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ENTREVISTA MOTIVACIONAL EM DIFERENTES APLICAÇÕES

NA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
INTRODUÇÃO
A Entrevista Motivacional (EM) é um estilo de comunicação colaborativo e focal que dá especial
atenção à linguagem de mudança. Ela é projetada para reforçar a motivação pessoal e
compromisso com um objetivo específico, evocando e explorando as razões da própria pessoa
para a mudança, dentro de uma atmosfera de aceitação e compaixão.

A EM surgiu da experiência de William Miller, psicoterapeuta centrado no cliente e no tratamento


que oferecia a alcoolistas. As primeiras manifestações da EM são do início da década de 1980,
em Berger, Noruega, quando Miller ministrava um seminário a profissionais da área da saúde que
questionavam como o terapeuta deveria agir quando o paciente não reconhecia os problemas ligados ao
uso excessivo do álcool. As respostas de Miller eram muito diferentes da prática clínica da maioria dos
que trabalhavam no tratamento de dependência química naquela época, em especial na América do
Norte
Para que se possa entender a elaboração da EM por Miller, é importante compreender o contexto do
tratamento da dependência química no início da década de 1980: acreditava-se que os dependentes
químicos (como um grupo) possuíam níveis extremamente altos de defesa (a partir da teoria
psicodinâmica) e que deveriam ser combatidos por meio de uma confrontação agressiva. Esse método
confrontativo teria sido influenciado por uma filosofia terapêutica denominada “Modelo de Minnesota”,
que defendia que o dependente químico estaria em um estado “delirante”, no qual negava a realidade.
O terapeuta, com relação a essa situação, deveria confrontar o indivíduo com a realidade que ele
negava, “abrindo-lhe os olhos” para os seus problemas. No entanto, o Modelo de Minnesota não
pretendia que fossem utilizadas técnicas agressivas para resolver tal problema, havendo distorções de
seus métodos — que preconizavam que a confrontação realizada deveria ser agressiva —, que foram
sendo utilizados e difundidos por comunidades terapêuticas, como Daytop e Synanonm, no tratamento
da dependência química.
Surge, então, o questionamento do motivo pelo qual seria justificado o uso de uma confrontação
agressiva (não usada em nenhum outro contexto clínico) no tratamento de dependentes químicos e a
resposta estava associada à crença na existência de uma “personalidade adicta”, que funcionava, como
já citado, com mecanismos defensivos (como a negação e projeção), os quais não responderiam a outro
tipo de abordagem. Porém, essa premissa foi refutada pelo estudo de Vaillant, com um seguimento de
40 anos com homens alcoolistas, pois não descobriu nenhum traço de personalidade preditor, apenas
verificou que os indivíduos analisados teriam seus níveis de negação semelhantes aos dos não
alcoolistas.
Como a premissa da personalidade do dependente químico não foi comprovada, começaram a ser
testadas as modalidades terapêuticas confrontativas, que eram fundamentadas nessa premissa para
avaliar a sua efetividade, chegando-se à conclusão de que a terapia confrontacional em grupo tem
resultados mais prejudiciais do que favoráveis, 5 especialmente em pacientes com baixa autoestima. 6
Os estudos com atitudes do terapeuta que utilizavam estratégias confrontativas demonstraram uma
maior possibilidade de fracasso, enquanto os que utilizavam a empatia (oposto da confrontação) tinham
mais chance de sucesso.
Em 1983, Miller publicou seu primeiro artigo sobre EM na revista Behavioural psychotherapy e,
posteriormente elaborou melhor seus conceitos e sua metodologia e publicou a primeira edição de
seu livro, no qual pode ser encontrada uma descrição detalhada dos procedimentos clínicos dessa
nova forma de tratamento de comportamentos adictivos.

A EM é um estilo de counseling, focado e direcionado para ajudar os clientes a avaliar e resolver a


ambivalência, aumentando sua motivação intrínseca e eliciando a mudança de
comportamentos autodestrutivos e autodepreciativos. Essa abordagem terapêutica sofreu a
influência de outras linhas teóricas, como: a abordagem centrada na pessoa (ACP), a terapia
sistêmica e a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Apesar de a EM não fazer parte das TCCs, ela é
muito utilizada em terapia combinada com as TCCs e pelos terapeutas cognitivos, em função de
preparar diversos tipos de clientes para a mudança de seus comportamentos disfuncionais.2,12
LEMBRAR
Além de publicações do uso da EM para dependentes químicos, existem artigos com pacientes com
transtorno de ansiedade generalizada (TAG), transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão,
esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), comportamento suicida etc. 12

O presente artigo tem por objetivo apresentar a EM em sua versão mais recente, ajudando os leitores a
aplicar este “estilo de aconselhamento” em suas práticas clínicas. Deve-se ressaltar que como não há
uma tradução publicada no Brasil para a segunda e a terceira edições do livro da EM, o material
publicado neste artigo é uma livre tradução feita pelas autoras, sem passar por um processo de
validação semântica, o que fez com que se optasse que os termos em língua inglesa fossem, por vezes,
mantidos ao longo do artigo.

OBJETIVOS Ao final da leitura deste artigo, o leitor será capaz de: identificar o conceito e as
aplicações da EM; descrever a evolução histórica da EM; interpretar a teoria e o espírito da EM;
definir e aplicar a técnica da EM na prática clínica.

CONCEITOS RELACIONADOS À ENTREVISTA MOTIVACIONAL


Há três conceitos que são utilizados e que devem ser esclarecidos para a compreensão da EM:
PRONTIDÃO; AMBIVALÊNCIA; RESISTÊNCIA.

Uma das formas de avaliar a motivação do paciente é observando a prontidão para a mudança, a qual
pode ter flutuações e ser influenciada por contingências internas e externas.
O modelo transteórico de estágios de mudança proposto por Prochaska e DiClemente 14 é
fundamentado no conceito de prontidão para a mudança e surgiu quase simultaneamente com a EM,
auxiliando no entendimento dessa abordagem.
De acordo com esse modelo, a motivação não seria uma variável dicotômica (estar ou não motivado),
mas os clientes transitariam em estágios motivacionais específicos, que foram denominados:
Pré-contemplação (ou pré-ponderação) — quando o indivíduo ainda não percebeu a
existência de um problema, sendo improvável que queira mudar;
Contemplação (ou ponderação) — ele percebeu o problema, mas está ambivalente quanto à
mudança;
Determinação (ou preparação) — o cliente decidiu fazer a mudança, mas ainda não fez nada
nessa direção; ação — quando algo já está sendo feito no sentido da mudança;
Manutenção — a mudança foi feita e se está prevenindo a recaída.

O trânsito pelos estágios se daria sob a forma de uma espiral, pois, cada vez que se passa por eles,
haveria um crescimento e a recaída também faria parte desse processo, podendo vir acompanhada de
uma regressão em termos motivacionais. O papel do terapeuta seria o de caminhar ao lado do cliente
em sintonia com o seu estágio motivacional.Desde a primeira edição do livro Motivational interview:
preparing people to change addictive behavior, publicada em 1991, muitas mudanças foram realizadas
na EM.
Na primeira edição do livro a EM era destinada apenas a clientes com transtornos adictivos, e os
autores apresentam os princípios gerais (expressar empatia, desenvolver discrepância, evitar a
argumentação, acompanhar a resistência e promover a autoeficácia). Também são descritos princípios
ativos de uma intervenção breve, eficaz e que foram reunidos no acrônimo FRAMES:

DEVOLUÇÃO (feedback); RESPONSABILIDADE (responsability); RECOMENDAÇÕES (advices);


INVENTÁRIO (menu); EMPATIA (empathy); AUTOEFICÁCIA (self-efficacy). Os autores, na referida
edição, abordam as armadilhas da resistência e estratégias para lidar com a resistência, utilizando
também a expressão self-motivational statements, afirmações automotivacionais, na tradução para a
língua portuguesa, para designar as falas dos clientes que indicam motivação para mudança, e dividiram
a EM em duas fases:

fase 1, na qual se trabalha a motivação para mudança, resolvendo a ambivalência;


fase 2, na qual se fortalece o compromisso e se elabora um plano de mudança.

Já, na segunda edição do livro, os autores ampliam o uso da EM para outras áreas (e populações) não
associadas aos transtornos adictivos, como cuidados médicos, promoção à saúde, assistência social,
população carcerária, casais etc. Foram removidos materiais com os quais a EM era confundida: o
acrônimo FRAMES, o feedback após avaliação, o modelo transteórico de Prochaska e DiClemente e
outras adaptações.

Os materiais mencionados foram discutidos em tópicos à parte. Foi dado um passo para um
distanciamento do conceito tradicional de resistência e, apesar de haver certo desconforto com
esse termo, decidiu-se mantê-lo em função de sua familiaridade e por não se encontrar nenhum termo
menos “pejorativo” do que esse. Foi introduzido o conceito de conversa sobre mudança (change talk)
para substituir “afirmações automotivacionais” (self-motivational statements). Explica-se que a conversa
sobre mudança e o comportamento de resistência são duas faces da mesma moeda e que,
simplesmente, refletem os polos de ambivalência de um cliente.

Foi retirado o termo paradoxo terapêutico (que foi substituído por coming alongside) para diferenciar a
técnica mencionada, utilizada na EM, da técnica do paradoxo (mais agressiva), utilizada em outras
abordagens. Foi introduzido o conceito de reflexo de consertar (righting reflex) como sendo uma
tendência do terapeuta para convencer o cliente para decidir pela mudança que ele — terapeuta —
considera a mais correta.

Em função de constatarem descrições de aplicações da EM que não correspondiam ao seu modelo


original, os autores decidiram escrever menos a respeito das técnicas e mais sobre o que
denominaram espírito da EM — o qual seria composto por colaboração, evocação e autonomia — e
descreveram princípios gerais que representam um refinamento dos princípios originalmente descritos
por Miller, em 1983, e na primeira edição do livro da EM: expressar empatia; desenvolver discrepância;
acompanhar a resistência; promover a autoeficácia.

Os autores acrescentam a discussão (na Fase 1) a respeito da intenção do cliente em mudar e da


confiança que ele tem na sua capacidade para realizar essa mudança; itens que acreditam que
negligenciaram na primeira edição. São introduzidos cinco métodos específicos que podem ser úteis
durante todo o processo da EM: os quatro primeiros são usados para explorar a ambivalência e
esclarecer as razões para a mudança, que são resumidos pelo acrônimo OARS (perguntas abertas,
afirmações, refletir e resumir [PARR, na tradução para o português]). O quinto método é mais
claramente diretivo, pois ele integra e orienta o uso dos outros quatro métodos: é eliciar a conversa
sobre mudança.

LEMBRAR É citada, em um tópico à parte do método da EM, a utilização da investigação a respeito dos
valores dos clientes para motivá-los para mudança, no entanto, isso não é sistematizado.

Em 2008, foi publicado o livro Motivational Interviewing in Health Care: Helping patients change
behavior,16 que foi publicado no Brasil em 2009.Esse livro é destinado a qualquer profissional da área
da saúde que trabalhe com seus pacientes para mudanças de comportamento, como: enfermeiros,
médicos, nutricionistas, psicólogos, conselheiros, agentes de saúde, dentistas, assistentes sociais, entre
outros. A lista de comportamentos que podem precisar de mudança inclui: tabagismo, dieta, exercício,
mudanças de medicação, consumo de álcool, ingestão de líquidos, aprendizagem de novos
procedimentos, etc.

LEMBRAR No livro Motivational Interviewing in Health Care: Helping patients change behavior, além de
ser descrita a EM e sua utilização na assistência à saúde, são descritos os três estilos de comunicação
da EM que devem ser utilizados conforme a necessidade — o direcionar, o orientar e o acompanhar —,
e são apresentadas três habilidades específicas — perguntar, escutar e informar.

ENTREVISTA MOTIVACIONAL — TERCEIRA EDIÇÃO


SIGNIFICADO DE ENTREVISTA MOTIVACIONAL
São descritas três definições da EM a partir do seu grau de complexidade:

 definição do leigo — a EM é um estilo colaborativo de conversa para fortalecer a própria


motivação de uma pessoa e o seu compromisso com a mudança;
 definição do praticante — a EM é um estilo de aconselhamento centrado no cliente para lidar
com o problema comum de ambivalência sobre a mudança;
 definição técnica — a EM é um estilo de comunicação colaborativo e focal que dá especial
atenção à linguagem de mudança, sendo projetada para reforçar a motivação pessoal e o
compromisso com um objetivo específico, evocando e explorando as razões da própria pessoa
para a mudança, dentro de uma atmosfera de aceitação e compaixão.

Em função de algumas confusões com o conceito de EM, Miller e Rollnick conceituaram o que não é EM:
 não é apenas ser gentil com as pessoas;
 não é o aconselhamento centrado no cliente de Carl Rogers (não diretivo); não é TCC;
 não é movimento estratégico para um ou mais objetivos específicos; não é uma “técnica”;
 não é uma panaceia, uma solução para todos os problemas clínicos; não é o modelo transteórico
de mudança;
 não é a balança decisória;
 não exige o uso de avaliação e feedback;
 não é uma forma de manipular as pessoas para fazer o que você quer que eles façam; não é fácil
de aprender;
 não é apenas “jogar conversa fora”.

A EM não pode ser usada para a fabricação de uma motivação que não estiver presente no indivíduo,
sendo uma parceria de colaboração, que honra e respeita a autonomia do outro, buscando entender a
estrutura interna do cliente. A EM deve ser usada para promover o bem-estar dos clientes e seus
melhores interesses, e não os do terapeuta. Durante a EM, podem ser utilizados alguns estilos de
comunicação que se encontram em um continuum: direcionar — orientar — acompanhar. O terapeuta
deve ficar em um meio-termo entre direcionar e acompanhar (orientar), incorporando aspectos de cada
um, quando for necessário.

A EM foi desenvolvida especificamente com a finalidade de ajudar as pessoas a resolver


ambivalência e reforçar a motivação para a mudança. Nem todo mundo precisa evocar o processo da
EM. Quando a motivação para a mudança já for forte, deve-se avançar com o seu planejamento e a
implementação.

ESPÍRITO DA ENTREVISTA MOTIVACIONAL


Na terceira edição é mantida a ideia do espírito da EM que já havia sido publicada na sua segunda
edição; no entanto, foram destacados outros elementos-chave inter-relacionados que o compõem:
parceria, aceitação, compaixão e evocação. Sem esse espírito subjacente, a EM torna-se apenas um
truque, um modo de tentar manipular as pessoas a fazerem o que não querem fazer, sendo outra versão
do reflexo de endireitamento, uma batalha de inteligência em que o objetivo é ser mais esperto do que o
seu adversário (Figura 1).

Figura 1 – O espírito da EM.


Fonte: Miller e Rollnick (2013).1

O espírito da EM é o conjunto de coração e


mente com o qual se entra na prática
clínica, sendo importante conhecer cada um
desses elementos.1

Parceria/colaboração — a EM não é algo feito por um especialista para um receptor passivo; é feita
“para” e “com” uma pessoa, sendo uma colaboração ativa entre especialistas, já que cada ser humano
é especialista sobre si. O
método envolve o interesse e apoio em vez de persuasão. O entrevistador procura criar uma atmosfera
interpessoal positiva e propícia a mudança. A EM é como uma dança, e não um processo de
subjugação, podendo ser utilizada, inclusive, a autorevelação durante o processo, quando o terapeuta
revela alguma informação a respeito de sua experiência de vida que seja relevante ao tratamento.

Aceitação — junto com o espírito de parceria há uma atitude de profunda aceitação do que o cliente
diz. Para aceitar uma pessoa não significa necessariamente que se aprova suas ações ou
concorda com o seu estado atual. A aprovação pessoal do entrevistador (ou desaprovação) é
irrelevante aqui. O significado de aceitação, na EM, tem raízes na obra de Carl Rogers e contém pelo
menos quatro aspectos: o valor absoluto (absolute worth) do cliente e o respeito por sua individualidade;
a empatia acurada (accurate empaty), um interesse ativo e esforços para compreender a perspectiva
interna do outro, para ver o mundo através dos olhos dele; o apoio à autonomia (autonomy support),
honrando e respeitando a autonomia de cada pessoa, o seu direito e a sua capacidade de autodireção;
a afirmação, que envolve reconhecer a pessoa, com sua força e seus esforços.

Compaixão — a compaixão é um compromisso deliberado para perseguir o bem-estar e os melhores


interesses do outro. É a promoção do bem-estar alheio, é dar prioridade às necessidades do outro. Os
serviços são para o benefício do cliente, e não primariamente para o do terapeuta.

Evocação — muito do que acontece em consultas profissionais sobre a mudança fundamenta-se em


um modelo de défice, pelo qual falta alguma coisa no cliente que precisa ser “instalada”. A avaliação é,
muitas vezes, focada em detectar défices a serem corrigidos pelo profissional. O espírito de EM parte de
uma premissa muito diferente: as pessoas já têm dentro delas muito do que é necessário, e a tarefa do
terapeuta é evocá-la (“Você tem o que você precisa, e juntos vamos encontrá-lo”). Os clientes já têm
motivação e recursos dentro de si que podem ser evocados no processo terapêutico.

PROCESSOS DA ENTREVISTA MOTIVACIONAL


Na primeira edição,3,9 a EM foi dividida em duas fases (1 e 2), no entanto, na prática, essa distinção
simples, além de parecer incompleta, não refletia um processo de tomada de decisões que muitas vezes
parece mais circular do que linear. Isso levou os autores a pensar com mais clareza sobre os processos
que compõem a EM. Assim, os autores decidiram abandonar a descrição sequencial de “fases” e tentar
aproximar mais a apresentação do método com o que se observa na prática, que seriam quatro
processos de sobreposição.
Como denominações para os processos de sobreposição, foram escolhidos os gerúndios “engajando”,
“focando”, “evocando” e “planejando”. Esses processos se apresentariam como uma escada, cujo
primeiro degrau seria o engajando, o segundo, o focando, o terceiro, o evocando, e o último, o
planejando, pois é necessário o degrau de baixo para que se trabalhe o seguinte, e assim
sucessivamente.

ENGAJAMENTO
Todo relacionamento começa com um período de contrato, no qual as pessoas se conhecem. Quando
as pessoas vêm à procura de uma consulta, elas, muitas vezes, não imaginam como o profissional é e
como irá tratá-las. As primeiras impressões são poderosas, embora possam ser modificadas. O
engajamento é o processo pelo qual as duas partes estabelecem uma ligação de ajuda em uma aliança
de trabalho. O engajamento terapêutico é um pré-requisito para tudo o que se segue no processo de
terapia.

Algumas armadilhas que atrapalham o engajamento


A seguir, são citadas algumas armadilhas que atrapalham o engajamento.1
Armadilha da avaliação
Muitos profissionais caem na armadilha da avaliação, que parte da ideia de que é necessário saber
várias informações antes de se poder ajudar o cliente. A estrutura de uma sessão intensiva de avaliação
é clara: o entrevistador faz as perguntas e o cliente dá as respostas (nessa armadilha se encontra a
armadilha pergunta-resposta da primeira edição da EM). Essa armadilha coloca o cliente em um papel
passivo e de alguém que não entende a utilidade de toda essa interrogação.

Em função da referida armadilha (e de a EM se confundir com feedback), foi retirado o feedback dos
princípios da EM. Está descrito, na terceira edição, que a avaliação e o feedback não devem ser
realizados antes de, pelo menos, 30 minutos de EM livre para que a entrevista não se transforme em um
inquérito. Uma fala possível de ser feita pelo terapeuta seria: “Há uma série de questões que vou
precisar lhe perguntar depois de um tempo, mas primeiro eu gostaria apenas de saber o que o traz aqui
hoje e como você espera que possa ser ajudado”.

Armadilha do especialista
Parte da EM é saber que o profissional não tem as respostas para os clientes sem a sua colaboração,
portanto, não vai funcionar o terapeuta decidir sozinho e prescrever as ações, no sentido da mudança,
que os clientes irão fazer. Com relação a essa armadilha, se estabelece uma relação de poder
desigual: o terapeuta sabe e decide tudo e o cliente apenas deve obedecê-lo.

Armadilha da rotulação
Os terapeutas e os clientes podem facilmente ser atrapalhados pela questão da rotulação de um
diagnóstico de diagnóstico. Alguns acreditam que é muito importante para uma pessoa “admitir” seu
diagnóstico para fazer uma mudança no seu comportamento. Como esses rótulos, muitas vezes,
carregam um estigma na mente do público, não surpreende que as pessoas com razoável autoestima
resistam a eles.
O perigo é que uma discussão pela rotulação evoque discórdia e impeça o progresso terapêutico.

LEMBRAR Na terceira edição do livro da EM, enfatiza-se que o uso do termo “problema” pode gerar
discordância durante a entrevista e deve ser evitado. Os problemas podem ser totalmente explorados
sem se anexar rótulos. A chave é evitar entrar em debates improdutivos e lutas sobre rótulos. Quando
um diagnóstico é necessário para fins administrativos, é possível discutir esse assunto com o cliente de
uma forma colaborativa, explicando o seu processo e o seu propósito.

Armadilha do foco prematuro


O problema básico aqui é que o terapeuta quer estabelecer um foco sem antes promover um
engajamento com o cliente, ou seja, ele tenta resolver o problema antes de ter estabelecido uma aliança
terapêutica pela qual a colaboração e os objetivos comuns são negociados. O terapeuta quer falar sobre
um problema particular e o cliente está preocupado com um tema diferente. O ponto é evitar se envolver
precocemente em uma luta de poder a respeito de qual é o tópico adequado para a discussão, e,
começando com as preocupações do cliente, em vez das preocupações do terapeuta, pode-se garantir
que isso não aconteça.

Armadilha da culpa
Se houver a preocupação com quem tem a culpa sobre a ocorrência do comportamento-problema, uma
abordagem óbvia é tornar essa culpa irrelevante no contexto da EM. Se esse problema surge, por
exemplo, o terapeuta pode dizer: “Parece que você está preocupado com quem tem a culpa aqui. Devo
explicar que o aconselhamento não é sobre decidir de quem é a culpa; isso é o que os juízes fazem,
mas não bons conselheiros. Eu não estou interessado em olhar de quem é a culpa, mas sim o que está
incomodando você e o que você pode ser capaz de fazer sobre isso”.

Armadilha do bate-papo
É possível cair na armadilha de apenas conversar, dando um sentido insuficiente para a conversa. Ter
uma “conversa fiada” pode parecer uma estratégia amigável e, sem dúvida, pode ser um quebra-gelo e
funcionar, às vezes. No entanto, não é provável que seja muito útil em doses maiores. Vários fatores
podem influenciar o engajamento do cliente:

os desejos ou objetivos do cliente; a importância que ele dá ao aconselhamento; a positividade


(positivity), o quanto ele sentiu-se bem acolhido e avaliou a entrevista de forma positiva; as expectativas,
o que ele achava que aconteceria e como a experiência foi; a esperança, ter fé no aconselhamento e
achar que pode ajudá-lo.

FOCO
O foco ajuda a esclarecer o sentido, o horizonte para o qual se pretende seguir. O processo de
engajamento leva a um foco em particular, uma agenda: o que a pessoa veio para falar. O terapeuta
também pode ter agenda, e alguns itens que agendaria podem se sobrepor aos do cliente; no entanto,
outros podem ser diferentes daquilo que o cliente gostaria de falar. Uma pessoa, por exemplo, pode
procurar um médico devido a uma infecção respiratória, querendo alívio sintomático, e o profissional de
saúde, verificando que a pessoa é tabagista, questiona-a sobre a mudança desse comportamento.

O foco é o processo pelo qual se desenvolve e mantém uma direção específica na conversa sobre a
mudança. No decorrer das entrevistas, quando o foco é dirigido para um ou mais objetivos, a conversa
sobre a mudança geralmente aparece e, essa, por sua vez, pode ou não envolver a concretização dessa
mudança de comportamento.

Uma das formas que auxilia no estabelecimento do foco é o uso do instrumento denominado ficha de
balões, o qual já havia sido descrito por Rollnick, Miller e Burton, 16,17 sendo uma forma de agendar
temas para serem conversados. Essa ficha contém balões com assuntos possíveis de serem discutidos
na consulta e balões em branco, nos quais o cliente pode escrever outros assuntos.

A Figura 2 mostra um exemplo de uma “ficha de balões”.


Figura 2 – Ficha de balões para o estabelecimento da agenda.

Ainda quanto ao foco, Miller e Rollnick1 descrevem


três possibilidades de apresentação do foco na
consulta:

foco claro — confirma-se com o cliente sobre o que


irão falar;
foco mais ou menos claro — utiliza-se a ficha de
agenda;
foco desconhecido — o terapeuta irá orientar o
cliente no processo terapêutico, sugerindo pontos a
serem debatidos.
Durante a etapa de foco desconhecido, o terapeuta
deve utilizar os estilos de comunicação (direcionar,
orientar e acompanhar) citados anteriormente e
escolhê-los em função do quanto o foco está ou não
definido pelo cliente.

EVOCAÇÃO
O processo envolve evocar as próprias motivações do cliente para a mudança e é o coração da EM. A
evocação ocorre quando há um foco em uma determinada direção e são aproveitadas as ideias do
cliente sobre por que e como ele pode fazer a mudança.

A mudança pessoal exige a participação ativa do indivíduo no processo de mudança. A pessoa deve
expressar os argumentos para a mudança, para que a mudança venha de dentro para fora, e não de
fora para dentro.

PLANEJAMENTO
Com relação ao processo de planejamento, quando a motivação das pessoas atinge um limite de
prontidão, elas começam a falar mais sobre “quando” e “como” mudar, e menos sobre “se” e “por que”
irão fazer isto.
Uma conversa sobre o plano de ação pode cobrir uma variedade de tópicos e deve provocar que o
cliente busque suas próprias soluções para suas dúvidas, promovendo a sua autonomia na tomada de
decisão. O aconselhamento deve ser usado com moderação, devendo ser enfatizada a escolha
pessoal e oferecido um menu de opções de mudança. Os aconselhamentos devem ser impessoais:
“Algumas pessoas, nesta situação, utilizam esta estratégia... Como seria para você?”
METODOLOGIA DA ENTREVISTA MOTIVACIONAL
Na terceira edição da EM, foram descritas algumas estratégias de comunicação que foram resumidas no
acrônimo OARS, em inglês (Quadro 1).
Quadro 1 Fonte: Miller e Rollnick (2013).1
ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO DA ENTREVISTA MOTIVACIONAL
O — Open- ended questions As perguntas abertas encorajam o cliente a falar o máximo possível, pois não
(perguntas abertas) podem ser respondidas com monossílabos ou uma frase simples.
A — Affirm (afirmações Nas afirmações, o reforço positivo pode aparecer na forma de apoio e elogios que
reforçando o que está certo) o terapeuta oferece.
R — Reflect A reflexão é a principal estratégia na EM, que deve ser muito utilizada durante a
(reflexões) fase inicial do tratamento. É normal que a ambivalência em relação à mudança
predomine e o terapeuta deve trabalhar utilizando as reflexões, porém sempre
considerando o que o cliente disse. A escuta ativa considera ouvir
cuidadosamente o cliente, visualizar claramente o que é dito, formular hipótese
sem julgamentos por parte do terapeuta, a fim de não estimular discordância.
S — Summarize Os resumos conectam os assuntos que foram discutidos e demonstram que o
(resumos) terapeuta escutou o cliente, ajudando, ainda, na organização das ideias
trabalhada. Os resumos podem ser utilizados em diversos momentos do
tratamento, como, por exemplo, quando o cliente apresenta várias ideias em uma
sessão e o terapeuta pode resumir para ajudar no entendimento de uma dada
situação. No momento em que o sumário está sendo apresentado, a ambivalência
pode ser trabalhada. É como um buquê de flores dado ao cliente, em que cada
flor significa uma conversa de mudança que o cliente abordou.

P — PERGUNTAS ABERTA
As perguntas abertas devem predominar na EM. Se o terapeuta faz perguntas abertas, oportuniza que
os clientes mais defensivos falem com maior facilidade.
Exemplos de perguntas abertas: O que o traz aqui hoje? Como é que este problema afetou sua vida
nodo dia a dia? Como você espera que a sua vida pode ser diferente daqui a 5 anos? Onde você acha
que este caminho em que se encontra está levando você? O que você diria que são as cinco coisas que
você mais valoriza na vida? “Como você espera que eu poderia ser capaz de ajudá-lo?

Já as perguntas fechadas podem ser respondidas com sim ou não e encerram o assunto, não
permitindo que o cliente explore e não permitindo que o terapeuta faça reflexões acerca do que foi dito.
Exemplos de perguntas fechadas: Qual é o seu endereço? Há quanto tempo você vem se sentindo
assim? Quantas chamadas você tem feito? Você fuma? Você acha que você pode fazer isso? Quem
mora com você? Quando você bebeu a sua última cerveja?

A — AFIRMAÇÕES
O foco na afirmação está no cliente e em algum ponto positivo que demonstrou dentro ou fora do setting
terapêutico. São exemplos de afirmações:
Exemplos de afirmações: Você realmente tentou arduamente esta semana! Sua intenção era boa,
mesmo que não tenha saído como você gostaria. Olhe para isso! Você fez um bom trabalho de manter
registros desta semana. Obrigado por ter vindo hoje e até mesmo chegar cedo! Então você fez três
telefonemas sobre possíveis trabalhos da semana. Bom para você!

R — REFLEXÕES
A escuta reflexiva no início é realmente um desafio, porém, é uma habilidade que pode ser
aprendida. Para que se tenha a certeza de que está sendo executada corretamente, o feedback
imediato é muito necessário, uma vez que se trata de uma habilidade complexa. A reflexão torna-se
mais profunda com a prática do terapeuta, o qual sente-se mais confiável para a contínua exploração
pessoal do cliente.
A reflexão é um processo dinâmico, pois, mesmo em uma conversa de 5 a 10 minutos, uma
variedade de materiais é oferecida. Considerando ainda a dinamicidade do processo reflexivo, o
terapeuta decide o que reflete ou ignora, enfatiza ou não, e ainda decide quais palavras usar na captura
de significado do que foi dito pelo cliente. Há três habilidades comunicativas básicas: perguntar, escutar
e informar.
LEMBRAR É necessário diferenciar entre ouvir e escutar, pois quem escuta ouve, mas quem ouve não,
necessariamente, escuta. Ouvir diz respeito a perceber as coisas pelo sentido da audição, é um ato
involuntário; enquanto escutar é um ato voluntário, pois é preciso estar atento para escutar. Nem
sempre o que se ouve é o que o outro quis dizer, ou seja, nem sempre se entende a mensagem do
outro.

A escuta e, por sua vez, a comunicação enfrentam obstáculos que podem atrapalhar o que está sendo
dito, alterando o julgamento, a análise e as avaliações de quem está escutando. A falta de
concentração, por exemplo, faz pensar em outras coisas e esquecer o que está sendo dito naquele
momento. Se alguém se põe a pensar na lista de compras que fará depois, em vez de escutar o outro,
pode deparar-se com os seus próprios pensamentos.

Escuta ativa
O que estou escutando?; Qual a mensagem?; Empatia.; Sentimento, emoções — Qual a profundidade
do que o outro está dizendo? ; Aceito o que outro diz sem julgar?
A escuta ativa pressupõe se envolver com a escuta, limpar a sua mente, fazer perguntas, explorar
reflexivamente, compartilhar o óbvio e resumir. Nem sempre o que o cliente pensa e fala expressa
realmente o que quer dizer. Nem sempre o terapeuta escuta o que realmente o cliente está dizendo.
Quando se estabelece a reflexão e ela está correta, o cliente responde: “É isso mesmo!” Mas se está
errada, o terapeuta intervém: “Vamos esclarecer melhor? Explica o que eu não entendi?” O terapeuta
deve cuidar para não usar somente a reflexão do tipo “repetir”, pois pode soar como um papagaio e
atrapalhar o vínculo terapêutico.

Resistência
Os autores questionaram o uso do termo resistência, que foi usado em edições anteriores, por
perceberem que esse termo dava uma ideia de que o problema era localizado no cliente, sem
considerar adequadamente os fatores interpessoais, por isso há uma troca, na terceira edição, pelo
termo discordância.
Há uma variação no tamanho do fenômeno anteriormente denominado resistência, conforme a ação do
consultor. A conversa de sustentação do status atual do cliente não é uma demonstração de oposição
ou patologia, trata-se apenas de um dos lados da ambivalência.

Uma observação importante é que, ao ouvir um cliente ambivalente, provavelmente o consultor ouvirá
tanto a conversa de sustentação quanto a conversa de mudança, pois a pessoa usa a conversa de
sustentação contra os próprios argumentos ou de outros sobre a mudança. Tomando-se em conta que
essa conversa de sustentação representa uma parcela da ambivalência, o que ocorre é uma mudança
na razão entre a conversa de mudança e a conversa de sustentação.

Discordância
Quanto à discordância, os autores apontam a importância de reconhecer quando há sinal de problemas
na aliança de trabalho, o que pode ser observado por meio das seguintes condutas do cliente:
 Defender-se — utilizando culpa (não é minha culpa), minimizando o problema ou justificando. Nota-
se, aqui, que o cliente pode estar sentindo que está pessoalmente ameaçado.
 Argumentar — quando o cliente vê o consultor como um adversário. Algumas afirmações do cliente
podem soar como um convite a uma queda de braço, com acusações do tipo: “Você não se
importa comigo”; mas é ressaltado que nesse tipo de argumentação o cliente detém quase todo o
poder.
 Interromper — o mais importante não é o conteúdo do que o cliente está falando, mas o fato de
interromper muito o entrevistador.
 Afastar-se — o cliente parece desatento, alheio e ignorando o entrevistador.
Um fator a ser avaliado é se esses sinais de discordância refletem algo do profissional, podendo ocorrer
mais quando ele está mais cansado, distraído ou preocupado com outra situação, dando pouca atenção
ao cliente.

R — RESUMOS
Os resumos são, essencialmente, reflexões que reúnem várias coisas que uma pessoa disse, recordado
uma série de itens inter-relacionados, à medida que se acumulam. Apresenta-se, a seguir, um exemplo
de resumo após pergunta aberta:
Terapeuta: “Como você espera que a sua vida esteja a 1 ano?” Cliente: “Espero ter parado de beber, já
ter a perspectiva de ter um filho e ter me mudado para a casa nova”. Terapeuta: “Então você espera
algo diferente a 1 ano — parar de beber, ter um filho e se mudar de casa”.

Após resumir os primeiros itens da lista, perguntar “o que mais?” é um convite para continuar a
acrescentar itens à lista. Também pode ser solicitado que o cliente aponte os pontos fortes que
poderiam ajudá-lo a mudar. Provavelmente surgirá uma lista que deverá ser resumida. Após isso, “quais
os outros pontos fortes que você tem?”

O resumo de vinculação inclui a reflexão que pode relacionar a outra coisa que o cliente possa ter dito
em uma conversa anterior. O resumo de transição serve para encerrar uma tarefa ou sessão, puxando
junto o que parece importante, ou anunciar uma mudança para algo novo. O resumo de transição muitas
vezes começa com uma declaração de orientação que anuncia que está prestes a amarrar as coisas em
conjunto, como, por exemplo:
“Bem, você lembra que eu disse que tenho algumas perguntas específicas que preciso lhe fazer
antes de terminarmos hoje? Mas antes de eu fazer isso, deixe-me ver se eu entendi o que você
está esperando que nós possamos ajudá-lo. Você precisa de alguma ajuda de emergência com
alimentação e moradia segura para você e seus filhos? Você também gostaria de ajuda legal no
sentido de obter uma ordem de restrição? Você já tem um atendimento primário médico, mas
você gostaria que os seus filhos consultassem um dentista? Eu perdi alguma coisa?”

O resumo oportuniza que a ambivalência apareça. Embora o cliente cite vantagens em fazer a mudança,
também pode relutar em fazê-lo, já no instante seguinte.

Miller e Rollnick descreveram, no acrônimo DARN (desejo, capacidade, razões e necessidade), alguns
itens que devem ser discutidos para preparar o cliente para a conversa sobre mudança e, no acrônimo
CAT (commitment, activation e taking steps), itens para trabalhar a ambivalência do cliente e motivar
para mudança. Nos Quadros 2, 3 e 4, podem ser vistas perguntas que podem ser feitas usando DARN,
CAT e DARNCAT (a integração de ambos) para desencadear o comprometimento com a mudança.

O terapeuta pode reconhecer uma conversa sobre mudança analisando se aparecem, na entrevista:
desejo (o cliente diz que deseja mudar seu comportamento); capacidade (o cliente acredita ter
condições de mudar); razões (o cliente comenta sobre seus motivos para mudar); necessidade (o cliente
fala a respeito do quanto precisa mudar).

Quadro 2
ACRÔNIMO DARN: EXPRESSA O COMPROMETIMENTO COM A MUDANÇA DE COMPORTAMENTO
D — Desejo Por que deseja parar de beber?
A — Capacidade Caso decida parar de beber, como vai fazer isso? Será capaz de fazê-lo?
R — Razões Diga três razões para parar de beber.
N — Necessidade Qual a importância de parar de beber?

Quadro 3
ACRÔNIMO CAT: FALAR SOBRE O QUE VAI FAZER E SE COMPROMETER COM A MUDANÇA
C — Commitment Intenção, decisão, promessa
A — Activation Disposto, pronto
T — Taking steps Dando passos

Quadro 4
ACRÔNIMO DARN CAT
D Por que quer parar de beber?
A Como poderia fazer esta mudança?
R Qual a razão para fazer esta mudança?
N Qual a importância desta mudança e por quê?
C O que pretende fazer?
A Quão disposto está a mudar?
T O que já fez até agora?
ESTRATÉGIAS INICIAIS PARA DESENCADEAR A CONVERSA SOBRE
MUDANÇA
São estratégias iniciais para desencadear a conversa sobre mudança:

1. Primeira estratégia — fazer perguntas abertas: não podem ser respondidas com sim ou não. O
cliente fala mais, o terapeuta o escuta e encoraja para que se expresse. Em geral, as perguntas
abertas iniciam por “até que ponto”, conte-me a respeito”, “ajude-me a entender”.

Diálogo entre o cliente e o terapeuta: Terapeuta: “Fale sobre o seu uso de álcool...”.
Cliente: “Tudo começou quando eu ainda era criança e tomava vinho com meu tio... não que ele
seja o culpado... eu já gostava do efeito... entende? Não sei muito bem... mas eu precisava beber
para me sentir bem. Depois veio a cerveja... os destilados... e aí deu nisso...”

2. Segunda estratégia — reforçar: caracteriza-se por encorajar e apoiar o cliente durante o


processo terapêutico, com elogios e afirmações, apreciando, compreendendo e escutando
reflexivamente.

Diálogo entre o cliente e o terapeuta: Cliente: “Hoje foi complicado chegar aqui... muita chuva...
estava tudo alagado nos arredores da minha casa... quase nem pude vir...”.
Terapeuta: “Que bom que veio à consulta, mesmo com toda a dificuldade”.

3. Terceira estratégia — escutar reflexivamente (repetir, refrasear, parafrasear e resumir): a escuta


reflexiva permite que o terapeuta faça uma inferência quanto ao que o cliente quis dizer. A inferência
do terapeuta ocorre na forma de uma afirmação.

Diálogo entre o cliente e o terapeuta: Cliente: “Tudo poderia ser diferente seu eu não bebesse
sem nenhum controle”. Terapeuta: “Você gostaria que o seu momento fosse diferente”.

4. Quarta estratégia — resumir: ajuda a conectar as ideias que o cliente trouxe. O resumo também
demonstra que o terapeuta ouviu cuidadosamente o que foi dito pelo cliente. Caso o cliente não
concorde com algo do resumo, esse é o momento que o terapeuta pode clarear o que de fato o
cliente disse, pedindo que ele explique o que não foi entendido pelo terapeuta. Um resumo funciona
como se o cliente recebesse um buquê de flores, em que cada flor significa uma conversa de
mudança que o cliente disse.

5. Quinta estratégia — informar e aconselhar: a permissão do cliente deve ser solicitada antes que o
terapeuta informe ou aconselhe.

Fala do terapeuta: Terapeuta: “Ficarei feliz em lhe dar ideias, mas você é o especialista em você”.

Para evocar a conversa sobre mudança, Miller e Rollnick elencam algumas estratégias

Fazer perguntas evocativas — são perguntas abertas que servem para que o cliente reflita a respeito
de seu comportamento. Sugere-se utilizar o acrônimo DARN e as sugestões que se encontram na
Figura 3 para a elaboração dessas perguntas.

Usar a avaliação da importância e da confiança na mudança — pede-se para o cliente dizer o


quanto é importante para ele mudar seu comportamento em uma escala de 0 a 10 (de nada a muito
importante) e o quanto confiante ele está de que consegue mudar, usando a mesma escala (de não
confia nada a confia muito). Pode-se perguntar se a motivação é, por exemplo, 4: “Por que 4 e não 0?”
Assim, o cliente trará os argumentos para a mudança.
Pode-se perguntar, entretanto, se a confiança é 5: “Por que 5 e não 10?” Dessa forma, se avaliará o que
prejudica a confiança do cliente.

Usar extremos — questiona-se o cliente quanto a uma situação extrema associada às consequências
da manutenção do comportamento-problema, como, por exemplo: “Como seria se continuasse fumando
enquanto estivesse grávida?” ou “O que de pior pode acontecer se continuar a beber?”
Olhar para trás — questiona-se como era a vida do cliente antes de ter o comportamento-problema ou
nos períodos em que ficou em abstinência.

Olhar para frente — perguntar sobre como será sua vida com (ou sem) a realização do
comportamento-problema.

Explorar metas e valores — deve-se investigar as metas do cliente e o quanto elas são compatíveis
com seu comportamento-problema. O entendimento dos valores pode ser útil nos processos de foco da
EM, pois, quando o cliente percebe uma discrepância entre a sua situação atual, os seus valores e as
suas metas, há um aumento da possibilidade de mudança.

Tendo em vista o que foi exposto, indaga-se:


O que é mais importante? Quais comportamentos que as pessoas dizem que querem mudar? Parar de
fumar? Fazer uma dieta?

Existem motivos para querer mudar? Às vezes, por exemplo, o medo de não mudar é por ter mais
problemas de saúde. Ou, então, o receio de perder relacionamentos importantes.

No entanto, sempre que o cliente enfrenta obstáculos para a mudança, deve conhecer a importância
de mudar, fortalecendo a sua capacidade e confiança para mudar, pois muitas vezes já se sente um
fracassado, uma vez que já tentou tantas vezes sem sucesso. Sabe-se que o fumo faz mal à saúde;
todavia, apenas saber disso não faz com que as pessoas parem de fumar. Então, o que é necessário?
Evocar as motivações para que a pessoa mude e ainda planeje quais os caminhos da mudança seriam
mais compatíveis com os valores da pessoa pode ajudar.

O que o cliente espera e quer? Como é que ele entende o significado e o propósito de sua vida? Para
que se conheça alguém é fundamental compreender os seus valores, pois somente assim pode-se
saber o que o motiva. Quais são as metas a longo prazo dessa pessoa? Como é que este indivíduo
espera que sua vida será em 1 ano a partir de agora ou em 5 anos ou 10 anos?

LEMBRAR - Entender os valores e os objetivos próprios de um cliente é outra maneira de promover o


engajamento, fornecendo uma base sólida para uma aliança terapêutica de trabalho, representando
grande potencial de motivação para a mudança. As discrepâncias tornam-se aparentes precisamente
por meio da reflexão sobre os valores da vida, e perceber essas discrepâncias pode exercer um efeito
poderoso sobre o comportamento.

Para descobrir os valores e as prioridades do paciente, podem ser feitas algumas perguntas.
Diga o que mais gosta na vida? O que mais importa para você?
Como espera que sua vida seja diferente daqui a alguns anos a partir de agora?
Suponha que lhe pedisse para descrever as metas que orientam a sua vida, quais são os valores com
os quais tenta viver? O que diria que são os seus cinco valores mais importantes? Talvez apenas uma
palavra para cada para começar. Quais seriam eles?
Se você fosse escrever uma declaração de missão para a sua vida, descrevendo seus objetivos ou seu
propósito na vida, o que escreveria?

Ainda na segunda edição da EM, como já salientado, foi citado o trabalho com os valores como um
instrumento possível de ser utilizado na EM; no entanto, isso não foi estruturado.

Na terceira edição, está descrito o uso estruturado dos valores por meio dos “cartões de valores”
(Quadro 5)
Quadro 5
CARTÕES DE VALORES
1. ACEITAÇÃO: ser aceito como eu sou. 51. PAZ INTERIOR: experienciar a paz pessoal.
52. INTEGRIDADE: viver a minha vida quotidiana
2. PRECISÃO: ser correto em minhas opiniões e
de uma forma que é consistente com meus
crenças.
valores.
53. INTELIGÊNCIA: manter minha mente aberta
3. REALIZAÇÃO: ter realizações importantes.
e ativa.
4. AVENTURA: ter experiências novas e 54. INTIMIDADE: compartilhar minhas
emocionantes. experiências mais íntimas com os outros.
55. JUSTIÇA: promover um tratamento justo e
5. ARTE: apreciar ou me expressar em arte.
igual para todos.
56. CONHECIMENTO: aprender e contribuir
6. ATRATIVIDADE: ser fisicamente atraente.
conhecimentos valiosos.
7. AUTORIDADE: ser encarregado de outras
57. LIDERANÇA: inspirar e guiar os outros.
pessoas.
8. AUTONOMIA: ser autodeterminado e
58. LAZER: ter tempo para relaxar e desfrutar.
independente.
9. BELEZA: apreciar a beleza em torno de mim. 59. AMOR: ser amado por pessoas próximas.
10. PERTENCER: ter um sentimento de
60. AMÁVEL: dar amor aos outros.
pertença, sendo parte.
61. MAESTRIA: ser competente nas minhas
11. CUIDAR: cuidar de outros
atividades diárias.
12. DESAFIO: assumir tarefas e problemas 62. MINDFULNESS: viver consciente e
difíceis. consciente do momento presente
13. CONFORTO: ter uma vida agradável e 63. MODERAÇÃO: evitar excessos e encontrar
confortável. um meio-termo.
14. COMPROMISSO: fazer duradouros 64. MONOGAMIA: ter um relacionamento íntimo
compromissos significativos. e amoroso.
15. COMPAIXÃO: sentir e agir em preocupação 65. MÚSICA: desfrutar ou me expressar na
com os outros. música.
16. Complexidade: abraçar as complexidades da 66. NÃO CONFORMIDADE: questionar e
vida. desafiar a autoridade e as normas.
17. COMPROMISSO: estar disposto a dar e 67. NOVIDADE: ter uma vida cheia de mudança
receber, chegar a acordos. e variedade.
18. CONTRIBUIÇÃO: fazer uma contribuição
68. ACALENTO: incentivar e apoiar os outros.
duradoura no mundo.
19. COOPERAÇÃO: trabalhar em colaboração 69. ABERTURA: estar aberto a novas
com outros. experiências, ideias e opções.
20. CORAGEM: ser corajoso e forte em face da 70. ORDEM: ter uma vida que é bem ordenada e
adversidade. organizada.
21. CORTESIA: ser atencioso e educado para 71. PAIXÃO: ter sentimentos profundos sobre
com os outros. ideias, atividades ou pessoas.
72. PATRIOTISMO: amar, servir e proteger meu
22. CRIATIVIDADE: criar coisas novas ou ideias.
país.
23. CURIOSIDADE: procurar, experienciar e
73. PRAZER: sentir-se bem.
aprender coisas novas.
74. POPULARIDADE: ser bem apreciado por
24. CONFIABILIDADE: ser seguro e confiável.
muitas pessoas.
25. DILIGENTE: ser completo e consciente em
75. CONTROLE: ter controle sobre os outros.
tudo o que faço.
26. DEVER: realizar os meus deveres e as 76. PRATICIDADE: concentrar-se no que é
minhas obrigações. prático, prudente e sensato.
27. ECOLOGIA: viver em harmonia com o meio 77. PROTEGER: proteger e manter a salvo
ambiente. aqueles que eu amo.
28. EMOÇÃO: ter uma vida cheia de emoções e 78. PRESTAÇÃO DE: prever e cuidar da minha
estimulação. família.
29. FIDELIDADE: ser leal e verdadeiro nos 79. OBJETIVO: ter significado e direção em
relacionamentos. minha vida.
(home) 80. RACIONALIDADE: ser guiado pela razão,
30. FAMA: ser conhecido e reconhecido. lógica e evidência.
81. REALISMO: ver e agir de forma
31. FAMÍLIA: ter uma família feliz, amando.
reaPliesstaqeuipsraátiEcsa.tendida
82. RESPONSABILIDADE: fazer e executar
32. ADEQUAÇÃO: estar fisicamente apto e forte.
decisões responsáveis.
33. FLEXIBILIDADE: ajustar-se a novas
83. RISCO: assumir riscos e oportunidades.
circunstâncias facilmente.
84. ROMANCE: ter intenso amor emocionante na
34. PERDÃO: perdoar os outros.
minha vida.
35. LIBERDADE: estar livre de restrições e
85. SEGURANÇA: ser segura e protegida.
limitações indevidas.
36. AMIZADE: ter amigos de apoio. 86. AUTOACEITAÇÃO: me aceitar como eu sou.
87. AUTOCONTROLE: ser disciplinado em
37. ALEGRIA: brincar e se divertir.
minhas próprias ações.
38. GENEROSIDADE: dar o que eu tenho para
88. AUTOESTIMA: me sentir bem comigo.
os outros.
39. AUTENCIDADE: agir de uma forma que é fiel 89. AUTOCONHECIMENTO: ter uma
a quem eu sou. compreensão profunda e honesta de mim.
40. A VONTADE DE DEUS: procurar e obedecer
90. SERVIÇO: ser útil a serviço dos outros.
a vontade de Deus.
91. SEXUALIDADE: ter uma vida sexual ativa e
41. GRATIDÃO: ser grato e agradecido.
satisfatória.
42. CRESCIMENTO: manter-se mudando e 92. SIMPLICIDADE: viver a vida de forma
crescendo. simples, com necessidades mínimas.
93. SOLIDÃO: ter tempo e espaço onde eu possa
43. SAÚDE: estar fisicamente bem e saudável.
ser para além de outros.
94. ESPIRITUALIDADE: crescer e amadurecer
44. HONESTIDADE: ser honesto e verdadeiro.
espiritualmente.
45. ESPERANÇA: manter uma perspectiva 95. ESTABILIDADE: ter uma vida que permanece
positiva e otimista. razoavelmente consistente.
96. TOLERÂNCIA: aceitar e respeitar aqueles
46. HUMILDADE: ser modesto e despretensioso.
que divergem de mim.
47. HUMOR: ver o lado cômico de mim e do 97. TRADIÇÃO: seguir padrões respeitados do
mundo. passado.
48. IMAGINAÇÃO: ter sonhos e ver as 98. VIRTUDE: viver uma vida moralmente pura e
possibilidades. excelente.
49. INDEPENDÊNCIA: estar livre de depender
99. RIQUEZA: ter muito dinheiro.
dos outros.
50. INDÚSTRIA: trabalhar duro e bem para as 100. A PAZ NO MUNDO: trabalhar para
minhas tarefas da vida. promover a paz no mundo.

LEMBRAR
Os cartões de valores são impressos em cartões individuais, que as pessoas podem classificar,
distribuindo-os em montes a partir de cinco fichas de cabeçalho: “o mais importante”, “muito importante”,
“importante”, “pouco importante” e “não importante”. Vale fornecer alguns cartões vazios para que as
pessoas possam adicionar os valores que não foram mencionados antes. Os cartões são de domínio
público e podem ser copiados, adaptados ou utilizados sem mais permissão. É também possível usar
menos de cinco pilhas para classificação, como “não importante”, “importante” e “mais importante”.

Explorando os 5 ou 10 valores mais importantes das pessoas, pode-se desenvolver uma compreensão
do que importa para elas e motivá-las. Essa exploração, por si só, pode levá-las a refletirem sobre as
discrepâncias entre o que valorizam e como estão vivendo suas vidas, pois, quando um comportamento
entra em conflito com um valor, em geral ocorrem mudanças de comportamento.
Araujo e colaboradores desenvolveram o inventário de avaliação dos valores pessoais (Quadro 6),
que também pode ser utilizado. O terapeuta solicita que o cliente escolha os três valores que considera
mais importantes, que os defina e que faça uma relação desses valores com o comportamento que
pretende mudar.

Quadro 6
INVENTÁRIO DE AVALIAÇÃO DE VALORES PESSOAIS

Marque com um X os três valores que considera mais importantes para a sua vida
( ) Segurança ( ) Ecologia ( ) Tradição
( ) Independência ( ) Excitação ( ) Virtude
( ) Justiça ( ) Fidelidade ( ) Riqueza
( ) Responsabilidade ( ) Fama ( ) Paz mundial
( ) Conhecimento ( ) Família ( ) Prazer
( ) Confiança ( ) Condicionamento físico ( ) Paixão
( ) Compaixão ( ) Flexibilidade ( ) Organização
( ) Criatividade ( ) Amizade ( ) Fidelidade
( ) Humor ( ) Perdão ( ) Equilíbrio
( ) Aceitação ( ) Diversão ( ) Inconformismo
( ) Realização ( ) Generosidade ( ) Disponibilidade
( ) Precisão ( ) Autenticidade ( ) Solidariedade
( ) Aventura ( ) Vontade de Deus ( ) Dinheiro
( ) Autoridade ( ) Crescimento ( ) Cuidado
( ) Autonomia ( ) Saúde ( ) Atenção
( ) Beleza ( ) Honestidade ( ) Satisfação
( ) Proteção ( ) Esperança ( ) Experimentação
( ) Atração ( ) Humildade ( ) Superação
( ) Desafio ( ) Produtividade ( ) Comprometimento
( ) Mudança ( ) Paz interior ( ) Dedicação
( ) Conforto ( ) Intimidade ( ) Eficiência
( ) Racionalidade ( ) Lazer ( ) Domínio
( ) Compromisso ( ) Amor ( ) Perfeição
( ) Cooperação ( ) Controle ( ) Conscientização
( ) Cordialidade ( ) Competência ( ) Outros valores:
( ) Popularidade ( ) Romance
( ) Poder ( ) Autoestima
( ) Objetividade ( ) Sexo
( ) Propósito ( ) Simplicidade
( ) Praticidade ( ) Isolamento
( ) Realismo ( ) Espiritualidade
( ) Risco ( ) Estabilidade
( ) Consideração ( ) Tolerância

BALANÇA DECISÓRIA
A balança decisória é uma estratégia pela qual serão discutidas as vantagens e desvantagens
de ter o comportamento disfuncional e as vantagens e desvantagens de deixar de fazê-lo.

Se, nas edições anteriores a balança decisória estava incluída entre as estratégias para desencadear a
conversa sobre mudança, na terceira edição, os autores abordam o tema em um tópico à parte,
salientando a importância da neutralidade do entrevistador na EM e que esta não é uma característica
pessoal, mas sim que deve ser buscada por meio de uma decisão consciente de evitar influenciar na
direção em que a ambivalência será resolvida. O Quadro 7 apresenta a balança decisória.

Quadro 7 Fonte: Miller e Rollnick (2013).1


BALANÇA DECISÓRIA
Vantagens de permanecer como está Vantagens de mudar
Desvantagens de permanecer como está Desvantagens de mudar

PLANEJAMENTO
O planejamento abarca o fortalecimento do compromisso com a mudança e o projeto de um plano de
ação. O trabalho, nesse ponto, é que o cliente persiga suas próprias soluções.
O planejamento da ação envolve o conhecimento de que a ambivalência pode reaparecer, mesmo
quando o clínico achava que estava resolvida. É um processo de negociação que engloba as
qualidades do clínico e a expertise do cliente, pois, em última análise, é ele quem levará (ou não) o
plano adiante.

LEMBRAR
Uma observação importante a ser feita é que o clínico pode estar equivocado com o estado de prontidão
do cliente e propõe o planejamento antes que o cliente esteja preparado para isso, o que pode provocar
uma queda no comprometimento do cliente

Miller e Rollnick sugerem alguns sinais a serem observados como pistas de que o cliente está pronto
para seguir para o planejamento:
Aumento Nas Conversas Sobre Mudança — o cliente fala mais sobre seus desejos e suas
habilidades para a mudança, bem como as razões e necessidade para que ela ocorra;
Subindo Degraus — o cliente pode conseguir subir apenas alguns degraus, sem relevância
quando tomado em perspectiva com tudo o que ele está decidido a fazer, mas qualquer degrau
na direção escolhida é motivo para otimismo e envolvimento curioso;
Diminuição Da Conversa De Sustentação — o cliente passa a defender menos o status quo;
Resolução — seria um “estado de quietude”, resignação, aceitação que envolve o cliente, antes
do aparecimento forte da conversa de mudança;
Prefiguração — o cliente está vendo como o futuro será e perguntando-se como as coisas serão
depois da mudança;
Perguntas Sobre A Mudança — o cliente começa a questionar como fará a mudança.
Quando o cliente apresentar os sinais de estar pronto para a mudança, deve ser feita uma
recapitulação, na qual o clínico fará um sumário das conversas sobre mudança do cliente, usando os
próprios argumentos do cliente a favor da mudança. Aqui os autores fazem uma comparação da
recapitulação com um buquê de flores: deve-se juntar as “flores” da conversa sobre mudança
(indicações do cliente querer mudar e resumir a motivação para mudança). Não se deve incluir muitas
“falas de sustentação”, somente se houver algum ponto particular enfatizado pelo cliente (devem ser
poucas folhas no buquê).

Não é adequado tomar notas durante as conversas, mas, caso seja necessário, que seja feito
rapidamente, anotando apenas algumas palavras, para não perder o contato visual, nem se distanciar
do que está ocorrendo na relação, para tomar notas. Os cenários para o planejamento podem ser
divididos da seguinte forma:
cenário 1 — mais simples é quando um plano claro já existe;
cenário 2 — há várias opções claras e a tarefa é a de escolher entre elas;
cenário 3 — há um objetivo claro, mas não é de todo aparente, como chegar lá, pois requer o
desenvolvimento de um plano a partir do zero.

No cenário 1, é importante resumir claramente o plano para que o paciente e o terapeuta tenham um
bom entendimento. Nesse ponto, podem ser utilizadas as seguintes estratégias:
evocar conversa ativação — “O quanto você está pronto para fazer isso?”;
perguntar sobre compromisso — “É isso o que você pretende fazer?”;
ser mais específico — “Como você pode se preparar?”;
definir uma data — “Quando você pode fazer isso?”;
preparar — “O que seria um primeiro passo?”;
solucionar problemas — “O que poderia dar errado?” “Quais são os possíveis obstáculos ou
dificuldades inesperadas que podem surgir?”.

No Quadro 8, pode-se observar um exemplo de escala para a realização de metas que pode ser
elaborada com o cliente na sessão terapêutica. Coloca-se no valor 0 a situação atual do cliente frente a
cada meta que pretende alcançar e, no valor +3, o resultado ideal. Vai sendo discutida uma escala de
aproximação ou distanciamento quanto à aproximação do resultado ideal

Quadro 8 Fonte: Adaptado de Miller e Rollnick (2013)


ESCALA PARA A REALIZAÇÃO DE METAS
Meta 1: Mais exercícios Meta 2: Mais quantidade do Meta 3: Diminuir consumo do
físicos sono álcool
+3 200min ou mais 8–9 horas 0–2 garrafas de cerveja
+2 131–199min 6–7 horas 3–5 garrafas de cerveja
+1 61–130min 4–5 horas 6–13 garrafas de cerveja
0 50–60min (esta semana) 3 horas por noite (esta semana) 14 garrafas de cerveja por semana
-1 31–49min 2 horas 15–16 garrafas de cerveja
-2 11–30min 1 horas 17–18 garrafas de cerveja
-3 10min ou menos 1 horas ou menos 19 garrafas ou mais

No cenário 2, por sua vez, deve-se:


 confirmar a meta e submetas ao longo do caminho e relacionar as opções que estão disponíveis ou
foram discutidas, e, com a autorização do cliente, pode-se oferecer o menu, com base, aqui, no seu
conhecimento, guidelines etc.;
 analisar palpites/preferências do cliente quanto ao melhor caminho a seguir, como, por
exemplo, “Entre estes caminhos diferentes, qual o que é mais atrativo para você? Quais são os
pontos fortes/fracos em cada uma das opções?”;
 resumir o plano e fortalecer o compromisso;
 resolver problemas, levantar quaisquer possíveis obstáculos que possam aparecer e tentar ver
com o cliente como resolvê-los, cuidando para não mudar para um estilo diretivo ou prescritor.

No cenário 3, não existem as opções observadas no cenário 2. A dupla vai colaborar na criação
das opções. Em resumo, a pergunta apresentada a seguir pode ser feita ao cliente:
Terapeuta: “Qual o próximo passo?” Cliente: “Não sei...”
Devem ser geradas alternativas, fazendo o brainstorming tradicional, uma vez que as opções vistas no
cenário 2 não existem aqui. Quando as alternativas surgem, configura o cenário 2. Se der sugestões,
deve-se pedir permissão e dar menu de opções (conjunto de alternativas).
Após as etapas, deve-se prosseguir com os passos do cenário 2, resumindo o plano e avaliando como
resolver possíveis dificuldades com a mudança.
Há uma diferença entre um plano de mudança e um plano de tratamento. O “tratamento”, na maioria
das vezes, representa apenas uma parte do plano de uma pessoa para mudar, e muitas vezes uma
pequena parte. A maioria das mudanças acontece sem qualquer tratamento formal. Um plano de
mudança é mais abrangente, abordando como uma pessoa vai proceder e como a mudança vai caber
em sua vida. Que contribuição (se houver) vai acontecer por meio do tratamento é apenas uma parte da
mudança.

IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DE MUDANÇA


Desenvolver o plano não é o final, mas o início de um processo. A implementação do plano de mudança
envolve não só ter o plano, mas a intenção e o compromisso de seguir em frente, de realizá-lo. O estilo
da EM pode ajudar a fortalecer o compromisso com o plano de mudança e tornar esse compromisso
público, e ter um suporte social e se automonitorar podem reforçar mais as intenções. Se o paciente não
estiver pronto para a ação, não se deve pressionar, mas mostrar-se disponível.

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