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A Oferta de Moeda: uma Introduc¢ao aos Modelos Basicos Este capitulo é uma introdu¢do 4 anélise dos modelos basicos de oferta de moeda. Assumiremos a hipdtese de que a moeda é um elemento institucional subordinado ao controle das autoridades monetarias. Sob esta hipotese, a moeda € vista como uma varidvel exdgena, A propésito, cabe observar que, a despeito de sua evidente conformacao 2 realicdade observavel, a hipotese da exogeneidade da moeda nao é de aceitacdo unanime. Para alguns teéricos da eco- nomia monetaria, a oferta da moeda nao se subordina necessaria- mente a controles centrais, sendo gerada pelas préprias necessida- des da economia, transformando-se assim em varidvel endégena. O debate em tomo da exogeneidade-endogeneidade da oferta de moeda remonta ao século XIX. Desde entao, colocou-se no cen- tro das discussdes teGricas em que se envolveram os quantitativistas € os antiquantitativistas. Para estes tltimos, a moeda se apresenta efetivamente como variével end6gena. Ao assumir a primeira hipstese, estaremos, de ora em diante caminhando no sentido da constru¢zo de modelos macroeconémi- cos que adotam, como pressuposto basico, a nao-endogeneidade da maoeda, Partindo da hipotese de que a moeda é uma varidvel exdge- ‘na, consideramos que seu controle é uma atribuigao restrita das au- toridades monetérias, as quais administram a oferta de moeda como A OFERTA DE MOEDA: 1JMA INTRODUCAO AOS MODELOS RASICOS 123, base da assim chamada politica monetdria. Esta politica interage com outras frentes de atuacao do governo, na consecucko de obje- tivos globais (de desenvolvimento econémico, de estabilidade eco- némica e de melhor reparticao do produto da atividade econémica) que venham a ser determinados.! Se nao tratéssemos a moeda como varidvel ex6gena, subordinada a controles centrais fixados pelas autoridades monetétias, o estudo da politica monetéria per- deria qualquer sentido real, dado que o controle da oferta de moe- da, que € a base da politica monetiria, deixaria de estar nas mios do poder central para variar ao sabor das conveniéncias de outros agentes econémicos. No caso extremo de a oferta monetaria ser in- teiramente endogena, a propria coletividade, e nao as autoridades ~ monetarias, € que criaria e destruiria a moeda, de acordo com suas necessidades e conveniéncias de momento. Partindo da hipstese da exogencidade, desenvolveremos 0 estudo da oferta monetaria de forma convencional. Inicialmente, estabeleceremos algumas comparacées relevantes entre a moeda e outros ativos. Em seguida, indicaremos com maior precisio 0 con- ceito € as formas de medicao da oferta monetéria. Depois, veremos de que forma se da a criacdo de moeda pelos bancos comerciais, como base para o estudo do multiplicador dos meios de pagamen- to. Por fim, reproduziremos um modelo simples de deducao do suultiplicador dos meios de pagamento no Brasil. 3.1 A Moeda € outros Ativos: uma Introdugao Como foi visto no Capitulo 1, as transagdes que se observam em um sistema econémico podem ser descritas, na sua forma mais simples, como um conjunto de interagdes entre diferenciados grupos de agentes econémicos (unidades familiares, empresas € governo).* Ao interagir economicamente, esses grupos praticam trés categorias diferentes de atividade: a producdo, 0 consumo € a acumilacao. Em uma economia moderna, para a efetivacao de cada uma dessas atividades, a moeda se apresenta como elemento imprescindivel, ndo apenas por atuar como instru- 124 No Capitulo 5, analisaremos especificamente os principais instrumentos da politica monetiria, destacando as suas diferenciadas formas de auagio. Veremos também a eficicia desses instru. mentos para 2 consecucdo dos objetivos centrais da politica econdmica do governo. Se houver interesse em uma pormenorizada descricao das interages que se observam entre agentes econtmicos, ver ROSSETTI, J. Paschoal, Contabilidade social.7. ed. Sio Paulo : Atlas, 1991, especialmente o Capinulo 2, item 2.1, “As atividades econdmicas: versio simplificada”, € 2.2, “As atividades econdmicas: categorias ¢ inter-telacdes” p. 48-64 ECONOMIA MONETARIA, mento de trocas, como ainda por se constituir numa das mais importantes formas de reserva de valor. Em dado momento, como resultado de suas atividades econémicas passadas, da agente apresenta-se com uma espécie de balango contdbil, que mostra a for- ma como se encontram aplicados os rendimentos auferidos e as eventuais dividas contraidas ao curso de sua vida econdmica. De um lado, no passivo desse balanco, 0 discriminadas as formas de financiamento dos ativos acumulados. De outro do, no ativo, estio especificades os bens fisicos possuidos pelo agente, bem como duas diferentes formas de direitos, representadas por moeda e por titulos, ue podem ser a qualquer momento transformadas em riquezas fisicas. Isto signifi- ca que a relagio analitica das contas ativas de cada agente econdmico pode ser re- sumida em moeda, titulos e bens fisicos. Estes trés itens, que sintetizam as diferentes formas de ativos dos agentes eco- némicos, podem ser entendidos como elementos dotados de valor. Além disso, sen- do duraveis e estocaveis, podem também ser negociados no futuro, representando im fontes potenciais ou atuais de rendimentos. Tendo, os trés, este conjunto de possibilidades essenciais (a de gerar ou de estar gerando rendimentos, a de ser es- ocados ea de ser negociados), so no entanto diferencidveis pelos graus em que as lizam. Keynes, na Teoria geral, examinou exaustivamente os graus em que cada um ses bens so capazes de tornar efetivas aquelas trés possibilidades.} As idéias icas de Keynes quanto aos atributos desses diversos tipos de ativos estao resu- midas no Quadro 3.1 Ha ativos que dao ao agente econémico que os possuem um certo rendimen- 29 sob a forma de juros ou de dividendos; sao assim, respectivamente, os titulos de ca fixa €as ages. Outros, como o capital instrumental, podem ser acionados no ocesso de producao e assim gerar futuros rendimentos aos seus detentores. Qu- os ainda, como os bens de consumo possuidos em dado instante, podem atender Jevantes necessidades correntes, satisfazendo exigéncias essenciais. Todos, po- , excetuando-se a moeda, sofrem desgastes ou, entio, acarretam despesas de =anutenco ou estocagem com o correr do tempo. Como mostra Keyne’, “disto se 2duz que a retribuicio total que se espera da propriedade de um ativo, durante (0 periodo, pode ser medida pela diferenca entre o beneficio que ele proporcio- © os Custos incorridos em sua manutencio ou estocagem’”. Além dessa forma de ‘ibuicao, cabe acrescentar que os ativos podem ter diferentes graus de liquidez, i entendida a liquidez como a capacidade que 0 ativo revela em se transformar moeda. Consegiientemente, a moeda € entio admitida como a liquidez por AS idéias basicas de Keynes sobre os atributos da moeda, comparativamente com outros atives, exe postas na Geireral theory of imployment, inter ey, encontram-se no Capitulo 17, “The essential properties of interest and money". Na edicao da Royal Economic Society. Londres : Mace Millan, 1977, p. 2 A OFERTA DE MOEDA: UMA INTRODUCAO AOS MODELOS BASICOS. 125, exceléncia. E é exatamente este seu atributo que a diferencia dos demais ativos, além do fato deo seu custo de manutenc’o ou estocagem ser negligenciavel, evi- dentemente inexistindo a inflagao. Assim, em resumo, comparando a moeda com as outras formas de ativo, ad mitimos que ela representa os seguintes atributos essenciais: Rendimento zero, dado que o seu valor nominal ndo se altera com 0 tempo. 2 Custo de estocagem e manutencao negligenciavel. OQ Maxima liquidez, dado que a moeda é a propria liquidez, servindo in- clusive como parametro para medir o grau em que os demais ativos atingem esse atributo. Em contrapartida, os titulos € os bens fisicos possuidos pelos agentes econd- ‘micos em dado momento apresentam os seguintes atributos: OQ Possibilidade de gerar ou estar gerando rendimentos ou servigos que satisfacam 4s necessidades correntes do agente econdémico. Custos de manutencio e de estocagem significantemente diferentes de zero, observando-se que, quanto a este aspecto, os bens fisicos, de uma forma geral, apresentam estes tipos de custos mais elevados que os dos titulos QUADRO 3.1 Rendimentos possiveis, custos de manutencdo e estocagem e graus de liquidez das diferentes formas de ativo. Zero Negligenciavel Maximo Titulos Fixo ou variavel Significativo Inferior ao dos ativos (normaimente monetarios superior a zero) Bens fisicos Possiveis, mas, Superior aodos | Geralmente inferior necessariamente, titulos a0 dos titulos incertos 126 ECONOMIA MONE! ARIA, 2 Graus diferentes de liquidez, mas necessariamente inferiores ao da moeda; be assinalar que certos hens fisicos (talvez mesmo a maioria deles) sao praticamente iliquidos. Conclusivamente, a moeda se distingue das demais formas de ativos possui- pelos agentes econémicos por apresentar rendimento zero e liquidez maxima. do a liquidez por exceléncia, a moeda € 0 ativo cuja posse envolve os mais bai- 2s riscos. Por isso, como Keynes observou, cla ¢ “o elo que liga o presente com o ro incerto”. 3.2 O Conceito e a Medicao da Oferta Monetaria Para uma satisfat6ria conceituacao da moeda, acreditamos ser ttil, além das tas desenvolvidas no topico anterior, a revisio de alguns aspectos essenciais sostraclos no Capitulo 1. Como vimos, somente apés longo percurso historico & amoeda se livrou de sua vinculacéo com o valor intrinseco dos bens que primi- vamente foram utilizados para fins monetarios Simonsen, 4 assinalando que os tiltimos séculos assistiram a duas importantes movagGes em matéria de moeda, representadas pela criagao do papel-moeda e da eda escritural, assim resumiu a lenta evolucio histérica dos instrumentos netdrios: “O papel-moeda surgiu aos poucos no sistema econémico: primeiro, no simples certificado de depésito nos bancos comerciais; segundo, como um tificado transferivel (moeda-papel); e finalmente como um certificado incon- vel, que € 0 proprio papel-moeda. O que hd de importante no papel-moeda € 2 eliminacao da idéia de moeda representativa. Como intermediaria de trocas, a moeda vale nao por sua utilidade intrinseca, mas por sua capacidade de adquirir tras mercadorias. Assim sendo, € absolutamente desnecessario que a mocda ossua qualquer valor pelo seu uso direto. © que se supés durante muitos anos ser > valor intrinseco do ouro € dos metais preciosos em geral, nada mais era do que o seu valor indireto, como meio de troca. O importante é que a moeda posstia ceitacdo geral e, nessas condi¢Ses, o papel-moeda é algo de mais baixo custo e de cil manipulaco que qualquer outra forma de moeda legal. Quanto A moeda ais fi escritural, ela surgiu com o desenvolvimento dos bancos comerciais. Especifica- nte, ela é representada pelos depésitos a vista, os quais possuem liquidez wuivalente 2 da moeda legal. Assim, consideram-se meios de pagamento numa papel-moeda | emitido Central em circulago | Caixa em moeda —— Saldo do corrente dos papelmoeda | Menos |bancos comerciais| >. |; aan em circulagao ee FIGURA 3.1 Derivagdo do conceito de papel-moeda (inclitidas as moedas metali- cas) em poder do piiblico. A OFERTA DE MOFDA: UMA INTRODUCAO AOS MODELOS BASICOS 129, ‘Aatenta observagio desse conceito convencional de moeda leva ainda a uma outra importante constatagZo—a de que ele privilegia a funcao da moeda como in- termedidria de trocas ou, para usar a expresso até aqui empregada, ele se funda- menta na definicao de moeda como meio de pagamento. No entanto, se a definicao de oferta monetatia considerar, além da funcao de intermediaco de trocas, a de re- serva de valor, o conceito convencional é passivel de criticas, pois ele exclui total mente um significative grupo de ativos financeiros que, pelo seu alto grat de liqui- dez, sdo considerados como quase-moeda. Entre os mais importantes, encontram- se 6s titulos do Banco Central ¢ do Tesouro Nacional, os depésitos a prazo fixo, os depdsitos em cademetas de poupanea, as letras hipotecirias ¢ outros ativos finan- ceiros de emissio do sistema de intermediacio financeira nao bancéria. Gurley ¢ Shaww,* numa das contribuiges classicas da literatura monetaria, su- geriram com énfase que qualquer conceito modemo e abrangente de oferta mone- taria deveria incluir ativos financeiros identificados como gutase-moeda. Evidente- mente, esses autores nao deixaram de ver que os passivos dos bancos comerciais € os dos intermedidrios financeiros nao bancarios eram diferentes enquanio meios de pagamento” De fato, isto se dA pela simples razio de que, para serem utilizados como meios de pagamento, 0s titulos emitidos pelos intermediarios nao bancarios devem, antes, ser transformados em moeda (manual ou escritural). Ainda que 0 custo dessa transformacao seja desprezivel e que o tempo necessario para efetiva- la seja acentuadamente reduzido, ela se torna condicao sine qua non para que es- ses titulos possam ser convertidos em moeda. O que Gurley e Shaw desejaram en- fatizar é que esses titulos ¢ os depGsitos bancarios concorrem entre si enquanto re- servas de valor. “Propuseram, assim, que o estoque de moeda deveria ser interpre- tado de maneira a incluir as varias formas de débito das instituigdes financeiras nao bancérias ponderadas por um certo indice de liquidez. Essa nog&o considerou que, como os depésitos bancarios e os débitos das instituigdes financeiras nao bancérias 1 concorrentes quanto 20 papel de reserva de valor, isto toma possivel indicar por algum indice, empiricamente determinado, o grau em que essa concorréncia se estabelece. Se este puclesse ser estabelecido, a equacao da oferta de moeda deveria incluf-los."* A partir de arguments dessa ordem é que se desenvolveram outros conceitos mais abrangentes e menos convencionais de moeda. O conceito tradicional, jé to, inclui apenas a moeda manual e a moeda bancaria. Passaremos a denomina-lo 6. GURLRY, J. G., SHAW, E. 8. Money in a theory of finance. Washington : Brookings Institution, 1960. 7. Note-se que nos referimos 40 passivo dos bancos comerciais € dos intermediérios financeiros nao bancérios. Trata-se apenas de uma outra forma de indicar o componente escritural dos meios ‘de pagamento. No caso dos bancos, 0 passivo aqui considerado € representado pelos depdsttos, no caso dos demais intermedirios financeiros, pelos titulos de sua emissio. 8. Ver STANFORD, Jon D. Moeda, bancos e atividlade econémica. Sao Paulo : Atlas, 1977, especial- mente no Capitulo 7, 0 item “A definigio do estoque de moeda”, p. 94-101 130 ECONOMIA MONETARIA M1. Outros conceitos, indicados por M3 ¢ M4, abrangem outros ativos financei- tos. O conceito M2 foi adotado por Friedman-Schwartz, em seu ¢lassico estudo sobre a histéria monetaria dos Estados Unidos, publicado em 1963.9 O conceito M3, reconhecidamente mais elaborado, foi adotado em outro importante estudo, desenvolvido por V. Karuppan Chetty, 1969.1° Em sintese, estes trés conceitos s40 ‘08 seguintes: M1 = My + DVp¢ M2 = M, + DP M3 = M, +088 MS +0615 SL onde My € 0 saldo do papel-moeda em poder do piiblico; DVx.; os depésitos a vista nos bancos comerciais; DP os depésitos a prazo; MS os depésitos de pou- panca; SL as quotas de associagdes de poupanca e empréstimo. O estudo de Chetty € em geral apontado como uma das mais importantes comprovagées empiri- cas da proposi¢ao de Gurley ¢ Shaw, por haver incluido no estoque de moeda os débitos dos intermediarios financeiros nao bancarios, ponderados pelos seus res- pectivos graus de liquidez, isto é, pelas suas capacidades relativas de substituicao da moeda. No Brasil, um dos estudos pioneiros de conceitos abrangentes de oferta mo- netiria foi desenvolvido em 1977 por C. R.—Contador.!! Por testes empiricos, Con- tador obteve a seguinte especificacdo para o conceito M3: MB = My + DVgc+ DVcg + DVpg + 0,3(DP + DCP) + 0,07 LT onde My € 2 moeda manual; DVye, os depésitos a vista nos bancos comerciais, DV xs 08 depésitos em conta corrente, a vista, nas caixas econOmicas estaduais e fe- deral; DVzp, os depésitos a vista no Banco do Brasil; DP, os depésitos a prazo; DCP, 08 depésitos em cademeta de poupanca; LI, as letras imobilidrias em circula- 220. Como no caso do estudo de Chetty, os coeficientes de ponderacio dos p: vos dos intermediarios financeiros nao bancérios traduzem os seus graus de liqui- dez, para uma escala que varia de zero a um. Atualmente, © Banco Central do Brasil, além do conceito convencional de moeda, identificado por M1, adota outros és conceitos mais abrangentes, identi- ados por M2, M3 e M4. Estes trés titimos incorporam ativos financeiros quase- FRIEDMAN, Milton, SCHWARTZ, Ana J. A monetary history of the United States, 1867-1960. Na- onal Burcau of Economic Research : Princeton University Press, 1963. V. CHETTY, Karuppan, On measuring the nearness of near-moneys: Americam Economic Ke- view, v.59, june 1969. p. 270-281 CONTADOR, Claudio Roberto. Oferta de moeda € desenvolvimento financeiro. Mercado de Capitais e Desenvolvimento Financeiro. Rio de Janeiro : IBMEC, 1977. A OFERTA DE MOEDA: UMA INTRODUGAO AOS MODFLOS BASICOS 134 monetarios de alta liquidez. Contrariando critérios tebricos mais rigorosos, 9 Bacen nao aplica aos agregados quase-monetdrios que integram os conceitos nao conven- cionais quaisquer fatores de ponderacio que traduziriam os seus respectivos graus de liquidez. A falta de pesquisas empiricas recentes € permanentes que déem su- porte definigio dos fatores € apontada como a razao de sua nao-utilizagiio. Assim, si0 utilizados, na definicdio dos conceitos mais abrangentes, os saldos totais dos ati- vos financeiros escolhidos. Os critérios do Bacen para a definicao dos varios conceitos de moeda sto os seguintes: Conceito M1. Trata-se dos meios de pagamento, segundo versao conven- cional. M1 € constituido pela soma das moedas manual (papel-moeda € moedas metdlicas em poder do piiblico) ¢ escritural (depésitos a vista do puiblico nos bancos comerciais, bancos miltiplos, Banco do Brasil caixas econémicas). Conceito M2. Inclui, além dos ativos monetirios que integram 0 conceito ‘M1, as aplicacdes do ptiblico no FAF (Funda de Aplicacao Financeira), no FIF-CP (Fundo de Investimento Financeiro de Curto Prazo) ¢ os FRF-CP (Fundo de Renda Fixa de Curto Prazo), 0 titulos federais, estaduais e muni- cipais em poder do publico, com exchisto dos pertencentes as carteiras do Banco Central, das instituicdes financeiras ¢ dos prprios fundos de aplica- cio financeira. Conceito M3. Inclui além dos ativos monetirios € quase-monetarios que integram 6 conceito M2, os depésitos de poupanca mantidos pelo pblico nas caixas econdmicas, sociedades de crédito imobilidrio e associagSes de poupanga ¢ empréstimo, Conceito M4. inclui, além dos ativos monetarios ¢ quase-monetirios totali- zadlos no Conceito M3, os depésitos a prazo, letras de cambio ¢ letras hipo- recarias, exceto 0 que estiver em poder dos fundos de aplicagao financeir de investimento e de renda fixa ¢ o que for mantido em carteira das institui- 6es financeiras. ‘A Tabela 3.1 mostra os saldos de cada um dos quatro conceitos, no final de cada ano, no perfodo compreendido entre 1994-1997, apésa reforma que mudou o padrio monetitio do pais para o real, com estabilizacao gradual do valor da moeda ¢ yestabelecimento de suas funcdes. Cabe observar que, nao obstante a estabili- zacao, so baixas as participacdes percentuais dos saldos de A/J em telacdo ao to~ tal M4 dos atives financeiros de alta liquidez, mantidos pelo pablico. As atraentes taxas de juros reais, praticadas na captagdo de aplicagées financeiras, podem ser consideradas como um dos mais importantes fatores da expressiva participagao porcentual das varias categorias de disponibilidades quase-liguidas na riqueza fi- nanceira mantida pelo ptiblico no Brasil. As facilidades para sua conversio em meios de pagamento liquidos também explicam a composigao observada. 132 ECONOMIA MONETARIA 133 I PISMUET Op janie? ooUng Op WHOM *ANOT L6GL TAS “G oll FE “AT 7 “srppayodiy seo} 9 oxen ap serpy ‘ozvad sousodap inpur gS a 8 foot | afoot | ofoor | o'oor | zoezse | opreze | oigosz | serszt mB oe e'sz ele eze | ozves | 6zres | vaa'se | vsozs sBopeaud SOInILL = sew oe ye 89 zo | eea'sez | zieeez | zoxozt | caput en 3 8 zee vee vse use| eesze | rzoze | seoeo | shor eduvdnod ap soyspdeq a seu 6'es Zug sity vib ogz'z6t | 2e9°991 | zsizoL | BEs‘zZ aw 2 ee se oe ov yell | e6rit | vies | oraz stedioiunw 9 syenpejso som z vee ele ee ae des6e! | sse'zol | 6rs'9s Se6'62 ‘SfesOPe} SONI z - - - el - - - gree | sopeiounuios sieyoodso soj'sodeq a oF Ve e's *s sors | gesze | coer | ope dO-dud 9 dO-dle ‘AVS g seu o'or £6 pie oe. | eporse | zosez | sevez | ezzzz Woo 7 é seer veel | .c66t | geet 9661. 661 f “ | yeniuessod ovsedjoniieq ‘soguin 64 soujeoueuy Sonny i i o9|ignd op Jepod we opoyied op jeulj we sopies, ! t “psnug op jpuitiay ooung ojod soppropy ‘byy 2 EW EH ‘LW ‘PluPtoucu Puofo ap sonoIu0y VE VTARVL Em conclusio, cabe destacar os seguintes pontos fundamentais: OA moeda € um dado institucional que depende, essencialmente, da or- ganizacio ¢ do desenvolvimento do sistema financeiro do pais, bem como das decisdes de emissao de ativos monetirios ¢ das autorizacoes para emissio de titulos quase-monetitios, adotadas pelas autoridades monetarias. OQ Quando a moeda é olhada do ponto de vista de meio de pagamento, a funcio intermediria de trocas é privilegiada e 0 conceito M1 0 indica- dor mais preciso da oferta monetaria. Q Nao hd consenso sobre o que éa moeda, quando esta é olhada enquan- to meio de pagamento ¢ reserva de valor. As definicdes existentes sio algo arbitrarias, constituindo-se num dos mais importantes problemas da economia monetria que ainda desafiam os pesquisadores. Os resu tados das investigacdes e dos testes empiricos desenvolvidos nessa area sofrem a influéncia das hipoteses adotadas por pesquisador e da forma como seus testes sdo, na pratica, conduzidos. 3.3. A Criacio de Moeda pelos Bancos Comerciais As estatisticas divulgadas pelas autoridades monetirias referentes a oferta de moeda convencional evidenciam que, nas economias modernas, os depésitos nas instituigdes bancarias comerciais constituem a parcela mais expressiva dos meios de pagamento manejados pelos agentes econdmicos (familias, empresas e gover- no). No Brasil, por exemplo, segundo 0 Boletim do Banco Ceniral, os meios de pa- gamento expressos pelos saldos no final do periodo totalizavam R$ 35.643 milhées, no final de jutho de 1997, dos quais apenas R$ 13.139 milhdes eram seferentes 4 moeda manual (papel-moeda ¢ moedas metélicas em poder do ptblico); os restantes R$ 22.504 milhes eram representados pela moeda escritural (depésitos a vista do puiblico nos bancos comerciais, nos bancos nuiltiplos, no Banco do Brasil € nas caixas econdmicas). Isto significa que a_ moeda escritural representava algo em tomo de 63% do total dos meios de pagamento na economia brasileira. sa alta participacdo da moeda escritural na composicao dos meios de paga- mento é, em grande parte, explicada pelo efeito multiplicador, do qual decorre 0 mecanismo de criacdo de moeda pelos bancos comerciais. Dada a importancia desse mecanismo de criagdo de moeda, vamos agora examinar a forma segundo a qual ele se desenvolve. Primeiramente, para sua ca- racterizacio, examinaremos um modelo simples do processo de criacdo de moe- da pelos bancos. A seguir, sugeriremos algumas deficiéncias existentes no racio- cinio em que tradicionalmente se baseiam as explicacdes desse processo. As defi- ciéncias que apontaremos sao restricdes ao modelo tradicional do mecanismo de 334 ECONOMIA MONETARIA criagdo de moeda pelo sistema bancdrio comercial. Elas foram particularmente apontadas por Tobin!2 em estudo no qual ele desenvolveu 0 que denominou de newntew em oposicac ao old view utilizado nos textos de economia monetiri 3.3.1 O MODELO TRADICIONAL Como jé destacamos, os agentes preferem manejar a moeda escritural, compa- rativamente ao uso que fazem da moeda manual, para a liquidagao de suas transa- es. AS razdes que explicam essa preferéncia so, em sintese, as seguintes: U Os depdsitos bancarios a vista so mais seguros e oferecem maiores ga- rantias aos seus detentores. Comparativamente com a moeda manual, sao menos passiveis de perdas e roubo. O manejo de cheques, para efetuar pagamentos, é mais facil, principal- mente quando se trata de transacées de grande vulto. A manutencao de saldos médios nos bancos comerciais facilita a obten- ¢ao de empréstimos, quer por parte das empresas (para 0 financiamen- to do processo de produgao), quer por parte das unidades familiares (para o financiamento do consumo de bens e servigos, em antecipagio a tendimentos que estas esperam. auferir no futuro). Os pagamentos por intermédio de cheques permite o melhor contro- le € a melhor contabilizagio das despesas, a0 mesmo tempo em que podem servir de comprovante para determinadas finalidades legais, es- pecialmente quando nominais ou cruzados. Aconcessao de aberturas automaticas e limitadas de crédito, superiores aos saldos existentes, de que sao exemplos no Brasil os cheques espe- ciais, levam os agentes econdmicos (no caso, notadamente as familias) a se utilizarem, de forma generalizada, dos bancos comerciais como de- positarios de suas reservas monetarias. O uso generalizado da moeda escritural, todavia, esta na origem de um pro- sso multiplicador que eleva os saldos de meios de pagamento. Isto porque 4 mo- edade alto poder de expanséio (high-powered money), como usualmente é conside- rada a moeda originalmente injetada no sistema econémico por decisao das autori- dades monetirias, tende a se transformar em depésitos bancérios, por forca das ra- z6es assinaladlas. Subseqiientemente, uma dada parcela de tais depésitos transfor ma-se em empréstimos concedidos pelos bancos, 0s quais, por sua vez, tendem a retornar ao sistema bancério, na forma de novos depésitos. Este processo tende a renovar infinitamente, dado que os bancos comerciais nao mantém em caixa a totalidade dos depésitos captados, mas apenas uma parcela deles. Os bancos atuam_ com reservas fraciondrias. As restrigoes de James Tobin ao modelo tradicional do multiplicador dos depOsitos bancirios fo- ram resumidas no estudo Comercial banks as creators of money. Banking and Monetary Studies. Coletinea organizada por Deane Carson. Homewood : Richard D. Irwin, 1963. p. 408-419. A OFERTA BE MOEDA: UMA INTRODUCAO AOS MODELOS BASICOS 135, Cabe ponderar que esse processo de criagao secundaria dos meios de paga- mento nao € suficiente para descaracterizar a moeda como varidvel exégena. Ainda que as operagées do sistema bancario exercam esse efeito, nao pode deixar de ser considerado que a atuacao dos bancos comerciais, bem como dos intermedidrios financeiros nfo bancirios, esta sujeita a rigorosa fiscalizacao ¢ ao controle das auto- ridades monetirias, as quais t@m poder, inclusive, para fixar o quantum das reser vas que o sistema financeiro deve manter. Além do mais, a injegaio monetaria inicial que da origem ao mecanismo de multiplicagao da moeda bancaria é determinada diretamente pelas autoridades monetérias, que a qualquer instante podem reduzir © volume da oferta de moeda, por uma operacao inversa 4 da injecio de papel- mocda. Afinal, clas detém o monopdlio de emissdo € o poder de regulacto da oferta monetéria. Isto posto, vamos examinar, com base em um modelo simplificado, a forma como se processa o mecanismo de progressao dos depésitos bancérios, que equi vale’ conhecida criacdo de moeda pelos bancos comerciais. Para maior simplicida- de do raciocinio, vamos fixar, de inicio, as 1és hipoteses seguintes: 1. © Banco Central inicia o processo adquirinde titulos da divida publica, no mercado aberto, no valor de R$ 200.000,00. Esta operaco implica que o Banco Central amplia o seu estoque de titulos, ao passo que o pa- blico fica com um acréscimo de moeda de alto poder de expansio, & sua disposic4o, equivalente ao montante monetério injetado em decor- réncia da compra dos titulos publicos. Do total do acréscimo dos meios de pagamento (R$ 200.000,00) o puibli- co nada retém em espécie. A caixa do publico, correspondente 4 esse acréscimo, € igual a zero. Esta hipétese implica que a totalidade da inje- cdo decidida pelo Banco Central sera depositada nos bancos comerciais. 3 Arelacao caixa/depdsitos de todos os bancos comerciais do sistema é permanentemente mantida em 20%, concedendo assim empréstimos equivalentes a 80% do total dos depésitos captados. Esta restricio tanto pode ser entendida como fixada pelas autoridades monetarias como re- sultante de priticas espontaneamente convencionadas pelo proprio sis- tema bancério, no sentido de que mantenham encaixes suficientes para atender 4s solicitagdes dos depositantes, que desejam trocar cheques por moeda manual. A propésito, cabe registrar que, mesmo que as au- toridades monetérias nao fixem reservas compulsérias, os bancos man- teriam encaixes suficientes para compatibilizar a necessidade de con- fianca por parte do piiblico com a tentativa de maximizacao de seus lu- ros operacionais. w Fixadas essas hipoteses simplificadoras, o entendimento de como se processa © mecanismo de criagio de moeda pelos bancos comerciais se torna bastante sim- ples. Esse mecanismo se processa por uma sucesso praticamente interminavel de elapas. Para 0 caso suposto, as primeiras etapas, esquematicamente representadas na Figura 3.2, seriam as seguintes: 136 ECONOMIA MONETARIA 437 (éauow poromod UBnp ovstendea ap aapod oyp ap epoou ap ‘jauuen ooupg ojod ‘oupiouow munis ou ‘opsalur npyp PUN ap titted B ‘sp912401U09 soauNG sofed Bpaotu ap OMSL? ap OUsIUDIEU Op VaPUONDs OpSPING ZC YANO TeIOIEUIOD -%02 B [en6l “(sousodep & ‘o|gourq 7exyeo opsejad) oourg ewaysis ojed ‘ogdueyoy (q 3 eusaisis ou ‘BWOysIS OU opejaluy epecw ep é pat idl fe ‘owjosgiae op ‘oajjqnd ojed ‘o1ez & Jen6| cpdueieH (e. @ ssasa1gdlyy S 8 (o0'000'82! sus) (oo'000'ze $4) & %08 OP 608 a soumseudurs, ep axieou3 2 0 : TeR1WOS a ougoueg (o0'000°091 Sti) | 4. & Bwia}sis ou a %08 é 00'000'091 $4 ‘ep ownsesduy B ‘9p oysodeg ¢ dapod oye (00'000'002 $4 (00'000'or $i) ‘ouvoueg 0p epacu a ‘8p JO[eA Ou 08 eways|s ou ‘9p BUIO) v Gos lesqueg ooueg 9p oxteouy 00'000'002 $a 00'000°002 $e oad som ‘ep souisodeq, ‘ap ovdefuy ep oedisinby Primcira Etapa. Os agentes dos quais as autoridades monetirias adquiriram os R$ 200.000,00 em titulos da divida publica irdo, segundo as hipéteses assumidas, deposita-los integralmente no sistema bancdrio comercial. Ao término desta etapa, niio ha criagiio nem destruicdo de moeda. O que ocorre é apenas uma alteracdo da composicao dos meios de pagamento. A moeda de alto poder de expansao, injeta- da pelo Banco Central, se transformou em moeda escritural. Os agentes econémi- cos converteram, assim, a moeda manual recebida do Banco Central em direitos de saque, a vista ¢ sem prévio aviso, sobre os bancos comerciais em que efetuaram 0 depésito dos R$ 200.000,00. Segunda Etapa. Os bancos que receberam os depésitos dos R$ 200.000,00 vao manter em caixa apenas 20% desse valor, concedendo empréstimos equivalen- tes aos restantes 80%, Reterao, assim, R$ 40.000,00 e emprestardo R$ 160.000,00 ao plblico. J4 nessa segunda etapa, verifica-se um acréscimo de R$ 160.000,00 2 dis- posicao do piiblico, uma vez que, além desse montante que sera convertido em empréstimos ¢, assim, em meios adicionais de pagamento, os agentes que deposi- taram os R$ 200.000,00 iniciais continuarao tendo, a sua disposi¢ao, esse montante, que a qualquer instante pode dar origem a saques para 2 efetivacio de pagamen- tos. Como observa Simonsen, 3 “quando os bancos mantém encaixes bem inferio- Tes aos seus depésitos, 0s meios de pagamento tomamt-se varias vezes superiores 20 saldo do papel-moeda emitido; isto porque no momento em que um banco con- cede empréstimo com base em seus depésitos a vista, o dinheiro passa a pertencer ao mutuario, sem que o depositante perca o direito de sacar seus fundos a qualquer momento” Terceira Etapa. Nessa etapa dé-se uma repeticao do que ocorreu na prece- dente, s6 que os valores envolvidos sao menores, em decorréncia da manutengao do encaixe bancario na rigorosa proporeao de 20%. Nessa etapa, os agentes que re- ceberam 0 empréstimo de R$ 160.000,00 ou aqueles que com esse empréstimo fo- ram pagos, efetuario depésitos nesse montante, nada retendo em seu poder, se- gundo as hip6teses que adotamos. Por sua vez, os bancos que receberem esses no- vos depdsitos concederao novos empréstimos, equivalentes a 80% desse montante, retendo 20% em caixa. Em decoréncia, mantendo os bancos um encaixe de R$ 32.000,00 em relagio a esses novos depésitos, concederiio empréstimos de R$ 128,000,00. Novamente, sem que os depositantes da primeira e da segunda etapas tenham perdido os seus direitos sobre os depésitos efetuados, 0 piiblico passa a contar com mais R$ 128,000,00 a sua disposicio. Esse proceso se repetira ad infinitum. Na enésima etapa, supostamente ji no final do processo, os novos depésitos, os novos empréstimos € os novos encaixes estarao, todos, muito proximos de zero, dado que em cada etapa sucessiva eles se 13. Obra citada. Ver item 1.3, “Criagdo € destmiigao dos meios de pagamento”, p. 26-28. 138 ECONOMIA MONETARIA

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