitivamente, não estava
preparado para aquilo também.
— Você acha mesmo que Marcel me deixaria viva,
caso descobrisse que eu estava grávida de você? — ela
finalmente disse. — Naquela noite, logo após Simon ter
supostamente tirado a minha vida, a primeira coisa que
Marcel exigiu foi o meu corpo. Você não tinha familiares
próximos, muito menos amigos conhecidos, então para ele
tanto fazia descartar seu corpo em uma ruela ou não. Já no
meu caso, ele queria dar um fim no meu corpo sem deixar
rastros. Contudo, as coisas não saíram da forma que ele
planejou e, assim que me viu, Marcel percebeu que eu não
havia morrido. Ele estava disposto a terminar o serviço
falho de Simon, mas eu tinha uma carta na manga e não
hesitei em usá-la.
— A criança — presumi.
— Exatamente — ela confirmou. — Eu já sabia que
estava grávida, só não tinha contado a você ainda porque
eu sabia o seu posicionamento em relação a um filho. Eu
não queria que você me odiasse, caso eu estivesse
carregando um bebê de outro homem. Eu mantinha
relações com ambos, e eu sabia que a probabilidade desse
bebê ser de Marcel era muito maior, uma vez que nós
sempre nos prevenimos, e o mesmo não acontecia em
relação a ele.
“Eu queria ficar viva e salvar a vida do meu filho,
Derek. Você pode não entender isso agora, mas eu queria
apenas sobreviver. Então, momentos antes de Marcel
finalmente finalizar o serviço, eu contei a ele. Eu contei
que o bebê era dele, e eu lhe garanti que tinha certeza
daquilo, mesmo não sendo verdade. Talvez por um golpe
de sorte, aquilo poupou a minha vida e a do meu filho. Ele
me deixou viver, mas com a condição que o bebê que
estava sendo gerado em meu ventre, fosse realmente seu.”
Uma lágrima deslizou até sua bochecha. Ela limpou
com a mão trêmula.
— Você sabe o quão desesperador é para uma mãe
carregar um filho durante nove meses, apenas para quando
ele nascer, correr o risco de ser morto? Você sabe o
quanto é sufocante deitar numa cama ao lado de um
monstro e não conseguir dormir por medo de que a
qualquer momento ele tente lhe assassinar? Não, Derek,
você não sabe!
Eu não disse nada, ela continuou:
— Assim que Max nasceu, um exame de DNA foi a
primeira coisa que Marcel exigiu. Eu senti como se
estivesse levando meu filho recém-nascido para a forca.
Eu queria fugir, eu queria livrá-lo de todo aquele
tormento. Eu queria me livrar daquilo, Derek, mas ao
mesmo tempo em que eu ansiava fugir de tudo aquilo, eu
sabia que não havia saída. Eu sabia que mesmo se Max
fosse filho de Marcel, ele sofreria. Porque ele não teria
liberdade, assim como eu não tinha — ela sufocou um
suspiro. — E foi o que aconteceu. Foi comprovado, no
exame médico, que Max era realmente filho do homem
que eu mais odiava. Eu consegui salvar a vida do meu
filho, mas eu sabia que não conseguiria salvar a sua
felicidade.
O silêncio predominou por segundos que mais
pareciam horas. Eu não sabia ao certo onde sua mente
estava indo, mas a minha passeava entre a compreensão,
mágoa e fúria. Por mais justificável que tenha sido sua
atitude de se juntar a Marcel, aquilo não me impedia de
imaginar o quão covarde ela foi. Ela tinha um filho
pequeno e sabia que o destino do menino era se tornar
como Marcel, enquanto o seu seria a morte, mas, mesmo
assim, ela preferiu permanecer com ele. Foram quatro
anos, afinal, sem nem ao menos solicitar ajuda.
— Eu compreendo, em parte, sobre o que você me
confessou, mas isso não te absolve de ter sido covarde e
mentirosa — falei. — Eu poderia ter ajudado você. Eu
poderia ter criado essa criança, Samantha. Você sabe.
Ela fechou os olhos, pressionando os lábios juntos,
provavelmente reunindo força suficiente para voltar a me
encarar. Percebi seu semblante cansado e me dei conta de
que não era somente ela. Eu também estava totalmente
esgotado com aquela conversa.
— Derek, é complicado — murmurou. — Eu... eu
gostava de você, mas Marcel era tão... possessivo e
amedrontador. Eu não podia simplesmente dizer não a ele.
Eu não podia ir contra ele, pois as consequências seriam
muito piores. Eu sei que você não vai entender, mas eu
juro que foi você que eu sempre amei, Derek.
Bufei ironicamente.
— Me amou, mas, mesmo assim, você não foi valente
o suficiente para lutar por mim desde o começo — acusei.
— Se você tivesse dado um basta nisso tudo desde o
começo, as coisas poderiam ter sido diferentes, Samantha.
Você preferiu continuar jogando com nós dois, e então,
quando a bomba estava prestes a explodir, você armou um
plano para tirar dinheiro dele e fugir. De quebra você
ainda ficaria com o idiota para te proteger. Era sobre isso
o tempo todo, não é? Sobre dinheiro e toda a merda
valiosa que você poderia arrancar dele? O dinheiro te
levou até ele. Sua maldita ganância por dinheiro nos
trouxe até aqui!
— Derek, por favor, pare! — ela implorou. — É
muito doloroso ouvir essas coisas de você.
— Dói porque é a verdade! Você sabe que eu tenho
razão, Samantha. Apenas um idiota não enxergaria isso,
mas bom, isso é irônico pra caralho, porque eu não
enxerguei!
— Me desculpe — ela voltou a pedir. — Eu juro que
se pudesse fazer diferente agora, eu...
— Cale a boca — rosnei. — Eu não tenho interesse
em saber mais nada sobre você e sobre as circunstâncias
que te trouxeram até aqui, Samantha. Você destruiu a
minha vida. Você me fez destruir a vida de Faith, porra!
— Pare! — ela repetiu. — Eu já tenho sentimento de
culpa o suficiente pra você fazer isso comigo!
— Oh, com certeza, você deve estar se sentindo
muito mal — eu ri sem humor. — Afinal de contas, deve
ser realmente difícil viver em uma mansão no Upper East
Side, bancando a esposa do milionário, o qual você fez de
tudo para manter, não é?
— Seu idiota! — ela veio para cima de mim e me
empurrou com fúria. Quando se afastou, levou as mãos
aos cabelos e puxou em sinal de desespero. — Você quer
mesmo saber? Ok, seu babaca! Eu queria, sim, o dinheiro
do Marcel. Eu cresci passando fome. Eu presenciei todos
os dias a minha mãe trabalhar feito uma escrava para
conseguir uma miséria e colocar comida na mesa. Eu não
vejo mal algum em querer subir na vida quando se acha a
oportunidade. Então eu confesso, Derek, eu quis o
dinheiro de Marcel o tempo todo! E você quer saber
mais? Eu também usei você! Eu usei o meu marido, eu
usei quem podia ao meu favor. Usei até mesmo o seu
amigo, porra!
No momento em que aquelas palavras saíram de sua
boca, ela recuou, provavelmente em choque diante da
confissão que deslizou para fora em seu momento de fúria.
Seus ombros tremeram, o ato sendo seguido pela chuva de
lágrimas que escorreram por seu rosto com cada soluço
que ela dava. Seu olhar elevou-se até que ela estava me
encarando ainda em silêncio.
— O que você disse? — minha voz saiu baixa. Senti
como se estivesse em outra dimensão.
Não, ela não havia dito aquilo. Havia?
— Eu não disse nada.
— Você disse! — acusei. — Você disse que usou o
meu amigo. Que porra é essa? De quem você está
falando?
Ela respirou fundo. Permaneceu em silêncio durante
um parco período antes de reunir coragem suficiente e
finalmente confessar:
— Ryan — falou. — Ele morreu por minha causa,
Derek. Foi tudo minha culpa.
Como se houvesse levado um baque. Era dessa forma
que eu me sentia. Algo comprimiu o meu peito, a falta de
ar me consumindo, assim como o ódio que eu voltei a
sentir. As marcas que adquiri na alma ao ter visto o meu
amigo morrer tão brutalmente sem poder fazer nada para
impedir ainda estavam frescas, e ter Samantha — a mulher
que mentiu e se escondeu durante todo esse tempo —
falando sobre ele daquela maneira, me deixou a ponto de
apertar o seu pescoço e apenas soltar quando finalmente
houvesse empurrado a vida fora dela.
— Você está tentando fazer um jogo comigo? —
voltei a mirar o cano da arma em sua direção. — Como
você descobriu sobre Ryan? Você realmente está nessa
com Marcel, não é? Cadê aquele filho da puta?
— Marcel não sabe onde eu estou, Derek — ela
negou, balançando a cabeça com veemência. — Eu juro.
— Mas você sempre soube onde eu estava, não é?
Você sempre soube sobre mim e Faith? Sobre Ryan
também? Que porra é essa, Samantha? Foi você quem
entregou Ryan para Marcel? Eu juro por Deus que enfio
uma bala no meio da sua cabeça, se você fez uma merda
como essas, porra.
Ela voltou a sacudir a cabeça, desespero permeado
em seus olhos.
— Eu não fiz! — alegou. — Quero dizer, não
diretamente. Eu gostava de Ryan, Derek. Eu juro!
— Claro — ironizei. — Da mesma forma que você
alega ter gostado de mim, não é? Você é uma grande
cadela mentirosa, porra. Isso é o que você é!
— Derek, por favor, acredite em mim! Eu não fiz
para magoá-lo. Nada do que eu fiz até agora foi para
magoar vocês. Eu juro.
Pausei, passando a mão por meus cabelos e
respirando fundo. Voltei a abaixar a arma.
— Certo. Supondo que você esteja sendo sincera
agora, como foi que nos encontrou? — dei-lhe mais uma
chance. — Mas eu exijo a versão real, Samantha. Não me
venha com respostas dissimuladas, porque eu estou por
um fio agora. É melhor você me contar a fodida verdade.
Ela assentiu, respirando fundo.
— Foi há algumas semanas — começou. — Quando
eu descobri que você estava vivo e Marcel estava em
busca de informações sobre seu paradeiro. Ele havia
descoberto algumas informações valiosas, e não era para
eu ter descoberto também, uma vez que eu não tinha
acesso ao seu escritório, mas eu já havia começado a
fazer um plano de fuga. Sempre que ele não estava em
casa, eu dava um jeito de invadir seu escritório para obter
o máximo de informações que pudessem me beneficiar —
ela lambeu os lábios e prosseguiu: — Eu encontrei muitas
coisas lá, dentre eles transações criminosas entre Marcel
e a polícia, mas nada daquilo me era de muito valor. O
que realmente importou para mim foram os dados de um
certo cara... a única pessoa que tinha ligação direta com
você.
— Ryan — presumi.
Ela afirmou com a cabeça e prosseguiu:
— Bem, como você provavelmente já sabe, eu era
uma prisioneira naquela casa. Há anos que eu não saía de
casa nem sequer para ir ao shopping ou qualquer coisa
semelhante a isso e, mesmo possuindo o endereço e boa
parte dos dados de Ryan em mãos, eu estava praticamente
incapacitada de chegar até ele. Foi então que eu tive uma
ideia: eu não possuía muito dinheiro disponível, mas eu
tinha joias muito valiosas, então eu comecei a subornar
um dos seguranças de Marcel para que ele me deixasse
sair de casa sem que o meu marido soubesse. Na primeira
tentativa de encontrar Ryan, eu fui falha, mas dias depois,
assim que encontrei oportunidade, eu fiz novamente e
consegui encontrá-lo. Ryan era um cara engraçado e me
deixava facilmente confortável. Foi impossível não criar
um laço com ele a partir dali.
— Isso não faz sentido — falei. — Ryan jamais se
envolveria com a mulher do meu inimigo. Por mais
inocente que ele tenha sido, e por mais persuasiva que
você possa ser, ele jamais me trairia dessa forma. Nós
éramos fieis um ao outro.
— Você tem razão — disse ela. — Mas ele não sabia
quem eu era, Derek. Para Ryan, eu era apenas uma mulher
solitária com a qual ele podia dividir algumas horas de
tédio. Você pode me odiar ainda mais depois que eu lhe
confessar isso, mas a minha pretensão desde o começo foi
usar Ryan ao meu favor. Eu queria chegar até você, e essa
era, aparentemente, a única forma de fazê-lo. Mas depois
eu fui conhecendo ele melhor, percebi que não valia a
pena usá-lo daquela maneira. Eu...
— Você o quê?
Ela suspirou.
— Eu passei a sentir coisas por ele. Ele era tão
engraçado e sabia me tratar como uma princesa. Ele era
tão diferente de Marcel e tão parecido com você em
alguns aspectos.
— Que merda! — praguejei. — Tudo isso, todo esse
jogo, foi simples e unicamente para chegar até mim? Por
que você não fugiu de uma vez por todas, em vez de se dar
ao trabalho de se arriscar a tanto?
— Você acha que é tão fácil assim? Por que diabos
você acha que eu estou aqui agora implorando por seu
auxílio, Derek? Por que você acha que eu articulei um
plano para ganhar a confiança do seu melhor amigo e
arrancar informações dele, se as coisas fossem assim tão
fáceis?
— Talvez você tenha razão — eu disse, chocando a
ambos. — Mas isso não me deixa menos decepcionado,
nem me deixa com menos raiva de você. Ryan não
merecia isso, Samantha.
— Eu sei — murmurou. — E eu realmente sinto
muito — ela fez uma pausa e se aproximou, soltando uma
inspiração pesada. — Eu não sei se saber disso faz
alguma diferença pra você, mas uma semana antes de Ryan
ser assassinado, eu havia terminado tudo com ele. Na
verdade, eu apenas cortei laços, afinal o que a gente tinha
talvez não pudesse realmente ser considerado algo.
Graças às minhas investigações com Ryan, eu já tinha a
sua localização e, antes que você pense que minhas
intenções foram totalmente egoístas, eu não me afastei
somente porque já havia conseguido o que queria. Eu me
afastei porque percebi que aquilo que eu estava fazendo
para Ryan talvez não fosse bom, tanto para mim, quanto
para ele. Eu tinha ciência disto, Derek, então eu não
pensei duas vezes quando juntei o pouco dos bens que eu
possuía e abandonei a casa de Marcel ainda de
madrugada. Foi difícil para mim, mas não foi impossível.
Eu não tinha passagens comigo, muito menos queria correr
o risco de ser pega no aeroporto quando o meu marido
descobrisse o meu paradeiro, então eu apanhei um dos
carros na garagem e fugi com Max direto para a
Califórnia.
“Eu estava disposta a ir até você e pedir a sua ajuda.
Nós poderíamos retomar de onde paramos, ou sermos
amigos, caso as circunstâncias não lhe permitisse ser meu
outra vez, mas então eu vi Faith. Vi a forma como você a
tratava, como se davam tão bem, e algo retorceu dentro de
mim. Eu percebi que havia perdido, talvez, boa parte do
que construímos. Você já estava vivendo aquilo com ela.”
Eu não gostei de vê-la falando daquela forma sobre o
que eu tinha com Faith. O que eu tinha com Faith era —
foda-se — sagrado, e ela não podia dizer aquelas coisas
como se minha mulher fosse apenas uma substituta.
— Você acabou de me dizer que usou o meu melhor
amigo da forma mais cruel, e ainda confessa que tinha
esperanças de que ficássemos juntos quando eu finalmente
te visse? — bufei com ironia. — Inacreditável.
— Eu não vejo problema algum em ainda pensar em
você dessa forma, Derek. Eu amei você e eu gostava de
Ryan também. Apesar de ter feito o que eu fiz, eu não tinha
a intenção de machucá-lo, nem comprometer o seu lado.
Eu sabia que ele tinha sentimentos por mim, e eu jamais
machucaria alguém tão puro.
— Você só pode estar mentindo — acusei. — Eu
ainda não consigo acreditar em você. Ryan teria me
contado. Ele teria me falado, caso tivesse alguém. Nós
não escondíamos nada um do outro.
— Bom, é aí que você se engana — ela refutou. —
Há muita coisa sobre Ryan que você nunca soube, Derek.
Ele era, aparentemente, alguém feliz que não se importava
com muito, mas ele era um cara solitário. Bastaria uma
mulher bonita e que o tratasse bem para que ele finalmente
sucumbisse. E foi o que aconteceu. Eu dei isso a ele. Eu
dei a ele o que ele precisava, e você não foi capaz de
enxergar por ser egoísta e não reconhecer que Ryan queria
ter uma vida normal, com uma mulher normal. Uma vida
onde você e toda a sua merda doentia não existissem —
ela limpou uma lágrima que escorreu por seu rosto e
voltou a me encarar. — Eu vi e ouvi o suficiente para
saber que você se tornou um cara amargo, Derek. Não
pense que estou reclamando do fato, pois eu tive uma
parcela de culpa em tudo isso, mas Ryan era seu amigo.
Seu único amigo. E mesmo assim você nunca parou para
questionar se ele realmente estava indo bem com isso.
Mesmo ele amando você, como eu sabia que o fazia, ele
não tocou em nenhum momento no seu nome. Porque ele
queria apenas viver como um cara normal.
Certo, aquilo doeu. Reconhecer que Ryan privou-se
de muitas coisas ao longo dos anos, apenas por minha
causa, doeu como o inferno. Eu sabia, desde o começo,
que ele não era o tipo de cara que embarcava em coisas
do tipo que eu havia lhe metido. E eu tentei, eu juro que
tentei ao máximo, não envolvê-lo muito naquilo. Mas de
uma forma ou de outra, a merda acabara respingando para
o seu lado. Sempre acontecia, e eu já deveria ter me dado
conta do fato desde o começo.
— Eu não queria que tivesse sido assim também —
falei. — Eu não me sinto bem ao reconhecer isso, mas
mesmo tendo sido egoísta, como você disse, eu também o
amava. E eu estive para ele sempre que ele precisou.
— Bom, você realmente o fez — reconheceu. — Mas
fui eu quem esteve com ele enquanto você brincava de
casinha com a Faith. Nós criamos um laço, Derek, e eu
não me arrependo. A única coisa de que me arrependo foi
de não ter podido impedir que Marcel o encontrasse. Eu
não sei como ele descobriu, talvez o segurança tenha me
dedurado, mas ele descobriu onde eu costumava me
encontrar do Ryan. Ele provavelmente achou o momento
certo para se vingar, tanto de mim quanto de você.
Fazia sentido. Marcel não era do tipo de cara que
deixaria uma traição desse nível passar batido. Encontrar
Ryan foi como ter ganhado na loteria.
Voltando a encarar Samantha, eu questionei:
— Você disse que se aproximou de Ryan para saber
onde eu realmente estava. Mas o que me encabula é que,
pelo visto, vocês nunca falaram sobre mim durante as
conversas que tiveram — franzi o cenho. — Como você
conseguiu me localizar, então?
— Não foi preciso trazer você em nossos assuntos
para eu descobrir — respondeu. — Eu sou uma mulher,
afinal de contas, e eu ainda sei muito bem como usar os
meus truques, Derek.
Ok, eu não precisava de mais detalhes sobre aquilo.
Que a mulher tinha uma boceta destruidora, com certeza
ela tinha. A minha sorte era que eu havia, finalmente,
conseguido me livrar dela.
— E por que você não foge de uma vez por todas, em
vez de permanecer em Nova York? — voltei a lhe
questionar. — Você conseguiu fugir, afinal de contas. Não
seria mais inteligente ir embora de uma vez por todas?
— Talvez — ela me respondeu. — Mas toda essa
coisa com Marcel se tornou pessoal agora. Ele já tirou o
suficiente de mim, e eu mesma quero me encarregar de
que ele esteja morto antes que mais alguém sofra.
— Sinto muito lhe informar, mas eu serei o único a
acabar com a vida do cretino do seu marido — falei. —
Eu ainda não confio em você e, apesar de acreditar que
você, possivelmente, poderia nos ajudar, eu só quero que
dê o fora depois que tudo isso estiver resolvido —
encarei-a fixamente, certificando-me de que ela
absorvesse o impacto de cada uma daquelas palavras: —
Você me perguntou se eu amava Faith. Bom, eu sou capaz
de matar e morrer por ela. Portanto, se você fizer alguma
coisa estúpida para prejudicar Faith ou colocá-la, nem
que seja o minimamente considerável, em apuros, eu juro
que eu mesmo tiro a sua vida. Você me entendeu?
Ela engoliu em seco e assentiu.
— Eu sinto muito — murmurou novamente, enquanto
eu me virava e seguia meu caminho em direção à porta.
— Tanto faz — respondi de forma seca. — Não
importa qual nome você tenha agora ou quais os seus
planos para quando tudo isso estiver acabado, porque
para mim, você continua morta.
33: Primeiro Passo

Faith

Existem momentos na vida em que você se vê


obrigado a enfrentar situações seriamente dolorosas. Há
momentos em que o peso dos obstáculos se torna tão
grande que você se vê incapacitado de suportar. E existe o
momento em que, embora os percalços sejam inúmeros e a
revolta seja intensa, você consegue encontrar um refúgio
em meio à tormenta. Um lugar seguro e renovador, que te
envolve, te aquece e lhe faz se apegar à ele.
Eu podia dizer que Derek era meu refúgio. Que o que
estávamos vivenciando, mesmo diante de tantos
obstáculos, iria vingar. Mas então, veio o impacto. Veio o
choque e veio a queda.
Rachel era Samantha.
Rachel havia tido um romance com Ryan.
O assassinato de Ryan se deu, em parte, por culpa
dela.
A minha cabeça girava e girava em torno daquelas
informações e eu não conseguia focar em apenas uma.
Eram tantas coisas com as quais lidar, que eu me via
sufocada com aquele bolo esquisito obstruindo minha
garganta.
Com lágrimas quentes ainda embaçando a minha
visão, eu me virei bruscamente e me afastei o quanto pude
no corredor vazio do hotel. Não era minha intenção ouvir
atrás da porta. Eu havia ido até ali porque não confiava no
temperamento de Derek em torno da minha cunhada.
Entretanto, no momento em que alcancei a porta, paralisei.
Ouvi os gritos, as confissões e acusações. Eu senti o
rancor, o ódio e a decepção refletida em cada palavra
saída da boca de Derek. Eu vacilei ao ouvir Rachel —
que agora eu sabia ser a tão famosa Samantha —
confessando que ainda tinha esperanças de voltar para ele.
O nó desceu até meu estômago e se assentou lá.
Eu fiquei imóvel atrás daquela porta, doente e sem
saber ao certo o que fazer. Parecia errado eu ficar ali
atrás, ouvindo às escondidas, mas ao mesmo tempo em
que eu não achava certo bisbilhotar, eu queria ficar ali e
descobrir até o fim.
Eu me senti um pouco como uma espécie de intrusa,
também.
Por mais que Derek tenha alegado não querer mais
laços com Samantha, será que ele pensaria da mesma
forma, caso eu não estivesse em sua vida? Caso nós não
tivéssemos passado por tudo o que passamos?
Oh, merda. Minha cabeça agora doía. Eu aumentei os
meus passos, foi quando ouvi mais passos — estes mais
pesados — atrás de mim.
— Faith! — a voz de Derek chamou, mas eu não
parei. — Faith, espere!
Eu não pude me afastar a tempo, quando senti o toque
firme de sua mão em meu braço. Mantive-me imóvel, pois
eu não queria me virar e fazê-lo se dar conta de minhas
lágrimas, mas contornando meu corpo, ele pôde
facilmente constatar aquilo.
Preocupação brilhou em seus olhos verdes, assim
como a compreensão de que eu havia presenciado tudo.
Por que ele me conhecia tão bem? Por que era tão
perfeito, e por que ele causava em mim tantos sentimentos,
entre eles o medo de que eu pudesse perdê-lo um dia?
— Você presenciou tudo, não foi?
Assenti.
Ele fechou os olhos, como se estivesse irritado
consigo mesmo por ter permitido aquilo. Em seguida, me
puxou para seus braços, colando a lateral do meu rosto em
seu peito.
— Eu não queria que tivesse sido assim, babe —
sussurrou. — Eu juro que não queria.
— Eu sei. Isso não é culpa sua — me afastei dele. —
Eu preciso ficar um pouco sozinha. Me desculpe.
Ele abriu a boca para protestar, mas eu já me
afastava.
Entrei no elevador vazio, apertando o botão para o
piso principal. Uma vez no estacionamento, abri a porta
da caminhonete e me infiltrei nela, batendo a porta ao meu
lado.
Eu tremia, protegida apenas pelo meu conjunto de
pijamas que usava, mas decidi ignorar o arrepio em minha
pele e posicionei meus pés sobre o banco de couro,
encolhendo as pernas e abraçando meus joelhos com
força. Comecei a soluçar e as lágrimas vieram sem muita
dificuldade, quentes e pesadas.
Parecia que horas haviam passado e eu ainda não
havia derramado o suficiente. Momentos depois, ouvi um
ruído vindo do lado de fora. A porta do carro se abriu e o
corpo grande de Derek deslizou no banco ao meu lado.
— Eu disse que...
— Que quer ficar sozinha, eu sei — ele me cortou,
abrindo um sorriso fraco em seguida. — Até parece que
eu atenderia a um pedido desses.
Eu não rebati. Continuei imóvel, sem lhe dirigir o
olhar. Eu não queria que ele se sentisse culpado ou até
mesmo pensasse que eu estava chateada, mas eu
simplesmente não conseguia disfarçar o quanto saber
daquilo me incomodou. Eu tinha medo. Medo de perdê-lo,
medo de que Rachel/Samantha estivesse sendo falsa
conosco e medo do que aconteceria a partir dali.
Sem mais uma palavra, Derek me puxou e me pôs
sentada de lado em seu colo. Tive que envolver seu
pescoço com os braços para ter um melhor ajuste.
Seu nariz passeou pela lateral do meu pescoço,
causando arrepios instantâneos. Eu me permiti fechar os
olhos. Mais lágrimas desciam, fazendo meus olhos
arderem, no entanto eu ignorei.
— Desculpe — falou.
— Eu já disse que não é culpa sua — respondi. —
Nada disso é culpa sua.
Ele soltou um suspiro e ergueu a cabeça, me
encarando.
— Parte disso é culpa minha, sim — afirmou. — Mas
não se preocupe com isso, ok? As coisas mudaram agora.
Eu darei um jeito nela, caso ela faça alguma besteira.
Me afastei um pouco dele para encará-lo também.
— Derek, ela é a mãe do meu sobrinho. Eu não sei se
gostaria de vê-la morta.
— Então é bom que ela não faça nada que prejudique
você — decretou. — Por causa dela e por causa do seu
irmão eu me transformei em um louco obcecado. Por
causa deles dois eu tirei muito de você. Se eu estou aqui
agora é porque eu quero, além de me vingar, te proteger
de todas as consequências que eu gerei.
— Não fale como se ela fosse a maior causadora de
tudo isso, Derek — eu disse. — Se pararmos pra pensar,
ela é tão vítima nessa história quanto nós. Isso não quer
dizer que ela não esteja errada, mas procure entender o
seu lado e você verá que tudo o que ela fez foi com um
propósito maior do que apenas enganar.
Ele me encarou em silêncio, franzindo a testa.
— Você está defendendo a mulher que tecnicamente
colocou um assassino louco no seu caminho?
— Não — respondi. — Eu estou defendendo a
mulher que tecnicamente colocou no meu caminho a
melhor coisa que já me aconteceu até agora — enfrentei
seu olhar sério. — Não importam as circunstâncias que
nos trouxeram até aqui, Derek. Eu passaria por tudo outra
vez se isso garantisse que eu iria te reencontrar e te ter pra
sempre.
Ele sorriu abertamente e inclinou o pescoço, batendo
seus lábios nos meus.
— Eu te amo — murmurou, roçando sua boca na
minha. — E eu não mereço você, mas foda-se tudo isso
porque eu sou egoísta.
Suas mãos desceram até a minha cintura e
escorregaram imediatamente para a minha coxa. O aperto
firme enviou uma onda pulsante até o meio das minhas
pernas. A boca de Derek voltou a reivindicar a minha, sua
língua forçando gentilmente entrada por entre meus lábios.
No instante em que senti o seu sabor, por pouco minha
mente desliga. Mas eu tinha que agir racionalmente
naquele momento. Não era a melhor hora para pensar com
as minhas partes de menina.
— Derek... — eu gemi.
Ele me ignorou, permanecendo com sua magnífica
tortura, tomando de assalto meus lábios já inchados e
acariciando o que podia do meu corpo. Eu estava mole e
grogue, e aquela posição definitivamente não me deixava
tão próxima dele o quanto eu queria. Inclinei minha
cabeça, dando espaço para sua boca em meu pescoço.
— Derek, nós n...
— Case comigo.
Minhas pálpebras pesadas se abriram imediatamente.
Me afastei alguns centímetros dele, o encarando cética.
— O-o que disse?
— Case-se comigo, Faith Bloom — ele repetiu com
um sorriso.
Eu fiquei estática por minutos que pareceram se
transformar em horas. Ele estava mesmo me pedindo em
casamento? Continuei o encarando, tentando me certificar
de que aquela não era uma brincadeira de mal gosto.
Pensando bem, Derek era um cara imprevisível e me
surpreendia constantemente, mas brincar com algo dessa
estirpe não fazia parte do seu jogo.
— Você... — gaguejei — bom, merda, você me pegou
de surpresa.
— Eu imagino — falou. — Eu sei que deveria ter
organizado um jantar com flores e velas e alguma música
melosa de merda, mas, ei, vamos ser realistas, isso não
somos nós. — ele apontou ao redor com o queixo. — Isso
aqui somos nós, Faith. Dentro de uma caminhonete velha,
no meio do frio de inverno, logo após descobrirmos que
minha ex-namorada está viva e tem um filho do seu irmão.
O irmão cuja vida eu quero tirar, por sinal.
Eu sorri, mordendo o lábio e evitando chorar com
aquilo. Por que eu tinha que ser tão emotiva?
— Eu acho que sim — respondi. — Eu não iria
querer nada diferente.
— Eu sei, babe — ele colou sua testa na minha. —
Eu sei exatamente o que você quer e do que você precisa.
— Você tem certeza disso? — perguntei de olhos
bem abertos. — Eu digo, a respeito do pedido. Você não
me parece o tipo de cara que adere aos casamentos.
— Eu realmente não sou — disse. — Mas você me
faz querer ser melhor constantemente. E eu realmente
desejo fazer com que isso funcione. Eu desejo ter paz
algum dia ao seu lado, e eu desejo colocar uma aliança
bonita no seu dedo.
Meus olhos começando a lacrimejar novamente.
Droga!
— Você já colocou duas, para falar a verdade.
Ele sorriu e empurrou uma mecha de cabelo escuro
para trás da minha orelha.
— Sim, mas agora nós nos casaremos de verdade —
falou. — Quando tudo isso acabar, nós vamos tirar férias
pro Caribe, Havaí ou qualquer outro lugar que dê para
relaxar. Isso você que escolhe. A única coisa que
realmente importa é que nós nos casaremos e faremos
sexo feito dois coelhos no cio.
Eu ri, imaginando a cena.
— Não deveria ser necessariamente nessa ordem —
brinquei apertando os olhos. — Nós, tecnicamente,
teríamos que nos casar primeiro e depois iríamos para
uma lua de mel, só depois faríamos sexo como dois
coelhos... — torci o nariz — algo que já fazemos
constantemente também.
— Bom ponto — disse ele. — Mas nós não somos
um casal normal, somos?
Eu ri novamente.
— Não — respondi. — Mas eu não quero ir para o
Caribe. Eu quero morar em Scout Lake, com você.
Ele sorriu e beijou o topo da minha testa.
— Ok, eu acho que compreendi.
De repente, o reconhecimento de que talvez nunca
vivenciássemos aquilo me bateu. E se nós nunca
chegássemos a este ponto? E se todos os nossos planos
ficassem apenas na memória, marcadas como um desejo
não realizado escrito em um diário velho? Eu não queria
pensar naquilo. Era menos doloroso quando eu não
pensava.
— Ei — ele me puxou para mais perto, afastando
meus pensamentos. — Você ainda não respondeu a minha
pergunta. Aceita se casar comigo?
— Claro que eu aceito, seu idiota — murmurei
emocionada. — Mas com uma condição.
Ele se afastou um pouco mais para me encarar.
— Qual?
— Eu também quero ter um bebê.
Derek apertou os olhos. Mordi a risada que se
atreveu a sair diante do seu olhar aturdido.
— Um bebê? — repetiu lentamente. — Você disse
que quer um bebê?
— Sim — afirmei. — Eu quero ter um bebê com
você.
Ele permaneceu pensativo por um momento. Logo em
seguida, soltou um suspiro, relaxando aos poucos.
— Tudo bem, babe, você quer um bebê, então nós
teremos — decretou. Ele abriu um sorriso lento e
prosseguiu, com um tom de divertimento na voz: — Eu
acho que já estou preparado para sequestrar um.
Eu apenas entreabri meus lábios e dei um tapa em seu
braço. Ele riu.
Esse era Derek, e eu desconfiava que seria sempre
assim. Afinal de contas, algumas coisas, realmente, nunca
mudam.
☆☆☆
Já se passava das dez da manhã quando terminamos
nosso café da manhã e nos reunimos com Rachel — ou
Samantha — no quarto em que eu e Derek estávamos
hospedados para partir para a primeira fase do plano. Já
havíamos adiado aquilo por muito tempo, não daria mais
para segurar.
Eu estava acomodada sobre a cama, Derek do meu
lado e Rachel ocupava a poltrona no quarto. Max brincava
na sacada com seu boneco do Batman, totalmente alheio à
nossa conversa.
— Então, vocês pretendem pegar Simon primeiro? —
ela questionou, alternando seu olhar entre mim e Derek,
mas seus olhos vacilaram no momento em que pararam
nele.
— Sim — ele respondeu. — Simon maltratou Faith,
quase me mata no passado. Ele também assassinou o meu
melhor amigo na minha frente. Eu quero que ele pague por
tudo o que fez, e eu vou me certificar de reservar algo
realmente doloroso para ele.
Rachel descansou as mãos sobre as pernas e torceu
seus dedos nervosamente.
— Bom, Simon é um idiota na maioria das vezes,
mas ele é um homem esperto. Eu até desconfio de que ele
tenha se juntado a Marcel apenas porque isso lhe ajudaria
a chegar no topo um dia. Ele é perigoso, Derek.
— Sim, eu sei, mas nós não podemos nos acovardar
com isso — Derek retrucou. — Nós somos capazes de
destruí-lo, mas precisamos, primeiramente, descobrir um
ponto fraco seu.
O silêncio reinou por alguns instantes no ambiente.
Simon era um babaca psicótico, mas ele era muito arredio
e extremamente meticuloso a respeito de seus negócios.
Chegar àquele ponto seria mais difícil do que
imaginávamos.
— Eu convivi com Simon por tempo suficiente para
saber que ele não deixa transparecer suas fraquezas tão
facilmente assim — eu disse. — Seja lá qual for a sua, vai
ser muito complicado para descobrirmos.
— Certamente — Derek apontou. — Mas talvez não
seja tão complicado, assim, se nós conseguirmos arrancar
isso dele.
Rachel soltou um ruído nervoso.
— E como você acha que vai conseguir tirar isso
dele?
— Da forma mais fácil e traiçoeira. Invadindo a sua
vida.
Enruguei a testa. Eu ainda não havia compreendido
muito bem o que ele queria dizer, realmente.
— Derek, por favor, nos esclareça melhor isso.
— Nós vamos invadir o computador de Simon —
explicou. — Não existe nada que possa incriminar mais
alguém do que suas redes sociais privadas. Ele deve ter
muitas contas, inclusive. Deve fazer um monte de
transações com elas, mas o que eu quero, realmente, é
apenas descobrir qual o seu ponto fraco para partir para a
próxima fase do plano.
— Certo — Rachel se manifestou. — E digamos que,
se nós decidíssemos fazer isso, o que provavelmente seria
bastante útil, como faríamos? Não é como se Simon fosse
estúpido o suficiente para abrir qualquer arquivo suspeito
que enviássemos com uma espécie de vírus.
— Claro que não — Derek concordou. — E é por
este motivo que nós instalaremos o arquivo diretamente no
computador dele.
— O quê?! — ambas berramos em uníssono.
— I-isso é loucura — Rachel concluiu.
— O que foi? — provocou Derek. — Você está
desistindo? Vai amarelar justo agora?
— Não, eu não disse isso — ela se defendeu. — Eu
só... só achei o plano muito arriscado.
— Nós não estaríamos aqui se toda essa merda não
fosse arriscada, querida — este último saiu com uma boa
dose de indiferença. — Então, você ainda está dentro
nessa, ou prefere correr para os braços do seu marido e
fingir que nada aconteceu?
Minha cunhada lhe enviou um olhar com fúria, mas
respirou profundamente e balançou a cabeça:
— Eu irei até o fim.
Derek assentiu, aparentemente satisfeito, mas
indicando com o olhar que ainda não confiava nela.
— Certo — falou. — Eu já chequei o seu carro e me
certifiquei de que ele não tem um GPS. De qualquer
forma, é melhor você escondê-lo em algum lugar. Não
queremos correr o risco de que Marcel nos ache.
— Tudo bem.
Se virando para me encarar, ele disse:
— Faith, eu vou precisar muito de você nisso. Vai ser
arriscado, e eu não quero te forçar a nada, ok? Se você
estiver contra isso, eu irei respeitar.
Bom, eu estava assustada e aquilo não era nenhuma
surpresa, mas eu já havia ido até ali, e eu faria qualquer
coisa que ajudasse a nos livrar de Simon... e de Marcel.
Não havia chances de eu fugir àquela altura do
campeonato.
— Nós somos uma equipe, não somos? — sorri, sem
ao menos me dar ao trabalho de perguntar qual era
exatamente o plano. Eu confiava nele. — Estarei com
você até o fim. Pode contar comigo.

☆☆☆
Eu iria participar diretamente daquilo. Foi a
primeira certeza que eu tive, assim que ouvi atentamente
as diretrizes de Derek.
Simon iria ser pego e iria pagar por tudo o que
havia cometido. Foi a segunda certeza.
O plano, além de arriscado, possuía uma
porcentagem mínima de dar certo. O sucesso na execução
dependia de inúmeros fatores, dentre eles, a colaboração
inconsciente tanto de Simon, quanto de Marcel. Eles
teriam que estar fora do jogo, caso contrário, nada estaria
feito.
A saia lápis de executiva bem comportada descia até
os meus joelhos. O terninho de cor creme estava
devidamente ajustado às minhas curvas e os meus cabelos
escuros em um rabo de cavalo mal se moviam, ligados a
tanto gel.
Aquilo tudo era extremamente delicado. Ir até a
empresa da qual o meu irmão era presidente, e Simon, o
vice, me deixava com os nervos em frangalhos. Era óbvio
que nós não faríamos aquilo com a presença deles e,
apesar de o local ser extremamente grande, eu teria que
me expor para boa parte dos funcionários. Não havia
dúvida de que, caso alguém desse com a língua nos dentes
antes do momento adequado, tudo estaria perdido.
Senti o celular dentro do meu bolso vibrar e o retirei
para me dar conta de que havia uma mensagem de Derek.
No torpedo ele avisava que Simon e o meu irmão haviam
acabado de sair da empresa. Certo. Era a hora.
Entrei no elevador vazio e subi até o último andar.
Meus saltos batiam no piso de mármore clara, conforme
eu caminhava a passos ensaiados e postura firme. Parei
diante da mesa, onde uma mulher pequena de cabelos
escuros e curtos me encarava com um sorriso um tanto
quanto curioso.
— Pois não? — exigiu educadamente.
— Olá — olhei para o seu crachá, onde se lia
“Maddison Baile” e voltei a encará-la —, Maddison, eu
sou Faith Elizabeth Bloom, irmã de Marcel Bloom e
herdeira desta empresa. Também sou amiga de longa data
de Simon. Acabei de chegar de viagem e gostaria de lhe
fazer uma surpresa.
— Uma surpresa? — ela sorriu amplamente. — Oh,
que máximo! E qual seria?
— Não seria uma surpresa se eu revelasse à
secretária de Simon o que pretendo, não é? — forcei um
sorriso para ela. — Então, você pode me liberar as
chaves do escritório?
Seu sorriso desapareceu imediatamente.
— Desculpe-me, senhorita, mas eu não tenho
permissão para deixar que ninguém além do Sr. Walker ou
Sr. Bloom tenha acesso aos escritórios da diretoria.
— Querida, você realmente ouviu o que eu disse? —
ergui um dedo para gesticular amplamente. — Eu sou
dona de metade disto aqui. Irmã do homem que paga o seu
salário e ex-namorada do cara responsável por você não
ser uma fracassada sem emprego atualmente. Então, você
tem certeza de que é realmente sensato me impedir de
entrar naquela sala? — finalizei apontando
arrogantemente para a porta fechada do escritório de
Simon.
Eu não gostava de falar daquele jeito com as pessoas,
com tanta hostilidade, mas eu não tinha muito tempo e a
garota estava realmente me atrapalhando.
Ela pigarreou e ajeitou seus óculos de grau,
lançando-me um sorriso desconcertado. Pobre menina.
— Bom, me desculpe pela inconveniência, mas o Sr.
Walker é extremamente rigoroso quanto às ordens que dá.
Eu realmente não posso deixá-la entrar, mas eu posso
ligar para o Sr. Walker e apenas confirmar se está tudo
bem a senhora aguardar na...
— Maddison, você realmente parece ter problemas
de audição, não é? — voltei a intimidá-la. — Eu disse
que tenho uma surpresa para Simon. Se você contar a ele,
não será mais uma surpresa — ela ficou calada, me
encarando, e eu abri um sorriso para suavizar minha
arrogância. — Veja bem, por que você não me deixa
entrar e, caso Simon fique irritado, eu mesma resolvo isso
com ele. Basta liberar as chaves do escritório. Eu juro
que não mexerei em nada.
Novamente, ela voltou a ajeitar os óculos e engoliu
em seco. Liberou um suspiro e finalmente se deu por
vencida.
— Bem, se é assim, creio que não haja problema, não
é? Só um minuto — ela se curvou e abriu uma de suas
gavetas. Tirou de lá um molho de chaves e me indicou a
referente à porta do escritório de Simon. — Veja bem, é
esta daqui.
— Oh, muito obrigada! — sorri. — Não se preocupe
que, caso o plano dê certo, eu garantirei que você tenha
um considerável aumento de salário muito em breve.
Seu rosto se iluminou imediatamente. Ela voltou a
assentir, sorridente.
— Muito obrigada, senhorita Bloom. Tenha um bom
dia.
— O mesmo para você, Maddison — apanhei as
chaves e caminhei em direção ao escritório.
Uma vez lá dentro, tranquei a porta e me virei,
percorrendo com o olhar cada polegada do local. O
escritório era grande, claro e arejado. Uma janela
envidraçada ia do chão ao teto, protegida por grossas
persianas. Do meu lado esquerdo, havia uma pequena sala
de arquivos com a porta entreaberta. Tudo muito limpo e
organizado.
Caminhei rapidamente até a mesa de Simon, onde seu
laptop de cor escura descansava sobre a madeira.
Puxando o par de luvas que Derek me indicara trazer,
cobri ambas as minhas mãos e ergui a tela do aparelho.
Assim que apertei em iniciar, uma tela com solicitação de
senha brilhou para mim.
Agora era a hora de usar as técnicas de informática
que Derek havia me ensinado.
Puxei o pen drive do meu bolso e inseri no aparelho.
Todo o processo para quebra de segurança durou em torno
de meia hora. Ao finalizar, me senti como uma maldita
James Bond de saia lápis.
Por pouco eu não ria diante da loucura de tudo aquilo
e parti para o próximo passo.
Eu teria que instalar um programa no computador de
Simon, que nos permitisse ter acesso a tudo o que ele
fazia de longe. Derek também havia me ensinado a fazer
aquilo, mas eu estava obviamente muito nervosa.
Iniciei o processo e aguardei. Olhando para o relógio
percebi que já fazia quase uma hora desde que entrei
naquela sala. Dependendo do que Simon e o meu irmão
foram fazer longe da empresa, eles poderiam estar de
volta ainda antes do que imaginei.
Finalmente consegui abrir o programa e instalei.
Removi o pen drive do computador e desliguei. Preparei-
me para sair dali o mais depressa possível, foi quando
recebi outra mensagem de Derek:
Mudança de planos: Simon voltou. Saia daí
imediatamente.
Respirei fundo e alisei a minha roupa antes de
caminhar em direção à porta, mas então eu percebi que já
era tarde demais quando ouvi:
— Olá, Sr. Walker. A sua...
— Agora não, Srta. Baile! — ele a cortou,
impaciente.
Os passos ficaram cada vez mais nítidos. Escutei o
barulho de chaves no miolo da fechadura. A maçaneta na
porta girou. Em seguida, ela foi escancarada.
Porra. Porra. Porra.
Eu estava ferrada!
34: Segundo Passo

Derek
Já fazia quase duas horas desde que Faith entrara.
Trinta minutos desde que lhe mandei a última mensagem, e
eu ainda não havia recebido nem sequer uma resposta.
Mas que diabos! A insegurança era uma merda bem
fodida, mas eu não podia deixar aquele tipo de sentimento
me abalar em um momento tão delicado como aquele. Eu
tinha que descobrir o que diabos havia acontecido dentro
daquele escritório e, caso tudo tivesse dado errado, eu
tomaria as providências para que Faith fosse salva. Nem
no inferno que o filho da puta cretino colocaria as suas
mãos malditas sobre ela outra vez.
Eu estava escondido dentro da caminhonete, do outro
lado da rua, mas tendo completa visão do que acontecia
na frente da empresa. Mandei um segundo torpedo para
Faith e, como havia acontecido anteriormente, não obtive
respostas.
— Agora eu vejo por que você a ama — disse
Rachel/Samantha ao meu lado. Eu não sabia exatamente
por que diabos decidi lhe trazer comigo, mas talvez tenha
sido pelo motivo de poder ter um olho sobre ela enquanto
Faith estava lá dentro. Para me certificar de que a mulher
não faria nenhuma besteira. Eu ainda não confiava nela.
— Eu posso saber como você chegou a essa
conclusão? — perguntei, ainda sem tirar o olho da direção
da empresa. Mais dez minutos e eu sairia dali em busca de
Faith. Não importavam as consequências.
— Ela faz tudo por você — respondeu. — Ela está
arruinando a vida do próprio irmão por você. Ela está
arriscando a própria pele, apenas por você. Isso é muito
corajoso.
— Sim, ela é incrível. Mas Faith não está fazendo
isso por mim, apenas. Ela está fazendo por nós —
divaguei, não escondendo o pequeno sorriso admirado
que brotava em meu rosto. — Uma das coisas que mais
me admirou em Faith, desde que eu a conheci, foi o fato
de ela ser altamente altruísta. Gestos simples, que nem ela
mesma percebia, mas que a tornava diferente de qualquer
outro ser humano com o qual eu tive contato. Faith era
diferente. Eu percebi isso desde o primeiro momento em
que pus os meus olhos sobre ela.
Samantha sorriu tristemente.
— Faith te merece muito mais do que eu, Derek. Eu
espero, sinceramente, que quando isso acabar, você cuide
bem dela. Que vocês possam ser felizes juntos.
— E eu espero que você encontre alguém, também,
Samantha — falei com sinceridade. — Alguém que seja
bom o suficiente para te fazer se sentir completa. Dinheiro
não é tudo, segurança também não. Sexo é bom, mas uma
hora enjoa. Vai chegar o momento em que você vai sentir
falta de alguém para te arrancar um sorriso, enxugar suas
lágrimas ou te segurar nos momentos de tormenta. E eu
desejo, de coração, que esta pessoa esteja lá pra você
quando isso acontecer.
Ela voltou a sorrir e apertou minha mão timidamente
antes de voltar a descansar as suas sobre o colo.
— Obrigada, Derek.
Retribuí com um aceno de cabeça, então voltei meu
olhar para o relógio no painel, dando-me conta de que os
dez minutos já haviam se passado.
Porra, onde estava Faith?
— Fique aqui — orientei, verificando a minha arma.
— Eu vou atrás dela.
— Mas, Derek, isso é arriscado — objetou. —
Simon está lá dentro.
— Exatamente — falei. — Simon está lá dentro com
Faith. Eu vou até lá. Permaneça no carro.
Mesmo temerosa, ela assentiu, engolindo em seco.
Ajeitei o meu casaco e abri a porta do carro,
rompendo para fora. Uma lufada de ar frio se chocou
contra o meu rosto e eu me movi para a calçada. Olhei
para os lados, me certificando de que não havia ninguém à
espreita me observando, e me preparei para atravessar a
rua.
Foi quando uma mão enluvada puxou com força meu
ombro.
O meu primeiro instinto foi de agredir seja lá quem
estivesse atrás de mim. Entretanto, quando me virei e dei
de cara com olhos azuis de Faith, me contive a tempo.
— O que diabos aconteceu com você? — perguntei.
Ela não trajava mais o disfarce de executiva que tinha
usado mais cedo. Sua vestimenta assemelhava-se à roupa
de um zelador de prédio, os cabelos escondidos em um
boné. As luvas eram diferentes das que lhe dei. Pareciam
luvas de limpeza.
Bom, merda, seja lá como ela conseguiu isso, eu
tinha que parabenizá-la.
— É uma longa história — Faith respondeu, ofegante.
— Simon apareceu no escritório enquanto eu ainda estava
lá dentro. Eu consegui me enfiar na sala de arquivos, foi
quando encontrei este kit de limpeza por lá — ela
gesticulou para sua vestimenta. — Provavelmente foi
algum funcionário que esqueceu, e eu o beijaria agora se
descobrisse quem foi. Enfim, troquei de roupa e fingi que
estava apenas limpando quando Simon me pegou lá
dentro. Por sorte, ele não me reconheceu. Apenas ficou
irritado, me mandou voltar uma outra hora, e então eu
encontrei a deixa para sair.
Sorri, pensando no quão brilhante ela foi.
— Você conseguiu instalar o programa?
— Não me subestime, Sherlock — provocou com um
arquear de sobrancelhas.
Inferno, ela era boa. Ela era, definitivamente, a
melhor.
☆☆☆
Nós tínhamos tudo sob controle. Tínhamos acesso
aos dados de Simon, possuíamos informações sobre o que
ele mais gostava de fazer, mas aquilo ainda não era o
suficiente. Já era noite e havíamos ficado pelo menos dez
horas entre investigar e vigiar, e o bastardo não havia
feito nada mais do que entrar em alguns sites e blogs
relacionados a investimento e fazer transações sobre
fornecimento de drogas.
Ele havia até mesmo enviado um e-mail para Marcel,
explicando qual dia e horário a remessa estaria
disponível. Mas aquele tipo de jogada a respeito dos
negócios de Marcel era passado. Meu foco era atentar
contra a vida dos dois, e brincar de queimar cocaína
realmente não era algo que eu desejava fazer.
Eu já estava praticamente considerando que aquele
plano foi uma perda total de tempo, quando vi o alerta da
tela do computador que eu usava brilhar. Uma janela,
indicando que Simon havia se conectado novamente,
apareceu na tela.
Pelo visto, nós ainda poderíamos brincar.
Faith seguiu meus movimentos enquanto eu voltava a
me acomodar diante do computador e observava
atentamente o que acontecia.
Simon começou a trabalhar, abrindo várias páginas e
janelas. Percebi, no momento em que ele executou um
processo diferenciado, o que diabos ele queria com
aquilo.
— O que ele está fazendo? — Faith perguntou,
confusa.
— Ele está acessando algum site dentro da Deep Web
— informei. Aquilo iria ser interessante.
O primeiro a ser acessado foi um site chamado
excitingandobscure.com. Não era preciso ser um
Einstein para perceber de que aquilo se tratava de um site
pornográfico. Simon clicou em um botão que levou a outra
aba, onde se via uma espécie de catálogo com diversos
nomes excêntricos alinhados por ordem alfabética. Ele
clicou em um dos perfis, nomeado como Gummy Bear, e
iniciou um chat.
Não havia a foto da garota, muito menos sua idade,
nome real ou qualquer outra coisa do tipo. Mas por que
haveria? Aquela merda com certeza era algo ilegal,
principalmente estando dentro da Deep Web. Seria no
mínimo idiota deixar pistas à solta.
A primeira mensagem veio de Simon. Eu
praticamente ri ao ler seu nome de usuário, tamanho
egocentrismo.
Mr. Supreme: Olá, Gummy Bear. Você sentiu minha
falta?
Poucos segundos se passaram, até a garota do outro
lado responder sua mensagem.
Gummy Bear: O que você acha?
Mr. Supreme: Hm... eu acho que você está
desejando que eu lhe puna novamente, não é? A última
vez não foi o suficiente?
Gummy Bear: Você sabe que eu gosto de um jogo
pesado. Talvez eu realmente queira que você o faça. ;)
Doentio.
Mr. Supreme: Você está se transformando em um
pequeno ursinho abusado, Gummy Bear. O que tem para
mim hoje? Talvez eu lhe perdoe, dependendo da
performance.
Gummy Bear: Eu tenho uma faca aqui comigo. Sua
lâmina está afiada, e eu realmente gostaria muito de ver
você se tocando enquanto deslizo-a sobre meu corpo.
— Merda, eu acho que vou vomitar — Faith
sussurrou ao meu lado.
Permaneci em silêncio, observando a próxima
mensagem.
Mr. Supreme: Hm... isso parece interessante. Eu já
estou excitado apenas em imaginar os filetes de sangue
brotando de sua pele branca e macia. Você poderia
mostrar para mim?
Gummy Bear: Claro. Mas, espere, você tem o
vídeo?
Mr. Supreme: Não me venha com essa.
Gummy Bear: Baby, você me disse que tinha um
novo vídeo e iria mostrá-lo para mim. Faça isso ou
desative a conexão.
Mr. Supreme: Porra, você é um pequeno monstro.
Gummy Bear: Você gosta, não é?
Mr. Supreme: Sim, foda-se.
Minutos se passaram sem que nenhum dos dois
digitasse nada. Em seguida, um pequeno símbolo de envio
piscou na tela. Fui capaz de observar que Simon havia
acabado de enviar um vídeo para Gummy Bear. Ele
apertou no botão de Play e uma outra tela se sobrepôs à
do chat. De imediato, nós só pudemos ver uma moça loira
e bonita sorrindo para a câmera. Ela mordeu o lábio e, em
seguida, deslizou um dedo sob a alça fina de seu vestido
curto.
Era nítido o som da respiração ao fundo. Então a voz
de Simon ordenou:
— Tire a roupa, Ashley.
A garota apenas fez uma pequena pausa, seus olhos
encarando sedutoramente Simon — quem eu julguei estar
do outro lado gravando tudo. Ondulando os quadris
sensualmente, ela escorregou ambas as alças do vestido,
descendo a peça logo em seguida. Ela não usava sutiã,
então foi fácil ficar nua quando removeu sua calcinha.
Faith se remexeu em desconforto ao meu lado.
— Bem, eu não sei se estou preparada para ver um
vídeo pornô caseiro entre Simon e alguma prostituta. Ele
me repugna.
Virei para encará-la.
— O que foi? Você tem algo contra isso? —
provoquei. — Nós poderíamos gravar algo do tipo algum
dia, você sabe. É extremamente excitante observar sempre
que meu pau afund...
— Derek! — ela me cortou, seus olhos arregalados
fitando a tela.
Seguindo seu olhar, eu pude observar o que havia
perdido em meu momento de distração.
— Puta
merda.
A garota estava deitada na cama, com as mãos atadas
na cabeceira acima de sua cabeça. Completamente nua,
ela arfava. Sua expressão, ao invés de prazer, denotava
somente dor. Seus seios estavam ensanguentados, a
barriga lisa também se via manchada. Torci o nariz
involuntariamente ao ver a mão de Simon surgir com uma
faca. Ele deslizou o metal sobre a pele da garota,
rompendo a carne.
— Por favor, pare! — ela implorou. — Oh, Deus,
pare!
— Você é uma putinha suja, Ashley — Simon rosnou
com sua voz doentia. — Você gosta disso, baby? Hein?
— Não, porra! Você é doente — ela gritou. — Seu
filho da puta doente! Pare!
— Oh, meu Deus, ele está... — Faith sussurrou e
afundou o rosto contra o meu pescoço, respirando pesado.
Eu sabia que Simon já havia feito coisas daquele tipo com
ela, mas presenciar o ato e imaginar Faith naquela
situação, seriamente me enfureceu.
Por sorte, a gravação foi cortada naquele ponto.
A tela com o chat entre Simon e a tal misteriosa
Gummy Bear voltou a brilhar. Ela foi a próxima a mandar
uma mensagem:
Gummy Bear: Whoa, isso foi quente! A vadia está
morta?
Mr. Supreme: O que você acha?
Gummy Bear: Eu acho que você fez um bom
trabalho. Mas seria muito mais interessante se nós
pudéssemos aproveitá-la juntos.
Mr. Supreme: Nós teremos tempo para isso, baby.
Agora a minha vez.
Gummy Bear: Aguarde um minuto.
Eu não sabia ao certo o que esperar daquela
interação maluca, mas definitivamente presenciar Simon
se masturbando enquanto observava uma garota mutilar a
si mesma através de uma câmera não era algo que eu
estivesse de acordo. Mas eu estava ali para descobrir os
segredos de Simon, então eu teria que ir até o fim.
— Você não precisa continuar vendo isso se não
quiser — eu disse à Faith. — Chega de Simon e suas
esquisitices por hoje. Talvez seja hora de vigiar sua
cunhada e o menino no outro quarto.
— Não é necessário, Derek. Acredite, ela não tem
para onde ir — Faith respondeu. Ela parecia bem calma
agora, o que me aliviou. — E eu quero ir até o fim, você
sabe. Nem que para isso eu tenha que presenciar cenas
como essas.
Assenti e segurei em sua mão, antes de voltar minha
atenção à tela.
Uma tela preta e quadrada apareceu no visor e,
momentos após, a câmera era ativada. De imediato eu não
pude ver nada além de uma parede totalmente branca e
uma cadeira vazia de frente para o computador. Mas
então, braços finos e pálidos afastaram a cadeira e alguém
aparecia completamente sem roupa na frente da tela.
— Mas que diabos... — Faith não concluiu a frase,
provavelmente tão chocada quanto eu.
Certo. Eu confesso que imaginei mil e uma coisas
enquanto tentava cravar a imagem da excêntrica Gummy
Bear em minha cabeça: uma garota jovem até demais; uma
garota repleta de cicatrizes; alguma dona de casa louca
por fetiches doentios; mas, definitivamente, eu nunca
imaginei que Gummy Bear fosse um cara.
Isso mesmo. Simon mantinha um relacionamento
sádico e homossexual com um cara que participava de
chats em sites da Deep Web.
No momento seguinte, mais uma mensagem de Simon:
Mr. Supreme: Você ainda tem as marcas que te
deixei na semana passada. Eu adoraria fazê-lo de novo.
Gummy Bear se inclinou até que seu rosto estivesse
de frente para a câmera e sorriu. O cara não parecia ter
muito mais que vinte e poucos anos. Era alto e tão magro
que os ossos do seu corpo pareciam colados à pele. Por
toda a área visível dos braços e costelas eu via marcas
avermelhadas de cortes e algumas contusões. Ele não
parecia estar incomodado com aquilo, muito menos
quando apanhou o seu pau, começou a massageá-lo e
ergueu uma faca.
— Ok, já chega — falei, batendo a tela do
computador.
Faith se afastou e endireitou sua posição enquanto
ficava em pé.
— Isso foi... eu não tenho nem palavras para
descrever.
— Eu sei, foi bizarro — concordei. — Bom, a única
resposta adequada é que Simon precisa de tratamentos
psiquiátricos, e com urgência.
— Sim... e quanto ao vídeo da garota? — Faith
abordou. — Ambos são doentes —balancei a cabeça,
concordando com ela. — Eu nunca imaginei que Simon
pudesse ser gay, também.
— Bom, seja lá qual gênero sexual que realmente o
excite, o negócio é que ele tem um calcanhar de Aquiles.
E nós vamos trabalhar em torno disso.
Ela me lançou um olhar aflito e caminhou em minha
direção.
— Prometa que vai ter cuidado — pediu. — Simon é
bem mais perigoso do que imaginamos.
— Vai dar tudo certo, babe — respondi, tocando com
o polegar o vinco de preocupação entre suas
sobrancelhas. — Talvez nem tanto para ele.
O restante da semana foi dedicado apenas à
espionagem sobre a interação entre Simon e o tal Gummy
Bear. Ambos eram igualmente doentios, possuíam gostos
extremamente excêntricos e pareciam ter sido realmente
feitos um para o outro.
Vários outros vídeos de meninas sendo torturadas na
hora do sexo eram enviados pelos dois, juntamente com
mensagens debochadas, repulsivas... e juras de amor. Sim,
eu consegui acompanhar uma conversa entre os dois, onde
o foco principal foi um monte de merda melosa sobre
romantismo. Descobrir que Simon tinha preferência por
homens foi algo que me deixou bastante surpreso, mas ver
Simon jurando várias vezes que amava alguém, era algo
que beirava o limite do surpreendente.
E seria por meio dele que eu o faria sentir a mesma
dor que eu havia sentido.

☆☆☆
Mr. Supreme: Olá, Gummy Bear. Você está
disponível agora?
Gummy Bear: Olá, Mr. Supreme. Sempre estou às
suas ordens.
Mr. Supreme: Eu quero ver você.
Gummy Bear: Agora? Ok, eu ligarei a câmera.
Mr. Supreme: Não. Quero vê-lo pessoalmente.
Boate Grayson, periferia do Queens. Às onze.
Gummy Bear: O quê? Eu adoraria, mas acho que
isso vai contra as regras, certo? Nós já nos encontramos
uma vez durante esse mês. Não seria nada seguro
repetirmos.
Mr. Supreme: Mudança de planos. Mudança de
regras. Eu e você, na Grayson, às onze. É melhor que
esteja lá.
☆☆☆

Era noite e estava frio, mas isso não impedia que


várias mulheres perambulassem pela pista escura da
boate, trajando nada mais do que vestidos curtos e saias
de apenas um palmo.
Caminhei pela multidão de pessoas, desviando da
maioria que atravessava o meu caminho, e desacelerei os
meus passos ao observar a cabeça loira e o corpo magro
do cara virado de costas para mim. Ele usava uma jaqueta
preta e os cabelos estavam bem alinhados com gel. Não
precisava se virar para eu me dar conta de quem
realmente se tratava.
Voltei a caminhar e me aproximei no mesmo instante
em que uma garota surgia ao seu lado, sorrindo
sedutoramente.
— Hoje não, vadia — disse ele, abrindo um sorriso
torto como se não houvesse acabado de ofendê-la. — Me
dê licença, sim?
A garota demonstrou certa irritação, mas não
discutiu. Apenas entreabriu os lábios chocada e, dando
meia volta, afastou-se.
Não hesitei quando deslizei no banco ao seu lado, o
qual a menina havia ocupado momentos atrás. Ele me
encarou, a sobrancelha se arqueando. Os olhos azuis
sacudiram-se lentamente por toda a extensão do meu
corpo e, quando parou novamente em meu rosto, havia
algo a mais que eu não identificara um momento atrás.
— Gosta do que vê? — questionei, simulando um
sorriso.
Ele endireitou sua postura, como se estivesse
tentando consertar o leve constrangimento por ter sido
pego bisbilhotando.
— Você está falando comigo?
— Sim — afirmei. — Eu perguntei se você gosta do
que vê.
Ele voltou a levantar a sobrancelha.
— Você sempre foi presunçoso assim ou o quê?
— Eu sou apenas um cara realista — respondi. —
Não se acanhe por ter sido pego me observando. Não é
nada que eu já não tenha vivenciado antes, acredite.
— Muito ousado de sua parte, não é? — retrucou. —
Que tal se você fosse atrás de alguma dessas garotas por
aqui? Aposto que elas adorariam te... avaliar.
Apoiei meus cotovelos sobre o balcão frio, não me
importando em esconder a expressão presunçosa que eu
tinha certeza de estar estampada em minha face e
repliquei:
— Eu não estou interessado — dei de ombros. —
Talvez mais tarde.
— Bom, então seria melhor que você esperasse longe
daqui — rebateu rispidamente. — Eu estou aguardando
alguém.
— Eu também estava — continuei. — Mas, pelo
visto, ele me deu um bolo.
Seus olhos se expandiram, demonstrando uma pitada
de interesse.
— Ele?
— O quê? — falei. — Você tem algum problema com
isso?
— Oh, não. Acredite, eu não tenho problema algum
com isso.
— Isso é um bom sinal, não é? — forcei um sorriso.
Pela primeira vez desde que eu havia chegado ali, ele
sorriu de volta. Seus olhos moveram-se mais uma vez
sobre a minha estatura. Consegui perceber a pitada de
cobiça permeada neles.
Certo, aquela merda estava dando certo.
— Talvez — murmurou enigmaticamente.
Me movi para mais perto e perguntei:
— Como você se chama?
— Elliot Benson — respondeu. — E você?
— Me chame apenas de... Pesadelo.
— Pesadelo? — bufou. — Que diabos de apelido é
esse, cara?
Dei de ombros novamente e pisquei.
— Você saberá em breve.
Ele voltou a sorrir e tomou um gole de sua bebida
azul, voltando sua atenção em minha direção.
— Deixe-me adivinhar... isso tem a ver com você
deixar as pessoas insones?
— O que você acha? — joguei.
Ele fingiu dar de ombros e passou os dedos finos
entre as mechas loiras dos seus cabelos — da mesma
forma que Simon costumava fazer.
— Eu acho que você é um cara corajoso — disse. —
A forma como você chegou, como você agiu. Você é
audacioso e tem atitude. Eu realmente admiro isso.
— Obrigado... eu acho.
Ele voltou a sorrir.
— Bom, merda, vamos parar de conversa fiada. Me
pague uma bebida, Pesadelo.
Eu fingi estar divertindo-me com seu jogo de me
chamar pelo apelido que forjei e ergui a mão para o
garçom, prestes a pedir nossas bebidas.
Cinco drinques depois e muita conversa rasa, Elliot
Benson estava bêbado o suficiente para não conseguir
manter sua mente no lugar. Ele era um idiota, e isso não
era novidade, mas ele também era esperto o suficiente
para não deixar transparecer seus sádicos gostos ocultos.
Quem o visse jamais desconfiaria que o cara de aparência
frágil que dizia portar um diploma de Columbia era, na
verdade, um grande apreciador de pornografia obscura.
— Bem, eu acho que você levou um bolo também —
observei. — Já faz três horas que estamos aqui e, até
agora, ninguém apareceu. Isso ou você preferiu a mim do
que o seu encontro.
Ele riu. Agora que já estava bêbado, era muito mais
fácil tê-lo enrolado em meu dedo mindinho.
— Boa tentativa, mas ele é insubstituível.
Ergui as mãos, insinuando rendição.
— Ok, não está mais aqui quem falou — eu disse. —
Faz tempo que estão juntos?
— Algum tempo — respondeu evasivamente. — Isso
é... complicado, você deve imaginar. Nunca assumimos
publicamente. É mais fácil assim.
— Pra você ou pra ele?
— Para os dois.
— Eu entendo — respondi balançando a cabeça. —
As coisas andam meio difíceis ultimamente para nós, não
é?
Ele sorriu e contornou a borda de seu copo com o
dedo.
— Um pouco — disse. — Sabe de uma coisa que me
deixou intrigado? Você não parece ter preferência por
caras. Você é um tanto quanto...
— Rude?
— Másculo, eu diria — ele piscou. — Não que isso
não me aprecie também. Eu sou do tipo submisso, se é que
você me entende.
Mas que porra?
— Eu acho que entendo perfeitamente — continuei
vestindo o personagem. — Escuta, Elliot, está ficando
meio tarde, não é? Você veio de carro? Quer uma carona
para casa?
— Já entendi qual o seu jogo — ele apontou um dedo
para mim. — Mas eu sou fiel, ok? E eu estou com meu
carro, de toda forma. Obrigado.
— Não me leve a mal, eu estou apenas tentando ser
prestativo — pisquei. — Eu já estou indo. Você fica?
— Espere... — ele pediu, olhando no relógio em seu
pulso. — Eu estou chateado e um pouco sonolento. Levei
um bolo e acho que estou bêbado.
Jura, Sherlock?
— Percebe-se — falei. — Venha aqui, cara, deixe-
me te ajudar.
Ele cambaleou um pouco enquanto se levantava.
— Oh, obrigado, Sr. Pesadelo. Você é um pedaço
quente de bunda, e eu adoraria apreciar um bom tempo
com você, caso não fosse comprometido.
— Você não se arrependeria, eu garanto —
permaneci com meu flerte dissimulado.
Ele sorriu e caminhou em direção à saída, seu braço
apoiado sobre meu ombro.
Chegando no estacionamento, me certifiquei de que
não havia mais ninguém ao redor. Eu não queria causar
uma cena.
Fumaça expelia para fora da minha boca conforme eu
perguntava:
— Onde está o seu carro?
— Ali — ele apontou para um veículo branco
estacionado a alguns metros de onde estávamos. Mas não
deu tempo de concluirmos o curto trajeto, quando ele
parou de repente. — Oh, eu estou ficando um pouco
enjoado. Acho que...
As palavras não saíram. Em vez disso, ele se curvou
e vomitou ali mesmo.
— Merda — praguejei. — Você está legal?
— Sim, só me dê um minuto — ele pediu e caminhou
em direção ao seu carro.
Eu estava logo em seguida, já preparado para puxar a
minha arma.
— Desculpe por isso. Eu não costumo beber tant... —
ele apagou no instante em que lhe dei uma coronhada.
Sustentei o peso do seu corpo, evitando que desabasse de
uma vez por todas no chão, e o arrastei em direção ao meu
próprio carro.
Assim que ele já estava devidamente amarrado e
acomodado no banco de trás da caminhonete, bati a porta
do carro, certificando-me uma última vez que não havia
ninguém por perto.
E em pensar que o tal do Gummy Bear era idiota o
suficiente para não perceber que não era Simon lhe
mandando a mensagem, mas, sim, eu. Simon teria que
treinar melhor o seu homem.
Isto é, caso ele ficasse vivo depois do que eu
planejava.
Simon

Simon não sabia o que se sucedia, mas


definitivamente, algo não estava certo. Seu companheiro
secreto de fodas e diálogos virtuais, adoravelmente
apelidado como Gummy Bear, não era de ficar por tanto
tempo incomunicável. Não que tenha sido um período tão
longo, assim, mas três dias haviam se passado e, diante
das atuais circunstâncias, aquele era um fato a ser
considerado.
Quando conhecera Elliot, um pouco mais de um ano
atrás, Simon acreditara que havia acabado de perder a sua
mente. Ele já soubera, desde muito jovem, que algo de
diferente lhe ocorria. Não somente pelo fato de sentir
atração por homens, mas ele sabia que sua fascinação por
sangue, relações sexuais distorcidas e facilidade para atos
de tortura eram algo que não condizia com o esperado. E
foi em meio à descoberta da faceta deturpada de sua
mente que ele conheceu a única pessoa pela qual sentiu
algo de verdade.
Com um jeito despojado e apelido excêntrico, Elliot
Benson apareceu em sua vida como um fenômeno da
natureza. Simon não acreditou que alguém tão divertido e
aparentemente calmo como aquele homem possuísse
afeição pelo sadismo, mas não foi tão difícil ter
convicção no fato quando, com o passar do tempo, as
coisas começaram a se esclarecer de uma forma
assustadora. Ele descobriu que ambos eram ainda mais
parecidos do que imaginava.
Elliot ficava facilmente ligado com a dor. Não
somente ao observar a mutilação alheia, mas também
quando o ato era infligido em si próprio. Havia uma certa
diferença entre o masoquista e o sádico, e Elliot se
encaixava no primeiro item, enquanto Simon acreditava
estar incluso no segundo — julgando o fato de que ele não
permitia que o tocassem.
As coisas não foram fáceis para ambos no começo,
principalmente em evitar que as pessoas ao seu redor
descobrissem. E quando ele dizia pessoas, ele se referia
quase que exclusivamente a Marcel: o homem que Simon
mais respeitou e admirou desde que perdera seu pai.
Simon havia acabado de sair da faculdade quando
conheceu Marcel. O homem era uma espécie de deus
intocável. Sua frieza e domínio sobre tudo foi o suficiente
para que ele se visse imediatamente fascinado. Ele era seu
modelo de conduta e porte. Simon queria ser como seu
chefe em diversos aspectos de sua vida, inclusive no
controle emocional. Ele procurava ao máximo ser exímio
em suas tentativas, mas ainda não tinha total sucesso sobre
seus atos. Principalmente quando estava a sós com suas
mulheres.
Mas que se fodesse tudo aquilo. Simon sabia que, por
mais que respeitasse Marcel e fosse de acordo com a
maioria de seus princípios, Elliot era a única pessoa que
podia julgá-lo, pois era a única pessoa que se sentia da
mesma forma que ele. O homem tinha sua própria maneira
de fazê-lo se sentir vivo, de fazê-lo sentir-se ele
novamente, e Simon não estava disposto a ir pelo rumo de
dar um fim em tudo.
Desligando o laptop, ele perambulou de um lado a
outro pela sala ampla de seu apartamento. Já estava
ficando irritado. Odiava ter que esperar, muito menos que
o contrariassem, e aquela merda não deveria estar
acontecendo daquela forma. Ele tinha uma espécie de
rotina diária de diálogos com Gummy Bear. Se
encontravam raras vezes durante o mês, mas as conversas
eram constantes, salvo algumas poucas vezes em que
Simon tinha muito trabalho a fazer. No entanto, já fazia um
bom tempo que ambos não se falavam. Ele também
percebera que o histórico de conversas havia sido
recentemente apagado. Se ocorreu algum erro no servidor,
ele nunca saberia.
Algo soou no ambiente e ele notou que seu telefone
vibrava. Caminhando em direção ao móvel ao lado do
sofá, ele apanhou o aparelho e atendeu, sem se dar ao
trabalho de checar o número.
— Sim?
— Olá, Simon — a voz inconfundível do Derek
bastardo Rushell soou através do telefone. — Está uma
noite muito agradável, não?
— Você é bem corajoso, hein, Rushell? — ele
replicou friamente. — É bom que esteja se divertindo
bastante enquanto ainda está vivo, pois não seremos
piedosos quando finalmente pegarmos você.
Derek foi audacioso o suficiente para rir.
— Você não imagina o quanto eu anseio estar frente a
frente com você e Marcel — disse o outro. — Mas não
será preciso esperar muito. Algo me diz que você virá o
quanto antes atrás de mim.
O lábio de Simon se curvou presunçosamente.
— Você não perde por esperar — falou. — Mas,
deixemos essa conversa de lado. Você não me ligou
apenas para me informar o que eu já sei, não é?
— Você me conhece o suficiente para saber a
resposta — disse. Houve um farfalhar de algo. Em
seguida, um curto gemido abafado. — Eu quero te mostrar
algo.
Os lábios de Simon se separaram, prestes a liberar a
enxurrada de insultos impacientes que ele ansiava lançar
em cima do maldito que o incomodava, mas então a
ligação foi cortada. Momentos após, uma chamada de
vídeo brilhou inesperadamente na tela.
Quando Simon apertou em aceitar, teve que se
controlar para manter suas pernas eretas.
— Filho da puta — rosnou entredentes. — O que
diabos você fez?
Derek não esboçou emoção alguma quando sustentou
a cabeça de um Elliot praticamente adormecido pelos
cabelos e apontou em direção à câmera.
— Eu não fiz nada ainda — respondeu. — Mas farei,
em breve.
— Seu fodido sujo! Eu vou te pegar, Derek. Eu vou te
pegar!
— Ótimo, pois eu quero você aqui — respondeu. —
Venha sozinho e venha limpo. Se eu desconfiar que você
tentou trapacear de alguma maldita forma, eu não vou
pensar duas vezes antes de estourar os miolos do seu
namorado — um sorriso perverso. — Mas não se
preocupe com isso, Simon. Eu farei questão de lhe enviar
a cabeça.
35: Grand Finale

Simon

Tinta desbotada e suja cobria parcialmente as


paredes altas do prédio abandonado. O tom alaranjado
finalizava na larga lacuna do umbral sem porta,
fornecendo a visão do conjunto degradado de escombros e
poeira.
Simon desceu de seu brilhante BMW de modelo
recente e caminhou para dentro, convergindo sua atenção
para o ambiente vazio.
Onde diabos eles estariam? Puxando o telefone
celular do seu bolso, ele se preparou para acionar seus
capangas, localizados a poucos metros da área de entrada.
No momento em que Derek lhe passara o endereço do
cativeiro de Elliot por mensagem de texto, ele repisou
várias vezes consigo mesmo sobre as prescrições ditadas.
Era mais que óbvio que ele não obedeceria a Derek, caso
não houvesse visto Elliot praticamente inconsciente
naquele maldito vídeo. Entretanto, não era um idiota. Ele
estava preparado com seu auxílio extra, e seria por meio
dele que Simon garantiria sair daquele local vivo.
Ruídos ao fundo, como que para responder suas
dúvidas internas, foram escutados. Virando na direção do
barulho, Simon se aquietou quando constatou que não
havia nada.
Que se dane, porra. Ele iria chamar reforços.
Assim que ele acionou o número no telefone celular,
outro ruído fora ouvido. Não pôde se virar a tempo
quando, inesperadamente, algo veio por trás. Em seguida,
braços puxaram os seus, travando-os atrás de seu corpo.
Seu peito colou à parede e algo quente soprou em seu
pescoço.
— Tentando dar uma de esperto? — Derek
murmurou. — Tarde demais, Walker.
Ele se debateu, quando o antebraço travou em seu
pescoço. O oxigênio evaporou em questão de segundos, os
músculos se esticaram. E então, tudo ficou escuro.

Derek
Uma única lâmpada presa à uma corrente enferrujada,
balançava no teto, fazendo com que as sombras escuras e
disformes tremeluzissem à parca claridade amarelada.
Poeira revestia a pequena estante de metal acoplada
à uma das paredes laterais. Sujeira enegrecida maculava a
tinta já antiga, onde pinturas aleatórias — provável
resultado do trabalho de vândalos desocupados — davam
ao local uma aura ainda mais caótica. Ao redor, inúmeros
objetos metálicos, tal como correntes e espetos de ferro
mantinham-se em exibição.
Não era muito difícil encontrar locais iguais àquele
pela cidade de Nova York. Até mesmo eu, assim que
chegara à cidade, utilizava-os como abrigo. Eu não
possuía dinheiro, muito menos moradia, e o pouco que
conseguia nas ruas era o suficiente para arcar somente
com a minha alimentação e algumas necessidades básicas.
Eu me aproveitei da forma que pude destas antigas
construções esquecidas pelo governo e grandes
empresários e as tornava meu lar, meu refúgio.
E agora, aquele seria o local perfeito para dar um fim
em tudo. Ou ao menos em parte de tudo.
Peguei uma garrafa de água na prateleira e caminhei
até alcançar a cadeira localizada no centro do ambiente,
mantendo-me frente a frente com Simon.
Analisando o seu estado, digitalizei as fitas adesivas
reforçadas envolvendo seus pulsos aos braços da cadeira.
As pernas também estavam atadas. O corpo mole descaía
sutilmente para a frente, a cabeça tomando uma posição
estranha para o lado.
Jorros de fôlego ressoaram pelas paredes úmidas no
momento em que despejei grosseiramente todo o conteúdo
da garrafa sobre o rosto de Simon. Ele despertou
instantaneamente, seu olhar oscilante.
— Você está totalmente desperto? — perguntei,
inclinando-me. — Eu não quero que hajam desculpas
depois, se, por ventura, me acusarem de torturar um
homem sem controle sobre suas faculdades mentais.
Seu lábio torceu para cima, o sorriso saindo mais
como uma careta.
— Tão presunçoso... Você se sente melhor agora?
Aposto que sim.
— Não o suficiente — respondi. — Eu ainda nem
sequer comecei.
Eu era capaz de sentir a sua respiração pesada, água
e suor tornando sua pele brilhosa e certamente
escorregadia. Eu havia removido seu paletó mais cedo, de
modo que ele estava vestindo apenas as calças e camisa
social com as mangas arregaçadas. O filho da puta não
tinha nem sequer um corte sobre a pele visível. Pelo visto
ele era o único a se divertir em seus encontros sexuais.
— Você me pegou dessa vez, não é? — sua voz ainda
era meio grogue. — Mas acho que não contou com algo:
dois de meus homens se encontram lá fora. Eles estarão
aqui em breve.
— Sinto lhe informar, mas seus homens estão mortos,
Simon.
Seu sorriso desapareceu no mesmo instante.
Desconforto e confusão varreram sobre seu olhar no
momento em que ele pareceu, finalmente, dar-se conta de
seu estado: a cadeira velha e os pulsos amarados
firmemente à ela.
— O que diabos você vai fazer? — se debateu. —
Você pensa que me amedronta atando-me à uma cadeira?
Seu grande imbecil. Isso é o máximo que você consegue?
— Diga-me você, Simon — eu desafiei. — Até que
ponto você acha que eu iria?
— Não muito — desdenhou. — Eu ainda me lembro
de como você praticamente implorou para eu te deixar
vivo naquela noite. A forma como ficou quando eu atirei
naquela vadia. Você parecia uma cadela patética.
— Acho que estamos quites neste quesito, não é? —
devolvi. — Você parece uma cadela patética agora.
Ele se curvou para a frente, seus olhos desafiadores.
— Você me tem amarrado, imbecil! Solte-me e
mostre que você não é o covarde inútil que eu penso que
é.
Não consegui segurar a risada.
— Eu sou o covarde? Bela tentativa, Simon. Você
não mudou nada, e isso me alivia. Eu não quero ter
sentimento de culpa depois.
Ele também riu.
— Nada mudou, realmente. E quando eu digo isso,
estou me referindo à exatamente tudo. Ela ainda está viva,
você já deve saber, não é? A cadela da sua namorada —
quando não obteve resposta, prosseguiu: — Sabe, eu estou
imaginando o que aconteceria, caso você estivesse
realmente morto. A puta provavelmente estaria triunfando
sobre seu maldito cadáver junto com Marcel — ele
zombou. — Você é tão estúpido. Como se sente ao se dar
conta de que foi feito de idiota durante todo esse tempo?
Dei de ombros.
— Eu não me importo com o que Samantha faz,
realmente.
— Claro que não — rebateu ele. — Você tem Faith
agora, certo? Seu novo brinquedinho pervertido. Você está
fodendo ela?
Eu não lhe ofereci resposta. Ele encontrou a deixa
para prosseguir:
— Vamos, me diga. Não precisa ser tímido com isso,
afinal eu sei o quanto ela é boa. Sua boceta foi a coisa
mais apertada e quente que eu já fui capaz de sentir em
volta do meu pau.
— Cale a boca — fuzilei-o com o olhar. Deixando
totalmente explícito o meu sinal de alerta.
— Eu estou dizendo alguma mentira? Confesse que
ela é realmente apertada e geme como uma vadi... — sua
cabeça virou violentamente para o lado quando meu punho
acertou em cheio seu maxilar.
Simon grunhiu, endireitando lentamente a posição.
Um pouco de sangue aparecia logo abaixo do seu lábio,
mas ele não pareceu se importar quando sorriu.
— Whoa, eu acho que tem alguém estressado aqui.
Vamos lá, eu não disse nenhuma mentira, Derek. Vai negar
que ela é estreita como uma maldita virgem? Ou que fica
tão foda de sexy quando grita. Ela já gemeu meu nome na
hora do sexo com você? Eu aposto que ela fez muito isso
em pensamento, porque eu não sou do tipo que permite
que elas se esqueç...
— Já chega! — cansado de aturar suas merdas,
apanhei o primeiro objeto que encontrei próximo à mim e
parti para cima dele.
Lancei o Pé-de-cabra em um único impulso na
posição horizontal diretamente sobre seu estômago.
— Filho da puta! — Simon rosnou, dobrando-se
sobre sua barriga. — Você provavelmente quebrou uma de
minhas costelas.
— Eu disse para calar a boca — retruquei de forma
ácida. Desta vez, porém, ele pareceu entender o recado.
— Veja seu estado — fitei-o friamente e soltei o
objeto de ferro. — As coisas serão do meu jeito a partir
de agora, e é melhor você aprender isso. Caso contrário,
merdas acontecerão muito antes do esperado. Eu tenho
certeza de que você não gostaria nem um pouco de me ver
trabalhando irritado, Simon.
Ele não disse uma palavra. Apenas engoliu saliva,
provavelmente lutando para recobrar a respiração.
— Então — voltei a abordar enquanto me afastava
dele, passando a mão pelos cabelos e tentando controlar
melhor os meus impulsos. — Qual a sua coisa toda com
aquele cara... Gummy Bear?
Simon finalmente demonstrou que suas cordas vocais
estavam em um bom estado quando limpou a garganta.
— Eu não sei onde você está querendo chegar,
Rushell.
Bufei.
— Ora, como não? Não adianta tentar se fazer de
desentendido agora. Eu andei acompanhando algumas de
suas conversas. Foi bem fácil, o que apenas prova o quão
estúpido você é. Mas e aí, vocês são realmente um casal?
Não que eu tenha algo contra, sabe? Vocês são meio que
uma espécie de Romeu e Julieta moderno?
— Não seja um fodido pau — sibilou, desviando do
assunto. — Pare com toda essa porcaria, e me diga de
uma vez por todas onde ele está.
Levantei uma sobrancelha.
— Ansioso?
— Estou apenas calculando o quanto de danos eu
precisarei fazer quando, finalmente, pôr minhas mãos
sobre você.
Revirei os olhos internamente, segurando o riso de
escárnio que coçou minha garganta. Ele nunca aprendia,
porra.
— Atrás de você — falei, apontando com um gesto
de cabeça para um ponto além dele.
Simon se debateu para poder virar o rosto e constatar
que eu estava sendo sincero, mas ele não conseguia,
diante de seu estado. Impaciente, caminhei até que
estivéssemos muito perto. Arrastei sua cadeira e a girei.
Também preso à uma cadeira, estava Elliot. Ele ainda
não havia despertado totalmente, mas não faltaria muito
para finalmente estar ciente. Eu queria que ele estivesse
bem capaz de sentir, também.
— Merda — a voz de Simon tinha um resquício de
aflição. — Você o matou?
— Nah — descartei. — Não seria tão divertido se a
cereja do bolo fosse devorada antes do momento certo —
Simon permaneceu calado, mas ele continuou alternando o
olhar entre mim e seu namorado, seu semblante
desconfiado. — O que foi, Simon? Você não acredita em
mim?
Ainda sorrindo, eu caminhei até o corpo semi
desfalecido de Elliot. Puxei seus cabelos, mantendo sua
cabeça firme e, sem aviso, soquei seu rosto.
Elliot gemeu com a dor súbita.
— Vê? — fitei um Simon furioso. — Ele está vivo.
— Miserável — Simon sibilou. — Toque nele outra
vez e eu vou matar você.
— Você não está em condições de exigir nada —
revidei. — Mas tudo vai depender de você, embora. Você
tem uma escolha aqui.
Ele congelou.
— O que está querendo dizer com isso?
— Estou dizendo que você pode colaborar comigo e
poupar a vida do seu namorado. Caso contrário, você
decide por si só o que acontece com ambos.
Ele balançou a cabeça e franziu a testa. Pela primeira
vez desde que chegamos ali, eu via sua grossa barreira de
autoconfiança se partindo aos poucos.
— Tudo isso é para se vingar de mim, Derek? Você
tem noção do quão ridículo está sendo? Você não pode
simplesmente esquecer tudo isso e seguir em frente?
— Seguir em frente? — em questão de segundos eu
estava diante dele. Minhas mãos bateram contra os braços
da sua cadeira. O objeto tremeu com o gesto brusco. —
Quatro anos. Você me fez passar malditos quatro anos
enjaulado numa casca de autopreservação e desejo de
vingança. Você me fez repugnar tudo o que era puro e
odiar o fraco. Você me fez perder uma parte da minha
vida, e você fez eu tirar parte da vida de uma menina
inocente — pausei. Eu tinha certeza de que meus olhos
estavam injetados naquele momento. — O seu sangue,
Simon... nas minhas mãos. É tudo o que eu quero.
Ele engoliu em seco. Seus olhos ainda estavam fixos
em meu rosto, grandes e firmes.
— Besteira — falou. — Samantha está viva e, pelo
que sei, Faith também. Eu posso tentar convencer Marcel
a desistir de toda essa merda, e então você poderá ir
embora para bem longe daqui. Todos nós poderemos
seguir em frente, Derek. Nunca foi uma coisa pessoal,
você já deve imaginar. Marcel fez o que fez, somente por
causa da vagabunda.
— Você está me propondo passar uma borracha em
tudo o que aconteceu?
Seu olhar vacilou por um instante, mas ele insistiu:
— Por que não? Você nunca foi uma ameaça, até o
dia em que decidiu fugir com Samantha. Vocês levaram
muito dinheiro consigo e fizeram a besteira de serem
imprudentes. Mas as coisas podem acontecer de forma
diferente agora. Vá embora, Derek, e eu garantirei que
Marcel não tente nada contra você. Deixe Elliot fora
dessa, também. Ele não tem nada a ver com as minhas
merdas.
Não esbocei emoção alguma enquanto analisava sua
expressão séria e esperançosa. Retornei para a posição
anterior e encarei Simon ainda mais fixamente, soltando
uma risada logo em seguida.
Ele não se arriscou dizer mais nada, contudo me
olhava confuso e provavelmente irritado com meu gesto
repentino, tentando sem muito sucesso ocultar o último.
— Então é isso?
— O quê?
— Seu garoto — esclareci. — Você está com medo
de que eu o machuque?
— Não seja ridículo — falou. — Estou tentando
salvar as nossas bundas, imbecil. Mas se você quiser se
ferrar sozinho, vá em frente. Não vai demorar muito para
Marcel te localizar, embora.
— Eu sei — respondi. — Mas isso não me intimida,
muito menos me impede de continuar por este caminho.
Muito pelo contrário. Eu quero o sangue de Marcel
também, e o quanto antes ele vier até mim, melhor. Eu
estou disposto a dar um fim nisso, Simon, e nada vai me
fazer mudar de ideia. Quanto ao seu namorado, não se
preocupe com ele. Eu não irei matá-lo.
Ele voltou a ajustar sua posição limitada na cadeira.
Seu olhar compenetrado parecia levemente aliviado.
— Não?
— Não — repeti, balançando a cabeça em negativa.
— Você vai.
☆☆☆
A respiração parecia estabilizada. Suor escorria de
sua testa e seu corpo estava mole, tal qual o de uma
boneca de pano estúpida. Me inclinei para manter meu
rosto na altura do de Elliot e chamei seu nome por pelo
menos três vezes até que ele erguesse o olhar e me fitasse.
Totalmente desperto. Ótimo.
— Como se sente, Gummy Bear? — perguntei.
— Foda-se — ele murmurou de volta.
Uma risada baixa escapou de mim enquanto eu me
virava para encarar Simon.
— Ele é uma cópia sua, não é? — comentei com
desdém. — Claro que seria... Eu me pergunto agora, como
diabos você fez isso. Eu fico me perguntando, também,
sobre quantas garotas e caras você corrompeu para chegar
onde chegou neste seu jogo fodido de controle.
— Eles sempre vieram até mim — Simon se
envaideceu. — É uma espécie de dom, sabe? Aconteceu o
mesmo com Faith.
Decidi ignorar sua provocação a respeito de Faith e
continuei impassível. Ele não iria conseguir me tirar do
sério desta vez. Não mesmo.
— Eu soube que você tem gostos... peculiares —
continuei. — Inclusive, se isso envolver a dor física do
seu parceiro. Estou certo?
Ele revirou os olhos simulando tédio. Bom, o menino
assustado estava começando a mostrar as suas garras
novamente.
— O que foi? Você quer experimentar também? —
provocou. — Faith e sua boceta apertada não estão
fazendo o trabalho direito?
Sacudi a cabeça, ignorando, mais uma vez, a sua
tentativa falha de me tirar do sério.
— Como eu disse, eu não tenho nada contra —
repliquei. — Entretanto, Faith e sua apertada boceta
fazem um ótimo trabalho, inclusive. Um trabalho que você
nunca foi capaz de desfrutar, aliás, pois não teve a maldita
capacidade — ele ficou em silêncio dessa vez. Eu decidi
continuar: — Bom, vamos ao que realmente interessa. Eu
quero que você analise atentamente um dos braços de sua
cadeira.
— Do que diabos você está falando?
— Olhe para o braço direito da sua cadeira —
repeti. Desta vez, ele obedeceu. — O que você vê nela?
Ele voltou a me encarar irritado.
— Vá se foder. Que merda de jogo é esse?
Eu refiz o meu caminho até Elliot e, agarrando
novamente os cabelos loiros dele, puxei sua cabeça. Seu
pescoço ficou firmemente inclinado para trás e, com isso,
retirei do meu bolso uma faca. Pressionei a lâmina contra
sua garganta.
— Eu disse à você que as coisas serão do meu jeito a
partir de agora, e eu não estava blefando a respeito das
consequências — encarei-o fixamente. — Agora me diga,
Simon... o que diabos você vê no braço da cadeira?
— Um botão — ele respondeu, tentando conter a
raiva. — Eu vejo um botão.
— Você sabe para quê serve este botão?
— Como eu saberia?
Sorri, deleitando-me com aquele momento. Soltei os
cabelos de Elliot e voltei a caminhar até ele.
— Você, provavelmente, não percebeu isso ainda,
mas há fios ligados em vários pontos do assento de Elliot.
Estes fios, por sua vez, correm todo um caminho até se
encontrarem na fiação extra que está conectada a este
botão em sua cadeira. Você vê? Isso é lógica simples, e eu
não irei te dar uma aula sobre física ou eletricidade agora,
mas acontece que estes fios são de alta tensão e o material
da cadeira de Elliot é diferente ao da sua — ele
permaneceu calado enquanto eu continuava. — Há puro
metal por toda sua estrutura, o que automaticamente fará
com que o corpo do seu namorado queime feito um
maldito hambúrguer grelhado em questão de segundos,
caso o botão seja acionado.
Seus olhos se estreitaram.
— O que diabos você está pretendendo com isso? —
perguntou. — Você acha mesmo que eu faria a loucura de
eletrocutá-lo? Você me julga, mas é igualmente doente.
Dei de ombros.
— Como eu disse, você tem um direito de escolha
aqui — cruzando os pulsos atrás das minhas costas, voltei
a caminhar casualmente enquanto falava. — Sabe, Simon,
eu andei, inevitavelmente, vendo alguns de seus vídeos
caseiros também. Você tem uma grande variedade em
relação às suas perversões doentias, mas as garotas são
seu único alvo. Algum motivo especial nisso?
Quando olhei para ele, pude ver novamente o
pequeno sorriso arrogante em seus lábios. Idiota.
— Elas são mais estúpidas — respondeu. — Fodidas
presas fáceis.
— Seu namorado foi bem estúpido, também, quando
caiu na minha armadilha — comentei. — Acho que nós
podemos fazer um jogo justo agora, não?
Ele voltou a estreitar os olhos.
— Do que está falando?
— Você feriu a minha garota no passado. Eu acho
justo arrancar um pouco de sangue do seu cara também.
Simon entreabriu os lábios para dizer algo, mas as
palavras retornaram quando eu dei as costas à ele e dirigi
minha atenção à Elliot. Erguendo a faca sob meu poder, eu
voltei a agarrar os seus cabelos.
— Não! Não! — Elliot começou a balbuciar. — Por
favor, não!
— Olhe para ele, Simon — falei, ignorando os
murmúrios e tentando manter o homem que se debatia
desajeitadamente sob controle. — Tão desesperado. Isso
te excita?
— Desgraçado — ele rosnou.
— Eu não sei você, mas não acho que ele esteja se
divertindo com isso agora — passei a lâmina da faca
lentamente sobre a pele branca da bochecha de Elliot.
— Pare! — Simon exigiu.
— Ou o quê? — fiz lentamente um caminho da
bochecha até o pescoço, a ponta fina fincando sutilmente
na direção de sua jugular. — Ele cheira a marshmallows e
vômito. Sangue seria um ótimo adicional nesta mistura,
não acha?
Simon respirou pesado, apertando os pulsos fechados
quando pressionei a faca um pouco mais sobre a pele de
Elliot, adicionando uma marca avermelhada à ela.
— Eu vou te matar.
— Você não pode — sorri. — Você está fraco e
impotente. Inútil. Eu poderia facilmente assassiná-lo e
depois esquartejá-lo na sua frente, que você não poderia
fazer nada.
Simon permaneceu em silêncio enquanto eu soltava
Elliot.
— Mas, apesar da imensa vontade a respeito, eu não
irei fazer isso. Eu lhe disse que você seria o único a matá-
lo e não estava blefando quando o fiz.
— Pois tente — desafiou. — Você me verá morto
antes de eu sequer pensar em acatar alguma de suas
malditas ordens.
Oh, ele estava me desafiando? Eu adorava um
desafio.
Voltei a firmar meu contato sobre a faca e me dirigi
novamente à Elliot. Ele tentou, de sua forma limitada,
encolher seu braço quando o puxei bruscamente, meus
dedos escorregando sobre a pele suada.
Soltei seu braço e a mão livre bateu direto contra o
seu pescoço, agarrando firmemente a garganta fina.
Empurrei até que sua cabeça estivesse numa posição
desconfortável, e então eu apertei.
Íris azuis ornamentadas por glóbulos grandes e
injetados me saudaram quando ele ampliou os olhos,
desesperado por oxigênio. Ignorei sua expressão
apavorada e levantei a outra mão. Virei minha cabeça,
olhando diretamente na direção de Simon enquanto, em um
só golpe, cravava a ponta do objeto metálico sobre a pele
pálida de seu namorado.
Simon soltou um palavrão e se debateu em sua
cadeira, tentando inutilmente se libertar. Eu pressionei
ainda mais fundo a faca contra Elliot, o material
atravessando músculos e tendões, até que senti a ponta
bater contra algo duro quando alcançou o seu limite.
Os gritos eram cheios de agonia e dor. Elliot mordeu
o lábio para engolir o ruído, e então eu puxei e bati a faca
de volta. Eu queria tê-lo gritando. Eu queria tê-lo se
contorcendo de dor e queria tê-lo agonizando sobre a
poça do seu próprio sangue.
O que veio em seguida, você não gostaria de
presenciar. Eu girei a faca em movimentos lentos, o
material rasgando seu caminho. A voz de Elliot
sobressaiu qualquer ruído que pudesse existir ali, o som
num tom levemente rouco ecoando pelas paredes.
Ele continuava a gritar quando me afastei. Eu peguei
um pano sujo, que encontrei atirado sobre a prateleira,
limpei a faca com ele e depois fiz uma bola, enfiando-a
em sua boca.
Em seguida, voltei a me afastar. Peguei uma garrafa
de álcool, refazendo todo o meu caminho até Elliot.
Simon protestou, provavelmente dando-se conta do
que diabos eu pretendia fazer. Eu ignorei seu lamento
quando, lentamente, desatarraxei a garrafa e despejei o
álcool sobre a ferida exposta no braço de Elliot.
Ele voltou a gritar imediatamente, mordendo a bola
de pano enterrada em sua boca, os olhos transbordantes
em lágrimas.
Me virei para Simon.
— Ele está sentindo dor — eu disse. — Aperte o
botão.
Simon sacudiu a cabeça, seu olhar furioso.
— Eu sei o que você está tentando com isso — falou.
— Sem chance. Eu não vou fazer isso.
— Bem, você é teimoso — falei. — Vamos para a
próxima etapa.
Voltei a dar as costas para Simon e caminhei de volta
pelo quarto sujo, analisando as minhas opções. Os espetos
de ferro me davam um leque de possibilidades, mas
maioria delas exigia um trabalho extremamente cuidadoso,
afinal eu não queria perfurar um órgão importante e fazer
com que o idiota morresse antes da hora.
Então, eu parti para as correntes. Elas estavam em um
péssimo estado, mas aquilo pouco me importava. O cheiro
ferroso entranhou em minhas narinas no momento em que
peguei uma das correntes enferrujadas e retornei para
Elliot.
Puxei sua cadeira, vendo-o se debater. Em seguida eu
inclinei a cadeira para trás, de modo que suas costas
mantivessem apoiadas contra a parede, enquanto as pernas
traseiras permaneciam no chão.
Enrolei a corrente no pescoço de Elliot, até que
ficassem somente as duas pontas livres, e as prendi no
gancho na parede.
— Não se mova — alertei. Ele não o fez, de qualquer
forma. Qualquer movimento muito brusco geraria um
deslocamento da cadeira, resultando em um possível
escorregão e fazendo com que seu corpo fosse sustentado
somente pela corrente em volta do seu pescoço. Em boa
parte dos casos, acidentes como aquele poderiam ser
fatais.
Me dirigi até o Pé-de-cabra que havia utilizado para
agredir Simon e o apanhei. Quando me ergui e cruzei meu
olhar com o de Elliot, percebi que ele já sabia o que viria
em seguida. Ele já havia parado de gritar por conta da
queimadura em sua ferida, o que era uma coisa boa. Eu
não queria aquele filho da puta enchendo os meus
ouvidos.
Caminhei em sua direção. Os olhos do homem se
expandiram ainda mais. Ele se encolheu na cadeira, como
se aquilo fosse fazer com que ele se afastasse de mim.
Tarde demais.
Com uma das mãos, segurei em sua cadeira, evitando
que ela desabasse diante de qualquer impacto mais
brusco. Ergui o objeto de ferro e desci o metal
violentamente até que ele se chocasse contra a perna de
Elliot.
Mais um grito. Esse me deixou com a impressão de
que o homem estava rasgando fora seus malditos pulmões.
Não seria o suficiente, embora.
Ergui novamente e bati na outra perna.
— Merda! — Simon começou a balbuciar, seus
ruídos angustiados misturados aos gritos de dor de seu
namorado. — Merda! Merda!
— Aperte — desafiei, ofegante.
— Cale a boca.
— Ele está sofrendo, Simon. Aperte o botão.
Ele balançou a cabeça.
— Foda-se, não!
Não me virei para encará-lo. Em vez disso, levantei
a barra de ferro mais uma vez, e desci novamente.
Mais gritos.
Mais pancadas.
Maldições.
Pancadas.
Juras de morte.
Pancadas e mais pancadas.
Eu não me lembro ao certo em qual momento eu
decidi parar. Só me lembro de haver um cara se
contorcendo na minha frente e alguém gritando ao fundo.
Sangue sujava o Pé-de-cabra em minha mão, meu coração
batia freneticamente diante de toda a adrenalina, o sangue
correndo de forma violenta pelo meu sistema.
Baixei meu olhar para analisar a minha mais recente
obra fodida e assumi que, a julgar pelos gritos e lágrimas
que Elliot liberou, eu havia feito algo bem fodido com o
osso do seu joelho.
Não seria novidade nenhuma se eu dissesse que ele
estava uma merda. Seus olhos praticamente se fechavam.
Não demoraria muito para ele desmaiar.
Me virei para Simon.
— Aperte. O. Botão! — pontuei.
— Cale-se, porra! — ele retrucou. Sua voz estava
trêmula, testa suada e corpo tenso.
Eu sabia exatamente como era angustiante assistir a
pessoa que você ama sofrer. Não que eu tivesse um pingo
de compaixão pelo idiota, mas eu reconhecia facilmente
os sinais de que ele estava seriamente doente com tudo
aquilo.
Só mais um pouco.
Apenas um pouco mais daquilo, então ele explodiria.
Foda-se, eu queria aquilo.
O Pé-de-cabra deslizou da minha mão quando o
soltei aos meus pés. Puxei a bola de pano da boca de
Elliot e o segurei pela orelha, forçando-o a me encarar.
Ele estava com o corpo mole e a cabeça mal se
mantinha ereta, mas eu sabia que ele ainda era capaz de
sentir tudo o que eu lhe fazia.
Então, eu ergui meu pé e bati contra sua perna
quebrada.
Elliot se encolheu de dor — ele já não gritava mais
àquela altura do campeonato. Eu levantei novamente a
minha perna, mas parei ao escutar um gemido seguido por
uma pequena frase.
— O que disse? — perguntei a Elliot.
— Por favor — ele repetiu ofegante. — Eu disse por
favor.
Levantei uma sobrancelha.
— Você está implorando? — em seguida, olhei para
Simon. — Você vê? Ele está implorando. Acho que temos
aqui mais um motivo para que você aperte o maldito
botão.
— Ele está quase morto — Simon observou. — Não
vai fazer diferença se eu apertar ou não...
— Aperte — Elliot gemeu. — Eu não suporto mais
isso. Por favor, apenas aperte.
Houve silêncio, e então houve gemidos, houve
respirações pesadas e eu pude jurar que vi lágrimas
escorrendo pelo rosto de Simon quando ele fechou seus
olhos e apertou as pálpebras juntas.
Me afastei de Elliot, preparando-me para assistir a
cena prestes a se desenrolar.
E então, houve um chiado, um corpo se contorcendo
em espasmos ao meu lado, cheiro de plástico e carne
queimada... em seguida, silêncio.
O único barulho no ambiente era pelo choro baixo e
lamurioso de Simon. Eu fiz com que Simon Walker
chorasse. Quão filho da puta eu era? Que se dane, eu
faria novamente.
Era como se a morte e todo o tipo de coisas ruins e
degradantes houvessem passado por aquele local,
lançando sua podridão em torno do ambiente e devastando
tudo. Acontece que eu era o único ceifador naquele
momento. Eu era o responsável pelo cheiro de morte e
pelo choro do meu inimigo.
No entanto, o que eu senti foi como se parte de toda a
dor que havia sido obrigado a passar por anos houvesse
se distanciado. Eu só havia sentido algo como aquilo
antes, no dia em que o meu pai morreu na minha frente.
Talvez eu fosse um demônio na pele de um homem
quebrado ou um homem quebrado na pele de um demônio.
De uma forma ou de outra, eu possuía algo que me
estimulava a querer ser bom e tentar fazer a coisa certa um
dia: eu tinha Faith, e eu estava fazendo aquilo por ela
também.
— O que eu fiz? — Simon sussurrou, me tirando dos
meus pensamentos. Eu não tinha certeza se aquela
pergunta era dirigida à mim ou a si mesmo. — Deus, o que
eu fiz?
— Você o matou — acusei. — Como se sente ao
reconhecer isto?
Ele balançou a cabeça, perturbado.
— Eu não fiz! Você quem me obrigou! Eu não fiz!
— Você fez — continuei. — Você é um monstro,
Simon. Não somente por mutilar garotas inocentes, mas
você matou o homem que você ama.
Ele voltou a soluçar dessa vez, balbuciando palavras
que eu não compreendi. Me aproximei e ergui a faca. Ele
não se afastou, no entanto. Eu não soube ao certo se era
por ainda me subestimar ou ele não estava dando a
mínima para o fato de que eu estava prestes a fincar
aquilo contra seu corpo. Provavelmente o último. Eu não
o feri, embora não me faltasse vontade. Em vez disso,
cortei as fitas adesivas de seus braços e pernas.
— O que você está fazendo? — Simon perguntou, um
tanto atordoado.
— Eu estou te dando a chance de ter um fim justo —
respondi, lançando as armas que tinha sob meu poder em
um canto. — Luta limpa, corpo a corpo. Você está pronto?
Ele não se moveu por um longo tempo, me olhando
desconfiado como se certificando-se de que eu não iria
lhe pregar uma peça.
— Por que você está fazendo isso? — perguntou. —
Por que não me mata de uma vez por todas?
— Porque eu não quero tornar isso fácil pra você —
eu respondi.
Ele permaneceu imóvel por alguns segundos. Seu
olhar caiu para o corpo sem vida de seu namorado, e algo
passou por seus olhos naquele momento. Simon cuspiu no
chão e, em seguida, se levantou. O ódio permeado em sua
expressão facial.
Segundos se passaram até que ele conseguisse se
firmar em pé, mas quando finalmente o fez, seu próximo
movimento foi partir para cima de mim. Ele ergueu o
braço, em posição de ataque, ansiando me acertar com um
golpe. Eu desviei, fazendo com que Simon atingisse nada
mais que o vácuo. Em seguida ele veio de novo,
procurando me atacar de diversas maneiras, todas elas
sem sucesso.
Simon estava possesso de raiva, o que era bom, pois
eu o queria exausto. Mas por outro lado, ele já estava
muito fraco. Fazia horas que não se alimentava, sem
contar o baque emocional pelo qual acabara de passar.
Não que eu me importasse. Ele poderia morrer em
sua própria miséria fodida e eu ainda assim pisaria sobre
seu cadáver.
Em um pequeno momento de distração minha, Simon
conseguiu me acertar um soco. Aquela foi a deixa para
que eu partisse para cima dele, revidando o golpe. Não
foi preciso mais do que três socos seguidos para que ele
cambaleasse como um bêbado e tombasse no chão.
Ele se levantou no momento seguinte, babando uma
mistura nojenta de sangue e saliva. Voltando a partir para
cima de mim, ele se chocou contra o meu estômago.
Ambos caímos no chão. Ele me socou duas vezes antes de
eu conseguir rolar e lhe desferir mais um golpe. Ele tentou
se erguer, então eu fiz mais uma vez. E outra. E mais outra.
Até que finalmente ele desistisse.
Bom, de uma coisa eu tinha que parabenizar o filho
da puta. Ele tinha determinação. Entretanto, a fraqueza já
havia cobrado seu preço em torno dos músculos de
Simon. O rosto repleto de hematomas e a respiração
acentuada não deixavam dúvidas de que aquele era o seu
limite.
O fodido limite.
Me levantei, os olhos fixos na figura praticamente
imóvel de Simon no chão.
— Você está uma merda — falei, me regozijando com
seu olhar diretamente em mim. — Você fede como uma
também.
— O que... você quer?
— Isso — respondi, lhe golpeando com um chute nas
costelas. — Você tem ciência — chute — do quão burro
— chute — e estúpido — chute — você é? — as palavras
que ele havia me dito anos atrás, enquanto me tinha na
mesma posição lastimável, saíam amargas da minha boca.
Me afastei dele e alcancei minha arma, destravando
enquanto retornava. — Eu quero que você saiba de uma
coisa, Simon — declarei. — Eu estou fazendo isso por
Samantha. Estou fazendo isso por Ryan, e eu estou fazendo
isso por Faith. Eu também faço por Ashley, Danna,
Hailley e Sasha. Eu faço por Daisy, e por todas as garotas
que um dia tiveram a infelicidade de cruzar o seu caminho
— fiz uma pausa, sentindo a ansiedade e ódio fazendo
minha voz falhar. Respirei fundo. — Eu estou fazendo isso
por mim — Simon ficou em silencio enquanto eu apontava
a arma para ele. — Uma última palavra?
Lágrimas escorriam pelo rosto pálido, maculado com
seu próprio sangue.
— Não me mate.
Um sorriso perverso cresceu em meu rosto.
— Você é como a porra de um deus imortal, lembra?
Ele não respondeu. Não era necessário.
E sem mais uma palavra, eu atirei.

☆☆☆
Os vestígios de sangue ainda sujavam a minha luva
de couro escura quando apanhei o galão de gasolina e
despejei o líquido inflamável por todo o cômodo. Risquei
um fósforo e joguei sobre o corpo de Simon, que foi o
primeiro a queimar, sendo seguido por Elliot, todo o
caminho restante sendo lambido pelo fogo.
Saí o mais depressa possível do quarto improvisado,
descendo os lances de escada que me separavam do
térreo. Contornei a construção antiga, em busca do melhor
caminho para a fuga. Foi então que eu vi algo estranho:
Um carro preto estacionado a poucos metros.
Porra! Eu havia me certificado de dar um fim em
qualquer coisa no carro de Simon que pudesse acusar sua
localização, mas não havia me ocorrido que seus
capangas provavelmente haviam levado um carro consigo.
Inferno!
Eu decidi, então, dar o fora dali o quanto antes.
Estava feito, e eu sabia que mais cedo ou mais tarde
alguém apareceria. Girei em meus calcanhares, mas parei
ao ver um par de armas apontado para a minha cabeça.
— Você pensou que fosse ser fácil? — a voz de
Marcel me desafiou. Ao seu lado, havia um de seus
homens.
Eu não respondi de imediato. Deixei apenas que
fosse liberado o sorriso de satisfação que nasceu em meu
rosto. Eu devia ser louco. Certo, porra, já era para eu ter
me dado conta disso antes, não? Um grande fodido louco,
prestes a morrer.
Que se dane.
— Olá, Marcel — saudei. — Espero não ter feito
você esperar por muito tempo.
36: No Covil do Lobo

Faith
Os minutos se transformaram em horas. O dia se
transformou em noite e, com isso, mais uma manhã nos
saudou sem que eu obtivesse nem sequer uma mensagem
de Derek.
No momento em que todos concordamos com o
plano, onde ele sozinho cuidaria de Simon, eu fiquei
apreensiva. Entretanto eu também sabia que ele tinha
razão quando alegou que minha presença por lá não seria
uma boa ideia. Eu havia visto — e tecnicamente feito —
coisas demais ao longo daqueles últimos meses, mas tinha
que reconhecer que não era nada fácil ver um homem
sendo torturado. Mesmo se aquele homem fosse a pessoa
que eu mais odiava nesse mundo.
Embora soubesse que ele era esperto e cuidadoso, eu
fiquei preocupada com Derek. Eu não sabia ao certo como
diabos ele planejava lidar com Simon, ou quanto tempo
isso demoraria, mas de qualquer forma já era para ele ter
ao menos entrado em contato comigo, certo?
— Você acha que devemos ligar para ele? — Rachel
questionou enquanto se sentava ao meu lado.
— Eu não sei — mordi o lábio e apertei o telefone
celular em minhas mãos. Eu não sabia o que diabos fazer,
uma vez que eu não tinha ideia de como estava se
procedendo tudo.
— Não fique preocupada, Faith — ela pediu. — Ele
é esperto e é um homem grande. Você sabe, é meio difícil
derrubá-lo.
Ignorei sua tentativa de me acalmar e me levantei da
poltrona, voltando a perambular pelo pequeno quarto,
apreensiva.
Eu iria mandar uma mensagem. Ao menos uma
mensagem eu poderia enviar sem que lhe atrapalhasse,
certo?
Desbloqueei a tela do meu celular e enviei um
torpedo a Derek, perguntando se estava tudo bem. Ele não
respondeu na primeira hora. Muito menos na segunda, nem
tampouco na terceira.
Porra.
— Eu vou ligar — falei, decidida.
Disquei o número dele e pressionei o aparelho contra
minha orelha. Vários toques depois só serviram para que
a ligação caísse na caixa postal.
Bom, ao menos ele estava em uma área onde havia
sinal telefônico. Seria muita estupidez se alguém houvesse
o levado para um local onde ele pudesse ter acesso ao
sinal, certo? E se ele perdeu o telefone? Ou pior, e se
alguém o levou e acabou tirando o telefone dele?
Merda.
Com minha preocupação multiplicada por dois,
disquei seu número novamente. No momento em que a
ligação caiu novamente na caixa postal, decidi deixar uma
mensagem de voz:
— Derek — falei. — Eu estou preocupada. Me diga
se está tudo bem quando você ouvir essa mensagem ok?
Não seja um idiota sobre isso e me responda.
Mais uma hora se passou. Rachel tentou me acalmar,
mas, mesmo assim, eu estava uma pilha de nervos.
Soltando um longo suspiro, eu me virei decidida.
Removi meus shorts e abri a gaveta da cômoda. Retirei de
lá uma fita adesiva e comecei a improvisar um suporte,
envolvendo meu tornozelo com a fita e prendendo uma
faca contra o meu tornozelo.
— O que diabos você está fazendo?
— Me preparando — respondi enquanto ainda
ajeitava a faca de uma forma que não ferisse minha pele.
— Muito me admira você não saber de uma coisa dessas.
Você já deveria ter traçado um plano de sobrevivência
durante esses anos que viveu com Marcel.
Ela encolheu os ombros.
— Derek nunca me ensinou como me defender antes.
Eu parei o que estava fazendo e olhei para ela.
— Ele provavelmente não imaginava que algo fosse
acontecer naquela época. As coisas são diferentes agora.
— Você sabe que não é bem assim, Faith — disse
ela. — Por mais que Derek não tenha tido comigo todo
esse cuidado que tem com você, eu não fico chateada. Eu
já reconheci que o que havia entre nós era apenas atração
física. Ele se preocupava comigo, claro, mas ele era
jovem e, de certa forma, ingênuo — sorriu. — Eu fico
feliz em saber que ele está em boas mãos com você.
Bom, eu não queria chegar àquele ponto, falando com
a ex do cara que eu amava e pretendia me casar. Era ainda
meio estranho pensar no fato de que a minha cunhada
havia transado com o homem que eu dormia.
Ugh.
— Bom, eu estarei saindo em breve — eu disse,
aproveitando para mudar de assunto.
Caminhei até a cômoda e peguei as chaves do carro
que Derek havia deixado comigo. Guardei no bolso do
moletom grosso e fechei o zíper. Vesti um par de jeans e,
em seguida, fui até uma das malas debaixo da cama e tirei
de lá uma bolsa. Alcançado algumas notas e uma arma,
entreguei tudo à ela.
— Tome — falei, lhe empurrando os pertences. —
Fique com isto.
— O quê? — ela gaguejou. — Faith, eu não
entendo... o que diabos eu faço com isso?
— O dinheiro é pra você fugir pra longe daqui — eu
disse. — Leve Max com você e tentem começar uma nova
vida. Esqueça toda essa coisa com Marcel, afinal Derek
já tomou partido disso, e assim será até ele finalmente
cuidar de tudo — apontando para a arma que ela segurava
como se fosse um bicho asqueroso, eu continuei. — E isso
é pra você se defender. Veja — eu apanhei a arma da mão
dela e demonstrei como usava, ao mesmo tempo em que
lhe ditava o que ela precisava saber. — Não é tão
complicado quanto parece. Você vai conseguir lidar com
isso, e lembre-se: apenas a utilize se for necessário, ok?
Ela engoliu em seco e assentiu.
Lancei à ela um sorriso para acalmá-la e, depois de
lhe devolver a pistola, me virei. Peguei minha própria
arma, colocando-a no cós da minha calça, uma vez que eu
não tinha um coldre comigo.
Caminhei até onde Max estava dormindo e dei um
beijo em sua testa.
— Eu vou sentir sua falta, garotinho — sussurrei
contra a bochecha rosada do meu sobrinho. — Fique bem.
Quando me levantei, Rachel ainda estava me olhando
com grandes olhos confusos e assustados.
Como ela conseguiu sobreviver à Marcel durante
quatro malditos anos?
— O que foi agora? — eu perguntei.
— Você tem certeza disso? — questionou. — Eu não
sei se é uma boa ideia deixar você aqui sozinha e sumir
do mapa, Faith. Eu não estava mentindo quando disse que
queria ajudar.
— Eu não estou sozinha, Samantha — de uma forma
estranha, chamá-la pelo nome de batismo fez a coisa toda
a respeito de Derek e seu pau dentro dela ainda mais
esquisita. Desde quando eu havia ficado tão possessiva?
— Derek está comigo e, além disso, eu sei me cuidar
muito bem. Acho melhor você se preparar para dar o fora
também. Estarei saindo em breve.
Ela suspirou e assentiu, enquanto voltava a olhar para
a arma em sua mão.
— Posso saber de mais uma coisa?
— Claro — eu respondi.
— Aonde você vai, Faith?
Eu já estava na porta àquela altura. Pus a mão sobre a
maçaneta e por mais alguns segundos eu mantive meu
olhar sobre ela.
— Você sabe — respondi. — Estou indo ajudar o
meu homem.
☆☆☆
Cinco minutos depois, eu estava sentada no banco
dianteiro da velha caminhonete que havíamos adquirido
ainda na época em que estávamos em Scout Lake. Aquele
carro parecia ter tido dias melhores, mas era o único meio
de transporte que nós possuíamos, então teria que servir.
Outro fato que me preocupou foi o de Derek não ter
levado o carro consigo. Eu sabia que ele queria chamar o
mínimo de atenção possível, mas fugir sem um automóvel
disponível, caso as coisas dessem errado, era muito
complicado.
Eu também não sabia ao certo o endereço do
provável cativeiro onde ele havia armado a emboscada,
mas ele me dera o mapa detalhado de alguns pontos em
que costumava ficar quando morava na rua, e o
conhecendo como eu conhecia, era muito provável que
houvesse escolhido um daqueles.
Olhando para o pequeno mapa de metade da cidade,
com rabiscos e círculos em vermelho, eu recostei minha
cabeça contra o banco de couro eu gemi.
Havia, pelo menos, uns seis pontos marcados. Quanto
tempo eu demoraria até localizar todos? Isto é, caso
Derek estivesse realmente em um desses.
Maldito fosse ele e sua cabeça dura. Por que ele
tinha sempre que insistir em tentar me proteger, não me
envolvendo nos detalhes?
Eu decidi que ficar ali me lamentando iria apenas me
fazer perder tempo, então eu liguei o carro. Quase que
meu coração salta pela minha boca quando meu celular
começou a vibrar incessantemente. Quando verifiquei, o
número de Derek brilhava na tela.
Oh, realmente havia alguém lá em cima olhando por
mim.
O alívio durou apenas um segundo. Assim que atendi
o telefone celular, uma voz rouca e familiar me saudou.
— Eu estou decepcionado — ouvir a voz do meu
irmão, depois de tanto tempo, causou-me um frio que
subiu desde os meus dedos do pé até a minha espinha.
Pensando bem, quem quer que estivesse lá em cima
adorava me pregar uma peça.
— Marcel — falei, procurando acalmar os meus
nervos. — Onde ele está?
Eu torcia para que Derek estivesse ileso. Eu torcia
para que ele ao menos estivesse vivo, porra. Eu faria
qualquer coisa para ajudá-lo. Bastava ele estar vivo.
— Nem ao menos um “olá, irmão, eu senti sua falta”?
— ele ironizou. — É assim que você me recompensa
depois de anos vivendo debaixo do meu teto? É assim que
você me agradece aos anos de dedicação, boa criação e
frequentando as melhores escolas? Fodendo com o meu
maior inimigo? O cara que sequestrou você e quase lhe
assassina?
— Vá se ferrar — eu rosnei. — Você não é, e nunca
foi um bom homem. Então não me venha com essa
conversa de ingratidão porque eu dou uma merda para os
seus sentimentos falsos — respirei fundo. — Eu só quero
que você diga de uma vez por todas onde caralho ele está.
Eu nunca havia levantado a voz para o meu irmão.
Inferno, eu nunca havia levantado a voz para ninguém até
o momento em que conheci Derek. De certa forma, mesmo
sabendo que era um ato um tanto quanto irresponsável, eu
gostei daquilo. Eu me senti um pouquinho menos inferior a
ele, já que ele sempre me fez sentir como merda durante
toda a minha maldita vida.
O silencio que se seguiu após meu pequeno ataque de
ira demonstrou que Marcel havia ficado surpreso.
Chupe essa, seu babaca arrogante.
— Ele está onde sempre deveria ter estado, Faith —
sua voz era calma e fria. — Preso como um cão de briga
malcriado — eu senti o riso perverso atravessando o
autofalante do meu telefone. — Não vai demorar muito
para o bastardo ser nada menos que um pedaço de carne
ensanguentado. Então, quando isso estiver resolvido, eu
terei uma séria conversa com você. Você precisa aprender
quem é que manda. Por bem ou por mal.
Eu não tive tempo nem de revidar sua resposta,
quando senti a linha ficando muda. Ele havia desligado o
maldito telefone na minha cara.
Babaca.
Eu respirei fundo, pondo o carro em movimento. Se
Marcel pensava que me intimidaria, estava muito
enganado. Eu poderia sair morta naquela história, mas eu
daria um fim em toda aquela merda.
E então eu parti para o único lugar onde teria a
esperança de encontrar Derek. Ou ao menos o lugar que
me permitiria conseguir ter uma ideia de onde Derek
estava.
O covil do lobo.
☆☆☆
A viagem até a casa de Marcel durou em torno de
uma hora. Gelo percorria meus ossos e uma mão invisível
apertava minhas entranhas. Nada daquilo tinha a ver com
o tempo frio em Manhattan, apesar de tudo. Eu estava uma
pilha de nervos, o que não era surpresa para ninguém.
A velocidade na qual eu corri também não facilitou a
minha situação. Eu era uma medrosa em muitos aspectos,
mas estava pouco me lixando para o fato de que poderia
morrer num acidente automobilístico a qualquer momento.
Eu queria apenas salvar a vida de Derek, e foi este
pensamento que me impulsionou a continuar todo o
caminho até alcançar a mansão onde um dia eu havia
morado, como se eu possuísse uma espécie de asa
invisível ou, até mesmo, sete vidas.
O alto portão de ferro me saudou quando saí da
caminhonete e caminhei até ele. Minhas mãos envolveram
as finas barras de metal e sua frieza espetou contra meus
dedos. Apertando com mais força, eu sacudi.
— Ei! — eu chamei, pressionando o botão do
interfone.
Quando ninguém me respondeu, eu sacudi com ainda
mais força.
— Eu sei que você está aí dentro, Marcel. Me
responda!
Um momento se passou sem que eu obtivesse retorno.
A casa não se parecia mais com o lugar que eu chamara de
lar durante parte da minha vida. Ela estava sombria, sem
brilho, sem risos e sem cor. Aquela casa, na verdade, só
servia como uma espécie de tapete para onde era varrida
toda a sujeira que a minha família fizera por anos. Era
como se eu nunca conhecesse o seu lado real. Da mesma
forma que eu nunca conheci a verdadeira face do meu
próprio irmão.
Mais uma vez, eu forcei o portão com sacolejos
violentos; no entanto, um chiado familiar atraiu minha
atenção. Então eu ouvi alguém limpar a garganta através
do interfone. Logo em seguida, a voz desconhecida soou:
— Sim? — pelo timbre, era óbvio que se tratava de
um homem. Não Marcel, mas eu julguei ser um de seus
funcionários.
— Onde está Marcel? — eu perguntei.
Mais alguns segundos se seguiram até que ele
retornasse a falar, aparentemente de má vontade:
— E você, quem é?
— Eu sou uma das antigas moradoras desta casa e
irmã do seu chefe — gritei. — Portanto, deixe-me entrar!
Houve um momento de aparente desconforto, um
raspar de garganta, e então o homem disse:
— A casa está fechada, senhorita. Acho melhor
voltar em um outro horário.
— Como é? — me exasperei. Eu sabia que estava
fazendo aquilo de forma estúpida, mas todo o meu
autocontrole havia se acabado. Se pensamento matasse,
aquele imbecil já estaria beijando a bunda do diabo. —
Escute bem, idiota, eu vou lhe dizer algo e não quero ter
que repetir: eu tenho arquivos que provam que seu chefe é
um tremendo de um cretino criminoso. Há cópias
espalhadas por, pelo menos, três pontos deste estado.
Caso algo aconteça com Derek, ou Marcel se negue a me
atender, eu não vou hesitar em entregá-lo para a polícia —
menti. A verdade era que eu não confiava o suficiente na
polícia para recorrer à eles em busca de auxílio a Derek.
Não depois do que Simon dissera a respeito de os caras
estarem atrás dele. Eu sabia que Simon poderia estar
blefando, mas eu não podia arriscar a dar aquele tiro no
escuro.
Ele expirou rudemente, então houve o silêncio. Um
silêncio longo o suficiente para me fazer praguejar em
pensamento e chutar o maldito portão.
O homem havia mesmo me deixado falando sozinha?
Não havia escolha. Eu teria que entrar naquela casa.
Só sairia dali sem Derek, caso um de nós dois estivesse
morto.
Apenas o pensamento de ver Derek morto causou
uma onda desagradável de arrepios por todo o meu corpo.
Eu precisava evitar aquilo. Então eu apanhei a minha
arma, mirei na fechadura e atirei. Pequenas faíscas
choveram ao redor quando metal tocou metal.
Mais dois tiros foram dados por mim e, quando me
preparava para o próximo, ouvi o ruído do interfone
novamente. Desta vez, era a voz de Marcel:
— O que diabos você pensa que está fazendo, Faith?
— ele, obviamente, estava bastante irritado.
— Eu estou destruindo o seu portão — eu respondi
como se aquilo fosse algo muito óbvio. Realmente era. Eu
tinha uma arma na minha mão, afinal de contas.
Ele praguejou e eu ouvi suspiros e remexer de
objetos. No momento seguinte, ele voltou a falar:
— Acalme-se, Faith. Você está nervosa e essa coisa
não lhe diz mais respeito. Mexa sua bunda para fora da
minha residência e sinta-se feliz por eu não ter lhe dado
uma lição.
— Eu acho que não ouvi isso, certo? Você é louco ou
o quê? — balancei a cabeça, indignada. — Eu não te
reconheço mais, Marcel. Sabe o quê? Na verdade eu
nunca conheci você. Você sempre foi uma ilusão, a
imagem falsa de irmão mais velho e protetor. Um bandido
vestindo o personagem de homem de negócios e pai de
família centrado. Você sempre viveu para toda essa merda
de crime, e eu me sinto muito mal por reconhecer isto,
mas até mesmo a sua família pouco lhe importa. Você não
se importa comigo, não é?
— É aí que você se engana — refutou calmamente.
— Eu me preocupo com você, Faith. Eu não teria
assassinado o maldito John Wallace se não me
preocupasse com você. Eu não teria dado uma lição no
homem que lhe sequestrou e manteve sob cárcere, se eu
não me preocupasse com você.
Respirei fundo, forçando as lagrimas a retornarem.
Somente em ouvir a menção a Derek me deixava com os
nervos em frangalhos.
O que ele queria dizer com “dar uma lição”? Tive
medo de pensar sobre.
— Isso, provavelmente, é algo que você nunca sentiu
ou irá sentir por conta da alma suja e coração sombrio que
possui, mas eu amo esse homem, Marcel — falei. — E se
você realmente acha que eu vou mudar de ideia por causa
das coisas horríveis que diz sobre Derek, eu quero que
saiba que eu preferiria estar morta do que ver você fazer
algo contra ele.
Ele bufou, exasperado.
— Ouça a si mesma — resmungou. — Você só pode
estar ficando louca, Faith. Dê o fora, eu não vou alertar
uma outra vez. Vá embora, e deixe-me resolver isso por
mim mesmo.
Desespero e frustração me atacaram. Senti minha
respiração ficando dificultada e busquei avidamente por
ar. Não haveria jeito. Eu não conseguiria salvar Derek a
tempo. Não se dependesse de Marcel.
— Eu tenho nojo de você! — rosnei. — Na verdade,
eu odeio você! — em seguida, voltei para o carro. Eu
tinha que pensar em algo. Inferno! eu tinha que pensar em
algo muito rapidamente.
Minha testa descansou no volante enquanto eu
pensava em minhas opções, e eu poderia dizer a você que
elas eram todas nulas. Eu não tinha com quem contar. A
polícia era, muito provavelmente, uma das mais fortes
aliadas de Marcel, e o meu próprio irmão estava prestes a
matar o homem que eu amava.
Isto é, caso ele já não tivesse o feito.
Bile subiu até minha garganta. Respirei fundo e forcei
meu corpo a não ir por aquele caminho. Imagens diversas
de Derek preso em algum lugar, com frio, sujo e
machucado destacaram-se dentro da minha cabeça. Por
mais que eu tenha conseguido controlar a onda de náuseas,
as lágrimas não foram tão obedientes assim. Uma ardência
característica queimou atrás dos meus olhos quando
comecei a chorar. As poucas lágrimas que deslizavam
pela minha bochecha intensificaram-se até que meu rosto
se via molhado e soluços silenciosos irrompiam de mim.
— Droga! — comecei a socar o volante, o painel do
carro e todo o resto que se via ao meu alcance. — Droga!
Droga!
O que eu iria fazer?
Apesar do meu desespero, algo me veio à mente. Um
flash de luz em um túnel totalmente escuro. Eu pensei no
carro velho, pensei na minha arma e pensei no fato de meu
irmão me subestimar tanto — algo que muito me irritava,
mas naquele momento cairia como uma luva. O maior
impacto vem de onde você menos espera.
Eu estava ali com um propósito, que era salvar a vida
de Derek, e só sairia quando tudo estivesse acabado.
— Já chega, Marcel — eu sibilei com determinação.
Não pensei em mais nada quando pus cinto de
segurança e girei a chave de ignição. O motor velho
roncou quando ganhou vida. Minhas mãos suavam, mas eu
consegui executar todo o processo de pôr o carro em
movimento.
Recuei e acelerei...
Baque.
O portão de ferro estremeceu com o impacto.
— Porra — ouvi Marcel praguejar em algum lugar,
mas ignorei o que ele dizia.
Recuar e acelerar...
Baque.
O capô estava visivelmente amassado e o carro
começava a fazer um barulho estranho, mas que se
danasse tudo aquilo. Ele ainda estava funcionando, então
serviria.
Respirei fundo.
Recuar e acelerar...
Baque.
Eu me preparava para a quarta tentativa quando o
portão se abriu. Eu não soube ao certo se foi por conta das
batidas ou se alguém lá dentro havia feito isso, mas eu
decidi não trabalhar muito a minha mente em torno do
assunto e entrei com tudo.
O carro fez seu caminho desalinhado, cortando vento
e esmagando a grama, até que eu parei bruscamente em
frente à imensa fachada branca. Saí do carro já apontando
a arma para a fechadura da porta, foi quando esta se abriu.
Aproximadamente cem quilos de pura massa corporal
me saudaram quando dei de cara com um os seguranças do
meu irmão. Provavelmente era o idiota que atendera o
interfone. Marcel vinha logo atrás.
— Veja só o estrago que você causou em minha
residência — ele me repreendeu.
Dei de ombros.
— O prejuízo que você vai ter não é nada,
comparado ao quanto você lucra com suas prostitutas
ilegais em seus clubes secretos.
Sua feição ainda era dura quando ele deu um passo à
frente.
— Eu vou fingir que você não acabou de arrebentar o
portão da minha casa, logo após me levantar a voz feito
uma louca, Faith — e ainda sem tirar os olhos de mim, ele
segurou em meu braço com força. — Agora você vai agir
como a boa menina que é, vai dar meia-volta, se enfiar
naquela lata velha que muito provavelmente foi roubada e
desaparecer da minha casa. É o último aviso.
Foda-se. Eu já estava cansada de tê-lo agindo comigo
como se eu fosse uma criança muito estúpida ou qualquer
outra coisa do tipo.
O que veio em seguida não foi exatamente articulado,
mas que se danasse, eu já estava fodida de inúmeras
formas: eu cuspi em sua cara.
Eu simplesmente cuspi contra o rosto do meu irmão
criminoso e torturador de namorados sequestradores.
Marcel me soltou imediatamente. O olhar de desgosto
e repulsa em seus olhos azuis quando ele me encarou fez
algo retorcer em meu peito.
Ele era meu irmão, apesar de tudo. Saber que ele não
possuía nem um pingo de remorso por me ver sofrendo,
doía de alguma maldita forma.
Contudo, nada daquilo foi pior do que a ardência em
minha bochecha quando ele conectou o dorso da sua mão
violentamente em meu rosto.
Ele nunca havia me batido, também. Bom, eu nunca
havia cuspido nele. Pelo visto, aquele era o dia das
estreias.
— Tire a arma dela.
Eu sentia as lágrimas queimando por trás dos meus
olhos, mas não eram de tristeza. Eram lágrimas de raiva,
mágoa, desespero e frustração. No entanto, eu as forcei a
retornarem. Não iria dar aquele gostinho aos babacas. Eu
podia lidar com aquilo.
O homem veio para cima de mim. Eu tentei desviar a
tempo e me defender, no entanto ele foi mais rápido que
eu quando torceu o meu pulso e puxou a arma da minha
mão.
— Leve-a para dentro e não a machuque — Marcel
voltou a ordenar. — Apenas mantenha os olhos sobre ela
— em seguida, se virou para mim. — Você precisa se
acalmar, Faith.
— Onde diabos ele está? — eu grunhi. — Me diga,
Marcel, onde ele está?
— Ele está vivo, se isso te faz se sentir melhor —
respondeu. — Agora entre.
Eu tentei resistir, eu tentei lutar e tentei usar da minha
força, mas o segurança era muito maior e
consequentemente mais forte que eu. E, bem, se eu queria
encontrar Derek, eu teria que ir para dentro. Portanto eu
entrei na casa.
Subimos as escadas. Fui levada por um caminho que
eu reconheci ser o do meu antigo quarto. Quando já
estávamos quase no fim do corredor, Marcel parou,
chamando nossa atenção.
— Eu vou voltar para o porão — informou ele, sua
voz sombria. — Você, fique de olho nela até eu ordenar o
que fazer.
Pelo brilho diabólico nos olhos do meu irmão, no
instante em que ele trocou um olhar com seu capanga, eu
sabia o que aconteceria. Ele estava prestes a fazer algo
realmente sério com Derek.
Oh, Deus.
Depois que meu irmão me lançou um último olhar e
se virou, desaparecendo pelas escadas, Troll — eu
resolvi chamá-lo assim, uma vez que ele se parecia muito
com um e eu ainda não sabia como se chamava — me
pegou pelo braço e me forçou a andar.
Uma vez dentro do quarto, ele se trancou comigo,
empurrando seu imenso corpo contra a porta.
Mas que diabos?
— Você vai ficar aqui dentro? — eu perguntei
rispidamente.
Ele sorriu uma careta e cruzou os braços.
— Você acha mesmo que eu te deixaria aqui dentro
sozinha? — apontou com o queixo para a janela. — Não
vamos correr o risco de que você pule.
— Você acha mesmo que eu pularia? — minha voz
saiu aguda. Realmente, minha primeira intenção seria fugir
pela janela, mas ele não precisava saber disso. — Você já
viu a altura disto?
Ele deu de ombros.
— Nunca se sabe.
Que idiota fodido.
Eu não sabia quanto tempo havia ficado sentada
naquela cama em busca de um plano de fuga, mas o meu
mais novo companheiro parecia não se cansar de ficar
agindo feito uma estátua humana. E, bem, eu não
conseguiria ir ao socorro de Derek sem que ele me desse
ao menos uma maldita trégua.
Eu tinha que pensar em algo, e confesso a você que já
estava ficando cansada de tentar encontrar saídas e ser
falha em todas elas. Mas eu não era o tipo de pessoa que
desistia fácil, principalmente já tendo chegado àquela
altura do campeonato.
Eu não sabia exatamente se foi a mistura de tensão e
nervosismo ou se eu estava passando por uma fase
realmente ruim, mas, para a minha falta de sorte, eu
comecei a me sentir estranha. Primeiro veio a leve
tontura, algo que eu consegui disfarçar bem,
principalmente por estar sentada. Mas no momento em que
foquei meus sentidos ao meu redor e senti nitidamente o
aroma de limão do produto de limpeza, que
provavelmente havia sido utilizado recentemente no
quarto, junto ao cheiro de Troll, as coisas pioraram.
— Eu não estou me sentindo muito bem — eu disse
tentando me levantar da cama.
— O que está havendo? — Troll me questionou
desconfiado.
— Eu estou passando mal — respondi irritada. —
Você poderia pegar um copo d’água para mim, por favor?
Ele ficou sério, como se estivesse considerando o
meu pedido. Em seguida, estreitou os olhos e riu.
Ele apenas riu da minha cara.
Eu adoraria poder quebrar o seu maldito nariz torto.
— Eu já entendi tudo — falou, ainda tentando se
recuperar da onda de gargalhadas. — Você é uma
espertinha, hein? Não tente ir por esse caminho comigo,
garota. Eu conheço muito bem tipos como você.
Tipos como eu? O que diabos ele queria dizer com
“tipos como eu”?
Eu finalmente me levantei, preparando-me para
revidar seu comentário com algo realmente rude, mas
novamente o enjoo me bateu em cheio. Desta vez, eu não
consegui segurar. Em questão de segundos eu estava me
curvando aos pés do homem e despejando tudo o que tinha
no meu estômago em seus pés.
— Puta que pariu — ele resmungou. — O que
você.... merda!
— Desculpe — eu falei, mas na verdade eu estava
me contorcendo de triunfo por dentro. — Eu disse a você
que não estava me sentindo muito bem.
— Que seja — rosnou. — Vá se lavar.
Havia um banheiro no quarto. Um que possuía uma
janela minúscula no alto, e se eu não me tornasse uma
Faith compacta de cinco escalas inferiores ao meu
tamanho normal, jamais conseguiria passar.
Mesmo assim, o banheiro era um lugar que tinha
opções. Muito mais opções do que aquele quarto vazio e
sem graça.
Em silêncio, caminhei até o banheiro. Uma vez lá
dentro, fechei a porta. Por sorte o homem não resolveu me
acompanhar. Lavei o meu rosto, batendo um pouco de
água fria em minha nuca. Eu abri o compartimento acima
da pia em busca de um enxaguante bucal e, assim que
localizei, utilizei o produto para lavar a minha boca.
Quando finalizei, percorri cada metro quadrado possível
daquele banheiro em busca de algo que eu pudesse utilizar
como arma. Todavia, o máximo que eu consegui encontrar
ali, além dos produtos de higiene pessoal, foi uma loção
para cabelos em spray e uma maldita escova.
Uma fodida escova de dente comum. O que eu faria
com aquilo?
Voltando para a porta me certifiquei de que não havia
chances de Troll ter saído de sua posição de sentinela na
entrada do quarto. Retornei para a posição anterior, então
analisei as minhas opções.
A lata ainda estava pesada, portanto continha muito
produto. Não era um spray de pimenta, mas produtos
como aqueles continham ingredientes prejudiciais em
contato direto com os olhos ou a pele. Serviria para
despistar Troll enquanto eu corria. Mas era óbvio que eu
não conseguiria me manter longe dele por muito tempo.
Além do fato de o homem estar armado. Eu tinha que
encontrar algo com o que me defender.
Foi então que eu me lembrei. A faca.
Como é que eu não havia pensado nela antes? Me
agachei e tateei o suporte improvisado de fita adesiva,
puxando a faca com cuidado para não ferir minha perna. A
enfiei no cós da minha calça, atentando para que eu
pudesse ter fácil acesso quando precisasse.
Colocando a lata atrás das minhas costas, eu saí do
banheiro.
— Eu realmente sinto muito — falei, assim que meu
olhar cruzou com o do homem. — Eu não sei o que
aconteceu comigo. Deve ter sido algo que comi.
Ele soprou um “ok” irritado, mas não disse mais
nada.
— Como você conseguiu limpar a bagunça? —
perguntei, notando que boa parte do vômito no chão havia
sido removido.
— Toalhas — ele respondeu apontando para o
armário.
— Certo — forcei um riso nervoso. — Isso é tão
constrangedor.
Eu estava me aproximando lentamente. Ainda estava
a uma distância considerada grande o suficiente para que
pudesse tentar qualquer coisa, mas eu não podia fazer
alarde, portanto mantive toda a calma possível.
— Pois é — ele retrucou sisudamente.
— Isso nunca aconteceu comigo antes, acredite. Com
certeza foi algo que não me caiu bem.
Ele suspirou, demonstrando impaciência.
— Você já disse isso.
— Hum, certo, me desculpe — parei. Nós estávamos
a poucos centímetros de distância agora, e muito me
surpreendeu ele não ter se dado conta de que eu escondia
a lata atrás das minhas costas. Ótimo, porque caso isso
acontecesse, eu estaria ainda mais ferrada. — Como é o
seu nome mesmo?
Ele me lançou um olhar enviesado.
— Por que você quer saber?
Encolhi os ombros.
— Bom, porque eu pensei que... já que nós vamos
ficar aqui por tempo indeterminado e... — eu não concluí
a frase. Em vez disso, eu puxei a lata e, mirando o bico na
direção do seu rosto, despejei o máximo de produto que
conseguia contra seus olhos.
Ele deixou escapar um ruído de dor e surpresa e se
aproximou de mim, cambaleando para frente. No espaço
de uma respiração, eu estava puxando a faca e partindo
para cima dele.
Eu fui rápida e gananciosa, mas eu tinha que
confessar algo: o homem tinha a porra de um bom reflexo.
Ele conseguiu desviar a tempo, suas mãos tateando o
ar e exercendo força sobre meus ombros. Me
desequilibrei e caí.
A faca voou para longe e, com isso, eu me arrastei
para apanhá-la. Minha mão tocou o cabo de madeira.
Tentei esticar meu braço no limite para pegá-la, foi
quando ele puxou minha perna. Dei-lhe um chute que
atingiu seu nariz, e Troll gritou, afastando-se de mim.
Novamente com a faca sob meu poder, eu me arrastei
rapidamente até que estivesse de pé. Ele rastejou todo o
seu peso pelo chão, uma mão cobrindo o nariz de onde
escorria um pouco de sangue, a outra servindo como
auxílio para manter equilíbrio. Os olhos estavam
avermelhados e lacrimejavam, mas ele já conseguia me
enxergar. Ao menos o suficiente para poder se defender.
Ele tateou em seu terno para pegar sua arma, foi
quando eu avancei novamente e pulei em suas costas.
Envolvi o seu pescoço com meu braço, enquanto voltava a
erguer a faca com o outro. Ele começou a girar e se
debater. Ele chocou-se de costas contra a parede e o
baque me tirou o ar. Pressionei com mais força o meu
braço em seu pescoço. Em seguida, cravei o objeto na
lateral de seu pescoço — ou no ombro... eu não sabia ao
certo.
Eu me desgarrei dele e observei enquanto ele
ziguezagueava pelo quarto, seus movimentos perdendo aos
poucos a força.
Oh, Deus, eu havia assassinado um homem?
Eu não sabia muito bem sobre anatomia. Eu também
não sabia ao certo em que local do seu pescoço a faca
havia atingido, mas ele estava perdendo sangue e, caso
não conseguisse algo para estancá-lo, a merda seria
realmente feia.
Mesmo com o ferimento provavelmente profundo, ele
ainda conseguiu caminhar alguns passos, avançando para
cima de mim.
O homem nunca desistia?
Eu corri meu olhar ao redor, em busca de algo que
pudesse me ajudar, foi quando localizei um abajur em
cima do móvel próximo. Puxei o objeto com força e
espatifei todo o frágil material contra a sua cabeça.
Troll caiu feito um imenso e pesado saco de cimento
no chão. Ele ainda se movia e respirava, mas eu não
queria pensar muito a respeito de que ele pudesse viver
por mais tempo. Eu surtaria se eu pensasse, e salvar a
bunda de Derek era muito mais importante do que
qualquer outra coisa. Então eu me agachei e tateei por sua
roupa em busca de uma arma. Acabei encontrando uma.
Sem olhar para trás, me apressei em sair do quarto.
Analisando os quatro cantos do corredor vazio, me
dei conta de que não havia mais ninguém na casa além de
nós. E então eu pensei em Derek. Onde eles estariam? Eu
ouvi Marcel falando algo como estar no porão. Óbvio.
Tinha que ser para lá onde ele havia levado Derek. Eu só
torcia para que ele estivesse bem.
Eu segui cuidadosamente todo meu caminho enquanto
descia as escadas. Eu conhecia aquela casa como a palma
da minha mão e, por sorte, eu sabia o caminho até o
porão.
Chegando no corredor do andar de baixo, eu me
esgueirei contra a parede. Barulhos de uma voz masculina
ecoavam cada vez mais alto conforme eu chegava ainda
mais perto da porta que dava acesso ao porão. Ela estava
entreaberta, e então eu vi:
Meu irmão falava algo que eu não conseguia entender
muito bem. Eu não conseguia ver Derek também, não do
ponto onde eu estava, mas eu via algo como uma bota
masculina que eu sabia ser dele.
Seu pé se mexeu fracamente, o que me deixou
aliviada ao reconhecer que ele ainda estava vivo.
Empurrando lentamente a porta, eu entrei. Cheiro de coisa
velha e sangue me assolaram. Prendi a respiração e
continuei, descendo silenciosamente os degraus. Eu não
precisava vomitar uma segunda vez no mesmo dia.
Meus pensamentos foram cortados quando eu vi algo
que me chocou. O rosto de Derek estava muito
machucado. Hematomas arroxeados, alguns
provavelmente recentes, outros mais antigos, cobriam seu
rosto. Ele respirava com dificuldade e mal movia a
cabeça.
Oh, Deus, eu havia chegado tarde demais?
Senti vontade de chorar. Primeiro pela dor que ele
provavelmente estava sentindo. E segundo, por pensar que
talvez ele não sairia dali vivo. Talvez nem eu mesma
saísse viva, tendo em vista como estava se sucedendo
tudo aquilo.
E então, como se houvesse ouvido meus
pensamentos, seu olhar cruzou com o meu. A surpresa e o
medo eram nítidos, mas algo a mais brilhou ali. Eu soube
que ele estava tentando me tranquilizar. Era sua forma de
me dizer para ficar tranquila e que tudo terminaria bem.
Bem para quem? Era a pergunta que não calava.
Ele se mexeu um pouco e, ainda olhando para mim,
sorriu fracamente. Eu decidi, a partir dali, que eu faria
qualquer coisa para tirá-lo daquele lugar vivo. Não
importava o quê, eu faria qualquer coisa.
— O que você acha tão engraçado? — Marcel
rosnou. Era óbvio que ele ainda não havia me visto. —
Você não parecia estar tão animado assim, há alguns
minutos, enquanto meu punho acertava seu queixo de
merda.
Desgraçado. Eu odiava meu irmão.
— Você é um homem morto — Derek conseguiu
dizer.
Marcel liberou um ruído que dizia estar zombando do
que acabara de ouvir. E para completar seu deboche, ele
começou a rir.
— Idiota — falou. — Você é tão estúpido.
Ele se aproximou de Derek e levantou o punho,
armando um próximo golpe. No entanto eu fui mais rápida.
Cortando a pouca distância entre mim e meu irmão, eu
colei o cano da pistola sob meu poder contra a sua
cabeça.
O tempo pareceu congelar, as respirações eram
controladas e eu jurava que o zunido dentro do meu crânio
era o meu cérebro entrando em curto. Talvez fosse o único
movimento que eu fazia em vida, mas eu iria até o fim.
Respirei fundo, firmei meus punhos e engatilhei.
Minha voz era rouca:
— Sai de perto dele agora ou eu juro, pela alma dos
nossos pais, que vou estourar a sua cabeça.
37: Tensão

Derek

Em nenhum momento durante a minha vida eu parei


para pensar com o que poderiam se parecer os anjos. Em
como se comportavam, como de fato se vestiam ou o que
normalmente eles faziam. Isso, certamente, estava
propenso a ser considerado uma tolice da minha parte,
tendo em vista toda a teoria levantada por especialistas e
religiosos que abordavam tão seriamente o assunto. Mas
se eu quisesse ter uma escolha sobre o que acreditar, com
certeza os meus anjos seriam do tipo que surgem
inesperadamente, vestindo casaco e jeans, portando uma
pistola preparada para atirar.
Os anjos da minha idealização teriam cabelos
rebeldes colados à testa suada por conta de um provável
esforço, exalariam teimosia e determinação e estariam
com a roupa salpicada de sangue. Em seguida, eles
apontariam sua arma para o perigo em questão,
respirariam fundo, e então eles ameaçariam.
Puro instinto de sobrevivência.
Sexy e selvagem.
Algo que logo fugia do lance de auréolas e pureza,
mas quem se importa com as malditas auréolas? Quem se
importa com a pureza, também? Não quando se tem Faith,
a mulher que virou de cabeça para baixo a minha vida, se
parecendo exatamente como um anjo justiceiro ou uma
onça prestes a proteger a sua cria.
Minha garota não era qualquer tipo, eu sempre soube
disso, e por mais que fosse perigoso e negligente de sua
parte, ela merecia uma congratulação por ter bolas o
suficiente para desafiar o próprio irmão. Que irônico,
pensei, tudo aquilo para proteger o cara que um dia quase
lhe assassina.
O destino era, definitivamente, uma vadia ardilosa.
— Ei, vamos com calma, Faith — Marcel murmurou
cautelosamente. Seus olhos estavam em mim, mas ele
estava muito atento ao cano da pistola ameaçando queimar
suas costas. — Você não quer me machucar, não é?
— Vire-se — Faith retrucou, obviamente ignorando o
seu comentário. Ele não obedeceu, no entanto. Faith
repetiu mais firme. — Eu disse para se virar!
Consegui captar a oscilação suave de sua garganta
quando Marcel deglutiu. Em seguida, ele me lançou um
último olhar cheio de raiva e se virou lentamente para
ficar frente a frente com a sua irmã.
— E agora? — questionou ele, como se estivesse
falando com uma criança idiota. Aquilo me irritou.
— Você tem uma arma com você, não tem?
Eu não podia ver o rosto de Marcel, mas tinha
certeza que ao menos uma de suas sobrancelhas estava
erguida, o desafio dançando em seus olhos.
— Eu tenho — ele finalmente respondeu.
— Ponha-a no chão.
Marcel balançou a cabeça, provavelmente incrédulo.
— Faith, realmente precisamos de tudo isso? —
objetou. — Eu não vou usá-la contra você, se quer saber.
Da mesma forma que eu sei que você não terá coragem de
usar essa pistola contra mim.
— Eu não estou blefando, Marcel. Estou tentando
fazer isso do jeito certo, portanto colabore comigo e,
assim, evitaremos que alguém se dê mal nessa história.
Ele fez uma leve pausa antes de retornar a falar:
— Você sabe que é um tanto quanto ingênuo de sua
parte acreditar que eu não seria capaz de atirar em você
com a minha arma, não é? Eu não tenho intenção de te
machucar, mas se isso significar que você vai pôr em
risco a minha vida, eu não hesitarei em usar a minha
pistola contra você, menina.
Eu imaginei que Faith fosse recuar ou ao menos
vacilar em sua decisão, mas que macacos beijassem
minha bunda, eu subestimei a garota, porque ela
simplesmente sorriu.
Ela fodidamente sorriu diante de uma ameaça de
Marcel Bloom.
Eu não sabia o que havia perdido, mas seja lá o que
fosse, eu estava orgulhoso dela.
— Você atira em mim e está tudo acabado — disse.
— Há alguém lá fora com cópias do pen drive que você
me deu. Um pen drive que incrimina não só uma corja de
tiras corruptos, quanto você mesmo. Se eu estou aqui é
porque eu não me importo se saio dessa casa viva ou
morta, Marcel. Eu só quero fazer tudo do jeito certo.
O que ela estava dizendo? Ela havia mesmo
entregado o pen drive a mais alguém? Eu não podia dizer
ao certo, mas algo me dizia que ela estava blefando. De
qualquer forma, Marcel pareceu acreditar em sua pequena
mentira.
— E você quer me desarmar para isso? — ele
argumentou. — Para me entregar à polícia?
— Eu quero salvar a vida de Derek — respondeu
ela. — Eu não tenho intenção de te matar, mas vou fazer se
você não colaborar comigo. Você só tem a perder, então é
melhor fazermos isso de uma forma que te permita ficar
vivo no final.
Marcel não disse mais nada. Ele apenas inclinou a
cabeça e puxou a sua arma, se curvou e a descansou no
chão.
— Satisfeita?
— Levante as mãos — ela continuou.
— Faith, você não quer fazer iss...
— Levante as malditas mãos!
Quando Marcel fez exatamente do jeito que ela havia
ordenado, Faith chutou a arma até mim. Eu agarrei da
forma que consegui, foi quando ela viu meus pulsos
presos.
— Onde estão as chaves das algemas? — perguntou a
Marcel.
— Comigo — o homem respondeu.
— Me passe.
Ele soltou um exalar aborrecido, mas não discutiu.
Escutei um “Ok”, ao passo que Marcel enfiava a mão no
bolso de sua calça, mas não foi exatamente uma chave o
que ele puxou. Na verdade, ele não puxou exatamente
algo. O cara simplesmente tomou impulso e avançou para
correr em direção à porta.
A porra de uma fuga mal orquestrada.
O tiro que veio em seguida deixou a nós três
congelados em nossas posições. Faith tremia, Marcel
ofegava e eu... bem, eu observava a garota bonita de olhos
azuis que encarava, ainda em posição de ataque, o seu
irmão ostentando um buraco de bala na coxa.
Ela havia atirado nele.
Foda-me.
— Porra, cadela — Marcel vociferou. — Você atirou
em mim!
— Eu não estou aqui para brincadeiras — Faith
replicou. — Pare de tentar bancar o esperto comigo e me
dê as malditas chaves.
Ainda rosnando palavrões, Marcel finalmente puxou
um pequeno chaveiro de seu bolso e jogou para Faith.
Claro que ele entregaria. Tinha algo mais importante
com o que se preocupar. Mais precisamente, a merda de
um tiro na perna.
Ela apanhou rapidamente e veio para mim.
Agachando-se ao meu lado, ela alternou seu olhar entre
seu irmão, que ainda permanecia no mesmo lugar, e eu.
— Como você está se sentindo? — perguntou. —
Você consegue se mover? Tem alguma fratura? Não faça
muito esforço, eu vou te tirar daqui.
Após a enxurrada de perguntas que eu não fui capaz
de responder devido ao estado de nervosismo de Faith,
ela finalmente libertou os meus pulsos. Sem mais uma
palavra, ela se virou e correu até Marcel.
— Ponha suas mãos atrás das costas — quando ele
certamente não obedeceu, ela voltou a levantar a arma. —
Mova suas mãos agora ou você terá dois buracos na porra
da sua coxa.
— Ela é boa nisso — eu avisei. — Acho melhor
você obedecer.
Marcel resmungou algo sobre estar sentindo dor e
sobre Faith lhe pagar por isso mais tarde, mas, por
incrível que pareça, não tentou lutar quando sua irmã mais
nova algemou seus braços atrás de suas costas.
Deixando Marcel ali, Faith veio até mim novamente.
Quando me abraçou, eu a pressionei contra mim. Ela
estava quente e pequena colada ao meu corpo. Eu senti
tanta falta disso. Foram só algumas horas sem contato
físico, mas parecia uma eternidade.
— Não chora — eu a acalmei quando percebi que
lágrimas molhavam seu rosto. — Vai ficar tudo bem.
Ela se agarrou ainda mais em mim, puxando a minha
camisa como se dependesse daquele contato para viver.
— Eu senti tanto medo.
— Você é uma garota corajosa — alisei suas costas
trêmulas. — Eu estou tão orgulhoso de você.
Faith fungou e se afastou de mim alguns centímetros.
Sua testa encostou na minha e, em seguida, ela pressionou
seus lábios contra os meus. Foi um contato ínfimo, mas
que serviu para abrandar o caos na minha cabeça. Eu teria
que me reorientar se quisesse que saíssemos daquela casa
vivos.
— Eu te amo — disse ela quando voltamos a separar
nossos lábios. — Nós vamos sair dessa.
— Sim, nós vamos, babe — eu confirmei. — Eu
também amo você.
Ouvi alguém bufar.
— Deus do céu — Marcel resmungou, aparentemente
entediado. — Vocês vão ficar nessa coisa por muito
tempo? Eu estou preso aqui.
Faith se afastou de mim, parecendo finalmente
lembrar que seu irmão — o fodido causador de todos os
nossos problemas — ainda estava ali.
Ela olhou para mim.
— O que vamos fazer com ele?
Me estiquei e ajeitei minha posição, ainda sentado no
chão. Fiz uma careta que provavelmente afligiu Faith, pois
ela veio ao meu socorro.
— Está tudo bem — eu a tranquilizei. — E a respeito
do seu irmão, nós vamos levá-lo para a polícia.
Ela me encarou com surpresa e confusão.
— Você tem certeza? — indagou. — Porque, tipo, ele
quase assassina você. Sem contar que esses tiras podem
tentar pegar você também, Derek. Nós não podemos
confiar neles, lembra?
Eu sabia. Eu, como ninguém, sabia daquela merda.
Mas as coisas haviam mudado desde que Marcel me
localizou, manteve sob cárcere e Faith viera ao meu
encontro. Me chame de maricas quem quiser, mas eu não
podia matar o irmão de Faith na frente dela, porra.
Sentimentos deveriam vir com paus. Eles acabam
fodendo com você, de qualquer maneira, no fim das
contas.
— Eu sei, eu sei — falei para ela. — Mas nem todos
os policiais são corruptos. Nós conseguiremos entregar o
seu irmão. Vamos encontrar uma saída de fazer isso sem
que saiamos prejudicados, ok?
— Ok — ela ainda estava vacilante. — Você
promete?
— Sim, eu prometo — sorri para tranquilizá-la.
Por mais que o sorriso trêmulo que ela me deu tenha
servido para que eu soubesse que, por ela, qualquer
decisão minha estava bem, Faith me olhava com certo
alívio. Não é fácil para ninguém presenciar seu irmão
morrer. Por mais que o cara seja o maior chute na bunda
que a humanidade já tenha visto.
Faith trocou de posição e abriu a boca para dizer
mais algo, mas eu nunca soube o que ela pretendia falar.
Suas palavras foram engolidas quando, de repente, uma
sombra se aproximou de nós.
Bastaram milésimos de segundos para que meu olhar
periférico captasse a presença de Marcel que, já de pé,
lançava-se em nossa direção. Eu não sabia como ele havia
conseguido se libertar das algemas, o filho da puta
provavelmente tinha uma cópia das chaves guardada.
Empurrei Faith para o lado e levantei a arma. O tiro
que dei não foi preciso, resultado da posição em que eu
estava e da agilidade com a qual Marcel se movia, mesmo
com um ferimento na perna. Eu consegui me arrastar pela
parede suja do porão e fui para cima dele.
O primeiro golpe veio do meu punho. Um soco que
quase o derruba.
Marcel recobrou sua coordenação e avançou em
minha direção. Outro soco para revidar, e o que veio em
seguida foi uma bagunça de chutes, murros e encontrões
contra a parede fria.
Eu estava ferido, com ossos fraturados e hematomas,
mas eu não podia deixá-lo vencer. Já havia passado por
coisa pior, e não iria recuar justamente naquele instante.
Em certo momento, Marcel me acertou com um soco
abaixo do queixo que fez tudo ao meu redor vibrar.
Acabei perdendo o poder da arma. A coisa caiu, deixando
para trás apenas o barulho metálico quando bateu no chão.
Puxei Marcel pela gola da camisa. Sem muita
cerimônia, minha testa foi de encontro à sua. Meus olhos
ficaram turvos por conta do impacto, mas eu consegui
beber da imagem de Marcel cambaleando para trás.
Foda-se toda a coisa sobre a presença de Faith. Eu ia
matar aquele filho da puta.
A investida foi rápida e furiosa. Meu braço trabalhou
todo o caminho uma, duas, três vezes. Mais sangue
jorrando e carne macia contra meu punho.
Um empurrão e então minhas costas estavam batendo
contra a parede. Dois socos, desfoque, a dor já
praticamente não existia.
Ok, retaliação dada.
Voltei a atingir Marcel, recebendo alguns golpes de
volta. Eu não sabia ao certo a posição de Faith, até que
dois ou três disparos foram dados. Houve a queda de
Marcel, e então o silêncio.
Por um instante, eu achei que ela houvesse atirado no
seu irmão — provavelmente a intenção fora essa — mas
no momento em que vi Marcel ainda respirando e lutando
para voltar a ficar de pé, eu percebi que algo havia dado
errado.
Na verdade, a ideia havia dado fodidamente errado.
Faith xingava baixinho e seus olhos estavam na pistola, o
dedo trabalhando incessantemente no gatilho da arma já
inútil.
Era só o que faltava. A porra descarregada.
Escutei um ruído de Marcel. O cara havia desistido
de ficar de pé e se arrastava pelo chão. Faith seguiu o
olhar até seu irmão, e eu fiz o mesmo. Nós o vimos se
arrastar para buscar a arma que havia caído e, àquela
altura, estava a poucos metros de nós.
Nem fodendo.
Ataquei, impedindo-o de chegar até a arma. Marcel
me deu um soco, voltando sua atenção para mim, e ambos
nos envolvemos em outra briga novamente.
Em dado momento, seu braço se esticou e me atingiu.
Então, meu joelho se levantou e se conectou contra seu
estômago.
Luzes piscaram através dos meus olhos quando ele
me bateu. Eu me levantei, cuspindo uma mistura de saliva
e sangue, e jurei sentir um cheiro estranho que ainda não
conseguia definir.
O suor escorria pelo meu rosto e braços, assim como
o sangue — que eu tinha certeza não ser todo meu. Voltei a
socá-lo e ele se embolou em mim quando seu braço voltou
à ação, tentando se conectar com o meu pescoço. Desviei,
o montei em minhas costas e depois o derrubei.
Segundos depois Marcel já estava de pé, no entanto,
paralisou. Virei a cabeça para visualizar uma Faith
trêmula, apontando para o seu irmão mais velho a pistola.
— Sua puta! — ele rosnou e, imediatamente, partiu
para cima dela.
Um, dois, três tiros. No seguinte momento, ela foi ao
chão.
Eu só fui capaz de ver Marcel rosnando com um
ferimento de bala no ombro e Faith no chão, seu nariz
sangrando.
Ele havia acertado ela. Ela tinha lhe atingido, mas o
cretino bateu nela!
Eu vi vermelho. Ele podia me espancar o quanto
quisesse, mas ele não tocava um dedo nela, porra.
Parti para cima dele. Apenas esse gesto serviu para
que desencadeássemos em uma luta novamente. A essa
altura, a arma da mão de Faith já havia caído em algum
lugar. Eu jurei sentir o impacto de algo contra meu pé,
segundos antes de a arma deslizar para debaixo de um
armário repleto de coisas velhas e ferramentas
enferrujadas.
Ok, nós havíamos perdido a maldita coisa.
Marcel continuava tentando me derrubar, nossos
corpos levando e recebendo golpes. Batendo contra a
parede várias vezes, depois contra o armário. Este caiu,
derrubando tudo o que guardava, fazendo um barulho
estrondoso.
O que veio em seguida eu não soube definir:
Notei a sombra de Marcel se afastar e depois voltar a
se aproximar de mim. Eu senti algo duro contra a minha
cabeça. O mundo girou e desfocou. Em seguida, ele ficou
preto.
38: Combustão

Faith
Derek estava morto. Foi o primeiro pensamento que
tive ao avistar o corpo desfalecido do homem que eu
amava.
A posição ainda era estranha. Seu corpo grande e
machucado descansava ao lado do armário destruído. Ele
parecia tão indefeso. Derek nunca fora um homem frágil.
Ele sempre manteve domínio sobre tudo, inclusive o que
acontecia ao seu redor, no entanto a merda havia fugido do
controle, ambos estávamos desprotegidos, e eu não tinha
nem sequer um aliado. Eu precisava zelar pela integridade
física de nós dois. Sozinha.
Os ruídos que Marcel soltava não escondiam o
cansaço e a dor que provavelmente estava sentindo. Seu
ombro se via machucado, havia um tiro em sua perna, e o
sangue, assim como contusões, cobriam boa parte do
rosto. Como se houvesse acabado de sair de uma guerra,
era a forma como ele se parecia. No entanto, eu estava
pouco me lixando para o fato. Derek estava inconsciente,
e ele era prioridade.
Me levantei com dificuldade, pois a região externa
da minha coxa ainda doía devido ao baque que levei
quando caí, e me arrastei até ele.
— Derek? — o sacudi. — Diga alguma coisa, Derek.
Por favor, a gente precisa sair daqui!
Nada.
— Derek?!
Nada.
— Vamos lá! — me desesperei. — Eu não posso
fazer isso sem você!
Uma risada chamou minha atenção. Me virei para
encarar Marcel que, já de pé, me observava.
— Não seja ingênua — disse ele. — Ele não vai
durar por muito mais tempo, você já deveria ter percebido
isso.
Minha garganta se fechou e o ódio me envolveu. Senti
minhas mãos apertarem em punhos, minhas unhas
cravando nas palmas tão fortemente que eu sentia que a
qualquer momento o sangue brotaria daquele ponto.
Por mais que Marcel nunca tenha sido o melhor
irmão do mundo, eu acreditava que ele gostasse ao menos
um pouco de mim. Quer dizer, irmãos tendem a querer
cuidar e proteger uns aos outros, certo? Por mais que a
relação fraternal não seja uma das melhores, você é
fadado a ter, por instinto, a necessidade de proteger o seu
sangue.
Eu amava Marcel, mesmo sabendo que não recebia o
mesmo sentimento de volta. Até me sentira em parte
aliviada por saber que Derek não iria assassiná-lo na
minha frente e — não me leve a mal — por mais que ele
merecesse pagar por todo o sofrimento que causou, eu
preferiria, caso tivesse escolha, vê-lo se redimir por seus
erros atrás das grades, do que presenciar uma bala
perfurando o seu cérebro.
Entretanto, as coisas haviam mudado a partir de certo
ponto. Eu percebi que não tinha mais jeito. Era matar ou
morrer. Oito ou oitenta. A selva.
Puro instinto de sobrevivência e, sinceramente, desde
o primeiro instante em que ele colocou o dedo sobre
Derek, eu percebi que a melhor coisa para todos os
envolvidos era se Marcel estivesse morto.
— A culpa é toda sua — sibilei.
Minhas mãos se arrastaram atrás de mim. Firmei meu
toque em algo frio e comprido, fechando meus dedos em
torno dele. O corpo era fino. Parecia ser uma das
ferramentas que haviam caído quando o armário desabou.
Eu torcia para que conseguisse localizar a bendita arma
carregada, mas ela estava perdida debaixo dos escombros
de metal enferrujado e madeira velha. Eu tinha que agir
rapidamente.
— Pare de tentar colocar toda a maldita culpa em
mim! — ele retrucou. — Foi você quem fodeu com um
assassino e foi burra o suficiente para se deixar levar por
ele! Portanto não me venha com isso agora, ok?
— Não que isso importe pra você, mas eu me
apaixonei por ele, seu imbecil — gritei. — Você nunca
vai saber o que isso significa, porque não é capaz de
amar, muito menos de fazer com que alguém o ame!
Ele balançou a cabeça.
— Eu amo meu filho — disse. — E eu sei que ele me
ama também.
— Você acredita mesmo que Rachel vai deixar você
se aproximar de Max depois de todas as besteiras que
fez? — balancei a cabeça. — Seu filho está bem longe
daqui agora. Você nunca vai saber notícias sobre Max.
Ele passou a mão pelos cabelos, com raiva.
— Vocês, suas putas! — rosnou. — Vocês são umas
ordinárias. Eu vou matar aquela vadia quando tiver
oportunidade.
Soltei o ar, parcialmente aliviada pelo fato de a
minha cunhada e sobrinho estarem bem longe de Nova
York àquela altura. Eu estava fadada a morrer naquela
casa com Derek, mas ao menos outras duas vidas eu
salvaria.
Sorri sem humor.
— Você não vai assassinar mais ninguém — apontei.
— Vamos todos morrer nesta casa, Marcel, mas você não
mata mais ninguém.
Eu não calculei com precisão meus movimentos, mas
fui ágil o suficiente para que, em questão de segundos,
meu corpo estivesse se chocando contra o dele. Ergui
minha mão, percebendo que a ferramenta que eu havia
apanhado era, na verdade, uma chave de boca e desci o
objeto contra o seu ombro ferido.
Ele rugiu, recuou e bateu as costas contra a parede.
Eu investi novamente, mirando na direção do seu
rosto. No entanto ele foi mais rápido quando segurou meus
pulsos, enquanto eu ainda lutava para atingi-lo com chutes
e socos.
— Eu odeio você! — rosnei, ainda em fúria. —
Odeio!
— Cale essa boca — ele torceu meu pulso para que a
chave de boca caísse e me empurrou. Eu acabei caindo no
chão, a dor se alastrando pela minha bunda. — Você não
sabe o que diz, porra. Você está me deixando louco.
— Você não percebe? — eu repliquei. — Você já é
um caso sério de cérebro fodido e mente distorcida. Você
está destruindo a minha vida, e eu nunca vou te perdoar!
— Eu não estou te pedindo perdão — disse. — O seu
namorado teve o que merecia. E o mesmo vai acontecer
com você, caso não colabore.
Marcel começou a andar pelo espaço, mancando um
pouco devido à perna ferida. Era óbvio que ele estava
perturbado. Também parecia bastante cansado.
— Ok — ele respirou fundo e voltou a falar. — Nós
vamos cuidar do corpo dele primeiro, depois vamos
embora desta casa. Você vem comigo e não quero ouvir
mais nada a respeito dessa merda. Ou você dança
conforme a minha música, ou vai ser enterrada junto com
esse imbecil.
A forma como ele falou comigo me causou um
arrepio.
— Foda-se! — gritei. Ele estava sugerindo enterrar
Derek vivo? Só por cima do meu cadáver. — Você é
louco. Completamente louco.
Ignorando seu olhar de repreenda, eu voltei para
Derek. Eu tinha que acordá-lo. Tinha ao menos que tirá-lo
dali.
— Derek, porra, acorde!
Eu toquei em suas costas e percebi que ele respirava.
No entanto, não pude aprofundar minha inspeção quando,
de repente, um estrondo abalou a casa.
— Que diabos é isso? — Marcel praguejou,
alarmado.
Em seguida, uma sirene soou pela residência, alta e
aguda.
Paralisei. E se a polícia havia chegado? Eu não sabia
quem quer que pudesse ter chamado o socorro, mas fosse
quem fosse, eu estava feliz por algo como aquilo estar
acontecendo.
— Provavelmente é a polícia — falei. — O jogo
acabou para você, Marcel.
— Não seja estúpida — começando a dar voltas pelo
porão, certamente nervoso, ele balançou a cabeça. — Isso
é o detector de fumaça. A casa está pegando fogo, porra.
Fogo? Era só o que me faltava.
Eu movi meus pés até alcançar a base do pequeno
lance de escada, e então consegui ouvir mais nitidamente.
Sim, era o alarme de incêndio.
Desespero me envolveu. Eu não fora capaz de
perceber, no meio da adrenalina e desespero, mas o
cheiro era forte. Gás de cozinha, misturado à fumaça.
Droga!
Nós tínhamos que sair dali, mas antes de tudo eu
precisava de socorro para Derek.
Eu não tive tempo de voltar até ele, pois Marcel me
pegou e me puxou pelo braço.
— Venha, vamos sair daqui.
— Não! — eu protestei. — Derek está inconsciente,
seu idiota. Me solte!
Ele continuava me puxando, e eu tentando resistir.
— Ele não vai sobreviver por muito tempo, Faith.
Venha comigo e não seja uma cadela. Nós temos que sair
daqui.
— Pois vá sozinho! — eu puxei meu braço. — Eu
não vou a lugar algum sem ele.
Ele bufou, furioso.
— Foda-se! Eu vou matar esse imbecil.
E com isso, ele se dirigiu para cima de Derek. Eu fui
mais rápida, montando um bloqueio, empurrando seu peito
com toda a força que possuía. Marcel tentou me tirar do
caminho e, sem aviso, o meu joelho se conectou com o
meio de suas pernas.
— Sua cretina! — meu irmão se curvou com a nova
invasão de dor, mas não sem antes me dar um tapa no
rosto.
Ardeu. Senti o mundo girar, mas não vacilei quando
vi que Marcel estava partindo para cima de Derek de
novo, agora com algo na mão. Parecia uma barra de ferro.
Voltei a atacá-lo, meu joelho tentando ao máximo
atingi-lo, minhas unhas cravando na pele, meus braços
empurrando.
— Você é tão idiota — gritei. — Seu fodido doente,
eu quero que você morra!
Ele me empurrou, eu caí. Rolei no chão quando ele
me deu um chute nas costelas.
O ar de repente ficou espesso.
— Veja só o que você me faz fazer! — vociferou,
enfiando os dedos entre os cabelos. — Eu não quero te
machucar, Faith, portanto colabore!
Eu não consegui dizer mais nada. Fiquei ali no chão,
enquanto ele voltava a mancar até Derek.
Merda! Eu não podia permitir que ele fizesse aquilo.
Eu me arrastei pelo chão, tentando sem muito sucesso
chegar até ele sem que causasse muito alarde. Contudo,
tanto eu quanto Marcel paralisamos quando um tiro
chamou nossa atenção. Eu só não sabia precisar se era de
longe ou perto de onde estávamos.
— O que diabos isso significa agora? — ele rosnou,
desviando o caminho e vindo em minha direção. — Vamos
sair daqui, porra, não discuta.
Eu tentei resistir e me debater — eu não podia sair
dali sem Derek —, mas ele era muito mais forte e mais
ágil que eu.
Marcel me puxou e, em questão de minutos, eu estava
sendo arrastada por escadas, corredores e em
determinado momento eu não conseguia enxergar muita
coisa.
A casa estava pegando fogo, fumaça tóxica e escura
cobria boa parte do ambiente. Coloquei a manga do meu
casaco contra meu rosto, impedindo-me de inalar muito.
Como aquilo havia acontecido? O cheiro de gás era
forte também, coisa que nós não sentimos com nitidez
estando no porão e envolvidos por tanta confusão. Era
óbvio que o vazamento começara a ocorrer havia um bom
tempo.
Marcel continuou me puxando por uma área que eu já
não reconhecia. Nós andamos até um determinado ponto,
tentando enxergar o que podia.
Eu parei e ainda tentei me soltar, mas fui impedida
por braços fortes e pela onda de calor. Eu só conseguia
pensar em Derek e no quão em perigo ele estava.
Marcel recuou rapidamente quando um lustre
despencou do teto a poucos centímetros de nós.
Ele praguejou e voltou a se afastar quando uma
cortina totalmente lambida pelo fogo por pouco não atinge
seu terno.
Aquela era uma das desvantagens de se ter uma casa
quase que totalmente equipada por carpete de tecido e
cortinas pesadas. A merda estava se alastrando muito
rapidamente. Não havia saída visível.
Nós iríamos morrer ali dentro.
Não foi o fim que eu sempre desejei para a minha
história e de Derek. Eu tinha esperanças de que nós um
dia fôssemos viver juntos em uma casa bacana, com
crianças e uma cerca bonita onde eu poderia plantar flores
num canteiro.
Nós seríamos uma família e viveríamos felizes.
Mas tudo aquilo havia sido destruído.
Queimado num fogo vivo, da mesma forma que
acontecia com aquela casa.
Era o fim.
— Ei! — uma voz conhecida chamou nossa atenção.
Nos viramos. — Procurando por mim?
Pelas sombras da fumaça enegrecida, não era muito
fácil visualizar nitidamente, mas eu consegui avaliar o
suficiente para identificar quem era.
Samantha.
O que ela estava fazendo ali depois de eu ter
orientado para que fosse embora da cidade eu não sabia,
mas seja lá por qual motivo ela tenha vindo até nós, eu me
senti aliviada.
— Sua vagabunda — Marcel vociferou. — Foi você,
não foi? Foi você que botou fogo na minha casa?
Eu engoli em seco e meus músculos ficaram tensos.
— O que você acha? — ela desafiou. — A minha
intenção era queimá-lo vivo neste lugar que só me fez ter
lembranças ruins. De qualquer forma, acabou, Marcel.
Você nunca mais vai prender mulher alguma nessa prisão
que chama de lar.
Marcel riu.
— Você é mesmo uma vadia burra, Samantha — ele
disse. — Todos nós vamos morrer nesta casa. Eu vou para
o inferno, mas a levo comigo.
Agora foi a vez de Samantha sorrir.
— Não, Marcel — eu a vi levantar a arma e apontá-
la para o meu irmão. — Você é o único que vai morrer
aqui.
— Você vai mesmo atirar no seu marido? — ele
provocou. — O homem que te deu uma casa e lhe tirou da
miséria?
— O homem que só me fez de seu fantoche, você quis
dizer — ela acusou. — Eu nunca fui feliz com você,
Marcel. Eu nunca me senti amada e querida, e isso acaba
agora!
— Eu sou o pai do seu filho — ele continuou.
Cautela em cada palavra. — Como você acha que Max
vai reagir quando souber que a mãe assassinou o seu pai?
Que você privou o garoto de ter uma vida normal?
Eu já podia ver as lágrimas molhando o rosto da
minha cunhada. Max era seu ponto fraco e Marcel estava
sabendo jogar perfeitamente com aquele fato.
— Eu estou protegendo ele — respondeu ela. — Eu
não quero que o meu menino cresça sendo um homem
como você. Seria demais para mim.
— Você não tem coragem — ele desafiou. — Você
mal era capaz de me fazer gozar, o que acha que
conseguiria agora, utilizando uma arma?
Ela não respondeu, mas eu podia ver o ódio em seus
olhos.
Ele riu e continuou.
— Ora, quando é que você vai se tocar? Todos
sempre te enxergaram como uma mulher fina e respeitada,
mas na verdade você nunca passou de uma... — suas
palavras foram cortadas quando um impacto cortou o ar.
Então eu percebi que Samantha havia dado seu primeiro
tiro no peito de Marcel.
Ele abaixou o olhar até o ponto onde o sangue
começava a manchar sua roupa, mas sorriu. Sua cabeça se
ergueu lentamente e, com isso, novamente alfinetou:
— Isso é tudo o que você consegue? A mulher que
não passava de uma vagabunda embalada numa roupa de
grife pensa que criou bolas para... — outro tiro.
Ele ofegou, mas continuou:
— ...me desafiar — sua voz estava fraca, a
respiração entrecortada, mas ele voltou a insultar
enquanto cambaleava para a frente: — Uma puta de luxo,
é isso o que você é. Uma imprestável. Uma cretina que
nunca fez nada de útil na vida além de abrir as pernas
para... — e com isso, mais um tiro fora ouvido, seguido
por outro e mais outro. Tantos disparos que meus ouvidos
não souberam definir a quantidade, mas eu percebi que
Samantha havia descarregado todo o maldito cartucho da
pistola no meu irmão quando ela continuou apertando o
gatilho, mas nada mais saía.
O silêncio se seguiu.
Marcel alternou seu olhar entre nós duas. Eu só o vi
abrir e fechar a boca como um peixe fora d’água. Em
seguida, desabou no chão.
Morto.
Marcel estava morto.
Eu estava em choque. Eu não sabia quanto tempo
havia se passado, ou o que eu estava fazendo ali parada,
mas eu sentia calor, um calor insuportável, e algo
começava a me deixar tonta e me fazia tossir. Ao fundo eu
ainda escutava a sirene do alarme. Havia alguém gritando
comigo.
— Faith! — Samantha gritava. Sim, Samantha, a
antiga Rachel. A ex-namorada de Derek e viúva do meu
irmão recentemente assassinado. Recobrei meus sentidos.
— Vamos dar o fora daqui! Eu ateei fogo em vários
pontos da casa, o incêndio está se alastrando muito
rapidamente.
— Derek — eu consegui dizer. — Temos que salvar
o Derek!
Ela parou.
— Droga! Onde ele está?
— No porão — informei. — Temos que ajudá-lo. Ele
está desmaiado no porão.
Ela se virou, mas novamente um pedaço de algo
semelhante ao forro do teto caiu próximo a nós.
— Não temos mais tempo, Faith — ela balançou a
cabeça. — Eu presumo que o sistema de alarme acionou o
socorro. Eles estarão aqui em breve. Vamos, eles vão nos
ajudar a resgatá-lo. Mas temos que sair daqui agora!
— Não, eu não vou sair daqui sem ele — me
desgarrei dela.
— Faith!
Ela tentou me pegar novamente, mas eu comecei a
correr, desviando do fogo e dos destroços de móveis
queimados.
Eu tinha que encontrá-lo. Eu tinha que ajudar Derek.
Onde ele estava? Onde eu estava? A fumaça se movia
por toda parte, eu não conseguia enxergar muito e já havia
inalado o suficiente.
De repente, eu me senti tonta.
Droga! Não era o melhor momento para desmaiar.
Andei com cuidado — ao menos pela parte que ainda não
havia sido atingida — e foi quando tropecei em algo e caí
sobre a minha perna.
Gritei com a dor. Puxei a minha perna e tentei me
arrastar ainda mais, mas boa parte do chão estava
pegando fogo, as paredes estavam quentes. Eu não
consegui ir muito longe. Ouvi apenas passos atrás de mim.
Mãos desesperadas me pegaram pelo braço, enquanto
alguém falava alguma coisa sobre termos que sair dali.
Era Samantha. Ela ainda estava ali. Meus olhos focaram
em algo e novamente a tontura me bateu.
Eu não soube ao certo o que havia dito, mas eu
lembrei de tentar dizer o nome dele uma última vez antes
de perder os meus sentidos completamente.
PARTE V: FINAL

“Estas alegrias violentas têm fins violentos. Falecendo no triunfo,


como fogo e pólvora que num beijo se consomem.”
— William Shakespeare.
39: Perdas e Ganhos

Faith

Eu sentia a minha língua colar no céu da minha boca.


O branco impecável em vários pontos daquele lugar
contrastava com a mancha amarelada na parede. Um
detalhe desarmonioso que poderia, muito facilmente, ser
confundido com uma marca de infiltração ou,
simplesmente, uma tentativa falha de colar algo no gesso.
Me remexi sobre o colchão aparentemente fino
daquele quarto de hospital e tentei engolir, sentindo
novamente o incômodo na minha garganta. Eu estava com
sede e um pouco desorientada.
Eu não sabia por quanto tempo havia dormido, mas
me lembrava de ter acordado logo após o desmaio,
tentado me comunicar com a equipe médica, mas eles
falaram coisas que eu não compreendia, me seguraram
para que eu parasse de me debater, e então eu voltei a
dormir. Sedativos, muito provavelmente.
— Ei, querida — uma moça vestida de enfermeira e
com um enorme sorriso me saudou. — Como se sente?
— Um pouco sonolenta — respondi.
Seu sorriso diminuiu, mas não desapareceu.
Fechando os dedos mais firmemente sobre a prancheta que
segurava, ela se aproximou um pouco mais de mim.
— Isso é normal. Você ficou um pouco descontrolada
e teve que ser mantida inconsciente por algumas horas.
Tivemos que fazer um tratamento adequado em seu
sistema respiratório, dentre alguns exames para descobrir
qual a verdadeira causa do desmaio — ela aguardou por
um instante, provavelmente esperando uma resposta minha
que nunca veio, e depois sorriu. — Bom, eu vou chamar o
médico e ele irá esclarecer melhor o que você desejar
saber.
A enfermeira saiu e fechou a porta. Analisando
superficialmente o meu estado, pude constatar que eu
estava limpa e todos os meus ferimentos haviam sido
tratados. Um tubo de intravenosa estava ligado em mim.
Olhei para o lado e eu vi Samantha, não estando
muito surpresa por encontrá-la ali. Minha cunhada estava
deitada em uma cama igual à minha, mas parecia em
melhor estado que eu.
— Ei — saudou-me fracamente. — Está tudo bem?
Aquilo poderia ser uma pergunta retórica, certo? Não
estava nada bem. Eu me encontrava presa numa cama,
parcialmente sedada e não havia tido notícias de Derek.
Droga, Derek! Eu tinha que saber como ele estava.
Abri a boca para pedir informações, mas logo voltei
a fechá-la quando a porta se abriu novamente, e um
homem entrou por ela. Na verdade, dois homens entraram
por ela.
Eu poderia dizer que se tratavam de funcionários do
hospital, não fosse a falta de uniforme e o distintivo da
polícia na camisa azul-marinho de um deles.
— Olá, Srta. Bloom — cumprimentou o que havia
entrado primeiro. Ele tinha um bigode estilo xerife de
Faroeste, era careca e tinha alguns quilos a mais, a julgar
pela barriga proeminente. — Eu sou o agente Samuel
Teller. Este é meu parceiro Jack Donnor. Nós poderíamos
falar por um momento?
Eu fiquei em silêncio por um instante. Será que
aqueles homens tinham autorização para estarem ali?
— Se eu dissesse que não, vocês iriam embora?
Ele suspirou e coçou a cabeça calva.
— Certamente sim, mas retornaríamos uma outra
hora.
Merda.
— Tudo bem — fingi indiferença. — O que desejam?
Ele trocou um olhar com seu colega e ambos
caminharam mais alguns passos em minha direção.
— Nós gostaríamos de lhe interrogar a respeito do
caso de Derek Rushell — dupla merda! Eles haviam
pegado Derek?
— O que vocês querem saber? — perguntei, tentando
disfarçar meu nervosismo.
— A senhorita confirma conhecer Derek Rushell?
Engoli em seco.
— Sim.
— E a senhorita também confirma ter sido
sequestrada e mantida sob cárcere por ele?
— Não! — respondi aquilo como se o simples fato
de ele cogitar uma ideia do tipo fosse algo extremamente
absurdo. — De onde vocês tiraram isso?
Teller voltou a trocar um olhar com o tal agente
Donnor. Em seguida, retornou a dirigir a atenção para
mim.
— Senhorita Bloom, nós temos gravações telefônicas
de alguns meses atrás que comprovam que você foi
mantida refém. Na gravação, a senhorita dizia ter sido
sequestrada e pedia por ajuda. Um carro da polícia saiu
ao seu socorro naquela data, no entanto, não houve
nenhum registro.
— Eu menti — aleguei. — Eu e Derek tínhamos uma
relação estranha. Eu estava brava na ocasião, e ele era
meio possessivo em alguns momentos, o que me irritava.
Isso foi tudo.
— Compreendo — murmurou. Era óbvio que ele
ainda não havia comprado a minha merda. — Mas a
senhorita não parecia estar apenas... brava com a
situação. Desespero foi o que identificamos pelo seu tom
de voz. Nós também temos relatos de testemunhas
anônimas que disseram ter visto o exato momento em que
a senhorita fora levada à força até o suposto cativeiro
onde Derek Rushell a manteve refém.
Testemunhas anônimas? Que a minha mãe me
perdoasse, mas Marcel era um tremendo de um filho da
puta. Ele havia, realmente, armado tudo para ferrar com
Derek.
Procurei manter a calma. Fazer uma cena na frente de
dois policiais famintos para enfiarem o homem que eu
amava atrás das grades não era a atitude mais inteligente a
se tomar.
— Eu sou atriz. Consigo vestir vários personagens,
acredite — falei, forçando um sorriso de desculpas. —
Não foi a minha intenção causar tanto transtorno. E quanto
às acusações, isso não passa de uma crise de birra do meu
irmão. Os dois não se davam muito bem.
O homem assentiu em compreensão.
— Algum motivo em especial?
— Derek é de uma classe social inferior à minha. O
senhor já deve imaginar, toda essa coisa de preconceito
com status e dinheiro, não é?
— Eu acho que compreendo — respondeu. — A
polícia chegou a ir ao seu encontro naquela data?
— Sim — confirmei. — Alguns homens que eu
acreditei serem da polícia, mas que, na verdade, não
passavam de bandidos. Eles me tiraram da casa onde eu
vivia com Derek e me levaram para um outro lugar. Lá
eles me machucaram.
O homem franziu a testa.
— Isso é uma acusação grave, senhorita Bloom. Você
tem certeza do que está dizendo?
— Por que não teria? — refutei. — Eu posso ter
acabado de acordar após ter sido sedada, senhores, mas
eu estou certa de ter total controle sobre minhas
faculdades mentais.
Teller voltou a assentir e Donnor deu mais um passo
à frente. Diferente de seu colega, ele era alto e um tanto
quanto magro demais para um homem de seu porte físico.
Parecia ser mais jovem alguns anos, também.
— Não estamos duvidando de sua palavra, senhorita.
Apenas queremos ter certeza dos fatos — ele limpou a
garganta. — O que você acabou de relatar é grave. Por
que não registrou nenhum boletim de ocorrência depois
disto?
— Nós temos, realmente, que fazer isso agora? —
Samantha interferiu. — Ela acabou de acordar, passou por
um trauma muito grande. Vocês poderiam ao menos
respeitar isso?
Aquilo me surpreendeu. Ela não parecia ser do tipo
que interferia em assuntos alheios, mas verdade seja dita,
acabamos por nos transformar em um time desde que ela
aparecera pedindo por socorro. Iríamos até onde fosse
necessário.
— Nos só estamos fazendo algumas perguntas,
senhora — defendeu o agente Teller. Virando-se em
seguida para mim, ele prosseguiu: — Senhorita Faith, nós
realmente gostaríamos de saber o que aconteceu durante o
período em que a ligação fora feita. Ao que tudo indica,
Derek Rushell tinha motivos para atentar contra a família
Bloom.
— Eu já disse que não houve nada de mais. Tudo não
passa de teimosia do meu irmão — falei. — Aliás, vocês
deveriam estar se preocupando com o incêndio
devastador ao qual eu consegui sobreviver, em vez de
ficarem me incomodando com esse monte de perguntas.
Alternei um olhar bravo entre ambos, mas os homens
não se intimidaram.
— Não há muito o que se investigar a respeito do
incêndio. Nós acabamos por concluir que fora acidental
— ao ouvir aquilo eu não pude evitar trocar um olhar com
Samantha. Ela havia feito algo, obviamente, para mascarar
toda a verdade. — Quanto a Derek Rushell, ele já vinha
sendo procurado. Nós temos denúncias que o acusam e,
por alguma razão, ele estava na casa no momento do
ocorrido. É por esse motivo que viemos até aqui.
— Bom — murmurei com indiferença. — Se vocês
estão tão interessados em saber sobre ele, por que não
perguntam ao próprio Derek?
O homem suspirou, baixou a cabeça e voltou a fazer
aquela coisa de passar a mão sobre a careca.
— Impossível.
Aquilo deixou meus músculos tensos.
— Por que é impossível?
— Isso me parece óbvio, não? — ele avaliou meu
olhar de confusão, e algo a mais passou por seus olhos
naquele instante. Compreensão, talvez? Limpando a
garganta, continuou: — Senhorita Bloom, estando na casa
no momento do ocorrido, você, provavelmente, se deu
conta da gravidade do incêndio, certo?
Não.
Não. Não. Não.
— O-o que você quer dizer com isso? — gaguejei.
Derek estava tão mal assim a ponto de não poder falar
com ninguém?
— Eu quero dizer que em um incêndio como aquele,
onde foram necessárias quatro horas inteiras para
controlar, é praticamente um milagre duas vítimas terem
conseguido sair com vida e sem praticamente nenhum
dano. Você e sua cunhada conseguiram sair da casa a
tempo, mas todos os outros ocupantes não tiveram a
mesma sorte.
Porra, não!
— Isso não quer dizer nada — eu engasguei. Meu
olhar foi direto para Samantha. — Você pediu socorro,
não pediu? Depois que eu desmaiei, você pediu socorro
para salvar ele?
— Eu fiz — ela respondeu. As lágrimas já lavavam
seus olhos. — Eu fiz o que pude, Faith, eu juro... — sua
voz falhou. — Sinto muito.
Sinto muito. Isso era tudo?
Eles estavam insinuando que... não. Não era aquilo.
Ele ainda não havia dito a palavra, então não poderia ser
verdade, certo?
Eu me apeguei ao fio de esperança.
— Vocês fizeram as buscas? Conseguiram localizar
os outros ocupantes?
O homem assentiu.
— Sim, eles foram localizados — respondeu. —
Embora os corpos encontrados estivessem tão
carbonizados a ponto de estarem irreconhecíveis, nós
conseguimos uma amostra de material genético para fazer
o exame de DNA com os restos mortais de um deles e
comprovamos que se tratava de Marcel Bloom. Derek
Rushell, embora... — ele não concluiu.
— O quê? O que aconteceu com Derek Rushell?
— Ele não possui familiares vivos, os quais seriam
necessários para se fazer o reconhecimento do corpo. No
entanto, este foi o único corpo encontrado no porão, local
no qual nós tivemos informações de ser onde ele, de fato,
estava... e sozinho. Também acabamos por encontrar isso
ao lado dele — ele tirou algo do bolso e me estendeu um
saquinho plástico transparente. O que eu vi ali fez tudo
começar a desabar ao meu redor.
A pulseira que eu havia dado de presente para Derek.
Não. Aquilo não podia ser verdade. Aquilo não
podia estar acontecendo.
Não comigo. Não com ele.
— Você reconhece isto? — me indagou.
Eu fiz que sim com a cabeça. Eu só conseguia isso,
além de cobrir a minha boca com a mão. Eu mordi um
soluço, mas já sentia a leve ardência atrás dos meus
olhos.
— Era o que precisávamos saber para concluirmos
— Donnor suspirou. — Eu sinto muito, senhorita Bloom.
Mas Derek Rushell nunca chegou a sair da casa.
— O quê? — eu congelei. — Você está querendo
dizer que o corpo... a pulseira. Oh, Deus! Você está
querendo dizer que ele está...
— Morto — agente Teller concluiu.
E foi ali que o meu mundo ruiu de vez.
Eu tentei segurar. Eu juro que tentei me apegar ao
máximo ao bendito fio de esperança o qual havia me
agarrado. Eu juro que tentei acreditar até o último segundo
que ele estava bem. Que ele estava vivo e sendo bem
cuidado, mas depois de ouvir a palavra, tudo mudou.
Era como se uma bola imensa e pesada quicasse
incessantemente contra a minha testa.
Baque.
Baque.
Baque.
Oxigênio era algo com o qual eu não parecia estar
familiarizada. Senti todo o meu sangue correr para fora do
meu corpo. Algo cresceu e borbulhou dentro de mim, uma
dor que rasgava, puxava e mordia. Uma dor que
comprimia e depois expandia tudo, e então o desespero. A
agonia e todo o peso da informação.
Morto.
Derek estava morto. Carbonizado.
Maldito fogo.
Maldito Marcel.
Maldita Samantha.
Maldita eu.
Maldito mundo!
Eu queria gritar. Eu queria correr e queria rasgar o
rosto de quem estava me segurando. Só então eu percebi
que eu já estava gritando. Eu chamava o nome de Derek e
chorava copiosamente.
Ouvi algo como “proibido”, “delicado” e “calma”.
Senti mãos me segurando firmemente, e vi alguém mexer
na bolsa de soro. Eu senti o meu mundo quebrando,
descendo e subindo, como se estivesse prestes a alcançar
o céu.
Eu só queria poder, finalmente, encontrar Derek
quando chegasse até lá.
☆☆☆
Quando acordei novamente, os homens não estavam
mais lá. Percebi que haviam deixado um cartão no
carrinho ao lado minha cama, onde uma bandeja com
alguma comida numa tigela branca próxima de um copo
plástico cheio de suco amarelado descansavam.
Atirei o cartão para longe, com ódio por aquela coisa
estar ali. Aquilo reforçava ainda mais o reconhecimento
de que John Teller havia realmente ido até o meu quarto,
que ele havia me feito aquele monte de perguntas e, de
quebra, me dera a pior notícia da minha vida. Derek
estava morto.
Morto.
Aquilo não podia ser verdade. Derek era esperto, é
claro que ele não tinha morrido. Ele conseguiu se safar
daquela, eu sabia.
E então, como se para piorar a minha situação, eu vi
algo a mais ao lado da bandeja com a comida. Algo que
apertou meu coração.
Peguei a pequena pulseira um pouco danificada pelo
fogo, apertei contra o meu peito e chorei. Chorei tudo o
que eu tinha para chorar e um pouco mais.
Samantha se levantou de sua cama e envolveu os
braços em volta dos meus ombros. Eu tremia e soluçava,
as lágrimas manchando a minha roupa de hospital.
Deus, eu queria morrer.
— Eu sinto muito, Faith.
Eu não disse nada. Eu apenas fiquei ali e chorei tudo
o que eu tinha para chorar. Momentos depois, a enfermeira
bonita surgiu no quarto e olhou para Samantha de cara feia
quando me viu chorando. Eu não me importava,
sinceramente.
No dia seguinte, eu ainda estava deitada naquela
cama, parecendo um zumbi. Eu não havia comido, me
recusara a tomar banho e sentia que meu corpo se
encontrava numa outra dimensão, onde eu sabia estar
ciente de tudo ao meu redor, mas impossibilitada de
participar.
Por quê? Era somente o que eu me perguntava.
Em algum momento durante a manhã, a enfermeira
apareceu no quarto. Ela falou algo sobre eu ter que comer
e foi chamar o médico. Quando ele apareceu, eu não pude
registrar muito além da estatura alta e cabelos grisalhos.
Era um homem por volta dos cinquenta anos,
aparentemente paciente e de voz calorosa.
— Olá, Faith. Sente-se um pouco melhor?
Eu fiz que não com a cabeça.
— Vamos dar tempo ao tempo — ele disse. — Eu
tenho boas notícias pra você, apesar de tudo.
O que poderia ser considerado uma “boa notícia”
diante do que eu estava passando? Eu havia caído no
fundo do poço, me sentia uma merda. Não seria diferente
por um bom tempo, eu sabia. Talvez eu nunca fosse me
recuperar.
Murmurei algo, apenas para que ele prosseguisse,
então ele fez:
— Bom, você tem tido ótimas respostas em relação
ao seu estado, e decidimos que não há mais motivo para
que permaneça internada. A liberação deverá ocorrer
ainda hoje, no mais tardar amanhã.
— Isso é uma notícia ótima! — ouvi a voz de
Samantha, tentando aparentar animação. Fechei os olhos e
respirei fundo.
Foda-se. Eu poderia morrer presa naquela cama de
merda que não faria diferença alguma.
O médico abriu um sorriso fraco, em seguida
prosseguiu:
— Há mais algo que eu gostaria de falar com você,
Faith — o encarei ainda em silêncio, aguardando: — Os
resultados dos seus exames chegaram hoje e, bem... nós
acabamos descobrindo algo.
— Eu tenho alguma complicação? — eu não sabia
nem mesmo por que estava me preocupando com aquilo,
uma vez que o homem que eu amava havia morrido em
menos de vinte e quatro horas, mas eu precisava de que
ele fosse rápido com toda a coisa de informações se
quisesse chorar a minha dor sozinha.
— Não, exatamente — respondeu. — Nós tivemos
que procurar saber com mais afinco a possível causa do
seu desmaio e acabamos por concluir que, devido ao seu
estado, isso não ocorreu por conta da fumaça.
— O que o senhor quer dizer com isso?
O homem trocou de posição, sentando na cadeira ao
lado da minha cama. Seus olhos focaram em mim, e por
um momento eu lembrei da minha mãe e da forma doce
como ela me encarava.
— Eu quero dizer, Faith... — um sorriso fraco — que
você está grávida.
40: Os Pingos Nos Is

Faith

— Grávida? — Sierra praticamente cuspiu ao se


erguer do sofá em que estava acomodada.
Eu havia chegado em casa fazia uma semana.
Demorei um certo tempo para “dar o ar da graça” como
Sierra mesmo dizia. Na verdade, se dependesse de mim,
meus antigos amigos jamais descobririam sobre o meu
paradeiro, muito menos que eu havia voltado. No entanto,
os rumores voavam, e ali estava eu, sentada no meu sofá
velho, encarando a minha suposta melhor amiga que mais
se parecia com uma jornalista fanática do que qualquer
outra coisa.
Ela acabara por exigir que eu lhe contasse tudo a
respeito do que havia ocorrido. Eu falei, obviamente, o
básico sobre toda a verdade, ocultando a gravidez, o que
eu decidira contar naquele momento. Eu iria manter a
integridade de Derek intacta, mesmo depois de ele ter...
droga! Eu não conseguia nem sequer pensar naquilo.
Tudo ainda era tão surreal para mim. A forma como
nos conhecemos, como nos apaixonamos e o fim trágico
que tudo levou. Era como se eu estivera dormindo e só
houvesse acordado naquele ponto. Mas a vida que crescia
dentro de mim provava o contrário. Eu vivi aquilo. Eu
conheci Derek. Ele havia morrido, e agora eu estava
esperando um bebê, sozinha, desolada e completamente
sem rumo.
— Sim — respondi. — Descobri recentemente.
Se eu quisesse ser sincera comigo mesma, a gravidez
também havia sido um baque e tanto. Não que eu não
desejasse, afinal eu adorei saber que tinha uma pequena
semente plantada por Derek crescendo dentro de mim,
mas verdade seja dita, a informação foi algo que me
deixou a um passo de perder a maldita mente.
Eu não era ingênua e sempre soube que corria risco
de engravidar desde o momento em que parei com os
anticoncepcionais. Por outro lado, tudo ocorreu na época
em que Ryan fora assassinado, e com isso, preocupações
maiores começaram a ocupar a nossa mente.
Deus, eu ainda não parecia estar completamente
desperta.
Sierra ajeitou seus cabelos ruivos por trás da orelha
e voltou a se sentar. Segurando a minha mão, ela disse:
— Você já sabe o que vai fazer com... ele?
Respirei fundo, tentando inutilmente não chorar e
assenti.
— Sim — respondi. — Eu vou solicitar a cremação
do que sobrou do seu corpo. Depois disso eu... — não
consegui terminar.
— Oh, não, não, não, Faith! — Sierra me acalentou,
passando um polegar pela minha bochecha molhada. —
Eu não estou falando do cara. Estou falando dele —
somente quando ela fez um gesto para a minha barriga, eu
pude perceber que estava se referindo ao bebê, não a
Derek.
— Bom, isso é meio óbvio, não? — respondi. —
Imagino que não seja nada fácil ser mãe solteira, mas eu
vou conseguir.
Claro que eu conseguiria. A minha mãe suportou
viver com um homem como o meu pai durante tantos anos.
Eu suportaria viver sem o homem que eu amava, por mais
que me doesse tanto. Eu tinha que aprender a seguir em
frente sem ele. Eu tinha que ser forte. O nosso filho
precisava de mim. Nós só tínhamos um ao outro agora.
Sierra me olhou com algo que julguei ser compaixão
e voltou a acariciar a minha mão.
— Você sabe que não é obrigada a ter esse bebê, não
é?
Eu pisquei, sentindo-me momentaneamente
atordoada.
— Como assim?
— Você não é obrigada a ter a criança, Faith —
repetiu ela. — Nós podemos, sei lá, dar um jeito antes
que a sua barriga cresça. Eu estou aqui para te apoiar e
vou fazer de tudo pra que você fique bem.
Puxei a minha mão bruscamente.
— Você está insinuando que eu mate o meu bebê?
— Deus, você fez isso soar tão... desumano — ela
abriu um sorriso vacilante. — Eu não estou dizendo isso,
Faith, mas você não precisa ter a criança de um louco
abusivo, caso não queira.
— Um louco abusivo? — eu estava realmente
escutando aquilo da minha melhor amiga?
Sierra se inclinou em minha direção, um tanto quanto
agitada demais. Pude perceber uma leve impaciência a
julgar pela sua expressão.
— Faith, querida, sejamos realistas. Aquele homem
era, muito provavelmente, um bandido de primeira. E só
em pensar que ele obrigou você a... — não concluiu.
— Me obrigou a quê? — eu exigi. — Vamos, Sierra,
me diga!
— Você sabe do que eu estou falando.
Foi ali que eu me irritei.
— Para começo de conversa, aquele homem tem
nome — informei. — Segundo, eu o amo. Ele não
precisou me obrigar a nada, ok? Eu fiz porque eu quis.
Ela inclinou a cabeça para o lado, me olhando com
pena. Eu comecei a sentir raiva dela naquele momento.
— Faith, eu soube que ele era um homem muito
bonito. É compreensível que você tenha sentido... atração
por ele em algum momento. Isso não é nenhum pecado,
muito pelo contrário, afinal você é humana — uma pausa.
Seus olhos já não eram mais suaves. — No entanto, isso
não o torna inocente por tudo o que fez. Muito menos há a
necessidade de que você sinta a obrigação de protegê-lo
só porque ele é o pai do seu filho.
— O quê?! — exclamei, incrédula. — Agora você
está querendo dizer que eu estou defendendo Derek
apenas pelo fato de não querer sujar a imagem do “pai do
meu filho”? — fiz aspas com as mãos. — E ainda quer me
convencer de que eu sou uma idiota deslumbrada que não
sabe diferenciar tesão de amor. É isso?
— Faith, olha, eu só estou tentando ajudar você...
— Você ajudaria me apoiando, ao invés de falar um
monte de merda das quais não tem conhecimento —
cortei. Ela estava falando como se eu fosse uma garota
estúpida, o que me irritou pra caramba. — E para sua
informação, eu sei muito bem a diferença entre estupro e
concessão. Eu fui estuprada pelo filho da puta do meu
primeiro namorado por meses. Ele era um cara
aparentemente centrado, tinha dinheiro e era bonito. Então
não me venha com essa conversa de quem acha que sabe
pelo que eu estou passando, porque você não sabe —
respirei fundo e terminei de despejar o que estava
entalado. — E tem mais: se você veio até aqui como
minha amiga, tudo bem, mas caso sua única intenção seja
ofender a memória do cara mais sensacional que eu já
conheci na vida, eu quero que você engula seu preconceito
de merda e dê o fora da minha casa.
Ela estava petrificada. Bom, porra, eu também
estava. Eu não sabia se eram os hormônios da gravidez ou
todo o peso dos últimos acontecimentos sendo lançados
para cima de mim, mas eu me senti muito sufocada de
repente.
Sierra não disse mais nada. Apenas sacudiu a cabeça
com os olhos brilhando, pegou sua bolsa e correu para a
porta. Quando ela bateu a porta atrás de si, eu tive certeza
de que havia perdido uma amiga.
Não faria muita diferença, de qualquer forma. Eu não
pretendia ficar naquele lugar por muito mais tempo.
Caminhei até o quarto, pegando uma mala de viagem.
Apanhei o que havia sobrado das minhas coisas e arrumei
todas dentro da mala. Quando estava organizando os
últimos itens, vi o brilho de algo no meio de um monte de
meias e calcinhas. Era uma cópia do pen drive que Marcel
havia me dado.
Respirei fundo, peguei algum dinheiro e vesti
rapidamente um casaco. Eu iria embora da cidade, mas
antes eu precisava fazer uma última coisa. Fechei o
apartamento, peguei um táxi e me dirigi rumo à delegacia.
Quando cheguei lá, um homem que eu nunca havia
visto na vida me atendeu. Ele era jovem — provavelmente
tão jovem quanto eu — e me olhou de cima a baixo, o que
me deixou irritada. Eu não estava em um bom momento
para um babaca com ar presunçoso ficar me avaliando.
— Em que posso ajudar a bela moça? — gracejou.
— Eu desejo falar com o agente Samuel Teller —
respondi.
O homem continuou me olhando, a expressão
mudando no mesmo instante de paquerador para
desconfiado.
— Algum motivo em especial, senhorita...
— Faith — completei. — Faith Bloom. E, sim, o que
eu tenho para tratar é de extrema importância.
Sua primeira reação foi estreitar os olhos. Em
seguida ele cruzou os braços, inclinou a cabeça para trás e
irrompeu numa gargalhada. O som chamou a atenção de
mais dois funcionários sentados em um canto.
— Eu sinto muito por desapontá-la, querida, mas o
agente Teller é um homem muito ocupado.
Caminhei em sua direção, meus punhos apertados.
— Escute bem, eu não sei quem você é, muito menos
em qual cargo você atua, mas eu acho que fui bem clara
quando disse que o meu assunto era de extrema
importância — respirei, tentando controlar um pouco a
minha raiva. — Eu creio que o seu cérebro, por menor
que seja, consegue absorver uma informação tão clara
como essa, não é?
Ele não respondeu de imediato. Seus olhos escuros
brilhando com irritação. Ótimo! Eu não estava ali para
brincadeiras. Já havia perdido minha amiga e o cara que
eu amava, pouco me importava se ele me fuzilava com os
olhos ou não.
— Eu acho melhor você se acalmar — murmurou
num tom ameaçador. — Eu posso muito bem prendê-la por
desacato.
Cruzei os braços, sentindo-me ainda mais irritada
— Pois ouse.
Ele estava prestes a revidar minha resposta, mas uma
voz masculina ecoou no ambiente, grossa e firme:
— Há algum problema aqui? — nos viramos no
mesmo momento em que Samuel Teller aparecia na
recepção. Sua careca brilhando com a luz do teto que
derramava-se justamente sobre ele.
Timing perfeito! A última coisa que eu precisava era
ser presa por afundar meu punho na cara de um policial.
O babaca da recepção foi o primeiro a formular uma
resposta.
— Senhor, esta senhorita apareceu aqui, do nada,
exigindo que eu o importunasse. Eu estava justamente
tentando...
— Está tudo bem, Jeremy — Teller o cortou com um
aceno de mão. Virando-se para mim, ele sorriu. — Eu irei
atendê-la.
O rapaz piscou algumas vezes, notavelmente bastante
desconcertado. Por fim, assentiu.
— Ok, senhor, me desculpe.
— Não peça desculpas, filho — Teller o
tranquilizou. — Vá buscar um café para mim, e leve-o em
minha sala dentro de alguns minutos, ok?
Ele assentiu freneticamente.
— C-claro, senhor. Com licença.
Quando o rapaz passou por nós, com o rabo entre as
pernas feito um maldito cão amedrontado — uh, quem
diria? — Teller caminhou em minha direção e estendeu
uma mão para mim.
— Srta. Bloom — ele parecia surpreso. — Presumo
que você deseje falar comigo, certo?
— Sim, senhor — respondi, apertando sua mão de
volta.
Ele assentiu.
— Me acompanhe.
Ele caminhou na minha frente, e eu o segui. Em
seguida, ambos estávamos adentrando uma pequena sala
com uma mesa cheia de papéis e alguns armários de
metal. O homem fechou a porta e gesticulou para que eu
me acomodasse na cadeira em frente à mesa, enquanto ele
se sentava em seu posto.
Foquei na pequena bola de acrílico com a miniatura
de boneco de neve diante de uma casa repleta de neve e
outros objetos de decoração natalina. Torci os meus dedos
nervosamente, lembrando-me que o Natal ocorrera havia
uns bons dias e eu nem sequer me dera conta.
— O que deseja? — a voz grossa do policial me
tirou dos meus pensamentos.
Eu respirei fundo e limpei a garganta, procurando um
meio de acalmar meus nervos.
— Eu quero lhe entregar isso.
No momento em que eu estendi para ele a cópia do
pen drive, sua testa se enrugou.
— Do que se trata?
— Um pen drive, contendo todas as informações de
transações criminosas entre o meu irmão e mais uma
porção de agentes corruptos da polícia.
Ele assobiou.
— Minha nossa, isso é... simplesmente uau!
— Eu sei — murmurei. — O senhor lembra dos
policias de que lhe falei naquele dia no hospital? Os que
me sequestraram e me feriram?
— Sim, eu me lembro — ele assentiu. — Mas... se
você já sabia quem eram esses homens, por que não me
forneceu isso antes? E por que não comunicou a polícia
logo depois do ocorrido?
— É... complicado — me limitei a responder. — Eu
não podia confiar em qualquer policial, uma vez que a
própria polícia tentou me matar. Também precisava
verificar se o seu nome não estava na lista. Além do mais,
o senhor não teve a melhor abordagem da última vez.
— Me desculpe — ele ficou cabisbaixo. — Eu não
sabia que você e Rushell... — desistindo de ir por aquele
caminho, Teller limpou a garganta e o tom profissional
voltou à tona. — Presumo que você ter posse deste pen
drive, um objeto que poderia facilmente incriminar uma
delegacia inteira, possa ter alguma coisa a ver com o toda
a história do falso socorro e os abusos que fizeram à
você, certo?
— Exatamente, senhor — confirmei.
— Compreendo, Faith — ele apoiou os cotovelos
sobre a mesa e ajeitou seu bigode, totalmente
compenetrado. — Há algo mais que queira me dizer?
— Sim — eu falei. — O meu irmão, Marcel Bloom,
foi o culpado por todas as mortes e todos os crimes
atribuídos a Derek, sejam eles quais forem. Eu sou
testemunha e quero que você registre isso.
Ele inclinou a cabeça.
— Rushell está morto. Você sabe que ele não pode
ser incriminado, certo? — eu anuí com firmeza. — Então
qual o porquê disto?
Ele sabia que eu estava mentindo. Eu consegui
perceber ao analisar o seu olhar. Mas que se danasse, eu
defenderia Derek até o fim.
— Estou apenas sendo justa — respondi. — Acredite
em mim, Marcel era um bandido muito perigoso. Ele era o
chefe de um grupo de aliciadores de garotas. O meu irmão
também traficava armas e drogas, além de trabalhar
ilegalmente com jogos de azar e prostituição. Ele possuía
diversos clubes ilegais. Eu tenho como provar.
Teller se empolgou.
— Essa é uma grande informação — falou. — Você
vai precisar repetir tudo o que disse para um dos meus
colegas. Seu testemunho será gravado e nós tomaremos as
medidas necessárias para localizar estes tais clubes
clandestinos. Eu irei contatar alguns agentes do FBI,
também, eles saberão como lidar com estes policiais
corruptos — em seguida ele abriu um sorriso
tranquilizador. — Você pode ficar tranquila, Faith. Sua
identidade não será revelada.
— Obrigada.
Quando saí da delegacia, senti como se um peso
enorme houvesse sido tirado das minhas costas. Mas não
era para menos. Talvez eu estivesse me sentindo leve
porque estava oca por dentro.
Uma mulher sem coração e sem alma.
No entanto, uma vida crescia dentro de mim.
Que irônico.
41: Despedidas

Faith

Passei as mãos pelos meus cabelos — agora


novamente loiros — e uni as mechas, fazendo um rabo de
cavalo. Ajeitando o cachecol cinza em volta do meu
pescoço, eu paguei ao taxista pela corrida e lhe desejei
um bom dia.
O dia estava frio e tive a sensação de que meus
dedos estavam congelados no momento em que puxei a
minha única mala e a arrastei para dentro do aeroporto.
Samantha e Max já estavam me aguardando ao lado
de uma máquina de café expresso quando eu cheguei. Nós
combináramos de irmos no mesmo dia, já que eu teria que
fazer escala até Los Angeles, seguindo para Scout Lake
logo em seguida. Eles viajariam direto para uma pequena
cidade no estado de Wyoming.
As coisas ainda não estavam sendo fáceis,
principalmente para mim. Eu poderia facilmente dizer que
ainda estava numa fase complicada. Tudo o que eu via,
tocava e cheirava me fazia lembrar de Derek. Até mesmo
gestos simples, como beber chocolate quente ou comer um
maldito biscoito me deixava nostálgica e melancólica.
— Eu vou sentir saudades — Samantha disse, seus
olhos começando a ficar marejados.
Ela parecia bem, até, para uma mulher viúva. Não
era para menos; Marcel nunca estivera apto para ser
indicado ao prêmio de melhor marido do ano.
— Eu também vou sentir saudade de vocês —
consegui abrir um sorriso fraco.
— Obrigada por tudo, Faith. Eu sei que não é fácil...
— ela se forçou a parar quando percebeu que estava
pisando em zona delicada. — Apenas me desculpe.
Eu não disse nada. Eu ainda estava muito abalada em
relação à tudo aquilo e, obviamente, eu não sabia o que
falar a respeito. Ela havia causado o incêndio que matara
o homem que eu amava, o pai do meu filho, mas no fundo
eu tinha ciência que Samantha não fizera aquilo de forma
intencional. Se não fosse por ela, Marcel ainda estaria
vivo e infernizando a minha vida e a de mais um monte de
gente.
Foi uma fatalidade, eu querendo admitir ou não.
— Tudo bem — não recuei quando ela me abraçou
apertado. — Tenham uma boa viagem.
— Obrigada — ela agradeceu.
Eu me agachei para encarar Max.
— Você promete que vai ser um bom menino?
Ele assentiu, suas bochechas rosadas formando duas
covinhas quando sorriu.
Meu sobrinho era um menino doce e esperto. Nós
havíamos discutido como ficaria a respeito da fortuna de
Marcel, uma vez que ele falecera deixando tudo o que
possuía para nós, seus únicos herdeiros.
Samantha cogitara, por incrível que pareça, abrir
mão de sua parte. Mas consegui convencê-la de que ficar
com a herança seria a coisa correta a se fazer, uma vez
que Max cresceria e precisaria de fundos para se
sustentar. Era direito dele possuir o que um dia fora do
pai.
A minha parte, no entanto, eu decidi que doaria para
várias das instituições que combatiam o câncer infantil.
Eu não queria o dinheiro poluído do meu irmão, assim
como também não tinha interesse algum em comandar a
empresa. Eu e minha cunhada concordamos em vendê-la, e
o dinheiro recebido seria utilizado para auxiliar garotas
que eram vítimas de abuso sexual. Era o mínimo que
poderíamos fazer para amenizar a dor de todas aquelas
meninas que foram iludidas e aprisionadas por Marcel.
Graças à minha denúncia e entrega de arquivos, todas
as boates de Marcel foram fechadas. Os policiais
envolvidos foram presos também e, como Samuel Teller
garantira, ninguém sabia de onde vieram as provas.
Tudo parecia estar em ordem, tão clichê quanto a um
final de filme, mas não estava. Dentro de mim, tudo estava
desalinhado.
Sempre me faltaria algo. Sempre me faltaria Derek.
Eu respirei fundo e forcei um sorriso. Não queria
chorar ali.
— Acho que é a minha hora de ir — falei, abraçando
mais uma vez os dois. Aquela era, muito provavelmente, a
última vez em que nos veríamos. — Tchau.
Samantha ainda chorava quando terminou de se
despedir. Eu me virei e então me preparei para tomar meu
avião em direção ao único lugar que eu sabia poder
encontrar ao menos um pouco de paz em meio àquele
caos.
Scout Lake.
Era hora de voltar para casa.
☆☆☆
Scout Lake, alguns dias depois.
Era domingo. O cheiro de chuva iminente rescendia,
o vento frio soprando contra os meus cabelos e fazendo
congelar a ponta do meu nariz.
Apertei contra o corpo a pequena caixa cromada
onde estavam guardadas as cinzas de Derek — ou ao
menos o que sobrou dos seus restos mortais, uma vez que
seu corpo estava totalmente carbonizado quando fora
encontrado dentro daquele maldito porão.
Eu estava de frente para o rio mais famoso de Scout
Lake. Um lugar que me fazia ter boas lembranças dele.
Aliás, Scout Lake inteira me fazia ter boas lembranças de
Derek. Foi ali onde ele me ensinou a atirar. O lugar onde
nos declaramos, viramos melhores amigos e
compartilhamos uma vida dentro de poucos meses.
Eu senti a dor no meu peito crescendo ainda mais.
Respirei fundo e firmei o aperto sobre a caixa.
— Eu sinto sua falta, sabia? — minha voz saiu rouca,
o timbre denunciando meu estado. — Talvez eu não tenha
sido a melhor companheira do mundo. Talvez eu não tenha
sido um terço daquilo que você merecia, mas eu quero que
você saiba: eu me doei ao máximo para te fazer feliz.
Quero que saiba também que você foi além do que eu
precisava. Não pelo fato de você ter sido o cara perfeito,
o príncipe de armadura num cavalo branco, porque só
Deus sabe o quão oposto de um príncipe você era — eu ri
sozinha em meio às lágrimas. — Príncipes não possuem
defeitos, Derek. Príncipes não cometem erros, não
procuram se reerguer diante de um obstáculo, e eles são
tão entediantes por isso. Eu sei que você, onde quer que
esteja, sabe muito bem do que eu estou falando. Eu
aprendi a conhecer você, o homem imperfeito que tanto
errou, mas que fez de tudo para ser o cara certo pra mim.
Eu aprendi a enxergar a alma de garoto ferido debaixo da
casca de um homem totalmente destruído. Nós nos
redescobrimos, nós nos refizemos e nós nos unimos em um
só.
Respirei fundo ao perceber que já estava me
engasgando com os soluços silenciosos. Afaguei minha
barriga ainda plana e apertei os meus olhos, tentando
cortar o fluxo de lágrimas que lavavam meu rosto.
— Certa vez, você me disse que nossas marcas
significam que participamos de batalhas ao longo da vida
e sobrevivemos a todas elas. Acontece que eu não venci a
última, Derek. Essa marca ainda está aberta e ela sangra
todos os dias. Ela queima, me faz agonizar e me
aterroriza. E eu sinto que jamais será capaz de cicatrizar...
— fiz mais uma pausa. Deus, aquilo era tão doloroso. —
A sua perda foi o golpe mais excruciante que eu levei. Eu
perdi a coisa que mais me importava nessa vida. Em
contrapartida, eu ganhei algo em troca. Um pedaço de
você. Um pedaço de nós dois. Ele ainda é tão pequeno,
mas eu já o amo mais do que tudo. Eu sei que você
também o amaria, caso estivesse aqui com a gente —
voltei a inspirar profundamente. — Eu só queria que o
destino não houvesse sido tão cruel conosco.
Fechei os olhos, sentindo a brisa gelada que soprava
naquela tarde de domingo. Quando os abri, eu desejei
poder ver a imagem dele uma última vez para me despedir
de forma adequada, mas isso nunca aconteceu.
Fantasmas não existiam. Eu queria que eles
existissem agora.
— Eu nunca vou me esquecer de você, Derek —
funguei e abri a caixa. — Eu vou te amar eternamente.
As cinzas foram atiradas diretamente no rio. Em
seguida, tudo o que eu tinha era uma caixa vazia e
lembranças de um tempo que jamais voltaria.
Uma chuva fraca começou a cair naquele momento,
se intensificando cada vez mais, e eu continuei ali.
Continuei por mais um momento com o que sobrara dele.
Alisei minha barriga e me sentei próximo ao ponto
onde meses atrás ele havia estendido sua camisa e
tivemos o sexo mais louco e sensacional que eu era capaz
de lembrar.
Deitei de costas sobre a grama e olhei para o céu,
pouco me importando para a enxurrada que lavava as
minhas lágrimas.
Fechei os olhos e dei adeus a ele.
Eu dei adeus a tudo.
Eu tinha que ser forte. Tinha que estar preparada para
um novo começo.
42: Regresso

Taint

Ei, cara.
Eu nem sei por onde começar essa merda, mas não
ria de mim por isso, ok? Eu não sou muito bom com as
palavras. Apesar de ser um cara moderno, ouvir Miley
Cyrus (aliás, você já assiste Hannah Montana agora?) e
depilar as pernas, eu não sou do tipo de cara que faz
declarações e porcarias do gênero.
Certo, eu sei o que você deve estar pensando agora.
Eu já disse que te amava por um bom par de vezes, não
é? Isso soou tão gay agora, mas vamos lá, eu não tenho
preconceitos. O negócio é que, sim, você é importante
para mim, Derek. E é por este motivo que estou lhe
escrevendo esta carta. Uma carta que eu não tenho
certeza se vou ter coragem de enviar para você, mas
esteja certo, caso leia isso algum dia, que toda a minha
alma está nela.
Nova York; verão; quatro anos atrás. Eu havia
acordado com o barulho de galhos batendo contra a
minha janela, logo após ter tido um sonho onde pássaros
gigantes invadiam a minha casa, prendiam-me na
cadeira da cozinha e roubavam todo o meu cereal.
Infantil, eu sei, mas eu tinha um medo do caramba de
pássaros, e eu também morria de medo de viver na
solidão. É curioso o fato de um cara como eu ter optado
por ser policial, mas coisas como essas ocorrem, talvez
por já estarem escritas no caderninho do Destino ou
simplesmente por uma mera ironia da vida. Acontece que
naquela noite — a noite em que eu levantei da cama e
decidi sair para a rua por não querer ficar sozinho em
casa — eu acabei por encontrar você.
Você acredita em anjos da guarda?
Acredita em destino, truques da vida ou instinto?
Eu não sei. Nós tivemos tão pouco tempo para falar
sobre isso, mas já parou para pensar que eu, talvez,
tenha sido uma espécie de anjo da guarda para você?
Não do tipo brega que veste batas e tem asas, mas o tipo
de anjo da guarda sexy (mais precisamente com uma
razoável camada de músculos), engraçado, modesto e
totalmente leal?
Já parou para pensar que a menina Faith, com todo
o seu jeito delicado, esquentadinho e carismático, seja o
destino lhe dando uma chance de recomeçar?
Eu não estou ficando louco, Derek, ela é importante
para você. Não tente negar, pois eu percebi isso. Talvez
até antes de você mesmo perceber. E antes que pense que
eu estou tentando me meter na sua vida, quero apenas
lhe pedir para que jamais, em hipótese alguma, você
deixe que o que sente por ela morra. O amor verdadeiro
é um dos sentimentos mais puros e virtuosos que estamos
propensos a sentir um dia, e ele só acontece uma vez.
Exatamente isso que você leu, meu amigo. Uma
única vez.
Eu não sei como você vai reagir a isso, mas as
coisas estão mudando, Derek. Eu não quero te preocupar
ou te deixar alarmado, mas eu sei que o meu tempo aqui
está contado. Mas, ei, não se assuste. Eu aceito isso,
sabia? Eu aceitei o meu destino desde o momento em
que estendi a mão para você e me tornei o guardião dos
seus maiores segredos. Eu aceitei a minha sina desde
que você me ensinou a ter cautela, não medo. Quando
você me mostrou que valores muitas vezes podem vir em
formas de atitudes distorcidas e pensamentos incomuns.
Eu aceitei tudo isso porque é essa a minha missão
na Terra.
Você pensa que eu salvei a sua vida, mas, na
verdade, foi você quem salvou a minha. Você me ajudou
a vencer meus medos e a encontrar um verdadeiro
sentido na vida. Você me mostrou que pessoas, por mais
amarguradas e quebradas que elas sejam, são capazes
de se reconstruir um dia.
Eu sempre acreditei que tinha algo de bom em você,
Derek. E eu ainda acredito.
Nunca se esqueça: eu te amo, cara.
Do seu irmão de alma,
Ryan C. Kennedy.
Dobrei cuidadosamente a carta escrita numa simples
folha de papel ofício e a guardei dentro do meu bolso.
Secando as gotas de suor que escorriam por entre as
minhas sobrancelhas, eu voltei para o fundo do trailer,
invadindo a velha garagem.
As diversas prateleiras anexadas à parede guardavam
vários frascos de óleo de motor e graxa. Um carrinho de
mão detonado pelo tempo descansava em pé ao lado de
um pneu.
Corri meu olhar com mais afinco pela oficina e
localizei no lado oposto o que eu precisava. Apanhei a pá
que estava em menos pior estado e voltei para o lado de
fora. Em seguida, comecei a escavar.
Desde o momento em que eu e Ryan nos tornamos
uma dupla, concordamos que ambos teríamos um
esconderijo só nosso, onde guardaríamos mantimentos
reserva, caso algo acontecesse com um de nós.
Nós escondíamos dinheiro, armas e tudo o que
precisávamos dentro de caixas enterradas nos arredores
do estacionamento de trailers onde ele costumava ficar
algumas vezes. E era exatamente por este motivo que eu
estava executando aquele processo.
Encontrar a carta que o meu melhor amigo havia me
escrito e nunca chegou a me entregar foi algo que me
surpreendeu. Ele havia escondido o pedaço de papel em
um cofre dentro do seu quarto, junto com algumas cópias
de documentos e chaves de carros velhos.
Refleti sobre todas as coisas que ele havia me dito.
Realmente, Ryan fora uma espécie de anjo da guarda. Sem
ele eu sabia que não conseguiria estar onde eu estava.
O filho da puta fazia falta...
Após escavar o suficiente, consegui encontrar a caixa
de madeira. Puxei o objeto que não pesava muito e o abri.
Lá haviam vários documentos falsos, entre outras
coisas de que eu precisaria. Peguei a cópia de um deles e
avaliei. O documento ostentava a minha foto, no nome lia-
se Taint Maloy.
Taint era um professor de educação física de trinta e
dois anos, sem passagens pela polícia, sem mulher, sem
filhos e quase meio milhão enterrado em algum ponto de
merda no solo do estacionamento de trailers abandonado.
Eu não era bobo, havia guardado dinheiro em, pelo
menos, três pontos ao redor do estado.
Eu sabia que no dia que a merda batesse no
ventilador, eu precisaria ter reservas. E foi exatamente o
que aconteceu. A polícia estava atrás de mim, eu era um
fugitivo supostamente morto e, apesar do fato de sentir
saudade de Faith, eu não podia dar as caras.
E só em pensar que eu quase morri.
Se aquele homem não houvesse aparecido no
momento em que eu acabara de despertar totalmente
desorientado naquele porão cheio de fumaça, as coisas
estariam feias.
Olhei para a marca avermelhada em meu pulso onde
meses atrás o segurança de Marcel havia me dado uma
maldita mordida, tentando me fazer soltar o pedaço de
perna de cadeira que eu havia utilizado para me defender
no momento de fúria.
Eu não sabia de onde havia saído aquele fodido, uma
vez que eu acreditava que o único capanga de Marcel
dentro da casa estivesse morto. Na verdade, ele parecia
mal, com uma marca de facada no ombro, tão
desorientado quanto eu.
Ele tentou me acertar, nós travamos uma pequena
luta, e então eu o asfixiei. Aquilo foi o fim para ele.
Depois disso eu consegui me safar pela pequena janela no
porão. Com um pouco de dificuldade, mas finalmente
passei por ela.
Eu sabia que Marcel morrera, e Faith estava segura,
pois eu vi o exato momento em que a ambulância chegou
para socorrê-la. Todavia, ainda não era o momento certo
de aparecer. Eu não podia correr aquele risco.
Eu tinha, primeiramente, que cuidar da minha
documentação falsa, doaria o montante em dólares que
pertencia a Ryan para os seus familiares e, em seguida, eu
iria atrás de Faith.
Não iria demorar muito. Eu sabia que ela me
esperaria.
43: Fantasmas Não Batem Na Porta

Faith

— É uma menina! — a doutora Eva Kingsley abriu


um sorriso largo ao me encarar.
Deitada sobre a cama branca do amplo consultório,
eu imitei o seu gesto, sentindo que a qualquer momento
minhas bochechas teriam uma câimbra de tanto que eu
sorria.
O local estava gelado, o que influenciou ainda mais
para a sensação de nervosismo percorrendo o meu
interior. Voltei a observar a mancha clara em formato de
semente na tela do equipamento e pisquei algumas vezes,
afastando a camada de lágrimas que começava a borrar a
minha visão.
Aquilo não parecia ser real, toda a situação pela qual
eu estava passando. A minha vida se transformara de uma
eterna bagunça amarga para uma bagunça
consideravelmente suportável dentro de meses, e tudo isso
graças à ela. O meu presente. Minha salvação. Ela, apenas
ela me fizera olhar para tudo pelo que eu estava passando
por um ângulo diferente.
— Ela é tão bonita — comentei, tendo certeza que
aparentava como uma idiota deslumbrada diante de algo
que jamais vira antes. Era mais do que claro que eu não
conseguiria discernir a feição de um bebê tão pequeno.
No entanto, eu tinha plena certeza que ela seria linda.
Perfeita. A menina mais amada da face da Terra se
dependesse de mim.
A médica tornou a manter sua atenção voltada para a
pequena TV. Ainda trabalhando o aparelho esquisito sobre
minha barriga, ela voltou a sorrir.
— Você já escolheu um nome?
Balancei a cabeça em afirmativa.
— Lizzie — falei. — Na verdade, será Martha
Elizabeth. Em homenagem às suas avós.
O sorriso da médica diminuiu um pouco, não muito,
mas o suficiente para eu imaginar o que se passava em sua
cabeça. Eu era uma coitada aos olhos dela. Eu era uma
coitada aos olhos de muita gente na cidade, desde que
voltara grávida, sem o pai do meu bebê, cujo falecimento
havia ocorrido pouco tempo atrás.
De toda forma, eu pouco me importava para o que
pensavam de mim. Eu estava feliz o suficiente para dar
uma merda à opinião alheia.
— Ao que tudo indica, ela vai ser uma menina
bastante saudável — me informou a médica ao final da
consulta.
Ela exigiu que eu permanecesse com os cuidados
sobre a gestação, entre outras recomendações rotineiras e
me entregou o exame de ultrassom. Segurei as imagens
como se estivesse segurando um tesouro e saí da clínica
alguns minutos depois.
O sol estava agradável naquela manhã, derramando
calor suficiente para não se tornar incômodo. Quando
cheguei em casa, os meus pés estavam me matando. A
médica havia me dito que os inchaços nos pés, aumento de
peso e o crescimento dos seios durante esta fase eram
normais; no entanto, havia momentos em que eu sentia que
estava prestes a explodir. Lizzie já mostrava que daria
trabalho desde o começo.
Sorri sozinha com aquele pensamento e subi
rapidamente as escadas para aliviar minha bexiga
insistente. Após sair do banheiro, eu chutei fora as
sapatilhas nos meus pés. No instante em que alcancei o
corredor, meus dedos entraram em contato com algo
úmido. Apoiei-me contra a parede para verificar as solas
dos meus pés e fiquei totalmente desorientada com o que
vi ali.
Tinta.
Tinta cor de rosa.
No momento em que pus-me ereta e dei mais alguns
passos lentos pelo corredor, consegui ter uma segunda
constatação: o cheiro vinha do quarto ao lado, o que me
deixou confusa e em estado de alerta.
Eu era uma mulher grávida, vivendo sozinha em uma
casa grande e antiga. Scout Lake era uma cidade tranquila,
mas aquilo não significava que eu não corria o risco de ter
a casa invadida por algum maníaco querendo me fazer
mal.
Corri até o meu quarto e abri a última gaveta do
criado-mudo, tirando de lá a arma carregada que eu
guardava para situações de emergência. Em seguida,
caminhei em direção ao quarto do bebê, sentindo que o
cheiro de tinta fresca ficava cada vez mais nítido
conforme eu me aproximava do foco.
A porta do quarto estava entreaberta, então empurrei
e apontei a arma.
Nada.
Um fodido silêncio e uma paz quase sepulcral.
Eu poderia até dizer que estava tudo normal, não
fossem as paredes todas pintadas de rosa. Uma lata de
tinta descansava ao lado de um berço que eu tinha certeza
de não estar ali antes.
Presenciar aquilo me deixou ainda mais
desorientada. Que tipo de criminoso leva uma lata de tinta
e mobiliários para decorar o quarto de uma criança?
Por um momento achei que Chad houvesse aparecido
sem que eu percebesse e me feito uma surpresa. Ele havia
me prometido, um tempo atrás, que me ajudaria com o
quarto do bebê.
Nós havíamos virado bons amigos desde que voltara
para a Califórnia. Eu me desabafava com ele quando as
coisas ficavam realmente sérias, e ele, mesmo sem
entender muito bem toda a situação, me ouvia.
Chad também me confessava coisas. Coisas que não
havia contado para mais ninguém além de um pequeno
grupo de amigos. Como por exemplo, a paixão secreta que
nutria por seu melhor amigo.
Ok, um pouco de informação demais, mas ele era um
cara legal. Merecia ser feliz.
Aproximando-me do berço, uma emoção diferente me
invadiu. Ele era branco, alto e parecia ser de um modelo
caro. Logo acima havia um mobile musical giratório com
pequenos adornos pendurados. Alguns eram no formato de
estrelas, outros em formato de meia-lua e corações.
Toquei o objeto e logo o barulho de música infantil
preencheu o quarto.
Aquilo não parecia ter sido obra de Chad.
Era tudo muito lindo. Lágrimas encheram os meus
olhos quando meus sentidos foram envolvidos pela
suavidade daqueles objetos, mas logo o pensamento
insistente me voltou à mente, enublando qualquer outra
emoção além do instinto de autopreservação. Quem havia
montado aquele móvel ali? Eu não fazia ideia de quem
pudesse ter invadido a minha casa, portanto me apressei
em procurar esclarecer minhas dúvidas.
Saindo do quarto, desci as escadas ainda com a arma
na mão. Ouvi um som estranho vindo da cozinha e me
dirigi rapidamente à ela. Barulho de louças sendo
movidas me deixou com ainda mais medo.
Eu deveria ligar para a polícia ou podia ser coisa da
minha cabeça?
Respirando fundo, eu me aproximei ainda mais da
porta, tentando não fazer com que minhas mãos tremessem
tanto.
Adentrei a cozinha e estaquei no mesmo instante em
que meus pés se encontraram com o piso do cômodo.
Uma caneca fumegante descansava em cima do
balcão. Uma caneca que eu sabia não ter deixado ali antes
de sair de casa.
Merda!
— Chad, você está aí? — perguntei, sabendo que não
havia chances de meu amigo estar na minha casa, afinal
ele não possuía as chaves.
De qualquer forma, não obtive respostas. Procurando
controlar meu nervosismo, apanhei a caneca cheia com o
que constatei ser chocolate quente de cima do balcão e
atirei na pia. Respirei fundo umas três vezes, apoiando-me
contra a pia, e então um barulho de passos me fez
congelar.
Passos pesados, firmes e lentos. Vindos do que
imaginei ter sido a despensa.
Droga! Onde estava meu telefone?
Engolindo em seco, me preparei para me virar e
encarar quem quer que tenha aparecido na minha cozinha
sem ser convidado, mas então a voz estalou antes mesmo
que eu me virasse:
— Isto era seu.
Oh. Meu. Deus...
Eu conhecia aquela voz. Eu reconheceria aquela
fodida voz em qualquer lugar.
Doente. Maldita mente doente.
— D-do que você está falando? — questionei. Meu
corpo estava trêmulo e minhas mãos geladas. Voltei a me
apoiar contra o metal da pia, sentindo-me seriamente
estranha.
— O chocolate — a voz era rouca, quente e
levemente líquida. Exatamente da forma como eu me
lembrava. Deus, o que eu estava fazendo? — Eu preparei
pra você... — uma pausa — pra vocês, na verdade.
— Para nós? — questionei, ainda muito nervosa para
me virar.
— Sim. Pra você e... o bebê — ele finalizou.
Respire, Faith. Apenas respire fundo.
Tentando buscar qualquer meio que fizesse com que
minha voz funcionasse, eu limpei a garganta.
— Oh, sim, eu... — comecei a gaguejar. Eu não sabia
ao certo o porquê de estar empurrando-me sobre aquilo,
conversando com, ao que tudo indicava, um completo
estranho. Mas talvez eu estivesse ficando louca. Não me
admirava muito tal pensamento. — É uma menina...
No momento em que as palavras nervosas saíram da
minha boca eu tive ciência de que aquela merda aleatória,
para ele, não faria sentido algum. Bom, foda-se. Eu não
estava fazendo sentido também.
Percebi que o homem chegava cada vez mais perto de
mim, o que resultou na euforia involuntária de cada
terminação nervosa no meu corpo.
— Uma menina — repetiu, sua voz num tom mais
rouco agora. Eu senti sua respiração muito próxima ao
meu pescoço. Era hora de me virar e apontar-lhe a arma?
— Eu acho que acertei em cheio na cor do quarto, hein?
Oh, uau, certo! Então havia sido ele. Um homem
entrara na minha casa, mexera nas minhas coisas e ainda
havia pintado o quarto da minha filha.
Puta merda.
Eu não respondi, sentindo o nó apertado ainda mais
duro na minha garganta. De repente, uma mão quente
deslizou pelo meu braço, fazendo com que os fios ali se
arrepiassem. Um peito rijo se alinhou às minhas costas e
uma barba por fazer arranhou de leve a lateral do meu
pescoço.
Enrijeci, dando-me conta de que aquilo estava
errado. Tudo era errado. Por mais que aquele
desconhecido falasse, tocasse e cheirasse como Derek,
aquilo era terrivelmente errado.
— E-eu tenho uma arma — gaguejei.
Vento quente soprou contra a minha nuca. Vibrações
suaves derivando do peito contra as minhas costas. Se eu
não estivesse tão nervosa para agir com coerência naquele
instante, eu poderia jurar que ele estava rindo de mim.
Eu havia virado motivo de piada para um fantasma
ou, no pior dos casos, um invasor de lares metido a
artista.
Fabuloso!
— Eu vejo — murmurou. Sua mão deslizou agora
sobre a minha, tomando a arma e a descansando na pia. —
Não haverá mais a necessidade de usá-la a partir de hoje,
no entanto.
Engoli em seco, incapaz de encontrar a minha voz
diante daquela frase confusa. Ele ordenou:
— Vire-se.
De imediato eu não disse, muito menos fiz, nada.
Senti minhas mãos apertarem a borda da pia, minhas
pernas ficarem trêmulas e a única coisa na qual eu pensei
durante aquele momento de tensão foi na minha filha. Eu
não podia desmaiar ali. Simplesmente não podia.
Baixei meu olhar e então me virei. De cabeça baixa,
eu apenas via a jaqueta escura, o pomo de adão e a pele
bronzeada do seu pescoço.
Sua mão subiu e acariciou minha bochecha com os
nós dos dedos. Senti tomarem meu rosto e o polegar
passeou pela face. Ele se aproximou mais e beijou a
minha bochecha, subindo delicadamente pela minha
têmpora e testa.
Por que inferno ele estava fazendo aquilo?
De repente, seus braços me puxaram para si e
enrolaram-se em torno do meu corpo trêmulo. Seu coração
batia forte, tão forte quanto o meu.
— Eu senti tanto a sua falta — ele sussurrou, me
apertando ainda mais para si.
Eu estava petrificada, incapaz de retribuir o abraço.
Eu ainda não havia tido coragem de encarar seu rosto. Eu
tinha tanto medo de fazê-lo.
Ao perceber o meu estado estático, o homem se
afastou um pouco de mim, voltando a acomodar meu rosto
entre suas mãos grandes. Delicadamente ele inclinou
minha cabeça para trás, forçando-me a olhá-lo. Eu fechei
meus olhos, apertando firmemente as pálpebras.
Eu me recusava a olhá-lo. Eu me recusava a olhar e
reconhecer que aquele cara tão parecido com Derek não
era ele.
— Abra os olhos, babe — ele pediu. — Por favor, eu
preciso que você me olhe nos olhos.
Suspirei profundamente, prendendo meus lábios entre
os dentes. Engoli em seco, e então fechei e abri minhas
mãos, sabendo que pela forma como sentia o sangue
correr freneticamente em minhas veias, não seria preciso
aquele ato. Droga! Eu estava agindo como uma doente
mental. Realmente, eu estava muito próxima de ser
diagnosticada como uma.
O silêncio permaneceu durante todo o momento
enquanto eu procurava reunir coragem suficiente para
finalmente ceder.
E quando isso aconteceu, quando eu abri os meus
olhos, o que enxerguei me deixou seriamente abalada.
Era realmente ele. Eram os olhos dele, o sorriso
dele. Todo ele.
Mas como aquilo era possível? A própria polícia
havia me dito que ele estava morto. Eu tive suas cinzas
sob meu poder. Eu me forcei a aceitar que ele havia
morrido, e agora ele me aparecia?
— Derek? — sussurrei, incrédula. Meus dedos
trêmulos seguiram uma linha incerta desde a sua
mandíbula máscula, passando pela maçã do rosto até sua
testa, onde os cabelos bem cortados despontavam. Enfiei
meus dedos ali, sentindo a maciez dos fios castanhos e
mordi um soluço quando este ameaçou irromper da minha
garganta.
Era real. Meu Derek era real.
Ele sorriu. Foi um sorriso lindo e cheio de saudade.
— Sim, doce Faith — seus lábios roçaram de leve a
extremidade dos meus, plantando um beijo casto em
seguida. Ele não desgrudou sua boca da minha em nenhum
momento enquanto voltava a dizer: — Sou eu.
Desta vez, eu não pude segurar mais. Acabei
desatando no choro, sentindo minhas pernas ficarem moles
de repente. Derek me segurou ainda mais firme quando
vacilei, e só pude escutar sua voz, chamando por meu
nome com preocupação, antes de desmaiar.

Derek

Ela estava pálida. Os lábios levemente entreabertos,


os braços estendidos ao lado de seu corpo descansando
sobre a cama. Passei a mão pelos cabelos loiros
brilhantes e tirei as mechas que cobriam seu rosto,
admirando o quanto ela havia ficado bonita depois de
grávida.
Não que ela já não estivesse bonita antes, mas agora
ela carregava o meu bebê dentro de si. Um bebê frágil e
perfeito que eu, um mero fodido de alma corrompida,
havia colocado ali dentro.
Meus dedos alisaram o tecido fino de seu vestido. Eu
os subi, deixando exposta a sua barriga inchada. Pelas
minhas contas, ela estaria aproximadamente no quinto mês
de gestação.
No momento em que eu inventara de fazer uma
surpresa para Faith, decorando o quarto que ela tinha
reservado para o bebê, eu não havia imaginado que a
criança que crescia dentro dela era uma menina. A tinta
rosa também não havia sido premeditada, mas foi como se
eu sentisse, lá no fundo, que nós teríamos uma garotinha.
Todavia, mesmo se um garoto estivesse prestes a vir ao
mundo, eu não veria problemas com a cor escolhida. Eu
ensinaria ao meu filho que não era errado amar o rosa, da
mesma forma que eu consideraria normal ele amar objetos
azuis.
Na verdade, eu não sabia que Faith estava grávida,
até uma semana atrás, quando eu fora embora para Scout
Lake, tendo certeza que a minha mulher estaria lá. Eu não
queria aparecer do nada para ela. Queria fazer uma
surpresa, algo significativo. Mas parece que meu plano
não dera muito certo.
As pálpebras de Faith se moveram, mas ela não
despertou. Sabendo que ela acordaria do desmaio em
breve, eu não contive a ansiedade de acariciar a sua
barriga e me deitei ao seu lado, passando a mão de leve
sobre o ponto abaulado.
Naquele momento, inúmeros pensamentos encheram a
minha cabeça. Como por exemplo, o que eu perderia caso
tivesse realmente morrido. Caso tudo houvesse dado
errado e o pesadelo pelo qual Faith passara até então
jamais se apagasse.
Também pensei se Faith algum dia decidiria seguir
em frente, já que eu estava fora do jogo. É claro que eu
não queria vê-la sofrendo, e é claro que eu preferiria que
ela encontrasse um cara legal, que cuidasse dela tanto
quanto eu um dia planejei cuidar. No entanto, eu também
não suportava a ideia de vê-la com outro. De ter outro
homem tocando nela, recebendo seus sorrisos, seus toques
carinhosos e vendo a minha filha crescer.
Apenas o pensamento me apavorava.
Decidindo lançar para o alto todas aquelas ideias
perturbadoras, eu voltei a acariciar a barriga de Faith,
meus dedos alisando suavemente a pele, mas parei de
imediato ao sentir uma espécie de vibração abaixo da
minha palma.
Porra. Aquilo foi o que eu pensei?
Engoli em seco e voltei a depositar minha mão sobre
sua barriga, controlando até mesmo minha respiração,
extremamente focado em sentir o mínimo dos movimentos.
E então, aconteceu de novo: outra pequena agitação.
Sentei-me sobre a cama. Eu tinha certeza de estar
encarando a barriga de Faith como se fosse um
extraterrestre. Era tão louco e tão mágico ao mesmo
tempo. De repente, eu senti uma mão pequena cobrir a
minha. Movi meu olhar para encarar Faith que me fitava.
Ela também havia sentido.
— Ela se mexeu — sua voz era fraca, porém ansiosa.
— Ela se mexeu!
Faith se ergueu, sentando-se com as costas apoiadas
contra a cabeceira da cama. E eu? Bom, eu estava
estático. Parecia que havia engolido a porra da minha
língua e não fazia ideia de como agir.
Senti um nó se formando em minha garganta e forcei-
me a engolir. Voltei a encarar a barriga da minha mulher, o
ventre que abrigava a minha filha, e limpei a garganta
sentindo a emoção se alastrar por dentro de mim. Era
como se um big bang de sentimentos aleatórios houvesse
explodido dentro do meu peito. Se eu me sentia daquela
forma apenas por presenciar o meu bebê se mexer, como
eu ficaria quando finalmente aquela garota nascesse?
Inferno! Ela iria foder com a minha cabeça.
— Ei, querida — Faith disse baixinho enquanto
encarava sua barriga, totalmente emocionada. — Você
pode fazer isso de novo?
O silêncio se seguiu por um breve momento, ambos
muito ansiosos para executar qualquer outro gesto além de
respiração. E então, Faith levou a mão à boca, seus olhos
grandes e marejados.
— Oh, meu Deus, ela fez de novo!
— Isso é normal, certo? — perguntei, me sentindo
nervoso de repente. Eu tinha prática com métodos
militares, armas e lutas, mas não sabia nada sobre bebês.
Muito menos sobre bebês ainda em formação.
Sorrindo, Faith balançou a cabeça em afirmativa. Eu
não disse nada em troca, no entanto. Estava impressionado
o suficiente com o fato de a minha filha ter se mexido. Eu
poderia dizer que de alguma maldita forma ela havia
sentido a minha presença.
Passei as mãos pelo rosto, sentindo-me exausto de
repente. Quando levantei minha cabeça, percebi que Faith
estava me encarando séria.
— Você é real? — perguntou. — Quero dizer... eu
não estou ficando louca? É realmente você?
Não pude conter o sorriso.
— Sim — respondi. — Sou eu, Faith. Eu estou vivo.
Alívio seguido por um turbilhão de emoções navegou
por seus olhos azuis naquele momento. No entanto,
percebi que logo o sentimento bonito foi substituído por
algo que julguei ser... raiva? Mágoa? Eu não sabia
decifrar ainda.
— Por quê? — agora eu podia identificar que havia
irritação em seu tom de voz. — Por que você se escondeu
por todo esse tempo? Por que você me deixou afundar em
um poço de tristeza e saudade, estando vivo? Por que
você não apareceu para mim enquanto eu chorei dias e
sofri semanas pela sua perda?
— Foi necessário — eu respondi.
— Necessário? — ela repetiu aquela palavra como
se não estivesse acreditando no que eu havia dito. — Seu
idiota! — gritou. — Seu grande e fodido idiota! Eu passo
quatro meses acreditando que você está morto, e “foi
necessário” é tudo o que tem a me dizer quando retorna?
Suas pequenas mãos vieram para cima de mim,
batendo-me com punhos fechados. Eu suportei e recebi
toda sua ira. Eu merecia aquilo.
De repente, ela avançou, sua boca devorando a
minha. Suas lágrimas desceram, o choro sendo engolido
por mim, enquanto eu a puxava ainda mais, amassando
nossos lábios juntos. Faith gemeu e naquele instante eu
pude cair em mim, percebendo que ela havia desistido de
me bater e agora puxava minha camisa desesperadamente
para me manter cada vez mais perto.
— Por que você sumiu por tanto tempo, Derek? —
perguntou. Seu rosto pressionado contra o meu peito. —
Por quê?
— Eu não tive escolha — respondi, alisando suas
costas. — A polícia estava atrás de mim. Eu tinha que
despistá-los.
Ela voltou a erguer a cabeça para me encarar.
— Eles não vão fazer mais nada — garantiu. — Eu
aleguei sua inocência para a polícia. Eu acusei Marcel, e
como ele está morto e não pode me desmentir, vai ser
meio difícil eles provarem algo contra você agora.
Fechei meus olhos, sentindo uma emoção muito forte
preencher meu peito. Porra, eu a amava tanto.
— Obrigado — beijei seus lábios mais uma vez. —
Muito obrigado. Mas eu não sabia. Eu não sabia que você
tinha feito tudo isso por mim. Além do mais, seria
complicado eu aparecer vivo para eles, Faith. A polícia
não é estúpida. Eles não deixariam isso passar batido. De
qualquer forma, era necessário.
— Eu sei — ela respondeu, enterrando seu rosto em
meu pescoço. — Como você conseguiu fugir do incêndio?
Eu acomodei seu corpo entre meus braços. A janela
estava aberta e encarei por um momento a luz do sol que
derramava para dentro do quarto. Então eu contei tudo a
ela. Contei sobre o momento em que despertei sob o calor
intenso no porão, contei sobre o capanga de Marcel que
aparecera do nada, e contei sobre minha fuga e a
identidade falsa que agora eu utilizava.
— Então quer dizer que eu não matei aquele cara? —
ela alisou a minha camisa distraidamente. — Eu fico
aliviada em saber disso. Não que eu fosse hesitar em
matá-lo se eu o visse ferindo você, mas eu jamais me
sentiria bem sabendo que tirei a vida de uma pessoa.
Um pequeno sorriso despontou em meus lábios e eu
beijei a sua testa.
— Eu sei disso. Ele teve o que mereceu.
— Eu aposto que sim — ela fez uma pausa, então
adotou um tom de voz mais tenso: — Estou tão feliz que
você está de volta. Eu ainda não estava acostumada a
viver sem você, Derek. Senti tanto a sua falta.
Puxei a sua mão que apertava o tecido da minha
camisa e forcei Faith a olhar para mim. Plantando um
beijo no dorso, eu disse:
— Eu estou aqui agora, não estou? — ela assentiu. —
Então pare de pensar em todas essas coisas tristes e pense
no que nós vamos fazer a partir de agora. Eu quero deixar
bem claro: não vou tornar as coisas fáceis pra você a
partir de hoje, Faith Bloom.
— Hum... é mesmo? — seus lábios se curvaram em
um sorriso e sua sobrancelha se arqueou em diversão. —
E o que você pretende fazer comigo?
— Primeiramente, eu vou te dar o meu nome —
respondi enquanto avançava para beijar o seu pescoço. A
pele se arrepiou abaixo do meu toque. — Depois disso,
nós iremos a todas as consultas com a médica que está
acompanhando a sua gravidez. Eu imagino que você esteja
fazendo isso sozinha, mas eu quero estar lá para você em
todos os momentos a partir de agora.
Ela mordeu o lábio, seus olhos começando a brilhar.
— E depois?
Sorri e então voltei a me aproximar dela. Sua pele
estava quente quando meus lábios passearam por trás da
sua orelha, voltando a atacar minuciosamente o ponto
macio. Voltei a passar a mão sobre a sua barriga.
— Depois eu vou me encarregar de colocar mais
bebês aí dentro.
Ela se afastou de mim, me fitando com olhos
semicerrados.
— Você está falando sério?
— Por que não estaria?
— O que aconteceu com a coisa toda de nada de
crianças?
— Eu mudei de ideia — falei. — Eu quero ter uma
família de verdade com você. Uma família normal. Uma
família que nenhum de nós dois tivemos.
Ela balançou a cabeça e eu percebi que estava se
prendendo para não chorar.
— Eu te amo tanto! — sorrindo, ela se lançou para
cima de mim novamente. Quando sua boca voltou a colar
na minha, suas mãos alisando meu peito, eu senti que
estava prestes a explodir.
Faith se afastou alguns centímetros de mim, apenas o
suficiente para que eu pudesse ter uma visão privilegiada
do seu corpo preenchendo o vestido. Seus dedos foram até
o primeiro botão da peça de roupa e meus olhos focaram
no decote cheio, a pele corada e cremosa, como morangos
e chantilly.
Faith vacilou por um pequeno instante. Respirando
fundo, ela finalmente retirou o vestido.
Eu já havia visto Faith nua antes, em posições que até
a mais promíscua das prostitutas coraria somente em
imaginar, mas nada se igualava à imagem da minha mulher
grávida trajando nada menos que um conjunto de lingeries
cor de rosa.
Era como acertar na loteria.
— Você é tão linda — me surpreendi com a
rouquidão da minha própria voz. Eu estava me sentindo
como um adolescente virgem encarando pela primeira vez
uma mulher nua.
Ela molhou os lábios, demonstrando que estava tão
nervosa quanto eu. Me apressei em me livrar da jaqueta e
camisa que vestia. Os olhos de Faith me seguiram durante
todo o tempo, famintos, ansiosos e necessitados.
— Vem aqui — lhe estendi uma mão, e ela engatinhou
em minha direção. Era a primeira vez que faríamos sexo
desde que ela havia engravidado. Eu precisava saber se
existia alguma espécie de restrição. — Está tudo bem com
você?
Ela assentiu freneticamente, cobrindo minha mão com
a sua quando segurei seu rosto com as duas mãos. A
respiração de Faith dançou contra os meus lábios
entreabertos, conforme eu encarava a boca carnuda e
rosada. A primeira investida dos meus lábios sobre os
seus foi apenas uma carícia suave. Como plumas leves
caindo sobre uma superfície. Minha boca pressionou mais
duramente em seguida. Quando minha língua despontou
para acariciar entre seus lábios, eu aprofundei, recebendo
de volta um som de aprovação.
Faith gemeu quando minha mão patinou sobre sua
coxa nua, tocando a pele macia abaixo dos meus dedos.
Deitei-a sobre a cama, descendo beijos por sua
mandíbula, pescoço e no espaço entre os seios. No
instante em que alcancei a barriga, eu parei.
Suave. Eu teria que ser suave.
— O que foi? — ela perguntou, confusa.
— Sua barriga — respondi — Não vai machucar o
bebê? ​
— Não, Derek, não vai — ela se contorceu debaixo
de mim. — Por favor, faça amor comigo.
Porra, ela estava implorando? Ela não precisava
implorar. Eu daria qualquer coisa que ela me pedisse.
— Você sabe que não precisa pedir isso, babe — eu
falei, voltando a roçar os lábios contra sua barriga bonita.
— Mas eu não quero que se machuque e... — ela calou
minhas palavras quando empurrou meus ombros e rolou
para cima de mim, até que minhas costas estavam
apoiadas no colchão. Sua mão alisou o meu volume sob a
calça e eu chiei.
Montando sobre os meus quadris, Faith trabalhou
sobre o cinto do meu jeans, seus dedos se prontificando a
abrir os botões.
— Melhor agora? — perguntou. Ela moeu seu sexo
ainda coberto pela calcinha sobre o meu pau. Senti que
seria capaz de gozar somente com aquele gesto.
— Você não faz ideia do quanto.
Ela sorriu.
— Isso tudo é uma desculpa para me fazer ficar
exposta, Taint Maloy?
— Derek — corrigi. — Eu quero que você sempre
me chame de Derek. Nada de Grant, Taint ou o caralho
que for. Sempre Derek — puxei seu sutiã para baixo e os
seios pesados saltaram para fora. — E, sim... Você tem
noção do quanto é perfeita? Do quão louco eu fico apenas
em imaginar esses mamilos duros contra a minha língua?
— rocei um mamilo com o polegar, esfregando em
movimentos circulares. Os quadris de Faith pressionaram-
se ainda mais duramente contra o meu pau rígido.
— Eu estou inchada e com estrias — ela gemeu no
momento em que minha mão alcançou o outro seio.
— Eu diria que você está sexy.
— Você não vai ter a mesma opinião quando eu
estiver flácida, descabelada e suja de leite por toda a
minha roupa.
Ponderei por um instante, imaginando a cena.
— Bom, eu ainda vou achar essa merda muito sexy.
Ela molhou os lábios.
— E quando eu acordar com olheiras enormes,
parecendo ter saído do The Walking Dead, você vai
continuar me achando sexy?
— Eu sempre vou te achar perfeita, Faith —
respondi. — Não importa como você esteja ou o que
estiver vestindo. Você é a mãe dos meus filhos, vai ser a
minha esposa, e é a garota que eu escolhi amar e proteger.
Então foda-se a forma como você venha a se parecer por
fora. Eu me apaixonei pelo que você é por dentro.
Faith ficou séria de repente. O toque suave de suas
mãos foi embora junto com o seu sorriso. Eu também
fiquei tenso, me perguntando se havia feito ou dito algo de
errado, no entanto ela sorriu aberta e lindamente. Em
seguida, lágrimas derramaram-se por seu rosto.
Se havia dúvidas de que Faith estava emocionada
com a merda clichê, porém sincera, que eu havia dito, elas
se dissiparam no instante em que a minha mulher se
curvou sobre mim, puxando meus cabelos com força e
voltou a me beijar. Havia fome e suavidade. Doçura e
paixão. Era minha Faith mostrando-me que, para ela, não
existia mais nada além de nós e do nosso bebê.
Nos livramos do restante de nossas roupas, nossos
corpos se esfregando, lábios gemendo e mãos nos
tocando. Endureci quando sua mão subiu pela minha
barriga, desenhando os gomos no meu estômago. As unhas
de Faith deixavam marcas avermelhadas, ao passo que
meus dedos marcavam a sua pele com os apertões que eu
dava.
No momento em que Faith me posicionou em sua
entrada e bateu para baixo, o meu pau deslizou até o fundo
no seu interior. Eu gemi. O êxtase queimando minhas
entranhas, o prazer apertando, torcendo e fluindo para
dentro de mim como lava.
— Perfeita... — eu balbuciei ao admirar seus olhos
encapuzados, a pele corada e quente.
Faith apoiou suas mãos em meus ombros, balançando
os quadris. Ainda em silêncio, ela se inclinou novamente,
sua boca reivindicando a minha, nossas línguas se
envolvendo. Seu olhar buscou o meu, e Faith pressionou
os seios macios contra o meu peito. As palavras não
precisavam ser ditas, nada mais precisava ser dito. Nós
estávamos muito além de qualquer banalidade, estávamos
muito acima do abalável ou do compreensível. Prestes a
alcançar um nível transcendental.
Aquilo era tudo para mim. Era meu lar, minha vida e
meu mundo.
Pela primeira vez, desde muito tempo, eu me sentia
verdadeiramente em casa.
☆☆☆
— Qual nome vamos escolher para ela? — perguntei.
Faith se aninhou contra o meu peito. Seu rosto estava
corado, os cabelos selvagens e uma camada de suor
cobria nossos corpos devido ao esforço que fizemos em
três sessões de sexo.
Sim, porra, os efeitos colaterais da gravidez tinham
suas muitas vantagens.
— Eu estava pensando em Martha — ela respondeu.
— Martha Elizabeth.
Sorrindo, voltei a acariciar os seus cabelos,
desgrudando as mechas que colavam com o suor em sua
testa.
— Como a minha mãe.
— Como as nossas mães, na verdade — ela disse,
sorrindo. — Nós podemos chamá-la de pequena Lizzie.
Suspirei, sentindo uma paz sem tamanho me envolver
naquele instante. A constatação de que nós, finalmente,
conseguimos o nosso momento de paz. Não havia mais
Marcel, não havia Simon, não havia Samantha e não havia
mais polícia. Éramos somente nós. Eu, Faith e Lizzie —
as mulheres mais importantes da minha vida.
— É uma linda homenagem — falei, sentindo minhas
pálpebras pesarem. Eu não havia dormido muito bem
durante os últimos meses. Naquela noite, no entanto, eu
aproveitaria. Dormiria com Faith em meus braços.
— Eu sabia que você iria gostar — ela acariciou o
meu peito e voltou a me chamar, após uma pausa: —
Derek?
— O quê? — perguntei, forçando meus olhos abertos
por mais alguns minutos.
— Eu nunca parei para pensar nisso antes, mas... eu
acho que o destino deu uma segunda chance pra gente —
seu nariz se enrugou de um jeito bonitinho enquanto ela
pensava. — Na verdade, ele nos deu uma terceira chance.
Eu nunca acreditei nessa coisa de alma gêmea, mas talvez
nós tenhamos sido destinados um ao outro, não é?
Eu ri baixinho e balancei minha cabeça, puxando-a
para mim ainda mais. Plantando um beijo em sua cabeça,
eu suspirei.
— Eu li em algum lugar que grandes realizações e
grandes amores envolvem grandes riscos — falei. — Se
você se arrisca a ponto de praticamente perder a vida por
alguém, isso significa que aquele amor valeu
verdadeiramente a pena. E é isso o que eu tenho a dizer,
Faith. Se foi o destino ou não, eu sinceramente não sei.
Mas eu posso te dizer que valeu a pena cada risco, cada
gota de suor, cada tropeço e cada erro.
Ela ergueu a cabeça e me encarou, puxando o lençol
contra o peito.
— Com certeza valeu a pena. Eu faria tudo de novo,
se isso significasse que eu teria a chance de ser sua outra
vez.
Não pude inibir meu sorriso. Apoiei minha testa
contra a sua, sentindo o cheiro doce que emanava da sua
pele nua.
Ela era tão perfeita.
— Eu te amo.
Sorrindo, Faith mordeu o lábio e avançou alguns
centímetros, tomando minha boca com a sua. O beijo
durou o suficiente para que ambos estivéssemos sem ar
quando nos separamos.
— Eu sei, baby — ela devolveu, sem desgrudar seus
olhos dos meus. A palma suave passeou sobre a minha
face, ao passo que eu retribuía o toque, roçando com o
meu polegar os seus lábios inchados. E então, os seus
olhos tornaram-se radiantes, conforme ela me oferecia um
sorriso travesso, concluindo: — Eu sempre soube disso.
Epílogo

Derek

Aproximadamente um ano e meio depois...

— Merda! — praguejei, encarando a mancha escura


que sujava a minha camisa clara.
Segurando o pequeno pacote envolto num vestido
rosa com babados, estendi-o diante de mim. Fitei o rosto
gorducho de Lizzie, onde bochechas rosadas davam olá
para a minha expressão de pai de primeira viagem com
uma fodida camisa suja.
A menina piscou para mim com inocência, e eu não
pude fazer mais nada além de cair de amores por ela.
Lizzie era linda. Era a coisa mais perfeita que eu já
tinha visto, a coisa mais bonita que eu já havia feito. Eu
sabia que aquela garota iria me dar trabalho quando
crescesse.
— Você sabe que está agindo como um bebê cruel,
não é?
Ainda me encarando com seus grandes olhos azuis,
Lizzie sorriu. Suas mãozinhas molhadas com baba batendo
descoordenadamente contra minhas bochechas. Não pude
deixar de admirar os dois primeiros dentinhos que já
apareciam. A minha menina estava crescendo rápido.
— Oh, você acha isso engraçado? — perguntei,
tentando não devolver o seu sorriso radiante. — Você está
toda suja de cocô, e isso é engraçado?
Ela começou a balbuciar palavras indecifráveis, da
forma que sempre fazia quando estava animada com algo,
e gargalhou ainda mais. Não pude conter o sorriso que
rasgou de volta em meu rosto.
Desde quando eu achava divertido ter cocô em
minhas vestes?
Se você me perguntasse como toda aquela merda
havia acontecido, a resposta, muito provavelmente, não
viria. Nós havíamos acabado de dar banho em Lizzie e
trocá-la, mas de alguma forma inexplicável, ela aparecera
com a maldita fralda vazada. Talvez eu não tenha colado o
adesivo de forma correta, ou ajustado adequadamente a
bendita coisa. De qualquer forma, estava me sentindo
como um idiota.
Um idiota fedido.
Deitei Lizzie sobre a bancada montada ao lado de seu
berço e apanhei todo o material que precisaria para cuidar
dela.
Não era a primeira vez que eu trocava a sua fralda.
Modéstia à parte, eu era um ótimo trocador de fraldas.
Óbvio que eu sempre exagerava na quantidade de talco,
ou nem sempre colava o a fita da fralda descartável no
local certo. No entanto, eu fazia o meu melhor.
— Está tudo bem por aqui? — Faith perguntou, assim
que eu havia terminado de limpar Lizzie e vesti-la.
— Tudo sob controle — eu respondi. Voltando a
pegar o bebê no colo, eu deixei um sorriso escapar dos
meus lábios. Ela estava me encarando sorridente outra
vez.
— Eu acho que Lizzie fez um pouco de bagunça aqui,
certo? — Faith riu ao dar de cara com a mancha fedida na
minha roupa. — Por que você não vai se limpar? Eu vou
alimentá-la antes de descermos.
— Nada de show de tetas de fora hoje? — perguntei.
Seus olhos se semicerraram enquanto ela fingia me
repreender.
— Não, seu pervertido. Os convidados já estão
quase chegando, Derek. Precisamos ser rápidos com isso!
Me forcei a assentir e lhe dei um beijo nos lábios,
antes de caminhar para o nosso quarto.
Era cedo, de modo que o sol ainda clareava boa
parte do cômodo. Era o dia do primeiro aniversário de
Lizzie. Não havíamos organizado muita coisa; tudo era
simples, assim como ocorrera durante a nossa cerimônia
de casamento. Eu havia, oficialmente, colocado uma
aliança no dedo de Faith, um mês após ter voltado para a
Califórnia. Não aconteceu em uma igreja, com toda a
frescura e pompa dos casamentos de filmes de romance,
mas foi o nosso momento. Não podia ser mais perfeito.
Voltando a estar apresentável — ou ao menos
cheirando decentemente — eu voltei para o quarto de
Lizzie. Faith estava sentada em uma poltrona. Ela cobriu o
seio e sentou a nossa filha em seu colo.
Agachei-me diante delas e passei os dedos pelos fios
loiros dos seus cabelos ondulados. Uma camada discreta
de maquiagem cobria o seu rosto. Ela estava radiante em
seu vestido amarelo — um pouco mais folgado, desde os
seis quilos que havia ganhado no último verão. Para falar
a verdade, desde que tivera Lizzie, Faith estava sempre
comentando sobre sua aparência. Sobre o quanto havia
ficado gorda, as estrias e celulites que haviam aumentado.
Besteira. Eu gostava de correr meus dedos por cada
imperfeição à noite. Eu amava ter a minha boca e língua
serpenteando sobre cada ponto também. Muito.
— Vocês estão prontas? — eu perguntei.
Faith assentiu. No mesmo instante, ouvimos a
campainha tocar.
— Pelo visto, o primeiro convidado chegou.
Nos apressamos em descer as escadas. Ao abrirmos
a porta, demos de cara com Darla, Phill, seus dois filhos
mais novos e — é claro — Chad. Ok, eu havia superado a
minha implicância com o cara, principalmente ao
descobrir que ele jogava no time oposto. Quer dizer, não
era exatamente isso, mas Faith manteve-me vagamente a
par sobre uma certa paixão secreta que Chad nutria por
outro cara. Desde que ele não inventasse de se engraçar
para o lado da minha esposa, eu manteria a minha merda
junta.
Nós havíamos decorado o quintal com balões
coloridos e outras ornamentações com a temática do filme
“Meu Malvado Favorito”. Era o filme predileto de Lizzie
e, mesmo tendo certeza de que ela não entendia nada do
que se passava, a garota ficava bastante animada sempre
que assistia.
Com o passar do tempo, mais convidados foram
chegando. Quando dei por mim, crianças corriam feito
malditos roedores fora da gaiola. Havia várias mulheres
me cercando também, todas muito dispostas a segurar
Lizzie. A minha filha era a coisa mais adorável que já
existiu. Eu não podia fazer nada a respeito do fato de que
qualquer um que a via, caía de amores por ela.
— Oh, eu sinto tanta falta disso! — Darla disse
enquanto passava as mãos pelos cabelos castanhos da
pequena Lizzie aninhada em seu colo. A mulher alternou
seu olhar entre Faith e mim. No momento em que seus
olhos caíram sobre a minha estrutura, o sorriso vacilou.
Ainda era estranha a forma como os outros me
olhavam. Era como se eles esperassem que a qualquer
momento eu fosse me transformar numa espécie de versão
moderna de zumbi e dançar Thriller do Michael Jackson
em cima da mesa.
As pessoas ainda não haviam aceitado muito bem a
minha volta, muito menos a desculpa esfarrapada que eu e
Faith inventamos apenas para despistar os olhos curiosos.
Mas que se fodessem. Eu não estava me importando com
aquilo.
Minha filha começou a se contorcer no colo de Darla,
seus pequenos braços esticando-se em minha direção.
Percebendo de imediato o que ela queria, voltei a pegá-la
no colo. Ela começou a puxar o meu nariz com sua mão
gorducha.
— Você quer beber algo? — Faith me perguntou, um
momento depois, enquanto eu me sentava com Lizzie no
colo.
— Nah, eu estou bem — respondi.
Ela sorriu e se sentou ao meu lado. Aproximando-se
um pouco mais de mim, ela acariciou o meu braço. Me
olhou como sempre fazia, adoração brilhando em seus
olhos azuis. As coisas não haviam se apagado, mesmo
depois de mais de um ano de casados. E nós seríamos
assim pelos próximos cinquenta anos se dependesse de
mim.
— Você está feliz, Sra. Rushell? — perguntei, ao
notar a expressão tensa que tomou conta do seu rosto de
repente.
Ela se remexeu em seu assento, suspirou e apoiou a
cabeça em meu ombro.
— Eu tenho tudo o que eu sempre quis bem na palma
da minha mão. Eu tenho uma casa bonita, uma filha
perfeita e estou casada com o homem que amo — ela
sorriu. — Então o que você acha?
— Eu acho que você é uma mulher louca.
Faith riu da minha tentativa ridícula de fazer uma
piada e levantou a cabeça, buscando meus olhos.
— Talvez eu seja — seu sorriso desapareceu. Ela fez
uma pequena pausa. — Eu preciso te contar uma coisa.
— Algum problema?
— Não, nenhum problema — ela balançou a cabeça.
— Bom, eu acho.
Senti meus músculos se tensionarem. Lizzie
choramingou no meu colo quando eu parei de embalá-la.
— O que está havendo?
Faith mordeu o lábio e baixou o olhar. Percebi suas
mãos trêmulas apertando nervosamente uns dedos nos
outros. Quando voltou a me encarar, finalmente disse:
— Estou atrasada.
O quê?
Eu fiquei imóvel por alguns segundos, tentando
reformular aquela declaração na minha mente, mas nada
muito coerente vinha dela. Minha testa se enrugou em
confusão, então eu perguntei:
— Você está atrasada para o quê, exatamente?
Ela suspirou e curvou os ombros, como se estivesse
impaciente o suficiente para me explicar algo
supostamente tão óbvio.
— Minha menstruação, Derek — despejou. — Eu
estou grávida.
Oh. Foda.
Foda, porra. Simplesmente foda!
A minha mulher estava grávida? Nós teríamos um
outro bebê?
Um irmão para Lizzie?
— Inferno — minha voz saiu arrastada. De repente,
senti minhas bochechas se alagarem. Meus lábios
desenharam um sorriso enorme, como se eu fosse o
próprio Gato de Cheshire. — Você tem certeza?
Ela fez que sim com a cabeça.
— Eu fiz o teste hoje. Deu positivo em todas as três
tentativas.
Grávida.
Faith estava grávida!
— Porra, babe... essa é a melhor notícia que eu
poderia ter! — avançando, beijei seus lábios com
sofreguidão. Pouco me importava para o fato de estarmos
dado um show de línguas na frente de todos.
Eu iria ser pai outra vez!
— Eu sei, eu também estou muito feliz — Faith
apoiou a testa contra a minha. Sua mão brincou com a de
Lizzie, e a menina começou a apertar seu dedo.
Faith suspirou por um momento. Voltei a sentir a
tensão emanando dela.
— Ela ainda é tão pequena — ela disse. — Eu
confesso que estou um pouco amedrontada com a
responsabilidade que um segundo filho implica.
— Ei, nós vamos saber lidar com isso, ok? — a
tranquilizei, tocando sua barriga ainda plana. — Nós
somos ótimos pais para Lizzie. Eu tenho certeza que
seremos ótimos pais para esse bebê também — sorri. —
Eu estou em êxtase com essa notícia, e aposto que Lizzie
também está muito feliz em saber que vai ter um
irmãozinho.
Como se concordando com o que eu havia dito,
Lizzie começou a balbuciar. Caímos na risada enquanto
ela falava coisas que ninguém entendia, no seu próprio
idioma de bebês. Então, como se para ferrar com a nossa
mente, ela disse:
“Papapa!”
Os olhos de Faith pareciam mais duas gemas de tão
grandes e redondos que ficaram. Senti-a tensionar-se ao
meu lado, surpresa e euforia mescladas em sua expressão.
— Oh, meu Deus — murmurou. — Você disse papai?
Querida, você disse papai?
Lizzie voltou a balbuciar. Em seguida, ela repetiu:
“Papapa!”
A boca de Faith se abriu até formar um “O”.
— Ela está falando, Derek! Nossa filha está falando.
Eu tentei dizer alguma coisa, mas as palavras não
saíam da minha boca. Por dentro, eu estava eufórico com
aquele fato, mas eu sabia como Faith se sentiria sobre a
nossa filha não ter chamado por ela primeiro. Era o seu
maior sonho ouvir a nossa filha falar pela primeira vez, e
quando Lizzie o fez, escolheu à mim.
— Diga mamã — Faith incitou. — Vamos lá, Lizzie.
Diga mamã...
— Papa... — Lizzie rebateu.
Faith soltou um suspiro frustrado e balançou a
cabeça.
— Não, baby... mamã! Vamos lá, faça isso!
Lizzie fez uma pausa, nos encarando. Sua mão voltou
para o meu rosto, os dedos puxando o meu nariz. Os cílios
voltaram a bater quando ela piscou e sorriu animada,
soltando gritinhos estridentes:
— Papa!
Ouch, menina cruel!
A expressão de Faith murchou. Seus ombros caíram
em derrota.
— Ela não disse mamãe — choramingou. — Por que
ela não disse mamãe primeiro?
Eu a puxei contra mim e beijei o topo da sua cabeça,
enquanto ainda embalava Lizzie com o outro braço.
— Ei, tenha calma. Ela acabou de descobrir sua
primeira palavra — eu falei. — Nós te amamos. Você
sabe disso, certo?
Ela balançou a cabeça em afirmativa.
— Claro que eu sei. Eu também amo muito vocês —
seu olhar caiu. — Mas eu gostaria que ela aprendesse a
chamar por mim primeiro.
— Quem sabe o pequeno Ryan não o faça?
Ela voltou a erguer a cabeça. O vinco em sua testa
era suave, mas deixava explícita a sua confusão.
— Pequeno Ryan? — sua sobrancelha se arqueou. —
É uma ótima homenagem ao Ry, e eu fico muito feliz com
isso. Mas como tem tanta certeza de que teremos um
menino?
Eu dei de ombros.
— Eu apenas sei.
Faith finalmente sorriu.
— Eu gosto da ideia de um menino.
Eu imitei o seu gesto, sorrindo de lado. Arqueando a
sobrancelha sugestivamente, murmurei contra o seu
ouvido:
— E eu gosto da ideia de seus peitos ficando
maiores.
Faith caiu na gargalhada e avançou alguns
centímetros para colar seus lábios nos meus. Ela finalizou
o beijo e puxou de leve o meu lábio inferior entres seus
dentes, me provocando. Com a boca ainda levemente
pressionada contra a minha, ela atiçou:
— Mais tarde, talvez, eu lhe permita se certificar do
quão grandes estão ficando os meus seios — então ela se
levantou da cadeira em que estava sentada. Me lançou um
olhar travesso, que deixou o meu pau incrivelmente duro.
— Agora vamos lá, baby. É hora de cortarmos o bolo.

FIM
Agradecimentos:

Gostaria de agradecer aos leitores do Wattpad, por


todos os comentários, votos e palavras de incentivo que
tanto influenciaram para que eu estivesse aqui hoje.
Agradeço a todos os meus amigos do ramo literário
(especialmente Sisa Lício, a melhor revisora do mundo
todo!), que tanto me deram força. Agradeço a você que se
disponibilizou a ler o meu livro.
Agradeço à minha mãe, quem mais se dedica a me
auxiliar na realização de todos os meus sonhos.
Muito obrigada!
Este livro foi feito para todos vocês. Nos
encontramos na próxima jornada.
XOXO!
Playlist:

1. In The City – Kevin Rudolf


2. Think – Kaleida
3. Take Me To Church – Hozier
4. Sweet Dreams – Marilyn Manson
5. The Hills – The Weeknd
6. The Kill – 30 Seconds To Mars
7. Radioactive – Imagine Dragons
8. That’s My Boy – Vast
9. Eyes On Fire – Blue Foundation
10. Pumped Up Kicks – Foster The People
11. Crazy In Love – Sofia Karlberg
12. She Wolf – Sia feat. David Guetta
13. Monster – Meg & Dia
14. Killing Strangers – Marilyn Manson
15. Who You Talkin’ To Man – Ciscandra
Nostalgia
16. Seven Nation Army – The White Stripes
17. Sail – AWOLNATION
18. Do I Wanna Know? – Arctic Monkeys
19. Elastic Heart – Sia
20. Warrios – Imagine Dragons
21. End Of All Days – 30 Seconds To Mars
22. I Mean It – G-Eazy
23. Nothing’s Gonna Hurt You Baby –
Cigarettes After Sex
24. In The End – Linkin Park
25. Vengeance – Zack Hemsey
26. Time – Pink Floyd
27. Knockin’ On Heaven’s Door – Guns N’
Roses
28. Nothing Else Matters – Metallica
29. Animals – Maroon Five
30. Siberian Nights – The Kills
31. Candy Shop – 50 Cent
32. Shoot The Runner – Kasabian
33. Make It Rain – Ed Sheeran
34. Another Love – Tom Odell
35. Smells Like Teen Spirit – Nirvana
36. I Wanna Be Yours – Arctic Monkeys
37. Cure – Barcelona
38. Heroes – David Bowie
39. Closer – Kings Of Leon
40. Corrupt – Depeche Mode
41. The Funeral – Band Of Horses
42. Everybody Wants To Rule The World –
Lorde
43. Sex On Fire – Kings Of Leon
44. Be Together – Major Lazer feat. Wild Belle
45. I Hate You, I Love You – Dr. Kid
46. Waving Goodbye – Sia
47. Seven Devils – Florence
48. False Alarm – The Weeknd
49. So Cold – Ben Cocks
50. Breathe Me – Sia
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