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ELENA BRUGIONI Literaturas africanas comparadas Paradigmas criticos € representa¢des em contraponto ‘rer Manca "Temes Dis Zan ATVARS Constho Eat Presidente Mancia Aware ‘Ava Gakuin oF Mauna Detrise Macit ~ Evens Dr Mesqurea Nevo Manco Baanro Manco FICHA CATALOGRAFICA ELABOKADA F210 DIRDTORIA DE TRATAMENTO DA INFORSIAGAO ‘ibteirit Mala Lick Nery Duta de Castro wt / 1724 TBSSL— Beagiont Ben Literaturasafrcanas comparadas: paradigms crkics © represen tagier em conraponto Elena Brugion, = Campinas, SP: Editors da ‘Unicmp, 2019. ermurfeicana (pout. 2. Fe srican. 3 Porelenialsna tnd, Oceano Hite Tit. Copyright © EleraBeogon Copyright © 2019byEaitora da Unie Dinos reserndore prtegidos pellet e10de 1921098 E proida produto tl os paca sem auton, Por ert dos detentorer dos dos Prise Bra Foto dept legal Direos reservados Btorada Uneamp 421 ~ Sandor (CEP L3085-859-Campinas—SP Bras “el (19) 3521-7718 7728 evwtrauncamp come = vendasgeditoriunicamphe ‘A mia madre Gianna. Senca il suo appoggio, incondizionato e quotidiano, non sarei mai riuscita a imparare e a essere. A minha mae Gianna. Sem sew apoio, incondicional e cotidiano, ‘nunca teria conseguido aprender e ser. pela lingua, o seu funcionamento, expondo assim os mecanismos internos menos visiveis, portanto mais perigosos, para tecer um véu ambiguo impalpivel - “um novo encoberto”, para citar uma definiglo de Margarida Ribeiro do luso-tropicalismo (Ribeiro, 2004: 153), ou 0 “Encoberto do século XX" (Ana Calapez Gomes) ~ nos simulacros imperiais.” © desvendamento através da lingua de fendmenos que nela se fundam para a ultrapassar torna-se um dos pressupastos criticos ‘matriciais no que diz respeito a uma redefinicdo epistemoldgica em torno das literaturas africanas, sugerindo a desconstruci0 ddos paradigmas dicotomicos por meio dos quais se observam a dimensio linguistica ¢ os seus desdobramentos fenomenoligicos © conceituais. A configuracao do texto literério como lugar da excegdo revela um aparato critico inédito e, a0 mesmo tempo, seminal para a observagao da intervengio aria como uma pratica cultural situada ~ “topogréfica” ~ e, logo, como um cespaso “mundano™ cujas implicagdes se desdobram em quadros tedricos ainda por delinear. © Vecchi, 2010, 86. © Derr, 1967. Said, 2004, 190 CAPITULO 9 ESCRE-VER (N)A POS-COLONIA: © TEATRO DE ABDULAI SILA’ No preficio a edigdo de 2011 de As oragées de Mansata,* Russel Hamilton efirma que a obra de Abdulai Sila representa “a primeira peca teatral da Guiné-Bissau a ser escrita e também uma das primeiras pecas do pés-independéncia em toda a Africa” Esse aspecto permite salientar algumas questoes de carter epistemol6gico, a meu ver, relevantes e que se prendem as aparentes auséncia, escassez e marginalidade do género teatral ¢ performativo no centinente africano, sugerindo uma reflexio em torno de paradigmas criticos e operacionais relacionados com 0s préprios conceitos de géneros artisticos e literdrios, ¢ evidenciando a necessidade urgente de uma reflexao tebrica no campo critico das literaturas africanas. De acordo com a anilise de Tejumola Olaniyan sobre as diferentes “manifestagdes draméticas ¢ teatrais” ~ escritas e performativas ~ na Africa,‘ é importante salientar 4 presenga e a prevaléncia de um certo eurocentrismo sugerido pela convicgao generalizada de que a existéncia de uma tradicdo tulo foi originalmente publicado como artigo em Leite etal, 2018, P. 9307 Sila, 201 Hamilton, 2011, pp. 92. * Obani 1, 2004 191 dramética africana estaria inevitavelmente ligada ao encontro com as culturas ¢ as tradigdes europeias. Um exemplo dese olhar eurocéntrico pode ser encontrado também nas reflexes desenvolvidas por uma das mais conceituadas estudiosas no campo dos estudos africanos, Ruth Finnegan, que, na sua obra fundamental, Oral tradition in African literature, no capitulo dedicado ao teatro (“Drama”), conclui que, apesar de muitos autores afirmarem a presenga de uma antiga e sdlida tradigao teatral no continente africano, a verdade é que o teatro nao representa uma forma de expressio artistica tipica e, logo, a mais consolidada desse continente” Contudo, 0 que leva a prestigiosa estudiosa a essa conclusio nao coloca em xeque a qualidade e 0 valor da sua imprescindivel pesquisa, que chama a atengio para ‘um aspecto epistemolégico relevante relacionado aos paradigmas operacionais que a sustém, Alias, tal como afirma Olaniyan, 0 que leva Ruth Finnegan a essas conclusdes, parcialmente inexatas, £a aplicagao de um principio de analogia que inviabiliza a incluso das diferentes préticas performativas africanas numa definigao eurocéntrica do conceito de performance e teatro, tal como ele € definido na tradigao europeia e, mais em geral, ocidental, Em outras palavras, no continente africano o teatro que se encontra relativamente escasso é um teatro de matriz ocidental, com as diferentes caracteristicas que correspondem ao que na tradigio europeia se define como teatro classico.* Por outro lado, 0 teatro, has suas diversas manifestagdes e modalidades — festivais erituais, teatro popular, teatro do desenvolvimento ou do oprimido, teatro cléssico de matriz ocidental, entre outros -, em todo 0 conti Ieyifo, 990; Olaniyan, 2004. Finnegan, 1970, ‘Hem, ibidem,p. 50 ess Olaniyan, 2004, p36 aoa africano possui umalonga e articulada tradigao, desempenhando ‘um papel crucial no Ambito das diferentes civilizagées africanas, desde os tempos mais antigos até a contemporaneidade. A Africa é o lar de varias tradigées teatrais, concebidas como ‘um conjunto de praticas marcadas culturalmente e conscientemente ‘em palcos, no espaga € no tempo, ¢ perante ume audiéncia, Muitas dessas tradigées sio de origem antiga, enquanto outras surgitam ‘com a colonizagio formal europeia do continente no século XIX € a subsequente imposigdo da educagio, da religido e da cultura ocidentais, As tradigdes mais antigas so na maior parte: «cexecutadas nas linguas indigenas africanas. Sua concepgio de espago escritas, improvisadas teatral ¢ fluida, ¢ as relages palco-pablico nio sio governadas por regras inflexiveis: qualquer espago pode ser transformado em um palco de performance, enquanto o piblico, dentro de fronteiras reconhecidas, csté livre para Interagir com os performers e performances em uma variedade de maneiras e ainda mais dentro e fora do espaco do teatro durante a performance? Nesse sentido, 9 caso da Guiné-Bissau nao constitui uma excegdo, tratando-se de um contexto no qual o teatro e a performance, nas suas diferentes praticas e manifestagies, gozam Idem, ibidem, p. 37. Tradugio minha. Texto original: “Africa is home to several traditions of theater, conceived as an ensemble of culturally marked and consciously stages practices in space and time and before an audience, Many ofthese traditions are of ancient origin, while others emerged with formal European colonization of the continent in the ninetieth century. and the subsequent imposition of western education, religion and culture, ‘The older traditions are mostly nonscripted, improvisatory and performed Jn indigenous African language. Their conception of theater space is fluid, and stage-audlence relations are not governed by inflexible rules: any space can be turned into a performance stage, while the audience, within acknowledged boundaries, is free to interact with the performers and performance in a variety of ways and even more in and out ofthe theater space during performance” 193, de uma longa e significativa tradigao, que remonta a tempos ja muito antigos € que, todavia, ndo se encontra muito estudada quer no Ambito dos estudos teatrais propriamente ditos, quer nas pesquisas de cariz literario/ Ndo tendo aqui a possibilidade de abranger um arco temporal mais vasto, pode-se salientar que, ainda que 86 a partir da década de 1950 ~ momento inaugural do surgimento dos movimentos independentista ede luta de libertacio nacional, tais como 0 Movimento para a Independéncia Nacional da Guiné (MING), fundado em 1955, e o Partido Africano para a Independéncia da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC), que surge «em 1956 , € conhecido o papel central do teatro nas campanhas de sensibilizagao politica em vista da promogdo da causa da autodeterminagio e da uta pela independéncia. Alids, ness sentido, afirma Carlos Vaz: “O teatro passa a ter um lugar de vanguarda na lta de libertacdo nacional, pois serviu-se dele para campanhas de consciencializagdo ¢ de mobilizagao para esclarecer a populacio sobre a necessidade da luta contra 0 colonial-fascismo".” Por conseguinte, de acordo com [ris Maria Costa Amancio," o teatro guineense intensifica-se no periodo pés-independéncia, com ‘o-aparecimento de varios grupos, como, por exemploy Esta éa nossa patria amada; 0 Grupo Experimental Afrocid; 0 Grupo Teatral Nacional Okinka Pampa; o Grupo Teatral de Bafaté; ¢, em tempos ‘mais recentes, Grupo de Teatro do Oprimido ~ GTO, fundado em 2004 € que tem proposto trabalhos relevantes em diferentes regides da Guiné-Bissau e no estrangeiro, tornando, desse modo, ainda mais evidente, dentro e fora do pais, uma tradigao teatral | ampla e consolidaday Por conseguinte, é exatamente inserida nessa tradigdo que a obra de Abdulai Sila deve ser observada, procurando estabelecer uma dimensio contextual e de género que © Vaz, 1978, p75 "Amancio, 201, 194 se fundamenta no reconhecimento do teatro e da performance como praticas artisticas qantitativa e qualitativamente relevantes no horizonte cultural, | e politico da Guiné-Bissau, Ademais, uma perspectivacao mais alargada do teatro guineense parece contribuir para uma contextualizagdo mais situada do texto dramitico e da performance no especifico do contexto nacional guineense, abrindo para uma reflexio critica e epistemolégica em torno da tradigio dramatiirgica, em svas diferentes modalidades ¢ manifestagdes, ‘num panorama regional e transnacional mais amplo, Alias, tal como evidenciado através da reflexdo de Olaniyan, torna-se fundamental ‘uma reconfiguragio os paradigmas epistemoligicos que informam © olhar critico em torno do género teatral e de suas modalidades performativas, no caso especifico da Guiné-Bissau, promovendo, desse modo, o reconhecimento de diferentes e varias modalidades por meio das quais 2 tradigdo teatral guineense pode estruturar- -se, para além das formas de representacao anilogas @ tradiga0 ceuropeia/ Em vista de um possivel, etalvez necessario, contraponto entre o campo criticoliteririo € 0s estudos teatrais ¢ performativos, parece-me que uma reflexdo em torno dos paradigmas criticos {que sustentam certos posicionamentos ¢ sistematizagdes dentro do chamado “campo literério™ contribuiria para desmontar um lugar-comum bastante estabelecido no que vem sendo definido como literaturas africanas de lingua portuguesa e que se prende uma aparente escasse das vores literdrias, remetendo 0 género teatral para um lugar especialmente marginal dentro das produgdes literarias e culturais dos contextos africanos de lingua portuguesa Abdulai Sila nasceu em Cati6, na Guiné-Bissau, em 1958. Apés 1 proclamagio da independéncia nacional, a 24 de setembro de 1973, participou das brigadas de alfabetiza¢io, sob a orientacdo Bourdieu, 195, 195, de Paulo Freire. Formou-se em engenharia eletrotécnica pela Universidade de Dresden, na Alemanha, e dedicou-se aos estudos das tecnologias de informacao e comunicagio, tornando-se empresério nessa area. £ cofundador, com Teresa ‘Montenegro e Fafali Kouduwa, da Ku Si Mon, primeira editora privada guineense. Participou na fundacao da revista Tcholona € do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa/Inep da Guiné Bissau. B autor de trés romances: A tiltima tragédia, escrito em 1984, mas publicado em 1995; Eterna paixao (1994) e Mistida (1997). As trés obras viriam a ser publicadas em 2002, pelo Centro Cultural Portugués do Mindelo, sob 0 titulo de Mistida: Trilogia, Sila publicou também duas pegas teatrais: As oragdes de Mansata (2007) ¢ Dois tiros e uma gargalhada (2013). Além das obras mencionadas, Abdulai Sila é autor de intimeros contos € cronicas em revistas ¢ jornais nacionais e internacionais, ¢ sua obra encontra-se traduzida em varias linguas. As oragdes de Mansata ~ originariamente publicada pela Ku Si Mon Editora ‘em 2007 € reeditada em Portugal em 2011 pela Cena Luséfona ‘no Ambito do Projeto P-Stage” ~ é uma pega teatral em seis atos, livremente inspirada no Macbeth de William Shakespeare, "As oragdes de Mansata integra uma selegio de textos teatrais de diferentes palses da CPLP que participaram no Projto P-STAGE ~Portuguese-Speaking. ‘Theatre Actors Gather Energies TV Estigio Internacional de Atores Lusdfonos, financiado pela Unido Europea e pelo Secretariado dos Paises ACP no dmbito do programa ACP Cultures +, O projeto liderado e promovido pela Cena {Las6fona ~ Associagio Portuguesa pelo Intercimbio Teatral foi deseavolvide {emparceriacomo Elings Teatro (Angola) ea AD - Acio parao Desenvolvimento (Guine-Bissau), ¢ tem como associados o Centro de Intercimbio Teatral de Sio Tomé e Principe, o Teatro Vila Velha (Salvador, Brasil) eas companhlas de teatro profissonal A Escola da Noite e Companhia de Teatro de Braga (Portugal) eo Centro Dramético Galego (Espanha). As informagdesrelativas & Cena Luséfona e ao Projeto P-Stage encontram-se disponiveisem e-. 196 Procurando desenvolver, de um ponto de vista critico, a articulagao entre os conceitos de poder e desejo que pauta As oragoes de Mansata surge uma perspectivacao por meio da qual a intersegdo entre a representacao proposta pelo autor ¢ a situagdo politica da na¢do pés-colonial guineense se torna particularmente emblematica, revelando o cariz “preemptivo"™ ¢ simultaneamente “situado”’ desse texto, cuja natureza performativa indicia uma reflexo em torno do papel da representacio literdria e cultural como espaco e instancia de uma ado de matriz politica. ‘No entanto, observando a obra de Abdulai Sila de uma forma mais abrangente e procurando um enquadramento de cariz intertextual, As oragdes de Mansata situam-se numa relagao significativa com o romance Mistida. Pense-se, por exemplo, em algumas das personagens-chave de Mistida - Yem Yem Amambarka ~ que transitam do romance para a pega teatral, nna qual Yem Yem € conselheiro para assuntos de mukur-mukur (secretismo) e Amambarka ~ personagem-chave das Oragoes = & conselheiro de tchumul-tchamul (confusao e desordem), Com efeito, em Mistida, bem como em As oragdes de Mansata, Abdulai Sila narra poe em cena aquilo que Laura Cavalcante Padilha define comoo escurecer do ‘Sol das Independéncias”,? que, na pega teatral,é articulado em torno do tema do poder ¢ do desejo que the subjaz, desenhando a trama de um complé Refro-me ao ensaio publicado por Nganang, 2007, no qual o conccito de Preemptive ~ neologismo também na lingua francesa ~ poderd corresponder ainda a dimensio criticaeconceitual deuma literatura queésimultaneamente, reventivae antecipatiria, Hall 1990 f Ranciere, 2008, paditha, 2011p. 184, 97 (que se desenrola através da busca de uma misteriosa mulher ~ ‘Mansata ~ cujas oragdes seriam a chave para resolver todos os problemas da “nossa querida nacao”,"* transformando quem as possui num novo e paderoso “supremo chefe” do pais. Os varios conselheiros do supremo chefe entram entéo num ~ multiplice € ambiguo ~ jogo de traigoes ¢ deslealdades reciprocas, que desembocaré na morte do supremo chefe e de todos 0s seus conselheiros, deixando 0 mistério ~ a mistida ~ das oracées, eda ‘mesma Mansata, irremediavelmente irresolvido, Na encenagao teatral da pega,” sdo intimeras as estratégias performativas que apontam para leituras politicas e contextuais embleméticas, indiciando contrapontos entre as situagdes e as problematicas representadas na pega e os acontecimentos que marcaram 0 p6s-independéncia na Guiné-Bissau. Nesse sentido, sio sem diivida paradigmaticos os préprios conselheiros do supremo chefe que, na primeira reunido, aparecem como elegantes homens de negécios (imagem 1) para se transformarem em militares € generais (imagem 2), com 0 objetivo de procurar Mansata, desencadeando, a0 longo dessa busca, uma sequénc de traigdes reciprocas que levard todos a morte. Surge, a esse propésito, uma dinamica que corresponde & dimensio politica daquilo que se pode definir como estratégia golpista que encontra na violencia € na usurpagao os mais emblematicos meios de levar a cabo a Sia, zon. ° Idem, ibidem. % Sob a diresdo artstca de Antnio Augusto Barros ~ Escola da Noite e Cena Las6fona ~, pega foi apresentada ao péblico em 2013, 10s paleos de diversas cidades em Portugal, e nos diferentes paises envolvidos no projeto, numa ‘igressio intercontinental caracterizada por uma boa recepsio em termos de piblico ede critica. A gravagdo do espeticulo encontra-se disponivel no Centra de Documentagio da Cena Luséfona,chitplieenalusofona.ptinden. ‘Php/centro-de-documentacao-e-informacao/>, Acesso em fev. 2035. 198 procura de Mansate, revelando a prevaléncia da pulsio individual de cada conselheiro para alcangar aquilo que podera conferir-Ihe poder, No texto, bem como na encenagao teatral da pega, 0 teor grotesco e tragicOmico que caracteriza essa parte da narrativa evidencia um posicionamento critico e, simultancamente, didatico da representagdo, apontando para aquilo que Achille Mbembe define como “estética da vulgaridade” e, logo, mostrando como 0 “grotesco e 0 obsceno” representam duas caracteristicas intrinsecas dos regimes de poder ¢ dominagio na pés-colénia.* Num enredo em que a dimensio genolégica € conceitual do trdgico® representa um itinerdrio critico € epistemolégico, ser davida, significativo, coloca-se um conjunto de questdes relevantes no que diz respeito a observacio do texto como narrativa do Estado-Nagdo pés-colonial. Em prim ctitico e politico de Amilcar Cabral desempenha na producéo literaria de Abdulai Sila,** pode-se salientar como As oracées de ‘Mansata evidenciam a dimensio de continuidade e coletividade que pauta 0 pensemento politico de Cabral. Alids, apesar do enredo distopico que caracteriza texto, a pega sugere uma © lugar, tendo em conta relevo que o pensamento dimensio temitica e conceitual que chama a atengao para uma preservagao da esperanga, sugerida, em primeiro lugar, pelo aparecimento de uma “obra que continua” por ser fruto néo de tum individuo, mas sim de mu 1a gente. Com efeito, a morte de 2 Mbembe, 2001 % Idem, 2000, p.125 055 ® Para uma reflexio em torno do trigico numa articulagio critica © epistemolégica de matriz pds-colonial, cf Sehurmans, 2014 A esse propesito, penso nas préprias posigbes explicitadas por Sila em entrevistas nas leturas em contraponto que marcam a produsio critica sobre o autor, nomesdamente as de Padilha, out; Augel, 20075 Dutra 201 Cabral, 999. 199 todos os conselheiros envolvidos na procura das oracdes ¢ da propria Mansata oferece a possibilidade de refletir em torno da ‘elagdo entre poder, morte e comunidade - isto é, da ideia mitica de nagdo -, encarando “o desafio do escombro” - utilizando a agua definicdo de Moema Patente Augel - como ponto de partida Para feposicionar os imperativos de “Fé e Empenho” e“Esperanga ¢ Futuro’ que devem sustentar o éxito do projeto de construgao. do Estado-Nacdo na Guiné Bissau. Ora, o texto de Abdulai Sila - apesar do seu teor trigico e de Problematizar a ausénca daquelesprincipios que, na ideologia ds luta de libertagao do colonialismo e da autodeterminagao, Ahmad, 1992, 1995, 204 de (re)visao do canone ocidental ocorre em diferentes escritas e representac6es que sz inscrevem na pés-coldnia africana, 0 seu significado critico e politico obriga a uma dimensio contextual espectfica, encarando, desse modo, as representagdes literarias e culturais como “experiéncias epistemol6gicas que renovam as formas de perguntar, traduzir e trabalhar com o ingovernavel ou 0 surpreendente’ ¢, logo, como praticas de reflexio e de produséo de um conhecimento indispensivel para compreender as multiplices (des)ondens espacotemporais da pés-colonialidade* logo, de sua gramética critica, Garcia Candin, 201, p. 50, 5 Sassen, 2000, pp. 215232 205

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